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Mestrado em Educação/Currículo
Universidade Save
Massinga
2022
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Universidade Save
Massinga
2022
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Índice
1. Introdução ........................................................................................................................... 3
2. Currículo ............................................................................................................................. 5
1. Introdução
No entanto, dada a abrangência da sua influência, o currículo deixou de ser analisado como
simples área técnica pedagógica, e passou a ser estudado considerando também questões
culturais, sociológicas, político-ideológicas, económicas e epistemológicas2.
As primeiras menções ao currículo de que se tem registo, numa perspectiva educacional, datam
do séc. XVI3, e com o transcorrer do tempo, os significados atribuídos ao conceito foram
sofrendo profundas transformação, sendo que a epistemologia do termo pode ser melhor
entendida olhando para as suas três teorias básicas – Tradicionais, Críticas e Pós-Críticas.
Desta feita, o presente Ensaio tem como objectivo fazer uma análise crítica do PCEP em relação
aos princípios básicos das teorias Pós-Críticas do currículo, com vista a perceber até que ponto
estes princípios são reflectidos no PCEP.
A escolha desta abordagem é motivada pela necessidade de explorar mais um ângulo de análise
do nosso problema de pesquisa para a Dissertação, que tem a pretensão de perceber os contornos
da Política de Progressões no Subsistema de Educação Geral (SEG) do Sistema Nacional de
Educação (SNE) no contexto da prática. Dentre vários outros aspectos4, a Política de
1
Sacristán (2013).
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O Currículo não é mais um elemento neutro de transmissão desinteressada de conhecimentos, estando agora
implicado em relações de poder, produzindo identidades sociais particulares e interessadas. O currículo (…) é
vinculado a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação (Moreira & Silva 2002).
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Nos registos da Universidade de Leiden (1582) consta que "tendo completado o curriculum de seus estudos” o
certificado era concedido ao aluno. Na Universidade de Glasgow (1633) e na Grammar School de Glasgow (1643),
o curriculum referia-se ao curso inteiro de vários anos, seguido pelos estudantes (Hamilton, et. al. 1980).
4
Zucula (2021); Muhache (2021); Beira, Vargas & Gonçalo (2015), estudaram o SNE e avançaram algumas razões
para o défice de Qualidade da Educação em Moçambique, como a remuneração baixa, profissão pouco valorizada
socialmente, desmotivação e baixa autoestima do professor; influência do poder político e dependência no
financiamento externo.
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Progressões tem sido frequentemente apontada como sendo uma reforma inadequada ao
contexto moçambicano e potencial responsável pelo défice de qualidade no nosso sistema
educacional. Nesta óptica de ideias, mais do que rotular pejorativamente a reforma, julgamos
ser relevante procurar perceber a sua adequação aos princípios pós-críticos de desenvolvimento
curricular, por forma a deduzirmos se o problema está na política educacional ou na respectiva
implementação.
Quanto à metodologia, o presente Ensaio tem uma abordagem qualitativa5, e além da revisão
bibliográfica, os seus dados resultam da análise documental6 – o PCEP.
No concernente à estrutura, o presente Ensaio está organizado em três partes básicas: (i)
Introdução – onde fazemos a contextualização da abordagem, a exposição dos objectivos que
pretendemos alcançar com o Ensaio e a respectiva metodologia de pesquisa; (ii)
Desenvolvimento – onde aprofundamos a abordagem do problema trazendo referenciais
teóricos das teorias Pós-Críticas do currículo e a consequente análise do PCEP; e por último,
(iii) Conclusão – onde tecemos as nossas considerações finais em torno dos resultados da
análise do PCEP em relação às teorias Pós-Críticas do currículo, tendo em vista a sua
contribuição na Qualidade do Subsistema de Educação Geral.
5
As pesquisas qualitativas dispensam técnicas estatísticas na análise de dados, e segundo Bodgan & Briklen
(1994), estas pesquisas são também descritivas, ou seja, os resultados podem ser expressos na forma de transcrição
de documentos.
6
De acordo com Severino (2007) e Gil (2002), a pesquisa documental funda-se em documentos que ainda não
receberam nenhum tipo de tratamento analítico, isto é, documentos tidos como matéria prima para a investigação.
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2. Currículo
Tal como já se fez referência na secção anterior, as primeiras alusões ao lexema Currículo datam
do século XVI nas universidades de Leiden (1582) e Glasgow (1633), com significados mais
restritos e estáticos (trajetória académica/curso; grelha de conteúdos), sendo que a sua
teorização situa-se no século XX, com a elaboração do primeiro tratado de currículo – The
Curriculum – em 1918, por Franklin Bobbit, nos Estados Unidos.
Em Silva (1999, p. 12) pode-se ler que nesta época “o currículo é visto como um processo de
racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados e medidos.
O modelo institucional dessa concepção de currículo é a fábrica.”
Outros nomes sonantes nas teorizações do currículo são Tyler e Dewey que, embora com
perspectivas diferentes, criticavam o currículo académico ou humanista, propondo um currículo
tecnicista e com enfoque activo, repectivamente.
Nos anos 60 estes enfoques vestem nova roupagem com os referenciais da análise sistêmica. O
currículo passa a ser tratado como um sistema tecnológico de produção. Este enfoque de
currículo propõe que os resultados da aprendizagem sejam traduzidos em comportamentos
específicos definidos operacionalmente. Surgem, ainda nestes anos, Bourdieu e Passeron,
Baudelet e Establet, com críticas dirigidas ao sistema de ensino e aos currículos tecnicistas
baseados na administração científica. As teorias francesas, ao contestarem o status quo do
currículo, provocaram a abertura de novas perspectivas de estudos de currículo que se
prolongaram pelas subsequentes teorizações curriculares (Silva 2006).
6
As teorias pós-críticas são mais problematizadoras que as críticas no concernente aos processos
de dominação social, discutindo aspectos da dominação e opressão outrora apagadas, tais como
nas relações de poder materializadas na distinção social, econômica, étnica, cultural, de gênero
e de sexualidade8.
Num trabalho dedicado única e exclusivamente às teorias do currículo, Silva (1999) apresenta
um leque de palavras que melhor caracterizam as teorias pós-críticas:
Após debruçar-se sobre os conceitos acima arrolados e a sua relação com o currículo, Silva
(1999) termina sentenciando que: “o currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação
de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia (…). O
currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade” (p. 150).
7
(Freire & Vieira, 2019, p. 6).
8
(Silva, 2010, apud. Freire & Vieira, 2019).
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uniformizando, através dos media, os gostos alimentares, actividades de lazer, formas de vestir,
etc., o que permite a consolidação de um mercado de consumo mais global e o fortalecimento
de certas economias.
Nesta perspectiva, o currículo liberal e humanista deve ensinar o respeito e tolerância pelas
diversas culturas. Contudo, o valor semântico dos termos tolerância e respeito por si só já traz
consigo uma significativa carga discriminatória, na medida em que quem tolera se sente
superior, e o respeito implica essencialismo cultural. Sendo assim, para Silva (1999), mais do
que a tolerância e o respeito, o currículo deve prever uma análise dos processos pelos quais as
diferenças são produzidas através de relações de assimetria e desigualdade, ou seja, mais do
que tolerada e respeitada, a diferença deve ser permanentemente colocada em questão.
O PCEP está alicerçado à nova Lei do SNE9, e já nesta Lei pode-se perceber que o Estado
moçambicano está atento às questões multiculturais inerentes ao currículo pós-crítico, ao
mencionar nos seus princípios gerais e pedagógicos a necessidade de que se estabeleça uma
ligação activa entre a escola e comunidade, numa perspectiva em que a escola dinamize o
desenvolvimento cultural da comunidade e receba dela as orientações necessárias para a
realização do ensino.
Por sua vez, o PCEP aprofunda ainda mais a abordagem multicultural reconhecendo o dilema
da necessidade de afirmação das identidades nacionais diante da forte tendência de construção
de uma aldeia global.
(…) torna-se necessário considerar estes e outros factores socioculturais no currículo. Assim
sendo, é importante o envolvimento efectivo da comunidade no processo de ensino-
aprendizagem, pois ela pode garantir o acesso e a retenção dos jovens na escola, em particular,
das raparigas. Não se trata de transformar a escola num instrumento privilegiado para a
preservação das culturas tradicionais, mas sim num espaço de interação entre as culturas das
comunidades e os novos paradigmas da cientificidade11.
9
Lei n.º 18/2018 de 28 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico do Sistema Nacional de Educação.
10
INDE (2020).
11
INDE (2020, p. 8).
8
O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. (…) O conhecimento sobre raça
e etnia incorporado no currículo não pode ser separado daquilo que as crianças e os jovens se
tornarão como seres sociais. (…) Uma perspetiva crítica buscaria incorporar ao currículo,
devidamente adaptadas, aquelas estratégias de desconstrução das narrativas e das identidades
nacionais, étnicas e raciais. Não se trata simplesmente de celebrar a diferença e a diversidade,
mas de questioná-las.13
Cientes de todo o debate existente em torno dos termos em discussão nesta secção (raça e etnia),
ariscámo-nos a afirmar que Moçambique é um país de vasta diversidade étnica, no entanto, o
mesmo não se pode dizer sobre a raça. Talvez seja por este facto que em termos literais, pouco
se mencionam aspectos ligados à raça no PCEP. Entretanto, o mesmo não se pode dizer sobre
questões ligadas à cultura e etnia, visto que o Plano Curricular reserva da sua grelha de
conteúdos um total de 20% para a abordagem de conteúdos identificados e planificados ao nível
local (currículo local).
12
Ibid., (p. 99).
13
Ibid., (p. 102).
9
Neste contexto, uma das actividades desencadeadas no combate aos estereótipos do género foi
a revisão dos textos das políticas curriculares, eliminando, por exemplo, dos manuais escolares,
a menção das mulheres simplesmente como enfermeiras e os homens como médicos, porque
tais abordagens deixavam transparecer que a mulher não era capaz de frequentar cursos de
medicina, e que estes estavam reservados apenas aos homens.
Numa segunda fase da análise dos estereótipos do género, “a ênfase desloca-se do acesso para
o quê do acesso. Não se trata mais simplesmente de ganhar acesso às instituições e formas de
conhecimento do patriarcado, mas de transformá-las radicalmente para refletir os interesses e
as experiências das mulheres.”14
A perspectiva feminista é importante para a teoria curricular porque permite-nos perceber que
o currículo pode ser claramente masculino e ser a expressão da cosmovisão masculina. Nesta
óptica, a solução consistiria na construção de currículos que reflitam, de forma equilibrada,
tanto a experiência masculina quanto a feminina15.
No que tange o PCEP, está arrolada como uma das estratégias de implementação do currículo
a Educação inclusiva, uma estratégia que, entre outros aspectos, preconiza o desencadeamento
de acções de promoção da equidade de género, destacando acções que promovam o ingresso da
rapariga e o desenvolvimento de estratégias para a sua retenção.
Associado a isto, pode-se ler também no Plano Estratégico da Educação (PEE) o seguinte
objectivo:
14
Ibid., (p. 93).
15
Ibid.
16
MINEDH (2020, p. 39).
10
Estas referências indicam que o Estado Moçambicano não está alheio às discussões Pós-Críticas
do currículo sobre o feminismo, e mais do que isto, tenta adequar os seus currículos
oficiais/prescritos à epistemologia do feminismo.
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3. Considerações finais
Tal como se pode ler nas teorias Pós-Críticas, mais do que respeitar a diferença, o currículo
precisa ir mais fundo e questionar os processos que geram as diferenças e transformar
radicalmente as instituições onde este é materializado por forma a reflectir os interesses e
experiências de cada grupo social/identitário distinto.
Transcorrido o Plano Curricular do Ensino Primário e alguns dos documentos a ele associados,
constatamos que o Estado Moçambicano está ciente da evolução semântico-epistemológica do
currículo ao longo das teorizações e tenta enquadrar as suas políticas de educação em geral, e o
PCEP em particular, às exigências pós-críticas da concepção curricular.
4. Referências bibliográficas
Freire, M. G. F., Vieira, D. D. (2019). Reflexões sobre o currículo: das teorias tradicionais às
teorias pós-críticas. VI CONEDU, Campina Grande: Realize Editora. Recuperado em:
https://www.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/62433.
Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. (4.ª ed.). São Paulo, Brasil: Atlas.
Hamilton, D., Gibbons, M. & Brill, E. J. (1980). Notes on the origins of the educational terms
Class and Curriculum. University of Glasgow, Scotland: UK. Recuperado em:
https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED183453.pdf
Moreira, A. F. & Silva, T. T. (Orgs.). (2002). Currículo, cultura e sociedade. (7.ªed.) São Paulo,
Brasil: Cortez.
Severino, A. J. (2007). Metodologia do trabalho científico. (23.ª ed. rev. e atual.). São Paulo,
Brasil: Cortez.