EDF0289 - Introdução aos Estudos da Educação: Enfoque Sociológico
(2023)
Professora Maria da Graça Jacintho Setton
Turma: 2023122
Aluno/NUSP: Rafaela Cristina da Silva Gonçalves – 12704219
Fichamento do texto: BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital
cultural. In: Escritos de Educação / Maria Alice e Afrânio Catani (organizadores) – Petrópolis, RJ: Vozes, 1999, 2º edição. pp. 71-79.
“Capital cultural”, inicialmente, é um conceito usado para abarcar a
desigualdade de desempenho escolar de crianças de classes socias diferentes, relacionando-o com o sucesso escolar (para espaço no mercado de trabalho), fazendo assim a ruptura com as ideias de “aptidão natural” no tocante a esse sucesso ou fracasso acadêmico.
Muitas vezes, os economistas esquecem de estabelecer a relação entre
o lucro do investimento educativo com o lucro que cada um pode gerar no mercado de acordo com o volume e a estrutura de seu patrimônio cultural (e, portanto, ter mais chances de atuação e predileção). Além disso, a própria transmissão doméstica de capital cultural se manifesta com grande peso na vida das pessoas. “Aptidão” e “dom” são atributos que resultam, na verdade, de investimento em tempo e em capital cultural. Ideias que tratam da contribuição que a educação traz à “produtividade nacional” comumente ignoram como o sistema de ensino embasa a reprodução de uma estrutura social deplorável de privilégios pré-estabelecidos. Assim, o rendimento escolar depende do capital cultural previamente investido pela família que, dependendo de seu capital econômico e social (que também é herdado), privilegia um espaço de qualidade para o estudante em seu futuro ofício.
Dessa forma, o capital cultural existe sob três formas: no estado
incorporado; no estado objetivado; e no estado institucionalizado.
No estado incorporado, entendemos que a acumulação de capital
cultural exige, portanto, uma incorporação que custa tempo e deve ser investida pessoalmente pelo investidor, um trabalho do homem sobre si mesmo. Esse capital é um “ter que se tornou ser”, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da "pessoa", um habitus. Ele não é transmitido instantaneamente (diferentemente do dinheiro, do título de propriedade ou mesmo do título de nobreza) por doação ou transmissão hereditária, por compra ou troca, mas é adquirido inconscientemente. Está ligado à pessoa e é objeto de uma transmissão hereditária praticamente invisível, portanto propriedade herdada e acrescentada pelo próprio indivíduo ao seu patrimônio hereditário – que acumula os prestígios da propriedade inata e os méritos da aquisição. O capital incorporado está mais predisposto a funcionar como capital simbólico, onde o capital econômico não é plenamente reconhecido (como em coleções de pintura ou das grandes fundações culturais). Há benefícios materiais e simbólicos para quem tem forte capital cultural. Na transmissão deste último, reside o princípio mais poderoso da eficácia ideológica do capital incorporado: a acumulação inicial do capital cultural só começa desde a origem, sem atraso, pelos membros das famílias dotadas de um forte capital cultural. Assim, é por intermédio do tempo necessário à aquisição que se estabelece a ligação entre o capital econômico e o capital cultural, tempo esse que gera as diferenças no capital cultural possuído pelas famílias: o tempo durante o qual alguém pode prolongar seu empreendimento de aquisição depende do tempo livre que sua família pode-lhe assegurar para a acumulação inicial.
Já no estado objetivado, o capital cultural possui um certo número de
propriedades em suportes materiais, tais como escritos, pinturas, monumentos etc.; portanto, é transmissível em sua materialidade. Uma coleção de pinturas, por exemplo, transmite-se tão bem quanto o capital econômico. Mas o que é transmissível é a propriedade jurídica da apropriação específica, ou seja, a posse de instrumentos submetidos às mesmas leis de transmissão. Assim, os bens culturais podem ser uma apropriação material ou simbólica, que pressupõe o capital cultural. Consequentemente, o proprietário dos instrumentos de produção deve encontrar meios para se apropriar ou do capital incorporado que é a condição da apropriação específica, ou dos serviços dos detentores desse capital. Esse estado, apesar de ser o produto da ação histórica, tem suas próprias leis, transcendentes às vontades individuais, mas ele só existe e subsiste como algo que funciona com a condição de ser apropriado pelos agentes e utilizado como arma e objeto das lutas que se travam nos campos da produção cultural (campo artístico, científico, etc.) e no campo das classes sociais, onde os agentes obtêm benefícios proporcionais ao domínio que possuem desse capital objetivado, portanto, na medida de seu capital incorporado.
Por fim, temos o estado institucionalizado. O diploma, certidão de
competência cultural que confere ao seu portador um valor juridicamente garantido no que diz respeito à cultura, fica sob os pés do capital cultural instaurado pela “magia coletiva”, força invisível de um pacto social do poder de instituir, poder de fazer ver e de fazer crer, ou, numa só palavra, de fazer reconhecer – assim como a crença no grupo em seu próprio valor e que se define na oposição aos outros grupos. Com o reconhecimento institucional, o certificado escolar possibilita a comparação entre os diplomados e sua “permuta", além de desenhar uma linha tênue entre o capital cultural e o capital econômico, garantindo o valor em dinheiro de determinado capital escolar. Produto da conversão de capital econômico em capital cultural, ele estabelece o valor, no plano do capital cultural, do detentor de determinado diploma em relação aos outros detentores de diplomas e, inseparavelmente, o valor em dinheiro pelo qual pode ser trocado no mercado de trabalho - o investimento escolar só tem sentido se um mínimo de reversibilidade da conversão que ele implica for objetivamente garantido. Pelo fato de que os benefícios materiais e simbólicos que o certificado escolar garante, dependem também de sua raridade, pode ocorrer que os investimentos (em tempo e esforços) sejam menos rentáveis do que se previa no momento em que eles foram realizados (com a modificação da taxa de convertibilidade entre capital escolar e capital econômico). As estratégias de reconversão do capital econômico em capital cultural, que estão entre os fatores da explosão escolar e da inflação de diplomas, são comandadas pelas transformações da estrutura das oportunidades de lucro asseguradas pelas diferentes espécies de capital.