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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E


CONTABILIDADE DE RIBEIRÃO PRETO

Desenvolvimentismo nos anos JK e as consequências do


Plano de Metas

Resumo: Durante os anos de Juscelino Kubitschek, observou-se que, sempre que ameaçavam
o crescimento do Brasil, as políticas monetária e fiscal foram preteridas em relação à política
cambial. Ainda que essa escolha do governo tenha sido essencial para o sucesso do ambicioso
Plano de Metas, ela causou uma alta da inflação durante os anos de 1955 a 1960. No presente
trabalho, analisa-se, à luz dos textos "Democracia com Desenvolvimento" e "Dos Anos
Dourados de JK à Crise Não Resolvida", como esse período se destacou por conseguir aliar
democracia e acelerado crescimento econômico pela primeira vez na história do país e quais
foram os custos disso em termos inflacionários.

Felipe Vassoler de Lima Teixeira


INTRODUÇÃO
O governo JK configurou o objetivo do setor público para consolidar os anseios de
desenvolvimento do país. Em decorrência disso, os fatos dessa fase da história brasileira é
analisada, tanto em André Vilela quanto em Orenstein e Sochaczewski, sob o pano de fundo
do desenvolvimentismo, o qual foi essencial para que o país alcançasse um quadro que
conciliou elevado crescimento, estabilidade de preços e democracia. O presente texto tem
como meta a exposição de como o Plano de Metas foi essencial para a geração desse quadro e
de como as políticas econômicas serviram de apoio para esse Plano maior.

POLÍTICA CAMBIAL

Em 1957, a fim de lidar com o problema cambial existente desde o fim da Segunda
Guerra Mundial, o governo executou uma reforma do sistema cambial por meio da Instrução
70 da SUMOC a fim de diminuir a complexidade do sistema de taxas múltiplas - já que isso
era ineficiente -, criar uma proteção adicional a produtos nacionais e incentivar a
industrialização interna. Para isso, o governo passou a separar as taxas entre as importações
"gerais", que correspondiam a produtos que a oferta interna não era capaz de garantir, e
"especiais", as quais eram compras de produtos que também podiam ser feitos pela produção
interna, sendo a primeira categoria mais beneficiada pelo sistema de leilões das divisas
cambiais. Uma terceira categoria, a de importações "preferenciais", era isenta dos leilões pois
gozava de "câmbio de custo" por englobarem itens de extrema importância para a indústria e
à agricultura nacional, como petróleo, fertilizantes, etc.. Com isso, o governo, que objetivava
causar a aceleração da industrialização via substituição de bens de capital sem dar a mesma
relevância a bens de consumo que outros governos haviam dado anteriormente, conseguiu
fazer a indústria crescer mais de 25% entre 1955 e 1960 - o que consagrou a política cambial
como a principal ferramenta de industrialização no período.
Assim, observa-se que, mesmo antes do lançamento do Plano de Metas, já havia um
anseio de desenvolvimento acelerado no país - evidenciado, por exemplo, pela criação de um
banco de desenvolvimento em 52 -, porém, esse ainda era muito restrito a alguns setores da
economia brasileira. No entanto, o Plano de Metas(PM) foi o primeiro plano que atacou
simultaneamente os problemas de diversos setores e com o qual o setor público esteve
totalmente comprometido até o fim, pois buscava cumprir de modo urgente a tarefa de
melhorar rapidamente a qualidade de vida e estabilidade social por meio da realização de
obras infraestruturais e do estímulo da produção e investimento privados.

O PLANO DE METAS

As áreas prioritárias para investimento à luz do PM eram as de transporte,


alimentação, energia, indústria de base e educação e, segundo o Conselho de
Desenvolvimento(1959), supunha-se gananciosamente que isso viabilizaria um crescimento
anual de 2% da renda per capita e um aumento anual de 6,2% da exportação de produtos
distintos do café, além de permitir a queda do coeficiente de importação em 4 pontos
percentuais. No que tange o setor energético, procurava-se elevar a capacidade de geração de
energia em 2 milhões de kW entre 1955 e 1960, além de elevar essa em mais 3,6 milhões de
kW por meio de obras até 1965, aumentar a produção de carvão em 1 milhão de toneladas e a
de petróleo até chegar em 6000 barris por dia em 1960. Além disso, a fim de incrementar a
infraestrutura interna, aspirava-se a expandir o sistema rodoviário e a indústria
automobilística.
Esses investimentos viriam cerca de 50% do setor público, 35% do setor privado e o
restante de agências focadas em programas tanto públicos quanto privados e, por mais que
houvesse consciência sobre como isso afetaria negativamente o balanço de pagamentos no
curto prazo, esperava-se que o déficit fosse gradativamente decrescendo até atingir o
equilíbrio em 1961. Para cobrir esses gastos sem permitir que a inflação decolasse,
usar-se-iam os fundos orçamentários, onde eram guardados parte das tributações, além de
usarem para isso, à luz de Lessa(1981), quatro fatores: tratamento preferencial do capital
estrangeiro(o qual auxiliava na questão cambial), financiamento dos gastos por meio da
expansão dos meios de pagamento e do acesso creditício, intensificação do papel do setor
público na geração de capital e, por último, os incentivos à iniciativa privada por meio do
câmbio preferencial a setores prioritários, déficit do caixa do Tesouro(isso indiretamente
servia de incentivo ao setor privado) e a política de juros mais baixos e maior carência
garantidos pelo BNDE e o Banco do Brasil a empréstimos voltados à expansão produtiva.
Como resultado disso, o PIB cresceu 8,2% entre 1957 e 1961 e a renda per capita
cresceu 5,1% ao ano. No entanto, por outro lado, a inflação cresceu mais de 22% - mais do
que os 13,5% esperados - no que período devido à estagnação das exportações de produtos
distintos do café entre 1958 e à queda do preço do café, o que restringiu o crescimento da
capacidade de importar e, portanto, fez com que o déficit orçamentário crescesse mais do que
as expectativas iniciais ditavam. No geral, os resultados foram muito positivos, apesar de
alguns objetivos não terem sido totalmente alcançados.

CONTRATEMPOS DO PLANO DE METAS

Devido ao foco em garantir o desenvolvimento não só da indústria, mas da sociedade


brasileira como um todo, as políticas fiscal e monetária foram preteridas em detrimento da
política cambial pois era essa que mais influenciava na industrialização e enriquecimento do
país. Além disso, a carência de esclarecimento sobre as fontes do financiamento do PM o fez
apresentar efeitos indesejáveis também: se por um lado o PM lançou as bases para solucionar
os problemas de infraestrutura, por outro, ele aprofundou a desigualdade entre as regiões do
país. O desenvolvimento não foi linear de Norte a Sul e, como o desenvolvimento da
indústria nas regiões Norte e Nordeste do país foi muito menos acentuado do que em outras
regiões, a melhora da vida das pessoas não pode ser generalizada para o país todo.
A solução para financiar um plano com objetivos tão ambiciosos foi o de aceitar uma
inflação maior em prol do desenvolvimento interno. Com isso, viabilizou-se a realização do
Plano de Metas a partir da emissão monetária e da elevação dos tributos, ainda que se tenha
gerado inflação. Houve sim tentativas de controle inflacionário, como a tentativa de pegar
empréstimo do Eximbank, mas elas foram abandonadas assim que começaram a ameaçar,
devido à exigência do controle à inflação pelo FMI, o objetivo maior naquele contexto: o
desenvolvimento do país. Como exemplo, pode-se citar o uso da política monetária e o
arrocho creditício para tentar tornar compatíveis variáveis que são dicotômicas, "como
crescimento, estabilidade, altos lucros e baixo custo de vida" (à luz de Orenstein e
Sochaczewski). Essas medidas que ameaçavam o desempenho do setor empresarial gerou
mais conflitos do que soluções, já que a dissolução desses contratempos entre governo e
empresariado advinha apenas do crescimento do produto, como pode ser observado pela crise
social e política que eclodiu após o produto parar de crescer acentuadamente em meados de
1962.
Além de ser simbolizado pela construção de Brasília, o sucesso do Plano de Metas é,
em grande medida, associada à atuação do setor público, já que foi à essa camada associada a
responsabilidade de condução das obras de infraestrutura. A partir disso, o Estado passa a ter
controle sobre a produção de aço, petróleo e de outros produtos químicos, sobre a rede de
transportes, sobre o comércio e sobre o crédito, fatores que não geravam revolta da iniciativa
privada, ainda que essa, por outro lado, desejasse que o governo não intervisse tanto em áreas
onde os setores privados podiam prosperar, diminuísse a carga de impostos e controlasse
menos o comércio exterior. Ainda que desagradasse o setor privado, essa alta carga tributária
era necessária para bancar a industrialização e o desenvolvimento multidimensional do país,
já que ela garantiu a possibilidade de aumento da participação da receita do governo sobre o
PIB de 19% em 1957 para 23,2% em 1961. Além de manter os impostos altos, o governo,
vendo-se sem a possibilidade de vender títulos públicos em uma época de alta inflação e sem
poder aumentar ainda mais os impostos, decidiu atrasar os pagamentos que deveria fazer para
poder ter mais dinheiro para investir no crescimento da produção e da indústria interna.
A elevação dos gastos do governo não foram essenciais apenas para a melhora da
infraestrutura diretamente, mas também para garantir a redução dos valores dos fretes e,
assim, aumentar o lucro das empresas que dependiam ou exerciam os transportes de cargas.
No entanto, por mais essencial que fosse, esse crescimento colocou em risco a poupança do
setor público, quadro que foi dominante até que realizou-se a reforma tarifária em 1957, a
qual foi responsável por aumentar a receita devido à elevação da arrecadação de ágios
cambiais e de impostos sobre produtos importados.

CONCLUSÃO

O governo JK foi marcado por grandes avanços para o Brasil, tanto enquanto
sociedade quanto como economia: observou-se, pela primeira vez na história brasileira, a
experiência verdadeiramente democrática no país ser aliada a um crescimento extraordinário
da economia brasileira devido à industrialização viabilizada pelo sucesso do Plano de Metas
em tornar o Brasil menos dependente de importações e das medidas cambiais necessárias a
isso. Ainda que isso tenha ocorrido ao custo de alta da inflação e de aprofundamento das
desigualdades regionais, é indiscutível que a política adotada durante os anos de JK foram
essenciais para concretizar o sonho de formação de um complexo industrial no Brasil e
fundar as bases para a inclusão do Brasil no mercado internacional para além do comércio
agroexportador.
A importância do governo JK é confirmada por Marcelo Abreu quando ele cita que
esse originou a "macroeconomia do homem cordial", segundo a qual inexiste limitações ao
anseios do governo caso ele haja como se não houvesse restrições ou consequências
inflacionárias para determinado orçamento governamental e seja guiado por "vontade
política". Esse é o motivo pelo qual pouco se fala sobre as políticas monetária e fiscal durante
os anos de JK, dado que, nesse período, elas permaneceram num lugar de submissão aos
anseios desenvolvimentistas, de modo que, ainda que houvesse consciência da necessidade de
combater a inflação ou outros problemas econômicos ou sociais por meio delas, isso era
colocado de lado caso fosse mitigar o crescimento econômico e a consolidação da indústria
nacional.

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