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A organização jurídica das entidades religiosas

Esse texto é uma organização de conteúdo voltado a religiosos de matrizes afro


brasileiras, realizado de maneira voluntária e gratuita para ACOUCAI, tendo
como base os artigos dos profissionais que ao final são mencionados, onde se
destaca que com a aprovação e promulgação desta lei 10.825/03 que alterou ao
Código Civil vigente, como veremos a diante, as organizações religiosas foram
inseridas como um ente diverso das associações, um ente jurídico próprio,
inclusive para garantir personalidade jurídica com direitos a imunidade tributarias
previstas na alínea “b”, do inciso “VI” do artigo 150 da Constituição Federal no
Capítulo I - Do Sistema Tributário Nacional na Seção II - das Limitações do Poder de
Tributar.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios:
(...) VI - instituir impostos sobre:
(...) b) templos de qualquer culto;
§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c",
compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços,
relacionados com as finalidades essenciais das entidades
nelas mencionadas.
Quando falamos organização ou tempo religiosos, certamente nos vem à mente
duas constituições: a organização religiosa enquanto 'templo', 'espaço físico' e
a organização religiosas enquanto 'corpo espiritual', os 'membros' propriamente
ditos.
Para o Direito, há uma terceira categoria que deve ser considerada: a
organização enquanto ente dotado de personalidade jurídica. Ou seja,
pessoa jurídica de direito privado, que, como tal, possui deveres e
obrigações civis.
Houve um tempo em que a aceitação da condição da Organização como ente
dotado de personalidade jurídica foi questionada, vez que se sobressaía a
condição da Organização enquanto órgão espiritual e como tal, não poderia ser
tratada ou regulada pelo direito comum.
Era vista tão somente como uma sociedade espiritual, porque a Organização
não fora instituída para conquistar bens temporais, para promover comércio e
indústria ou para assegurar o predomínio político dos seus membros. O fim da
Organização era (e é) muito mais nobre, visto tratar-se de entidade com fim
primário de se perpetrar entre os homens a missão de difundir o Sagrada.
Ainda, a Organização se filia à categoria de sociedades em que ninguém é
obrigado a entrar, como são as sociedades comerciais. Ora, o entendimento
era de que a Igreja, por ser uma sociedade imposta por uma lei divina não
poderia ser tratada como as sociedades comuns (comerciais), tampouco serem
geridas pelo Estado.
Daí porque alguns escritores e religiosos pretendiam fazer de toda a
Organização uma associação livre, não regulada pelas leis e sem regras
especiais. O Estado não reconheceria nem associações nem pessoas reunidas
para os fins do culto, do ensino e da caridade; ele recusa, por isso, todo o poder
à Organização de se personificar. Deste modo, segundo este sistema, a
Organização não passaria duma reunião passageira, fora da lei, por assim
dizer, sem direitos nem deveres especiais, suscetíveis de revestir um caráter
jurídico, e não tendo outro vínculo além das obrigações morais.
Esta doutrina, é, sem dúvida, inadmissível, tanto que não se sustentou. Ora, a
personalidade jurídica evidentemente que é necessária à organização, na
medida em que as práticas perpetradas reuniam (e reúnem) situações que
remetiam a direitos e obrigações.
Esses direitos e obrigações assemelhavam-se aos oriundos das sociedades
civis, comerciais. Grosso modo podemos citar alguns: direito de se reunir em
um local fechado, implicando o dever de pagar por este local, por exemplo;
necessidade de se adquirir bens e administrá-los.
Deste modo, negar à Organização a personalidade jurídica seria abrir uma
exceção inadequada e descabida, em prejuízo da própria entidade e seus
beneficiários, que ficariam à mercê de suas próprias intenções individuais,
sendo berço de geração de conflitos sem qualquer chance legal de resolução
ou ajuste, ou, ainda, ficariam eximidos de usufruir de direitos comuns às
sociedades de pessoas em geral.
Temos então que a ideia de associações de pessoas enquanto personificação
da pessoa jurídica não é criação libertina das leis, mas um produto natural das
tendências do homem, que o Estado não faz mais do que reconhecer,
sancionar e regular.
Assim é que a Organização se dá como uma pessoa jurídica e, portanto, a
outra conclusão não poderia se chegar senão de que a Igreja, por sua
natureza jurídica, é pessoa jurídica de direito privado, dotada de
personalidade típica desta categoria.
Tal condição foi recepcionada por nossa lei pátria, no artigo 5º do decreto
119/A de 07/01/1890, ainda hoje em vigor:
Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se
reconhece a personalidade juridica, para adquirirem bens e
os administrarem, sob os limites postos pelas leis
concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a
cada uma o dominio de seus haveres actuaes, bem como
dos seus edificios de culto. (transcrito na forma original)
Estabelecido o reconhecimento da personalidade jurídica das organizações,
marco de separatismo entre Organização e Estado, haveria que se estabelecer
a forma de constituição dessas sociedades, tal qual se fazia para as demais
sociedades.
No antigo Direito Romano, a criação da pessoa jurídica era livre.
Modernamente, não basta o reconhecimento da personalidade jurídica ou a
simples vontade para sua constituição. À lei cabe impor requisitos a serem
obedecidos, de acordo com a espécie e tipo, para que a pessoa jurídica possa
ser considerada regular e esteja apta a agir com todas as suas prerrogativas
na vida jurídica.
Neste sentido, nosso Código Civil, lei 10.406/02, determina as espécies de
pessoa jurídica:
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno
ou externo, e de direito privado.
E especificando os tipos, no que respeita a classe privada:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas; (Incluído pela lei 10.825, de
22.12.2003) (grifamos)
V - os partidos políticos. (Incluído pela lei 10.825, de
22.12.2003)
Ora, vemos que, por definição legal, as entidades religiosas são
especificamente tipificadas como uma categoria das pessoas jurídicas, com
personalidade própria e possibilidade de criação e organização livre.Vemos
ainda, que tal categoria foi inserida no Código Civil por intermédio da lei
supraindicada (10.825/03).
Com a promulgação desta lei, como se vê, as organizações religiosas foram
inseridas como um ente diverso das associações, um ente jurídico próprio.
Criou-se, portanto, a figura de uma verdadeira instituição religiosa, que, com
respaldo legal, pode promover sua gerência e organização de forma totalmente
individualizada, com base nos seus princípios, doutrina e visão.
Neste sentido, e em virtude da lei em questão, não há mais a obrigatoriedade
das organizações terem que estabelecer seus ordenamentos e sua forma de
organização com base nas diretrizes elencadas nos artigos 53 a 61 do Novo
Código Civil, já que deixam de ser meras Associações.
Isto significa que as Igrejas, podem ser constituídas e organizar sua
administração de forma extremamente específica, sem ater-se ao antigo
regramento voltado às associações, estabelecendo, verdadeiramente a
liberdade religiosa apregoada em nossa Carta Magna.
Por fim, no que tange à classificação da sua natureza, as entidades religiosas
estão inseridas no grupo denominado TERCEIRO SETOR, uma vez que atuam
no segmento que não possuiu finalidade lucrativa, mas compreendem a reunião
de pessoas para um fim comum, em prol de interesses coletivos, ainda que
individualmente alcançados.
O lado empresa das organizações religiosas
Apresentação anual da Declaração de Imposto de Renda à Receita Federal do
Brasil (antiga Secretaria da Receita Federal); apresentação da DCTF semestral
à Receita Federal do Brasil; apresentação anual da RAIS ao Ministério do
Trabalho; recolhimento mensal do INSS e do FGTS de funcionários e
prestadores de serviços, recolhimento do PIS sobre a folha de pagamento e
retenção do imposto de renda na fonte do pastor, do ministro de música, dos
funcionários e seus prestadores de serviços; elaboração do Programa de
Prevenção de Riscos Ambientais, do Programa de Controle Médico e de Saúde
Ocupacional, do Perfil Profissional…
Não, não estou me referindo às obrigações das empresas em geral. Estou
falando que, para os órgãos fiscalizadores, as organizações religiosas em geral
estão obrigadas ao cumprimento das obrigações acima e de outras tantas. Estou
falando que dirigir uma organização religiosa requer cuidado e preparo.
Ministros de confissão religiosa – leia-se pastores, padres, rabinos, pais de
santo… – que se cuidem, pois uma eventual má administração de tais
organizações pode até comprometer o seu patrimônio pessoal, sem falar de
outros prejuízos, tais como perda da imunidade tributária e outras sansões
cabíveis a cada caso.
Lá se foi o tempo em que as organizações religiosas não eram sequer
alcançadas pelos holofotes do fisco e, com isso, gozavam de privilégios que iam
muito além da imunidade tributária garantida pelas diversas constituições, desde
a proclamação da República em 1891.
Com o advento da Lei nº10.406/2002, que instituiu o novo Código Civil, muitas
organizações religiosas que até então funcionavam na “informalidade”
promoveram o seu registro jurídico, tendo provocado uma verdadeira corrida ao
encontro da legalidade.
É pertinente a pergunta: Estaria determinada igreja regular perante o fisco uma
vez que registrou o seu estatuto em cartório e obteve a sua inscrição no CNPJ?
Obviamente, a resposta é não. No entanto, muitos líderes, incluindo até mesmo
aqueles bem informados, ainda não entenderam que uma vez constituída
juridicamente, a igreja contrai diversas obrigações, com, destaque para a
necessidade de uma contabilidade formal. Portanto, quero deixar claro que não
é a condição de imune que vai dispensar a igreja de realizar a sua escrituração
regular, pelo contrário a legislação prevê penalidades e até mesmo a perda de
imunidade para quem deixar observar os ditames legais.
Com o mesmo rigor aplicado às empresas em geral, as organizações religiosas
devem promover, através de profissional da contabilidade habilitado, a
escrituração mensal de suas receitas e despesas, nos termos das Normas
Brasileiras de Contabilidade. É a partir daí que são produzidos os livros Diário e
Razão, de onde são extraídos os dados para a elaboração da declaração anual
de Imposto de Renda a ser apresentada à Receita Federal do Brasil.
Para tanto, deve confiar a sua área financeira, dentre seus membros, àqueles
mais habilidosos, se possível com formação acadêmica, que gozem de bom
conceito, que tenham vida financeira equilibrada e, principalmente, que tenham
o coração voltado para aquilo que faz na comunidade. Tenho dito que nem a
sociedade nem o fisco vêem as organizações religiosas como as viam dez, vinte
ou trinta anos atrás. Os tempos mudaram e hoje vivemos sob o signo da
legalidade.
Ministro religioso também deve pagar INSS e impostos de renda
Ao ler os artigos que usei para fundamentar, organizei as sobre o INSS e o
Imposto de Renda na Fonte do ministro religioso (sacerdote, pai-de-santo,
pastor, padre, …). Achei o assunto pertinente e aqui seguem as orientações,
mesmo sabendo que provavelmente haverá necessidade de voltarmos ao
assunto, dada a sua extensão, particularidades e complexidades.
INSS – De acordo com legislação vigente, temos a informar que “não se
considera como remuneração direta ou indireta, para os efeitos da Lei, os valores
despendidos pelas organizações religiosas e instituições de ensino vocacional,
como ministro de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada,
de congregação ou de ordem religiosa em face de seu mister religioso ou para
sua subsistência, desde que fornecidos em condições que independam da
natureza e da quantidade do trabalho executado”. Assim, sobre este tipo de
pagamento não incide nenhuma contribuição, pois o mesmo não é considerado
como remuneração. Cumpre salientar, também, que o Ministro de Confissão
Religiosa é considerado segurado obrigatório da Previdência Social na qualidade
de contribuinte individual (Decreto 3.048/99). Neste caso, do valor recebido pelo
ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada, de
congregação ou de ordem religiosa em face do seu mister religioso ou para sua
subsistência independa da natureza e da quantidade do trabalho executado,
caberá ao próprio contribuinte individual o recolhimento da sua contribuição que
corresponderá a 20% (vinte por cento) sobre o valor por ele declarado,
observados os limites mínimo (R$ 998,00 x 20% = R$ 199,60) e máximo
(R$5.839,45 x 20% = R$ 1.167,89) de salário de contribuição.
Tabela para Contribuinte Individual e Facultativo 2019
Salário de Alíquota Valor
Contribuição (R$)
R$ 998,00 5% (não dá direito a Aposentadoria por R$ 49,90
Tempo de Contribuição e Certidão de Tempo
de Contribuição)*
R$ 998,00 11% (não dá direito a Aposentadoria por R$ 109,78
Tempo de Contribuição e Certidão de Tempo
de Contribuição)**
R$ 998,00 até 20% Entre R$ 199,60
R$ 5.839,45 (salário mínimo) e R$
1.167,89 (teto)
*Alíquota exclusiva do Facultativo Baixa Renda;
**Alíquota exclusiva do Plano Simplificado de Previdência;
Os valores das tabelas foram extraídos da Portaria do Ministério da Economia nº 09, de 16 de janeiro de 2019 e terão
aplicação sobre as remunerações a partir de 1º de janeiro de 2019.

Desta forma, caso este valor seja pago para a sua subsistência, não incidirão os
referidos recolhimentos, pois nesse caso o próprio contribuinte fará seu
recolhimento através de carnê, aplicando a alíquota de 20% sobre sua
remuneração.
Caso o Ministro Religioso receba remuneração pelos serviços prestados de
forma diferenciada, conforme a quantidade de serviços prestados, incidirão por
parte da organização religiosa, sobre esta remuneração, tanto a importância
correspondente a 20% a título de renda sobre o valor pago mensalmente ao seu
ministro religioso em questão, quanto o recolhimento de 11% a título de
contribuição previdenciária do contribuinte individual que lhe presta serviços.
IMPOSTO DE RENDA NA FONTE – Os ministros religiosos não têm vínculo
empregatício com a pessoa jurídica pagadora (igreja). O disposto no art. 628 do
RIR/99 determina retenção do Imposto de Renda na Fonte para os rendimentos
do trabalho não assalariado, pagos por essas entidades. Portanto, os valores
percebidos pelas pessoas aqui referidas estão sujeitos à incidência do Imposto
de Renda calculado pela aplicação da tabela progressiva vigente no mês de
pagamento do rendimento. O código a ser utilizado no DARF é 0588. Cabe à
organização religiosa (casa de santo, templos, igreja, sinagoga…) descontar dos
proventos mensais do ministro o valor correspondente e efetuar o recolhimento
bancário até o dia 10 do mês subsequente à do fato gerador.

* Rômulo Fernandes Silva que é Sociólogo e adaptou para organizações


religiosas em geral, principalmente de matriz afro brasileiras, os textos da Taís
Amorim de Andrade Piccinini é titular do escritório Amorim & Leão
Advogados, com colaboração de Jonatas de Souza Nascimento, que produz
artigos para o site Portal da Classe Contábil.

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