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A Morte Feliz PT-páginas-12
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o]
coisa que, com um pouco mais de abandono, teria podido considerar
amizade.
CAPÍTULO IV
3
ALBERT CAMUS [An
o]
— Você é pobre, Mersault. Isso explica a metade de seu
desgosto. E a outra metade, você a deve à absurda aceitação com
relação à pobreza.
Mersault continuava de costas para ele, olhando as árvores sob
o vento. Zagreus alisou com a mão a manta que lhe cobria as pernas.
— Sabe, um homem se julga sempre pelo equilíbrio que obtém
entre as necessidades de seu corpo e as exigências de seu espírito.
Você, você está se julgando, e de uma maneira suja, Mersault. Vive
mal, como bárbaro. — Virou a cabeça na direção de Patrice: — Você
gosta de dirigir, não é?
— Sim.
— Gosta de mulheres?
— Quando são bonitas.
— E o que estou querendo dizer. — Zagreus voltou-se na
direção do fogo.
Logo depois, recomeçou:
— Tudo isso...
Mersault virou-se, e, apoiado nas vidraças, que cediam um
pouco às suas costas, esperou pelo fim da frase. Zagreus continuou
mudo. Uma mosca precoce vibrou contra a vidraça. Mersault voltou-
se, prendeu-a na mão e depois libertou-a. Zagreus olhava para ele e
disse com hesitação:
— Não gosto de falar a sério. Porque, nesse caso, só há uma
coisa da qual se pode falar: a justificativa que se dá à própria vida.
Não vejo como eu poderia justificar a mim mesmo as minhas pernas
mutiladas.
— Nem eu — disse Mersault, sem se virar.
O riso claro de Zagreus explodiu de repente.
— Obrigado. Não me deixará nenhuma ilusão. — Mudou de tom:
— Mas tem razão em ser duro. No entanto, há uma coisa que gostaria
de lhe dizer. — Sério, ele calou-se. Mersault veio sentar-se à sua
frente.
“Escute — refletiu Zagreus — e olhe-me. Ajudam-me a fazer
minhas necessidades. Depois, lavam-me e me enxugam. O pior é que
pago a alguém para fazer isso. Pois bem, eu não faria nunca um gesto
para abreviar uma vida na qual creio tanto. Aceitaria pior ainda, cego,
mudo, tudo o que quiser, desde que apenas eu sinta no meu ventre
esta chama escura e ardente que sou eu, e eu vivo. Não pensarei a
não ser em agradecer à vida por ter permitido que eu sobrevivesse.
— Zagreus reclinou-se, um pouco ofegante. Não conseguia vê-lo
tão bem agora, apenas um reflexo lívido que os cobertores deixavam
sobre o queixo. Disse, então: — E você, Mersault, com esse seu corpo
(4), o seu único dever é viver e ser feliz.
— Não me faça rir — respondeu Mersault. — Com oito horas de
escritório (5). Ah, se eu fosse livre!
Animara-se ao falar, como acontecia às vezes; a esperança o
retomava, mais forte hoje por se sentir ajudado. O fato de poder,