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7.1 Introdução
A fraude é um instituto jurídico essencial para explicar o desenvolvimento da
Justiça Eleitoral e as transformações por que passou o Direito Eleitoral brasileiro nos
séculos XX e XXI.
É vasta a literatura que a relaciona à degeneração da República Velha, cujas
eleições eram marcadas por deformações de variados tipos, cometidas mediante coação
aos votantes, falsificação de votos e seleção facciosa de eleitores.1 Foi também fartamente
documentado que a adoção do modelo judiciário de controle das eleições no país visava a
combater as distorções eleitorais. O Decreto nº 21.076, que, em 1932, instituiu o primeiro
Código Eleitoral republicano e, com ele, a Justiça Eleitoral, foi recebido como solução
para o problema da pouca confiabilidade do resultado das urnas.2 Mais recentemente,
já sob a égide da CRFB/88, a informatização da votação e da apuração, promovida pela
1
MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Henrique Cahen,
1947, p. 296; NIQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência. Porto Alegre: Sulina, 1973,
p. 65; LEAL, Vítor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 113.
2
NIQUETE, 1973, p. 67; ANDRADE NETO, João. O positivismo jurídico e a legitimidade dos juízos eleitorais: a
insuficiência da resposta juspositivista à questão da judicialização da política. Dissertação (Mestrado em
Direito), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, 2010, p. 125 ss.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
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3
NICOLAU, Jairo, Eleições no Brasil: do império aos dias atuais, ed. digital, Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 72.
4
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 1-49/PI, de 4 ago. 2015. Relator: Min. Henrique
Neves da Silva. DJe, 21 out. 2015, p. 25-26.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
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transposição do conceito de ‘fraude à lei’ de outros ramos para o Direito Eleitoral. A seção
7.4 investiga a construção dos conceitos de fraude à cota de gênero e de candidaturas-
laranja a partir da previsão legal de reserva mínima de vagas e confronta as medidas
legais e jurisdicionais adotadas para promover a participação política feminina com os
fins que visam a alcançar. A seção 7.5 examina os impactos processuais, ainda carentes de
atenção por parte dos tribunais eleitorais, que são desafios urgentes para que a aplicação
do conceito de fraude à cota de gênero se dê com coerência mínima.
Ao final, pretende-se demonstrar que a ampliação da noção de fraude eleitoral,
conforme empreendida no paradigma analisado, não é correta, de uma tripla perspec-
tiva: i) conceitual, por inobservar a estruturação lógica da fraude à lei; b) sistêmica, por
ser pensada de forma não integrada ao esquema de coibição e punição da fraude no
Direito Eleitoral brasileiro; c) estratégica, por ser passível de produzir efeitos diame-
tralmente inversos aos pretendidos, afugentando da política, pelo receio de vigilância,
juízo moral e quiçá criminalização de seu comportamento, as mulheres cuja participação
se queria incentivar.
5
CE, art. 71, “§4º: Quando houver denúncia fundamentada de fraude no alistamento de uma zona ou
município, o Tribunal Regional poderá determinar a realização de correição e, provada a fraude em proporção
comprometedora, ordenará a revisão do eleitorado obedecidas as Instruções do Tribunal Superior e as
recomendações que, subsidiariamente, baixar, com o cancelamento de ofício das inscrições correspondentes
aos títulos que não forem apresentados à revisão”.
6
CE, art. 182, “parágrafo único: Os títulos dos eleitores estranhos à seção serão separados, para remessa, depois
de terminados os trabalhos da Junta, ao juiz eleitoral da zona nêles mencionadas, a fim de que seja anotado na
fôlha individual de votação o voto dado em outra seção. Parágrafo único. Se, ao ser feita a anotação, no confronto
do título com a fôlha individual, se verificar incoincidência ou outro indício de fraude, serão autuados tais
documentos e o juiz determinará as providências necessárias para apuração do fato e conseqüentes medidas
legais”.
7
CE, “art. 166: Aberta a urna, a Junta verificará se o número de cédulas oficiais corresponde ao de votantes.
§1º A incoincidência entre o número de votantes e o de cédulas oficiais encontradas na urna não constituirá
motivo de nulidade da votação, desde que não resulte de fraude comprovada. §2º Se a Junta entender que a
incoincidência resulta de fraude, anulará a votação, fará a apuração em separado e recorrerá de ofício para o
Tribunal Regional”.
8
CE, art. 222: “Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios
de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei”.
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9
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 409.
10
Ibid., p. 483.
11
Ibid., p. 166.
12
SAMPAIO, Nelson de Sousa. A Justiça Eleitoral. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 34, p. 111-153, 1972,
p. 140.
13
Ibid.
14
Ibid.
15
RIBEIRO, 1988, p. 82.
16
Ibid.
17
Ibid., p. 58-59, 209, 349, 362, 366, 409-410.
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18
Ibid., p. 349.
19
Ibid., p. 368, 483.
20
Ibid., p. 485.
21
Ibid., p. 410.
22
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental em Recurso Ordinário 888, de 18.10.2005, Relator Min.
Carlos Eduardo Caputo Bastos. Brasília, DF: Diário de Justiça, v. 1, p. 90, 25 nov. 2005.
23
COSTA. Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 417.
24
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo, SP: Gen, Atlas, 2016, p. 546.
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(...) desde a fase do alistamento eleitoral, é fraudulenta a conduta daquele que fornece
dado falso para o cartório eleitoral, objetivando ver operada sua inscrição ou transferência
no cadastro. Assim, constitui matéria arguível por meio da AIME a prática não rara de
promover a migração massiva de eleitores para zonas eleitorais onde esses não possuem
domicílio ou a inclusão, no cadastro eleitoral, de eleitores inexistentes.26
25
Impugnação de mandato eletivo sob a ótica dos direitos e garantias fundamentais e dos objetivos primordiais
do Estado Democrático de Direito brasileiro, Revista JUS, v. 44, n. 29, p. jul./dez. 2013,
26
REIS, Márlon Jacinto. Captação ilícita de sufrágio e condutas vedadas aos agentes públicos. In: REIS, Márlon
Jacinto; FERRADOZA, Sérgio; TAVARES, Delvan (Org.). Direito eleitoral brasileiro. Brasília, DF: Alumnus, 2012,
p. 411.
27
Breves considerações sobre a fraude ao direito eleitoral. Revista Brasileira de Direito Eleitoral, v. 1, n. 1, 2009.
28
Ibid.
29
Elementos de direito eleitoral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 388.
30
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 35.
31
Ibid., p. 250.
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32
CRIVELLARI, 2013.
33
RODRIGUES, Marcelo Abelha; JORGE, Flávio Cheim. Direito eleitoral aplicado: ponderações e críticas para
uma reflexão sobre doações acima dos limites legais, substituição de candidatos, a divulgação de pesquisa em
registro prévio e propaganda antecipada. Interesse Público (IP), v. 16, n. 85, 2014.
34
Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2016, p. 560.
35
2016, p. 546.
36
CRIVELLARI, 2013.
37
2009, p. 416.
38
2009, p. 416.
39
Ibid., p. 417.
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246 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
sentido amplo, dos atos contra legem: “Enquanto na fraude e na simulação termina-se por
burlar a finalidade do preceito legal, embora aparentemente a respeite; na infringência da
lei ataca-se diretamente sua determinação, de modo a descumpri-la sem tergiversações,
ainda que às escondidas”.40
Autores como Tofolli41 e Mello42 partem da classificação de Costa no que se
refere à distinção entre fraude e infringência à lei, fazendo reparos a ela, porém. Eles
entendem que a expressão fraude à lei pode ser enganosa por duas razões. Em primeiro
lugar, ela pode levar a crer que apenas atos legislativos formalmente postos podem ser
infringidos. E, no entanto, apesar do nome, o conceito abrange qualquer violação indireta
a normas: a normas explícitas ou implícitas, a regras ou princípios. Em segundo lugar,
a expressão pode ser enganosa também por levar a crer que a intenção fraudulenta é
elemento essencial do conceito de violação indireta ao Direito, quando, na verdade, de
acordo com a clássica doutrina de Pontes de Miranda, “é-lhe totalmente estranha”.43
Tofolli44 sustenta que a caracterização da fraude eleitoral prescinde de qualquer
elemento subjetivo. Ele propõe que se fale não em fraude à lei, mas em fraude ao Direito,
“i.e., aos princípios e fontes que orientam o sistema jurídico eleitoral, pois a fraude,
em um número significativo de casos, não se efetiva pela contrariedade direta à letra
da lei, mas através da lei”.45 O autor afirma que, mesmo no Direito Privado, em que a
fraude se compõe “a partir de dois elementos, um de ordem objetiva (eventus damni)
e outro subjetivo (consilium fraudis) (...), já se tem desconsiderado, em muitos casos, o
elemento subjetivo, principalmente quando está em confronto o interesse público”.46
E conclui: “a fraude no Direito Eleitoral independe da má-fé ou do elemento subjetivo,
perfazendo-se no elemento objetivo, que é o desvirtuamento das finalidades do próprio
sistema eleitoral”.47
Mello48 endossa a concepção da fraude como uma violação indireta da norma
jurídica, “quando, praticando-se atos que aparentemente estão conformes com a norma,
obtém-se o resultado por ela proibido ou se evita o resultado por ela imposto”. O autor
ressalva, porém, que somente as normas jurídicas cogentes proibitivas ou impositivas
de resultado são fraudáveis, “pois o que caracteriza a infração indireta (= fraude à lei) é
a obtenção do resultado proibido ou o evitar-se o resultado imposto pela norma jurídica
fraudada”.49 Mello observa que a moderna Teoria do Direito deixa de considerar a
intencionalidade como elemento essencial do conceito de fraude: “atualmente, tem relevo
a ideia de que sempre que, por meios indiretos, se consegue alcançar resultado proibido
ou evitar resultado imposto por norma jurídica, tem-se um caso de fraude à lei”.50
40
Ibid.
41
TOFOLLI, 2009.
42
Teoria do fato jurídico: plano da validade. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006; Breve análise sobre a
inelegibilidade de Prefeito que exerceu dois mandatos consecutivos em certo município para candidatar-se ao
mesmo cargo em outro município. Atualidades Jurídicas: Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), v. 2, n. 2, p. 145-146, 2012.
43
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Bosch, 1972, p. 43.
44
2009, p. 46.
45
Ibid.
46
Ibid., p. 45-46.
47
Ibid., p. 46.
48
2012, p. 145-146.
49
Ibid.
50
Ibid.
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FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
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Mello explica que o erro de vincular a fraude eleitoral a algum elemento subjetivo
específico ocorre porque: primeiro, “a palavra fraude tem conteúdo semântico que
envolve, necessariamente, intenção de enganar, de burlar, má-fé”; segundo, “em geral,
a doutrina limita o estudo da fraude à lei ao direito privado e (...) em especial ao campo
dos negócios jurídicos”, onde a vontade é elemento essencial.51 O autor propõe, então,
que se adote a expressão “infração indireta às normas jurídicas” em substituição ao termo
fraude – cujo uso ficaria restrito “à conduta intencional de violar indiretamente a lei” – e
que a doutrina e jurisprudência atentem para a ausência de fundamento jurídico para
excluir essa infração da esfera do Direito Público.52 Conclui que a violação indireta à
norma jurídica pode ser “inocente, se o figurante não conhecia a proibição ou imposição,
e, portanto, tenha agido de boa-fé, sem a mínima intenção de fraude”.53
Conforme expõe, “é também irrelevante perquirir-se sobre os meios empregados
na realização da fraus legis. Não interessa, absolutamente, a perfeição dos meios utili-
zados, a aparência de legalidade de que possam revestir-se os atos fraudulentos”.54
Noutras palavras, na visão do autor, basta que se pratiquem um ou mais atos in fraudem
legis – em se tratando de diversos atos, eles serão tratados como um só –, o que, de todo
modo, “requer o uso de procedimentos jurídicos que permitam alcançar o fim proibido
ou evitar o fim imposto, aparentando, no entanto, concordância com a lei”.55
Um exemplo de fraude trazido por Mello é o do fenômeno dos “prefeitos
itinerantes”, em que “Prefeitos já reeleitos em seus municípios, ao final do segundo
mandato, quando não mais podem candidatar-se a outra reeleição, mudam de domicilio
(...) com a finalidade pura, simples e exclusiva, de candidatar-se ao mesmo cargo no
município do novo domicílio”, ou seja, de obter um terceiro mandato consecutivo.56
No caso, de acordo com o autor, a fraude à Lei Eleitoral se configura pelo desvio de
finalidade da conduta que, apesar de manter a aparência de legalidade, viola o “princípio
constitucional da proibição de perpetuidade no exercício de mandatos de Chefia dos
Poderes Executivos”.57 Assim, a fraude estaria configurada uma vez demonstrada:
a) a existência de uma “norma jurídica cogente que veda a possibilidade de alguém
exercer três mandatos consecutivos para cargo de Chefia de Executivo, sem distinguir
a unidade política em que isso aconteça: o §1º, do art. 1º da LC no 64/90”; b) o uso de
um “expediente, aparentemente lícito, com o objetivo de obter um resultado contrário
à lei” – no caso, a “transferência de domicílio eleitoral no final de um segundo mandato
com a finalidade de viabilizar o Prefeito a concorrer a mesmo cargo de Prefeito (...)”.58
51
MELLO, 2006, p. 96.
52
MELLO, 2012, p. 97-98.
53
Ibid., p. 98.
54
Ibid.
55
Ibid.
56
Ibid.
57
Ibid.
58
Ibid.
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248 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
apenas aquela que ocorria no momento da votação ou posteriormente a esta, nem exigia
a demonstração de ardil ou fingimento, elementos subjetivos típicos da simulação. Ao
contrário, a fraude poderia ocorrer durante todo o processo eleitoral e se configuraria
pela violação indireta do Direito Eleitoral, independentemente de qualquer elemento
subjetivo.
Tal evolução doutrinária foi, no entanto, ocasionada pelas sucessivas mudanças
na jurisprudência do TSE, que agora se passa a analisar.
No que se refere ao âmbito subjetivo do conceito, desde meados dos anos 2000,
a jurisprudência do TSE já havia se fixado no sentido da desnecessidade de perquirir
intencionalidade para a configuração da fraude, que já era então definida em termos de
uma violação indireta à lei ou ao Direito, em oposição à violação direta:
Nesse sentido, estava excluída da fraude apurável por meio da AIME aquela
praticada na convenção partidária para escolha de candidatos, por exemplo:
59
Voto do Ministro Cesar Peluzo em: BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Contra Expedição de Diploma
673, de 18.09.2007. Relator Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos. Brasília, DF. DJ, vol. 1, 30 out. 2007, p. 169.
60
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 888, de 18.10.2005, Relator
Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos. Brasília, DF: Diário de Justiça, v. 1, 25 nov. 2005, p. 90.
61
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 12.221/SP, de 8.2.2011.
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Relator: Min. Arnaldo Versiani Leite Soares. DJe, Tomo 58, 25 mar. 2011, p. 48-49.
62
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral 1-91/SP, de 16.09.2014.
Relator: Min. João Otávio de Noronha. DJe, 1º out. 2014.
63
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral 32507/AL, de 17.12.2008. Relator: Min. Eros
Roberto Grau. Revista de jurisprudência do TSE, vol. 20, tomo 1, de 17 dez. 2008, p. 362.
64
Direito eleitoral. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo, SP: Del Rey, 2010, p. 785-786.
65
Ibid.
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250 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
66
AGUIRRE, Cecilia Fresnedo de. Fraude a la ley. In: Revista de la Facultad de Derecho, Uruguai, p. 35-54, p. 35,
1 set. de 2015, 14 ed.
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67
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado. 9. ed. JusPodivm: Salvador, 2011, p. 46.
68
AGUIRRE, 2015, p. 35.
69
Ibid., p. 37.
70
Ibid., p. 38.
71
É a síntese que se extrai dos apontamentos de Goldschmidt, Boggiano e Aguilar Navarro, citados por AGUIRRE,
2015, p. 39.
72
Sobre o tema, cf. XAVIER, Alberto Santos Pinheiro. O combate à elisão e à evasão tributária de caráter
internacional. Revista Internacional de Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 151-175, jul./dez. 2004.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
252 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
73
É oportuna a referência à elisão, uma vez que a elisão fiscal, no Direito Tributário, é discutida no âmbito da fraude
à lei. Se o contribuinte percebe que pode realizar uma atividade por dois meios, nenhum deles legalmente
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Cabe resgatar que, como enfatizado por Toffoli e outros defensores da aplicação
da fraude à lei ao Direito Eleitoral, nessa categoria não se cogita de má-fé. A ilicitude
é dada por uma conexão objetiva: a realização voluntária do elemento de conexão e o
fato de que este frustra a finalidade de uma norma que deveria incidir. Mas, no caso, o
que se pune é justamente uma suposta má-fé. Não há norma que deixaria de incidir em
decorrência da substituição feita à véspera da eleição. Há apenas um juízo de reprovação
quanto ao momento em que realizada, presumindo-se que tenha sido motivada pela
intenção de ludibriar o eleitor. Ou seja, pune-se ante presunção de má-fé – que não pode
ser presumida e tampouco compõe a estrutura da fraude à lei – e se reputa ilícito o
exercício de faculdade assegurado por lei.
O conceito de fraude eleitoral que então se desenha toma do esquema estrutural
da fraude à lei somente seus elementos mais abstratos: o abuso e a tergiversação da
finalidade da lei. Essa silepse se consolida no cânone toda fraude é uma forma de abuso74
– quando, na verdade, o abuso é apenas um dos componentes da fraude à lei. Mas a
fraude eleitoral também pinça um elemento da noção de fraude como simulação de ato
jurídico: é a ideia de má-fé, que comparece para colorir um ato formalmente válido de
modo a permitir que ao final seja ele reputado fraudulento. A esta sincrética construção
que coíbe condutas que concretizam uma regra legal, de modo efetivo (não simulado),
desde que sua motivação (e não resultado) seja considerada contrária aos objetivos do
ordenamento jurídico, é que se denominou “fraude ao Direito”. A fraude perde sua feição
científica e se torna uma wild card para controle da ação estratégia dos atores políticos.
É com esses contornos que a fraude à cota de gênero aporta como objeto da AIME
da AIJE.
proibido, sendo que um que o faz incorrer em fato gerador de tributo e outro que não o faz, incorre ele em
conduta ilícita ao optar pelo segundo caminho? Como posto por Xavier (2004, p. 164-165, passim), tomando
por premissa a legalidade de práticas não expressamente vedadas pela legislação: “Se temos tipicidade da
tributação, ou temos fatos tributáveis, ou temos espaço de liberdade, tout cort. (...) Em verdade, por que nós
não reconhecemos que estamos perante (...) espaços vazios? (...) Cláusula geral antielisiva é uma grosseira
inconstitucionalidade (...)”. No caso do Direito Eleitoral, se a lei prevê a faculdade de substituir candidatos e
não fixa prazo no caso dos majoritários, há o mesmo espaço de liberdade, que só incomoda por se pensar que
a lei deveria ser de outro modo, deveria conter um marco temporal. Mas, se a lei não o contém, então a “falha”
está na lei, e não na conduta daquele que a cumpre de forma que melhor lhe atende – aquele que, em outras
palavras, pratica uma elisão eleitoral. Tanto era esse o caso que bastou à Lei nº 12.891/2013 limitar a substituição
a 20 dias antes da eleição para que não mais ocorressem as alterações, fossem maliciosas ou não, às vésperas do
pleito. Contudo, a jurisprudência firmada na matéria aponta, em sentido contrário, para um viés moralizante,
segundo o qual não basta ao cidadão cumprir a lei, é preciso dela inferir (supostas) restrições morais a sua
liberdade, sob pena de ser reputada ilícita sua decisão por se “beneficiar” de eventuais cochilos do legislador. É
sob esse viés que a elisão fiscal é lida por Martinón (2012, p. 171), autora para quem “La elusión fiscal se refiere
a las conductas en las que se evita la realización del hecho imponible al que la ley tributaria vincula la obligación
de tributar, porque aunque no se oculta el hecho realizado, éste se ha revestido de la forma de un acto o negocio
jurídico que resulta especialmente artificiosa con la única finalidad de eludir la obligación fiscal. Es lo que
podemos considerar fraude de ley (Burlada, 2006: 16-17)1 o, en términos de la actual Ley General Tributaria,
un conflicto de aplicación de la norma tributaria. En estos casos, la Administración tributaria procede a la
aplicación de la norma que se ha tratado de eludir”.
74
A questão será examinada na subseção 7.5.5.
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254 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
laranja, o cumprimento formal da norma que preceitua haver ao menos 30% de mulheres
nas listas proporcionais foi admitido como passível de fraudar a finalidade da própria
regra de percentual de gênero.
É essencial, portanto, para os fins a que se destina esse estudo, entender o contexto
em que tal mudança se operou.
75
SACCHET, Teresa. Capital social, gênero e representação política no Brasil. Opinião Pública, v. 15, n. 2, p. 306-332,
2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/op/v15n2/02.pdf>. Acesso em: 21 dez. 2015.
76
Conforme esclarece Robert Dahl (Sobre a democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001, p. 13),
“[…] há cerca de quatro gerações – por volta de 1918, mais ou menos ao final da Primeira Guerra Mundial –, em
todas as democracias ou repúblicas independentes que até então existiam, uma boa metade de toda a população
adulta sempre estivera excluída do pleno direito de cidadania: a metade das mulheres”.
77
DAHL, 2001.
78
LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Editora Record, 2003.
79
MOISÉS, José Álvaro; SANCHEZ, Beatriz Rodrigues. Representação política das mulheres e qualidade da
democracia: o caso do Brasil. In: MOISÉS, José Álvaro (Org.). O congresso nacional, os partidos políticos e o sistema
de integridade: representação, participação e controle interinstitucional no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro:
Konrad Adenauer Stiftung, 2014. p. 97.
80
VIOTTI, Maria Luiza Ribeiro. Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher.
1995. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2014/02/declaracao_pequim.pdf>.
81
“4. The achievement of democracy presupposes a genuine partnership between men and women in the conduct
of the affairs of society in which they work in equality and complementarity, drawing mutual enrichment from
their differences”. COUNCIL, Inter-Parliamentary. Universal declaration on democracy. adopted without a
vote by the Inter-Parliamentary Council at its 161st session, Cairo, v. 16, 1997.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
255
É nesse sentido que José Álvaro Moisés e Beatriz Rodrigues Sanchez assinalam que
as instituições criadas por homens na sua condição de elite dominante não são neutras:86
(...) elas possuem vieses ou incentivos que fazem com que determinados resultados sejam
mais prováveis do que outros, e, marcadas pelas circunstâncias do seu desenvolvimento
histórico, refletem as relações de poder da sua origem. Em vista de que as instituições de
82
RAWLS, John. Justiça e democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 178
83
RAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 60.
84
Entre essas medidas se insere, inclusive, ações como a reserva de cadeiras com o fim de promover e facilitar o
ingresso da mulher na política e promover a igualdade de gênero, ainda um desafio para todos os países, não
apenas para o Brasil. UNITED NATIONS. COMMISSION ON THE STATUS OF WOMEN, 2015. Disponível em:
<http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol= E/CN.6/2015/3>. Acesso em: 12 jan. 2018. p. 67.
85
PANKE, Luciana. Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências. Curitiba: UFPR, 2016, p. 74.
86
Simone de Beauvoir (O segundo sexo: fatos e mitos. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016, p. 11), tratando
da condição da mulher pondera que em virtude da construção histórica e social em que estamos inseridos, o
masculino, ou o homem, encerra em si o ‘positivo e o neutro’, enquanto a mulher é o ‘negativo’. Citando Poulain
de la Barre, acrescenta que o homem é ao mesmo tempo parte e juiz (ibid., p. 18). A mulher seria, dessa forma, a
própria alteridade; ela é sempre o outro. Nas palavras da autora, “ela é o Outro dentro de uma totalidade cujos
dois termos são necessários um ao outro” (ibid., p. 16). Essa construção social gera impactos na ocupação dos
espaços e sobretudo, das posições de poder e liderança.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
256 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
Um fator relevante é que, ao longo dos anos, a ONU, por seus órgãos ligados à
participação política da mulher, identificou a denominada massa crítica:88 um percentual
mínimo de participação feminina em órgãos de tomada de decisão para que se possa
combater a desigualdade entre homens e mulheres na partilha de poder em todos os
níveis. Ao propor estratégias voltadas para o avanço da mulher nessa área crítica de
preocupação, a Comissão pelo Status da Mulher destacou que esse percentual mínimo
deveria ter sido preenchido até 1995, visando à efetiva igualdade de gênero até o ano 2000:
87
MOISÉS, José Álvaro; SANCHEZ, Beatriz Rodrigues. Representação política das mulheres e qualidade da
democracia: o caso do Brasil. In: O Congresso Nacional, os partidos políticos e o sistema de integridade: representação,
participação e controle interinstitucional no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer.
2014, p. 91.
88
Esse percentual de 30% como representativo da “massa crítica” pode ser identificado, por exemplo, na
Resolução nº 40/258B de 18 de dezembro de 1985, da Assembleia Geral das Nações unidas, a respeito da própria
composição e do status da mulher no Secretariado. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.
asp?symbol=A/RES/40/258>. Acesso em: 28 jan. 2018. O tema foi abordado com maior detalhamento no Relatório
da Divisão das Nações Unidas para o Avanço da Mulher (United Nations Division for the Advancement of
Women – DAW) sobre Igualdade de participação de mulheres e homens nos processos de tomada de decisão,
com especial ênfase na participação política e liderança, compilado no documento EGM/EPDM/2005/REPORT.
Disponível em: <http://www.un.org/womenwatch/daw/egm/eql-men/FinalReport.pdf>. Acesso em: 28 jan.
2018. No documento E/CN.6/1995/1, a Comissão Pelo Status da Mulher trata do tema em diversos tópicos (15,
20, 24, 31, 33, 53, 56 e 57) destacando a baixa representatividade e o fato de ainda naquela época não ter sido
alcançado o percentual mínimo, ou a ‘massa crítica’ de 30%. UNITED NATIONS. COMMISSION ON THE
STATUS OF WOMEN, 1995. Documento E/CN.6/1995/1. Disponível em: <http://www.un.org/documents/
ecosoc/cn6/1995/ecn61995-3add6.htm>. Acesso em: 12 jan. 2018.
89
Tradução do original em inglês: “15. Governments, political parties, trade unions, professional and other
representative groups should each aim at targets to increase the proportion of women in leadership positions to
at least 30 per cent by 1995 with a view to achieving equal representation between women and men by the year
2000 and should institute recruitment and training programmes to prepare women for those positions”. UNITED
NATIONS. COMMISSION ON THE STATUS OF WOMEN, 1995. Documento E/CN.6/1995/1. Disponível em:
<http://www.un.org/documents/ecosoc/cn6/1995/ecn61995-3add6.htm>. Acesso em: 12 jan. 2018.
90
SANTOS, Polianna Pereira dos; FIGUEIREDO, Rozanny Ribeiro. Direitos políticos da mulher no Brasil e
democracia: voto, candidatura e eleição. In: AMARAL, Paulo Adyr Dias do; RODRIGUES, Raphael Silva. (Org.).
CAD 20 anos: tendências contemporâneas do direito. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, v. 1, p. 893-918.
91
BOLOGNESI, Bruno. A cota eleitoral de gênero: política pública ou engenharia eleitoral?. Paraná Eleitoral:
Revista Brasileira de Direito Eleitoral e Ciência Política, v. 1, n. 2, 2012.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
257
92
É o que indica o quantitativo de candidatos por partido em 2016. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/
eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/candidaturas>. Acesso em: 08. out. 2017.
93
Art. 10, caput e §1º, na redação original, até a Lei nº 13.165/15.
94
Esses números são obtidos calculando-se os 70% de candidaturas masculinas a incidir sobre o máximo de
candidaturas que poderiam ser lançadas, respectivamente 150 e 200% das vagas em disputa.
95
Para ilustrar, imagine-se uma Câmara de Vereadores com 11 cadeiras. Tomados os percentuais da Lei
nº 9.100/95, o partido poderia lançar 13 candidatos no total, do qual 3 no mínimo seriam mulheres e 10, homens.
Ou seja, o partido, amealhando todas as cadeiras, elegeria ao menos 1 mulher. Com os percentuais da Lei
nº 9.504/97, o partido passa a poder lançar 17 candidatos no total, sendo 5 mulheres e 12 homens. O número
de homens, isoladamente, já ultrapassa o de cadeiras em disputa. A projeção desses números para a escala
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
258 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
Assim, mulheres puderam ser inseridas na lista, para cumprir a previsão normativa,
sem perturbar a dinâmica de apresentação de candidatos homens pelos partidos e coli-
gações e sua eleição.
Ademais, a interpretação dada à redação original do §3º do art. 10 da Lei nº 9.504/97
observava a literalidade do dispositivo. Como a base de cálculo prevista era o número
de vagas resultante das regras previstas no próprio artigo – portanto, o número total de
candidaturas possíveis e, não, o número de candidaturas efetivamente lançadas – e o
comando se utilizava da locução deverá reservar, os partidos puderam lançar o número
máximo de candidatos homens, que equivalessem a 70% das candidaturas que podiam
lançar, e apenas reservar o espaço das candidaturas femininas, o que se lograva não
indicando o total de candidatos possível. Nesse contexto, o percentual de candidatas
à Câmara dos Deputados, tomado o total de candidaturas efetivamente lançadas,
permaneceu baixíssimo: 10,35% em 1998, 11,55% em 2002 e 12,7% em 2006.96
Cabe pontuar que houve um pequeno aumento do número de mulheres candi-
datas nas eleições de 1996 a 1998. Na Câmara dos Deputados o percentual de mulheres
candidatas aumentou de 6,15% para 10,35%, sendo a primeira vez que as candidatas para
a Câmara Federal alcançaram a marca de dois dígitos,97 o que poderia ser significativo
do contexto de baixa representação das mulheres na política. Contudo, apesar desse
pequeno aumento das candidaturas, constata-se um decréscimo de 9,37% de mulheres
eleitas em comparações às eleições de 1994: de 6,24% para 5,65%.98 Portanto, a cota
legal de gênero, tal como concebida, mostrava-se ineficaz para reverter o cenário de
desigualdade de gênero nas casas legislativas.
Em 2009, sobreveio alteração legislativa, promovida pela Lei nº 12.03499 com o fim
de propiciar novo parâmetro para a aplicação da cota de gênero. O §3º do art. 10 da Lei
das Eleições passou a dispor que “do número de vagas resultante das regras previstas
neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e
o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”. A utilização do
termo preencherá em substituição à locução deverá reservar, aponta para a ideia de que o
preenchimento do percentual mínimo de candidatos por gênero deveria ser observado
considerando-se o total de candidaturas efetivamente apresentadas. Contudo, não se pode
ignorar que a base de cálculo indicada no dispositivo legal continuou a ser a mesma:
o total de vagas resultantes das regras sobre o número máximo de candidaturas que
poderiam ser lançadas.
da eleição permite visualizar um cenário em que as candidaturas femininas fiquem à margem de qualquer
consideração estratégica.
96
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Eleições: eleições anteriores. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/
eleicoes-anteriores>. Acesso em: 05 out. 2017.
97
ARAÚJO, Clara. Potencialidades e limites da política de cotas no Brasil. Revista Estudos Feministas, v. 9, n. 1,
p. 235, 2001.
98
“As mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados, que em 1994 representavam 6,24% do total de parlamentares,
nas eleições de 1998 passam a representar 5,65% dos 513 parlamentares federais. Passamos de 32 mulheres
eleitas em 1994, para 29 eleitas em 1998, um decréscimo de 9,37%”. MIGUEL, Sônia Malheiros. A política de
cotas por sexo: um estudo das primeiras experiências no Legislativo brasileiro. Brasília: CFEMEA, 2000. p. 166.
99
Frisa-se que outras medidas também foram aprovadas, a saber, alteração dos artigos 44 e 45 da Lei de Organização
Político Partidária, nº. 9.096/95, para prever destinação obrigatória de 10% do tempo de propaganda partidárias
ao implemento da participação feminina e a destinação mínima de 5% dos recursos recebidos pelo Fundo
Partidário para a formação política e incentivo à participação feminina.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
259
100
Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2010. REGISTRO DE CANDIDATOS. DRAP. DEPUTADO
ESTADUAL. PERCENTUAIS PARA CANDIDATURA DE CADA SEXO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 10, §3º,
DA LEI DAS ELEICOES. CARÁTER IMPERATIVO DO PRECEITO. DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior,
diante da nova redação do art. 10, §3º, da Lei das Eleições, decidiu pela obrigatoriedade do atendimento aos
percentuais ali previstos, os quais têm por base de cálculo o número de candidatos efetivamente lançados pelos
partidos e coligações. 2. Agravo regimental desprovido”. (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AgR-REspe
nº 84672 PA. Relator(a): Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira. Julgamento: 09.09.2010. Publicação: PSESS
– Publicado em Sessão, Data 09.09.2010.).
101
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Eleições: eleições anteriores.
102
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Eleições: eleições anteriores.
103
O site <www.asclaras.org.br> identificou que as 15 maiores doadoras de campanhas de deputados federais,
em 2014, destinaram R$325.447.961,00 para homens e R$41.829.384,00 para mulheres, ou seja, somente 10% do
destinado às candidaturas masculinas.
104
Uma visão sexista, que ainda inspira afirmações como as de que “mulheres são ruins de política”, isto é, que não
teriam atributos necessários para se destacar na disputa e exercer seu mandato, constitui mera blindagem para a
conservação de privilégios masculinos, encobertos com o manto da “neutralidade”. Os mais recentes estudos do
IDEA – Institute for Democracy and Electoral Assistance – demonstram que o que existe são vários obstáculos
externos – decorrentes de fatores culturais, econômicos e sociais – para o estabelecimento de uma real igualdade
de oportunidades entre mulheres e homens que disputam cargos eletivos (Cf.: www.idea.nit.). Esses fatores
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
260 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
vão desde a dupla jornada de trabalho e do papel socialmente designado à mulher limitadamente ao cuidado
do lar e da família até a discriminação intrapartidária e as dificuldades para obtenção de financiamento de
campanha (Confira, a respeito: BALLINGTON, Julie; KAHANE, Muriel. Mulheres na política: financiamento
para igualdade de gênero. In: FALGUERA, Elin; JONES, Samuel; OHMAN, Magnus (Org.). Financiamento de
partidos políticos e campanhas eleitorais: um manual sobre financiamento politico. Rio de Janeiro: FGV, 2015,
p. 399-455.).
105
Sobre a proposta e seus fundamentos, em enfrentamento à falácia de que a reserva de cadeiras inova ao interferir
no destino dos votos dos eleitores, cf. SALGADO, Eneida Desiree; GRESTA, Roberta Maia. Levando as cotas
de gênero a sério. Valor Econômico, 8 mar. 2017. Disponível em: <http://www.valor.com.br/opiniao/4891428/
levando-cotas-de-genero-serio>. Acesso em: 28 jan. 2018.
106
O que passou a ser previsto expressamente a partir da Resolução TSE nº 23.405, aplicável ao pleito de 2016:
“Parágrafo único. O indeferimento definitivo do DRAP implica o prejuízo dos pedidos de registros de
candidatura individuais a ele vinculados, inclusive aqueles já deferidos”.
107
SANTOS, Polianna Pereira dos; BARCELOS, Júlia Rocha de; GRESTA, Roberta Maia. Los debates sobre la
participación de las mujeres en el parlamento brasileño: subrepresentación, la violencia y el acoso. Politai, v. 7,
n. 12, p. 59-77.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
261
108
Considerada a linha da argumentação desenvolvida no presente artigo, cabe destacar que não se sugere que
as renúncias sejam de per si irregulares. A renúncia é direito potestativo, sendo impensável um cenário que
obrigue alguém a seguir candidato. Candidatos homens e candidatas mulheres podem renunciar e existe
regulamentação própria para tal. Apenas se exemplifica que a renúncia é ato que pode conduzir ao cenário
em que as candidaturas não permaneçam, ao longo de todo o processo eleitoral, com o equilíbrio de 30%-70%
idealizado pelo art. 10, §3º da Lei nº 9.504/97.
109
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 21498. 23.05.2013. Brasília. DJe, Tomo 117, p. 56.
110
As informações relativas à AIME nº 1-49.2013.6.18.0024 podem ser consultadas em: <https://tse.jusbrasil.com.br/
jurisprudencia/348591484/recurso-especial-eleitoral-respe-149-jose-de-freitas-pi/inteiro-teor-348591496>.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
262 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
puderam ser acolhidos à luz da transposição da fraude à lei com as deficiências que se
vem apontando.
Os autores da AIME nº 1-49 alegaram, na petição inicial, que a fraude havia se
caracterizado, primeiro, a partir do vício de consentimento de três das candidatas que
sequer sabiam sê-lo: membros do partido solicitaram cópias de documentos pessoais para
simples filiação partidária, e, em troca de tais filiações, ofereceram emprego e promessa
de aposentadoria. Essas três candidatas teriam descoberto o fato no curso no processo
eleitoral e renunciaram às candidaturas, após o deferimento do DRAP da Coligação.
Uma quarta candidata, analfabeta, não teria sequer assinado os documentos, o que foi
feito por representante da Coligação.
Essa hipótese foi denominada pelos autores percentual branco por renúncia, suge-
rindo que esse ato, associado ao fato de que não é possível a reabertura do DRAP para
nova análise do atendimento da cota, seria determinante para a fraude. Mas o ato de
renúncia é mesmo secundário à configuração da fraude, que ostenta os elementos jurí-
dicos da simulação. A autorização para o requerimento de candidatura é ato personalís-
simo de quem concorrerá e, portanto, se o partido emprega ardil para obter documentos
e lança candidatas sem que aquele ato de vontade seja praticado pelas cidadãs, a
formação da lista de candidatos não corresponde à realidade. O preenchimento da cota
de gênero, nesse caso, é simulado pela inclusão de candidaturas fictícias – fictícias porque
correspondem a nomes de mulheres que não autorizaram ao partido que seu registro
fosse requerido.
Ocorre que os autores da AIME também apontaram, como fraudulentas, a candi-
datura de duas outras mulheres, ao argumento de que a votação pífia que receberam
indicaria que não foram candidatas de fato. Segundo aqueles, as cidadãs indicadas,
embora tenham autorizado o requerimento de candidatura, não teriam intenção de
concorrer, de modo que somente foram colocadas na lista proporcional para completar,
formalmente, o percentual mínimo de candidaturas femininas exigido por lei.
Nesse segundo caso, os autores aduziram que estava caracterizada fraude por
percentual branco por votação irrisória. O atendimento da cota seria, de plano, inócuo
para cumprir a finalidade de incremento da participação feminina, por nunca haver o
partido pretendido impulsionar as candidatas. Não há apontamento, portanto, de ato
simulado propriamente dito, mas de candidaturas sem competitividade. É a estas que se
deu a roupagem de fraude à lei, pela inadequada transposição do instituto do Direito
Internacional Público: o ato praticado em sua perfeição formal, em lugar de questionado
por ser utilizado para fugir a incidência de outra norma, cogente, é apontado como violador
da própria finalidade que a ele subjaz, uma política afirmativa.
No julgamento originário da AIME nº 1-49, o juiz eleitoral, ao entendimento de
que a violação ao art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97 não constituía hipótese de cabimento
da AIME, extinguiu o feito sem resolução de mérito. De se notar que a fundamentação
da decisão seguia jurisprudência do TSE no sentido de que a fraude apurável em AIME
é restrita a atos tendentes a afetar a vontade do eleitor.111 Ou seja, o elemento temporal
111
O fato foi reconhecido pelo próprio relator do feito no TSE, Min. Henrique Neves da Silva, que destacou em
seu voto: “Tal entendimento está de acordo com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a fraude a ser
apurada em ação de impugnação de mandato eletivo diz respeito ao processo de votação, nela não se inserindo
questões alusivas à inelegibilidade ou a outros vícios passíveis de atingir, de forma fraudulenta, o processo
eleitoral”.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
263
foi determinante para que o juiz eleitoral concluísse pela inadequação da via eleita. A
decisão foi mantida pelo TRE do Piauí.
O TSE deu provimento ao Recurso Especial Eleitoral, revendo seu posicionamento
sobre o conceito de fraude. O voto de relatoria coloca em evidência o critério subjetivo,
para, como exposto na seção 7.2, abarcar a fraude à lei (em sua versão desconfigurada),
desde que as “situações de fraude (...) possam afetar a normalidade das eleições e a
legitimidade do mandato obtido”.112
O equívoco de transposição da fraude à lei fica patente na passagem em que,
embora citando trecho de Pontes de Miranda no qual o instituto é conceituado como
“praticar o ato de tal maneira que eventualmente possa ser aplicada outra regra jurídica
e deixar de ser aplicada a regra jurídica fraudada”, o voto afirma que nas “alegações de
fraude à lei (...) se aponta que determinada regra foi atendida a partir de suposto engodo
praticado pela agremiação política”. A pretexto de valer-se de um “conceito aberto” e de
não “reduzir o alcance do comando constitucional”, a decisão formata uma concepção
que abdica da demarcação técnica exigida pelas categorias jurídicas.
Se, como posto no voto transcrito, a regra é, ela própria, atendida por meio de engodo,
estar-se-ia diante de fraude típica, simulação, na qual se falseia algum dos elementos de
validade do ato jurídico praticado. A fraude teria que ser demonstrada pela prova do
elemento adulterado, por exemplo, a assinatura forjada na autorização do requerimento
de registro de candidatura. Se, por outro lado, se pretende invocar a fraude à lei, como
fez o relator, seria necessário indicar não o pouco comprometimento do partido com
o êxito de suas candidatas ao preencher a cota de gênero, mas sim uma outra norma, de
caráter cogente, que deixaria de incidir em função desse preenchimento. A fraude teria que
ser demonstrada pela indicação de uma segunda norma, que furtivamente deixou de ser
aplicada, o que não é o mesmo que asseverar que os partidos não estão engajados em
fazer da cota de gênero uma política afirmativa de sucesso. E é apenas isso que, ao final,
perfaria o elemento “fraudulento”: a falta de sinceridade, quiçá o descaso ou o cinismo
dos partidos ao preencherem o percentual de candidatas tal e qual exigido pela lei.
O esquema da fraude à lei é, em verdade, bastante rígido. Percebe-se como pode
ele bem funcionar, em um caso como o do prefeito itinerante, em que a transferência
eleitoral (ato jurídico válido) é praticada para afastar a incidência da vedação ao ter-
ceiro mandato consecutivo (norma cogente que normalmente incidiria). Contudo,
dificilmente pode ter aplicação para a cota de gênero. Resgate-se aqui que descabe supor
um silogismo no qual a segunda norma, cogente, seria a sanção de indeferimento de
DRAP, à qual se furta o partido ao preencher a cota formalmente. A sanção integra a
norma. Quando, em geral, as pessoas praticam as condutas previstas em regras legais
por querer afastar a sanção cominada para seu descumprimento, não praticam fraude à
lei, mas, sim, cumprem a lei. Aliás, a sanção legal é um elemento que permite distinguir
as esferas jurídica e moral: agimos dentro da lei quando atendemos ao comando que
evita a aplicação da penalidade, pouco importando nossa convicção moral e satisfação
sincera em assim nos portar.
Por isso, se a cota de gênero é apresentada em uma regra formal, de preenchimento
de percentual de candidaturas, e a sanção de indeferimento do DRAP é imposta para
112
Voto do Ministro Henrique Neves da Silva. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral
nº 1-49/PI, de 4 ago. 2015, p. 16.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
264 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
113
Não se descarta que outras situações possam ser discutidas no âmbito da fraude típica, mas sempre desta. É o
caso, por exemplo, da candidata analfabeta, que não assinou a autorização para requerimento da candidatura.
Seria possível apontar, aqui, da ausência de agente capaz, tendo em vista que a alfabetização é pressuposto da
elegibilidade? A discussão certamente seria riquíssima caso mantida a aderência ao elemento configurador da
fraude. Por outro lado, não mostra possível realizar o salto, para, invocando a fraude à lei, tecer conjecturas
sobre a conduta do dirigente partidário que aceitou tal candidata sabendo que poucas seriam as chances de ser
deferido seu registro.
114
Voto do Ministro Henrique Neves da Silva. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral
nº 1-49/PI, de 4 ago. 2015, p. 17 e 19.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
265
115
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 25443. Acórdão de 14 fev. 2006. DJ, em 10
mar. 2006, p. 177.
116
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 11835, Relator Min. Torquato Lorena Jardim.
Acórdão de 09 jun. 1994. DJ, 29 jul. 1994, p. 18429. In: Revista de Jurisprudência do TSE, v. 6, tomo 3, p. 132. Para
uma crítica à restrição da legitimidade ativa da AIME, cf.: LÔBO, Edilene. A inclusão do cidadão no processo
eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2010; PEREIRA, Rodolfo Viana. Tutela coletiva no direito eleitoral: controle social
e fiscalização das eleições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; GRESTA, Roberta Maia. Ação temática eleitoral:
proposta para a democratização dos procedimentos judiciais eleitorais coletivos. Dissertação (Mestrado).
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2010.
117
BRASIL, 1965, arts. 266 e 267: “Art. 266. O recurso independerá de têrmo e será interposto por petição
devidamente fundamentada, dirigida ao juiz eleitoral e acompanhada, se o entender o recorrente, de novos
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
266 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
Art. 262. O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos seguintes
casos:
(...)
IV - concessão ou denegação do diploma em manifesta contradição com a prova dos autos,
nas hipóteses do art. 222 desta Lei, e do art. 41-A da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997.
Entre as hipóteses de ilícitos eleitorais listadas no art. 222 do CE (a que faz remissão
o inciso IV do art. 262 do mesmo Código) e, portanto, apuráveis por meio de RCED,
encontra-se a fraude. Ocorre que o inciso IV veio a ser revogado pela Lei 12.891, de 2013,
a qual alterou a redação do art. 262 do CE, que passou a prever uma única hipótese de
cabimento do RCED: “O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos casos
de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição
de elegibilidade”.
Assim, a fraude se consolidou como causa de pedir da AIME, o que significava a
necessidade de que o ilícito fosse apurado em processo judicial, em contraditório, sem
o que não se poderá aplicar as sanções legais cominadas – mas, também, que a fraude
punível é aquela que compromete a obtenção do mandato. Isso decorre da própria previsão
documentos. Parágrafo único. Se o recorrente se reportar a coação, fraude, uso de meios de que trata o art. 237
ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei, dependentes de prova a ser
determinada pelo Tribunal, bastar-lhe-á indicar os meios a elas conducentes. Art. 270. Se o recurso versar sôbre
coação, fraude, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de
sufrágios vedado por lei dependente de prova indicada pelas partes ao interpô-lo ou ao impugná-lo, o relator
no Tribunal Regional deferi-la-á em vinte e quatro horas da conclusão, realizado-se ela no prazo improrrogável
de cinco dias”.
118
A esse respeito, ver: ANDRADE NETO, João. Mutações legais no direito eleitoral: repercussões no sistema das
invalidades eleitorais e na renovação das eleições. Resenha Eleitoral, v. 21, n. 1, p. 69-94, nov. 2017, p. 70-73.
119
Ibid., p 87-89.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
267
constitucional, que estipula o cabimento da AIME para impugnar mandato e que, na linha
jurisprudencial que se formou, levou à afirmação de que esta ação tem por objeto único
a cassação de mandato. Nesse sentido, já se repeliu o manejo da AIME para aplicação
de inelegibilidade a candidato não eleito ou após o término do mandato,120 bem como
para aplicar multa.121 A fraude, então, a propiciar a cassação do mandato, era a fraude
diretamente relacionada à eleição do mandatário. Além disso, já que conceitualmente
mais restrita, exigiria a demonstração de atos simulados que tivessem concorrido para
essa eleição.
A correlação entre causa de pedir e objeto122 é uma exigência lógica para o manejo
de qualquer ação. A petição inicial é considerada inepta, e deve ser indeferida, se “da
narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão” (CPC, art. 330, III),123 ou seja, se
os fatos apresentados não puderem ser conectados ao que se pretende com aquela ação.
A questão processual a ser inauguralmente posta quanto á fraude à cota de gênero
diz respeito à ampliação do encadeamento fático que leva à vulneração do mandato. O
parlamentar eleito pode não ter qualquer envolvimento ou sequer ciência das circuns-
tâncias de preenchimento da cota de gênero. A fraude alegada é imputável ao partido,
que praticaria um engodo para viabilizar o deferimento do DRAP. Pergunta-se: é possível
afirmar-se que, nesse cenário, que o objeto da AIME ainda é a cassação do mandato?
Ao que parece, a nova compreensão da fraude enseja um novo objeto para a
AIME: a anulação do DRAP. A cassação do mandato – e, também, a impossibilidade
de que os suplentes da lista assumam o cargo – é mera consequência da invalidação
da decisão de habilitação do partido ao pleito. A AIME se assemelharia a uma ação
rescisória, cuja procedência traz por desdobramento a invalidação dos votos recebidos
pelos candidatos vinculados ao DRAP e a desconstituição dos diplomas e mandatos
eventualmente obtidos.
O problema é que esse objeto não está previsto na Constituição, que concebe a
AIME como uma ação destinada a impugnar mandatos. Por outro lado, a situação se
amolda perfeitamente ao objeto da ação rescisória prevista no Código de Processo Civil
(CPC), cujo art. 966, inciso III, estipula que “a decisão de mérito, transitada em julgado,
pode ser rescindida quando (...) resultar (...) de simulação ou colusão entre as partes,
a fim de fraudar a lei”. A decisão do DRAP resultante da fraude típica (simulação) ou
mesmo da colusão destinada a fraudar a lei (supondo-se, aqui, atendidos os demais
requisitos dessa modalidade) seria, portanto, rescindível.
Ocorre que o manejo da ação rescisória tendo por causa de pedir hipóteses do
CPC é interditada, na seara eleitoral, por entendimento hoje estampado na Súmula nº 33
do TSE, segundo a qual “somente é cabível ação rescisória de decisões do Tribunal
120
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AgR-REspe nº 957825138 CE, Relator: Min. Laurita Hilário Vaz, Data de
Julgamento: 07.11.2013, DJe, Tomo 236, Data 11.12.2013, p. 58.
121
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AgR-REspe nº 5158657 PI, Relator: Min. Arnaldo Versiani Leite Soares,
Data de Julgamento: 01.03.2011. DJe, Tomo 87, Data 10.5.2011, p. 47.
122
O objeto da ação é, no processo civil, identificado como o pedido. Prefere-se, contudo, neste artigo, utilizar o
primeiro termo, tendo em vista que as ações eleitorais sancionatórias têm consequências necessárias, a serem
determinadas judicialmente, ainda que não formulado o pedido correspondente. Não sendo tema do artigo
aprofundar esse ponto, considera-se que o termo “objeto”, frequente na jurisprudência, permite identificar que
a referência é à providência judicial determinada no dispositivo e que concretiza o comando legal sancionatório
cabível.
123
A inépcia voltará a ser abordada, sob outro ângulo, na seção 7.5.3.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
268 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
124
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Ac. nº 1.130, de 15.12.98, rel. Min. Eduardo Ribeiro; BRASIL. Tribunal
Superior Eleitoral. Ac. de 23.4.2009 no RO nº 1.515, rel. Min. Fernando Gonçalves.
125
FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. 8. ed. Tradução Eliane Nassif. Campinas: Bookseller, 2006,
p. 118-119.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
269
126
GRESTA, Roberta Maia. O problema da identidade entre as ações eleitorais: da litispendência e da coisa julgada
à ação temática eleitoral. Revista Ballot. Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, jan./abr. 2016, p. 286-312. Disponível em: <http://
www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ballot>. Acesso em: 28 jan. 2018.
127
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1984.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
270 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
A sentença produz normalmente efeitos também para os terceiros, mas com intensidade
menor que para as partes; porque, para estas, os efeitos se tornam imutáveis pela autoridade
da coisa julgada, ao passo que para os terceiros podem ser combatidos com a demonstração
da injustiça da sentença. Usando, de passagem, da terminologia do Código, poderá dizer-
se que tem a sentença para as partes eficácia de presunção iuris et de iure; para os terceiros,
pelo contrário, de presunção iuris tantum. (...) [A] tese exposta, [t]ende (...) a favorecer a
harmonia dos resultados dos processos sobre relações conexas ou dependentes, diminuindo
a possibilidade de contradição dos julgados; mas atinge esses fins sem sacrificar os direitos
dos terceiros, aos quais outorga ampla faculdade de defesa nos casos em que a sentença
pronunciada inter alios seja viciada por erro.128
128
Id., p. 150.
129
Esta ação de declaração de ineficácia se encontra prevista no art. 123 do CPC: “Art. 123. Transitada em julgado a
sentença no processo em que interveio o assistente, este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da
decisão, salvo se alegar e provar que: I – pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e pelos atos
do assistido, foi impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença; II – desconhecia a existência de
alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu”.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
271
reiterada, a boa-fé se presume; a má-fé deve ser provada. Os fatos trazidos pelo autor em
uma AIME não são, propriamente, “constitutivos de seu direito”, mas, sim, constitutivos
de um suporte fático sobre o qual incidirão sanções para o réu. A procedência da ação
não acarreta um acréscimo à esfera de direitos de quem a propôs, porque este, como
representante adequado da sociedade, age de modo similar a um órgão acusatório.
Essas características apontam para a necessidade de que a presunção de inocência,
em seu delineamento presente do direito penal, seja seriamente levada em consideração.
O autor que imputa fatos configuradores de um ilícito ao réu deve fazer a prova desses
fatos. Isso significa que a regra é a impossibilidade de condenação por presunção
daqueles fatos.
Por outro lado, a prova dos fatos incontroversos não precisa ser produzida
em juízo (art. 374, III, CPC), porque “sinaliza que a presunção seja aplicada a partir
do cotejo dos argumentos desenvolvidos pelas partes no processo”.130 A ausência de
controvérsia quanto aos fatos remete a discussão processual para o embate das alegações
que pretendem definir a configuração jurídica daqueles fatos. A decisão fica a depender,
então, de se reputar ilícita ou lícita a conduta quanto à qual não paira discordância.
Esse raciocínio, trazido para a reflexão da fraude eleitoral, permite projetar o
seguinte: i) tratando-se de fraude típica, é ônus do autor provar a ocorrência da si-
mulação, do falseamento de um ato com aparência de licitude – como a má-fé é ínsita à
prática de atos desse tipo, a controvérsia entre as partes tem seu cerne na prova do fato;
ii) tratando-se de fraude à lei (em seu esquema tecnicamente correto), o desafio do autor
é apresentar argumentação convincente no sentido de que o ato lícito praticado o foi de
forma artificiosa, isto é, para afastar a incidência de uma norma cogente – como a má-
fé não é ínsita ao ato praticado, o fato em que se funda a demanda possivelmente será
incontroverso e a controvérsia entre as partes terá seu cerne na qualificação da conduta
como lícita ou ilícita à luz da segunda norma, que deixou de incidir. Em ambos os casos,
segue respeitada a exigência de prova de má-fé, onde esta se apresenta como elementar
da configuração do ilícito.
Ocorre que o tratamento inadequado da fraude à cota de gênero como fraude à
lei (em sua versão desconfigurada) resulta, justamente, em um subterfúgio para inserir
uma presunção de má-fé, dispensando o autor do ônus que legalmente lhe incumbe.
Isso porque, nos casos de fraude típica, os tribunais continuam a exigir prova do ato
fraudulento – como mencionado pelo próprio relator do REspE nº 1-49/PI, a falsificação
da assinatura das candidatas-laranja precisaria ser provada na instrução para que se possa
concluir pela ocorrência da fraude. Diferentemente, acolher a tese do percentual branco
por votação ínfima significa inferir, diante de candidaturas de baixo desempenho, uma
intenção maliciosa – nada mais que a má-fé – dos dirigentes partidários ao inscreverem
mulheres na lista sem estarem comprometidos com a competitividade das candidatas.
A situação é duplamente problemática. A uma, o que se tem é um ato formalmente
válido (lançamento da lista com atendimento do percentual com mulheres que efetivamente
autorizaram o requerimento de suas candidaturas), e que portanto deve ser presumido
praticado de boa-fé, passando a ser presumido praticado de má-fé. A duas, aquilo que
se considera “má-fé” caracterizadora do ilícito não incide sobre qualquer exigência legal,
130
GRESTA, Roberta Maia. Presunção e prova no espaço processual: uma reflexão epistemológica. DIAS, Ronaldo
Brêtas de Carvalho et al. Direito probatório: temas atuais. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
272 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
mas sobre uma exigência apenas moral, de que dirigentes partidários queiram tornar as
candidatas competitivas.
Ao final, o que se tem é a descrição de um apanhado de fatos – campanha pífia,
ausência de confecção de material, não veiculação de programa de rádio e televisão e,
finalmente, renúncia ou votação zerada – que são apresentados como prova da fraude
à lei. Esses fatos, contudo, são possivelmente notórios e, por isso, incontroversos, mas
insuficientes para conduzir à conclusão pela fraude – quer a típica, porque nem mesmo
alegado ato simulado, quer a fraude à lei, porque sequer apontada a norma cogente que
deixaria de ser aplicada em razão do preenchimento da cota de gênero apenas para fins
formais.
Tecnicamente, o caso é de inépcia da petição inicial, já que os fatos narrados são
insuficientes para conduzir à conclusão pela ocorrência de fraude. Mas, ainda assim, as
ações têm prosseguido, inclusive com realização da instrução, onde a prova produzida
é, sobejamente, a oitiva das candidatas-laranja.
Aqui, reside o ponto mais sensível da atual estratégia de buscar conferir efetividade
a uma política afirmativa parcamente formulada (a reserva de 30% das candidaturas
para as mulheres) por meio de uma ação eleitoral de cunho sancionatório.
Primeiro, é preciso refletir sobre a posição processual das mulheres ouvidas.
Embora arroladas como testemunhas, as mulheres, se figurarem como rés, estariam na
verdade prestando depoimento pessoal. No entanto, a jurisprudência do TSE é no sentido
de que “configura constrangimento ilegal obrigar réu a prestar depoimento pessoal em
sede de ação de impugnação de mandato eletivo, em razão da falta de previsão na LC
nº 64/90”.131 Esse paradoxo é mais um problema a ser enfrentado. Caso consolidado o
entendimento pela inclusão, como litisconsortes, de todos os suplentes da chapa – e a
votação zerada não exclui a condição de suplente – a oitiva das candidatas-laranja será
tratada como exceção à vedação do depoimento pessoal? Ou se concluirá pela nulidade da
prova nessas ações, a implicar a nulidade da sentença que tenha tomado os depoimentos
pessoais como prova da fraude?
Convocadas como o compromisso de dizer a verdade, perante um juiz, um pro-
motor e eventualmente o representante da agremiação, as testemunhas-depoentes são
instadas a expor detalhes que, fossem relativos a qualquer homem, não passariam de
fatos comezinhos da vida política: quem as convidou; por que aceitaram; se são amigas
de algum político que as influenciou; por que, por outro lado, decidiram ingressar na
política se não conhecem ninguém; se já tiveram antes vontade de concorrer; se pensavam
seriamente em ganhar; se assim era, por que não se empenharam; se assim não era, por
que insistiram; por que não pediram recursos ao partido; por que não buscaram doações;
se tinham em mira ganhar algum cargo na Administração; se isso lhes foi prometido pelo
candidato majoritário; se a família e o marido apoiavam; se não tinham ânimo suficiente
pra enfrentar a reprovação destes...
Embora uma pesquisa nesse sentido seja bem-vinda, não há como menosprezar
os impactos psicológicos, sociais e políticos dessa experiência sobre as mulheres –
aquelas, justamente, que seriam destinatárias da proteção objetivada pela criação da
cota de gênero, são sujeitas a um escrutínio destinado a demonstrar pela contradição de
131
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. HC nº 651 MG, Relator: FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento:
19.11.2009, Data de Publicação: DJe, Data 07.12.2009, p. 15.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
273
intenções, perspectivas e estratégias que sua candidatura não era “real”. A cota de gênero,
em lugar de ser um convite para que as mulheres se aproximem da política, torna-se
um pretexto para a criação de uma distinção qualitativa das candidaturas femininas:
se aos homens se permite a liberdade de se lançar candidato com ou sem compromisso
efetivo com o projeto de se eleger, das mulheres se cobra uma virtude cívica sem a qual
serão tratadas como instrumento ou, mesmo, responsáveis da fraude eleitoral.
De modo contraditório, a regra que objetiva promover a igualdade de gênero no
campo político culmina por impor às mulheres, destinatárias da proteção, um padrão
de conduta mais elevado, agravando as discrepâncias. O problema não é a incorreta
distribuição apenas do ônus da prova, mas também do ônus moral.
132
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Eleitoral. Recurso Eleitoral nº 495-85, de 13 dez. 2017. Relator: Juiz
Eduardo Augusto Dias Bainy. DJe do TRE-RS, Tomo 225, 15 dez. 2017.
133
ANDRADE NETO, 2017. Ver também, do mesmo autor, “O voto nulo e seus efeitos: um ensaio sobre a (falta de)
lucidez da jurisprudência do TSE”, no Volume I desta coleção.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
274 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
por força do §3º do art. 175 do CE, segundo o qual, “Serão nulos, para todos os efeitos,
os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados”.
Em se tratando de cargos preenchidos mediante eleições proporcionais, porém, o
§4º do mesmo artigo traz uma importante ressalva: “quando a decisão de inelegibilidade
ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu
o candidato alcançado pela sentença, (...) os votos serão contados para o partido pelo
qual tiver sido feito o seu registro”. Ou seja, esse parágrafo relativiza os efeitos da
nulificação. Conquanto os votos nominalmente obtidos pelo candidato indeferido são
considerados nulos, eles continuam a ser considerados votos válidos para a legenda,
beneficiando, assim, o partido ou coligação pela qual aquele havia concorrido. Isso só é
possível porque a hipótese de incidência do §4º está restrita, por previsão legal expressa,
ao “disposto no parágrafo anterior”, isto é, aos casos de nulificação com base no §3º,
que não pressupõem a prática de nenhum ilícito. Caso contrário, a contagem dos votos
para o partido ou coligação violaria o milenar princípio de que ninguém pode se beneficiar
da própria torpeza.
O §4º não pode ser aplicado a ações que visam a apurar ilícitos eleitorais praticados
em eleições proporcionais, como a AIME, a AIJE e as representações específicas, que
seguem o rito do art. 22 da LC nº 64/90. E são três as razões para isso. Primeiramente,
em se tratando de ilícitos, o art. 222 do CE é a norma mais específica e, portanto,
aquela a ser aplicada, pois prevê que “É também anulável a votação, quando viciada de
falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo
de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei”. Ou seja, os votos nominais
dos candidatos proporcionais obtidos por meio de fraude à lei, se comprovada, são
anulados, e não nulificados. O mesmo destino têm os votos conquistados pelo partido
ou coligação se a fraude ocorre no registro do DRAP.
Em segundo lugar, o §4º expressamente circunscreve sua incidência aos casos
de que trata o §3º – ou seja, às ações de arguição de inelegibilidade. É dizer, a exceção
nele prevista, que permite a contagem dos votos para o partido ou coligação, ainda que
nulificados em relação aos candidatos, não se aplica às ações em que se apuram ilícitos
eleitorais – como é o caso da AIME por fraude à cota de gênero. Por fim, em terceiro lugar,
outro não poderia ser o destino dos votos anulados em razão da prática de ilícitos, pois,
como antecipado acima, a tentativa de restringir os efeitos da invalidação nesses casos
permitiria que o partido ou a legenda mantivessem as cadeiras conquistadas ilicitamente,
as quais seriam preenchidas pelos suplentes. Noutras palavras, eles seriam beneficiados
pela fraude, o que contraria princípios basilares de Direito e Justiça.
Portanto, no caso de procedência da AIME por fraude à cota de gênero – ou seja,
fraude no registro do DRAP –, todos os votos obtidos pelo partido ou coligação na
eleição proporcional são anulados. Os votos são invalidados para todos os fins; não se
aproveitam para ninguém e necessariamente desencadeiam: ou a renovação das eleições,
caso comprometida mais da metade dos votos da circunscrição, nos termos do art. 224
do CE; ou a retotalização dos votos da eleição proporcional na circunscrição, caso metade
ou menos da votação tenha sido comprometida. A retotalização ocorre porque, nos
termos do art. 106 do CE, apenas os votos válidos devem ser incluídos no cálculo do
quociente eleitoral. Os votos anulados em razão da fraude, antes incluídos, devem ser,
portanto, excluídos, o que leva, necessariamente, à modificação dos quocientes eleitoral
e partidário, e à redistribuição das cadeiras entre os demais partidos e coligações.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
FRAUDE À COTA DE GÊNERO COMO FRAUDE À LEI: OS PROBLEMAS CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS DECORRENTES DO COMBATE...
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134
Voto de relatoria do Ministro Henrique Neves da Silva, p. 15.
135
Id., p. 16.
136
Sobre o tema, cf. GRESTA, Roberta Maia; SANTOS, Polianna Pereira dos. Direitos políticos como direitos da
sociedade: crítica ao aprisionamento semântico dos direitos políticos. In: Anuario de Derecho Constitucional
Latinoamericano. Año XXII, Bogotá, 2016.
137
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 243-42/PI, de 16 ago. 2016b. Relator: Henrique
Neves da Silva. DJe, tomo 196, 11 out. 2016a, p. 65-66.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
276 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
Meses depois, ao julgar o REspE nº 631-40/SC, de 2016, o TSE estatuiu que toda
fraude é uma espécie do gênero abuso de poder e, portanto, passível de apuração em
AIJE. O caso concreto se referia à substituição fraudulenta de candidato à véspera do
pleito, sem ampla publicidade, de modo a criar, “uma espécie de véu da ignorância nos
cidadãos, que desconheciam por completo a alteração da chapa majoritária e (...) nem
sequer tiveram tempo suficiente para formar uma convicção (ainda que para manter o
voto na nova chapa formada) sobre em quem votariam”. Conforme constou da ementa,
138
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral 631-84/SC, de 6 ago. 2016. Relator: Luiz Fux.
DJe, tomo 192, 5 out. 2016, p. 68-70.
JOÃO ANDRADE NETO, ROBERTA MAIA GRESTA, POLIANNA PEREIRA DOS SANTOS
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277
139
Tribunal Superior Eleitoral. Especialistas falam sobre abuso de poder no processo eleitoral e educação política
durante seminário. Notícias TSE. 5 dez. 2017. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/
Dezembro/especialistas-falam-sobre-abuso-de-poder-no-processo-eleitoral-e-educacao-politica-durante-
seminario>. Acesso em: 29 jan. 218.
140
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. REspE nº 843-56 JAMPRUCA – MG, Relator: JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, Data de Julgamento: 21.06.2016, Data de Publicação: DJe, Tomo 170, Data 02.09.2016, p. 73-74.
LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARDO PECCININ (ORG.)
278 ABUSO DE PODER E PERDA DE MANDATO
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