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DEDICATÓRIA

Dedico este livro às minhas amigas e betas Jordanna, Lily Saint, Ruth Keren e Renata. À minha família e a todos
vocês que deram uma chance ao meu trabalho e estão aqui, fazendo valer a pena, todas as dificuldades que tive no
processo de escrita.
NOTA DA AUTORA

lá pessoal, bem-vindos ao meu primeiro livro. Agradeço a oportunidade de sua leitura e


O espero de coração que gostem.
Iniciei a escrita desse livro em fevereiro e em março publiquei o primeiro capítulo no
Wattpad. Não imaginei que esse fosse ser o primeiro livro que eu lançaria na Amazon, mas estou
extremamente feliz por essa oportunidade.
Gostaria de avisar que esta obra é uma novela, um livro curto para fins de divertimento e não
didático. O meu intuito desde o início foi mantê-lo pequeno já que tenho dificuldade de focar em
algo por muito tempo.
Coloquei nele algumas coisas das quais vivenciei e que se tornaram o maior motivo por trás do
meu início como autora em 2018/2019.
Gostaria de reforçar que, se você se identificar com quaisquer dos sintomas apresentados pelos
personagens, procure um profissional da saúde. Não deixe a dor exaurir suas forças, minar sua
coragem, não permita que a tristeza os domine.
Se acaso não conseguir ajuda gratuita, procure os direitos humanos de sua cidade. Não há
vergonha em reconhecer que como seres humanos, precisamos de ajuda. Lute por si mesmo,
porque você não está sozinho!
Direitos autorais © 2023 K B Oliver

Todos os direitos reservados.

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Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por
parte do autor.

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marcas registradas é apenas informativo e não implica endosso.

Informações Adicionais:

Revisora: Luciana Falcão


Leitora Crítica: Ju Magaldi
Design de Capa: KG Design
Betas Reader: Renata, Jordanna, Ruth.
Artes diversas: K B Oliver
Diagramação: K B Oliver
ÍNDICE

Dedicatória
Nota Da Autora
Direitos autorais
SINOPSE
CAPÍTULO 1 - DEVIL EYES
CAPÍTULO 2 - FADE TO BLACK
CAPÍTULO 3 - ONE
CAPÍTULO 4 - MY LITTLE DARK AGE
CAPÍTULO 5 - LOVE IS THE WORD NEVER SPOKEN IN THIS PRISON
CAPÍTULO 6 - I'M A HUMAN
CAPÍTULO 7 - UNTIL I BLEED OUT
CAPÍTULO 8 - I CAN’T RESIST
CAPÍTULO 9 - KISS ME UNTIL MY LIPS FALL OFF
CAPÍTULO 10 - SAVE YOUR TEARS
CAPÍTULO 11 - I DON'T KNOW WHY I RUN AWAY
CAPÍTULO 12 - MAJESTY
CAPÍTULO 13 - ROMEO
CAPÍTULO 14 - ME & U
CAPÍTULO 15 - GENTLEMAN
CAPÍTULO 16 - ALONE WITH YOU
CAPÍTULO 17 - HEART ON FIRE
CAPÍTULO 18 - SOFTCORE
CAPÍTULO 19 – THE DAY THAT NEVER COMES
CAPÍTULO 20 – SOLITUDE
CAPÍTULO 21 - NOTHING ELSE MATTERS
CAPÍTULO 22 - IN THE END
CAPÍTULO 23 - THE LAST GOODBYE
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS AOS LEITORES
SINOPSE
MONSTER ROMANCE COM DRAMA, HOT, MPREG, FICÇÃO CIENTÍFICA E
MUITO MAIS.
Tenente Apollo Smith, um sobrevivente de guerra, deixado para conviver com o que
restou de si mesmo. Conheceu desde cedo o sabor amargo do fracasso e, lutando para se
reerguer, aos trinta e dois anos, ingressou como engenheiro nuclear na base da AITE “Agência
de Inteligência e Tecnologia Espacial”.
Apollo só não esperava encontrar, trabalhando no mesmo lugar que ele, o enigmático
Doutor Gunnar, um homem de olhos profundos e penetrantes, alto e pálido, que escondia
segredos que desafiavam a compreensão humana.
Mas o mais estranho de tudo é que todos pareciam conhecê-lo, todos pareciam gostar
dele, mas Apollo poderia jurar que nunca havia visto aquele cara na vida. Ainda mais quando o
indivíduo, estranhamente sedutor, insistia em persegui-lo.
Ele poderia estar louco? Ou realmente havia algo de muito errado acontecendo ali?
AVISO: CONTÉM GATILHOS, SENDO ESTES: GUERRA, VIOLÊNCIA, SEXO
EXPLÍCITO, DEPRESSÃO E TEPT.
ESTA OBRA CONTÉM MPREG: GRAVIDEZ MASCULINA.
CAPÍTULO 1 - DEVIL EYES

#SONG: ZODIVK#

— “Pi…”
Acordei ouvindo o despertador berrar na minha cabeça, bastante atordoado. Eu não
costumava ter medo de nada, mas confesso que desde que começamos a trabalhar naquele
meteorito, que orbitava a terra há dois meses, as coisas tinham estado estranhas.
Para começar, eu estava tendo dores de cabeça constantes, muita sede e minha visão, que
era saudável, se tornou turva em momentos inoportunos. Quando decidiram enviar uma equipe
de sondagem, eles nos prepararam para o caso de haver radiação naquele detrito, mas como um
profissional em engenharia nuclear, notei, após alguns testes, que não era o caso.
Com muito esforço, uma sonda, através de raspagens, coletou material da rocha. Como
já suspeitávamos, além de ser um elemento desconhecido, não parecia ter níveis de nocividade à
nossa saúde. Repito, até então, “mil graus”.
Trabalhamos nele por dois dias e logo retornamos para o nosso planeta Terra. A missão
de identificação foi um sucesso, o meteorito era enorme e parecia um satélite natural. Foi uma
festa quando retornamos à base. E não digo isso apenas no sentido figurativo, realmente houve
uma festa. E foi aí que eu comecei a surtar.
Sonhos estranhos me assombravam todas as noites desde então. Onde eu sempre me via
diante de uma caverna, ainda fardado. Quando estava prestes a entrar, hesitava, mas tentáculos
pretos me agarravam, me levando para a escuridão. A princípio, eles apenas me pressionavam
contra a parede, mas depois, começaram a explorar meu corpo, rastejando em minha pele,
esfregando minhas zonas erógenas.
No início, eu fiquei irritado, mas com o decorrer dos dias e os picos de calor, o simples
fato de pensar naqueles tentáculos se esfregando em mim, me abraçando, me acariciando, me
fizeram desejar dormir todas as noites cada vez mais cedo.
Comecei a me entregar às sensações, e quando dei por mim, estava deixando que me
levasse para o seu ninho e me mantivesse envolto em seu domínio. Senti-me confortável e
seguro.
Nunca vi, de fato, o corpo por trás daqueles tentáculos famintos e bizarramente atraentes.
O brilho esverdeado que refletia das ventosas, pequenas protuberâncias que se fixavam à pele, a
partir de pressão, localizadas nos tentáculos, tornando-os semelhantes aos dos polvos, me
encantava, me hipnotizava.
Ouvi uma espécie de miado de reclamação, que já conhecia bem, e virei de lado para
desligar o barulho infernal do despertador. E estendendo o braço, dei um tapa forte naquele
objeto retrógrado, que consegui em uma loja de souvenires, um antigo rádio relógio sem botões.
Amo antiguidades, mas essa em particular me fez pular como criança, embora ainda não tenha
tido tempo para consertar.
Peter, meu cachorro, um pastor alemão, me acompanha por todo canto, ama dormir tanto
quanto eu. Mas eu tenho certeza de que se fizermos uma competição, esse marginal ganha de
mim, já que na maioria das vezes sou arrastado por suas manhas para fazer companhia em uma
soneca pós-almoço.
Olhando para mim, com um olhar sôfrego, deitado de lado, atravessado na minha cama,
Peter abriu a boca em um bocejo manhoso, e lá vamos nós em mais um dia na AITE “Agência de
Inteligência e Tecnologia Espacial”.
Sou um ex-fuzileiro, mas ainda servia ao exército do meu país. Contudo, após aquele
incidente de guerra, retornei às minhas antigas funções. Afinal, me alistei para ser um
profissional da engenharia nuclear, então agora me dedico apenas ao espaço sideral, onde tenho
certeza de que não haverá guerras inúteis e sem sentido.
Aquele lugar escuro e frio me fez perceber o quão mesquinho o ser humano pode ser,
mas, também quão pequenos os meus problemas e eu somos, perto da criação divina.
Aposentei meu fuzil quando me vi, junto ao meu pelotão, voando pelos ares em uma
explosão no Afeganistão. Um dos meus amigos acabou desfigurado, enquanto eu perdi o rim
esquerdo e ganhei cicatrizes bem grandes na barriga e na perna, além de ter me tornado um
pouco manco. Por pouco não perdi minha perna, por muito pouco mesmo.
Éramos considerados heróis, por salvarmos dezenas de pessoas abrigadas naquele lugar,
mas isso custou caro para todos nós. Eu não me arrependia de nada, até então, mas já carregava o
peso das mortes dos meus colegas e da sobrevida de outros, por um comando meu. Isso me jogou
num abismo sem fim.
Ainda mais quando descobri, pouco tempo após acordar, que o governo havia lançado
uma nota, insinuando que meu comando havia sido precipitado. Segundo eles, um pelotão de
resgate estava pronto para invadir e escoltar os sobreviventes. Não acreditei neles naquela época,
e continuo sem acreditar. Mas o que posso fazer? Sou apenas uma peça num enorme tabuleiro de
xadrez, a ponto de começar a duvidar de mim mesmo.
A princípio, sofri para me restabelecer e me readaptar. Quase não suportei o peso de
perder tantas pessoas que eu considerava como minha família desde jovem. A vida é cruel e, até
aquele momento, eu ainda não havia entendido isso. Mas depois, passei a compreender que, se
eu não corresse atrás por mim mesmo, seria levado para a total miséria.
Até então, eu me orgulhava de ser quem eu era. No entanto, percebi que graças ao
comando de uma figura de poder, várias pessoas inocentes deixam de existir. E não estou
dizendo que essa seja a pior parte, pois a pior parte para mim, é viver com o que restou de nós.
Levantei-me, sentindo uma dor ilusória no meu abdômen. No início, me viciei em
morfina, mas depois de tantas sessões de terapia e fisioterapia, descobri que estava tudo na
minha cabeça. Comecei a ignorar a dor e a conviver melhor com as minhas deficiências.
Entretanto, sempre que eu era forçado a tomar decisões, ou enfrentar situações de
estresse, acabava recaindo. Eu sabia que precisava ter paciência comigo mesmo, mas a culpa que
sentia, depois de cada deslize, era suficiente para me forçar ao autocontrole.
Sou um homem grande e de pele cor de oliva, com um bronzeado sexy, que denota o
quanto amo as praias durante os verões. Tenho um porte alto, medindo um metro e oitenta e oito,
e um corpo forte devido a dietas e outras “cositas mas”, das quais não precisamos comentar.
Tomei um banho bem quente, prestando cuidadosa atenção ao lavar minhas partes baixas
e meu cabelo, um pouco mais comprido do que deveria. Coloquei meu uniforme e me vi refletido
no espelho.
— Tenente Smith. — Bati continência a mim mesmo, em uma brincadeira idiota com
uma pitada pejorativa de deboche, sendo assistido por um Peter bastante folgado, que ocupava
todo o centro da cama. — Levante daí, bandidão! Hoje é dia de luta. — Apontei o dedo para ele,
o que fez com que ele virasse a cabeça para o outro lado, como se estivesse se fazendo de
desentendido.
Ignorei sua falta de ação, até porque, ele estava sempre pronto, e eu sabia muito bem que
no momento em que eu rosqueasse o pote de ração, Peter criaria asas.
Como passei por um enorme trauma, Peter foi me dado como um cão de suporte, capaz
de ajudar nas crises de pânico, além de ser um excelente amigo e confidente.
Até tentei retornar ao convívio da minha família humana, mas eles nunca mudam.
Tentavam manipular até mesmo o jeito com que eu mastigava.
Minha mãe faleceu quando eu ainda era uma criança, por complicações da pneumonia,
advinda de uma pandemia atroz, que resultou na morte de parentes de muitos conhecidos meus.
Minha madrasta é quem tem tentado manter meu pai próximo a mim, mas como na maioria dos
políticos, nunca vi sinceridade em suas ações.
A mulher dele é uma pessoa legal, estão juntos há quase trinta anos, ela é o oposto do
meu pai, e, acho que por isso, se deram tão certo. Meu irmão mais velho e eu quase não nos
falamos, somos como estranhos, mas devo-lhe muito, porque quando precisei de sangue, ele foi o
primeiro a se oferecer como doador.
Percorri o corredor até a cozinha, para preparar o café, onde servi a comida do meu
garotão, rapidamente colocando o casaco reforçado com o emblema das forças nacionais para
sair. Estávamos no inverno e, apesar de ainda não haver neve, o tempo frio não estava para
brincadeira. Bati com a mão na cadeira que ficava próxima à porta, e Peter veio correndo para
subir.
Seu colete ficava pendurado ali, próximo à porta, e dentro do colete havia algumas
instruções sobre minha saúde, como: alergias e deficiências, e também alguns remédios de
emergência. Hoje em dia, apenas algumas canetas de analgésico. Vesti meu cachorro e coloquei
a guia para seguirmos para a AITE, em mais um dia longo de trabalho.
Graças a uma recomendação do meu general, porque meu pai estava pouco se fodendo
para mim, consegui trabalhar lá, mesmo precisando estar sempre junto com um cão de suporte.
Todos amavam o Peter tanto quanto eu e, por isso, ninguém se importava com sua presença no
laboratório. Ele até amenizava o clima ansioso de lá.
Entrei no carro com o meu garoto já no banco de trás, com sua guia amarrada no gancho
que mandei soldar. Um cinto de segurança improvisado para proteger minha única família.
Passei na lanchonete mais próxima, um Dunkin' Donuts recém-aberto, correndo para
pegar umas rosquinhas. Era de praxe comprar uma caixinha sortida. Peter ficava com as sem
recheio e eu comia as bem confeitadas.
Eu morava relativamente perto do meu trabalho, então, chegar até lá foi um pulo. Havia
bloqueios nas imediações e vários protocolos de segurança para adentrar no prédio.
— Tenente Apollo Smith.
O Sargento Donovan me cumprimentou formalmente, e eu respondi igualmente sério.
— Alguma novidade, Sargento? — questionei, vendo-o tragar seu cigarro. Então, com
muita calma, o velho homem comentou:
— Não que meus olhos possam ver, sabe como é, não estou por dentro dos assuntos
confidenciais. Mas, se me permite dizer, senhor, a equipe toda está reunida.
Estranhei o movimento tão cedo pela manhã, muitas figuras importantes transitavam
pelos laboratórios diariamente, desde a descoberta do asteroide. Confesso que fico sempre em
alerta, não confio em gente estranha e essa tensão fez com que eu me fechasse ainda mais para o
mundo.
— Podem estar planejando outra incursão — concluí me sentindo estranhamente
desconfiado.
Contudo, antes que o velho homem me desse sua opinião, fui forçado a colocar meu
carro em movimento, quando um caminhão, atrás de mim, pediu passagem. Eu estava um pouco
intrigado, e sentia que havia algo acontecendo diante dos meus olhos, mas que eu não era capaz
de ver.
Estacionei o carro na vaga especial que ficava mais próxima da entrada da unidade, e
desci do carro fazendo de tudo para não mancar. O frio fazia doer até minhas entranhas. Peter,
sempre atento aos meus sinais, caminhava ao meu lado, se encostando em mim como se me
apoiasse, isso me acalmava.
Passei por três portas de segurança e uma cabine de desinfecção, antes de entrar no
“QG”, Quartel General, como chamávamos nosso laboratório principal. Todos estavam em seus
lugares, e eu rapidamente tomei o meu, soltando a guia do Peter.
— Fique perto, garotão — murmurei, fazendo carinho em sua pelagem, entre suas
orelhas, conforme ligava meus computadores.
— Apollo? — Ouvi o Coronel Welfen, com seu sotaque forte, me chamar. Esse homem
é um gênio e um excelente atirador. Eu o admiro muito, apesar de esconder um extremo medo de
seu temperamento imprevisível. Todos nós temos cicatrizes do passado. Quem sou eu para
criticar!
— Senhor! — Bati continência, me colocando de pé rápido demais, o que me fez torcer
o cenho de dor.
— Sente-se, filho.
Sentei um pouco constrangido, eu sei, me cobro demais, isso não é novidade. Mas me
sinto fraco desde que fiquei assim, e isso é horrível. Sempre fui acostumado a pensar que eu era
imbatível, mas caí, da pior forma, na realidade de que somos humanos e fracos por natureza.
— Tem feito fisioterapia, filho? Está tomando os remédios corretamente?
Acenando, abaixei meus olhos para não demonstrar meus sentimentos contraditórios.
Afinal, nem todo o remédio do mundo me devolveria a qualidade de vida que me foi tirada, os
traumas não podem ser curados tão rapidamente, mas, escondendo minha indignação, respirei
fundo e respondi.
— Sim, senhor. É apenas o frio, logo estarei melhor.
— Ótimo. Porque deixarei o Doutor Gunnar sob sua responsabilidade a partir de agora
— ele falou com firmeza e me vi desorientado.
— Quem, senhor? — questionei confuso, não me lembrava de conhecer ninguém com
esse nome aqui no prédio, eu seria babá de um cientista a partir de agora? Ah, vá!
— Você está bem, filho? Ali — ele perguntou, apontando para o outro lado do QG, seu
olhar me mediu com estranheza e então, seguindo a direção a qual apontava, notei um homem
extremamente alto, de olhos pretos, não me entenda mal, seus olhos eram completamente pretos,
sem nada de branco.
Pareciam dois buracos negros capazes de absorver a alma de quem ousasse encará-lo,
seu sorriso frio me deu arrepios por todo corpo, ele estava rindo com o pessoal, mas, como se
sentisse nosso olhar, ele se voltou para nós e, com um aceno discreto, nos cumprimentou, se
demorando em mim. Estremeci de pavor, por quê? Eu ainda não sabia.
Ele usava uma blusa preta de gola alta, tapando seu pescoço e seus braços, apenas as
mãos fortes e extremamente pálidas, além do seu rosto, eram aparentes. O homem parecia uma
lagartixa de tão transparente, o que se consolidava, quando se comparava sua pele com a cor de
seu jaleco branco. Por um instante senti minha mente girar e novamente minha cabeça começar a
doer, como vinha acontecendo com frequência, desde a chegada do meteoro.
— Esse cara é novo aqui, senhor? — perguntei, apertando minha fronte para diminuir a
dor, vendo o sorriso do coronel sumir, substituído por um olhar severo e desconfiado.
— Doutor Gunnar sempre esteve aqui, filho.
Imediatamente senti que algo não estava certo. Eu juro que nunca notei a presença
daquele homem grande e esquisito demais para passar despercebido. Senti meu estômago revirar
e uma vontade imensa de vomitar, quando aqueles olhos negros focaram novamente nos meus.
Ele tinha um sorriso bizarro e cruel, aterrorizante.
— Desculpa, senhor. Acordei fora de órbita hoje, estou falando merda — comentei,
nunca fui bom em me comunicar com figuras de poder, por mais à vontade que eu me sentisse,
sempre soaria forçado.
Meus olhos fugiram do olhar abismal daquele homem, e retornei minha atenção ao
coronel, alheio à nossa troca de olhares. Um enorme desejo de me virar e correr, fez com que
meu pânico se pronunciasse.
— Vá lavar esse rosto e tome algo para dor, você está pálido, rapaz.
Acenei e, aproveitando a deixa, segui para fora do QG em busca do banheiro frio e mais
isolado da ala leste. Curvei-me sobre a pia, tentando entender o que estava acontecendo comigo,
eu sentia meu corpo tremer e mal conseguia controlar meus pensamentos. Minha cabeça estava
latejando.
Apalpei meus bolsos e percebi que não estava com minha medicação, provavelmente
estava no colete do Peter, mas só de pensar em caminhar, quando cada passo meu parecia um
baque no meu cérebro, me deixava sem coragem.
Lavei meu rosto e, quando ergui minha cabeça para me olhar no reflexo do espelho, meu
corpo inteiro gelou, senti minhas pernas estremecerem, com uma chocante sensação de crise e
perigo. Atrás de mim, parado como uma assombração, o homem pálido me observava sem
nenhuma reação, ao ser descoberto. Seu cenho franzido e sua cabeça levemente tombada para o
lado o tornaram ainda mais estranho.
— Acho que você se esqueceu disso. — Ouvi sua voz forte atrás de mim, me fazendo
virar o corpo bruscamente, enquanto uma das minhas mãos alcançava rapidamente meu coldre,
já desafivelado.
Era ele, e sua voz anormalmente profunda, me fez arrepiar. Senti medo, mas ao mesmo
tempo, dentro de mim, havia um conflito, porque lá no fundo, algo queria que eu fosse
completamente contrário aos meus instintos e me aproximasse mais e mais.
— Doutor Gunnar — murmurei olhando-o nos olhos. E aquela sensação estranha de
reconhecimento me fez apertar o punho da arma, na tentativa de repelir os pensamentos
intrusivos. “Eu não conheço este cara”. Cantei em minha mente essa frase, me apegando a isso
como se fosse uma religião.
— Tenente... Apollo — o doutorzinho de merda comentou, como se tivesse dificuldade
em dizer meu nome, virando a cabeça para o outro lado, de uma forma que me lembrava o meu
cachorro, quando em dúvida, então, ao me ver sem palavras, continuou: — Peter é um bom
animal. — Fui surpreendido por sua tentativa inesperada de estabelecer contato entre nós, mas
aquele sorriso estranho o tornava ainda mais assustador e suspeito. Entretanto, como se não
bastasse me deixar em pânico e em conflito, o indivíduo continuou tentando se comunicar
comigo: — Eu estava brincando com ele, quando reparei neste estojo pendurado em seu colete,
pensei que fosse precisar, então...
Sua mão grande se estendeu em minha direção e eu não soube como reagir, a princípio,
mas peguei meu remédio rapidamente, de forma desconfiada.
Quando meu dedo relou em sua pele fria, um choque estranho percorreu meu corpo, me
fazendo ofegar. Por um instante ínfimo, a dor sumiu, mas retornou ainda pior, quando percebi
que o cara estava ainda mais perto de mim, do que eu me lembrava estar.
— Fique longe do meu cão — murmurei em tom hostil, mas seu sorriso me
desestabilizou completamente. Tentei me manter firme, mas a dor na minha perna me fez ofegar.
Fazia tempo que eu não tinha uma crise de dor tão forte e isso estava me assustando.
Quando ele se adiantou ainda mais em minha direção, entrei em pânico:
— Saia, me deixe sozinho! — rosnei, externando meu desconforto. Tinha algo muito
errado acontecendo aqui, eu, só ainda não havia entendido o quê. Merda!
Quando eu terminei de falar, seu semblante mudou subitamente e, me olhando com
indiferença, Gunnar simplesmente virou as costas e saiu. Suspirei aliviado, quando sua imagem
desapareceu.
Ele tinha uma aura pesada, instável e um quê ameaçador, ainda maior que a dos figurões
do exército, considerados profissionais da morte. Seus pés eram tão grandes naqueles sapatos
lustrosos, que pensei se tratar de algo realmente sobre-humano.
Inspirei, aplicando a caneta de analgésico na coxa. Caralho, que dor! Não sei em qual
momento comecei a ofegar, mas me senti extremamente cansado. Se o coronel me visse assim,
me afastaria, e eu não seria capaz de lidar com a solidão da minha casa outra vez.
Caminhei pelos corredores vazios até o QG, sentindo meu coração martelar. Eu estava
me pelando de medo, isso é um fato. Quando cheguei na minha mesa, observei de longe aquele
homem interagindo com meus colegas bastante à vontade. Ou eu estava enlouquecendo ou... Na
verdade, eu não consigo pensar em nada tão bizarro.
As horas passavam lentamente e eu sequer tive vontade de almoçar, fiquei no meu canto,
observando o inominável desfilar pelo “QG” como um pavão albino.
— Isso já está estranho, Smith. — Olhei para Pérola, que segurava alguns papéis, parada
ao meu lado, sabe-se lá há quanto tempo, então, mediante ao meu silêncio, ela continuou: —
Você não tira os olhos do Doctor Gu um segundo sequer.
— Eu não tiro os olhos de quem? — questionei indignado, digerindo as informações
lentamente.
— Do Ivar, de quem mais eu estaria falando? Chega nele logo. Vocês são bons amigos,
ele só pode te dar um fora, e tenho certeza de que não irá explanar sua vida pessoal por aí.
Franzi o cenho com força, tentando assimilar.
— Ivar...
— Sim, seu idiota. Eu acho que vocês têm química e, como sua best, apoio muito o
término da sua seca.
— Você está louca, garota? Nem conheço esse cara — tentei me defender, mas seu
sorriso se tornou anormal demais para mim. E lá vamos nós novamente, eu já estava ficando
enfezado a cada vez que alguém me olhava como se eu estivesse fora de mim.
— Do que você está falando, Apollo? Ele é seu amigo. Se vocês brigaram…
— O caralho! — falei me levantando, chamando a atenção de Peter, que estava parado
do outro lado do QG, olhando para aquele homem esquisito como se estivesse vendo um grande
inimigo, e o que me deixou ainda mais puto, foi lembrar do que aquele cara me disse antes, que
estava brincando com o meu garoto. Minha pomba! Ele, com certeza, havia intimidado meu
cachorro.
— Preciso ir embora, tenho que passar no consultório do seu marido para mais uma
consulta.
A desculpa era ridícula, mas eu precisava de um tempo para organizar minhas ideias. Saí
com a esperança de que ele pudesse me atender, eu precisava muito.
CAPÍTULO 2 - FADE TO BLACK

#SONG: METALLICA#

Quando cheguei ao consultório, já estava escuro. Não sei quanto tempo eu demorei para
me arrumar. Eu estava com medo, apavorado, mantendo todas as luzes do meu apartamento
acesas, enquanto conferia todos os cômodos em busca de algo fora do lugar. Idealizei ter aqueles
tentáculos comigo, no pensamento constante de que poderia ter uma proteção extra, mas a quem
eu estava querendo enganar?
— Entre, meu amigo. — Louis me recebeu na porta. Sua assistente já havia ido embora,
mas liguei para ele tão desesperado, que aceitou me esperar um pouco mais. Meu parceiro
sempre me atendia. — Sente-se e me conte o que o aflige.
Respirei fundo sem saber por onde começar, tantas coisas estavam acontecendo ao
mesmo tempo. Então, murmurei o que me pareceu mais coerente:
— As dores voltaram e tive o impulso de usar morfina, mas graças a Deus, no final usei
apenas analgésicos comuns. — Abaixei meus olhos, tentando organizar meus pensamentos.
— Se sente culpado por isso? — ele questionou com a seriedade de um profissional
competente. O cara se transformava, se tornava alguém completamente diferente, quando estava
trabalhando. Não pude deixar de admirar isso nele.
— Não — respondi. Devo admitir que eu sentia medo constante de fraquejar, não era
culpa, porque apesar de tudo, ainda podia me controlar.
— E os sonhos? Tem conseguido controlar seus pensamentos? — Louis perguntou, me
fazendo abaixar a cabeça envergonhado.
Eu já havia comentado com ele sobre os sonhos, só não lhe contei os detalhes mais
quentes, mas precisei desabafar, esse desejo estava me fazendo idealizar algo que não existe! Eu
me sentia bem, durante os sonhos, me sentia protegido, aquecido e saciado. E como um homem
sofrido e solitário, mesmo se uma formiga me oferecesse o calor de sua constância, eu me
agarraria a isso com unhas e dentes.
— Estou tentando controlar isso, mas não me sinto incomodado, só estou vivendo —
murmurei, vendo-o balançar a cabeça para mim, com certa compreensão, mas não era sobre isso
que eu queria falar, não era por isso que eu estava ali. — Há algo estranho acontecendo no meu
trabalho — comecei, olhando para as minhas mãos, tentando buscar uma base lógica para o que
eu estava prestes a dizer.
O consultório tinha um tom escuro, à noite, o som de chuva tocava em uma playlist que
Louis gostava de deixar rolando suavemente, tendia a relaxar os pacientes. Mas, quando tive
coragem de levantar minha cabeça para olhá-lo outra vez, meu corpo gelou.
Ô, porra!
Levantei-me correndo ao ver aquele homem pálido e todo de preto, atrás do meu
terapeuta. Comecei a ofegar, quando o medo apertou meu estômago. Abaixei a cabeça, tentando
controlar minha mente e novamente olhei para trás de Louis e, como eu pensava, não havia mais
ninguém lá.
Seguindo meu olhar, Louis me encarou intrigado.
— Apollo? O que houve aqui?
Tremendo por completo, percebi ser o único a notar o que ninguém mais via. E naquele
instante, senti que estava, de fato, ficando doido.
— Algo está acontecendo comigo. — Eu quis chorar em pânico.
Eu sabia que Louis manteria meus segredos, foi justamente por isso que eu não havia
escolhido as indicações de terapeutas do governo. Quando minha amiga falou que o marido era
terapeuta, não pensei duas vezes em aceitar a oferta.
— Fale mais sobre isso, está tendo alucinações?
— É pior que isso. Tem um tal de Doutor Gunnar no QG, eu juro que nunca o vi na vida,
mas todo mundo parece conhecer ele. A Pérola! A Pérola mencionou ainda que somos grandes
amigos.
Levantei-me outra vez, andando de um lado para o outro, em total desespero. Eu queria
externar o que estava sentindo, para tentar compreender o que realmente estava acontecendo. —
Estou ficando louco, não é?
— Não posso afirmar nada, a mente humana pode pregar peças, mas...
Seu olhar intrigado me inspecionava de cima a baixo e, de repente, sua voz ficou
anormalmente grossa, me surpreendendo.
— Existem coisas inexplicáveis que devemos simplesmente ignorar.
— Do que você está falando, Louis? — Estranhei seu ponto e, subitamente, meu coração
começou a bater mais forte. O que está acontecendo com as pessoas que me cercam?
— Algumas coisas, Apollo. Não devem ser questionadas. Não estamos sozinhos neste
mundo...
— Você. — Fiquei sem palavras e corri até a porta, completamente em choque. — Isso é
alguma brincadeira, cara? Você está me assustando!
Louis era ateu, e além de ateu, não acreditava em vida fora da terra, então, como no
mundo ele diria essas coisas para mim? Em estado de nervos, naquele instante, percebi que Peter
não estava comigo e ofeguei em pânico.
— Eu trouxe o Peter, cadê ele, Louis?
Tentei abrir a porta, mas estava trancada e eu sequer o vi trancar. De repente, as unhas
do Peter começaram a arranhar a porta enlouquecidamente. Quando me virei para trás, Louis
estava de pé e atrás dele... Meu Deus!
— O que você quer comigo? — gritei, tentando pensar em uma rota de fuga, mas eu
estava no nono andar, se eu pulasse a janela, com certeza morreria, do jeito que sou azarado.
Sua risada anormal me fez estremecer, me fez querer correr, ainda mais quando percebi
sua voz saindo da boca de Louis, aquilo me deixou em extremo pavor. Seus olhos negros e frios
pareciam prestes a me devorar, e seus lábios fechados, ainda que o som de sua voz soasse em
meu ouvido, me fez crer que eu estava vivendo um pesadelo.
— Me deixe em paz! — gritei, mas seu sorriso cruel me mostrou que o único a temer
aqui era eu mesmo.
— Louis? Acorda, caralho! — Minha voz parecia prestes a sumir entre meus gritos, o
choro apavorado do Peter me deixava ainda mais agoniado. — O que quer conosco? Você não
pode machucá-lo! — Olhei para Louis sem saber como salvar a nós dois.
Sem descanso, tentei abrir a porta novamente para romper aquela bolha que nos isolava
do mundo exterior, mas nada do que eu fizesse para destrancar aquela merda, dava certo, então,
em profunda aflição, me joguei contra a madeira, sentindo a dor me tirar as forças.
— Ah! — gritei de agonia, envolto pelo estresse, me esqueci da perna lesionada. O ar
me faltou e meus olhos quase saltaram das minhas órbitas.
— Pare agora! — Gunnar rosnou entre dentes, me fazendo encolher, mas não parei,
continuei a lutar ainda mais. Então, rangendo os dentes, ele grunhiu outra vez, desta vez ainda
mais próximo de mim: — Você vai se machucar, seu mentecapto!
Foi aí que senti uma picada de algo em minha bunda, lutei para fugir da ameaça, mas
meu corpo foi se tornando letárgico, até que o efeito daquilo me derrubou mole no chão, ou pelo
menos era lá onde eu deveria ter caído, mas senti um peito forte contra minhas costas.
— O que você…? — murmurei com a voz entrecortada, sentindo a potência do remédio
me atordoar, não consegui terminar a frase, porque apaguei em seguida.
E nesse curto espaço de tempo, do momento em que apaguei, pude vê-los novamente.
Tentáculos…
Eu me vi outra vez na velha caverna, mas, desta vez, os tentáculos me seguravam com
força, me mantendo aquecido por dentro, uma perfeita contradição com sua temperatura
naturalmente fria. Seu toque entorpecia minha pele, senti cada célula do meu corpo vibrar de
felicidade.
Os tentáculos eram enormes, mas em contrapartida, cuidadosos e suaves. Pequenos
grunhidos incongruentes soavam da escuridão, me deixando calmo, muito embora eu não
entendesse nada do que dizia, tive a sensação de estar sendo apaziguado por ele.
Ele? Sim, era um macho. Como eu descobri isso? Instinto. Aquela criatura me
despertava a sensação estranha de reconhecimento, de carinho, de calor.
Não houve toques maliciosos, tampouco me senti excitado desta vez. Ele só estava me
acalentando. E quando finalmente a sensação de perigo recuou, despertei.
Acordei no sofá do consultório sentindo a cabeça de Peter sobre o meu peito. Louis me
observava preocupado. Minha cabeça doía e eu sinceramente só queria sair dali.
— Pode me ouvir, Apollo? — Louis me perguntou, olhando em meus olhos. Quando o
vi, automaticamente recuei, mas ao notar que sua voz parecia normal, relaxei. E não pude deixar
de perceber que sua preocupação era quase tangível.
— O que aconteceu? — perguntei sentindo meu corpo doer.
— Estávamos conversando, perguntei se tinha alucinações, você se levantou e, com um
olhar assustado, caiu desmaiado no chão. Nem tive tempo de te amparar. Você pesa toneladas,
sabe como foi difícil te levantar do chão? — ele retorquiu, parecendo intrigado, e eu mais ainda.
Imaginei tudo aquilo? Foi um pesadelo?
Levantei-me contra sua vontade e ao me erguer do lugar para ir embora, a sensação de
dormência na minha bunda me fez relembrar o que realmente tinha acontecido e as minhas
dúvidas começaram a evaporar como água quente, me deixando ansioso. Esse lugar não era mais
seguro.
— Para onde está indo? — Louis me perguntou afoito, mas de jeito nenhum eu ficaria
naquele lugar, depois daquele susto.
Olhei para os lados desconfiado, em alerta, tomando consciência de que precisava pensar
em algo, porque, pelo visto, pedir ajuda não iria ser tão fácil.
— Mande um beijo para Pérola por mim, estou indo para casa — deixei claro,
caminhando em direção à porta de saída.
Entretanto, a voz aflita do meu terapeuta foi o suficiente para me deixar ainda mais
pilhado.
— Você acabou de desmaiar na minha sala, Apollo. Não pode sair desse jeito, chamei o
socorro.
— Não! — interrompi. — De jeito nenhum eu piso num hospital!
— Ei! Calma! Chamei o doutor Hernández! Tudo bem? Ele já está vindo te ver — Louis
rebateu bastante nervoso, tentando me persuadir como se eu fosse uma criança fazendo birra. Sei
que estava preocupado comigo, mas algo não estava certo ali, e disso eu tinha certeza.
— Vou nessa, liga para o homem e avisa que já estou bem e bem longe daqui.
Saí batendo a porta com mais força do que gostaria, e o ar estagnado que dominava
aquele consultório, cheirando a incenso doce, foi varrido para longe. Peter não deixava meu lado,
parecendo estar sempre em alerta. Entrei no elevador me sentindo afoito, evitei me olhar no
espelho, porque, cara... eu estava com cara de defunto.
Senti-me péssimo ao encarar o trânsito. Minha bunda estava doendo e não era no bom
sentido, além da minha visão bastante turva.
— Vamos para casa, amigão. Chega dessa merda por hoje.
Murmurei para o meu cachorro, tentando nos acalmar. E como se me entendesse, Peter
uivou suavemente lá atrás. O trânsito estava uma bagunça, porque mesmo que a chuva caísse
tranquila, os cornos desaprendiam a dirigir com apenas um pingo de água.
Coloquei Flux Pavilion para tocar no rádio. Ouvi tanto essa música nos últimos meses,
repetindo o refrão “I CAN'T STOP”, todas as vezes que eu quis desistir, que mesmo Peter já
deveria ser capaz de cantar. Para um amante de eletrônica como eu, essa música abalava as
estruturas.
Voltei a acelerar no farol verde, absorto em pensamentos sombrios. Eu estava tão
neurótico, que mesmo minha mente parecia entorpecida. Buzinas altas me despertavam de
tempos em tempos, mas mantive o pé no acelerador, ansioso para por meus pés dentro de casa,
meu porto seguro.
Foi então que notei a falta de movimento no banco de trás, e quando olhei pelo espelho
retrovisor, quase infartei com aqueles olhos completamente pretos me olhando. No mesmo
instante eu me esqueci de onde estava e puxei o volante para a esquerda, quase invadindo a
calçada. Por um momento eu quis chorar, quis descer do carro e chorar.
Inferno! O que está acontecendo comigo? Pensei em conflito. Mas buzinas altas me
fizeram voltar para a terra. Dei partida no carro novamente, mas desta vez, tentando me manter
sóbrio, e voltei para a autoestrada. Peter, como sempre, pareceu compreender meu estado
complicado de humor, enfiando a cabeça no vão do meio do carro, apoiando-a no meu braço
trêmulo, como uma forma de apoio. Respirei fundo e continuei meu caminho, evitando o
retrovisor. “ISSO NÃO É REAL!” Isso não pode ser real!
Quando entrei em casa, abri todas as portas e acendi todas as luzes. Meu corpo tremia, e
minha mente já estava tão cansada, que beirava a exaustão. Sentei no sofá olhando para o nada
outra vez. Pensei em abrir uma cerveja, que já estava abandonada naquela geladeira há sabe-lá-
Deus quanto tempo, mas desisti. Beber não me ajudaria em merda nenhuma.
Eu realmente precisava de ajuda, fosse psicológica ou apenas emocional. Mas quem?
Quem poderia desafiar a lógica bizarra do que estava acontecendo comigo e me fazer entender
tudo aquilo? Nada daquilo era normal, com certeza, não era.
Pensei em ligar para alguém que pudesse me dizer algo que aliviasse aquela sensação de
angústia, mas para quem eu poderia ligar? De repente, um pensamento louco me fez encarar meu
celular jogado no estofado ao meu lado. Eu sabia exatamente o que precisava fazer, mas como eu
poderia?
CAPÍTULO 3 - ONE

#SONG: METALLICA#

Peguei meu celular em um impulso de coragem, ciente de que nada do que eu fizesse me
ajudaria de fato. Contudo, mesmo assim, disquei o número do Carter, quase no modo
automático. Louis me disse uma vez que enfrentar meu passado me ajudaria a deixar meus
fantasmas para trás. Talvez fosse disso que eu precisava para recuperar a plena sanidade mental.
— Fala, mano. Pensei que nunca mais fosse ouvir sua voz. — Ele atendeu no primeiro
toque. Sua dicção nunca mais seria a mesma, mas seu tom me acalmava, ao mesmo tempo em
que um furacão de emoções me fazia sentir uma imensa dor no peito. Suspirei de tristeza e dor.
— Me desculpa! — murmurei, finalmente deixando meus sentimentos fluírem, mesmo
que minha voz exalasse a decadência em que eu me encontrava. — Eu não aguento mais! Estou
ficando louco.
— Ei, espera. Para — ele exprimiu, mas eu não conseguia parar de chorar. — Alô!
Apollo. — A voz de Amy me fez perceber o quão ridículo eu estava sendo. Isso foi há tanto
tempo, mas mesmo assim, eu nunca mais falei com eles. Que diabo de amigo eu fui? — Se
acalme, querido. O que foi? — A ternura nas palavras daquela que um dia esteve ao meu lado,
nos meus piores e nos melhores momentos, como uma irmã, me fez ceder de vez,
— Eu estou...— Como dizer que estava sofrendo, justo para eles? Eu me senti um
completo bosta por ligar da maneira como eu estava, depois de tudo.
— Sofrendo? Eu sei. O que foi? Quer nos contar?
— Eu, eu sinto muito — suspirei. — Eu nem tenho coragem de olhar para vocês, cara.
Me perdoe. Eu. — Comecei a respirar com dificuldade, conforme as lembranças de Carter
brincando que nunca mais beberia água em um copo me atingiram. — Eu.
E eu nem sabia como dizer o que sentia, sem parecer um idiota, me fazendo de vítima.
Mantive-me em silêncio por um momento, tentando controlar as emoções, mas era mais forte do
que eu, e minha pesada respiração, com certeza, me denunciava.
— Smith, ouça com atenção. Cada um de nós estava lá para salvar a vida dos civis e não
a nossa. Sempre soubemos dos riscos e servimos ao seu lado mesmo assim. Se perdoe, meu
irmãozinho, pare de se culpar. Você não tem culpa. Fizemos o que tínhamos que fazer.
Naquele instante, as lágrimas caíam em cascata dos meus olhos, e tudo o que eu poderia
fazer era continuar respirando, tentando controlar aquele turbilhão de sentimentos, caso
contrário, se eu abrisse minha boca, o choro não poderia mais ser contido.
— Se acalme, brother. — A voz carinhosa de Carter me fez grunhir de dor. “Eles”
disseram que era minha culpa, disseram, e eu não conseguia escapar disso.
Carter era um homem lindo, antes de perder parte do rosto. E, no final, “Eles” disseram,
eles disseram que isso poderia ter sido evitado, mas eu não pude esperar os reforços. Por que não
me culpavam? Por que ainda eram tão bons comigo?
— Você quer que a gente vá aí te ajudar?
— Não — sussurrei, engolindo o nó em minha garganta, me deixando envenenar pelo
amargor que corroía minha alma. — Não é justo que me vejam assim, depois de tantos anos em
que eu me afastei. Não mereço a amizade de vocês.
— Cala essa boca, brow — Carter murmurou, mas não insistiu. E então, como se nada
houvesse acontecido, certamente na tentativa de me distrair, continuou: — Amy e eu nos
casamos, tá sabendo?
Demorei um pouco para raciocinar, mas quando compreendi o que ele me dizia, a
felicidade me dominou, me fazendo soluçar. Então, comemorei com a voz embargada.
— Parabéns, vocês sempre se gostaram, desde a academia.
Tentei mais uma vez conter as lágrimas teimosas, ao recordar de um passado tão bonito.
Éramos farinha do mesmo saco, e levávamos nossos superiores ao caos.
— Sim — dessa vez, Amy quem falou. — Tive que pedir esse baita homem em
casamento e ele ainda chorou igual bebê. Vocês dois juntos são dois bebês chorões. Queria que
estivesse com a gente naqueles dias.
Meu coração apertou, pude sentir a decepção em sua voz, mesmo que me escondesse tão
rapidamente com um riso suave no final.
— Eu não pude — murmurei me sentindo infeliz por ter perdido algo tão importante das
pessoas a quem realmente amei. Eu me isolei de todos, desde o incidente, apenas Pérola
permaneceu insistindo em me tirar da bolha, com a oferta de um novo trabalho. Ao menos,
tínhamos algo em comum, que não estivesse relacionado àquele dia.
— Sinto muito — Carter comentou com um tom tristonho. — Eu tentei estar com você,
mas te fazia mais mal do que bem.
Senti-me um idiota, quando Carter me disse aquilo. Como eu pude ter sido tão insensível
com meus amigos?
— Eu sinto muito — murmurei novamente, deixando o sofá e me deitando sobre a cama,
mesmo sem ao menos me trocar. Eu já estava exausto mentalmente.
— Relaxa, boy. O importante é que você voltou e tenho uma notícia novinha para te dar
— Amy brincou, me fazendo ansiar pelo que viria.
— O que é?
— Vamos ter um bebê. Não é demais?
Sua alegria era perceptível pelo tom de sua voz, meu sorriso se abriu imenso e por um
instante, quase chorei de felicidade.
— Parabéns, manos. Estou tão feliz por vocês, de verdade. Quero ser o padrinho, hein!
— brinquei, e rindo com gosto, Carter gritou atrás: — Pois parabéns! Você ganhou um afilhado,
cara.
Eu estava levitando de tanta alegria, mas então, Amy me perguntou aquilo com
entusiasmo, quebrando meu humor.
— E você, quando pensa em ter os seus? Você era louco para ser papai.
Imediatamente senti meu coração doer, eu não queria dizer a eles que não podia mais ter
filhos biológicos, seria vergonhoso para mim, admitir em voz alta, além de que me sentia
extremamente frustrado por isso. Uma das coisas mais difíceis de serem superadas, mesmo já
tendo se passado tantos anos.
— Acho que não nasci pra isso, sabe? Pensando bem mesmo — tentei contornar, mas
minha voz cheia de melancolia era óbvia demais para o meu gosto. Eu nunca soube disfarçar
meus sentimentos, face aos meus amigos.
— Ah, cale a boca, brow — Carter esbravejou com a voz fanha, mas então continuou. —
De todos, você era o tio mais adorado das crianças refugiadas. Você será um pai incrível. Só
precisa se abrir pra isso.
— Obrigado — murmurei, tentando parecer feliz, mesmo que as lágrimas ainda
escorressem. De repente, a voz áspera dele soou como um sino na minha cabeça.
— Ah, meu Deus, brow! Você não pode mais?
Não consegui segurar a dor e a vergonha me fez ficar em silêncio, ouvindo-os suspirar
do outro lado da linha.
— Ei! Você pode adotar! Serão seus filhos e te amarão como pai do mesmo jeitinho, e
você estará fazendo um bem enorme a uma criança sem esperança de conhecer o amor. Não
sofra. Deus sabe de todas as coisas.
Cada um se apega ao que quer, para sobreviver, mas nunca fui um homem muito
espiritualizado e, depois do incidente, me tornei cético em muitas coisas, mesmo que Deus ainda
habitasse em meu coração. Porque mesmo em vida após a morte eu já não acreditava, tampouco
em vida fora da terra. Estou na AITE, mas não acredito sequer na ciência em que não se pode
provar.
— Ainda não estou pronto. Quem sabe um dia — murmurei, ficando letárgico de
cansaço e sono.
— Pare com isso, saia mais, venha nos visitar, conheça pessoas. Viva! Se permita viver.
— Amy tentou me por juízo, mas eu era teimoso demais.
— Vou fazer isso, pode deixar.
Suspirando ao perceber que minha bateria social estava acabando, ela sussurrou:
— Vá descansar, você parece estar só o pó, qualquer coisa liga.
— Igualmente, minha irmã. Boa noite, Carter.
— Se cuide, brow — ele murmurou, e eu desliguei a ligação, suspirando de exaustão.
Apesar de estar muito abalado, não pude evitar de me sentir feliz por tê-los ao meu lado
depois de tantos anos. Tantas pessoas apontaram o dedo para mim, mas os dois nunca o fizeram.
São boas pessoas de fato. Dormi ali mesmo e aquele sonho voltou a me atormentar, um sonho
que eu já não tinha há anos.
Então, a partir daquele sonho, voltei ao passado, no momento mais doloroso da minha
vida, quando estávamos tentando evacuar a cidade já bastante destruída; era isso ou continuar se
escondendo no subsolo com o iminente risco de que uma hora ou outra seríamos descobertos,
além da escassez de alimentos que estava nos matando pouco a pouco de fome. Tivemos que
dividir nossas rações e água com as mulheres, crianças e idosos, que estavam ali presos ali
conosco.
Quase não havia homens aptos para usarem armas, e mesmo se tivessem, não tinham
treinamento. Mesmo assim, nós optamos por armá-los. Enquanto nos esgueirávamos; estávamos
cientes de que naqueles prédios, abutres nos procuravam para saciar a fome de caos.
Com a morte do Coronel, que tentou nos salvar, sequer tivemos a oportunidade de sofrer
a perda de um grande líder. Tivemos que escolher o próximo em comando, e a patente mais alta
no momento era minha. Pensando friamente, precisávamos sair, os riscos eram apenas a morte,
mas se ficássemos, morreríamos aos poucos de fome, fuzilados ou bombardeados.
Aqueles rebeldes não perdoavam nem mulheres e nem crianças, e cair nas mãos deles só
nos levaria à tortura mais cruel. Por isso, respirando fundo, decidi instintivamente que era o
momento de evacuar o local. Já havíamos esperado demais.
Fomos abandonados, esquecidos, a comunicação cortada há dois dias; tudo o que eu
sabia era que na fronteira da cidade havia uma base montada, mas que ninguém entraria ali.
Estávamos abandonados à própria sorte. E ninguém mais chorava, porque não tínhamos mais
forças; nos tornamos: “Os Esquecidos”.
Guiei o grupo para a saída, mas concluímos que alguém precisava fazer uma distração, e
Gomes se ofereceu para ir na direção contrária, com a última granada que nos restava, na
tentativa de explodir um prédio inimigo e prender suas atenções nesse atentado. Depois disso, ele
nos seguiria de perto. Mas, enquanto saíamos, seus gritos de gelar o sangue, seguidos da
explosão, fizeram minhas pernas bambearem e meu peito arder.
— Águia para cavalo branco, águia para cavalo branco, responda. — Senti meu coração
ser esmagado quando nenhuma resposta veio do outro lado, apenas um silêncio enlouquecedor.
— Águia para cavalo branco, águia para cavalo branco, responda por favor — tentei
novamente, sentindo meu ar faltar; meu corpo estava tenso e minha voz falhava.
— Não, não, não... — Ofeguei em negação, sentindo meus olhos arderem, mas quando
olhei para trás, Amy colocou sua mão em meu ombro e, com um aperto, sussurrou:
— Temos que ir, senhor. — Quando sua cabeça balançou para mim, em um silencioso
alerta, senti minhas mãos tremerem, pela primeira vez, segurando o fuzil. Não poderíamos salvá-
lo, não poderíamos.
— Vamos todos morrer! Vamos... — Gonzalez murmurou em pânico, escorando-se na
parede restante de um prédio destruído que fazia nossa cobertura. Não podíamos entrar em
pânico; aqueles civis não entendiam nossa língua, mas conseguiam sentir nossa tensão, e isso
poderia se tornar o prenúncio de um desastre nessa missão.
— Calma, homem, vamos sair dessa, porra! — Amy falou, tentando acalmar Gonzalez e
os outros, que nada podiam fazer a não ser rezar e aceitar que, ali naquele momento, era tudo ou
nada.
— Temos que salvá-los — murmurei, indicando com a cabeça as pessoas agachadas no
beco, esperando pelo nosso comando, seus olhares sem vida e suas mãos apertadas,
demonstraram o quão desesperados estavam; no fim, todos tememos a morte.
— Amy, Connan, Brown e Davis, vocês abrem caminho na frente. Sigam a rota que
combinamos; os civis seguirão atrás — instruí, tentando controlar meu medo. — Amy, se algo
acontecer, você está no comando, salvem-se.
— Sim, senhor! — meu pelotão entoou em uníssono. Eu podia ver o desespero em seus
olhos, e isso me quebrava. Eu estava tremendo por dentro, prestes a colapsar. Mas eu precisava
sobreviver, porque fomos traídos e abandonados aqui, e eu jamais irei perdoar isso, mesmo no
inferno.
— Os demais, comigo. — Todos estavam nervosos demais; faríamos a retaguarda do
grupo. Uma missão perigosa.
— Eu vou estar ao seu lado, pode confiar em mim. — Jones, o homem que eu acreditava
me amar, segurou minha mão trêmula para me acalmar.
Naqueles dias, confiei nele cem por cento e esperei que pudéssemos nos salvar, então, o
pediria em casamento e nos aposentaríamos dessa merda, para morarmos em Malibu, à beira-
mar. Mas, se eu soubesse a verdade, naquele momento, teria feito de tudo para salvá-lo com
vida.
— Obrigado, amor. — Não podíamos demonstrar afeto ali, isso poderia revoltar aquelas
pessoas de religião conservadora e teríamos problemas enormes, mas juro que senti um enorme
desejo de abraçá-lo e dizer o quanto eu o amava. E por muito tempo acreditei que deveria ter
feito, quem imaginaria que eu nunca mais seria capaz de vê-lo com vida.
— Ei, caras, também estou aqui, vou ser o padrinho — Carter brincou, esbanjando um
sorriso brilhante. O homem era lindo demais, e Amy se derretia encantada com sua aparência
atraente.
— Vamos — murmurei, apertando a mão dos dez homens e mulheres que estavam
comigo, então chamei os refugiados e, em sua língua, disse: — Atenção! Sigam em frente e em
linha. Não parem, mas se houver perigo, deitem-se no chão ou escondam-se.
Apreensivas, algumas pessoas começaram a clamar a Deus em voz baixa e, no meio
deles, havia uma criança encolhida. A peguei no colo e entreguei a um homem forte.
— Leve-o!
Aquele pequenino havia perdido os pais bem na sua frente, estava quieto demais e
traumatizado; eu jamais poderia deixá-lo para trás, partiria meu coração. Seus grandes olhos mal
piscavam, tão pequeno e já exibia o olhar de mil jardas. Muito disso era resultado da desnutrição
e dos terrores que ninguém deveria presenciar. Sua vida estava sem o brilho que uma criança
feliz deveria ter.
Quando sinalizei com o braço, sentido frente, meus ouvidos ficaram surdos; uma bomba
havia caído próxima a nós, assustando as pessoas, mas com muita coragem, seguimos em frente
e mantivemos a ordem, sempre em silêncio. Já sabiam de nós, e eu juro que tentei não imaginar
como. Ainda assim, estavam um passo atrás.
Corremos em passos uniformes por entre os prédios, com os fuzis nas mãos e em total
estado de alerta. Pensei que não seríamos capazes, mas quando estávamos quase atravessando a
fronteira, a esperança nos dominou. Éramos os últimos e estávamos quase lá, quase em
segurança. No entanto, os sorrisos de felicidade deram lugar a olhos arregalados de profundo
pavor, quando um avião cortou o céu mais rápido do que poderíamos raciocinar.
O que mais temíamos aconteceu: o som da explosão chegou antes mesmo que a bomba
tocasse o chão, o clarão veio em flashes, e fomos jogados para o chão, com tanta força, que por
um instante fiquei em branco. Quem estava na frente correu para atravessar a fronteira, mas
nós… Quem nos dera ter tido essa sorte.
Senti meu corpo sendo arremessado para o alto, eu não tinha peso, eu não tinha o
controle e, depois, de volta para o chão, com tanta força, que cheguei a perder o ar. Quando a
poeira do deserto abaixou, mal pude enxergar.
— Jo-Jones... — sussurrei, sentindo o peso de seu corpo sobre o meu; sequer pude
segurar o grito de pavor que escapou da minha alma.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e por mais que eu só pudesse erguer a cabeça e
mexer um dos braços, senti o metal, que atravessava suas costas, preso em meu abdômen. Seus
olhos abertos me olhavam sem vida, não pude fazer nada além de assistir meu coração se partir
em milhares de pedaços.
Outro grito e me afoguei com minha saliva, quando a dor chegou, levando boa parte da
minha coerência. Morto, eu estaria morto. Bati com a mão em suas costas, mas ele não me
respondeu, não me respondeu, não!
Peguei a caneta de adrenalina em seu colete e apliquei, mas ele não respondeu. Olhei
para o lado, entrando em choque, eu não queria vê-lo, não assim, não dessa forma, mas o que eu
vi depois, me fez enlouquecer, me fez desejar a morte. Carter se mexia com o rosto lavado em
sangue, engasgando nos próprios fluidos, e Gonzales se arrastava sem as pernas. O meu mundo
parou de girar.
— Ah... — O grito que vinha do fundo da minha alma me fez ofegar sem ar; minha
garganta ardia, e a dor começava a me atordoar, se infiltrando em mim pouco a pouco.
— Eu não quero morrer! Eu não quero morrer! — Gonzalez gritava, se arrastando em
direção à fronteira, e eu só conseguia tossir e me afogar. Fechei os olhos quando minha mente
turva começou a me puxar, a culpa e o medo me fizeram estremecer. Socorro, Deus! Me salve,
me leve com você... em seus braços!
Ao longe, alguém começou a balbuciar uma oração, me prendi a isso, acompanhando
pouco a pouco.
— Assim diz o senhor: “Todo aquele que habita no abrigo do Altíssimo, descansa à
sombra do Onipotente. Direi ao Senhor: ‘Tu és o meu refúgio e a minha fortaleza, o meu Deus,
em quem confio’. Ele o livrará do laço do caçador e do veneno mortal…”
Quando abri meus olhos embaçados, pessoas vinham em nossa direção. Mal pude
distinguir quem eram, e aviões sobrevoavam sobre nós, mas meu corpo estava ficando muito
frio, o tremor da morte me cercava cruelmente. Contudo, não sucumbi à falta de ar ou a perda de
sangue. Senti mãos firmes movendo o peso do meu peito, gritei de dor e agonia quando o metal,
cravado em mim, se moveu. Eu já não estava raciocinando, mas nunca me esqueci daquela voz.
— Eu vou cuidar de você, eu vim te buscar. Então, fique acordado! — Eu não sabia
quem era, mas o desespero naquele tom de voz me acalmou como nunca antes. Nunca estive tão
em paz.
Acordei em um pulo, sentindo o suor escorrer pelo meu corpo. Porra! Sempre que eu
sonhava novamente com aquele dia, meu corpo reagia e eu ficava doente. Estranhamente, desta
vez, não senti a culpa que costumava sentir, não que eu estivesse curado, mas não me senti tão
mal. De fato, aquelas pessoas foram salvas, nossa missão estava completa, e se eu errei, foi
tentando acertar. A culpa não pode ser só minha; aqueles homens que comandaram tal suicídio
são os principais culpados. E eu nunca irei perdoá-los, jamais!
CAPÍTULO 4 - MY LITTLE DARK AGE

#SONG: MGMT#

Cheguei no QG mais cedo do que de costume; a correria já estava armada. Passei os


olhos pelo ambiente, apreensivo, mas não encontrei quem procurava. Diante de um iminente
perigo, o homem deve estar sempre alerta.
Por um momento, cogitei ter tido um delírio causado pela dor no dia anterior. Minha
mente conturbada costumava pregar peças em mim. Às vezes, eu simplesmente me esquecia de
onde estava e para onde pretendia ir, não era incomum.
Alheio à minha confusão interior, o Coronel Welfen se aproximou em passos largos e
com um sorriso no rosto. Ótimo, a chefia estava de bom humor.
— Está mais corado hoje, filho — ele comentou, e eu sorri cordialmente.
Sua presença me fez lembrar da ligação que finalmente tive coragem de fazer na noite
anterior. Como um homem acostumado a se esconder dos demônios do passado, encarar o medo
da rejeição, perante meus camaradas de ofício, retirou um peso enorme das minhas costas,
mesmo que a culpa ainda estivesse lá, agarrada em minhas entranhas, recusando-se a largar o
osso.
Mesmo com aquele pesadelo, a sensação de cansaço e resignação parecia ter me dado
uma folga. Fazia tempo que eu não me lembrava daquela voz, a voz que soou em meus ouvidos,
quando acreditei ser o fim da linha para mim, daquelas palavras de afirmação que acalentaram
meu momento mais obscuro.
No começo, foi tudo em que pude me agarrar para me manter vivo, superando a dor,
amortecendo a saudade e ignorando a perda.
“Eu vou cuidar de você, vim te buscar! [...].”
Apertei o punho quando senti novamente aquela sensação estranha de reconhecimento.
Essa voz não me era estranha, mas por mais que eu tentasse assimilá-la, minha cabeça estava
confusa demais para me permitir formar um nome ou um rosto conhecido.
Quando acordei naquele hospital, perguntei a toda equipe quem era o meu salvador, mas
ninguém parecia saber do que eu estava falando. Lembro-me como se fosse hoje.
“— Senhor Smith, acredito que tenha sido um caso de delírio, em virtude da perda de
sangue, uma vez que pelos registros que temos, todos os participantes do resgate vieram se
apresentar na semana passada. Se não era nenhum deles, então não pode haver mais ninguém.”
Dentro de mim, eu tinha plena certeza de que não se tratava de um ser sobrenatural ou de
um caso de delírio, e, sim, de uma pessoa real, de carne e ossos, porque a sensação de suas mãos,
tocando meu abdômen, eram frescas em minha pele. Sempre que a dor retornava para me
atormentar, eu podia sentir novamente sua presença me acalentando.
Saí do torpor, percebendo que o Coronel ainda esperava que eu dissesse algo. Então,
bastante sem graça, comentei, muito mais feliz do que previ estar, ao imaginar como seria ir ao
encontro dos meus velhos amigos e do meu afilhado ainda não nascido.
— Carter e Amy estão esperando um bebê, e eu serei o padrinho.
Eu estava vibrando com essa notícia. Meus amigos estavam seguindo a vida, apesar de
tudo. Não vou mentir e dizer que não me envergonhei profundamente por estar amarrado ao
passado, por todos aqueles anos. Sim, talvez fosse egoísmo da minha parte continuar remoendo
esse assunto e me afastando deles.
Mas, sinceramente, meu psicólogo pessoal, nada confiável, codinome Louis, me
convenceu a ter paciência comigo mesmo e que aos poucos tudo voltaria ao normal. Ou talvez
não; talvez não, porque o normal é relativo. Eu nunca apagaria o passado, apenas aprenderia a
conviver com ele, tornando-me mais resistente.
— Fico feliz que esteja se dando bem com seus amigos, outra vez, Smith. Acompanho
você há alguns anos e isso é uma grande notícia — ele disse, aparentando estar muito satisfeito
por mim.
O Coronel realmente estava sendo um bom amigo, tinha se preocupado comigo como
um pai, e mesmo sendo linha dura, ainda conseguia demonstrar seu lado afetuoso, quando
mesmo, minha família sanguínea não parecia se importar.
Eu podia sentir o carinho em suas palavras, a sinceridade genuína. Sei que assim como
eu, ele também teve momentos difíceis, mas como um homem maduro o qual estou tentando me
tornar, luta contra a negatividade todos os dias, superando os fantasmas do passado.
Quando comecei a trabalhar na AITE, há alguns anos, tive medo de ser ostracizado,
humilhado, porque muitos dos meus colegas se afastaram de mim; depois que fiquei com a fama
de ser irresponsável e antiético. Alguns superiores me viam como um causador de problema
ambulante, como um tenente incapaz de pensar com clareza, em um momento de risco, mas fui
surpreendido por sua clareza, por sua sinceridade, já que o coronel nunca demonstrou me
enxergar como os outros.
— Obrigada, senhor — agradeci honestamente.
Suspirei relaxadamente, observando o espaço grandioso por trás dos painéis. Somos tão
pequenos, somos tão ínfimos…
Eu ainda estava divagando, com a cabeça nas estrelas, quando o coronel me despertou.
— Certo. Quero que esvazie a mesa ao seu lado, filho. Doutor Gunnar me sugeriu deixar
vocês dois mais tempo juntos.
Voltei minha atenção para o Coronel, ao ouvi-lo comentar em tom sugestivo. Observei
sua face atentamente, tentando encontrar qualquer indício de que isso pudesse ser uma grande
piada. No entanto, naquele momento, percebi que o velho homem não estava brincando e,
imediatamente, tive a plena convicção de que minha expressão me traiu completamente, quando
senti meu rosto se enrijecer no mesmo instante. E mesmo, minha pressão parecia ter caído.
Nem tudo são flores e eu coleciono desastres. Todo o castigo para o corno é pouco!
Minhas pernas bambearam, mas suportei meu corpo com maestria. Eu ainda não
acreditava em sobrenatural, mas tinha certeza de que não estava louco, na verdade, já não tinha
mais tanta certeza. Quando estamos sob pressão, quando somos os únicos a ter certeza de algo,
nos tornamos céticos de nós mesmos, duvidamos da própria sanidade e essa dúvida nos consome
pouco a pouco.
— Ele quer que vocês refaçam a amizade de vocês. Gunnar gosta de você, filho. Não o
afaste também — Coronel Welfen comentou, me observando de perto.
Percebi que o homem parecia pensar que o esquisito e eu estávamos em alguma crise,
porque pude ver nitidamente seu semblante relaxado se fechando novamente. Não sei fingir,
mudanças na minha rotina me deixavam instável.
Gunnar... que porra!? Respirei fundo, quando a neura tentou me dominar outra vez,
tentei agir naturalmente, enquanto o Coronel suspirava, se afastando. Voltei para minha mesa e,
em uma luta interna, tirei meus papéis da mesa outrora vaga, minhas mãos tremiam, meu corpo
estava frio outra vez, o suor escorria pelas minhas costas rijas. E numa tentativa falha de me
acalmar, peguei minha pistola e comecei a verificar se estava pronta para ação.
Eu não sabia se iria me servir de alguma coisa, na verdade, tinha certeza que não, no
meu arsenal eu não tinha nenhuma bala de prata, tampouco andava com água benta e sal grosso,
mas essa sensação de crise me fazia tomar medidas desesperadas e, às vezes, sem sentido.
Para nos mantermos vivos, somos capazes de tudo. Eu me garantia no tiro, me garantia
em artes marciais, quer dizer, naquele momento, não mais, mas desde que a Jubileu, minha velha
Magnum, estivesse ao meu lado, tudo ficaria bem.
Não entendi o porquê de sua solicitação. Ele queria se aproximar de mim? Por quê? Na
minha cabeça, nada mais fazia sentido.
Mas ao mesmo tempo em que eu me questionava, sentia a profundidade do que tudo isso
implicava. A verdade é que eu sabia mais do que deveria saber e, por algum motivo, eu não
estava alienado como todos os outros. Na minha cabeça, havia duas alternativas para isso: um,
estava louco, dois, ele estava brincando comigo, se divertindo com a minha cara.
— Bom dia. Como passou a noite, garoto?
Minhas mãos tremeram bruscamente, enquanto segurava a pistola. Aquela voz me fazia
querer correr, mas minha cabeça começava a doer demais para que eu reagisse a tempo. Como de
costume, sempre que aquele demônio se aproximava de mim, tudo se tornava incoerente demais,
como uma lebre assustada diante de uma raposa.
Então, olhei sem expressão para minha mão, que sempre foi firme em qualquer
circunstância, percebendo que, no entanto, essa firmeza deixava de existir, no momento em que
esse cara estranho aparecia.
Notei que seu olhar vazio não escondia o tédio que ele aparentava sentir a todo instante,
mas era inegável que, na minha frente, Ivar se transformava, se tornava mais vívido, mais
sinistro. Havia uma pitada de escárnio em seu sorriso “amigável”, que só eu parecia ser capaz de
notar.
Uma onda de medo e ansiedade percorreu meu corpo, e a descarga de adrenalina me
levou ao limite, quando percebi que ele me perguntava sobre a noite bizarra que passei.
Por um instante, questionei qual curso deveria tomar logo a seguir. Talvez devesse pedir
minha exoneração, mas como diz a letra da música “Little Dark Age”: “Só saiba que se você se
esconder, isso não vai embora”. Se eu me escondesse, as coisas voltariam ao normal? Duvido,
talvez eu até desaparecesse do mundo mais rápido. Devo procurar um exorcista para me ajudar a
enviar essa criatura de volta para o inferno? Por que diabos eu sinto que essa porra é pessoal?
Ignorei sua aproximação, tentando não demonstrar que estava abalado, mas estava rígido
no lugar e sequer havia percebido que nem mesmo respirava. Acho que já estava claro o quanto
Ivar era capaz de me intimidar, e isso era de uma proporção que, mesmo frente a frente com as
linhas inimigas, eu não sentia, porque em frente à batalha eu não estava sozinho, mas aqui era
somente eu contra o mundo.
— Está tudo bem, Smith. Não vou te morder — Doutor Ivar Gunnar murmurou, e pude
sentir a diversão em seu tom, mas sua diversão era adversa à minha ansiedade.
A pior parte de tudo isso era que realmente me peguei baixando a guarda, meu corpo
relaxou, mas minha mente ainda estava confusa. Por um instante, meu estado de humor mudou
outra vez, o que me fez questionar se isso era proposital, uma de suas manipulações mentais, ou
instintivo.
Eu me permiti olhar para aqueles olhos negros, que jurava não conseguir distinguir uma
íris no olho do homem que agora se sentava ao meu lado, inabalável. Qualquer pessoa pensaria
que seus olhos eram tatuados, mas a cor era uniforme demais para mim. Já vi pessoas cujos olhos
eram verdadeiramente tatuados e não pareciam em nada com os dele. Olhando de perto, não
havia sinal de pupila.
Estava tão vidrado em sua esquisitice que nem percebi que o estava encarando
descaradamente, mas seu sorriso sardônico me fez despertar, e estremeci ao perceber o que
estava fazendo.
O que é esse cara? Porque parece um ímã me atraindo, como Ícaro em direção ao sol.
Eu pretendia disfarçar, apenas franzindo o cenho, tentando esconder minhas suspeitas,
nem sei se posso chamar a certeza, que sinto nas profundezas do meu ser, de que esse cara era
algo vindo de Sete Além, de apenas suspeitas, tudo era tão inexplicável pela lógica humana.
— Me deixa em paz — sussurrei mais para mim do que para ele, tentando repreender
todo o mal que me rodeava, mas Gunnar, com certeza, podia me ouvir, e percebi isso quando seu
rosto se virou em um ângulo estranho outra vez.
— Se livrar de mim não será tão fácil assim, garoto.
— Isso é uma ameaça? — questionei em tom igualmente ameaçador, mas ele apenas
aprofundou seu sorriso e sussurrou:
— Eu não sou você, Smith. Eu não ameaço, eu exponho fatos, quer queira ou não. —
Havia um encanto místico em seu semblante e em suas palavras. Aquela simples fala me causou
arrepios, e não era de medo, como deveria ter sido.
— Não tenho medo de você, caralho — grunhi entredentes, de forma que só ele pudesse
me ouvir, enquanto eu tocava minha pistola, na tentativa de me acalmar e provar meu ponto. Mas
ele riu, como se eu não passasse de um gatinho ameaçando um leão.
Havia uma guerra silenciosa entre nós. Eu o encarava, tentando parecer firme e corajoso,
enquanto ele naturalmente zombava de mim, com aquela expressão sardônica. Seus olhos
brilhavam intensamente, como um adolescente para um novo game.
— Você quer me matar? — ele zombou com sua risada anasalada, me deixando louco.
Mas quando a intenção em seu olhar se tornou fria e cruel, meu corpo todo amoleceu e pude
sentir que estava por um triz da morte.
Naquele momento, ocorreu-me o pensamento louco de que talvez Gunnar não tivesse
apreciado muito a ameaça. No entanto, falei tão seriamente que ele certamente percebeu minha
intenção de me livrar dele, e isso pareceu irritá-lo ainda mais. Era inadmissível que eu não o
admirasse como os outros?
A adrenalina percorreu meu corpo, me fazendo suar frio. Lá no fundo, bem lá dentro,
havia uma voz abafada gritando o quanto esse cara era legal, seu olhar afiado e imponente
exalava um charme impossível de ser ignorado. Ivar tinha um magnetismo próprio, que fazia as
pessoas se viciarem no perigo. E por mais que eu não quisesse admitir, não pude deixar de
admirá-lo.
— O que quer de mim? — murmurei, sem conseguir desviar meus olhos dos dele. Eu já
havia recuado a mão do coldre, sem perceber.
De repente, aqueles olhos negros ficaram expressivos demais, e juro que senti um desejo
estranho de me aproximar, quando seu olhar me percorreu de cima a baixo, parando em minha
boca. Um sorriso malicioso se pendurou em seus lábios, e o simples hábito de umedecê-los com
a língua me fez seu refém.
Que porra! Estou enlouquecendo com certeza, agora, isso é uma realidade
incontestável.
Estremeci, tentando disfarçar a vergonha que estava sentindo por ter sido pego em uma
reação tão embaraçosa e descarada. Meu rosto ardia, e tive certeza de que havia enrubescido.
Fiquei em pânico, tentando entender as coisas estranhas que estavam acontecendo
comigo, dentro de mim, e empurrei a cadeira para trás, criando uma lacuna entre nós, me
proporcionando uma margem de segurança. Eu parecia um gato, assustado ao menor sinal de
movimento. Estou enlouquecendo? Eu me perguntei novamente, pela milésima vez. Isso não
podia estar acontecendo comigo. Que merda bem fedorenta!
Anos sem alguém, sem calor humano. Caralho de carência dos inferno!
— Eu sou irresistível, não lute contra mim, garoto. Você não vai conseguir — sua voz
rouca e profunda soou, me deixando ainda mais tenso. Eram evidentes sua felicidade e ironia
naquele tom, ele estava amando me provocar, se deliciando com a minha cara de bunda.
De repente, a dor me fez levantar, pois sem perceber estive apoiando meu peso na perna
lesionada, minha expressão se retorceu, e eu não sabia como contradizer suas palavras, porque
algo estava mudando em mim. Quanto mais perto dele eu ficava, mais atraído eu me sentia.
Essa confusão de sentimentos me fez desejar, em meu coração, me esconder dele, mas
ao mesmo tempo, não.
— Chega! — murmurei. Estar perto daquele cara me deixava cansado. E como se
entendesse isso, Gunnar simplesmente se afastou, mas a sensação ruim não foi embora como eu
pensava, apenas me senti pior.
CAPÍTULO 5 - LOVE IS THE WORD NEVER SPOKEN IN THIS
PRISON

#SONG: METALLICA#

As horas pareciam não passar, cada segundo havia se tornado uma eternidade, e eu só
queria dormir e sonhar com o meu adorável Alien de estimação.
Que incoerência, tão irônico!
Eu estava distraído demais, pensativo, reflexivo, sem imaginar a crise que estava se
aproximando. Foi quando meu coração se acelerou, quando ouvi um barulho alto, semelhante a
um tiro, me fazendo ofegar e quase morder a própria língua. Estremeci, meu corpo todo
tencionou, olhei para o lado e aquele inferno estava aqui outra vez. Eu havia voltado ao inferno
outra vez.
— Não… — sussurrei sem conseguir me mover, eu estava preso no lugar, exprimindo o
último resquício de voz, que eu possuía, para negar o inegável. Eu estava paralisado de medo,
mas…
— Apollo — aquela voz me chamou, me chamou outra vez, e imediatamente meu corpo
reagiu. Tentei procurá-lo, mas minha vista estava turva demais.
— Quem? — murmurei, tentando recobrar o juízo. “Eu estou bem, eu estou bem, todos
estão bem”; repeti, tentando me acalmar, tentando encontrar a pessoa que sussurrava para mim.
Meu bote salva-vidas em meio à esse mar de tormentos.
— Estou aqui ao seu lado. Vou tocar em você, fique comigo — sua voz calma me guiou
de volta da escuridão. Quando sua mão tocou com suavidade e depois, firmeza, a minha, me
guiando ao seu encontro, pensei que poderia chorar de alívio. Eu finalmente não estava sozinho.
— Me ajude, me ajude — murmurei desesperado, em baixo tom. Fazia muito tempo que
isso não acontecia comigo, fazia tempo que eu não tinha um surto como esse. Naquele momento,
eu havia perdido a noção do espaço e do tempo, mas, ainda assim, sabia que poderiam haver
pessoas estranhas ao meu lado. Parte de mim sentia isso.
— Estou aqui com você, garoto. Respire devagar, não vou sair daqui. Você está seguro
agora.
Senti sua mão guiar a minha. Quando toquei na superfície de um tecido, percebi que
tocava em suas vestes suaves, que cobriam seu peito forte. A ansiedade ia e vinha em fluxos
irregulares, me fazendo temer o desconhecido, mas seus dedos se entrelaçaram aos meus, me
impedindo de escapar.
Quando estávamos em silêncio, pude sentir seu coração bater sob minha mão, suas
batidas eram constantes e calmas, enquanto as minhas, aceleradas e irregulares.
— Respire comigo. — Seu peito vibrou sob minha mão trêmula, enquanto me dizia o
que fazer a seguir. Demorei alguns instantes para conseguir me adequar à sua respiração;
conforme seu peito forte subia e descia, a luta era cansativa e sequer percebi que estava mudando
o foco dos meus pensamentos pouco a pouco.
— Estamos quase lá, meu garoto. — Sua voz era um remédio indispensável e
inestimável, e, meu corpo, semelhante a um pequeno avião de papel na tempestade, cedia aos
seus caprichos. E pouco a pouco nossos corações entraram em sintonia. Voltei a ver com clareza,
mas não consegui tirar os olhos dele. Sua pele pálida era ainda mais notável, quando vista de
perto, mas não havia vestígios de veias em suas mãos fortes, entretanto, suaves. Ele tinha um
olhar sóbrio, compreensivo, atento. Não pude evitar que meus batimentos se acelerassem,
contemplando aquela obra da natureza tão perfeita à minha frente.
Um enorme senso de gratidão envolveu meu coração, porque sempre estive sozinho,
sempre suportei o peso sozinho e, sentir pela primeira vez que alguém se importava, sem que eu
precisasse pedir ou implorar por isso, me humilhando por migalhas, por mais que o cara fosse
um desconhecido, me deixou sem palavras.
O terror que antecedia uma crise era algo que ninguém, que nunca experimentou o
desespero dessa doença maldita, poderia imaginar. Por muitos anos estive brigando contra esses
fantasmas, em um mundo cinzento e sem brilho, mas era cansativo demais e, aos poucos, toda a
força que tive foi sendo exaurida a cada fracasso.
Algumas vezes pensei em desistir, a solidão que esse transtorno me trouxe roeu minhas
esperanças, minou os últimos resquícios do meu ânimo, mas pacientemente tentei superar. Eu
busquei tratamento, mesmo já não enxergando saída, porque ficamos cegos pela dor, perdemos a
força para levantar todos os dias, perdemos a coragem de ligar para o consultório e marcar uma
consulta, tememos o desconhecido.
Mas o que perdemos ainda mais é a coragem de lutar, quando estamos sozinhos, quando
ninguém ao redor parece nos enxergar ali, atolados na lama, nos afogando em nós mesmos. E
dói, cara, dói muito ver as pessoas vivendo, seguindo em frente, sem olhar para trás, percebemos
que para as pessoas erradas, somos descartáveis. Eu sentia raiva, sentia tristeza, me sentia
abandonado, perdido. Eu sentia ódio! Porque eu sempre estive lá, mas não havia ninguém aqui
comigo.
E o pior de tudo era que eu não poderia culpar ninguém, porque ninguém é obrigado a
ficar, mas eu senti falta de todos eles, quando estive sozinho…
— Se sente melhor, garoto? — Sua voz profunda entrou em minha mente,
restabelecendo a ponte para a realidade, seus dedos delgados acariciavam a pele da minha mão,
de forma carinhosa e distraída. Seus olhos perseguiam os meus com preocupação, e eu não pude
deixar de desviar o olhar, tentando não transparecer o quanto eu estava cativado por ele, a ponto
de nem mesmo notar a maneira que aquele cara me chamava.
— Dra. Ellie derrubou o material de pesquisa no chão — Gunnar explicou, me fazendo
despertar totalmente, enquanto ele tirava uma pequena barrinha de cereais do bolso do jaleco,
colocando-a na palma da minha mão, que ainda estava ligada à dele.
Acenei em resposta. Eu estava melhor, exausto e ainda trêmulo, como se houvesse
levado um choque, mas eu havia recuperado a clareza e isso era tudo. Eu não conseguia
verbalizar o que sentia, tive medo de extravasar minhas emoções, porque só Deus sabe o quanto,
naquele momento, eu o admirei.
Não me importei se aquilo tudo era alguma forma de manipulação, tocando em minhas
fraquezas, entretanto, foi significativo demais para mim.
Quando finalmente estourei a bolha que nos cercava, confortavelmente, olhei ao redor,
ainda atordoado, e notei que algumas pessoas me observavam; algumas com pena, outras com
curiosidade. E, então, eu já não queria mais ficar ali. Eu me senti uma vergonha, um palhaço.
Guardei meu revólver no coldre, sem prendê-lo, e me arrastei sentido ao laboratório, que
normalmente seria o lugar mais silencioso do QG, na parte da tarde. As pessoas que ali estavam
não tiravam os olhos dos apetrechos científicos, me dando espaço para respirar. Abri a pequena
sala de descanso e me sentei no sofá situado no canto inferior.
Tombando as costas para trás, no encosto macio, coloquei o braço sobre os olhos para
evitar a claridade. Minha cabeça estava em profunda desordem. Senti vontade de chorar, de
sumir, de gritar, de me esconder do resto do mundo, mas percebi que eu estava apenas me
deixando levar pelo turbilhão de sentimentos ansiosos, como uma criança irritada e incapaz de se
controlar.
Abri a barrinha de cereais, distraidamente, para combater a queda de pressão e,
mordendo-a pouco a pouco, meus pensamentos voaram para longe outra vez. Gunnar… Talvez
eu o tenha subestimado, talvez eu o tenha julgado mal. Que vergonha, era vergonhoso para mim,
ter minhas fraquezas expostas, mas por mais incrível que pareça, não era dele, de quem eu me
envergonhava, e, sim, dos estranhos que nos cercavam.
Peter, surgindo da puta que pariu, subiu no sofá e se deitou com a cabeça no meu colo,
olhando-me com seus olhos expressivos. Eu estava preocupado, ele estava preocupado, nós
estávamos. Porque quando finalmente pensei que estava melhorando, outra recaída me derrubou
novamente.
Como um cão de apoio emocional, meu garoto sabia identificar meus momentos de
crise. Suspirei, sentindo meus olhos arderem como o inferno, enquanto tentava lutar contra a dor
e a falta de vontade. Desejei me isolar novamente, desejei ficar em silêncio, me afastar de tudo e
de todos, mas eu lutei novamente contra esses pensamentos, trancando-os novamente no meu
coração.
“Eu sou forte, eu sou inabalável”, murmurei para mim mesmo.
Fiz uso de remédios controlados por anos e fazia muito tempo que uma crise como essa
não se manifestava. Decidi, juntamente com o médico, fazer o desmame e continuar com a
terapia e exercícios. Mas essa recaída foi, sem dúvida, um golpe na minha moral.
As teimosas lágrimas queriam a todo custo rolar, me deixando ainda mais frustrado, na
verdade, frustração era o meu nome, eu não sabia lidar com os meus sentimentos, não sabia o
que sentia, não sabia identificar o que sentiam por mim ou o que pensavam sobre... Às vezes era
cansativo demais. Mas eu compreendia que no meu coração havia o desejo irracional de
pertencer a algo, de amar alguém, de ser correspondido, e esse tipo de sentimento me fazia tomar
decisões precipitadas, me cegando para o óbvio.
Apertei a carne da palma da minha mão contra minha unha, quase totalmente cortada.
Torpor! Gosto de viver no torpor, muitas vezes nem sei mais dizer se sou feliz ou infeliz, estou
apenas empurrando com a barriga aquela mesma rotina.
Aprendi a conviver com tudo de ruim que guardo em mim, mesmo que isso não
signifique ser curado, mesmo que isso signifique mascarar um problema antigo, mas quando as
coisas saem do controle, eu me desespero, me perco, sufoco, me afogo em mim mesmo e não sei
como me superar. Estou inerte nesta luta constante de simplesmente existir.
Evitei pensar no passado, estava em um longo processo de arquivamento. Todos dizem:
“Você precisa superar”, mas não é tão fácil fazer, quanto é falar. As coisas estavam calmas,
estava conseguindo lidar com o passado, do meu próprio jeito. No entanto, o surgimento daquele
cara tem me arrastado para o chão, e velhos sentimentos estavam ressurgindo.
— Aqui. — Ouvi aquela voz profunda outra vez, causando arrepios na minha pele.
Quase peguei o meu cachorro e saí. Era inegável a minha atração por ele, e eu não sabia se estava
pronto para aceitar a sua presença, mesmo desejando ter a sua constância. De repente, descobri
que estive fora do ar por algum momento, porque sequer notei que o peso do Peter havia
desaparecido.
Peguei a garrafa de chá gelado no automático, tão automático que quase deixei cair no
chão, quando nossas mãos se tocaram. A sua pele fria causava coisas esquisitas em mim, coisas
que nunca tinha sentido antes, não dessa forma, não com essa intensidade. E não posso negar que
estava me pelando de medo de tudo isso.
Abri a garrafa e tomei um gole, tentando disfarçar meu constrangimento e ansiedade.
Senti a vida voltar para mim, enquanto tentava esconder o rubor que queimava no meu rosto,
outrora pálido. Senti o estofado afundar ao meu lado, mas não me movi, largado eu estava,
largado fiquei. As crises me derrubavam de tal forma, que o cansaço posterior mal me deixava
abrir os olhos.
— O que faz aqui? — eu me peguei murmurando esse questionamento, sem olhar para
ele, eu realmente queria saber, queria entender sua súbita aproximação, entender o seu cerco ao
meu redor; porque... cara, eu estava me rendendo, que grande merda!
— Eu gosto da sua companhia, garoto. — Não consegui acreditar no que estava ouvindo,
então me virei para olhá-lo, com os olhos arregalados de surpresa. Automaticamente, zombei
com um sorriso sarcástico.
Minha companhia? Eu não estava sendo uma boa companhia nem para mim mesmo.
Que cara sem noção!
Contudo, mesmo diante da minha reação, Ivar parecia o vento e não disse mais nada, por
um tempo. Desviei os olhos para a porta de entrada, eu não queria mais olhar para ele, porque
aquilo que eu estava sentindo era irresistível demais e, naquele momento, eu ainda queria brigar
um pouco contra isso, mas, mesmo assim, eu pude sentir que estava ao meu lado e, naquela
ocasião, qualquer ser vivo que pudesse estar ali em meu socorro, por mim, faria toda a diferença.
Sem perceber, eu já o estava aceitando ao meu redor, porque a carência torna as pessoas
vulneráveis.
Eu sequer percebi que já estava curtindo sua companhia, por mais contraditória que
fosse. Eu não queria que o Coronel me visse daquela forma, essa era minha última tentativa de
ficar nessa instituição, juro que não conseguiria mais enfrentar uma guerra, sair em missão, não,
como um bucha de canhão miserável, que eu era feliz em ser, até há alguns anos atrás.
Meu pai deveria estar rindo da minha desgraça, desde o incidente. Quando eu disse que
queria me alistar, ele foi o primeiro a ir contra mim, e talvez ele tenha tido razão, mas não é
como se sua aversão aos meus planos fosse por pensar em meu bem estar. Otto Smith só queria
ter mais um peão ao seu lado na política; manipulável e leal, como meu irmão mais velho se
prestou a ser por tantos anos. Ele se moldou ao nosso pai, na tentativa de ser aceito; eu só não
consegui ser igual.
Entendo que ele sempre soube a verdade. Otto sabia, desde o princípio, para que um
soldado era usado neste lugar; e não estou dizendo que servir ao país não é algo digno de
admiração e honra, mas nem sempre entregar sua vida e morte nas mãos de sujeitos gananciosos,
que ostentam o comando de uma nação, significa fazer o bem. A disciplina pode levar à queda.
Pensei que quando me recuperasse e saísse daquele hospital, conseguiria recomeçar do
zero, mas só de imaginar começar outra formação e entrar no mercado de trabalho, todo fodido
como eu estava, acabei aceitando a boa vontade de um antigo professor, que por intermédio da
Pérola, me indicou para a AITE.
Conheci a Pérola na escola de formação de oficiais, nós dois havíamos ingressado no
curso de engenharia nuclear. Com o tempo, nos tornamos amigos inseparáveis, e, se não fosse
pelo fato de eu ter tido a ideia brilhante de pedir transferência para a divisão de artilharia, talvez
nada disso tivesse acontecido e minha vida seria calma e tranquila, mas não posso reclamar,
conheci Carter e Amy lá.
—-----------⍟—-----------
Não sei quanto tempo levou para que eu me recompusesse, contudo, quando me senti
capaz de me mover outra vez, mesmo letárgico, me preparei para levantar, ainda sem olhá-lo,
mas fui impedido por suas palavras.
— Valeu a pena, garoto? — sua voz soou em meus ouvidos, me fazendo ficar estático no
lugar.
Fiquei confuso por um instante, e por mais que eu tentasse entender ao que, exatamente,
ele estava se referindo, eu não conseguia chegar a lugar algum, porque nada parecia ter sido
digno do mínimo resquício de orgulho, desde que nasci.
— O quê? — questionei sem acreditar que estava de fato tendo um diálogo com Ivar, e
que ele estava até agora sentado ali, ao meu lado.
Seu olhar analítico parecia medir cada traço meu, em busca de respostas, então me
ocorreu que talvez não fosse apenas eu a observá-lo, tentando entendê-lo melhor.
— Tudo até agora? A troco de quê? — ele continuou me questionando como se
realmente enxergasse minha vida como uma grande perda de tempo.
— Fiz o que era certo — tentei cortar qualquer conversa que viesse depois, espremendo
algumas das minhas convicções antigas para fora, mas eu mesmo não estava convencido do que
dizia.
Levantei-me na intenção de sair dali o mais rápido possível, mas antes que eu abrisse a
porta, e escapasse daquela sala minúscula e claustrofóbica, aquele cara continuou,
desconsiderando minha tentativa de evitar o assunto:
— Por amor.
Fiquei rígido no lugar, aquelas palavras se chocaram contra mim, como uma marretada
no estômago.
— O que disse? — perguntei, prendendo o ar, ao me sentir sufocado.
Eu nunca havia me considerado um homem carente, antes do incidente, porque desde
jovem eu me anulei, a fim de passar despercebido em qualquer lugar. Escondi em mim, a
saudade da mamãe, o desejo de que meu pai me reconhecesse, que me amasse de verdade, mas a
decepção me fez enxergar os sentimentos como uma forma de fraqueza.
Tornei-me alheio, incapaz de me conectar às pessoas. De me permitir ser tocado, ser
ouvido. Eu tive medo de falar o que pensava, porque parecia que ninguém estava interessado em
me ouvir, mas, mesmo se estivessem, eu nunca diria algo pessoal demais, porque comecei a
sentir medo de me expressar e ter minhas fraquezas expostas para que qualquer um as usasse
contra mim.
— Não é proposital, é instintivo — Ivar continuou com a voz mais suave do que de
costume, e me peguei olhando-o seriamente. Pela primeira vez aquele cara parecia uma pessoa
normal, falando sobre a vida. E sua beleza entrava em meus olhos, me fazendo incapaz de falar
qualquer coisa.
Aquela música... como se chama mesmo? Ah, sim, Creep, nunca fez tanto sentido.
“When you were here before
Couldn't look you in the eye
You're just like an angel
Your skin makes me cry
You float like a feather
In a beautiful world”
— Buscamos reconhecimento, porque queremos ser amados — ele continuou, como se
me explicasse o óbvio, totalmente alheio à minha admiração. Seus cabelos caíam levemente
sobre seu peito largo, seus olhos me desafiavam a refutá-lo, entretanto, não havia zombaria,
apenas seriedade. Por um instante, ele se tornou um ser transcendental, diante de tantas
peculiaridades.
Mas quando meus pensamentos focaram no que me dizia, com maior atenção,
começaram a cortar minha garganta, conforme eu lutava para engolir sem vomitar tudo de ruim
que aquelas palavras me causavam. Uma maldita contradição.
— Do que você está falando, cara? — Minha voz parecia neutra, mas por dentro eu
estava em um estado de humor difícil de ser descrito.
— Tudo isso, tudo o que passou até hoje é sua luta diária para ser reconhecido e assim,
amado. — Sua voz profunda me arrepiava, mas não pude deixar de me sentir chateado, ao ouvi-
lo falar como se ensinasse o obvio a um idiota, senti vontade de rir, uma vontade enorme de rir e,
de repente, essa vontade foi sumindo e eu só queria chorar. Quanta humilhação. Quem disse que
os humilhados serão exaltados, com toda a certeza, mentiu.
“Levante a cabeça, a humilhação tá logo ali.” Ri, lembrando das frases desmotivacionais
que costumo colecionar. E então eu já não sabia se estava rindo de alegria ou de raiva.
Comecei a perceber que estava saturado, meu humor havia se tornado uma montanha
russa de altos e baixos e meu corpo não estava reagindo bem às novidades, e, como se
entendesse tudo isso, ele simplesmente pegou o celular e começou a mexer, como se eu não
existisse.
Eu precisava desse momento de silêncio para me recompor outra vez com dignidade, eu
não queria que ele me visse daquela forma, mas Ivar sequer se moveu do lugar, na intenção de
me deixar a sós, entretanto, também não olhou para mim novamente.
Hoje, eu já não me importo mais com a opinião alheia, quer dizer, não como antes. Eu só
queria ficar no meu canto, mas entendo que isso não se deu por um súbito despertar do meu amor
próprio e, sim, pela crença de que não mereço ser amado.
Naquele instante, comecei a perceber uma verdade ridiculamente dolorosa, se fiz tudo
isso para receber o amor que julguei um dia merecer, então não estive lutando por nada?
— Ame-se, então nada disso será importante. Uma cabana no meio do nada, com
pessoas de boa fé, bastará.
Gunnar nunca tinha falado tanto comigo, e confesso que eu não sabia como reagir a essa
novidade. Um cara tão estranho, de repente, pareceu ter muito mais a dizer. Respirei fundo, mas
já havia um triplex alugado na minha cabeça.
— Por quê? — questionei indiretamente, como o covarde que me tornei, tive medo de
ouvir seu desprezo, se perguntasse o que de fato queria: “Por que está me dizendo tudo isso?”
ou “Por que se importa?”.
Mas ao mesmo tempo, em que lá no fundo, eu desejava ouvi-lo dizer que realmente se
importava, não fui capaz de acreditar que em algum momento fiz diferença para alguém. Talvez
apenas por pena? Sim, pena... era mais cabível pensar dessa forma.
Eu estava começando a desejar ficar ali pelo resto do dia, porque finalmente eu parecia
me encaixar em algum lugar e, a ganância por palavras que, de fato, valessem de alguma coisa
para mim, além da sensação fascinante de ser compreendido, me fizeram vacilar. Estou caindo
em sua armadilha? Nada é gratuito nesse mundo, então, por quê?
— Por quê? — Prendi a respiração quando seu murmúrio me alcançou. Gunnar parecia
contemplativo, e a cada segundo minha esperança, a mesma que eu sequer notara ter criado, se
esvaía. Talvez ele estivesse apenas entediado, e eu era a pessoa mais próxima para passar o
tempo, mas então, fui surpreendido.
— Você deveria se orgulhar de si mesmo, garoto. É realmente uma pena que se maltrate
tanto. “Eles” não valem seu sofrimento. Não perca seu tempo.
Suspirei, me orgulhar… Me orgulhar de quê?
Contemplei esse questionamento por um momento, mas não consegui chegar a lugar
algum. Suspirando, finalmente tive a coragem de sair, não olhei para trás, apenas segui em
frente.
Meu jaleco branco esvoaçava ao vento, enquanto meus passos largos reverberavam pela
unidade. Eu quis perguntar se aquele cara sabia do meu passado, do que eu havia feito, mas
quando olhei para trás e notei que Ivar me seguia de perto, meus questionamentos ficaram presos
na minha garganta, porque ele simplesmente sorriu para mim, com seu habitual sarcasmo.
Eu com certeza estava à beira do abismo, porque me sentia totalmente seduzido por sua
beleza, mesmo ciente de que o sujeito era perigoso, me vi querendo andar na linha tênue do
perigo. E pior, eu estava ansiando por sua companhia, mesmo mentindo para mim mesmo, me
negando a aceitar os fatos.
Fiquei calado pelo resto do dia quando percebi que alcancei o limite rígido deste assunto,
eu não o conhecia tão bem para exigir respostas, mas comecei a tomar ciência do perigo pelo
qual estava me deixando levar.
CAPÍTULO 6 - I'M A HUMAN

#SONG: RAG'N'BONE MAN#

Fui trabalhar pela manhã, bastante sonolento. Em meus sonhos, na noite passada, a
criatura no fundo da caverna apenas me agarrou, fazendo pequenos ruídos suaves. Seus
tentáculos me acariciavam com cuidado e delicadeza; comovente!
Seus tentáculos pareciam vibrar e estremecer, em contato com a minha pele, me
passando uma energia vibrante e satisfeita. Seja lá o que ele for, sua felicidade estava clara, me
contagiando pouco a pouco. Antes de adormecer em seu aperto, naquele ninho quentinho e
confortável, me senti acolhido, apreciado.
Desejei por um momento nunca mais deixar aquele sonho, mas, pela primeira vez, algo
me fez recobrar minha consciência, me despertando um desejo sutil de levantar e ir para aquele
QG, na minha melhor condição. E esse algo, por mais assustador que seja, tinha olhos pretos.
Quando cheguei à base e entrei naquele laboratório frio e silencioso, a ausência de um
certo esquisito me fez murchar, toda a minha alegria evaporou completamente e eu sequer pude
lutar contra isso.
Aquele lugar perdeu o brilho, e por mais que houvesse tantas pessoas trabalhando,
falando comigo, rindo e contando piadas “cientificas”, dessa vez não consegui fingir que achava
engraçado. Minha cara de rabo estava nítida.
Quando me perguntaram se eu havia comido excremento de café da manhã, só pude
bufar, virar as costas e sair de perto, sequer tive forças para mandar os caras tomarem em seus
orifícios circulares corrugados, localizados na parte ínfero-lombar da região glútea, ou seja, no
c*.
Então decidi me isolar, voltei para o meu lugar, quando qualquer tentativa de me distrair
com os meus colegas fracassou completamente. Sentei a bunda naquela cadeira, pelo resto da
manhã, mas sua mesa vazia ao meu lado me deixava infeliz. Estava tão vazia e limpa, que
parecia nunca ter sido usada.
Esfreguei as mãos no meu rosto com impaciência. Estava nítido o quanto eu estava
frustrado, e não conseguia identificar se estava frustrado comigo por estar criando fantasias
errôneas na minha cabeça ou se estava realmente sentindo falta daquele cara.
— Mas que merda! — xinguei, lendo, pela milésima vez, depois de reler aquele relatório
milhares de vezes, sem conseguir entender e absorver o que estava escrito ali.
Minha cabeça vagava longe e a sensação peculiar de decepção e outros pensamentos
negativos não me permitiam fazer mais nada além de reclamar e teorizar coisas absurdas. Meu
primeiro pensamento foi: “Será que aquele cara foi embora? Será que voltará?”
Pude sentir em meu coração que se algum dia o esquisito sumisse, eu nunca mais seria
capaz de encontrá-lo, e apenas a ideia, de que algo assim pudesse acontecer, me deixou com o
gosto amargo da tristeza e a saudade de algo que nunca tive.
De repente, me senti abandonado, me senti deixado para trás, e mesmo sabendo que isso
era ridículo, a tristeza que se originou, desse pensamento tão inseguro e mesquinho, me fez
apático. Sempre evitei me aproximar das pessoas com receio de sofrer a ausência posterior, mas
Ivar nunca me pediu permissão, ele apenas invadiu minha vida subitamente e como um furacão
me tirou do chão.
— Fala logo, o que tá pegando, migo? — A voz brincalhona da Pérola me fez bufar
outra vez. Essa mulher parecia um fantasma aparecendo do nada.
— Não é nada, baby. Só estou cansado, só isso — murmurei, tentando fingir que tudo
estava bem, realmente estava, mas ao mesmo tempo não.
— Cansado? — ela resmungou, sem tirar os olhos do meu, enquanto puxava a cadeira
“dele” para sentar ao meu lado, sem tirar dos lábios, aquele sorriso idiota, quando notou meu
olhar incomodado. Pérola era linda e, hoje, as tranças nagô a deixaram radiante.
Sua pele retinta parecia reluzir, de tão pura, e os lábios fartos deixavam seu sorriso ainda
mais “seduzente”, não havia um defeito naquela nega gostosa. Louis era sortudo demais, minha
amiga, em suas roupas sociais de tons vibrantes, chamava a atenção de todos, sem ser vulgar.
— Cansado, hein? — ela tornou a resmungar, observando-me de perto. — Seu cansaço
tem nome e sobrenome, certo? Ou então, por que me lembro bem de que chegou nesse
laboratório hoje de manhã cheio de gás?
— Não começa, senhora Lee — murmurei sem perceber que fazia careta.
Rindo ironicamente, Pérola fez aquilo que eu mais temia, me analisou:
— Ah, certo, senhor Smith. Não sou burra, meu caro amigo. Vi seus olhinhos voando
pelo QG, com ansiedade, como se procurasse uma determinada pessoa. Não sou tão iludida
assim para acreditar que meu melhor amigo querido sentiu minha falta. Você estava procurando
por alguém desde a hora em que você chegou, e, senão me engano, procurou até debaixo da
mesa. Estou errada?
Olhei para ela com o semblante fechado, tentando encerrar o assunto, mas como eu
poderia intimidar essa mulher? Ela não tinha medo nem do diabo, quem dirá de mim. Eu me
senti infantil, iludido, caralho... eu tinha acabado de conhecer o cara!
— Não quero falar sobre isso.
— Você está parecendo uma criança emburrada, Apollo — minha amiga zombou, sem
me dar descanso. — Sou casada com um psicólogo, passo o dia todo ouvindo ele me analisar, e
pelo menos aprendi alguma coisa com isso. Sei reconhecer os sinais, mesmo que um certo
alguém não queira admitir.
Senti vontade de xingar, mas contive o impulso. Era inegável que minha amiga nunca
passava frio, porque ela estava sempre coberta de razão, e contra fatos não há argumentos.
Sinceramente, eu não sabia o que dizer e minha única reação era olhá-la sem expressão,
esperando que me desse um tempo. Mas que ilusão!
— Não pensei que fosse realmente se apegar a ele — Pérola comentou, me fazendo
suspirar. Havia surpresa em seu tom de voz, como também alegria, mas eu não estava feliz, o
medo de sofrer falava mais alto, porque na verdade, eu era só um esquisito.
— Não faz essa cara, Apollo. Aceite isso, Gunnar parece gostar muito de você.
— Por que pensa isso? — perguntei antes que pudesse conter minha língua grande
dentro da boca.
— Ivar passa bastante tempo interagindo com o pessoal, mas ele sempre volta para onde
a pessoa menos interessada em sua companhia se encontra, e esse alguém é você.
— Ele pode estar curioso, ou pode ser que me veja como um jogo, e nada mais. —
Deixei meu constrangimento de lado, ao menos com ela, e joguei minhas dúvidas para fora. Pela
primeira vez, percebi que não estava falando sobre quem ele era, mas sobre o que eu sentia sobre
ele.
Aquele cara não estava aqui agora, e eu talvez pudesse comentar sobre o quão estranho
ele era, mas tive medo de que, por minha causa, eu nunca mais pudesse vê-lo. Pela primeira vez,
eu quis ser egoísta e guardar minhas suspeitas apenas para mim.
— Não acho que seja isso, eu acredito que ele realmente goste de você. É nítido, porque
sempre que estamos discutindo algo e você se aproxima, ele olha para você com adoração, tudo à
volta é completamente ignorado.
Senti meu coração pulsar mais forte e se aquecer com suas palavras. Por mais que eu me
sentisse um grande trouxa, me iludindo, era inevitável. MAS QUE MERDA!
— Por que está me olhando com essa cara, migo? — Pérola me perguntou e só então
notei que não consegui disfarçar o medo que sentia de ser abandonado.
— Ele não veio — comentei simplesmente, minha voz parecia o epítome da decepção.
— Ah, sobre isso, alguém de cima chamou ele pra uma reunião. O coronel disse que não
tem nada a ver conosco, é algo pessoal. E ninguém sabe exatamente do que se trata, mas —
Pérola comentou com um sorriso tranquilizador —, amanhã Ivar estará de volta, não fique triste.
Acenei em compreensão, sentindo meu coração se acalmar pouco a pouco, mas não pude
evitar aquela sensação ansiosa.
— Do que tem medo, Apollo? — Pérola perguntou, apertando minha mão suavemente
sobre à mesa.
Pensei por um momento, tentando compreender meus próprios sentimentos, antes de
responder com sinceridade.
— Cara, as coisas estão acontecendo rápidas demais, meus sentimentos são quase
sobrenaturais, instintivos; não consigo pensar com clareza, não consigo pesar os prós e os
contras. Estou sendo dominado por isso.
Suspirei cansado, minha cabeça estava uma bagunça e havia uma briga dentro de mim.
Por um lado, minha razão queria que eu me afastasse, por outro, meu coração queria largar tudo
e me jogar naquele cara.
— Me desculpe tocar neste assunto, mas... — minha amiga começou um pouco receosa,
antes de jogar a bomba sobre minha cabeça — você sempre gostou de pessoas diferentes, sempre
se atraiu por homens excêntricos, então você conheceu seu ex, e me perdoe novamente por tocar
neste assunto tão doloroso, mas é necessário. O que isso fez com você?
Minha respiração se tornou errática, ao lembrar do John. Merda! Eu odiava ter que
revirar aquele passado, que lutei tanto para enterrar.
— O que quer dizer? — questionei, me sentindo pressionado. — Diga com clareza,
porque não estou entendendo o que essa merda de assunto tem a ver com o presente.
Suspirando audivelmente, Pérola continuou com a voz mais suave possível, me fazendo
recuar.
— Quando vocês se conheceram, você debateu comigo que queria se aposentar da vida
de cafajeste e encontrar alguém que te desse paz, mas eu podia sentir que você não era
apaixonado por ele, estava apenas tentando dar certo com alguém.
Joguei a cabeça para trás, lutando para não sucumbir ao arrependimento dos erros que
cometi no passado, e no incômodo, que falar sobre isso me trazia.
— Eu errei! Ok? Era isso que queria ouvir?
— Não — minha amiga continuou, sem soltar minha mão suada pelo nervosismo, mas
seu tom irritado, me fez incapaz de contestá-la —, na verdade, eu só quero que entenda, seu
cabeçudo de merda, que nem sempre o que você julga ser correto vai dar certo. Abre a porra dos
olhos, Apollo! Não há regras para amar, e um homem quando quer estar com alguém, ele sabe
desde o início. Acorda pra vida, seu jumento. — Ofeguei, tendo a minha moral espancada pela
doida, mas não me irritei, porque ela estava novamente coberta de razão.
— Então você acha que eu deveria tentar? — bufei ao questionar o óbvio, tão óbvio, que
sequer precisei da sua resposta para me decidir. O amor era imprevisível, e por mais que nada
desse certo, ao menos eu tentei. Porque, que a verdade seja dita, não há nada pior do que o
arrependimento de nunca ter tentado.
— Vá com calma, migo, mas não o afaste. Mesmo que as coisas aconteçam de forma
imprevisível, estamos vivendo, certo?
—-----------⍟—-----------
Voltei para casa mais cedo, eu estava surtando, naquele laboratório fechado. Coronel
Welfen sabia da minha condição, mas preferiu fechar os olhos, me dando um tempo para voltar
aos trilhos. Eu poderia simplesmente exigir auxílio do governo, alegando estar sem condições
para manter o trabalho, no entanto, ficar sozinho em casa parecia um tormento. Aos trinta e dois
anos, ainda me sentia jovem demais para encerrar minhas atividades.
Caminhei pelo calçadão do parque, a algumas quadras do meu prédio, com Peter ao meu
lado, o dia tinha sido estressante, me deixando aéreo e letárgico, minha mente parecia pairar
longe, mas os exercícios físicos melhorariam em muito minha saúde mental, além da dor no meu
corpo, me deixando mais relaxado.
Havia um clima estranho, uma sensação premente no ar. Um agouro ruim que me fazia
questionar se algo estava errado. Com a chegada do inverno, mesmo sem a aparição da neve,
poucas pessoas se atreviam a experimentar o vento cortante da noite naquele parque.
Peguei o celular no bolso da blusa de moletom, ainda eram oito da noite. Alonguei-me
com cuidado e decidi voltar para casa, meus pensamentos andavam em círculos e sempre
retornavam para aquele homem. Comecei a perceber que estava ultrapassando os limites do
aceitável, quando meu corpo parecia reagir à minha mente. Merda! Eu estava atraído e sentia um
bizarro desejo pelo desconhecido me dominando.
Percebi subitamente que andei tanto que sequer notei que já havia me embrenhado pelas
profundezas do parque. Estava começando a esfriar mais, e a friagem não me caía bem. Eu me
virei para chamar o Peter, mas travei, quando notei sua postura tensa olhando para um canto
escuro atrás de algumas árvores.
— Peter — chamei quase em um sussurro ressabiado. Meus pelos do corpo se eriçaram
quando ele bufou visivelmente intimidado por algo, o farfalhar das árvores pelo vento
confundiam meus sentidos, mas pude jurar que havia uma sombra ali, entre os galhos escuros.
Meus instintos poderiam estar enferrujados, entretanto, não sou leigo, pressinto quando estou em
iminente perigo.
Olhei ao redor constatando, para minha infelicidade, que não havia mais ninguém além
de nós dois. Coloquei a mão na cintura automaticamente para puxar o revólver, mas congelei, ao
perceber que não o trouxe comigo.
— Merda! — xinguei em baixo tom, começando entrar em pânico. Pensei em recuar,
mas Peter permanecia estático no lugar, seja lá o que estivesse ali, uma vez que eu me virasse
para correr, com certeza, viria atrás de mim. Eu não poderia deixar meu garoto para trás,
primeiro ele, antes de tudo.
— Peter... — murmurei outra vez, dando pequenos passos para trás. — Junto!
A tensão me fez enrijecer, estremeci quando ouvi o assobio do vento ao longe, mas meu
cachorro sequer se moveu do lugar, e aquela velha frustração me fez querer gritar de raiva por
me sentir tão sem saída, depois de tantos anos. Apertei o celular na minha mão e discretamente
digitei o número da emergência.
Tinha alguém ali, e com certeza não era boa coisa.
“nove um, qual é o chamado?”
Respirei fundo, quando ouvi a voz masculina e suave de um atendente da emergência no
meu fone, se eu fizesse qualquer movimento brusco, poderia chamar a atenção do que quer que
estivesse me observando atrás das árvores, mas se eu não respondesse o chamado ele seria
encerrado.
“Qual é o chamado? Há alguém na linha?”
Minha respiração audível e pesada se misturava com o vento forte, meu coração
martelava dentro do meu peito, me levando ao limite. Então pensei rápido e gritei, tentando
manter o atendente na linha.
— Peter, vem! Sai daí!
Para a glória do Senhor, o homem era bastante perspicaz, mas eu não me sentia seguro.
“O senhor não pode me responder? Há alguém que possa ameaçar sua integridade,
física e moral, por perto? Se, sim, chame novamente.”
— Peter, aqui — respirei profundamente, quando aquilo que me observava se moveu em
direção ao meu cachorro. — Merda! — gritei em pânico, quando em um impulso, corri em
direção ao meu cachorro o mais rápido que pude, com a perna repuxando.
“Senhor, estamos tentando localizar o chamado e isso pode levar algum tempo.
Permaneça na linha e não desligue o telefone. Não entre em confronto direto, tente ganhar
tempo.”
Quando o ouvi, meu coração apertou, droga! Quanto tempo isso iria levar?
Agarrei o colete do meu cachorro, tentando arrastá-lo para longe do perigo iminente.
Peter finalmente pareceu entender a gravidade da situação e começou a recuar lentamente, junto
comigo, suas orelhas se abaixaram e seus pelos eriçados deixavam claro seu estado de humor.
A sombra se movia com cautela, como se brincasse comigo, sabendo que eu estava em
desvantagem, se aproximando cada vez mais, movendo-se com uma lentidão perturbadora. O
atendente continuava a me orientar pelo telefone, mantendo-me à espera, enquanto tentavam
localizar minha chamada. Merda de tecnologia falha dos infernos, a cada segundo aqui, eu perdia
uma parte da minha vida, somente pelo pavor.
A voz do atendente continuava a ecoar no meu ouvido, me lembrando para não entrar em
confronto direto, mas ganhar tempo era uma tarefa difícil, quando o perigo se aproximava a cada
segundo. Senhor Deus... Minha vida foi uma miséria ultimamente.
Foi nesse momento que o elemento finalmente emergiu das árvores, revelando-se um
homem alto e encapuzado, segurando uma barra de ferro. Seu rosto estava oculto na escuridão do
capuz, mas eu podia sentir seu olhar frio e cruel sobre mim, estremeci, sentindo meus velhos
ferimentos doerem.
Constatei, com infelicidade, que mesmo que eu gritasse, ninguém ouviria, eu morreria
aqui sozinho, se esse cara tivesse armado, com ninguém além do atendente para me despachar
para o umbral. Era o que me faltava, para completar esta deliciosa semana, que delícia!
— Você escolheu um lugar péssimo para um passeio noturno, meu amigo — ele
zombou, balançando a barra de ferro habilmente.
Eu estava encurralado, sem minha arma, sem qualquer maneira aparente de me defender.
Peter rosnou, mas eu o segurei firme, temendo pelo seu bem-estar, enquanto eu procurava
alguma coisa para me ajudar na defesa, mas as únicas coisas que encontrei foram os pedregulhos
no chão e galhos finos.
O cara avançava lentamente, sua risada sádica cortava o silêncio da noite. Ofegante,
tentei ganhar o tempo pedido pelo atendente:
— Podemos conversar? O que você quer? Não tenho nada de valor aqui, cara —
argumentei em desespero, me afastando lentamente, mas então, sua voz me deixou em choque.
— Vocês militares se acham os fodões, mas sem uma arma nas mãos, perdem
completamente os colhões. Eu sei quem é você, Tenente Fracassado Smith...
Estremeci, minha mente ficou em branco e meu corpo letárgico. Quem? Quem? Quem
era esse porra? Nunca imaginei que passaria por uma situação como esta, minhas mãos
tremeram.
CAPÍTULO 7 - UNTIL I BLEED OUT

#SONG: THE WEEKND#

— Quem é você? — murmurei sem reconhecer minha própria voz esganiçada pelo
nervoso e o medo, mas não o medo de que ele me fizesse algum mal físico, mas, sim, de que esse
cara soubesse a verdade, soubesse o quão incompetente eu fui. Algumas coisas do passado eu
queria mantê-las bem escondidas.
— Seu lixo, você destruiu a minha família... — o cara começou, sua voz trêmula
denunciava seus sentimentos, e eu mal tive tempo para digerir, porque ele continuou a me
ofender sem piedade. — Estive te observando. E posso afirmar que o que você passou é pouco,
não paga a vida do meu irmão, você abandonou ele lá! Você não têm caráter! Seu, seu filho da
puta! — O ódio em sua voz era tão palpável, que estremeci em repúdio.
— Quem era seu irmão? — perguntei quase sem forças, mas a estranha premonição, de
que eu sabia exatamente de quem estávamos falando, me fez querer morrer. Meu rosto rígido foi
se tornando frio, conforme o meu coração se apertava em antecipação.
— EG — ele murmurou, e eu senti o mundo girar.
Estefano Gomes... um grande amigo, eu nunca quis saber como ele morreu e nem como
nos descobriram, saindo da cidade tão rápido, porque eu não suportaria mais essa culpa.
No memorial aos falecidos todos se reuniram, menos eu. Covarde? Sim, eu sou, não tive
coragem de me apresentar, tive medo de ser ostracizado, tive medo de encarar aquelas pessoas
ávidas por justiça. Algumas pessoas me ovacionaram como um herói, mas para as famílias dos
meus homens eu era um demônio, para eles eu poderia ter feito melhor, e isso se concretizou,
quando uma nota governamental foi trazida a público.
As lembranças, que me atormentavam por tanto tempo, voltaram à minha mente e,
mesmo que o atendente do nove um um tentasse me convencer, eu não conseguia correr. Era
instintivo.
Eu poderia explicar que o Sargento Gomes foi o único a decidir se tornar uma distração,
e que por mais que eu entendesse o quão bem intencionado estava, ainda tentei impedir que ele
fosse, mas nós nunca imaginamos que as coisas aconteceriam da forma que ocorreu. Estefano
prometeu que nos encontraria na fronteira e eu, bem... eu acreditei no que queria acreditar.
Olhei para o céu e as estrelas brilhavam como se me mandassem um sinal, ali eu me
decidi, eu não aceitaria sua violência gratuita, posso ter errado, mas foi tentando acertar. Nunca
me coloquei em primeiro lugar, nunca tive a pretensão de me salvar sozinho, esse monstro não
sou eu, e parece que somente eu sei disso, e isso é o mais desesperador.
Minha visão se tornou aguçada, quando o indivíduo veio em minha direção, eu não
estava pecando por querer viver, eu não estava errado de me defender. Nunca fui tão passional
como estou sendo agora, e isso, bem... isso acaba neste exato momento.
— Quer me enfrentar? Vamos ver quanto tempo o soldadinho de papel dura. — Eu
estava ciente das minhas limitações, mas o instinto me dominava, anos estudando, anos servindo
me deixou esperto, deixou marcas vitalícias em mim, e nem tudo eram lembranças ruins.
Eu sou forte, eu sou o cara! Cantei em minha mente, como costumava fazer nas linhas
de frente.
Quando seu corpo se aproximou, de tal forma que estávamos a pouco mais de um metro
de distância, o dissimulado lançou o bastão improvisado em minha direção. Pulei como um gato,
me esquivando por pouco. Gemi de dor, quando minha perna protestou com o impacto que meus
pés tiveram, ao pisar no chão de mau jeito.
Tentei me estabilizar, mas o cara estava esperto e não me deu um momento para me
recompor, eu estava enferrujado, e por mais que quisesse me mover livremente, eu não poderia.
Quando estava prestes a ser espancado, Peter, voando em direção ao homem, mordeu
sua canela, balançando a cabeça. Vi ali uma oportunidade, uma abertura, mas antes que eu
tivesse tempo para reagir sobre a dor, o que eu mais temia....
— Cachorro maldito! — seu grito me fez gelar, quando o grunhido esganiçado do meu
cachorro reverberou na minha mente, junto com o baque surdo do objeto se chocando contra meu
garoto.
— Peter! — gritei, quando o vi se chocar contra o chão, com a força da pancada que o
jogou longe, meu sangue ferveu, e juro que eu queria matar aquele cara. — Seu arrombado de
merda! Eu vou te matar.
Urrei cheio de ódio profundo, sem perceber o quanto eu estava cego pela raiva, sequer
tive tempo de verificar se Peter estava bem, aproveitei este momento para socar a cara do
desavisado. Eu precisava ganhar tempo e garantir que nós dois saíssemos dessa sem grandes
problemas. Mas foi somente então que percebi o quanto eu estava sendo ingênuo, confiante
demais.
Porque justamente neste momento de desatenção, meus pés se enroscaram na guia da
passarela, me levando em um baque para trás, de costas contra o chão.
— Ah... — gritei quase sem voz, pelo susto e pela dor. Caí com a cabeça sobre o Peter, e
seu grito doloroso fez com que eu me contorcesse de desespero.
— Covarde! Um bosta como você não merecia que ele tomasse seu lugar… — o cara
vociferou cheio de ódio.
Comecei a ofegar, tentei me levantar, mas meu corpo não tinha mais o mesmo reflexo de
antes, minhas pernas estavam dormentes e minha coluna doía como o inferno. Foi então que tive
um vislumbre do seu rosto e, porra... como ele era parecido com o Gomes.
Naquele momento decisivo, as lembranças me dominaram, eu queria me esconder, já
estava cansado disso, cansado dessa culpa, cansado dessa dor. Minhas costas doíam e não só pelo
tombo, mas também pelo peso do arrependimento que eu carregava.
— Eu sinto muito — murmurei me perdendo, quase sem reação, olhando para o céu que
agora estava nublado, com os olhos ardendo, sem forças para mover um dedo. Por incrível que
pareça, não consegui sequer derramar lágrimas, estava me sentindo tão cansado, que a resignação
me engoliu.
A frustração tirava minhas forças. Quem eu estava pensando que eu era? Eu mal
conseguia cuidar de mim, todos à minha volta pareciam se foder por minha causa, e mesmo meu
cachorro estava sendo implicado nisso. Eu já não era capaz de proteger a mim mesmo.
Pouco a pouco ele se aproximou, seu olhar finalmente estava visível, ele estava rindo de
mim, rindo do quão patético eu estava sendo. Peter tentou se levantar, rosnando e chorando alto,
mas uma força sobre humana me dominou e eu o segurei o mais firme que pude, com o peso do
meu corpo.
Quando a barra de ferro erguida desceu com tudo, levantei a mão livre na defensiva, em
um instinto intrínseco do ser humano, quando o som oco daquele bastão improvisado soou, gritei
em desespero.
— Minha perna...!
“Senhor! Senhor! Aguente firme, encontramos sua localização, a ajuda está a caminho!
Senhor? Pode me ouvir? Há alguma forma de se esconder?”
Meus ouvidos ficaram surdos e minha respiração pesada, a dor me atordoou de tal modo,
que esqueci até mesmo onde eu estava, mas minha mão, segurando Peter sob minha cabeça,
ainda era firme, mesmo que o mundo caísse, ele era a única família que me restou.
— A polícia está a caminho... mesmo que você me mate, quem morreu não voltará
mais..., mas eu te arrasto comigo ...para... o… inferno — murmurei, sentindo meu coração
escuro, sangrando ódio.
Estremeci de frio, meus dentes batiam e eu não conseguia mais controlar meu corpo,
diante da descarga de adrenalina, eu estive no limite por muito tempo, mas mesmo com a voz
embargada, continuei:
— Pode viver com isso…? — Ergui minha mão, eu podia enxergar o sangue “dele” em
mim, quando tentei acordá-lo, então a repulsa fez com que meu estômago embrulhasse, mas
mesmo com dificuldade, continuei a persuadi-lo. — Com sangue nas mãos? Se, sim, então você
é ainda pior do que eu!
Aquele cara não era o Gomes, por mais parecido que fosse, Estefan não faria algo assim,
jamais. Estefan era um homem honrado, um homem apaixonado pela vida.
O ódio que eu sentia pela situação, pelo que minha vida havia se tornado, vazava junto
com minha voz cheia de repúdio. No final, nada do que eu fiz foi na intenção de ferir ninguém,
eu realmente acreditei estar fazendo o melhor para nós todos.
Mas, mesmo dizendo tantas coisas, aquela risada fria era a única coisa distinguível
depois de tudo, porque minha visão turva estava se tornando cada vez mais enegrecida pela dor e
já não me permitia vê-lo com clareza, mas eu sabia que outra tacada viria em seguida, com ainda
mais força, era só que, quando pensei que sentiria a dor, algo aconteceu.
Um som estranho ecoou pelo parque. Era um assobio agudo, penetrante, que parecia
congelar o ar. Eu me encolhi, conforme minha mente se orientava outra vez, mas ainda não via
ninguém, apenas notei com dificuldade, que o homem que me agredia começava a recuar
desconfiado.
O assobio ecoou novamente, mais alto desta vez, e o cara se afastou ainda mais, olhando
para os lados, assustado. Eu esperava o som das sirenes, mas não era isso que estava
acontecendo. Foi aí que percebi que alguém estava emergindo das sombras, movendo-se
silenciosamente em minha direção, atrás de mim.
Então, sua voz ecoou em minha mente, poderosa e fria, ele estava com raiva, mas
mesmo assim, pude sentir-me seguro em sua presença, mesmo que parecesse bizarra essa
constatação. Era como se ele estivesse sussurrando diretamente em meus pensamentos as
palavras exatas que eu precisava escutar.
“...Não tenha medo, Apollo. Concentre-se em mim, eu vou cuidar de você.”
Eu não conseguia vê-lo claramente, mas sua presença era inegável. Instintivamente,
concentrei minha mente naquela voz, tentando não quebrar, tentando me manter atento e as
coisas começaram a desobstruir na minha mente.
De repente, meu agressor parou sua tentativa de recuar e sua expressão se contorcia em
confusão. Ele abaixou a barra de ferro, como se lutasse contra si mesmo, seus olhos arregalados
pareciam cheios de desespero e dor, seu semblante alternava entre agonia profunda e rancor.
— Solte o cachorro, Apollo. Você está seguro agora — a voz de Gunnar reverberou pelo
parque, mas apenas eu parecia ouvi-lo, era tranquilizador, e eu o obedeci instintivamente. Soltei
Peter, que imediatamente se afastou de mim, claramente assustado e com dor.
O fantasma do meu passado, aquele cara insano, continuava a recuar, seus olhos cheios
de medo não passavam despercebidos por mim, era como se ele visse a porta da morte diante de
si. Então, finalmente largou a barra de ferro e se virou para fugir, mas neste exato momento, ele
já estava perdido na merda, Gunnar não era para amadores e parecia estar com sangue nos olhos.
A voz profunda dele parecia conter um assobio estranho, que me fazia sentir meu sangue
gelar. Uma intenção assassina, que nunca havia visto antes, permeava o ambiente de forma quase
palpável, me fazendo estremecer.
— Ajoelha, seu verme imundo. — A voz frígida do Ivar me fez tremer.
E, no mesmo instante, o cara caiu de joelhos no chão, impotente, pude sentir a dor do
impacto, quando o baque surdo soou. Ele parecia não conseguir resistir às ordens de Gunnar, que
exalava uma pressão dolorosa de seu corpo. Não consegui olha-lo no rosto, do angulo em que eu
estava, apenas pude contemplar suas costas largas e retas, contudo, pela primeira vez, não senti
aquele quê de humor ácido em seu tom. Ele não estava sorrindo?
O atendente da emergência ainda estava na linha, ouvindo silenciosamente o que estava
acontecendo. Ele estava claramente confuso com a reviravolta dos eventos.
— Você pode desligar o telefone agora, Apollo. Está tudo sob controle — sussurrou
Ivar, sua voz ecoando na minha mente como uma coberta quente em tempos de frio. Oscilando
entre a maldade e a bondade.
Eu obedeci novamente e encerrei a ligação conectada ao meu fone, enquanto o cara
encapuzado permanecia ajoelhado, incapaz de se mover. Era quase como se tivesse congelado no
tempo.
Ivar se aproximou do cara e o examinou por um momento, cutucando-o com a ponta do
sapato lustrado, que brilhava de longe. Então, ele finalmente riu, e aquela risada fez com que os
pelos do meu corpo se eriçassem pelo temor, mesmo que nada disso fosse direcionado a mim.
— Pegue o taco — o doutor estranho murmurou apático. Eu me surpreendi ao notar que
de fato o cara fez exatamente o que foi exigido dele.
— Agora, se bata até a morte. — Ofeguei com a realização dessas palavras, e um trovão
alto me fez contorcer no lugar, pelo susto. Iria chover.
As lágrimas de desespero caíam pelo rosto do homem, mas Ivar simplesmente não se
importou, e fiquei ainda mais assustado, quando notei que eu mesmo não estava com pena do
cara. Senti vontade de vomitar, enquanto os sons sinistros soavam, mas ao mesmo tempo em que
compreendia que aquele que estava apanhando poderia ser eu, eu não queria isso, não queria ver
isso.
— Pare... — murmurei rangendo os dentes para conter a agonia. — Pare!
Meu grito veio do fundo, veio lá de dentro e, por mais que aquele cara merecesse se
foder na vida, eu tinha uma dívida com Estefan, e não queria desapontá-lo outra vez. Parecendo
surpreso, Ivar olhou para mim e sorriu, revelando seus olhos pretos que brilhavam, eles pareciam
conter galáxias, parecia conter a imensidão do universo, e eu não pude deixar de ficar
embasbacado com sua beleza.
— Ele te machucou, Apollo. Ele tocou em você. Eu não gostei disso, não me sinto feliz.
— Seu rosto se contorceu, como se escondesse um monstro embaixo da pele, e isso me fez ficar
ainda mais tentado a saber mais. Mas o que mais me atraiu a ele foram suas palavras, havia um
desconforto real ali e, por um instante, cogitei ser realmente apenas um jogo para aquele cara
possessivo.
Perguntas surgiram na minha mente. Como ele sabia que eu estava ali? Como chegou até
mim? Como me perseguia? Como ele poderia estar onde quer que eu estivesse, para me salvar ou
me atormentar?
Tremi, conforme os gemidos do cara, quase que completamente desfigurado, me
atormentavam, meu coração parecia prestes a me abandonar.
— Por favor, Ivar. Pare... — murmurei, esses sons estavam me atormentando, senti meu
estômago revirar novamente, quando olhei em direção ao cara e o vi daquela maneira.
— Tudo bem — foi tudo o que ele murmurou, sua falta de vontade era explícita em seu
tom de voz. Então os sons pararam, quando um último ruído de algo pesado caindo no chão me
fez ofegar.
— Você matou ele? — perguntei em desespero, batendo os dentes de frio e nervoso.
— Não — ele respondeu, e pude ouvir seus passos se aproximando de mim. Aqueles
passos firmes eram inconfundíveis. — Está tudo bem agora, Apollo. Você está seguro.
CAPÍTULO 8 - I CAN’T RESIST

#SONG: THE GREAT ESCAPE#

Ele se abaixou até mim e pude ver seu rosto pálido outra vez, mas desta vez ele parecia
completamente desprovido de emoção, me deixando assustado. Sequer o tédio habitual estava
aparente, era como se... ele fosse o vento.
Eu não tinha entendido completamente o que estava acontecendo, mas uma coisa era
certa: Gunnar estava aqui e, graças a ele, eu ainda estava bem e inteiro. Como ele me encontrou?
Preferi não perguntar isso, naquele momento.
— Vou tocar em você — ele murmurou, enquanto procurava algum ferimento no meu
corpo, congelei, quando sua mão tocou minha perna, e não pude impedir o grunhido rouco que
deixou minha garganta à força. A dor latejante me fazia respirar com dificuldade.
— Acho melhor eu levar você até o carro, não dá para ver o estrago aqui, e seria ruim
forçar seu peso nessa perna — ele comentou, tentando me erguer com cuidado, mas não pude
deixar de protestar, quando seus braços me envolveram. Eu não queria que ele pensasse que sou
fraco, que sou um peso.
— Tudo bem, cara, eu posso fazer isso.
— Pode mesmo? — o escárnio em sua voz me fez parar a minha tentativa de me manter
de pé, enquanto eu segurava seu braço, em busca de equilíbrio, mordendo a língua para manter a
dor sob controle. — Está pelo menos sentindo as pernas?
Seu questionamento ácido me fez querer retrucar, mas de fato, minhas pernas estavam
dormentes por causa do impacto que levei na coluna, muito embora eu pensasse ser capaz de me
arrastar para longe, suportando a dor, mas naquele momento, decidi abandonar de vez meu
orgulho, pedindo:
— Posso me apoiar em você? — Seu olhar brilhava, seu sorriso deslumbrante parecia
tudo, menos um sorriso feliz. Sequer tive tempo de reagir, quando senti minhas pernas deixarem
o chão, quando dei por mim, estava em seus braços como uma donzela que torceu o pé no baile
dos filmes da Disney.
— Eu posso andar — protestei atordoado, mas tudo que recebi foi um grunhido de
reprovação, que vibrava em seu peito.
A natureza sufocante e surreal, da atmosfera tensa que acabei de passar, me fez querer
apagar. Minha perna doía tanto, que por mais que seus passos fossem suaves, qualquer solavanco
parecia que iria dividi-la em dois.
— O Peter… — murmurei, segurando o sofrimento na garganta.
— Não se preocupe, ele está bem ao nosso lado. Peter é forte e aparentemente não
quebrou nada. — Olhei por sobre seus ombros e vi meu garotinho mancando, com as orelhinhas
baixas. Eu queria pegá-lo no colo e levá-lo para longe, mas eu mesmo não estava em condições
de suportar meu próprio peso.
— Dor do caralho — murmurei, me rendendo a sensação de confusão em minha mente,
mas eu não sabia dizer o que estava doendo mais, minha alma ou meu corpo.
— Eu sei que está sofrendo, mas entenda que isso não é culpa sua, Apollo. Não é culpa
sua. Você fez o melhor que pôde e não saiu disso sem consequências. A culpa, pelas escolhas
que os outros fizeram na vida deles, não pode ser jogada em seus ombros. Todos sabem disso,
ser um militar é estar ciente de que a vida e a morte andam lado a lado.
Tremi, escondendo meu rosto em seu peito, seus cabelos pretos caíam sobre mim, e seu
perfume e maciez me acalmavam. Eu sinto muito por EG ter caído daquela forma, mas de fato,
esta foi sua própria escolha e eu o agradeço por isso, mas não posso ser responsabilizado.
— Entenda uma coisa, Apollo, de uma vez por todas. Se você não tivesse agido naquele
momento, todos estariam mortos hoje, ninguém estaria vivo para contar a história, porque vocês
já haviam sido descobertos pelos rebeldes. Por pouco não foram surpreendidos no banker. Pense
nisso. — Quando meu cérebro conturbado finalmente compreendeu, do que ele estava falando,
meu corpo gelou.
— Como sabe disso? — Agarrei seu blazer, olhando-o nos olhos, surpreendido por suas
palavras. Senti minha mente vagar por um momento, quando as implicações disso me deixaram
ansioso.
— Tive acesso a algumas informações privilegiadas, um colega trabalha no núcleo da
inteligência militar. — Sua voz calma, mas firme, me fez estremecer, quando seus olhos se
desviaram dos meus, me deixando descrente, entretanto, Ivar nunca mentiu para mim.
— Isso quer dizer... que eu não tive culpa? — gritei sem conseguir conter a euforia. —
Me disseram que estavam para mandar o resgate, só tínhamos que ter esperado um pouco mais
— murmurei, enquanto tentava me situar.
— De fato havia um grupo militar prestes a invadir a cidade, mas essa informação era só
uma desculpa do estado, garoto. Porque nada que fizessem, impediria a morte de todos vocês,
estavam atrasados demais.
Apertei o punho e, ofegante, deixei que Gunnar terminasse de me contar esse enorme
absurdo.
— Por segundos, o seu grupo de refugiados não se encontrou com o exército rebelde.
Eles estavam prontos para dar cabo em todos vocês, só não tinham explodido o prédio ainda,
porque queriam ter reféns para uma execução pública, que serviria de aviso para os chefes dos
estados.
— Meu Deus. Eu, cara…— Não tive palavras para expressar o que eu estava sentindo
naquele momento. Revolta, rancor, ódio; me deixaram todos esses anos no escuro e
indiretamente jogaram a culpa no meu “péssimo comando”.
Encostei meu rosto em seu ombro e sequer reagi, quando chegamos em seu carro, um
Tesla preto. Ivar me ajudou a entrar no carro. A viagem foi em um piscar de olhos, meu
apartamento ficava bem próximo.
A dor latejava na minha perna e o medo de estar fraturada, outra vez, me fazia tremer.
Foram várias tentativas de recuperar minha perna esmagada, e finalmente eu estava aprendendo a
lidar com minha deficiência. Tive um medo profundo de perdê-la, me lembro como se fosse
ontem, quando ouvi o médico xingar: “Caralho, não vamos conseguir, talvez percamos esta
perna.” Tentei me esquivar desses pensamentos neuróticos, deixando minha mente em branco.
Gunnar parou na vaga para visitantes em meu prédio. Peter do meu lado, no vão do
banco, me olhava com olhos de cachorrinho pidão, partindo meu coração. Eu precisava levá-lo
ao veterinário, precisava conferir sua saúde.
— Eu estou bem, filhote — sussurrei com a voz embargada. — Estou bem. Estamos
bem, vamos superar isso.
Eu não sei se estava dizendo isso para acalmá-lo, ou na tentativa de me convencer desse
fato. Malditos! Usaram-me tão bem, que quase me destruíram.
Contudo, por mais que eu quisesse me deixar levar pelo ódio, pelo rancor, pela dor, eu
sabia que o mundo não pararia para que eu pudesse recolher os cacos do meu coração quebrado,
isso já dizia Shakespeare em “O menestrel”.
Ivar me ajudou novamente, movendo minha perna para fora do veículo com cuidado,
minhas caretas deviam ser ridículas, mas ele não comentou nada sobre e apenas me amparou em
seus braços fortes, me contemplando novamente com seu perfume gostoso. Esse cheiro me fazia
sentir saudades de casa, de uma casa que nunca tive.
Subimos para o elevador e quando paramos de frente à minha porta, me escorei em seu
corpo, abrindo-a com as mãos trêmulas, ele não disse nada, mas eu, sim.
— Fique à vontade. — Eu estava suando, tenso, mas Ivar não me deixou sozinho, e
correspondendo às minhas intenções. Entrou e me ajudou a sentar no sofá, fechando a porta em
seguida.
— Preciso ver seu ferimento — ele disse em tom brando e suave, me surpreendendo.
Olhei para ele, mas seus olhos estavam fixos em minha perna, agora apoiada na mesinha de
centro.
Vergonhosamente ergui meu quadril, quando ele se aproximou e, olhando em meus
olhos, à espera de confirmação, puxou minhas calças até meus pés, tirando-a com cuidado. Senti
seus dedos frios passando pela minha pele quente, e aquele toque aveludado me pegou tão
desprevenido, que sequer tive tempo de me conter, quando um suspiro satisfeito deixou meus
lábios.
Procurei em seus olhos algum desconforto, mas ele sequer piscava, apenas me observava
com tremenda concentração, seu pomo de adão rolou, prendendo minha atenção no tecido preto
que cobria seu pescoço. Suas mãos eram cuidadosas e nunca hesitavam, cheias de confiança. Eu
não quis olhar para as minhas pernas desnudas, fiquei com tanta vergonha, que quase
desmoronei, me sentindo humilhado ao extremo.
Havia uma cicatriz avermelhada, parecendo uma enorme rachadura, na minha coxa e um
pouco abaixo. Já dava para ver o estrago que o cara fez com aquela barra. Quando seus dedos
tocaram com firmeza, sentindo o ferimento, apertando-o, quase gritei de dor, no entanto, engoli,
apenas suportando com um gemido angustiado. Vi seus olhos oscilarem e a fenda verde
tremulava. Aos poucos eu já estava me acostumando com suas estranhezas.
— Shhhh, está tudo bem. Não quebrou — Ivar tentou me acalmar, em uma rara
expressão de simpatia, não havia pena em seus olhos, mas apenas tranquilidade e um quê
anormal de carinho. Achei estranho que esse cara afirmasse com tanta propriedade que eu não
havia quebrado nada, no entanto, não duvidei de suas palavras.
Suspirei aliviado, a dor iria passar e eu não teria que retornar àquele hospital. Então o
flagrei, quando seus olhos se desviaram pelo meu corpo seminu, observando cada centímetro de
pele descoberta, seu pomo de adão balançou novamente, e o notei engolindo em seco.
Fiquei sem graça, mas ao mesmo tempo me senti feliz, ele estava me desejando ou eu
estava vendo coisas? Fiquei um pouco emocionado, fazia anos que eu não tirava a roupa perto de
ninguém que não fosse da área da saúde, e não era por um motivo muito legal. Por um instante,
pensei que talvez não fosse tão feio assim, que talvez minhas cicatrizes fossem apenas um
detalhe que me fazia ser quem eu era. Que ilustrava a vida que tive até ali, eram histórias de mim
mesmo.
Percebendo que eu havia reparado seu olhar, Ivar inspirou e simplesmente parou de
olhar, focando em pontos específicos da casa, com curiosidade, enquanto caminhava para fora da
sala.
Relaxei meu corpo no sofá, eu estava cansado, mas a saudade que senti, por não vê-lo
durante o dia todo, agora havia desaparecido. Minhas dúvidas, meus medos, quando imaginei
que o cara havia me deixado, deixado? Sim, mesmo que não tivéssemos nada, se suavizou. Eu o
ouvi mexendo em algo na cozinha e logo um copo com água e dois comprimidos estavam sendo
entregues para mim.
Bebi sem protestar ou conferir os comprimidos que me entregava, e então abandonei o
copo na mesinha de centro, relaxando contra o encosto macio. Sentando-se ao meu lado, sua voz
soou.
— Amanhã você estará melhor. — Observei-o falar próximo a mim, seus olhos não
mentiam, eu pude ver o incômodo que estava sentindo, a raiva, a impotência, e isso me assustou.
Por que Ivar estava lá naquele parque? Por quê? Eu não queria me iludir, mas era mais forte do
que eu. Havia uma linha tênue que me ligava a ele, e somente então, notei que conseguia
entendê-lo, sem precisar de palavras.
— Não quero que ande sozinho naquele lugar, não quero vê-lo se machucar novamente.
— Seu olhar fixo em meu rosto parecia me esquadrinhar, senti meu corpo tremer com sua
proximidade, seu hálito com cheiro de hortelã fresco, como a primavera, me causava coisas, as
quais eu preferia não ter que enfrentar, mesmo estando viciado nisso.
Sem saber sobre meus pensamentos mais profundos, ele continuou a falar, e, seus lábios,
se movendo, eram tentadores demais para mim. De repente, me vi hipnotizado neles, me vi
desejando senti-los, sua voz era o calmante que eu ansiava, que eu necessitava, como um
sussurro.
— E se eu não tivesse aparecido a tempo? Qual seria a proporção do estrago? Você
precisa dar mais valor à sua vida, garoto. Se algo acontecer com você… Como eu me sentiria se
te encontrasse…?
Enquanto ele molhava os lábios com a língua, me observando com aquele olhar severo,
senti meu coração pulsar descompassado, e, antes que ele dissesse mais alguma coisa, por
impulso, eu o silenciei com a minha boca. Não entendi o que eu mesmo estava fazendo, quando
nossos lábios se tocaram, meu corpo inteiro esquentou e estremeceu. Eu me vi tremendo de
antecipação, sua boca estranhamente me atraía, e a necessidade de estar próximo a ele venceu
meu lado racional.
Embrenhei meu dedos por seus fios de cabelo macios, o puxando cada vez mais para
mim, em um desespero que estava além do meu controle, e essa sensação parecia tão certa. Seus
lábios eram frios, mas o seu sabor adocicado. Seu cheiro me fez revirar os olhos de prazer.
Senti meu corpo todo vibrar pelo contato, esse parecia ser o encaixe perfeito, tão certo,
que chegava doer. Suas mãos fortes rodearam minha cintura com cuidado, havia uma
eletricidade, uma química, ele era como o imã, que chama a outra polaridade, tornando-a
impossibilitada de se afastar.
Amoleci em seu aperto, quando sua língua, com calma, começou a explorar a cavidade
da minha boca. Senti meus pelos se arrepiarem de desejo, de gratidão, de sensações que eu, há
muito, não sentia ao vivo e a cores. Meus olhos estavam abertos, fixos nos seus, que me
observavam minimamente, havia um calor estranho no seu olhar, era sedutor. Meu coração
parecia pulsar no meu pau e, sob seu escrutínio, me vi fascinado por sua beleza e peculiaridades.
Senti suas mãos frias levantando minha blusa, tocando em minha pele quente, me
acariciando. Gemi em seus lábios quando sua mão forte apertou minha bunda com carinho e
desejo. Quando eu estava prestes a me fundir ainda mais com ele, aceitando suas carícias com o
pau duraço na cueca, Ivar se afastou, me deixando confuso e frustrado.
— Hora de ir — ele murmurou e, sem me dar tempo para protestar seu súbito
distanciamento, se levantou, concluindo: — Coloque uma compressa de gelo no local, não use a
quente como de costume, a gelada vai ajudar a diminuir o hematoma. Não se preocupe com o
Peter, ele está muito melhor do que você.
Eu não soube responder, ainda estava atordoado, com a boca aberta e dormente, quando
o vi se virar e sair. Minha porta possuía um mecanismo de trava automática por dentro, sempre
que era fechada, então eu percebi que era isso, ele foi embora, me deixando com a barraca
armada. Eu confundi as coisas? Que merda foi essa?
Naquela noite insana, apenas tomei um chá para acalmar meu humor abalado e me deitei
na companhia do meu filhotão. Não consegui parar de pensar nele, eu estava confuso e com
medo de me apaixonar e não ser correspondido, mas se eu pensasse com um pouco mais de
cuidado, teria notado que eu já estava de quatro por ele.
Sempre fui eu que liguei, que busquei, que socorri, que amei, que cuidei, essa era a
primeira vez que eu me permitia ser fraco, diante de alguém e... cara, eu estava tendo todas as
minhas expectativas alcançadas com louvor. Controlando minha ansiedade e dúvidas, dormi.
Simplesmente apaguei e acordei com a sensação de estar me esquecendo de algo importante.
CAPÍTULO 9 - KISS ME UNTIL MY LIPS FALL OFF

#SONG: LEBANON HANOVER#

Meu corpo inteiro fervia, minha pele coçava, e sob ela controlei a fera. Ainda não, ainda
não era o momento para dar um passo adiante com meu garotão, meu futuro noivo. Posso sentir
sua desconfiança, posso sentir seus medos, suas inseguranças e seus anseios.
Respirei fundo, contendo a pulso meus demônios, meus instintos, porque antes de dar
esse passo adiante, preciso ser claro sobre tudo, preciso contar a verdade. Senti que estava à beira
da loucura, seu cheiro, como um vício que era, me tornava incapaz de resistir.
Minha razão parecia escapar por entre meus dedos e, lá no meu íntimo, eu gritava
“meu”, possessivamente. Mas ele não estava pronto para mim, não ainda, mas faria qualquer
coisa para que um dia estivesse.
Tínhamos pouco tempo para nos entrosar, não, eu era quem tinha pouco tempo para
atraí-lo para mim. Ergui a manga da minha camisa e olhei para a tela eletrônica conectada ao
meu pulso, normalmente bem escondida. Faltavam apenas alguns dias para que eu atingisse o
pico do meu ciclo de calor, e aquilo estava me enlouquecendo pouco a pouco.
Apollo… Murmurei a pronúncia peculiar daquele nome em minha mente. Absorver seu
dialeto e seus costumes era como uma brincadeira de criança para mim. Mas ainda me sentia
estranho na pele de um humano.
Saí do corredor e peguei o elevador até o subsolo. Entrei no carro, sentindo aquela velha
sensação de perda fluindo pelo meu corpo e mente. Eu queria foder com ele, deixar minha
semente em seu corpo, mostrar-lhe um prazer completamente novo, levá-lo ao ápice do desejo.
Olhei para o retrovisor, observando meus olhos oscilarem, minhas pupilas se alargavam
e contraiam conforme meu estado anormal de humor. Mantive a maioria das características da
minha espécie quando desci para este planeta, inclusive meus olhos pretos, como forma de
orgulho, mas confesso que as pupilas precisavam ser escondidas e às vezes eu simplesmente
perdia o controle. Sibilei lambendo os lábios secos, na tentativa de acalmar minha pele, meu
pescoço tremia, e o segurei, tentando conter os espasmos do meu corpo.
Novamente o alimentei com aquela pílula, sei que estava errado, mas vê-lo sofrer de dor
aflorava o meu instinto protetor, eu não sabia qual seria sua reação, quando soubesse a verdade, e
isso me desesperava. Afinal, Apollo confiou em mim, e eu não queria decepcioná-lo.
Bati no volante com força, observando os objetos flutuarem ao meu redor. Respirei
fundo, tentando controlar minha mente. Eu queria matar aquele animal, eu queria torcer seu
pescoço lentamente, mas Apollo era bondoso demais para me permitir chegar a tanto.
Encostei a cabeça no volante e esperei, esperei e esperei. Quando senti que estava calmo
o suficiente, decidi que era o momento de apagar meus rastros. Eu ainda não estava pronto para
arcar com as consequências dessa noite. Sempre fui um “homem” centrado, mas quando
envolvia meu escolhido, a minha razão se evaporava completamente.
Desci do carro e subi pelo elevador. Ao meu lado, uma jovem me observava com um
sorriso radiante e olhos deslumbrados. Eu estava exalando tesão, meu corpo inteiro era uma
máquina de prazer irresistível para outras espécies. Meu cheiro era afrodisíaco, meu sabor, meus
fluídos, mas ao contrário do imaginado, não nos ligamos a ninguém, apenas por prazer,
estávamos além disso. Era um equilíbrio.
— Boa noite — a fêmea murmurou, e percebi que estava interferindo na atmosfera.
Olhei para ela e por um instante, a confusão tomou o lugar do encanto, então a porta se
abriu e ela saiu sem olhar para trás, como se nunca tivesse me visto ali.
Suspirei, tentando compreender o que estava sentindo. Quando cheguei ao andar correto.
Desci e caminhei pelo corredor até a porta do Apollo. Encostei a mão na maçaneta e a porta
abriu. Entrei e notei que Apollo já não estava mais no sofá. Segui até o quarto, onde o encontrei
deitado, se contorcendo na cama.
Sibilei irritado, ele estava tendo outro pesadelo. Encostei a mão em sua testa,
acariciando-a suavemente, logo sua respiração voltou ao normal e seu sono se tranquilizou.
Aquilo acalmou parte do meu ódio, não sou do tipo que intimida os mais fracos, mas não aceito
que machuquem minhas pessoas.
— Oh, meu garoto, você não sabe o quanto estou sofrendo, para permanecer firme ao
seu lado. Não sabe o quanto é difícil não tocar em você, não tomá-lo para mim — sussurrei, na
tentativa de dar vazão aos meus sentimentos, que me torturavam dia após dia.
Encolhido em um canto, totalmente coberto pela coberta, Peter me observava
atentamente, me fazendo franzir o cenho.
— Não precisa me olhar assim, não estou fazendo nada contra ele.
Imediatamente, o cachorro se descobriu e se aproximou de mim, lambendo minha mão
em resposta. Sempre gostei muito dele, era um ser inteligente e tinha cuidado bem do meu
macho escolhido.
— Sente dor? — questionei, afagando os pelos entre as orelhas, que se abaixaram em
confirmação. Peguei uma pílula no bolso e, mais do que depressa, Peter a engoliu. — Bom
garoto. Fiz bem em trazer você, tem feito um ótimo trabalho, será bem recompensado.
Minhas palavras foram suficientes para que meu shifter balançasse o rabo como um
cachorro comum, alegre e feliz.
— Só mais um pouco e vamos levá-lo embora. Não fique ansioso demais e coloque tudo
a perder, seja bonzinho — murmurei as ordens, Peter, como Apollo o nomeou, tinha estado
ansioso, e isso não era bom.
Com um miado baixo, meu velho shifter, concordou de forma inteligente e voltou a
deitar ao lado de Apollo. Como de costume, apaguei parte da memória do meu homem. Eu
precisava que ele me amasse, mais do que me desejava. Porque eu já o amava completamente.
Farejei o ar, inebriado com seu cheiro, mas antes que o tormento voltasse a fazer estrago,
nas minhas calças e em meu corpo, saí do apartamento, me certificando em deixar tudo bem
trancado.
CAPÍTULO 10 - SAVE YOUR TEARS

#SONG: THE WEEKND#

Eu não lembrava do momento exato em que ele foi embora, apenas de me deitar na
minha cama, bastante frustrado, quando o efeito dos remédios bateu. Minha cabeça doía sempre
que eu tentava explorar as memórias do que aconteceu, no momento em que ele decidiu sair; mas
francamente, mesmo tendo a sensação de que havia me esquecido de algo importante, não
conseguia chegar a lugar algum e isso me deixava louco.
Gunnar fez algo com a minha cabeça? Mas por quê?
Senti medo, mas não dele, e, sim, de mim, do que eu poderia ter dito ou feito, que o
fizesse chegar a esse extremo. Que o fizesse virar as costas e sair. Senti-me um pouco infeliz, por
mais que eu soubesse que tal sentimento era irracional. O cara já havia me livrado de uma grande
merda, e eu não poderia delegar a ele a responsabilidade de estar ao meu lado, porque Ivar não
era obrigado a nada.
Constatar o quanto me deixei levar pelas emoções, me fez sentir vontade de voltar no
tempo, fiquei roxo de vergonha só de lembrar, mas nada disso era de fato importante, porque
sem o aparecimento, muito conveniente do Ivar, eu teria sido espancado até virar suco. E isso me
levou a perceber o quanto eu estava sendo negligente com a minha própria segurança, depois que
comecei a trabalhar como interno.
De repente, me lembrei de sua voz soando em meus ouvidos “Não quero que ande
sozinho naquele lugar, não quero vê-lo se machucar novamente.” Meu coração imediatamente
começou a bater mais rápido e minhas mãos suaram frio, de ansiedade.
Aquela voz era tão profunda, tão marcante, tão gostosa de ouvir. E havia, sobretudo, um
quê sentimental bem escondido, vazando pelas entrelinhas de suas palavras cruas. Ivar estava
preocupado comigo, não havia dúvidas, lá no meu íntimo, não pude negar os fatos. Mas ele
preferiu sair, ele me deixou sozinho naquele apartamento vazio.
Ignorando a sensação de decepção, que eu sentia, me perguntei, por um momento, se
aquele cara que me atacou poderia estar morto? Mas, no mesmo instante, bem no fundo, eu
realmente não queria nem saber, porque o que os olhos não veem o coração não sente.
Fiquei em pânico com a cena daquele espancamento e, por mais que eu sentisse raiva
daquele cara, não conseguia desejar o mal ao irmão mais novo do EG, porque me sentia em
dívida com ele.
Quando nos reuníamos, naquela época, “EG” sempre falava com orgulho desse irmão,
sua esperança era que se tornasse um bom militar, mas agora, não havia sequer a sombra do
homem que meu camarada parecia enxergar. A morte transforma as pessoas, ou eu deveria dizer:
A perda.
Olhei para o ferimento na minha perna, me sentindo bastante chocado. Pela dor que senti
e pelo tom do machucado, na noite anterior, não deveria estar em estágio tão avançado de
cicatrização, o que levantava outra dúvida na minha cabeça, aquilo tudo era real? Às vezes, a
sensação de que tudo não passava de uma ilusão me tornava cético de mim mesmo.
Mas mesmo não sentindo a dor que presumi que sentiria, fiz uma compressa fria,
rapidamente, e saí com Peter, que parecia bastante arisco esta manhã. Meu garotinho estava de
mal humor. Certeza!
Cheguei no QG um pouco mais tarde e notei que ao caminhar, mesmo durante o tempo
frio, já não doía tanto, como de costume. E aquilo me intrigou ainda mais, por um instante eu me
questionei sobre que remédio havia tomado na noite anterior, ao ponto de fazer um efeito tão
milagroso.
Quando meus olhos passaram de relance pelo QG, ocultei o incômodo que senti por não
vê-lo em lugar algum, mas ao mesmo tempo me senti aliviado. A vergonha e o medo de sentir
sua censura me deixavam desanimado e ansioso.
No momento em que finalmente vislumbrei minha mesa de operação, suspirei de alívio,
eu precisava me focar em algo e meu trabalho era o melhor meio para isso. Sentei-me lentamente
e de modo automático, evitando colocar peso na perna lesionada, e, por algum tempo, fiquei
absorto nos relatórios que estava sintetizando sobre o resultado das amostras colhidas na última
expedição, que precisavam ser analisadas no sistema.
As horas passaram rapidamente e fiquei tão surpreso com o quão produtivo eu estava
sendo, que sequer notei que minha bunda já estava achatada naquela cadeira, mas no momento
em que notei a presença de Ivar, caminhando em minha direção, meus olhos me traíram
completamente e toda minha concentração foi com Deus.
Quando Ivar entrou pela porta do QG, sendo seguido pela equipe de engenheiros
espaciais, não havia uma alma que não parasse para observar. Seus passos firmes, nem rápidos e
nem lentos, impactavam. Seu jaleco ondulava atrás de si e o semblante anormalmente nublado,
frio, o deixava ainda mais distante e intocável.
Doutor Gunnar tinha uma beleza exótica, obscura, muito atraente para um ser humano
normal como eu. Senti que era possível sentir frio, somente observando seu olhar gélido. E
mesmo aparentemente cansado, ele exalava atração.
E então percebi que observá-lo secretamente havia se tornado instintivo, inevitável, e eu
me pegava diversas vezes me dando a desculpa ridícula de que estava fazendo isso apenas por
segurança, por proteção. No começo, talvez fosse, mas eu estava me tornando um obcecado,
meus olhos grudam nele como se tivesse cola.
Preocupante, muito preocupante!
Gunnar parecia estar sempre observando as pessoas, perguntando coisas sem sentido e
aleatórias, com essas pessoas o esquisito tinha uma persona completamente diferente, menos
sinistro e mais amigável. E de repente, eu estava rindo das suas piadas sem graça, do seu jeito
estranho de virar a cabeça, da forma séria com a qual reagia às coisas tão insípidas.
Me lembrei imediatamente de um episódio de “O Mentalista”, onde o assassino era o
cara mais improvável. Fiquei intrigado, buscando respostas até mesmo nos pequenos detalhes,
mas já não estava tão aflito, eu havia perdido o medo há dias, porque algo me dizia que ele
jamais me machucaria, não depois de ontem. E tudo isso me fazia questionar; a quem eu estava
tentando enganar?
— O que realmente é você? — murmurei em um momento de dispersão, eu estava
começando a acreditar nas teorias da conspiração, que os alienados publicavam na internet e,
inclusive, me peguei lendo muitas delas com grande interesse, das quais grande parte não faziam
nenhum sentido. O cara tinha uns jeitos estranhos, era fascinante, ele não entrava sem ser
convidado, e, estranhamente, as pessoas faziam questão de sua presença. Inclusive eu!
Parecendo ter ouvido meu murmúrio de longe, Gunnar se virou para mim e me olhou
inexpressivo, e, então sorriu com um olhar intenso e malicioso, e mesmo estando distante dele,
pude jurar que ouvi sua voz profunda dizendo:
— Um homem gostoso.
Senti que todos os pelos do meu corpo se eriçaram. Quase caí da porra da cadeira,
conforme tentava respirar, engasgado com a própria saliva.
—-----------⍟—-----------
O dia passou calmamente, enquanto eu o observava secretamente, tentando não cagar
com todo o meu trabalho feito nas coxas pela falta de atenção. Quando finalmente Ivar se sentou
em seu lugar ao meu lado, minhas costas ficaram retas e meu corpo tenso denunciava toda a
carga de ansiedade que sua presença me trazia.
Mas, mesmo assim, não pude deixar de observar seu olhar atento, enquanto digitava,
seus dedos pálidos e delgados que batendo nas teclas me hipnotizavam. E mesmo diante de um
trabalho tão complexo, seu olhar tedioso deixava claro o quanto tudo aquilo era fácil para ele.
Eu me peguei questionando sobre o quão inteligente aquele cara poderia ser e, mesmo
me sentindo irritado com a forma despreocupada com a qual levava seu trabalho, eu não tinha
coragem de dar voz às minhas insatisfações, porque entendia muito bem o quanto eu estava
sendo infantil. Implicar com ele era a minha felicidade, mesmo o admirando tanto, mas me
contive a pulso.
A verdade é que a cada instante eu me via mais atormentado, desejando sua atenção
inteiramente para mim. Eu tinha plena convicção de que não estava em meu juízo perfeito,
almejando algo assim, mas nada que eu fizesse ou pensasse, me impediria de querer sempre
mais. A porra do cara era como uma droga, um vício!
Pensei em conversar com a Pérola, sobre o que aconteceu ontem, sobre o quão atraído
pelo cara eu estava. Minha melhor amiga era o oposto de mim, sempre com suas teorias da
conspiração, sem cabimento, sobre invasões alienígenas e o armagedom dos fins dos tempos;
contudo, quando me levantei, prestes a pedir um momento a ela, Gunnar finalmente olhou para
mim, com aqueles olhos profundos e aquele sorriso bizarro, me questionando:
— Onde pensa que está indo? — Eu me assustei ao ouvir sua voz pela primeira vez
naquele dia, estava mais rouca que o normal, mais intimidante.
Olhei para a grande tela que mapeava o espaço à nossa frente, sentindo todo o meu corpo
fraquejar e minhas costas suarem, uma adrenalina incomum se apoderou de mim e tive vontade
de refutá-lo. Claramente ele estava se opondo à minha ideia, não tive dúvidas disso, mas o que
mais me chocava era perceber que aquele cara sabia cada pensamento que eu tinha, mesmo que
eu não dissesse nada.
Gunnar oscilava entre o brando e agradável, para o obscuro e dissimulado. Seus limites
eram demarcados e, uma vez sério, não havia quem não tremesse de pavor. Aliás, talvez
houvesse eu.
Eu não sabia exatamente o que ele estava fazendo aqui e nem mesmo o que de fato ele
era. Cheguei a pensar que Ivar pudesse ser um experimento do governo, mas não pude acreditar
que chegamos tão longe na ciência. Pensei que talvez pudesse ser um demônio, mas a ideia
fantástica disso ia de contra tudo no que um dia acreditei. Então, havia apenas mais uma
suposição: vida fora da terra.
Ignorando meu semblante pálido, refletido no monitor, com a sensação fria que ele
exalava, estático, observei Gunnar chamar Pérola, antes que eu tivesse chance. Minha amiga
sorria para nós, sem nenhuma ciência do perigo que corria. Observando-me de perto, o cara,
colocando as mãos nos ombros dela, me olhou com um quê de advertência.
O medo de que ele fizesse algo com ela me fez recuar e me soltar na cadeira
completamente imóvel. Na verdade, eu tinha certeza absoluta de que o Doutor Ivar Gunnar não
faria nada contra mim, mas não tive a mesma certeza com relação aos outros. Eu vi com meus
próprios olhos o quanto ele poderia ser cruel, se quisesse ser.
Coloquei minha arma sobre a mesa e a sensação de desconforto me deixou em um
dilema, conforme seus olhos se estreitaram com a minha ação. Então, comecei a me questionar:
Eu teria coragem de atirar nele? Com certeza, não! E a percepção de que começava a vê-lo como
uma pessoa importante para mim, em tão pouco tempo, me assustava completamente. Porque
Pérola era minha melhor amiga em anos, Deus sabe o quão difícil foi, permitir que ela se
aproximasse de mim, mas com aquele cara, as coisas foram completamente contrárias.
De repente, senti meu corpo estremecer, quando a voz escondida lá no fundo da minha
mente soou em meu ouvido, porque naquele dia, no dia em que acreditei ser o fim, era minha
última esperança: “Eu vou cuidar de você, vim te buscar...”. Subitamente aquela voz profunda
começou a clarear na minha mente e um rosto se formou na escuridão dos meus pensamentos.
— Gunnar... — murmurei completamente estupefato.
Toquei na minha arma, numa tentativa frustrada de me acalmar, tremendo dos pés à
cabeça. Eu não era idiota, mas não estava conseguindo assimilar isso, meu salvador era esse
cara? Que porra é essa? Abaixei a cabeça, quando as lágrimas começaram a cair, sem que eu
pudesse controlar minhas emoções. Eu sabia! Eu sabia que essa pessoa era real.
— Apollo? Migo? — Pérola murmurou, se abaixando, na tentativa de me amparar. — Ei,
ei. O que foi?
Comecei a rir, olhando para ela, finalmente eu descobri a verdade, eu descobri a
verdade! Senti que estava flutuando, mesmo percebendo o quão opacos eram seus olhos, me
observando, enquanto ele se afastava de mim. Senti o receio que ele tinha de se aproximar,
mesmo eu não compreendendo como conseguia descobrir seus sentimentos ocultos tão
intuitivamente.
Gunnar me lembrava os tentáculos; que no início me tocavam na defensiva, como se
aquele ser tivesse medo de ser rejeitado. E seu semblante e seu modo afetado de se afastar me
faziam perceber que, naquele momento, aquele homem enorme parecia indefeso.
— Apollo! — Pérola me sacudiu irritada, quando percebeu meu sorriso espontâneo de
uma alegria que me inundava fortemente, senti que estava começando a enxergar a verdade
diante dos meus olhos. Mas, sobretudo, me senti vitorioso, eu sempre soube! Eu tinha razão.
E isso me despertava uma certa curiosidade, quanto tempo fazia, desde o incidente?
Sete? Seis? Cinco anos! Mesmo assim, aquele cara ainda estava aqui. Estava pertinho de mim
por todo esse tempo.
— Inferno! — murmurei bufando, tentando esconder as minhas emoções contraditórias,
ignorando completamente minha amiga. Eu me senti especial, me senti feliz. E mesmo sem saber
quem era aquele cara, havia a certeza incrustada no meu coração, impossível de ser abolida, de
que era por mim que Gunnar estava aqui, ao meu lado.
—-----------⍟—-----------
Passei horas inertes, pensando no absurdo que se apresentava para mim, por trás daquela
maldita névoa, depois de tantos anos. E mesmo que ele se mantivesse longe de mim, seu olhar
penetrante me observava, enquanto as lembranças da sua mão tocando meu ferimento, naquele
momento, com tanto cuidado, retornavam à minha mente, mas dessa vez não houve crise.
A sensação vivida de solidão, que senti naquele dia, ainda estava lá também. Porque eu
já estava entregue à morte, sem esperanças, mas sua voz me trouxe da escuridão, me puxou de
volta à realidade. E pela primeira vez na vida, eu realmente senti o significado de não estar mais
sozinho. E eu serei eternamente grato, sejam quais forem seus objetivos para tal.
CAPÍTULO 11 - I DON'T KNOW WHY I RUN AWAY

#SONG: THE WEEKND#

Mais tarde, quando ele enfim retornou da última reunião com o pessoal da engenharia,
senti que ele estava evitando me olhar nos olhos, e tive um pressentimento horrível, que quebrou
completamente minha nuvem de felicidade. Seu olhar severo me fez empalidecer, porque a
manutenção da cápsula da Nave havia sido coordenada por ele, e, esse mal pressentimento
gritava em minha mente: “Vai dar bosta isso daí”.
Levantei-me de onde estava, caminhando até onde ele se reunia com o Coronel, na
tentativa de questionar, mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa, Gunnar tomou a
iniciativa.
— Quero conversar com você, garoto. — Ouvi sua voz fria e rouca e por um instante
duvidei de que estivesse falando comigo. Seu olhar me fitava de cima, como um ser superior,
exalando autoridade e perigo, e isso me deixava admirado ao mesmo tempo que constrangido por
meu próprio descontrole. O que eu estava fazendo ali?
Eu me deixei guiar por seus passos, até que estivéssemos sozinhos em um canto
escondido do QG. Me senti um pouco incerto, aquele conflito dentro de mim ainda não havia
sido resolvido e eu me questionava a todo o instante: “Até que ponto estou disposto a ceder por
ele?” Ivar Gunnar era uma variável impossível de ser calculada.
— Garoto? Acho que já passei dessa fase — zombei, observando sua fisionomia
bastante jovem, pensei que talvez aquela forma de vida transcendesse à durabilidade humana,
mas até que ponto? E isso encorajou meu ato, no meu íntimo eu tinha um enorme desejo de
provocá-lo, de brincar com fogo, porque eu sentia que por mais que eu ultrapassasse a linha, Ivar
me toleraria, e isso me fazia sentir especial.
— Tenho trinta e dois anos, porra! Me respeite — conclui, olhando em seus olhos,
vidrado.
Sua risada genuína me fez estremecer, me senti um pouco ofendido, quando percebi que
talvez eu fosse apenas um jogo para driblar seu tédio constante, mas antes que eu pudesse
retrucar, seu rosto se aproximou de mim e seu hálito refrescante entorpeceu a pele onde tocava,
então, ouvi sua voz profunda soar em meus ouvidos, como um sussurro ácido, me desafiando
descaradamente:
— Um gatinho assustado que não sabe nada da vida está tentando discutir comigo? É
realmente uma comédia.
Fiz uma careta de desagrado fingido, para disfarçar o quanto sua proximidade havia me
abalado, e por cima do seu ombro, notei alguns olhares em nossa direção. Que trama ridícula.
Grunhi de raiva, mas sua risada anasalada me deixava extremamente puto e desconfortável, além
de estranhamente excitado, minha pele parecia queimar, com nossa aproximação. E eu não sabia
como reagir a isso.
O homem tinha pinta de ter a mesma idade que eu, senão, um pouco mais, além de ser
extremamente bonito. Hoje, seus cabelos soltos caem na lateral de sua face. Socorro, é demais
para eu suportar!
Sim, debaixo de toda aquela esquisitice havia uma beleza sobre humana. Parado em
minha frente, me encarando como se me desafiasse a agir, eu juro que nessa disputa de quem
piscaria primeiro, meus olhos se contraíram, ao notar aquela pequena fenda de um verde vivo e
impressionante no lugar onde deveria haver apenas uma pupila redonda. Que porra!
Ele tinha um charme sedutor, um encanto que fazia as pessoas admirá-lo, e eu não sei
dizer em que momento isso também começou a me afetar, mas de tanto observá-lo, esses
atributos começavam a confundir minha mente e o infeliz sabia disso toda vez que sorria para
mim de forma cruel, mas extremamente sedutor. INFERNO!
Olhei para ele e, apesar de me sentir injustiçado por nossa troca de farpas, percebi que
não poderia contestá-lo. Eu não sabia nada sobre aquele ser, mas ele parecia saber muito sobre
mim. Eu me rendi, ao perceber que o assunto, ao qual eu queria tratar, havia sido completamente
ignorado e eu já não tinha estruturas para continuar o que quer que eu tivesse em mente,
segundos antes.
Eu não sabia dizer se estava ficando louco, mas comecei a perceber que o cara começava
a exalar um odor estranhamente gostoso, sedutor e irresistível. Aquele perfume se sobressaía
sobre sua colônia habitual e, instintivamente, notei que estava sendo afetado demais por isso.
Desviei meu olhar para qualquer lugar, fingindo não me abalar por sua presença, que
quase me engoliu por completo. Simplesmente virei minhas costas e o deixei para trás. Posso ter
parecido marrento, mas minhas pernas moles expressavam algo, do qual eu não queria me dar ao
luxo de demonstrar na frente de tantas pessoas.
Caralho que vontade de agarrar aquele homem e provar seus lábios gélidos. Gélidos?
Percebi que a sensação de seu beijo, ainda não provado, estava gravado em meu corpo. Parei um
pouco, chocado com a constatação de algo. Eu nunca beijei esse cara, então como posso sentir o
fantasma do seu sabor? Continuei a caminhar, quando notei que seus passos se mantinham
próximos dos meus. Filho da puta! Ri disfarçadamente, percebendo o inevitável.
Sentei na minha cadeira novamente, observando-o vir atrás de mim, seus olhos
profundos me acompanhavam predatoriamente. Toquei no mouse com as mãos suadas e voltei a
ler o que estava escrevendo, quando a tela se iluminou, mas por trás, seu reflexo jogou por terra
toda a minha intenção de fingir não ser afetado por sua presença.
Foi quando senti sua mão, extremamente fria, tocando minha pele descoberta do
pescoço, me fazendo pular na cadeira, para logo depois ficar estático, devido ao choque que
percorreu todos os meus membros, seu dedo frio acariciava minha pele com força.
Ofeguei em pânico, sentindo minhas pernas tremerem ainda mais. Onde quer que ele
tocasse, minha pele começava a formigar, seu toque massageava meu pomo de adão de forma
circular, me hipnotizando. Mas, então, Ivar rodeou meu pescoço com seus dedos delgados e
gélidos como se quisesse me enforcar.
— O que está fazendo? — sussurrei completamente travado, com a voz que consegui
espremer da minha garganta, que agora estava ardendo, conforme ele aumentava a força do
aperto.
Sequer tive tempo de me desesperar, a surpresa do momento me fez ficar estático,
quando meus olhos, que já lacrimejavam, por consequência da pressão que sua mão empregava,
tomando meu ar quase totalmente, o fitaram em busca de uma resposta clara. Percebi seu olhar
vidrado em mim, como se não quisesse perder nenhum detalhe, fascinado. Sádico dos infernos!
Afastei-me, batendo em sua mão na tentativa de me esquivar.
— Só queria saber a textura da sua pele “humana”. Macia, quente, hmm! Parece uma
delícia. — Fiquei atordoado, eu poderia esperar tudo dele, menos aquilo.
Olhei para ele, tentando entender suas bizarrices, enquanto me afastava instintivamente,
temendo que voltasse a me perturbar, mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele já
olhava para frente, na direção do Coronel, como se assistisse a um bom show. Felizmente,
ninguém notou nossa interação.
— Boa tarde, senhores. Já temos uma data para a nova missão de exploração e os nomes
escolhidos estão em minhas mãos, neste dossiê.
O Coronel Welfen se posicionou no centro da sala, à frente do telão, onde as
coordenadas de todo o espaço estavam espalhadas. Demonstrando um envelope em mãos.
— Primeiramente, peço que todos mantenham este assunto em absoluto sigilo. Todos
sabemos que apenas as maiores potências do mundo sabem sobre o meteorito. Além de estarmos
todos reunidos aqui para o mesmo fim: Descobrir como este detrito chegou aqui. Por que não
fomos atingidos? E como conseguiu bloquear nossos satélites? Alguma dúvida? — o homem
perguntou por fim, olhando para cada um de nós com um olhar severo.
Olhei para o lado, observando um sorriso bizarro se aprofundar nos lábios de Gunnar,
imediatamente estremeci. Seus dedos novamente traçaram uma linha reta até mim e, antes que eu
pudesse reagir, se entrelaçaram entre os meus, sem nenhum aviso.
Eu me senti preso entre a cruz e a espada, sem vontade de lutar novamente, dia após dia
minha mente começou a correr. Era isso, eu estava frente a frente com um terrorista e mesmo
sem entender onde ele queria chegar ou suas motivações, entendi de imediato a situação.
Minha mente estava estranhamente clara. Outras pessoas podem não entender; contudo,
tomar consciência de que havia algo maior acontecendo aqui, me deixava assustado. O que nós
somos? Por que a vida de uma pequena formiga não é importante, quem tem o direito de julgar
quem vive e quem morre? Ah… ele parecia ter.
— Você está indo embora? — murmurei, sentindo como se estivesse saindo fora do meu
corpo, fora do meu controle. E quando sua resposta chegou até mim, meu coração apertou.
— Sim.
Suspirei, olhando para o Coronel, minha mente conturbada não conseguia encontrar uma
saída lógica para este conflito. E não pude dizer o quanto eu estava me sentindo sufocado, ao
perceber que ele iria embora assim. O que eu sou para ele?
Senti-me extremamente triste, mas, sobretudo, preocupado. Esse seria o nosso fim.
Irônico, não é? Tive certeza disso instantaneamente. Esse era seu objetivo aqui. Como não
imaginar que algo mais sério estava por trás disso? Impossível! Tinha que haver uma
conspiração envolvida em algo tão grande
Por que escondemos fatos tão importantes do resto do mundo? Por que nenhuma
emissora de TV, nenhum jornalista, nenhum blog científico observou um enorme meteorito
orbitando a Terra? Era puramente ilógico que ninguém percebesse nada anormal. O que
realmente estava acontecendo ali?
— Vamos morrer? — sussurrei o questionamento que estava guardado em mim, sem
saber de onde vinha tanta calma, mas eu estava em um mato sem cachorro.
Eu, sozinho, jamais conseguiria mudar as coisas, por todo esse tempo, me deixei levar
por sentimentos intrusivos e, agora, não havia mais como voltar atrás. Sem me responder de fato,
mas me lançando uma retórica, Gunnar cruzou os braços, seus olhos brilhavam com um
divertimento mortal:
— Está com medo, Tenente? Não confia em mim?
Aquele tom me quebrou, meus olhos arderam conforme eu olhava para todos ali,
ninguém parecia notar o que nós dois conversávamos, estávamos em uma bolha e meu coração
batia a mil. Esperei do fundo do meu coração, que essa, de fato, fosse a última vez que tal
sentimento de impotência me causasse aversão.
— Por quê? — Eu estava tremendo outra vez e a tristeza que senti, quando acordei
naquele hospital, retornou com força e me fez sentir a crise vindo para a superfície. Eu me senti
traído, usado, enganado.
— Você está pensando demais. Não farei mal a essas pessoas, a menos que coloquem
minha missão em risco.
Ele decretou, como se fosse apenas o óbvio, e eu me peguei oscilando outra vez,
“sapoha” parecia ter bipolaridade! Apenas o olhei, no entanto, Ivar parecia me ignorar
completamente dali em diante, estranhamente eu sentia uma enorme sensação de segurança perto
dele, mas isso não aliviava integralmente meu desespero. Apeguei-me às lembranças de tudo o
que aconteceu até então, tentando acreditar que Ivar não faria nada de cruel contra mim.
Eu percebi naquele instante que eu já deveria ter morrido há muito tempo. Eu estive por
um fio da morte, mas aquele cara me puxou para a vida novamente, me dando uma segunda
chance. Suportei minhas queixas e meus anseios, o medo de ser deixado para trás, outra vez, só
faltava me enlouquecer, mas não havia nada que eu pudesse fazer ou dizer, além de aproveitar o
hoje como se fosse meu último dia.
— Doutor Gunnar — Coronel Welfen o chamou, e Gunnar se levantou e seguiu como se
nada tivesse acontecendo. Seu sorriso deslumbrante sequer vacilou e seus passos eram firmes.
— Tenente Smith! Você fará par com o Doutor Gunnar e protegerá nosso importante
cientista. — Eu me levantei batendo continência, ainda que tremendo de nervoso, novamente ao
meu lado, como se marchasse para a guerra, Peter me seguia, mas no fundo eu queria pegar meu
cachorro inocente, gritar e correr.
No entanto, pensando bem, por que Gunnar me deixaria vivo? Sou a pior testemunha de
seus atos e ,mesmo que ninguém acreditasse em mim, ainda seria um serviço incompleto. Ouvi
atentamente cada nome sendo chamado com uma dor imensa no meu peito, apesar de não ser o
líder, naquele momento, eu sabia o que era perder. Aquelas pessoas eram seres vivos, a vida é,
afinal, nosso maior bem.
— Doutora Pérola, à frente.
Quando o nome dela foi dito senti meu coração se dissolver lentamente, aquilo me fez
entrar em pânico, meus olhos se fecharam pela ansiedade, senti meu peito doer, mas
corajosamente me virei para Gunnar, que parecia estar me observando a todo momento, então
murmurei perturbado:
— Não faça isso... — gaguejei —, ela é como uma irmã para mim.
Tive o pressentimento horrível de que todos que o acompanhassem nessa empreitada não
voltariam vivos para contar a estória. Gunnar era um homem difícil de prever, mas estando em
seu lugar, ciente de como as coisas costumam acontecer, preferi prevenir do que remediar.
— Deixo fazer o que quiser comigo.
— Qualquer coisa? — Seus lábios se moveram e juro que ouvi sua voz soar dentro da
minha cabeça. Estávamos no meio de todos, mas, como sempre, ninguém parecia notar nossa
conversa.
— Sim — decretei sem qualquer sombra de medo em minha voz.
— Não se esqueça, palavra de homem não faz curva — ele comentou com um olhar
profundo e divertido.
— Faça o que quiser.
Foi então que, antes que o Coronel falasse algo mais, dei um passo à frente, sob os
olhares de todos, e disse com firmeza:
— Senhor, a Doutora Pérola deverá ser substituída.
— Você não faria isso... — Pérola moveu os lábios de longe, me olhando com os olhos
arregalados.
— Me desculpe... — sussurrei, quando o Coronel olhou entre nós dois com os olhos
estreitos.
— Do que está falando, Tenente? — ele me perguntou em tom ríspido, mas não me
intimidei. Eu sempre protegeria as pessoas que amo.
— A Doutora está grávida, senhor.
— Seu filho da puta! — Pérola gritou irritada, mas o olhar severo do Coronel a fez
recuar.
— Doutora Pérola, o que o Tenente Apollo está dizendo, procede?
Respirando pesadamente, acredito que pela raiva que sentia de mim, por interferir em
uma possível realização pessoal, minha amiga respondeu a contra gosto.
— Sim, Coronel, mas eu pensei...
— Você está fora dessa operação! — O Welfen decretou irritado, para o meu alívio, meu
egoísmo talvez pudesse ser celebrado depois.
Exames eram exigidos periodicamente, então, logo ele saberia que ela estava forjando os
resultados e isso geraria uma advertência formal.
— Quero a oficial na minha sala em meia hora, está suspensa!
— Por que você fez isso? Eu confiei em você! — ela murmurou visivelmente nervosa e
chateada.
Engoli em seco, olhando para frente em postura, eu não podia me justificar e, mesmo
sabendo que Pérola provavelmente nunca mais falaria comigo, apenas a deixei gritar. Minha
consciência estava limpa.
— Espero que um dia você possa me perdoar — murmurei
Olhando-me com os olhos cheios de lágrimas, minha melhor amiga saiu sem me
responder, mas apesar de eu estar triste por isso, ainda me sentia aliviado por poder protegê-los.
Eu estava perdido, sem saber o que Gunnar estava planejando, e o medo do desconhecido
começava a me dominar outra vez.
— Feliz? — A voz rouca e contida do cara soou em meus ouvidos, me fazendo suspirar.
Continuei em posição, sem respondê-lo, mas quando seu silêncio se fez presente, não
resisti e me virei para olhá-lo nos olhos. Sucumbi a eles, engolindo em seco. Sorrindo como de
costume, Gunnar disse:
— Você me deve e vou cobrá-lo agora mesmo.
Suspirei, esperando a bomba cair sobre minha cabeça, mas para minha total surpresa, o
que exigiu estava completamente fora das minhas expectativas.
— Te busco na sua casa às 20 horas, esteja pronto.
Acariciei os pelos sedosos do meu cachorro, tentando acalmar meu coração agitado,
disfarçando o tumulto de sentimentos que guardava em mim.
Eu estava decidido, quaisquer que fossem as consequências, eu não abandonaria o barco.
Acompanharia aquele homem até no inferno, se fosse preciso, mas eu não permitiria que me
deixasse para trás, quer ele quisesse ou não.
Assisti ao desenrolar dos preparativos oficiais, enquanto pensava distraidamente em tudo
o que aconteceu naqueles poucos dias. A calma que eu sentia estava além da minha
compreensão. Assustei-me quando o telefone tocou e o nome do Louis apareceu piscando na
tela. Atendi, esperando pela bronca, mas no final, Louis me entendia melhor do que ninguém.
— Obrigado por isso, Apollo. — Sua voz calma soou pelo telefone e eu senti que ao
menos alguém dormiria bem aquela noite.
— Fiz o melhor que pude, dentro do que achei ser o certo — respondi convicto e um
profundo silêncio se instaurou entre nós, até que meu terapeuta e amigo o quebrou com um
suspiro.
— Não sou uma pessoa sensitiva, mas estava realmente apreensivo. Você vai...? — Sua
pergunta nem chegou ao fim quando o cortei ansioso.
— Vou! — afirmei, sorrindo ironicamente, ao olhar para Gunnar, que me observava de
longe com aqueles grandes olhos pretos. — Pode dizer a Pérola que a amo e que não tive
intenção de prejudicá-la?
— O que é esse tom de despedida, Apollo? O que está acontecendo? Você tem agido
estranho, ultimamente, e me parece que todo o nosso progresso está… — Louis perguntou
apreensivo, sem terminar sua observação final. Ele sabia o quanto eu me esforcei para chegar
onde cheguei, depois de tudo, a palavra “regredindo” era a mais odiada para mim.
— Não tem nenhum tom de despedida, cara! Pare de criar coisas nessa sua cabecinha
paranoica, o único paranoico desta relação sou eu — brinquei, devolvendo o olhar a Gunnar.
— Tudo bem, passe aqui, precisamos conversar e tomar umas cervejas. Quem sabe a
bonita “desemburra”. — Louis encerrou, me estendendo um convite.
— Eu irei, com certeza. Vou desligar, tenho um artigo para escrever. Até!
Desliguei antes que Louis respondesse. Eu com certeza passaria um tempo de qualidade
com os meus amigos, afinal, lá dentro eu sentia que as coisas estavam prestes a mudar. E, sim,
talvez fosse uma despedida.
CAPÍTULO 12 - MAJESTY

#SONG: APASHE/WASIU#

Cheguei em casa já eram quase dezenove horas, sentei numa cadeira na cozinha e fiquei
olhando para a noite, pela janela. As estrelas estavam lindas e aqueles sentimentos pesados e
confusos começavam a se dispersar.
Tentei decifrar aonde Gunnar pretendia chegar com seu súbito convite, mas antes de
tudo, como posso ter o controle sobre tudo, sendo tão pequeno? Eu sou como uma gota no
oceano, um grão de areia na praia, diante da magnitude deste universo. E mesmo que fizesse tão
poucos dias, desde que começamos a trabalhar juntos, havia no meu coração a sensação estranha
de conhecê-lo há anos, mas eu não sabia se estava preparado para confrontar a verdade. Ainda
que sentisse ter pouco tempo a perder.
Com um suspiro fraco, passei as mãos no meu cabelo, jogando-os para trás, os fios já
estavam grandes demais para um militar, mas que se danem, eu já estava todo fodido por causa
deles, meu cabelo não faria a mínima diferença.
Olhei para o Peter assistindo TV, ele adorava a novela das sete, na verdade, ele estaria
disponível para mim em qualquer momento, menos na hora da novela. Isto era algo sagrado para
ele. Mandei uma mensagem para o Louis, tendo decidido não deixar meu menino aqui sozinho.
“Mano, quebra uma pra mim hoje?”
Coloquei a cafeteira para funcionar, então o som do toque do meu celular me despertou
da ansiedade que eu estava sentindo com a demora daquela velha cafeteira.
“Qual é a fita, mermão?”
Sua resposta me fez sorrir, mas sem perder mais tempo, rapidamente respondi:
“Vou sair com um cara, pode ficar com o seu sobrinho esta noite? Ele prometeu se
comportar.”
Eu não poderia mentir e dizer que não estava nervoso, mas tentei parecer relaxado.
Caralhos, eu não estava indo foder, era só uma conversa, que talvez envolvesse ameaças e
mortes, nada demais. Nada além do esperado. Relaxa!
“Mentira? Vai chover? Hoje é o dia do armagedom?”
Bufei, irritado com as palhaçadas do meu amigo; mas o que dizer sobre minha inércia
nos últimos anos? Eu estava quase enlouquecendo sozinho e, no entanto, não queria ter que
mostrar meu corpo a mais ninguém, então virei um celibatário, chato e ranzinza.
“Cara, é sério, pode cuidar dele pra mim? Não quero deixar ele sozinho essa noite.”
“Que horas? Estou saindo do consultório agora, dá tempo de correr praí?”
“Ótimo.”
Suspirei aliviado, observando Peter ainda deitado no sofá, vidrado na TV. Então,
continuei digitando.
“Marquei às 20 horas”
Marquei? Está mais para: fui intimado!
“Chego em 20 minutos.”
Ele concluiu tirando um peso enorme das minhas costas. Pronto! O mais importante já
estava resolvido.
Sentei-me com uma farta xícara de café e acariciei a cicatriz da minha barriga quando
um friozinho incômodo e gostoso me fez gelar. “O que está acontecendo comigo?” Eu me
questionava, sentindo a ansiedade me arranhar por dentro. Gunnar era lindo? Era. Gostoso?
Muito, mas o cara era perigoso, e eu não era homem de bandido, era um cara normal, de mente
fodida, mas normal.
Eu já estava começando a me preparar para o pior cenário, quando meu celular vibrou
me fazendo despertar do devaneio, pensei que Louis tivesse tido um contratempo, me deixando
tenso, mas me surpreendi completamente com a mensagem que acabava de chegar.
“Vista uma roupa confortável, mas fácil de rasgar.”
Li três vezes para somente então assimilar que aquela mensagem não poderia ter sido
enviada por Louis. Quase desmaiei, quando compreendi a origem daquela frase, era “dele”. Eu
me levantei, andando ansiosamente pela cozinha, tentando calcular a intensidade do significado
por trás daquelas poucas palavras selvagens. A ansiedade, que já era enorme, se apoderou
completamente de mim, porque senti meu corpo inteiro esquentar e meu amiguinho dar sinais de
vida.
Minha imaginação, por mais que eu tentasse contê-la, não pôde deixar de correr solta.
Minha mente vagou, na curiosidade de sentir sua pele na minha, seus lábios nos meus, suas mãos
na minha…
Mas que caralhos!
Tomei um gole de café, tentando não ser absorvido pelo desejo latente, que crescia a
cada dia mais dentro de mim, mudando meu foco para algo realmente intrigante: eu não me
lembrava de passar meu contato pessoal para ele. Na verdade, estava certo de que nunca havia
compartilhado nenhum contato, mesmo o profissional, com aquele cara. Senti meu coração bater
mais rápido, quando a estranha sensação de ser provocado me fez retrucar:
“O que quer de mim, porra?”
Instantaneamente a resposta veio, me fazendo socar a mesa, assustando Peter no
processo, que veio batendo suas patinhas ruidosas no chão, com grande desconfiança.
“Seu corpo, e posso garantir que não vai se arrepender, garoto.”
Eu me tremi por completo, minha perna falha doeu com o súbito tranco e minha postura
se tornou tensa, minha respiração errática e aquele friozinho se intensificou, me arrastando em
ondas. Congelei ao perceber que estava me deixando levar rápido demais para o meu gosto, me
tornando um viciado naquela adrenalina, me tornando viciado nele, como um adicto.
Então, tive medo, tive medo do desconhecido, medo da reação que ele teria ao me ver
nu; me senti inferior, me senti horrível. Talvez eu ainda não estivesse pronto, mesmo depois de
tantos anos sozinho. E aquilo começava a se tornar um medo real, uma sensação de pânico, que
foi completamente apaziguada no momento seguinte.
“Não farei nada que você não queira, Apollo, mas tenho certeza de que vai implorar por
meus cuidados. Até mais tarde.”
Inferno! Meus dedos tremeram, segurando o celular e, sem que eu percebesse, meu
corpo torceu em expectativa.
Peter latiu, se sentando em uma cadeira de frente a mim e, pendurando sua cabeça
peluda na mesa, me olhou com aqueles olhos de cachorro pidão. Ele me entendia melhor do que
ninguém e sabia quando eu precisava de companhia, sorri para ele, quando percebi que estava no
intervalo da novela.
— Seu pilantra!
Ergui-me um pouco, deixando a maior parte do peso do meu corpo na minha boa perna e
acariciei entre suas orelhas, na tentativa de acalmá-lo.
— Está tudo bem, filho. O papai só vai sair um pouquinho.
Logo, Louis apareceria para buscá-lo. Eu não fazia ideia de que horas eu voltaria e,
francamente, estava começando a me preocupar, Gunnar estava indo embora e, mesmo
confiando nele, dentro de mim era inegável o medo de nunca mais retornar. Eu estava decidido a
saber a verdade e usaria essa oportunidade para confrontá-lo, em busca de respostas claras. Custe
o que custar! Era o que eu desejava.
Tomei um banho bem quente, para aliviar a tensão muscular, eu precisava estar inteiro
para caso algo acontecesse. Merda! Eu estava ansiando por aquilo, e mesmo tentando me
enganar, era inevitável.
Coloquei um conjunto de moletom decente, um que eu poderia ir a qualquer lugar com
ele, porque realmente me deixava bastante confortável e estranhamente atraente. Olhei para o
relógio de pulso, que havia acabado de colocar, sentindo um arrepio na espinha. Usei meu
melhor perfume.
Enquanto eu penteava meu cabelo, a campainha tocou, quase xinguei em voz alta a
minha incapacidade de controlar aquela juba, mas correndo de forma manca até a porta, a abri, e
sem surpresas, era Louis com aquele sorriso amarelo:
— Me desculpa a demora, o trânsito está uma loucura. Não atrapalhei sua foda, né?
Quase soquei sua cara sem vergonha, estávamos no meio do corredor, se meus vizinhos
ouvissem aquela barbaridade, eu seria expulso de um prédio cheio de pessoas de bem; mas o que
eu poderia dizer a um cara tão gente boa, que estava ali para me ajudar?
— Obrigado, cara. Eu não sei que horas eu volto, cuide dele para mim e, se algo
acontecer, eu quero que o entregue a Amy.
Como se entendesse a verdade em minhas palavras, Peter uivou sôfrego, sem a mínima
vontade de sair, mas mesmo assim, depois de acariciar seu pelo sedoso, coloquei a guia e o
entreguei a Louis. Às vezes precisamos ser duros com as crianças.
— Você está bem? — Louis perguntou, fazendo uma careta estranha: — Por que tem
sido tão dramático, não é só uma rapidinha? O que está acontecendo, Apollo? Seja claro. É por
causa do Jones?
Olhei para ele sem saber como responder, eu não gostava de citar o nome do meu ex, foi
difícil voltar daquela merda e descobrir que o cara que eu amei havia morrido, segundo alguns,
para me proteger.
Pensei muito no fato de que ele não estava mais aqui e eu ainda poderia seguir em frente,
mas ele não: estava tudo acabado para ele. E diante disso, me questionei cheio de tristeza se
“havia valido o sacrifício?”. Pelo menos, era meu pensamento naquela época. Até descobrir
que, na verdade, o impacto da bomba causou a nossa aproximação, não houve sacrifício algum
por mim e eu me senti aliviado, mesmo estando extremamente infeliz em perdê-lo.
Sei que não o amei tanto quanto ele merecia, sei que estava errado em manter um
relacionamento ciente de que em algum momento eu poderia decepcioná-lo, mas, observando
tudo o que passamos, valeu a pena estar com ele a cada segundo.
— Não fale do Jones, isso não está em questão aqui. É só que...
Travei com as palavras por um instante, eu não era o tipo de pessoa que gostava de falar
sobre sentimentos bonitos, mesmo com meu terapeuta; ainda havia aquela sensação frágil em
reconhecer que eu poderia estar finalmente apaixonado por alguém outra vez, mas antes que eu
pudesse me decidir, antes que eu pudesse ponderar sobre o assunto, uma voz profunda me fez
estremecer:
— Boa noite. — Estremeci com aquele timbre e, me virando em direção a sua voz,
fiquei estático. — Você deve ser Louis. É realmente um prazer finalmente conhecê-lo. Apollo e
Pérola me falaram muito sobre você.
Sua mão pálida se estendeu em direção a Louis, e meus olhos se tornaram opacos,
reconhecendo a grande mentira em suas palavras. Hã? Eu nunca disse nada sobre meus amigos
para aquele homem.
Com um sorriso descarado, Gunnar piscou para mim, me provocando, me desafiando a
desmenti-lo. Aquele demônio parecia estar em minha mente, guardando meus pensamentos a
todo o instante; perto dele eu me tornava transparente. E ele se regozijava do meu desconforto.
CAPÍTULO 13 - ROMEO

#SONG: THIAGO PETHIT#

Olhei por entre os dois, sentindo a tensão enrijecer os meus músculos doloridos pelo
frio, respirei fundo, me resignando ao momento, enquanto analisava aquela situação incômoda.
Senti um pequeno resquício de medo, medo de que Gunnar atormentasse Louis outra vez.
Mas que grande merda! Não pude deixar de xingar internamente, ao assistir meu amigo
parecer embasbacado com o sorriso de Ivar, o cara era tão amigável e sedutor, que poderia ser
capaz de abalar a terra. Por dentro, eu tinha plena certeza de que aquilo era apenas parte de sua
habitual máscara social, uma encenação, porque sinceramente, aquele homem parecia desdenhar
de nós a todo o instante.
O olhar de Louis se mudou para mim, maliciosamente, e com um sorriso sugestivo, me
deixou atordoado. Ah, pronto! Agora o cara com certeza estava pensando merda e a quem eu
deveria culpar, além de mim mesmo? Pensei.
Brinquei com a cobra para ter o próprio dedo mordido, afinal de contas, eu não havia
acabado de dizer que iria sair com um cara? E tampouco me prestei a desmentir, que não estava
indo transar. Não julguei necessário, mas agora, agora eu só queria desmentir esse inconveniente;
todavia, com que cara eu faria isso na frente do Gunnar.
Ao meu lado, Peter aparentava querer pular no cara, seus pelos das costas eriçados
confirmava que os cães de fato poderiam ver e sentir além da visão e do instinto humano, já que
sempre que Ivar tentou se aproximar do meu garoto, nestes últimos dias, a reação do Peter foi
sempre a mesma, se afastar. Entretanto, dessa vez, seu rosnado retumbou, e não pude deixar de
notar o olhar vazio do Gunnar em direção a ele, me fazendo escondê-lo atrás de mim.
Peter parecia achar Gunnar uma grande ameaça. Não sou burro e, se não estou ficando
louco, é realmente isso.
Ignorando o clima estranho, Ivar cumprimentou Louis. Vislumbrei quando suas mãos se
tocaram em um aperto formal, prestei bastante atenção às reações de Louis, a mão do cara estava
sempre fria como um defunto, mas meu amigo, que sempre reprovava minha baixa temperatura
nos dias frios, parecia nem notar. Gunnar exercia grande influência sobre as pessoas, e isso era
um fato inquestionável.
Comecei a relaxar, quando ambos se afastaram, e, sem graça, Louis pegou das minhas
mãos, com firmeza, a guia do Peter, puxando-o suavemente, parecendo não notar o quão nervoso
Peter estava, ao ser arrastado para fora do apartamento.
— Ei! Tá tudo bem, cara. Eu te busco de manhã e vamos correr no calçadão — brinquei,
acariciando sua orelha. Foi então que percebi o olhar infeliz de Gunnar, me deixando confuso,
então sua voz profunda soou, quebrando com todos os meus receios.
— Eu não vou machucá-lo.
Meu coração batucava em meu peito. Essa frase parecia solta e sem sentido, ainda mais
pelo fato do cara estar olhando para o Peter e não para mim, mas senti meus pelos eriçarem,
conforme o calor subia em meu baixo ventre. Os dois se olharam por um instante e, como se
nada tivesse acontecido, por sua própria vontade, meu filhote se enredou para o lado de Louis,
como se desse sua aprovação. E a minha ansiedade circundava em ondas pelo meu corpo, me
fazendo suar frio.
— Vem, Pit, não seja teimoso. Seu pai vai estar bem ocupado esta noite… — Louis
brincou, levando o Peter pelo corredor, e suas palavras sumiram conforme um sorriso sacana se
pendurava em seus lábios, mas Ivar pareceu nem se importar, voltando seu olhar irônico para
mim.
Senti meu semblante enrijecer, quando as fendas se destacaram em seus olhos; contudo,
só eu poderia notar a estranheza do momento, mas que seja. Percebi que havia algo errado com
Gunnar, seu semblante parecia mais expressivo e sua pele mais pálida que o normal.
Depois de pensar nos últimos dias, eu estava cada vez mais certo de que aquele cara não
me faria nada de ruim, além de me atormentar, como um bom sádico.
Ivar Gunnar estava deslumbrante em um terno preto, destacando seus braços fortes, o
tornando ainda mais sexy. Seus cabelos amarrados para trás, levemente soltos como sempre,
davam um clima de selvageria sobrenatural à sua beleza.
Cada movimento dele exalava superioridade e arrogância, mesmo ninguém parecendo
notar esse fato tão natural dele. Ivar era excêntrico, e sua excentricidade e estranheza causavam
coisas estranhas dentro de mim. Eu oscilava entre o medo do desconhecido e a atração enorme
que me recusei a reconhecer a princípio.
Respirei fundo, quando aqueles cílios grandes e pretos se baixaram lentamente, enquanto
seu olhar me escaneava de cima a baixo. Senti como se estivesse prestes a ser engolido e meu
corpo estremeceu, diante da pressão majestosa e cruel que sua postura exercia. Um sorriso
maldoso se pendurou em seus lábios e, arqueando a sobrancelha, ele me perguntou.
— Não vai me convidar para entrar?
Olhei de soslaio para dentro e percebi que seria um grande erro, se eu o fizesse, porque
senti instintivamente que se acaso ficássemos sozinhos ali, eu não seria capaz de negar nenhum
de seus caprichos. Eu estava começando a tremer, porque só o fato de ele estar parado na minha
frente, fazia meu corpo reagir. Eu não sabia exatamente como isso poderia estar acontecendo;
entretanto, seus lábios pálidos eram tentadores demais para mim, me chamando, me atraindo.
Devolvi o olhar desconfortavelmente, mas me mantive em silêncio, eu não sabia como
dizer diretamente que eu não pretendia permitir que ele entrasse, porque temia do que eu seria
capaz de fazer, quando só nós dois estivéssemos ali.
Alheio a minha negação, aquele homem gostoso me analisava, tombando a cabeça para o
lado, como sempre fazia, quando estava analisando algo. Aquele charme parecia droga aos meus
olhos, porque estremeci de vontade de tocá-lo. Ele exalava virilidade, força, excitação.
Eu já havia percebido que, sempre que Ivar estava em um dilema, repetia o mesmo gesto
e franzia o cenho com força, quando não era capaz de entender. Pensando nisso, fiquei certo de
que Gunnar não estava satisfeito com minha falta de proatividade em relação a ele, e mesmo
sabendo disso, murmurei para mudar o foco do assunto.
“Se não encher meu bucho, nem pense em se lambuzar com a sobremesa.”
— Aonde pretende me levar? — Uma sensação calmante se apoderou de mim, quando o
vi suspirar com um olhar severo. Então sua mão se estendeu, olhei para aquela mão enorme e,
somente depois de entender suas intenções, lentamente levantei a minha em sua direção, aquela
sensação gostosa e intrigante me deixava receoso.
Quando meus dedos tocaram em sua pele, a onda de choque fez minhas pernas
bambearem, quase puxei minha mão de volta, mas aguentei. Percebi que a cada dia minhas
reações a ele aumentavam de nível. Nunca gostei que tocassem em mim, na verdade,
ultimamente vinha tendo dificuldade em aceitar a aproximação de estranhos, mas o conforto que
sentia com seu toque demonstrava que para tudo havia uma exceção.
Eu não fazia ideia de que porra de influência aquele demônio tinha em mim e, por isso,
ao mesmo tempo que aquela sensação deliciosa se apoderava de mim, a ansiedade constante me
deixava em pânico, sem saber o que fazer a seguir, onde tocar ou o que dizer.
— Vamos. — Ele murmurou com seu habitual sorriso estranho, Ivar tinha passos largos,
mas decididos. Seu corpo reto era imponente, havia um quê desafiador em suas ações e isso era
indiscutível. Ele não parecia um cientista, estava mais para um oficial do exército em toda sua
glória.
Observei a ponta se fechar atrás de nós, sentindo a sensação bizarra de que, depois de
hoje, nada mais seria como antes. Respirei profundamente, tomando a decisão mais insana da
minha vida: dançar conforme a música.
O segui até o estacionamento, seu carro reluzia de tão limpo, já estive dentro desse carro,
e isso era um fato, porque meu chaveiro, um antigo carrinho da Hot Wheels, estava sobre o banco
do passageiro, e eu sequer havia notado que o tinha perdido.
De repente, senti a tensão me dominar, esse carro com certeza era blindado e uma vez
dentro, eu seria refém dele, e perceber que eu estava desejando isso, ao invés de estar realmente
em pânico e com medo, me fez suspirar.
Como se ouvisse meus pensamentos mais íntimos, ele se moveu, e, quando as portas se
abriram para nós, Gunnar me ajudou a entrar, de forma bastante cavalheiresca, seu semblante
provocador me fazia apertar os dedos das mãos com força.
— Não vou machucar você — ele murmurou com sua voz profunda e magnética, senti
meu corpo amolecer, quando sua respiração pesada tocou meu pescoço. Ele estava tão perto e ao
mesmo tempo tão longe, que a única reação que tive foi me ajeitar no banco do passageiro,
afivelando o cinto, a fim de colocar uma distância maior entre nós.
Eu o observei como um animal acuado, não por medo do que ele faria a mim, mas do
que eu seria capaz, por conta disso. O filho da puta, sabia que eu o queria e estava me
provocando de todas as formas possíveis, me fazendo ansiar por aquele momento.
Respirei fundo, já dentro do carro, acariciando meu chaveiro com a ponta dos dedos,
senti o couro do estofado me acolhendo confortavelmente, me fazendo relaxar. O cheiro do
perfume amadeirado, que ele usava, estava impregnado naquele ambiente, e confesso que aquele
perfume combinava imensamente com ele, somente então percebi o quanto apreciava aquele
aroma.
Observando o entorno, notei que o interior do carro era tão impecável quanto seu dono.
O carro parecia ter acabado de sair da loja, sóbrio, frio e extremamente limpo. Quando a porta se
fechou ao meu lado, observei seus olhos negros e seu sorriso arrogante em minha direção, pelo
vidro que deveria ser escuro, e me distrai por um instante.
Quando o vento frio da noite bateu em meu rosto, observei aquele homem enorme
entrando no carro com toda a elegância do mundo. Seu olhar se demorou no para-brisa, como se
eu não existisse e, por um instante, me fez tencionar em expectativa.
— Me dê a arma. — Ele esticou a mão grande, virando a cabeça para olhar para mim.
Automaticamente, segurei o revólver escondido na cintura.
—Não! — respondi por instinto, mas ele apenas me observou, enquanto seus lábios se
abriam:
— Não há necessidade de carregar armas hoje, Apollo; me dê a arma. — Sua voz
profunda soou suavemente em meu ouvido, me tirando do estado de crise, mas havia uma ordem
explícita em sua última frase.
Congelei por um momento enquanto desenroscava minha Magnum do elástico discreto
que a mantinha pendurada. Minha mão tremia, conforme eu a depositava na dele, mas o medo
que costumava ter, sempre que não sentia o peso do metal na cintura, não veio. De fato, quando o
vi guardar no porta luvas, me senti menos pressionado.
Por um momento ficamos em absoluto silêncio, e, como se procurasse palavras, seus
lábios se abriram, dando espaço a sua voz sedutora.
— Você me deve algo e deve arcar com as consequências de suas escolhas, sem
arrependimentos — ele disse, dando partida no carro. Eu estava constrangido por estar sozinho
com ele, mas sobretudo, estava morrendo de medo do que ele poderia exigir de mim,
antecipando todos os tipos de situações possíveis.
— Pois bem, precisamos conversar, e quero que me ouça até o fim. — Sua voz
indiferente me fez acreditar estar imaginando coisas. É isso? Ele queria bater um papo?
— O que disse? — questionei no ímpeto do momento.
— Precisamos ter uma conversa séria sobre nós — ele repetiu em tom firme, me
pegando desprevenido. Sobre nós? Que nós?
Olhei para ele atentamente, tentando confirmar se aquilo era alguma forma de me fazer
baixar a guarda, mas suas palavras não me deram tempo para pensar:
— Está tudo bem, Apollo. Sem jogos, sem truques — Gunnar repetiu meu nome, me
fazendo estremecer, e, somente então, percebi que aquele cara estranho estava de fato usando
meu primeiro nome.
— Relaxa! — continuou ele. — Já falei que não vou te prejudicar.
Inspirando profundamente, lutei contra a sensação incômoda, que me consumia
diariamente. Meu medo dele nunca foi algo relacionado a minha integridade física, mas à mental,
e a de meus companheiros; no entanto, eu estava começando a perceber que esse pavor já não
existia mais, as coisas estavam saindo do meu controle, em uma velocidade assustadora.
Eu me acalmei pouco a pouco, conforme seu olhar se voltava para mim, travando em
meu olhar. Havia uma profundidade enorme naqueles olhos, os quais eu não era capaz de
decifrar.
— Pronto? — ele me perguntou; contudo, dessa vez sua voz parecia ter se tornado mais
suave.
— Ok — respondi sem animo, mas no fundo, eu estava começando a ficar extremamente
horrorizado com tamanha beleza, era impossível alguém ser tão atraente assim.
Aquilo certamente era algo inato dele, de sua espécie, ou seja lá o que ele fosse. Um
sentimento estranho começava a corroer minha mente, aquele cara me fazia oscilar entre a
adrenalina que a desconfiança me causava e a admiração por seu jeito diferente e imponente de
ser. Sem saber o que dizer, preferi ficar em silêncio conforme as luzes da cidade passavam
rapidamente pela janela do carro. Eu me surpreendi quando a música Devil Eyes, do Zodivk,
começou a tocar.
Tentei pensar em qualquer coisa, mas minha mente deu voltas, quando uma mão grande
e fria acariciou suavemente minha coxa. Quase pulei de susto e um friozinho desconcertante no
meu baixo ventre me fez remexer no lugar. Olhei discretamente para aquela mão pálida, na
minha perna trêmula, sem saber como reagir depois.
— Eu sei que está doendo — Ivar comentou com sua voz profunda, atento ao trânsito.
— Seu tremor deixa claro o desconforto. Não quero invadir seu espaço, se estiver
desconfortável, basta me avisar.
Exato! Eu estava com dor, porque sempre que meu índice de estresse aumentava, minhas
dores começavam a sair do controle. Senti-me extremamente constrangido, ao perceber que
Gunnar havia notado a peculiaridade na minha perna, mesmo eu lutando tanto para disfarçar.
— Pare de se auto sabotar. Eu não me importo se mancar na minha frente, não vou te
menosprezar por isso.
— Ok — respondi, estranhando tudo: seu jeito cortês, sua voz doce. Não pude negar que
estava tocado por sua sensibilidade, além de me sentir cada vez mais confortável em sua
presença.
Pelo resto do caminho ficamos em silêncio, mas juro que me senti bem. Não pude deixar
de observar sua mão grande e forte girando o volante. Até nisso o cara sabia ser gostoso, puta
que pariu! Além de que, todas as vezes que eu me sentia entorpecido pelos seus movimentos,
Gunnar acariciava minha coxa com o dedão. Engoli em seco, pronto, eu havia sido seduzido com
sucesso.
Eu já estava fervendo por dentro, e precisava da brisa gelada da noite para disfarçar o
rubor e a pressão que eu sentia. Por sorte, o cara não tinha olhado para nada, além da auto
estrada, mas mesmo assim, não pude deixar de me sentir constrangido, enquanto refletia sobre
algo banal, na intenção de ficar menos tentado.
Quando paramos em um estacionamento bastante ermo, sua atenção se voltou para mim
e sua mão começou a subir pela minha coxa, me deixando em pânico.
Ai caralho! Que delícia de toque.
Senti meu corpo queimar e um desejo insuportável me fez ofegar. O cara não queria
cooperar comigo, e eu começava a me arrepender de ter colocado calça de moletom. Seu olhar
intenso, agora sobre mim, fitava meus olhos, cheio de um desejo profundo e tentador.
— Chegamos? — questionei, tentando afastar sua atenção, lutando contra o desejo de
me agarrar a ele, de me “sacrificar” ali mesmo, dentro daquele carro, a fim de saciar o tesão e a
curiosidade que eu sentia e que começavam a me castigar. Claro, tudo em nome da ciência.
— Sim — ele respondeu com um suspiro baixo, se afastando de mim com uma
relutância quase palpável e, destravando a porta, desembarcou como se nada tivesse acontecido.
Por um momento, fiquei sozinho ali dentro, a porta do lado do motorista permaneceu
aberta, mas Gunnar não entrou. Percebi, ali, que precisávamos de um momento para nos
recompor. Eu o vi ajeitar a roupa com cuidado e desviei o olhar, na tentativa de dissipar a
admiração que sentia.
Respirei pensando em qualquer coisa aleatória e brochante, que eu pudesse me lembrar.
E quando finalmente minha mente clareou, suspirei de alívio.
— Vamos? — ele perguntou, me dando a mão como apoio, e eu apenas segurei, me
sentindo ansioso. Eu nem havia notado que a porta já havia sido aberta.
— Tranquilo aqui, não é? — questionei, me sentindo um idiota deslocado. Que pergunta
mais sem sentido.
— Achei que fosse gostar de um lugar menos invasivo. Apesar de que o interior pode
surpreendê-lo em muito — Gunnar respondeu com simplicidade e eu o segui, enquanto nos
guiava para uma pequena porta no final do estacionamento.
Por fora, o prédio era escuro, a rua tinha pouca iluminação e árvores enormes tamparam
a fachada, não permitindo muita observação de onde estávamos.
CAPÍTULO 14 - ME & U

#SONG: CASSIE - SLOWED#

Quando Ivar empurrou a porta de madeira maciça, nos guiando pelo corredor de
iluminação quente, cujo design era completamente oposto ao estacionamento rústico, fiquei
totalmente admirado. A sensação que tive foi a de estar entrando em outra realidade.
O papel de parede em estilo clássico deixava o ambiente pitoresco. Molduras de quadro
contornavam belas fotografias, que contavam a história daquele restaurante. Anos de serviço
familiar levaram aquela casa italiana ao profundo sucesso. Fiquei encantado com o fato de
Gunnar me levar a um restaurante italiano, como um descendente, cresci comendo as mais
variadas massas e bons vinhos.
Quando chegamos ao final do corredor, um hostess nos guiou para fazer o check-in,
somente então, notei que nossos dedos estavam entrelaçados. Automaticamente, meu corpo se
aqueceu, fazia tempo que eu não me sentia tão envergonhado e o dilema de soltar ou permanecer
me deixou tenso.
Sua mão segurava firmemente a minha, como se temesse que a qualquer momento eu
fosse deixá-lo sozinho ali. Respirei fundo e decidi ignorar a vergonha, permitindo que ele nos
levasse a um camarote vip, no segundo andar. Havia uma escada clássica no salão cheio de
mesas e conversas animadas.
Passamos pelas pessoas, e juro que estava me preparando para subir as escadas, mesmo
temendo a dor que se seguiria, porque Ivar parecia estar se esforçando tanto para me agradar,
sempre que se virava para mim com um sorriso encantador, que não tive coragem de quebrar o
clima. Que homem, senhores... que homem! Queria que ele me tratasse assim todos os dias,
porque naquele instante, todas as minhas crises foram deixadas para trás, naquele apartamento.
Quando ele ignorou a escada me levando a um elevador na lateral, me senti aliviado e
comovido. Pessoas subiam e desciam aquelas escadas, que era claramente uma das atrações do
lugar. O restaurante tinha um clima elegante misturando o estilo vitoriano e o moderno. Muito
dourado e bege estavam espalhados pela casa, contrastando com o frio prateado do aço.
— Entre — Gunnar murmurou pacientemente, olhando para mim com leveza. Sua mão
não deixou a minha, mas não havia aquele ar opressor, que sua presença costumava ter.
— Tudo bem.
Quando dentro do elevador, as portas finalmente se fecharam lentas demais, para o meu
gosto. Aquele homem enorme se encostou no aço frio e olhou para mim, através do espelho, no
fundo daquele cubículo.
— Como se sente? Este lugar é de seu agrado?
Eu me surpreendi com sua pergunta, lógico que eu não tinha nada para reclamar, apesar
de estar vestido com roupas simples. que não combinavam em nada com a decoração do
ambiente. Percebi que ninguém, de fato, notou. Era como se nada ali os surpreendesse. E
confesso que estava empolgado, o cheiro da comida era tentador ao extremo.
— Cara, esse restaurante é incrível! — respondi com sinceridade e não consegui
esconder a felicidade súbita que estava sentindo. Hoje as cores pareciam se sobressair sob a
escuridão, minha visão parecia estar ampliada e até o perfume da noite se destacava ao odor
fétido da poluição.
Olhei em seus olhos negros e não pude evitar que meu coração errasse uma batida. Meu
corpo todo estava confortável e um sentimento gostoso invadia minha mente. Fazia tempo que eu
não me sentia assim, eu estava… Feliz, simplesmente, feliz.
— Isso é ótimo — ele comentou, e eu me perdi na profundidade dos seus olhos, mas
antes que eu pudesse fazer algo vergonhoso, as portas se abriram.
— Vamos lá. — Ele me guiou para fora, e eu apenas acenei em concordância. A
empolgação era tanta que me senti flutuar, eu estava pisando em nuvens.
Esse restaurante reservava salas vip’s para reuniões e mesclava entre o tecnológico e
moderno e o antiquado e bucólico. No andar em que estávamos, um garçom nos levou até uma
das varandas. Quando eu entrei, fiquei tão admirado, que cheguei a suspirar audivelmente. O
garçom sorriu para mim, em compreensão.
A varanda era enorme, vidros nos separavam da brisa noturna, apenas pequenas frestas
estavam abertas. O céu estava aberto e as estrelas eram visíveis ao longe. Castiçais com velas
artificiais, mas bastante realistas, iluminavam com um tom quente a nossa mesa.
Gunnar finalmente soltou minha mão, puxando uma cadeira para mim. Eu me senti um
pouco deslocado, quando ele me instigou a sentar.
— Sente-se um pouco, Apollo. Descanse sua perna.
Sua voz profunda me trouxe à realidade, olhei para o garçom, esperando ver um olhar
infeliz, mas ao contrário do que eu esperava, o rapaz apenas sorriu com simpatia, esperando que
nos acomodássemos à mesa.
Sentando-se de frente para mim, Ivar voltou sua mão sobre a minha, com leveza, me
deixando um pouco ansioso; eu nunca me acostumaria com as sensações que seu toque me
causava. Era como colocar fogo em palha seca.
Quando já estávamos acomodados, o garçom começou um monólogo sobre a comida,
mas a única coisa que consegui ouvir, foi a palavra “CASAL” reverberando pelo meu cérebro,
fazendo meu baixo ventre esfriar.
— O casal gostaria de pedir a nossa tradicional entrada acompanhada de bebida? Temos
vinhos dos mais variados sabores e nacionalidades, mas gostaria de sugerir nossos vinhos
italianos.
Escolhi carpaccio de entrada, pelo cardápio eletrônico, Gunnar me compeliu a provar, e
eu aceitei sua sugestão. Eu nunca havia comido carne de vitella, então estava um pouco temeroso
em comer carne crua. Quando um sommelier veio nos apresentar a cartela de vinhos e bebidas,
novamente fui surpreendido.
— Pedi antecipadamente que separassem um Barolo Riserva Monfortino para nós —
Gunnar comentou e, ignorando o homem parado ao nosso lado, me instruiu.
— Este vinho tem uma nota especial, geralmente é um artigo de coleção, degustado em
ocasiões especiais. Um vinho seco, cujo teor alcoólico é pronunciado. Espero que goste. — Seu
sorriso sexy me fez querer puxar a mão, mas lutei contra isso.
Toda essa atmosfera me fez questionar se estávamos ali para conversar ou para um
encontro romântico. Ninguém nunca me levou a um restaurante tão bonito e fino, tampouco
escolheu um vinho tão rebuscado para mim. Eu me senti em conflito, mas a essas alturas, eu já
nem queria mais lutar contra suas artimanhas, eu já havia caído por ele.
— Parece muito atraente — murmurei em voz alta, me sentindo desconfortável, ao
perceber a ambiguidade desta única frase.
— Somos — Gunnar sussurrou com um sorriso malicioso, me fazendo querer me
esconder embaixo da mesa, ciente de que não estávamos sozinhos.
— Como quiser, senhor. — O sommelier, com um sorriso, como se não tivesse visto ou
ouvido nada, se virou e saiu, fechando a porta que nos isolava do som externo.
Tínhamos um som ambiente e um telão que ilustrava os músicos tocando ao vivo no
salão principal. Quando a comida chegou junto ao vinho, pude assistir o prato sendo montado
diante dos meus olhos, me fazendo salivar. Comemos tranquilamente, mas quando a comida se
esgotou, Gunnar não me deixou escapar.
— Apollo… — ele começou me içando com sua voz, senti meu corpo todo estremecer.
O vinho havia me deixado leve, suscetível aos seus encantos, às suas investidas; fazia tempo que
eu não bebia algo tão bom. E aquilo com certeza acelerou meu desejo por ele, me deixando em
um dilema terrível, eu queria transar com ele, mas ele queria transar comigo? E se ele me visse
sem roupa? Teria nojo das minhas cicatrizes?
Fiquei quente outra vez, fechando os olhos, por um instante aproveitando os estragos que
o último resquício de sua voz profunda causava em mim.
— Olhe para mim, não temos muito tempo. Preciso que me ouça com atenção. — Olhei
para ele, aquele homem era pálido, mas não doentiamente, era como a porcelana, sua pele
chegava a reluzir.
— Sobre o que vamos falar aqui? — Ouvi minha voz sair rouca e mais fraca do que
gostaria, mas eu estava ligado no assunto, algumas coisas precisavam ser colocadas à mesa.
A essa altura do campeonato eu já estava ciente de que ele queria algo de mim e já não
estava tão assustado, ao perceber que eu ficava duro sempre que o observava mais atentamente.
Eu também o queria.
— Sobre o passado, o presente e o futuro — ele comentou cruzando as pernas. Sua
elegância era invejável.
— Estou ouvindo. — Eu me ajeitei na cadeira, esperando a bomba cair novamente sobre
mim, eu não poderia negar que estava ansioso por isso havia dias. E eu pressentia que as coisas
iriam mudar entre nós.
— Eu vim a este lugar por você, e tenho a pretensão de levá-lo comigo, ao sair. Temos
apenas alguns dias, mas não quero obrigá-lo. Quero que queira estar ao meu lado, tanto quanto
eu o quero.
Fiquei sem palavras, e mesmo estando extremamente confuso, por mais incrível que
parecesse, algumas coisas já estavam começando a ficar claras para mim. Mesmo assim, eu não
conseguia acreditar que eu era a razão de sua aproximação, afinal, quem sou eu?
— Então foi por isso que me salvou. — Não pude evitar que um riso depreciativo
escapasse dos meus lábios. Eu não estava infeliz, só não estava processando muito bem tudo
aquilo, mas naquele momento, me pareceu que aquela película obscura estava se partindo, e
finalmente pude enxergar algumas coisas com clareza.
— Mmm — ele concordou com um ruído barítono, e sua expressão finalmente se tornou
séria, conforme seus olhos tentavam, sem sucesso, manter-se presos aos meus. — Ressente-se
com esse fato?
Sua pergunta me pareceu relutante, senti sua instabilidade, porque pela primeira vez, sua
voz estava vacilante, não havia aquela firmeza habitual, denotando certa fragilidade.
— Não — respondi —, mas não consigo entender o porquê, não consigo entender nada
do que está dizendo.
Desvencilhei nossas mãos, me sentindo sobrecarregado. Senti meu corpo esfriar e minha
respiração se tornar acelerada. Eu estava caindo em um abismo obscuro chamado incerteza.
Suspirando, ele respondeu, mas desta vez, olhando para o céu, além dos vidros da
sacada.
— Apollo, eu o escolhi como meu parceiro para a vida e queria me aproximar
suavemente, queria que você tivesse interesse por mim pelo que sou e não por uma dívida de
vida, entende? Mas não tenho muito mais tempo, não posso mais somente esperar que as coisas
aconteçam.
Estreitei os olhos, me afastando dele, tentando compreender o que me dizia, mas não
pude deixar de me sentir sufocado.
— Então é isso.
Sempre quis saber quem realmente era aquele cara, tão sinistro, tão estranho, mas que se
apresentava a mim como um herói, por assim dizer. Porque sempre que algo estava errado, ele
estava lá.
Quando acordei daquele desastre, me senti imensamente grato a pessoa que me socorreu,
mas fui compelido a pensar que estava alucinando, porque, por mais que eu o procurasse, nunca
o encontrei. E, no entanto, naquele momento, aquele homem estava parado bem na minha frente.
— Então é por isso que não fui totalmente afetado por você, como os outros, era um ato
proposital? Eu quase enlouqueci, Gunnar!
— Não, não exatamente — ele respondeu, parecendo nervoso. Seus olhos sequer me
olhavam. Percebi ali que havia algo mais, o qual estava profundamente enterrado em sua mente.
— Mesmo que eu quisesse manipulá-lo, eu não teria como fazer isso completamente.
— Por que, ahn? Eu me conheço muito bem para saber que não tenho nada de especial e
muito menos acredito em contos de fadas, tampouco em almas destinadas — zombei, rindo de
nervoso.
— Para salvá-lo da morte, tive que alimentá-lo com o meu sangue, com a pílula do meu
sangue, o que o tornou parcialmente imune aos meus dons — sua voz era suave, quase um
sussurro, evidenciando o quanto aquele assunto era delicado ao seu ver.
Nunca fui um homem irracional, e seria ridículo se eu dissesse que já não estava
começando a me acostumar com o fato de que certas coisas existiam. Tentei conter os
sentimentos que tentavam nublar minha mente, arrancando minha razão pouco a pouco,
questionando-o:
— Se eu não tivesse recebido essa ajuda, eu teria alguma chance de sobreviver?
— Morto — ele murmurou e pude ver seus olhos brilharem. — Nada neste mundo o
salvaria.
Então abaixei minha cabeça, tentando assimilar todas aquelas informações, porque, por
mais que ansiasse pela verdade, eu não estava conseguindo associar tudo de uma só vez.
— Por que eu? — perguntei novamente, me tornando o sujeito ativo da conversa, porque
Gunnar claramente não sabia, pela primeira vez desde que o conheci, continuar essa conversa por
si mesmo.
— Não sou humano, como você já deve ter notado. Faço parte do que vocês chamam de
reptilianos, não tenho intenção de fazer mal à sua espécie. — Esperei que ele continuasse a falar,
mas seus olhos apenas viajavam pelo céu e nada mais era dito. Certamente ele estava me
escondendo algo crítico e não sabia como me dizer.
— Gunnar — chamei, e ele finalmente voltou seu olhar para mim, me incendiando
completamente. As fendas verdes fluorescentes me fascinavam, seu olhar queimava minha pele.
O desejo em seu semblante me fez fechar as pernas, para segurar o tesão que eu sentia por ele.
Era como se estivéssemos conectados, eu podia sentir seus anseios e o safado sabia os meus.
Naquele momento, minha garganta secou, enchi a taça de água e tomei, tentando não
demonstrar meus sentimentos perversos, mas quando seu olhar pousou nos meus lábios, eu quase
engasguei.
Sinceramente, eu começava a perceber que sua presença, pouco a pouco, dia após dia,
estava me desequilibrando. Olhando para trás, as coisas começaram a fazer sentido.
— Me responda. Por que eu? — sussurrei na tentativa de voltar o foco à nossa conversa,
mas ele parecia tão distante, que não pude deixar de brincar, me esforçando para melhorar o
clima estranho entre nós. — Não me acho o cara o mais foda do universo e, por isso, tenho que
dizer que seus gostos são muito questionáveis.
Rindo roucamente das minhas palavras, me deixando encantado por sua aura vibrante,
ele contrapôs minha pergunta:
— Qual é o seu maior sonho?
— Ter uma família, ter meus próprios filhos e um marido que me ame de verdade. —
Não abaixei a cabeça ou me envergonhei, ao declarar meu maior sonho, mesmo sentindo que o
amor era sinônimo de fraqueza, porque eu estava decidido a ser corajoso e acreditar num futuro
melhor ou talvez, em algum momento, eu perdesse completamente a força para viver.
— E se eu lhe fizer uma proposta? Posso te dar isso e muito mais, basta que me aceite,
mas quero que entenda que, em troca, preciso que desista dessa vida e venha embora comigo.
Estremeci com suas palavras, sentindo meu coração bater em tumulto. Tudo parecia tão
surreal, mas quando suas pequenas fendas verdes cintilaram, meu coração se acalmou.
O que Ivar me oferecia era tudo o que eu mais queria nesta vida, e por mais que minha
razão quisesse pôr em dúvida suas palavras, lá dentro de mim eu só queria me jogar nele e dizer:
Sim, eu aceito, me leve com você. A quem eu estava querendo enganar? Eu só queria fugir de
tudo aquilo que me cercava.
Era inegável que minha sobrevivência havia sido milagrosa; muitos médicos me
disseram isso, antes que eu deixasse o hospital. Ninguém realmente esperava que eu fosse
suportar aqueles ferimentos. Perdi tanto sangue, sofri com tantas dores, mas lá estava eu, vivendo
outra vez.
Eu devia minha vida a ele, e, eu não poderia mentir do quanto eu estava feliz por estar
vivo, e o quão honrado eu me sentia por estar exatamente onde estava, sentado de frente para o
cara mais incrível que eu já conheci na vida. A forma como ele me olhava, a forma como ele via
a vida, seu intelecto, tudo nele era tentador demais para mim. E eu estava bem ciente de que se
eu o deixasse ir, nunca mais o encontraria.
Então eu já estava completamente ciente de que eu o admirava imensamente e essa
admiração já havia se tornado um sentimento quente e aconchegante no meu peito. Ouvir dele o
quanto me estimava me deixava tão orgulhoso que parecia não caber em mim estes sentimentos
confusos. Porra! Eu estava nas nuvens. E naquele momento eu realmente quis largar tudo para
trás.
Me observando com um sorriso sereno, ele continuou. — Eu escolhi você para ser meu,
antes de chegar aqui, mas quase o perdi, e confesso que este sentimento me abalou, de forma que
nada nesta vida pudesse se comparar. Se me permitir cuidar de você, estar ao seu lado, farei o
impossível para vê-lo feliz.
Respirei fundo com sua oferta, porque a cada instante ele se tornava mais atraente aos
meus olhos, mais bonito, mais sedutor. Eu sabia o quanto ele era orgulhoso, e se rebaixar assim,
para me fazer essa oferta, já estava deixando bem claro sua sinceridade.
— Sinto que não está me dizendo tudo, Gunnar. Por que você viria para o outro lado do
sistema solar para me estender tal convite? — indaguei, tentando não ceder a ele tão cedo. Eu
não era burro, sabia que havia algo implícito naquela história.
— Preciso que gere nossos filhos — meteu essa no seco e no pelo, me deixando
completamente perplexo.
— O que disse? — Olhei para o sorriso provocador em seus lábios e quase praguejei em
voz alta. Cada um usa as armas que têm, e ele usa o forte domínio sobre mim.
— Quero encher sua barriga com nossos filhos — ele murmurou em um tom
perigosamente sensual, mas então, me quebrou outra vez, ele oscilava entre o certo e o duvidoso.
— Claro, se estiver disposto!
Minhas pernas tremeram, fiquei mole na cadeira, respirando com dificuldade, porque
todo meu corpo estava ardendo e sua ideia absurda me parecia ainda mais tentadora. Sempre quis
ter filhos, sempre invejei as pessoas que podiam carregar os filhos e criar aquela conexão única.
E milagrosamente, alguém me oferecia algo assim.
Eu poderia? Eu me tremi de emoção.
Mas ainda que emocionado, eu era um homem racional, então perguntei sentindo que
estava delirando — Como vai acontecer?
— A cada dez anos, ou menos, caso algo significativo aconteça ou eu deseje adiantar
meu calor, sou capaz de produzir um ovinho. Esse ovinho irá se hospedar no seu abdômen e
crescer assimilando sua genética. Estou no período de calor novamente, por consequência do
estresse da missão. É muito raro que os portadores engravidem no primeiro calor do casal,
porque é preciso total confiança e aceitação de ambas as partes, mas, mesmo assim, preciso que
tenha ciência desse fato. — Sua voz profunda era séria, sem nenhuma pitada de ironia, me
deixando claro de que não estava brincando comigo.
De repente, percebi que não era adverso a nada do que me dizia, porque bem lá no meu
íntimo eu entendia que Gunnar jamais faria algo contra mim por sua própria iniciativa.
— Entendo — Murmurei com um sorriso besta na cara. — Eu realmente aceito. Não me
sinto desconfortável em ser pai, estou aberto a essa novidade. Mas como… como vou trazê-lo ao
mundo?
— Nosso planeta tem métodos seguros para isso por intermédio de cirurgia. — Sua voz
se suavizou conforme seus dedos apertaram os meus na tentativa de me confortar, mas ainda
olhando em meus olhos continuou — Você não é obrigado a nada, Apollo. Quando se sentir
pronto acontecerá naturalmente. Seu corpo não aceitará a gestação se sua mente não estiver de
acordo.
— Porra! Que loucura. — Murmurei embriagado com as novas informações, mas eu
estava feliz por ter espaço para protestar se algo não estivesse de acordo com a minha vontade,
me senti confortável por estar entrando em uma relação com esse homem maravilhoso.
— Não temos muito tempo, posso te mostrar minhas intenções com as minhas ações,
mas se mesmo assim não quiser nada comigo, posso dar um jeito de desfazer a conexão entre
nós, no entanto, seria um golpe muito triste para mim, deixá-lo ir — Gunnar continuou a me
persuadir, e, mesmo que eu estivesse sendo exposto a algo tão incrivelmente novo, depois de
muito sofrer em suas mãos por esses dias, eu soube que nada era impossível neste universo.
— Se aceitar vir comigo para Speir, juro que nunca vou te tratar mal. Nossos parceiros
de vida são únicos e nós não os restringimos, não os maltratamos, temos leis pesadas sobre isso.
Nossa raça entende o valor da família, disso você pode ter certeza, Apollo.
Respirei profundamente, deixando que tocasse em minha mão outra vez, que
entrelaçasse nossos dedos, e depois de um longo silêncio, Ivar continuou:
— Estarei ao seu lado para sempre, Apollo. Não foi sem sentido eu o ter escolhido. Você
é a criatura mais bondosa e honesta que conheci, nestes meus últimos anos de vida. Estou
encantado com o quão bonito você é por dentro. — Mesmo diante de seu olhar cheio de carinho,
de afeição, não consegui acreditar inteiramente em suas palavras. Eu não me sentia um homem
tão digno, às vezes, eu me sentia um grande impostor.
— Acho que você vai se decepcionar, quando descobrir quem eu realmente sou —
murmurei, deixando escapar a tristeza que sentia por dentro. Eu queria que suas palavras fossem
verdadeiras, mas não era assim que eu me percebia como pessoa.
— Eu estou te observando há mais de cinco anos, Apollo. Eu sei que você não é perfeito,
e nem estou pedindo que seja, porque eu me apaixonei exatamente por quem você é. Pode
entender isso? Eu só quero que seja você.
Senti sua sinceridade me acolhendo, me amparando, e não consegui deixar de sorrir para
ele. Eu me emocionei, ao perceber que alguém havia me notado ali, que alguém tinha me visto
de verdade e que gostava de quem eu realmente era. Eu me senti leve, me senti honrado, me senti
feliz demais.
CAPÍTULO 15 - GENTLEMAN

#SONG: GALLANT#

E envolto naquele sentimento caloroso, percebi que algo realmente nos ligava, porque eu
o sentia completamente, sentia suas inseguranças, seus medos, seus receios. E sem querer, pude
entender sua complexidade, seu nervosismo, seu apego a mim. E isso me compeliu a aceitá-lo.
Porque havia uma enorme profundidade nesses sentimentos.
Nunca imaginei que depois de tantos anos de solidão, quando as decepções me tornavam
cético sobre as pessoas, eu fosse encontrar alguém, cujo sentimento mais profundo fosse a ânsia
de me ver feliz. Porque infelizmente, eu já não conseguia mais acreditar que eu pudesse ser tão
estimado por alguém. E essa esperança me fez acreditar que um simples “sim” me arrancaria de
uma vez por todas dessa escuridão em que eu vivia.
E não é como se apenas palavras pudessem me convencer disso, mas, sim, as atitudes e,
acima de tudo, os sentimentos profundos que estavam nos ligando intrinsecamente. Senti uma
profunda tristeza me invadir, apenas por olhar para ele naquele momento e perceber o quão
afoito seu semblante estava. O quão amedrontado ele se sentia, e, como o causador de tal
desconforto, me senti horrível.
Me senti mal, me senti péssimo, não era assim que eu queria vê-lo, não era assim que
deveria ser. Onde estava o cara sarcástico e cheio de si que eu conhecia?
O fato era que eu continuava sendo o maior ganhador desta loteria, não havia mais a
necessidade de provar nada, porque, mesmo que eu fosse um homem quebrado, ele ainda estava
disposto a esperar por mim. A ficar comigo.
Então tomei coragem, abandonando de vez toda a relutância que existia em mim, porque,
por mais louco que isso pudesse parecer, o tempo estava correndo contra mim e a ansiedade e
medo de perdê-lo começavam a me tocar profundamente.
— Posso levar o Peter comigo? — quebrei o clima de tensão entre nós, eu não precisava
estender esse diálogo, por dentro eu já estava convicto há muito tempo, de que não poderia
deixar esse homem fugir de mim.
Eu sabia que estava sendo egoísta com todos os meus amigos, mas eles já tinham tudo:
família, amigos, filhos. A vida deles estava caminhando para frente, mas a minha estava parada
no mesmo lugar. E eu precisava fazer algo por mim, e, naquele instante, estava recebendo uma
oferta tão incrível, que beirava o disparate.
Eu precisava pensar em mim! Combater o medo sempre foi minha briga diária e, apesar
de tudo, eu sempre soube que poderia morrer lutando pelas pessoas que amo. Eu me coloquei em
segundo plano por uma honra vazia. Hoje percebo que meu objetivo nunca deveria ter sido atirar
primeiro, mas apenas proteger e guardar.
E se nada desse certo, que se danasse também, eu nem deveria estar habitando entre os
vivos.
Abrindo um enorme sorriso, Ivar me surpreendeu, era a primeira vez que eu o via sorrir
de verdade e o alívio em seu semblante havia derrubado por terra toda aquela pose de machão,
que ele vinha sustentando desde que nos conhecemos. Então percebi que queria ver mais daquilo,
mas não queria que mais ninguém o visse.
— Pode, até porque, na verdade, o nome do Peter era Agares, antes de eu enviá-lo a você
— ele comentou com um olhar de intensa satisfação.
— Agares, hein? — murmurei me sentindo um pouco ridículo. Mas a essas alturas do
campeonato, eu começava a me acostumar em ser surpreendido por suas façanhas — Pensei que
tivesse sido um presente dos meus amigos, a Pérola estava tão animada naquele dia, mas faz
sentido.
Ainda com um sorriso encantador, Gunnar brincou — De certa forma, realmente foram
eles. Eu só dei a sugestão indiretamente, oferecendo o melhor cachorro do universo.
A essas alturas eu já não conseguia mais tirar meus olhos dele. Eu estava derretendo,
somente ao vislumbrar seu sorriso. Meu peito estava quente e todo o meu corpo parecia
confortável em sua companhia. Simplesmente, o sorriso em meu rosto não poderia ser desfeito.
Mas mesmo assim, não pude deixar de pensar nos meus amigos, na família que escolhi
ao longo dos anos, mesmo que estivéssemos afastados agora, eu ainda os reconhecia como tal.
— Posso contar isso aos meus amigos? — questionei com a voz trêmula.
— Não, por questões de segurança, quanto menos pessoas souberem, melhor — Gunnar
respondeu suavemente, percebi, então, o quanto ele estava se esforçando para me agradar,
quando continuou: — Estive pensando sobre isso e cheguei a algumas conclusões, mas ambas as
decisões não são fáceis de tomar.
— O que tem em mente? — perguntei, sentindo minhas mãos tremerem.
— Posso fazê-los se esquecerem de você, mas é preciso compreender que, ao apagar
todos os seus vestígios das mentes dessas pessoas, seria o mesmo que apagar sua existência neste
planeta. Ou, então, podemos simplesmente deixar que pensem que morremos em missão.
Olhei para as minhas mãos, outrora firmes, em busca de uma luz, mas percebi que não
havia o que pensar; apagar os meus vestígios era a forma mais simples de seguir em frente, sem
que nenhum deles sentisse minha ausência. Afinal, se eu contasse a eles que estava pretendendo
me mudar para “Marte”, fugindo com um alienígena gostoso, com certeza eles não ficariam
tranquilos, poderiam até cogitar em me internar numa clínica psiquiátrica. Às vezes, mesmo eu,
duvido de que estão em meu juízo perfeito.
— Acho melhor que ninguém se lembre de mim — comentei, sentindo meu coração
apertar. Afinal, eu amava aquelas pessoas, mas estava além de mim, querer ser feliz. Desejar
aquilo que talvez nunca tenha tido, e nessa noite ele me mostrou o quanto eu ansiava pela
oportunidade.
— Sabia que escolheria o caminho mais difícil — Gunnar comentou, com um sorriso
irônico.
— Isso te irrita? — perguntei por impulso, mas sua resposta me surpreendeu outra vez.
— Na verdade, não. É justamente esse seu lado altruísta que me fez atravessar o
universo para chegar até aqui, não posso mentir, mas hoje já não me sinto tão feliz quando
percebo que suas ações sempre desconsideram sua própria dor e sofrimento. Entretanto, não
posso ser hipócrita.
— Entendo.
Foi tão estranho perceber o quanto eu estava satisfeito naquele encontro, descobrir a
verdade sobre aquele cara me deixou à vontade, acalmou os receios em meu coração e minha
mente parecia clarear. Eu poderia me acostumar a esses sentimentos de contentamento e alegria,
não seria difícil me viciar nisso.
— Não se preocupe, só peço que confie em mim. — Ele tocou minha mão com a ponta
dos dedos, em uma delicada carícia, entrelaçando nossos dedos. — Eu vou ajudá-lo a superar a
dor, o tempo cura tudo, e estou pronto para ajudá-lo a se reerguer, custe o que custar.
Acenei, emocionado demais para falar qualquer coisa, senti uma enorme sensação de
confiança e segurança apenas ali, olhando para ele. E meu coração batia tão forte, que ressoava
em meus ouvidos. Parecia bom demais para ser real, bom demais para acontecer comigo, um
cara que desconhecia os prazeres da vida. Mas não tinha como duvidar, porque eu estava
sentindo tudo aquilo.
— Não sabe o quanto me alegra ouvir que está disposto a ficar ao meu lado, realmente
tive medo de que não me aceitasse — Gunnar comentou com um olhar ardente e sutil, me
fazendo perceber o quanto ele desejava minha aceitação sincera, mesmo que para isso ele tivesse
que sair completamente do personagem, que eu estava habituado a ver: composto, frio, sinistro e
arrogante. Afinal, desta vez, ele parecia, de fato, ser feito de carne e osso.
— Isso é real? — deixei escapar em meio ao prazer que aquele momento me
proporcionava. E seu sorriso se alargou, acredito que tenha sentido o quanto eu estava ansiando
por mais dele, por mais de suas promessas. Só o toque de sua mão não estava sendo o suficiente
para mim. Então notei que sua pele fria parecia arder, de tão quente.
— Dança comigo? — Gunnar me perguntou, me tirando da nuvem em que eu estava. —
Quero que este momento fique marcado em nossas memórias para sempre. Quero deixar marcas
profundas em você, marcas que se sobressaem em relação a tudo de ruim que passou até hoje.
Quero gravar na sua pele o quanto eu o quero.
— Não sei dançar — comentei na defensiva, mas quando dei por mim, aquela delícia de
homem já estava de pé, esperando por mim. Não havia espaço para negar, quando tudo o que
mais queríamos era mais proximidade entre nossos corpos.
— Eu o guiarei, confie em mim. Só estamos nós dois aqui, vamos apenas relaxar.
Aceitei o convite e me levantei lentamente, indo em direção a ele, conforme sua mão me
guiava em sua direção. Somente então, notei o quanto minhas pernas estavam bambas,
realmente, foi muita emoção para uma única noite.
Era isso, eu estava me juntando a um extraterrestre de livre e espontânea vontade, e
estava tão feliz, que sequer cabia em mim mesmo. Caralho, realmente eu já estava marcado por
ele profundamente.
A música era sensual, suave, sedutora, e eu estava pouco a pouco me rendendo ao seu
domínio, ao desejo que latejava entre nós, quando suas mãos circundaram minha cintura, colando
nossos corpos fortes.
— Nossa — murmurei ao sentir suas mãos acariciando minhas costas; era suave, mas
forte, e estavam estranhamente quentes, queimando minha pele pouco a pouco. Senti um arrepio
subir pela minha espinha, me fazendo suspirar. O cara tinha pegada.
O roçar lento do seu calor contra o meu corpo, seu perfume inebriante, suas mãos firmes;
porém, desenvolvendo carícias suaves, começaram a derreter minhas barreiras. Eu me senti
entorpecido, me senti embevecido naquela atmosfera excitante.
— Quero teu corpo nu — Ivar sussurrou em meu ouvido, tornando minha pele dormente.
Quase gemi; que voz sexy da porra! Suas mãos começavam a causar estragos, enquanto
deslizavam pela minha pele, sob a minha blusa, me entorpecendo.
— Não faz isso… — murmurei, tentando manter meu juízo no lugar, numa última
tentativa de me manter no controle, mas o calor que estava exalando dele começava a se infiltrar
em meu coração, me fazendo sucumbir ao desejo.
Eu o queria, eu não poderia negar, e a tentação me fazia abrir mão de qualquer ressalva.
Afinal, era isso, estávamos construindo uma relação vitalícia e feliz. E por dentro eu sentia que
era dele e que ele pertencia a mim.
— Eu preciso de você… — Gunnar novamente murmurou em meu ouvido, subindo a
mão por minha nuca, acariciando meu pescoço com paixão e muito carinho. Senti a adoração em
seu toque, deslumbrado com seu cuidado.
Conforme a música se pronunciava, fui sendo absorvido pela atmosfera sedutora do
momento, me agarrando ao seu pescoço. Acidentalmente puxei a gola para baixo, me permitindo
ver a pele de seu pescoço, até então escondida, e percebi marcas semelhantes à rachaduras pretas
como o breu. Aquelas tatuagens não pareciam intervenção humana, mas naturais, e eram lindas e
únicas, eram como rachaduras sobre uma mina cheia de minérios pretos e brilhantes.
— Tão lindo — murmurei em transe, ouvindo seu riso rouco que causava estragos em
mim. Estávamos colados, e minha ereção já não poderia mais ser controlada ou escondida. Eu
estava queimando de tesão por ele, que se divertia com tudo isso, absorto ao explorar meu corpo.
Seu olhar embriagado era a coisa mais linda que eu já havia visto em toda a minha vida.
Entorpecendo-me ao ponto de sentir tontura.
Quando uma de suas mãos desceu, apertando minha bunda com força, não pude conter o
grunhido, roçando meu membro em seu corpo forte como o aço. Eu queria mais do que aquele
simples atrito e estava quase enlouquecendo de tesão.
— Vão nos ouvir — ele murmurou no meu ouvido, como se estivesse em êxtase, mas
sequer tive tempo de reagir... quando ele mandou.
CAPÍTULO 16 - ALONE WITH YOU

#SONG: ASHLEE#

— Ajoelha e me chupa. — Quase engasguei, quando ele simplesmente me olhou nos


olhos e ditou. Senti um arrepio ansioso subir pela minha pele. Sua voz grossa exercia extremo
poder sobre mim, me incitando a obedecê-lo por minha própria vontade.
De repente me vi doido para ver como seria aquele pau alienígena e, não apenas ver, mas
sentir que gosto ele teria. Ajoelhei com cuidado, o assistindo abrir o cinto e desfazer o botão e o
zíper da calça, seus suspiros deixavam claro o quanto estava ansioso por isso.
Quando Gunnar finalmente colocou aquele monumento enorme para fora, senti meu
coração martelar. O cara não tinha defeitos, porque ele era inteiramente lindo. As veias grossas
eram demarcadas e pretas, mas o membro em si era tão pálido quanto todo o resto de seu corpo.
Enquanto sua mão grande e forte se enredava pelos meus cabelos, segurando com
firmeza minha cabeça, a outra mantinha aquele pauzão apontando para mim. Em seu olhar, era
inegável o quanto me desejava naquele instante.
— Mama — ele rosnou forte, e eu quase gozei, só de vê-lo olhando para mim como se
fosse me engolir por inteiro. Passei meu rosto naquele pau quente e pulsante, apreciando a
maciez de sua pele quase aveludada. Aquele cheiro de homem me fazia salivar, com coragem,
me aproximei e, sorvendo sua cabeça, me esbaldei em seu gosto adocicado e tão único.
Inebriante!
Que homem saboroso, era tão tentador, que quando dei por mim, estava sugando com
força, sorvendo seu pré-sêmen sem vergonha alguma na cara. Seus grunhidos abafados,
conforme Ivar jogava cabeça para trás, curtindo o momento, me fizeram ferver. Seus gemidos
roucos e rústicos eram tão gostosos de se ouvir, que me deixavam em êxtase.
— Mama mais forte, delícia — sua voz suave beirava à súplica, enquanto ele acariciava
minha bochecha, cheia dele, com o dedão, me levando à loucura completa. Passei a língua em
suas veias, em seu frênulo, em sua glande, sentindo meu próprio pau vibrar de tesão.
Eu queria mais, eu queria ir além, e estava quase implorando, quando Ivar puxou meu
cabelo para trás, me fazendo soltar seu brinquedo. E eu não pude tirar os olhos dele, aquele olhar
faminto, aqueles olhos perversos, a forma como me deixava exposto, agarrando meu cabelo com
força.
Ficamos em silêncio por um momento, até que nossas respirações voltassem ao normal.
Eu me senti frustrado, pensei que ele fosse recuar, que fosse me deixar na mão, mas então, com
um sorriso sedutor, acariciou meu rosto, livrando-me da saliva no canto da minha boca, me
ajudando a levantar.
— Vamos para o carro. Acho que esse lugar não é confortável o suficiente para eu comer
você.
Fiquei sem palavras, eu queria transar com ele e, com certeza, daria para ele ali mesmo,
se me pedisse. Mas, de fato, meu corpo não estava na melhor das condições. O álcool e a
adrenalina me fizeram ignorar isso, no entanto, a longo prazo isso me faria mal.
Gunnar pagou a conta, tentei dividir com ele, mas ele apenas murmurou em meu ouvido:
— Não vamos precisar disso muito em breve.
Deixei que fizesse o que queria, mas confesso que seus cuidados me encantaram. E
quando finalmente entramos no carro, um silêncio suave se estabeleceu, pude ouvir sua
respiração se tornando irregular novamente. Eu estava tão excitado, que chegava a doer minhas
bolas, eu queria me tocar, me dar alívio, mas não tive coragem, antes de saber o que ele
realmente esperava para o nosso momento.
Eu estava louco por seus lábios, meu corpo quente clamava por algo mais, com aquele
cara. Fazia tempo que eu não sentia tanto desejo por alguém, como estava sentindo por ele. Senti
meu baixo ventre vibrar e meu pau apertar na cueca justa.
— Vem, senta aqui — ele murmurou, ao afastar o banco do carro para trás, para me dar
espaço. Sua voz rouca e profunda me deixou completamente confuso, mas eu o queria tanto, que
já nem me importava mais com qualquer pudor. Eu havia sido seduzido com sucesso.
Desajeitadamente, tentando não demonstrar a dor que sentia na minha perna esquerda,
me sentei de frente para ele, ficando de costas para o volante. Senti suas pernas fortes embaixo
da minha bunda. Seu rosto perfeitamente simétrico era severo, mas pude ver em seus olhos o
ardor da paixão recíproca.
Quando nossos corpos se tocaram, quase gemi de excitação e antecipação. Que homem
gostoso, Senhor! Senti seu pau teso cutucando minha pelve, era grande como tudo naquele ser
minuciosamente proporcional. Rebolei suavemente sentindo meu corpo estremecer de emoção e
ansiedade. Seus olhos estavam grudados em mim e havia uma letargia sensual neles e em e seus
lábios entreabertos.
Novamente senti calor em sua respiração, um calor abrasador que fazia a pele do meu
rosto entorpecer. Ivar era como uma droga, um estimulante que me fazia sucumbir e perder
totalmente a razão, como se eu estivesse no cio, louco por contato. Seu cheiro me hipnotizava,
me deixando tão envolvido naquela excitação, que nada mais me importava, apenas ele, apenas
nós.
— Mmmm — gemi sem pudor e sôfrego, quando seus lábios frios buscaram os meus,
em um rompante selvagem. Ivar mordiscava levemente minha pele, sugava como se fosse a fruta
mais suculenta, me induzindo a friccionar contra ele e agarrar seu paletó com tanta força, que os
nós dos meus dedos embranqueceram, enquanto eu tentava me fundir a ele.
Meu saco pesado, quente, mais a pressão do elástico da minha cueca, me deixava louco.
Eu queria tirar do caminho, tudo o que me impedia de me conectar ainda mais a ele, mas suas
mãos espalmaram minha bunda, apertando-a, me fazendo abrir a boca em um gemido gutural e
intenso.
— Porra! — ofeguei suplicante, sem saber o que de fato queria, enquanto ele deixava
rastros avermelhados na pele nua do meu pescoço. Estava quente e abafado, mesmo com o ar
condicionado ligado. Meus sentidos aguçados percebiam movimentos próximos ao carro, em que
estávamos, indicando que mais pessoas saíam do restaurante, mas aqueles que passavam por nós
pareciam alheios à nossa presença.
Olhei para trás de relance, por sobre meu ombro, sentindo a adrenalina da proibição,
sentindo a reprovação do meu eu moral, por estar cedendo à luxúria, em um lugar tão público.
Havia um cara parado do outro lado do estacionamento, que aparentava contemplar nosso
veículo sacudindo, com os meus movimentos desesperados.
Parecia proposital, porque quando olhei para Ivar, em busca de amparo para o tamanho
constrangimento que eu estava sentindo, seu sorriso sacana e debochado me fez perder a linha.
Ainda assim, nada poderia se comparar ao tesão que aquelas pupilas verdes, em formato de
fenda, me causavam. Suas mãos apertavam ainda mais minha bunda, em uma massagem forte e
lenta, enquanto sua voz rouca no pé do meu ouvido, entorpecendo-me, apagava toda a minha
racionalidade.
— Você é uma delícia, deixe que vejam o quanto você é safado, rebolando no meu colo,
implorando pelo meu pau…
— Oh, porra. — Fui a loucura com suas palavras despudoradas. Senti que poderia gozar
com o menor toque no meu pau. E eu pretendia fazer exatamente isso, mas fui interceptado,
antes que pudesse me satisfazer. Em confusão, olhei para ele, que sem se importar com a minha
frustração, tomou meus lábios, arrancando meu fôlego.
— Me, deixa, gozar. Mm — palavras desconexas saíram, sem que eu as forçasse, era
instintivo clamar por alívio, eu sequer reconhecia aquele tom tão submisso que reverberava no
fundo da minha garganta. Rindo com prazer da minha ousadia, Ivar sussurrou contra minha boca
trêmula:
— Não, ainda.
— Aahh — queixei-me, sentindo sua palma entrar por entre minha calça de moletom,
invadindo minha cueca, apalpando minha carne farta, acariciando-a com vontade. Logo, suas
poderosas coxas se abriram separando minha bunda, lhe dando acesso ao meu traseiro por
completo.
Com a mão livre depois de soltar meu quadril, ele trouxe meu rosto para mais perto do
seu pescoço, me obrigando a sentir seu perfume, além de me deixar acessível em seu colo.
Estremeci quando seu dedo suavemente circundou meu cu, conforme sua outra mão
também invadiam minhas calças, abaixando-a um pouco, enquanto massageava minha pele com
pressão.
— Mmmm. — Retesei, sentindo meu pau ser friccionado pelo tecido da cueca e a
antecipação, pela penetração, me fez ondular o quadril asperamente em seu controle.
— Shhhh, você está muito ansioso, delícia — Ivar sussurrou em meu ouvido, me
fazendo revirar os olhos com o controle que ele exercia sobre mim. Eu o queria tanto, que não
pude deixar de levar minha mão até o cós de sua calça social, contornando com meus dedos
trêmulos, seu volume.
Fechei os olhos quando imaginei meus lábios sugando a cabeça daquele pacotão,
lambendo como picolé, chupando até babar, sentindo aquele sabor a pouco conhecido, viciante,
tentador.
Abruptamente, enquanto eu ainda me deixava levar pelo desejo, senti o ar condicionado
gélido em minha pele exposta, em contraste com o calor que eu sentia em seu contato,
subitamente seu dedo forçou a entrada em meu buraco apertado, me fazendo morder ainda mais
forte seu dedo, juntamente com o gemido assustado e ansioso que escapava dos meus lábios.
— Ah. Ah. — Tentei relaxar o aperto, sentindo aquela dorzinha estranha, eu estava tão
excitado, que o prazer e a dor me faziam ver estrelas.
Seu dedo maldoso não parou, e conforme eu me soltava em volta dele, ele deslizava
pouco a pouco, camada por camada, cada vez mais fundo. Pensar que estava sendo penetrado por
ele me deixava ofegante, ao mesmo tempo em que eu me empurrava contra ele, em busca de
mais atrito.
Eu queria sentir aquele prazer que estava gravado em mim há tantos anos, mais uma vez,
eu precisava disso e sentia que com a conexão louca que tínhamos, Ivar me levaria para outro
patamar de prazer.
Ele entrava e saia calmamente, me provocando, me levando ao limite do desejo,
brincando com a minha mente, com os meus sentidos. Seus olhos pretos brilhavam para mim, e
juro que pude ouvir aquele demônio grunhir, jogando a cabeça para trás, quando as fendas verdes
oscilaram; estremeci ao reconhecer que o levava à flor da pele, tanto quanto ele fazia comigo.
Em minha mão, seu pau pulsava quente e duro. Ele me queria, Ivar queria estar dentro de
mim, tanto quanto eu o queria me laceando por completo, socando com força, me fazendo gritar
sem ar por seu nome.
Desabotoei com dificuldade aquele botão escondido de sua calça e tremendo, tínhamos
pouco espaço, mas mesmo assim eu consegui abrir seu zíper, revelando seu membro sem
inibição.
A cabeça pálida e oval me deixava salivando. Estava úmida com sua lubrificação natural
e o cheiro de homem exalava no ar. Esfreguei-a incoerentemente, e quando seu dedo surrou de
súbito meu ponto sensível, arqueei em seu colo, enfraquecendo por completo logo em seguida.
— Oh, porra! Isso — gemi intensamente, quase gozando de prazer, aquele tesão me fez
esquecer a dor, perdi completamente o foco, quando meus dedos do pés se dobraram com força
em meus tênis. Meu corpo todo era dele, sob seu completo controle e, sinceramente, eu estava
completamente satisfeito com esse fato.
Os movimentos da minha mão, massageando a cabeça daquele pau maravilhoso, quase
pararam, mas ele sequer esperou eu me acostumar com o turbilhão de sentimentos, quando um
segundo dedo sorrateiro foi engolido por meu buraco faminto.
Aquela sensação de preenchimento era gostosa demais e Ivar não descansou, senti um
tapa forte na minha bunda, sacudindo-a. Seus olhos lacrimosos me olhavam de cima, me
assistiam expressar aquela confusão de prazeres. Porra! Que homem gostoso. Eu estava perdido
naquela atmosfera embriagante e sequer conseguia raciocinar.
— Mmmm, devagar — murmurei, mordendo sua clavícula com gosto, por cima do
paletó grosso, sentindo o sabor do tecido, desejando que fosse sua pele, a pele que eu nunca tinha
tido o vislumbre nu.
— Calma, delícia, logo vou colocar meu pau aqui — ele murmurou em um gemido
grosso e sedutor, fazendo um movimento de tesoura, para me esticar ainda mais. Choraminguei
sendo castigado por ele, sem a mínima consideração, e, como um puto que sou, gostei muito.
De repente, senti seus dedos me deixarem, quando ele se inclinou para o lado, se
esticando para abrir o porta-luvas. Sai brevemente da nuvem de prazer em que eu estava, então o
notei puxando uma pequena sacola com algo dentro.
— O que…? — Nem tive tempo de perguntar mais, quando outro beijo de tirar o fôlego
me silenciou.
Seus dedos se enredaram por entre os fios dos meus cabelos e com um puxão ele me
dominou completamente. Sua língua pediu passagem, e eu dei sem me importar. Caralho! Senti
cada terminação nervosa da minha cavidade sendo explorada, me fazendo estremecer de tesão.
Minha barriga já estava úmida pela minha lubrificação chorosa.
— Erga a bunda — ele mandou, contra meus lábios, e, quebrando o beijo, me fazendo
salivar. Mesmo sem entender, eu me ergui, sentindo minhas calças sendo puxadas para baixo
com pressa, o som do tecido rasgando me deixou brevemente perplexo.
Ergui uma perna, tentando me equilibrar sem meter as costas no volante ou a cabeça no
teto, ajudando-o a me desnudar. Quando livre de qualquer tecido, me senti envergonhado de
estar tão nu diante dele. Esperei pelo pior, mas Gunnar pouco se importou com as minhas
cicatrizes. Olhei para trás outra vez, mas aquele homem, que antes nos espiava, já não estava
mais lá.
Quando retornei meu olhar para o de Ivar, suspirei vendo a fenda oscilar. Que delícia, ele
era tão estranho, tão gostoso, tão dominador. Deslizando minha linha de visão para baixo,
contemplando aquele terno todo amassado, tão sexy naquele corpo enorme, parei em sua calça
abaixada na metade da coxa farta e pálida. Seu pau estava sendo torturado por sua mão, em
movimentos fortes de vai e vem, me hipnotizando.
Apoiei-me com as mãos no encosto do banco, vidrado em seu gesto, em sua busca pelo
prazer individual. Meu pau estava pingando, teso e livre. Olhei para os seus lábios, quando
aquela ideia louca de senti-los em mim, me fez arrepiar, mas Ivar não me decepcionou, ele me
puxou para cima, me fazendo curvar no teto do carro e abocanhou meu membro.
Ele me sugava com tanta força que eu pensei que iria leitar sua boca no primeiro
segundo daquela mamada intensa. Sua língua circundava a coroa do meu pau, provocando meu
frênulo. Joguei meu quadril para frente, sem me importar na dor que sentiria no outro dia,
enquanto fodia seus lábios inchados.
— Porra! Vou gozar… assim — gaguejei por entre os gemidos. Havia um calor
abrasador e aquela umidade gostosa me deixava em êxtase. Senti que poderia morrer de prazer
somente naquela mamada gostosa.
De repente, senti sua mão afastar um pouco mais minhas pernas e algo gelado, em seus
dedos hábeis, lambuzar meu buraco. Sequer senti a pressão quando fui fodido por seus dedos
outra vez, eles deslizaram tão facilmente que grunhi, sentindo-me sobrecarregado pelo duplo
estímulo.
— Ohhh, isso, isso — murmurei desconexo e entrecortado. Eu estava enlouquecendo,
fodendo aquela boca quente, ao mesmo tempo em que Ivar me fodia com seus dedos longos.
Estremeci quando o senti macetar minha próstata e aquela eletricidade prazerosa
correndo pelo meu corpo, desenfreada, me fez chegar perto do meu orgasmo, mas antes que eu
pudesse relaxar, Ivar jogou a cabeça para trás e retirando os dedos de mim, me puxou para si
como um boneco, me sentando com força em seu colo. Quase gritei de susto quando senti seu
pau, agora lubrificado, em minha bunda.
Meu cu pulsou de antecipação, quando a força de seu domínio me fez sentir a cabeça
daquele pau maravilhoso forçar a entrada pouco a pouco dentro de mim. Suei frio de dor e
prazer, eu ainda estava sob o efeito daquele quase orgasmo e meu corpo sensível fazia de tudo
para apertá-lo.
— Relaxa, delícia, e pare de me morder — sua voz gemida me enlouqueceu. Forcei um
pouco mais e, quando finalmente estava tudo dentro, senti meu corpo relaxando devagar,
conforme sua respiração rústica queimava minha pele.
— Oh... — urrei, sentindo sua mão me forçar para cima e suas bolas batendo no sentido
contrário, enterrando todo aquele comprimento dentro de mim, quase vi estrelas. Eu me segurei
no banco, com força para não cair com aquela paulada violenta. Que delícia de vara, que delícia.
Essa Vara era criminosa e estava causando um estrago nesse bandidão aqui.
— Precisamos de uma cama, delícia — sua voz rouca me fez morder seu ombro de
tesão, eriçando todos os pelos do meu corpo —, ou vou terminar de comer você aqui mesmo, e
não é isso que eu quero, quero mais.
Fitei seus olhos, sentindo seu corpo tremer sob o meu, sua ansiedade era quase palpável
e era inegável o quanto Gunnar estava se controlando. Eu queria mais atrito. Meu pau chorava,
suplicando por liberação e cuidados, mas suas palavras me tocaram com uma força surreal.
Porque eu também queria mais, muito mais dele.
— Se segure bem — ele murmurou, me dando um tapa certeiro na bunda, deixando
minha pele quente e ardida.
— Delícia — gemi forte, quando ele se ajeitou no banco, me agarrei a ele com força,
sentindo o atrito do meu pau em seu abdômen. Quase vi estrelas, quando o ronco do carro me fez
perceber o que estava prestes a fazer.
— Vamos para o seu apartamento? — ele perguntou roucamente. E eu apenas gemi em
concordância, quando o carro acelerou. Porra, eu estava sentado no pau do cara, enquanto ele
dirigia, quer dizer, o carro estava em piloto automático, mas não havia como não se excitar com
o quão inusitada essa situação havia se tornado. Nunca pensei em algo assim e a adrenalina
aumentou meu prazer ao pico. Comecei a me esfregar nele, rebolando, roçando deliciosamente.
— Nossa — ele gemeu, apertando minha bunda com a mão livre. Acelerando pela
autoestrada, a cada lombada eu sentia meu corpo tencionar. E Gunnar não me poupou nem um
pouco, não teve piedade de mim, porque ondulando o quadril, ele me levou ao frenesi do prazer.
Quando chegamos ao estacionamento subterrâneo, eu já estava em uma total bagunça.
Com um grunhido abafado, Gunnar apertou o botão para abrir a porta e me segurou, enquanto
me impulsionava para fora com sua força sobre humana. Por sorte, as portas se abriram para
cima, dando mais espaço para o desembarque.
Quase gozei, quando ele me pressionou em um pilar metendo com força, o barulho das
bolas fartas dele, batendo na minha bunda, reverberam. Eu estava desesperado de medo e
vergonha, havia uma câmera sobre nós e seu olhar estava vidrado nela, como se exibisse sua
selvageria. Mas as pessoas que passavam por nós pareciam não nos notar, e sequer ouviam os
ruídos de prazer. Percebi que seus dons eram muito úteis para nossas aventuras.
— Perfeito, delicioso... — ele murmurou, mordendo meu ombro.
Mole estava, mole fiquei, quando ele caminhou conosco colados como se estivéssemos
apenas abraçados. Essa experiência era tão insana, que eu já nem sabia como reagir. Só consegui
suspirar agoniado. Quando entramos no elevador, somente para ser erguido de novo e encaixado
naquele pau duro feito pedra. Suas mãos seguraram contra o espelho,conforme ele me macetava
com vontade.
O quarto andar nunca esteve tão distante, espalmei o espelho, tentando me equilibrar,
com a força das estocadas que eu levava, observando meu próprio semblante em êxtase.
— Gun… as câmeras… tem câmeras — murmurei, sentindo o tesão me convencer de
que o agora era mais importante que o amanhã e as consequências dessa exposição. Caralho! Eu
seria preso por atentado ao pudor? Não era possível que aquele homem pudesse cobrir todo o
prédio em uma ilusão.
— Devem estar batendo uma punheta, nos vendo foder… — Gunnar murmurou em meu
ouvido, me fazendo gemer com suas provocações, eu não conseguia mais, não conseguia mais
aguentar. Eu, eu já estava me tornando incoerente. Seres humanos não poderiam suportar um
prazer tão extremo. Vou morrer? Aqui jaz, Apollo. Morreu de quê? Trepado no pau!
Quando as portas se abriram, não havia ninguém no corredor, para minha felicidade;
Ainda que os sons dos vizinhos conversando invadissem meus ouvidos. Seus braços me
seguraram em frente ao seu corpo com força, eu podia sentir sua respiração acelerada, seus
batimentos fortes.
Não sei como abrimos a porta, mas quando dei por mim, estava de quatro sobre a cama,
tendo minha cabeça pressionada no lençol.
— Oh… oh… oh… — murmurei, quando algo estranho e pegajoso tocou minhas coxas,
de repente, acariciava meu abdômen, o cheiro doce era inebriante, e a sucção súbita, nos meus
mamilos rijos e sensíveis, me fizeram lutar contra a força da mão dele em meus cabelos, para
olhar para baixo. Quase desmaiei, haviam tentáculos mamando meus mamilos.
— Que porra? — gritei, mas neste momento ele castigou minha próstata e eu já não
sabia se estava derretendo e alucinando, ou se estava vendo algo completamente absurdo.
— Eu sou um Alien, delícia. Não vou machucar você, só quero te comer melhor. — suas
palavras me fizeram perceber o incontestável; meu futuro marido não era humano. Era um lobo
mau, quer dizer, um alienígena.
Meu limite já havia se excedido há muito tempo, mas quando algo envolveu meu pau,
sugando-o com força, como se estivesse se alimentando do meu pré-sêmen com fome, ganância,
não pude aguentar mais.
— Iv-var, hmm, não consigo mais. — Eu não sabia se estava chorando, rindo, gemendo,
mas quando senti seu pau inchar e se alongar, movendo-se dentro de mim, crescendo, me
enchendo de algo que me deixava ainda mais quente, um líquido ardente e mucoso, que escorria
de dentro de mim, me deixando pronto para receber aquele cumprimento anormal, foi o que
senti.
Fui ao ápice do prazer e suas estocadas ora fortes e ora lentas, quase me derrubaram para
frente, conforme meu corpo tencionava entre os trancos poderosos, mas seus tentáculos
pressionavam meu corpo no lugar, me castigando, deslizando por todas as minhas zonas
erógenas.
Arrebitei a bunda para trás, na tentativa louca de sentir mais daquele prazer, sentindo-o
me envolver ainda mais forte em seu aperto. De repente, seu quadril veio de encontro a mim, nos
ligando ainda mais profundamente, ardi em paixão, chegando ao limite. Meu grito veio, à medida
que meus dedos se dobravam, junto com a sensação mais prazerosa da minha vida.
Meu orgasmo foi tão forte, que mesmo minha mente ficou em branco, quando a pressão
surrou novamente meu ponto de prazer, a nível de me fazer esquecer meu próprio nome.
Mesmo assim, eu estava ciente de que algo estava sendo depositado em mim e, pensando
no absurdo do que poderia ser aquilo, fiquei extremamente satisfeito. Que porra? Ele estava
botando algo em mim, entretanto, não consegui ficar indignado, já havíamos conversado sobre
isso, eu só não esperava que fosse acontecer tão rapidamente.
Eu deveria ficar nervoso, irritado, chateado? Não, eu estava feliz, e não sei dizer de onde
essa felicidade vinha, mas um enorme sentimento de realização e pertencimento me fez suspirar.
Não tive dúvidas, eu estava exatamente onde eu queria estar.
Gozei tanto que sequer consegui me manter acordado e desmaiei, ouvindo-o urrar meu
nome. Nós estávamos completos, finalmente, eu havia encontrado um lugar para chamar de meu.
CAPÍTULO 17 - HEART ON FIRE

Observei Apollo, deitado nu, na cama em que havíamos acabado de dividir, e não pude
conter a satisfação em meu peito. Também sou de carne, também tenho coração. Tenho a escolha
de aceitar ou não a ligação entre este humano e eu, mas para ser preciso, eu escolhi aceitar,
mesmo que ele parecesse estar tão quebrado, afinal, parte disso é minha culpa por não ter
chegado a tempo, e não me arrependo de esperar por ele.
Mudei minha mente ao longo de anos, me adaptei às suas complexidades, cheguei tarde
demais… mas nem tanto.
Vim de Domhan Spéir, um mundo dez vezes o tamanho da Terra, minha espécie é
conhecida como os reptilianos neste planeta, mesmo que nossa única característica associada aos
répteis sejam as fendas nos olhos. Me divirto com as diversas teorias da conspiração que nos
envolvem, mas o que muitas dessas pessoas não sabem é que não temos a mínima intenção de
dominar um planeta por vezes tão retrógrado. Cada um que enfrente sua própria evolução, e
nossos interesses são outros.
Em parceria com algumas figuras esclarecidas, de cada geração, caminhamos por essa
terra, a fim de manter nossos antigos acordos, que existiam desde a primeira civilização, a
mesopotâmica.
Depois de milênios de evolução, minha espécie chegou a um gargalo, nossa taxa de
reprodução diminuiu muito e, mesmo com o desenvolvimento tecnológico, não conseguimos
superar os problemas reprodutivos. Era como se os seres superiores estivessem nos restringindo,
nos rebaixando à parasitas planetários.
Diante de tal situação, nos tornamos semelhantes aos vírus, dependendo das bactérias
para se proliferarem; mas ao contrário destes, não matamos os portadores, nós os assimilamos.
De forma civilizada e clara. O receptáculo dos nossos filhotes deve estar de acordo, ou a
gestação pode se tornar arriscada.
Temos um forte senso de proteção com os nossos, beirando a obsessão, mas nunca
ultrapassando a linha do consentimento. Avaliamos bem nossos escolhidos, antes de levá-los à
ligação vital.
Ao contrário dos terráqueos, não temos um sistema político desigual, somos como
formigas, trabalhamos pelo todo e pensamos no todo. Ninguém é melhor do que ninguém e todos
são importantes. Você produz, você come. E eu, como um dos vinte e quatro generais guardiões,
e o único que ainda se encontrava solteiro, fui eleito o próximo desbravador e vim em paz.
Mas fui enviado, antes de chegar aqui, ao centro de pesquisas onde mantínhamos
informações precisas sobre os mais destacados genes humanos. Lá, depois de dias de pesquisas
de compatibilidade, beirando ao fracasso, finalmente encontrei um nome, Apollo Smith.
Suas realizações eram notáveis e, acima de tudo, seu senso de pertencimento, lealdade e
posição política estavam todos alinhados com os ideais Speirianos e isso era fundamental para
sua vinda ao nosso sistema. Não queríamos pessoas rebeldes, mesquinhas e gananciosas demais
para não perturbarem nosso sistema muito bem sucedido.
Fui para a missão de olho nele, mas antes que eu pudesse me apresentar, me aproximar
de forma tranquila, algo me tirou do sério: Apollo foi deixado para morrer em uma missão. Meus
olhos dilataram, meu corpo enrijeceu e eu mal respirei naqueles dias tensos. Querendo ou não, eu
já nutria expectativas, já planejava nossa vida e velhice juntos, já idealizava nossos filhotes.
Estando tão perto, eu já tinha uma visão clara sobre ele, já estava encantado com sua
força, com seus talentos, suas realizações pelo bem do todo, além do intelecto. Apollo era
perfeito demais para mim, e eu não acreditava que poderia encontrar alguém tão próximo, tão
compatível.
Imediatamente virei o alto comando deste planeta de ponta cabeça, e, finalmente, diante
da ameaça de um alto escalão Speiriano, além da força do governador, decidiram enviar um
grupo de resgate junto a mim, mas não havia mais tempo e, quando o vi naquele chão,
sangrando, quase perdi a alma.
Meu desejo era massacrar, destruir, arruinar todos eles, mas eu não podia. Não apenas
pelo tratado interplanetário, como também, conhecendo um pouco do meu eleito, ele não
aceitaria alguém tão cruel em sua vida. Por pouco ele sobreviveu; entretanto, me senti um
completo fracassado.
Quase perdi meu companheiro, quase perdi aquela perfeição de homem, e saber disso me
fez ficar aquém do autocontrole. Afastei-me, tive medo de que me odiasse, quando eu contasse a
ele sobre o que tive que fazer para mantê-lo vivo, tive medo das consequências. Mas vê-lo
clamando pela morte, naquele dia, me deixou louco, chateado, zangado. Aquela cena jamais
sairia da minha mente.
E, por isso, acabei fazendo algo que não queria, dei a ele a pílula de sangue, o liguei a
mim, mesmo sem sua autorização. Meu sangue o fortaleceria e modificaria aos poucos sua
genética, mas em contrapartida, criaria uma certa dependência a mim, me tornando sua droga
mais pesada, um vício.
E justo naquela época, meu período de calor, que ocorria uma vez a cada década, me
jogou no chão, longe dele, longe de casa. Meu controle sobre mim mesmo parecia oscilar a todo
o instante durante meses. Portanto, depois de me sentir um fracasso em cuidar do meu garoto, ao
longo dos anos, me mantive distante, me movendo lentamente para garantir sua recuperação e
segurança. Às vezes eu estava lá, só ele que não me via.
O assisti prosperar no tratamento, mas aquele cara tranquilo e pacífico não existia mais.
Não o abandonei, jamais faria isso, eu o admirei a cada dia mais, porque mesmo na pior, ele
ainda era tão altruísta quanto antes. E agora, finalmente eu coloquei minha marca em seu corpo e
alma, estava completo, nós nos ligamos totalmente nesta vida e, para protegê-lo, eu o levaria
embora o mais rápido possível.
Ter ouvido de seus lábios que me aceitava e que estava disposto a desistir de tudo por
mim, mesmo indiretamente, me fez agradecer aos deuses por tê-lo deixado viver. Eu poderia
ficar para trás, mas eu tinha uma missão, eu precisava estar de pé para os meus irmãos de luta,
não poderia deixar Speir.
Hoje, tabus foram quebrados, doía ver o quanto Apollo odiava o próprio corpo, se
envergonhava das marcas do passado. E o simples fato de ele não ter parecido se importar com
esses detalhes, quando fizemos amor, me mostrou o quanto já confiava em mim.
Eu queria ter dito antes que nada daquilo era culpa dele, mas eu não poderia, tive que
esperar o melhor momento para me aproximar. Alguns vermes deste governo corrupto sabiam
que eu o levaria embora e se aproveitaram da minha boa vontade para desonra-lo ante seus
antigos colegas.
Conforme o tratado, cada nova figura de poder tinha a missão de recepcionar e
proporcionar um pacto de paz duradouro, mas não era isso que estava acontecendo nos últimos
anos. O que afetou meus planos imensamente.
Eu poderia ter mudado isso, claro, mas fui egoísta e pensei que se ele se ressentisse com
essas pessoas, aceitaria me seguir de boa vontade. E, então, errei outra vez e me arrependo
profundamente. Logicamente, algumas cabeças rolaram, nada que faça diferença.
Tive medo de tantas coisas, inclusive de que minha forma o assustasse, em nosso
primeiro acasalamento, mesmo que parte de mim já existisse dentro dele e se comunicasse na
minha forma mais primitiva; como tentáculos, a partir da nossa ligação de sangue. Mas
felizmente, Apollo pareceu me aceitar tão rápido quanto eu o aceitei. Para falar a verdade, esse
foi o melhor sexo que já tive e não quero nem imaginar perder tudo. Agora que provei o sabor,
estou viciado.
Confesso que não soube como me aproximar, nunca precisei ser tão paciente com as
pessoas com que já me envolvi, mas valeu cada dor de cabeça, pensando em como conquistá-lo,
porque ninguém jamais superaria a conexão que tivemos. Isso transcendeu os efeitos daquela
pílula, há mais que isso, porque senti sua alma me acolher.
Agora, com a minha família completa, retornarei vitorioso para o meu Speir. Onde
Apollo poderá começar de novo e talvez até se torne um oficial em prol do nosso povo. Com
certeza meu velho pai ficará muito satisfeito e poderá se aposentar alegremente, vendo os netos
correrem pela casa livremente.
Não pensei que fosse engravidá-lo na primeira tentativa, normalmente é preciso que o
parceiro tenha total aceitação e isso poderia levar mais tempo, mas Apollo estava tão ansioso
para aumentar nossa família, quanto eu. Sinto que nossa relação pode superar em muito minhas
expectativas. De qualquer forma, qualquer um que se aproximar do meu homem, com más
intenções, vai perder o couro.
CAPÍTULO 18 - SOFTCORE

#SONG: THE NEIGHBOURHOOD -SLOWED#

Acordei sentindo dores por todo o corpo, mas, sobretudo, no meu abdômen. Minha
cabeça estava latejando e minha bunda ardia levemente. Relutei para abrir os olhos, mas quando
o cheiro de café invadiu minhas narinas, cara, quase caí da cama.
Somente então percebi que não estava sozinho em casa, eu tinha companhia, e ele estava
sentado ao meu lado, folheando um livro.
— Bom dia, garoto — Ivar murmurou, me olhando com profundidade e, então, as cenas
da noite de sexo anterior saltaram das minhas memórias, me fazendo aquecer. Observei seu
corpo maravilhoso um pouco desconfiado, eu tinha visto seus tentáculos na noite anterior e
fiquei curioso sobre isso. Como não ficar?
Pelos céus, eu gritei o nome dele, eu gemi sem nenhuma restrição. E as câmeras? As
câmeras! Transamos no estacionamento, no elevador, no corredor. Naquele momento, eu quis
imediatamente enfiar minha cabeça embaixo do travesseiro e me esconder, mas suas mãos não
me permitiram, puxando-o de mim.
— Sente dor em algum lugar? — Sua voz rouca era música para os meus ouvidos e
parecia aliviar muito as minhas dores.
— Minha barriga dói. — murmurei, me sentindo letárgico. — Me sinto quente.
— Eu sei, meu garoto. Preciso que tome alguns remedinhos e descanse bastante. — Ivar
se curvou para o lado, pegando um copo com água e um vidrinho cheio de comprimidos. — Me
parece que não houve rejeição ao nosso ovinho.
— O que é isso? — perguntei sobre os comprimidos, ainda rouco, olhando para a água
com cobiça, minha garganta parecia uma lixa, de tão seca.
— Suplementos que vão te ajudar a se sentir melhor.
Toquei minha barriga plana, me lembrando de que o ovinho havia sido depositado
dentro de mim. Aceitei os comprimidos e tomei o copo inteiro com grande vigor. Eu precisava
saber mais, precisava entender o que seria de mim, dali em diante. E parecendo compreender
meu silêncio conflitante, Ivar, com sua voz extremamente suave, mesmo que profunda, explicou:
— Estamos esperando um filhote, meu amor.
Sua calma e até alegria me surpreendeu, me comoveu, porque pude sentir sua satisfação,
seu carinho. O livro em seu colo já havia sido fechado e seus olhos estavam sorriam para mim, as
fendas verdes não estavam mais escondidas, e isso me mostrou que não precisávamos mais
esconder nada um do outro. Afinal, estávamos no mesmo barco, e o nome dele é Titanic,
brincadeirinha!
— Então, vou realmente ter um bebê? — perguntei ainda incrédulo, completamente
entorpecido, meu corpo estava quente demais, eu estava com febre. Mas, sobretudo, eu estava
com medo de que tudo isso não passasse de um sonho.
— Vamos — ele comentou abrindo um enorme sorriso, mas, por mais que tentasse,
ainda passava um ar cruel. Talvez fosse apenas seu jeito bruto de ser se revelando. Chegava a ser
cômico, porque, lá no fundo, eu sabia que ele era inofensivo para mim.
— Como? Nós não fizemos sexo pelo…? — parei de falar, me sentindo muito
sobrecarregado com o que eu estava tentando expressar. Porra! Ele comeu meu… E confesso
gostei muito!
Rindo roucamente, ele acariciou meus cabelos úmidos pelo suor, e, então, como se me
persuadisse, continuou:
— Você tomou meu sangue há mais de cinco anos. Seu corpo já é resistente o suficiente
para suportar as mudanças físicas que estão acontecendo neste exato momento.
— Pode me explicar, exatamente, o que está acontecendo com o meu corpo? —
murmurei me sentindo confuso, meu cenho se franziu e percebi o quanto estava preocupado.
Preocupado de que algo desse errado, de que eu não fosse capaz de continuar…
— Quando depositei o ovinho em você, meu corpo enviou junto um líquido protetor que
mantém nosso pequeno seguro contra qualquer organismo vivo. Neste momento, ele deve ter se
alojado entre sua bexiga e seu intestino — ele começou me explicando de forma clara. — Depois
de alojado, uma membrana o envolverá, protegendo do exterior, além disso, esta membrana é
bastante resistente.
— Então ele vai crescer ali?... — questionei envolto em ainda mais dúvidas, mas aquele
Alien gostoso não me deixou continuar, e simplesmente terminou sua explicação:
— Em três dias, vasos sanguíneos se formarão ao redor, ligando seu corpo ao dele, dessa
forma, nosso filhote passará para a fase de formação, assimilando seu sangue e sua genética com
a minha, que já vem impressa ao óvulo.
— Então teremos parentalidade sanguínea — murmurei, fazendo uma careta de dor, ao
me virar em sua direção. Mas eu estava absolutamente tranquilo, eu tinha uma confiança quase
sobrenatural nele.
— Com certeza. Nosso filhote terá um pouco de nós dois, mas os traços genéticos mais
fortes ainda serão os da minha raça. Como, por exemplo, os dons e a resistência. Portanto, ele
será, inegavelmente, mais forte que um humano.
Seu comentário não me deixou infeliz, seria melhor se nosso bebê fosse agraciado com
bons genes. Em questão de expectativa de vida e talentos. Observei aquele homem lindo com
paixão, eu estava extremamente satisfeito e feliz.
— Me beija — murmurei, quando o enorme desejo de me aproximar dele, de sentir seu
cheiro, de me sentir protegido, me fez perder a linha de raciocínio anterior.
Sorrindo enviesado, ele se deitou de frente a mim e, entrelaçando os dedos em meu
cabelo, seus olhos pretos refletiam meu rosto levemente pálido, então ele relou nossos lábios.
Primeiro em um roçar lento e provocante, mas depois, colando nossos corpos em uma pegada
forte, espalmando minha cintura, me permitindo sentir seu cheiro, sua temperatura, abusando da
minha boca. Mordiscando, chupando, me fazendo suspirar de desejo.
Quando sua língua pediu passagem, cedi sem nenhuma ressalva, permitindo que ele
explorasse minha cavidade, meu céu da boca, meus pontos sensíveis. Gemi em conforto e desejo.
Que beijo gostoso. A necessidade faz a ocasião e eu me rendi aos seus cuidados. Porra! Que
tentação! Mesmo a dor não era capaz de me desencorajar.
Tirei sua camisa, mesmo que sentisse sua relutância em aprofundar nosso contato, afinal,
eu não estava em meu melhor estado, mas ver em seus olhos o cuidado e a ternura, fez com que
meus pensamentos erráticos ignorassem a ocasião. Claro que ele me queria, estava duro feito
pedra, roçando em mim, sem vergonha alguma; entretanto, senti sua hesitação, deixando que eu
me manifestasse em meu próprio limite.
— Eu quero vê-los… — murmurei em seus lábios. E ele sabia sobre o que eu estava me
referindo, porque as rachaduras em sua pele, de repente, brilharam em uma cor semelhante a de
sua pupila, e com um suave solavanco de seu corpo, vi um pequeno tentáculo vindo de suas
costas. Era lindo, exatamente como eu me lembrava de tê-lo visto em meus sonhos. Seus olhos
me observavam com curiosidade, pescando minhas expressões.
— Então… — comecei sem saber como formular a pergunta que estava rondando minha
mente, desde a noite anterior. — Então, tenho sonhado com os seus tentáculos, não é?
Aquele em específico era pequeno, fino, mas muito bonito. Sua cor predominante era
preta, mas suas ventosas eram verdes, como todo o resto. Quando se aproximou de mim,
lentamente, o toquei com cuidado e o vi se arrepiar. Era visivelmente sensível ao toque e parecia
ter milhares de terminações nervosas. Parecia tímido, recuando conforme eu o intimidava.
— Sim, há uma parte de mim com você. Isso te incomoda? — ele questionou com
suavidade, seu olhar calmo me compelia a me aproximar ainda mais, confortável com sua
presença. — Essa é a forma com a qual nos comunicamos, sinto o que sente, e, você, o mesmo.
Posso descobrir se algo estiver errado, posso estar com você, mesmo quando meu corpo físico
não puder. Assim, você nunca mais estará sozinho.
Suspirei tentando esconder o quão simbólico tudo aquilo era para mim, o quão profundo
tocava. Porque realmente, eu me sentia sortudo de estar exatamente onde eu estava.
— Eu realmente gosto dele, ou deveria dizer, de você, dessa sua parte. E, percebo que
nada em você me incomoda. Tudo me agrada — murmurei, brincando com o pequeno tentáculo
que se esfregava em minha mão. Aquela sensação de contentamento estava me dominando
completamente.
Deixei que se enrolasse em meu pulso, e a sensação era gélida, pegajosa, mas onde quer
que tocasse, deixava minha pele em chamas, não como uma queimadura e, sim, uma sensação
gostosa de excitação.
— Você se sente excitado, quando eu o toco? — perguntei, olhando-o nos olhos, em um
tom de brincadeira.
— Mmm — ele apenas murmurou em resposta, seus olhos estavam dilatados, e úmidos.
Claramente, deixar esse único tentáculo sair, naquele momento, já o fazia se sentir excitado.
Algo veio à minha mente e, antes que eu pudesse pesar a decisão, lambi uma ventosa
que estava exposta, o sabor agridoce me deixava salivando. Assisti com prazer aquele homem
enorme se contorcer diante dos meus olhos, sua respiração se tornou irregular e seu olhar
selvagem.
— Você quer fazer amor comigo agora? — perguntei, já envolvido naquela sensação
sedutora, que suas reações me causavam, além dos sentimentos que reverberavam entre nós. Vê-
lo excitado, automaticamente me movia para uma situação semelhante.
— Você não sabe o quanto. — Sua voz perigosamente rouca juntamente com seus olhos,
oscilando entre o desejo e a razão, me deixavam louco.
Meu pau pulsou e percebi que estava ignorando a dor completamente, enquanto o seu
calor me entorpecia. Eu disse, eu disse que esse cara iria me matar. Porque eu estava disposto a
trepar com ele a qualquer momento e em qualquer situação. A nossa química era uma grande
loucura, algo sobrenatural. E eu só queria mais e mais dele, nunca menos. Não havia ponderação,
quando o assunto envolvia seu nome.
— Quero mamar seu pau — deixei escapar, e me encarando com um desejo quase
palpável, ele abaixou o moletom, revelando seu membro teso e parte de suas bolas, pressionadas
pelo elástico do moletom, que inclusive era meu. As veias escuras do seu pau estavam salientes,
parecia pesado, bruto e grosso. Salivei de vontade de chupar como um picolé, passar minha
língua pela aquela cabeça oval, pela fenda úmida, pelos relevos das veias grossas.
Ivar se agachou na cama, ele exibiu aquele corpo lindo e abrasador. Enquanto me
ajoelhei de frente a ele e me abaixei sobre os cotovelos, provando seu sabor lentamente. Primeiro
uma lambida, depois pequenos beijos e, envolto por seus grunhidos de prazer, abocanhei,
sentindo-o preencher minha boca e meu nariz, com seu cheiro delicioso. Ele era doce e cheirava
a algo igualmente sedutor e gostoso. Eu estava doido de vontade de foder, mas ainda estava
sentindo minhas regiões baixas sensíveis, pelo excesso da noite anterior.
Entretanto, antes que eu pudesse pedir, senti algo úmido, melado, puxando meu pau para
trás, sugando-o, mamando com força. Gemi de boca cheia, aquele súbito estímulo quase me fez
gozar, amoleci de tesão. Não olhei para trás, mas olhei para os seus olhos nublados pela
excitação. Seu quadril começou a ondular, quando suas mãos foram para trás, segurando seu
corpo brevemente tombado, lhe dando sustentação.
Urrei de prazer, quando senti outro de seus tentáculos, mais fino, lubrificando meu cu
com seu líquido quente, que ardia e me entorpecia, invadindo pouco a pouco meu buraco
inchado, em um vai e vem cada vez mais profundo. Seus olhos me vislumbravam por completo.
Suguei com força, conforme meu desejo alcançava patamares ainda mais altos.
— Isso, delícia, mama. Chupa com vontade — seus lábios sussurravam sacanagens e seu
corpo estremecia de prazer, agarrei suas coxas grossas, ainda cobertas pelo tecido, mas quentes
como o inferno. Seu corpo normalmente frio, parecia uma fornalha, quando estávamos a sós.
Eu também não estava no melhor estado, sensível demais para suportar tanto estímulo,
comecei a foder a cavidade que envolvia meu pau, com tanta força, que na contramão, o
tentáculo inchava, pouco a pouco, sendo forçado para ainda mais fundo, por meus movimentos
irregulares e desesperados.
Eu não conseguia decidir onde estava o maior prazer, porque se eu fodia o coletor,
acabava metendo ainda mais no meu cu, aumentando a pressão na minha próstata. Fiquei mole,
quando o meu prazer veio e não fui capaz de segurar, ao mesmo tempo, o leite quente enchia
minha garganta em uma jatada feroz. Nossas respirações se prolongaram, estávamos em êxtase.
Que homem gostoso! E pensar que eu terminaria o resto dos meus dias ao seu lado, era como um
sonho colorido em um mundo, antes, cinzento.
Depois do prazer, Gunnar me ajudou a voltar para as cobertas, me limpou, e massageou
minhas costas doloridas. Contudo, a febre só aumentou. Eu tremia, dormia e acordava com dor,
fome, sede e minha bexiga explodindo.
— Calma, meu garoto — Gunnar sussurrou, quando o desespero bateu à porta. — Você
só precisa suportar isso por mais um tempo. Vai passar.
— Minha barriga vai crescer? — perguntei em algum momento de lucidez, erguendo a
cabeça em seu peito para olhá-lo melhor.
— Vai, sim — meu homem, quer dizer, Alien, respondeu com um sorriso calmo e terno.
— A gestação pode levar até três meses, e mais três, fora do corpo, para o nosso ovinho eclodir.
“Eu realmente vou me tornar um pai/mãe galinha!” Gargalhei internamente. Essa frase
nunca fez tanto sentido.
Suspirei, então as coisas seriam rápidas, mas diante dessa verdade, percebi que estava
me esquecendo de perguntar algo.
— Vou ter que fazer uma cirurgia para que nosso bebê saia, não é? — Estremeci de
medo, aguardando sua resposta. Imediatamente me lembrei daqueles vídeos de terror, onde o
hospedeiro rasgava ao meio seu portador.
— Sim, amor. Se fosse um corpo speiriano, não precisaríamos de cirurgia, mas no caso
de outras espécies, temos formas de retirar o filhote, sem sobrecarregar o corpo portador — ele
respondeu, acariciando minha orelha com a mão preguiçosa. — Minha espécie é bastante
avançada em tecnologia, os riscos de quaisquer incidentes são de menos de 1%, não coloque
coisas desnecessárias na cabeça, só se recupere bem.
Meu homem parecia tão à vontade comigo, que me senti comovido. Adquiri pavor a
hospitais, mas pela primeira vez na vida, eu não estava reclamando de precisar de um. Afinal, o
que poderia acontecer, se o bebê não pudesse sair? Eu não queria nem pensar nisso, aliás, já
estava pensando.
Era um pouco estranho o ouvir chamando nosso bebê de filhote, mas com o decorrer do
dia, eu já estava me acostumando a isso, além de me sentir feliz, por ver sua alegria indisfarçada.
Ele estava tão feliz quanto eu, e sua admiração por mim irradiava por seus poros. Eu não era
apenas uma incubadora, eu era o pai do seu filho.
Acordei no segundo dia, com o meu homem segurando um prato de sopa de carne,
Gunnar estava me enchendo de comida que, segundo ele, eram necessárias para que meu corpo
não sofresse as consequências da falta de nutrientes. Comi até me fartar, eu estava com a fome de
um dragão adulto. Aquele homem era tão lindo, me tratava com tanto cuidado que, às vezes, eu
sentia que tudo aquilo era apenas um sonho lindo.
No terceiro dia, minha febre havia baixado, e Gunnar precisava ir até o QG para resolver
alguns assuntos relativos à cápsula. Fui dispensado por cinco dias, a fim de me recuperar da
“indisposição intestinal”, sim, aquele filho da puta teve a coragem de espalhar que comi carne
mal passada em nosso encontro, e que isso me fez morar no banheiro e dormir no vaso.
Sozinho em casa, já que Louis manteve o Peter com ele, para me deixar descansar da
minha “indisposição”, fiquei no sofá assistindo TV, um filme ridículo de ação. Foi quando ouvi
meu telefone tocar ao meu lado, tranquilamente olhei para a tela, era Pérola. Surpreso, abaixei o
volume do filme, atendendo. Algo dentro de mim começava a apitar o sinal de perigo.
CAPÍTULO 19 – THE DAY THAT NEVER COMES

#SONG: METALLICA#

— O que houve, Pérola? Achei que estivesse com raiva de mim — falei um pouco
receoso e na defensiva. Minha melhor amiga sabia ser geniosa, quando era contrariada, não era
de seu feitio superar suas desavenças tão rapidamente.
— Não estou com raiva de você, seu idiota — sua voz parecia mais séria do que o
normal e isso me deixou tenso.
— O que aconteceu? — Meu coração começou a bater forte, sempre que eu recebia
ligação dos meus amigos, suspeitava de que algo ruim havia acontecido a algum deles, mas ela
não me respondeu, apenas contornou minha pergunta.
— Como você está? Melhor? Como está o bebê?
Imediatamente gelei, não era para ela saber nada sobre isso, Gunnar havia sido preciso,
ao me explicar que nada sobre aquele assunto deveria ser vazado, então retorqui:
— Como sabe disso, Pérola?
— Gunnar me contou.
Sua voz baixa, quase um sussurro, me fez levantar do sofá em um sobressalto, ignorando
a tontura e a dor na minha barriga, que apesar de estar bem mais fraca, ainda não havia sumido
completamente.
— Pérola, pelo amor de Deus, o que está acontecendo? — Minha voz ansiosa denunciou
a crise que estava se formando em minha mente, minha respiração tensa se pronunciou.
— Escute, preciso que fique calmo, ou seu corpo pode ser sobrecarregado — ela
começou, ainda em sussurros, deixando evidente as discussões em alto tom lá no fundo. Eu não
conseguia entender o que estava acontecendo, mas para um lugar sempre silencioso, como o QG,
algo não estava certo.
— Preciso que saia daí, Apollo. Seu homem me pediu para instruí-lo a ir para o
restaurante da primeira noite, você não tem muito tempo.
— O quê?! — questionei, sentindo o pânico me dominar, eu estava tranquilo há menos
de cinco minutos, e do nada, as coisas começaram a despencar sobre minha cabeça. Que
caralhos!
— Não pergunte muito, não posso explicar. Apenas, saia daí. — Seu alerta final me
encheu de pavor. Imediatamente senti medo de que algo tivesse acontecido ao meu homem.
Porra! Ele era a única pessoa que poderia me ajudar com nosso filho! Se algo acontecesse com
ele, as coisas ficariam loucas.
Corri para o quarto, pegando minha mochila, eu estava ofegante, mas sabia que para
Gunnar me mandar sair assim, algo não estava bem, na verdade, o inferno deveria ter subido na
Terra.
— O que mais ele disse? O que está acontecendo, Pérola? — vociferei, deixando o
celular no viva voz, enquanto separava as vitaminas no bolso lateral. — Fizeram algo com ele?
Onde ele está?
— Não vou conseguir explicar agora, tudo o que posso dizer é que Gunnar deixou
muitos rastros. Merda! Nem todo mundo está contente em ter outra raça se alimentando de
nossos homens e mulheres. Depois disso, ficou claro que alguém vazou um monte de absurdo na
internet e expuseram vocês dois. — Ofeguei sentindo o desespero bater à minha porta. Agora
que tudo estava indo bem, estávamos prestes a ir embora.
— Fizeram algo com ele, Pérola?! — gritei, extremamente descontrolado, amedrontado,
nervoso ao nível mais hard. Perdendo a razão pouco a pouco. — Eu estou indo aí, se tocarem
num fio de cabelo dele, eu vou metralhar todo mundo.
— Apollo, calma! Me ouça! — Trêmulo, enfiei algumas roupas na bolsa, enquanto a
ouvia com atenção e temor. — Gunnar disse que pode resolver isso, mas ele não pode sair daqui
agora. Seus amigos podem protegê-los, a você e ao bebê. Não venha aqui! É isso que eles
querem, droga!
Respirei fundo, tentando me acalmar, sem parar o que estava fazendo. Mas minha mente
confusa me deixava em estado de nervos. Senti o ar faltar, mas continuei a ação. Peguei minha
pistola, conferindo as balas no tambor.
— Eu só tenho minha Magnum em casa. Que merda! — resmunguei, pela primeira vez
senti falta de um fuzil. Eu não queria mais viver a tensão da guerra, de um conflito armado, mas
agora, não era questão de querer, era questão de ser obrigado a tal.
— Vamos dar um jeito nisso, Apollo. Apenas saia daí. Coloque uma roupa diferente e
pegue a saída de emergência, o Carter está esperando você. Não deixe que ninguém o veja
saindo, deixe a TV ligada no volume mais alto.
— Tudo bem — murmurei ofegante, a bolsa era apenas uma mochila, não havia nada em
excesso, para não chamar a atenção das pessoas.
Coloquei um boné escondendo meu cabelo e a roupa mais velha e larga que eu tinha.
Aumentei o volume da TV e saí com cuidado, mas quando eu estava prestes a fechar a porta da
saída de emergência, vi dois homens fardados, segurando fuzis, se aproximando do meu
apartamento.
— Filhos da Puta! — murmurei, deixando o rancor me dominar, não desses homens,
mas das cabeças por trás deles. Vê-los me causava ansiedade, medo, pena. Porque aqueles que
deveriam servir para proteger um país, estavam sendo usados para fins políticos e econômicos.
E, se acaso morressem, no último instante, no último suspiro, a única coisa que viria à mente
seria: O que eu sou? Qual é o valor que tenho? A minha vida é importante?
Desci as escadas correndo, pulando os degraus, cada passo a dor aumentava, eu estava
morrendo de medo do que esse esforço causaria ao filhote. Desde o momento em que o aceitei
em mim, eu já o queria, não pensei em sequer um instante perdê-lo. Estava pronto para ele, meu
pequeno era desejado.
Respirando com dificuldade, desci lances e mais lances de escada, mas gritos altos
vieram de cima e, olhando para cima, eu soube que havia sido descoberto.
Desci o último lance de escada tentando me manter em silêncio, mas, antes que eu
alcançasse o último degrau, minha perna falhou e a dor veio, junto com minhas mãos, segurando
meu peso contra o chão. Por sorte, a dor já não fazia tanta diferença, eu estava acostumado a
ignorar, a adrenalina anulava meus sentidos sobrecarregados e, portanto, eu consegui segurar o
grito de surpresa, mas o som das minhas palmas, se chocando ao chão, chamou a atenção dos
caras que vinham de cima.
Se ainda tinham dúvidas da minha existência ali, agora não tinham mais, porque seus
passos se tornaram ainda mais rápidos à medida em que me alcançavam. Empurrando a porta
pesada, me joguei para fora. Quase desmaiei, quando um par de mãos me puxaram.
— Calma, calma, brow, sou eu. — A voz de Carter me puxou para a realidade. Eu estava
desnorteado, ofegante e assustado.
— Você… — tentei falar algo, mas não consegui, fazia anos que não nos víamos, e, eu
realmente sentia muita falta deles. Meus olhos arderam, eu estava em pânico e sabia que haviam
cercado o perímetro, tentando me pegar.
— Me ajuda aqui, mano — Carter pediu, parecendo bastante ofegante, e me juntei a ele,
enquanto empurramos um enorme container, o posicionando com dificuldade em frente à porta.
— Mano, se acalma, Amy e eu temos um fundo falso na caminhonete. Não pergunte o
porquê, apenas, entre lá e vamos embora. Não dá tempo de falar muita coisa.
Acenei agradecido, ainda tenso. Eu não sabia o que estava acontecendo, tudo parecia
confuso demais, me levando ao limite. Fazia anos... anos que eu não me envolvia nesse tipo de
ação, meu cérebro lento custou a sincronizar com o meu corpo.
— Estacionamos a caminhonete bem próximo da saída de emergência, com a ajuda de
uns caras, ninguém desconfiou — Carter me explicou.
— Como vocês sabiam? — perguntei, desconfiado de tudo e de todos. — A Pérola ligou
pra você?
— Seu pai — foi tudo o que ele disse, mas não consegui me acalmar. Meu pai não fazia
nada de graça, outros podem ser enganados por ele, menos eu. Pelo menos era isso que eu
pensava.
Entrei na caçamba da caminhonete com um pulo, deixando que Carter me escondesse
sob o fundo falso. Estava quente pra caralho ali debaixo, meus instintos estavam em alerta, tentei
ocultar qualquer ruído, mesmo os da minha respiração ofegante. O carro acelerou, pude sentir o
movimento, minha perna latejava, assim como, minhas costas e as palmas das minhas mãos,
devido ao mau jeito do tombo.
De repente senti os movimentos diminuírem e então, cessarem. Agucei minha audição e
me preparei mentalmente para correr e atirar em qualquer um que tentasse me parar, mas alguns
segundos depois, o balançar do veículo me fez relaxar um pouco, estávamos novamente em
movimento, mas isso não durou muito, porque logo em seguida, uma freada brusca me fez bater
com a cabeça no tampo, prendi o ar, puxando o gatilho da pistola.
Então, dando vazão aos meus receios, ouvi a voz de um cara soando de fundo, e eu pude
ouvir com facilidade o que dizia:
— O que fazem aqui?
— Estamos trabalhando, oficial. — Amy respondeu com firmeza, me fazendo franzir o
cenho. Quando foi que ela apareceu?
— Trabalhando? Nomes e documentos? — O timbre do cara era de pura ironia e
arrogância.
Estremeci, mesmo confiando nos meus amigos, tive medo de implicá-los com os meus
problemas. Eu não queria repetir os mesmos erros do passado, não agora, que eu estava prestes a
ser feliz, a me libertar de tudo aquilo.
Levei a mão até onde supus estar meu ovinho e acariciei, tentando acalmar meus
sentimentos negativos. Dizem que as crianças sentem o que os pais estão vivenciando, e eu não
queria prejudicá-lo também, era meu filhotinho querido. A realização do meu maior sonho, o
sonho de ter uma família.
Entretanto, não deixei de prestar a atenção ao que acontecia lá fora, se nada desse certo,
eu tentaria ganhar tempo até que… Merda! Eu já estava tão rendido, que parecia um idiota
apaixonado, mas na minha alma eu poderia sentir que ele jamais nos deixaria para trás.
— Amy Carter e Samuel Carter, senhor. — A voz do meu parceiro parecia calma,
mesmo rústica, mas eu podia sentir seu nervosismo, o conhecendo tão bem quanto o conheço.
Um tempo depois, o silêncio foi encerrado e eu tive certeza de que havia me fodido.
— Ex-combatentes do Exército Nacional, hein? Estão vendendo armas agora, desceram
de nível — o desgraçado zombou, antes de nos jogar na desgraça. — Vamos interceptar essa
caminhonete, depois da vistoria vocês podem retirá-la da apreensão.
— Não pode fazer isso, senhor! — Amy murmurou indignada e nervosa, e foi nesse
momento, por um buraco de parafuso, que notei. O cara estava olhando diretamente para mim.
Eu havia sido descoberto.
Em desespero, chutei a tampa que me cobria para frente, me dando cobertura pelo tempo
necessário, e com o revólver em mãos, disparei na direção dos soldados mais próximos. O cara
que nos interceptou, em um momento de surpresa, como se não esperasse por minha reação, se
abaixou, fugindo da minha linha de visão. O bloqueio não era grande, mas todos estavam
armados até os dentes.
Aproveitei seu descuido e me escondi atrás da caminhonete.
— Covardes! — gritei, me escondendo atrás da lataria, tentando não entrar em pânico
por ter em mãos apenas uma arma de tambor.
Não acertei ninguém, não era minha intenção levar a cabo a vida desses colegas, eu só
queria ganhar tempo.
— Amy, Carter! — gritei, vendo-os se juntar a mim, sob a cobertura da caminhonete,
armas em punho, olhos atentos. Fazia tempo que não os via em ação e pude notar que, mesmo
dispensados do exército, ainda tinham a mesma bravura do passado. Eu confiava minha vida a
eles no passado, mas hoje já não sei se consigo confiar algo tão precioso a alguém, porque já não
estou mais sozinho.
— Estamos aqui — Carter murmurou ao meu lado, apertando meu ombro, me forçando
para baixo. Seus olhos estavam claros como um rio calmo, suspirei de alívio ao notar que
nenhum dos dois estava ferido. Escorei na lataria da caminhonete, tentando regular minha
respiração ofegante.
— Você está tremendo — Amy constatou, apontando para a mão com a qual eu
segurava a Jubileu. Merda! Os sons dos tiros me faziam tremer, arranhando meu equilíbrio,
destruindo meu autocontrole.
— Estou bem — murmurei, oferecendo meu melhor sorriso amarelo, mas não estava
bem, nada estava bem. Eu estava péssimo. Meu semblante se tornou rígido e me senti novamente
naquele maldito conflito, me senti pressionado, coagido.
— Apollo, você não está tomando nenhum remédio controlado agora, não é? — Amy
me questionou, se virando para trás e disparando outro tiro em direção aos caras; percebi que
essa era sua forma de tentar me acalmar, que merda! Eu me senti uma vergonha completa, mas
então ela continuou, me fazendo perceber que já sabiam do meu segredo: — Gestantes não
podem tomar esses remédios sem o auxílio de um médico, pode prejudicar seu bebê.
— Como sabe disso? — Questionei, estava na cara que havia algo mais acontecendo ali.
Entretanto, ainda observando seus olhos, na tentativa de entender seus verdadeiros sentimentos,
fiquei aliviado quando notei que não havia rejeição, tampouco condenação. Eles estavam
realmente tranquilos, com o fato de um cara ter um bebê com um alienígena.
— Pergunte a Perola. — Foi tudo o que Amy me respondeu e não a questionei mais,
apenas me justifiquei.
— Não tomo mais nada há pouco mais de um ano, não se preocupe — murmurei mais
áspero do que gostaria, eu não estava irritado com ela, mas, sim, com toda aquela situação de
merda. — Só acho que não sei mais fazer isso — murmurei desamparado.
— Você era o melhor artilheiro do regimento, conhecido pela destreza no tiro — Amy
murmurou, se abaixando, conforme o som dos tiros contra a lataria nos confrontava.
— Isso tudo está enterrado no passado, Amy. E eu só queria que continuasse lá. Eu não
queria envolver vocês nisso, outra vez… — Era impossível esconder o temor em minha voz, eu
nunca fui de ferro.
— Cala a boca, brow — Carter murmurou, se abaixando. Os tiros não eram na intenção
de dar cabo em nossas vidas, eles queriam nos capturar vivos.
Mas ainda eram tiros, ainda poderiam ferir. Porra! Amy estava esperando um bebê, eu
estava carregando meu filho. Carter parecia abalado, seu semblante pesado começava a derrubar
a máscara calma que vinha mantendo, então sua voz me pegou desprevenido apertando meu
coração:
— Nós devemos isso a você.
Fiquei completamente perplexo e sem entender aonde meu amigo queria chegar, até ali.
CAPÍTULO 20 – SOLITUDE

#SONG: ALLUER#

— Do que você está falando, cara? — perguntei, tentando sorrir, enquanto alvejava o
inimigo com a minha última bala. Rapidamente recarreguei o tambor, tentando não derrubar a
munição no chão, conforme minhas mãos tremiam, mas naquele instante, o tempo pareceu
parar…
— O que fizemos com você foi covardia — Carter começou, sem me olhar nos olhos,
me deixando desconfortável. Amy, em silêncio, nos dava cobertura. — Eu, eu tentei me enganar,
dizer que estávamos longes porque você precisava desse tempo, mas não era verdade.
— Cala a boca! — gritei, enquanto me virava para atirar, se pudesse tapar meus ouvidos,
eu os taparia. Eu não queria mais ouvir, porque eu já sabia exatamente o que Carter queria me
dizer, mas nada do que eu dissesse, o faria se calar.
— Eu preciso dizer, porque se eu morrer antes de dizer isso, nunca serei capaz de
descansar.
— Eu não quero ouvir! — murmurei, sentindo minhas emoções começarem a me
dominar. Eu não gostava disso, eu não queria aceitar a verdade, eu preferia viver na mentira.
— Eu realmente culpei você, eu realmente… tive ódio de você. E eu queria pedir perdão,
porque eu sinto que joguei em suas costas o peso das nossas vidas, das nossas mortes. Nós...
desistimos de você, brow, mesmo, no fundo, sabendo que você não tinha culpa de nada — Carter
murmurou e eu já não conseguia mais dizer nada, porque estava doendo de verdade, porque meu
coração sangrava.
Minha alma despedaçada parecia prestes a se desintegrar. Ouvir da sua própria boca era
mais difícil do que eu esperava que fosse ser.
— Nós não temos coragem…
Sua voz se tornou abafada, conforme o som de engasgo reverberou em meus ouvidos, e
mesmo que o som seco dos tiros abafasse em muito seus ruídos, cada sentença sua me fazia
sofrer aquela dor outra vez, me transportava para aqueles momentos de solidão, culpa, tristeza,
incompreensão.
— Nós não temos coragem de pedir seu perdão, porque enquanto continuávamos,
enquanto superávamos a dor, nós projetamos sobre você nossas próprias responsabilidades, nós
estávamos te matando pouco a pouco.
Soluços alcançaram meus ouvidos, me deixando tenso, sem reação, eu não queria ouvi-
lo chorar, eu não queria. Porque, porque no fundo, ninguém parou para me ouvir.
— Nós estávamos matando você. E sabe o que mais dói em mim? O que mais dói é
perceber que nós te abandonamos lá, naquele lugar, sozinho, porque desde que voltamos, você
deixou de existir, nossa amizade morreu ali. E o mais irônico disso tudo, é que se não fosse pela
sua coragem, eu nem estaria mais aqui e, mesmo assim, eu fui um lixo de amigo. Porque se não
fosse aquele vídeo do caralho, eu ainda não teria sido capaz de te perdoar. Sim. Te perdoar. —
Senti meus olhos arderem, porque a verdade é cruel demais, e mesmo que hoje eu tenha
encontrado alguém, essa sombra não seria facilmente esquecida.
Sim, eu sabia que poderia estar sendo infantil, mas não era algo que eu pudesse
controlar. Porque as perguntas que fiz a mim mesmo, quando eu estava na pior, continuavam
rondando a minha cabeça. Cadê todo mundo? Por que ninguém me enxerga aqui? O que eu sou
para eles? E se eu errasse, tentando o meu melhor, eu ainda seria condenado? Não havia
necessidade de responder algo tão óbvio.
Eu amo meus amigos, mas, o que tínhamos antes, acabou e eu jamais poderei recuperar.
A nossa confiança se foi naquele dia, para sempre. E mesmo o perdão não seria capaz de apagar
essa realidade, porque as marcas estão entalhadas em mim.
E por mais que eu quisesse superar as mágoas, não sou de ferro, não sou santo. Eu sou
humano, sinto dor, frio e abandono. Mas eu jamais imaginei, muito menos quis aceitar, que os
meus melhores amigos não permaneceriam ao meu lado. De fato eu me afastei, por que seus
olhares, seus gestos, suas ações, demonstraram, mesmo que indiretamente, o quanto minha
presença os incomodava e isso passou a me incomodar também.
No entanto, mesmo suprimindo aquela dor, aquela rejeição à verdade, murmurei,
tentando meu melhor para sorrir.
— Eu não me importo. Isso já está no passado.
Mas eu me importava, entretanto, antes de ir embora, para nunca mais voltar, eu não
queria guardar memórias ruins sobre nós, porque eu, com certeza, nunca mais voltaria nesse
lugar. Mas reconstruiria do zero a minha vida, em um lugar onde eu pudesse finalmente ser feliz.
Olhando para mim com os olhos vermelhos e úmidos, Carter suspirou profundamente.
— Você… salvou nossas vidas, brow. Eu só queria que soubesse que realmente não
merecemos sua amizade, mas o que estamos fazendo aqui, não tem nada a ver com você, porque
no final, todos nós só queremos reparar o mal que nós fizemos, uma última vez. Porque somos
egoístas.
Egoístas… sim, a natureza egoísta dos seres humanos sufoca nossa maior qualidade, a
empatia. Não nos importamos com a dor do outro, desde que estejamos bem. Triste, frustrante,
mas somente quando reconhecemos isso, é que somos capazes de nos tornarmos pessoas
melhores. Não há beleza no egoísmo.
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, na intenção de me esquivar do assunto,
ouvi o tal oficial nos incitar a desistir da resistência.
— Saiam daí com as mãos para o alto. É uma ordem direta!
Respirei fundo e, como resposta, lancei mais um tiro contra os militares do outro lado,
em uma espécie trincheira improvisada. “Eu não posso parar! Eu não posso desistir.” Murmurei
para mim mesmo, tentando manter o foco. Então, sons de pneus derrapando me chamaram a
atenção, para as dezenas de carros pretos invadindo o bloqueio em alta velocidade.
— Chegaram os reforços dos caras… — comentei, sentindo uma enorme descarga de
adrenalina, o desânimo se apoderou de mim, mesmo eu, sabia o momento exato em que deveria
desistir, mas quando eu estava prestes a me levantar, para acabar de vez com aquilo, Amy
segurou meu braço com força.
— O que está fazendo, cara? — ela questionou apavorada e, somente então, percebi o
quanto estava sendo impulsivo.
— Acho melhor encerrar esse confronto, talvez Gunnar possa me ajudar a escapar… —
murmurei me sentindo resoluto, lutar até a morte não era uma opção. Seria melhor se entregar.
— Quando eu me entregar, corram para o sentido contrário, darei cobertura, caso haja
necessidade.
— Mas esses são os nossos reforços! — Amy gritou, me puxando para baixo e me
abraçando com força. — Estamos bem agora. Estamos seguros outra vez.
Nossos reforços… Olhei para Amy sem acreditar. Estávamos à salvo? Então, como se
confirmasse minhas dúvidas, uma voz alta soou por um megafone.
— Cessar fogo! O governador, a mando da casa presidencial, determina o fim dessa
operação.
Quando ouvi a ordem para interrupção daquela perseguição quase me sentei no chão de
alívio. Meu corpo inteiro relaxou, mas ainda me mantive intrigado, desconfiado. O que meu pai
estaria pensando?
— Há três dias atrás, um vídeo foi vazado para todos os nossos camaradas. Para os
sobreviventes daquele incidente maldito — Amy murmurou, me fazendo olhá-la nos olhos, pude
sentir a tristeza em sua voz, pude sentir a dor. — E esta filmagem desmentia completamente a
nota do governo, deixando bem claro de que já estávamos na mira dos terroristas. Por segundos
não fomos emboscados, todos nós poderíamos estar mortos neste exato momento.
— Então alguém jogou isso na internet, e viralizou de tal forma, que mesmo o governo
não poderia ficar calado. Sua vida também foi exposta nas mídias, você estava sendo chamado
de o “Herói Caído”.
— Entendo — sussurrei, apertando a coronha da minha pistola, me senti leve de dentro
para fora, me senti honrado, me senti liberto, porque finalmente a culpa que eu sentia foi retirada
dos meus ombros, a injustiça que eu sentia foi lavada. Finalmente os pecados que recaíram sobre
mim foram absolvidos. E a sensação de liberdade, que aquilo me trouxe, me deixou
extremamente tranquilo.
Eu não buscava reconhecimento, eu buscava respeito. Tudo aquilo me prejudicou de tal
forma, que mesmo cem anos de reparação podem não curar as minhas feridas da alma. Lógico,
eu não queria ser exposto dessa forma, eu não queria ser herói de ninguém, porque no fundo eu
sentia que fiz apenas o que era devido.
Naquela época, depois que eu acordei naquele hospital, apaguei todas as minhas redes
sociais, me tornei invisível para o resto do mundo. Eu me isolei, tentei me blindar das críticas,
das ameaças, das centenas de mensagens que me colocavam como um assassino cruel dos meus
próprios camaradas. Sim, novamente repito, sou humano. Gostaria de que me pedissem perdão,
mas isso não mudaria em nada a minha dor, então preferi apenas manter a distância dessas
pessoas.
Mas no momento atual, este seria o melhor cenário, ao menos o governo não ousaria
tocar em mim. Não antes que as notícias esfriassem. E eu sequer precisaria perguntar quem havia
espalhado aquele vídeo, porque eu já tinha todas as respostas de que precisava.
— É… Você pensou em tudo — murmurei com um sorriso suave ao me lembrar do
olhar profundo que ele me deu, antes de sair nessa manhã, era incrível como aquele homem era
inteligente, impressionante em todos os sentidos, mas o que mais me impressionava nele era a
forma com a qual me olhava, cheio de calor e carinho. Não havia julgamentos, percebi então, que
mesmo que eu me tornasse exatamente aquilo que me julgavam ser, ele ainda estaria ao meu
lado.
Naquele momento, sem outra alternativa, os militares se afastaram, dando espaço aos
agentes da Agência de Inteligência Nacional.
CAPÍTULO 21 - NOTHING ELSE MATTERS

#SONG: METALLICA#

Quando cheguei ao laboratório, observei a atmosfera perturbada com certo interesse, as


vozes baixas soando em minha mente tornavam tudo muito mais claro. Decepção, eu estava
decepcionado. Fui enviado a este lugar, a fim de ensiná-los os passos básicos para
desenvolverem sua própria tecnologia pautada na saúde pública, uma das nossas maiores missões
em Speir.
Mas quando cheguei aqui, fui confrontado com a insatisfação “Deles”. Trouxemos um
compilado de teorias para desenvolver sua indústria farmacêutica, mas, não, pensando em lucro e
sim, em vidas. Meus camaradas tinham um carinho especial por este mundo, bastante semelhante
ao nosso planeta ancestral; no entanto, a raça habitante deste sistema solar era tão mesquinha,
que me fez perder qualquer respeito por ela. Salvo algumas exceções.
O que queriam não era a cura para doenças nocivas, mas armas; seus interesses eram
pautados nas tecnologias nucleares, nos armamentos produzidos para guerras de larga escala. Eu
me senti decepcionado, irritado, porque, naquele momento, percebi que pouco a pouco, tudo
naquele lugar seria destruído por esses parasitas que, ao contrário de nós, ainda conseguiam se
reproduzir com abundância.
Era deprimente ver especialistas, cientistas e doutores lutando pelo menor resquício de
orçamento, sendo boicotados exaustivamente, exauridos e alguns deles comprados pelo intento
do dinheiro. Corrupção, da mais cruel; uma luta por poder entre a própria espécie e, como tal, eu
também não seria misericordioso, meu nome não era Santa Mãe. E eu era apenas um intruso.
Tive pena do meu garoto, porque sua alma gentil seria facilmente abusada, explorada,
dissolvida por pessoas como estas, que não davam a mínima importância a nada, além de ganho
próprio. Nem todos, vamos deixar bem claro, mas a maioria dos que detinham algum poder.
E o que mais me decepcionava era a falta de pensamentos próprios, de pessoas que
refletiam sobre tudo; essa gente estava tão absorta em si mesma, que sequer pararam para
analisar se o que lhes era dito tinha alguma valia. Estavam cegas pela lavagem cerebral dos
poderosos, criando uma barreira, onde para se estar no topo teriam que sacrificar a própria
humanidade. Não existia um “nós”, existia um “eu”. E logo ninguém notava que pensar no “eu”
não faria nenhuma diferença para o avanço a longo prazo.
Não vou mentir e dizer que me importo com essas pessoas, me importo com Apollo, o
resto: Fodam-se! Nunca fui do tipo mediador, sempre fui decisivo; minha especialização era,
afinal, o combate. E se meu povo tinha a intenção de apartar os ânimos, enviaram a pessoa
errada. Minha paciência só seria infinita quando envolvesse meu homem. Ademais, fodam-se!
A cada passo que eu dava, sentia os olhares estranhos e amedrontados se voltando em
minha direção. Realmente, me pareceu que minha presença não era muito bem-vinda. O que era
bastante risível, porque eu tinha em mãos um documento capaz de ajudá-los; no final, seu
carrasco era seu maior apoiador.
Sorri com deboche quando notei que o pateta do Welfen me esperava plantado no meio
do laboratório. E não era preciso que me dissesse nada, eu sabia exatamente o que estava em sua
mente. Atrás dele, acuados em um canto, cientistas e “colegas” de trabalho me observavam sem
entender o que de fato estava acontecendo ali.
Passos atrás de mim indicavam que eu estava cercado. Estavam tentando me intimidar?
Bando de idiotas! Não os evitei, na verdade, eu ainda dependia dessa porcaria de base para
chegar com segurança até minha nave. Apollo não estava na melhor das condições, e eu não os
colocaria em risco, porque meu lado paternal estava aflorado, além da minha compreensão.
Minha família em primeiro lugar.
— O que está acontecendo aqui? — perguntei simplesmente e me virei para observar
aqueles homens armados cercando todas as minhas rotas de saída. Ousados, eles eram muito
ousados.
Eu sabia exatamente o que queriam de mim. Na superfície tudo estava calmo, mas
bastava remexer um pouco na podridão, para encontrar os conflitos internos. Muitos anos de paz
causa certa confiança.
Voltei a encarar o Welfen, esperando que me desse uma resposta satisfatória, mas então,
sua retórica me provou ser impossível manter um diálogo civilizado com ele.
— Eu vou perguntar apenas uma vez, aberração. Onde está o Tenente Smith?
Olhei bem no fundo de seus olhos, tentando determinar como eu deveria reagir a essa
insolência. Odiei ouvi-lo dizer o nome do meu homem com tanto carinho, ele não tinha esse
direito. Estava trabalhando para o demônio e ainda assim se achava imbuído em justiça. Que
patifaria.
Mas… aberração, hein? Percebi então, o quanto eu estava perdendo o prestígio, porque
mesmo um verme ousava me insultar. Cômico!
O pior de tudo era perceber que o único oficial, em que Apollo confiava, era tão tapado
que sequer percebia que queriam encontrá-lo apenas para usá-lo contra mim. Ninguém estava se
importando com o meu garotão, suas intenções eram obscuras. E isso era muito triste.
Entretanto, se eu quisesse sair. ninguém poderia me impedir; se eu quisesse passar por
cima desses homens, ninguém seria capaz de me parar. Mas confesso que eu realmente fiquei
muito curioso com toda essa maquinação humana. Onde queriam chegar com essa pataquada dos
infernos? Certamente haviam se esquecido de que, enquanto eles estavam indo, eu já estava
voltando.
De repente, me incomodei, porque a ideia de que pudessem tentar algo ao meu homem,
enquanto me mantinham aqui, me perturbava; mas os sentimentos que Apollo me passava pelo
nosso vínculo ainda estavam em plena ordem. Portanto, mantive a calma, contive meus
demônios, minha raiva. Eu seria o último a agir. Querem quebrar o tratado? Pois que venham
primeiro.
— Ele está onde deveria estar, onde deseja estar, senhor Welfen — decretei, e da minha
voz escorria verdade.
— Cínico! Você não sabe o quanto me odeio por não ter entendido os sinais antes… —
Welfen me encarou e o ódio em seu rosto era visível, sua mão segurando o revólver na cintura,
de prontidão; não me abalava, porque antes mesmo que ele pudesse atirar, já estaria incapacitado.
O mal do ser humano era se superestimar.
Não consegui impedir que o canto dos meus lábios se erguesse em uma espécie de
resposta sensorial ao meu estresse.
— Bem, se não acredita em mim, é problema seu, não tenho que provar nada a ninguém.
E em respeito ao carinho que o Apollo tem por você, eu não vou me incomodar com sua
existência. Agora, se me permite, quero falar com o boçal que está comandando essa cagada.
Ao final, aumentei o tom de voz, esperando que o indivíduo ímprobo se apresentasse, e
foi justamente como previ. Uma “múmia” viva caminhou em direção a Welfen. Porte pomposo,
mãos atrás das costas, olhar altivo.
— Você não é bem-vindo aqui — foram suas primeiras palavras. Seus olhos não
olhavam para os meus, mas se fixaram em minha testa, como se tentasse manter uma postura
superior sobre mim. Como se quisesse provar sua grandeza e coragem.
— Mm — murmurei sem a mínima vontade de responder. Para ser mais preciso, eu
também não estava com a mínima vontade de permanecer naquele lugar por mais nenhum
segundo, mas antes de tudo, aquele era o meu trabalho, e eu costumava levar muito a sério o que
me propunha a fazer.
— Queremos que se renda e coopere conosco, quem sabe então podemos deixá-lo ir
embora para o ralo de onde veio. — Sua voz aguda me dava náuseas, seu olhar arrogante me
fazia ferver, cheio de vontade de apagá-lo do universo. Sua presença fedia a excremento. Ah… eu
me lembrei de você… Murmurei internamente e, de repente, me senti muito satisfeito.
— Não — respondi calmamente, deixando que minha voz ecoasse como uma tsunami
pelo laboratório. Observei alguns soldadinhos de chumbo ficarem pálidos, como se a qualquer
momento fossem afundar no chão, com muita satisfação.
— Mas você não tem escolha, criatura diabólica. Não há como escapar daqui vivo hoje.
— Sua voz tremeu levemente na última palavra revelando seu verdadeiro estado de espírito:
medo. Ele estava se pelando de medo.
— E quem vai me impedir? — questionei abrindo os braços, mantendo meus olhos fixos
nos dele, mas em nenhum momento aquele verme teve a coragem de me encarar de frente.
Porque ele estava se valendo do fato de que talvez eu não o reconhecesse, no entanto, eu sabia
muito bem. E o ódio que eu sentia desse homem me fez vibrar.
E antes que ele pudesse me responder, com muito prazer, questionei com o meu sorriso
mais deslumbrante:
— General Cobe, hein? É uma desgraça finalmente conhecer o senhor.
— Garoto, eu vou te ensinar como não responder aos mais velhos — Cobe murmurou e
seu olhar traiçoeiro finalmente me fuzilou. O som das armas apontadas para mim eram música
para os meus ouvidos. Pois então venham, quebrem o tratado, vamos ver quem vai rir por último.
— Senhor Cobe, apesar da aparência maravilhosa que tenho o prazer de manter, ao
contrário do senhor, que não tem usado os produtos Ivone, eu já estou beirando meus sessenta
anos de vida. Mas em experiência, certamente sou muito superior ao senhor. Então engole essa
porra de garoto de volta, antes que eu desista da minha civilidade, visto que estou sendo
ameaçado, não seria nenhuma infração reagir à altura — rosnei, admirando sua cara de quem
comeu meio tarugo de merda.
A tensão entre nós era quase palpável, em outro momento eu não me calaria, o tratado
dizia que não poderíamos prejudicar os humanos com nenhum de nossos dons, a menos que
fosse um caso excepcional de vida ou morte.
Haviam algumas ressalvas neste tratado, uma delas me permitiu acertar as contas com
aquele marginal naquele parque, já que minha força foi usada em benefício de um humano, eu
estava salvando um oficial. Ademais, não matei a vítima, e mesmo que Apollo não tivesse me
pedido, eu não faria isso.
Mas, dessa vez, eu estava começando a reavaliar tudo; este lugar era um bom planeta,
mas cedo ou tarde seria destruído, anos à frente, talvez outra espécie fosse criada. Acompanhei
de perto o resultado dos efeitos climáticos nos anos em que habitei este lugar. É realmente
lamentável que ninguém se movesse a fim de salvar um lugar tão bonito. Mas enquanto uns se
lamentavam, outros se fingiam de surdos.
Uma vez assisti um filme chamado “Não Olhe Para Cima”, e percebi que algumas
pessoas, usando as artes, tentavam quebrar os grilhões da auto destruição, uma pena que
ninguém parecia interessado em ouvir.
Sentindo a aproximação de outro grupo armado, olhei para trás, observando um homem
peculiar em um terno totalmente preto invadindo o laboratório, seus passos apressados me
alcançaram rapidamente e, junto dele, uma mulher silenciosa seguia ao lado, junto de diversos
agentes vestidos de preto, segurando armas, cercando o perímetro.
— Parem imediatamente! — A voz do nosso novo convidado era firme e bastante
semelhante à do meu garoto. — General Cobe, o senhor não tem permissão para fazer esse tipo
de operação. Peço que abaixem as armas, agora. — Parando ao meu lado, o homem suspirou,
observei seu semblante cansado e naturalmente reconheci que era o Governador do estado em
carne e osso ao meu lado.
— Senhor Smith — murmurei sem grandes apresentações ou entusiasmo; eu não tinha
nada contra este homem, na verdade, recebi sua ajuda diversas vezes pelos bastidores. Mas
também não gostava dele, ver como Apollo se tornou tão frágil, me doía na alma, e parte dessa
culpa estava contida neste homem.
Porque Apollo estava sempre errado, ele era sempre o culpado, nada que fizesse estaria
perfeito, nenhuma de suas escolhas seriam as corretas. E sua insegurança foi cultivada a partir
dessa convivência tóxica onde, mesmo que meu homem se esforçasse para se provar, ele nunca
seria o suficiente.
— Senhor Gunnar, é uma honra estar em sua presença no dia de hoje. — Otto Smith se
virou para mim com um olhar afiado, sua boca doce murmurava palavras cordiais, mas seus
olhos não escondiam a desconfiança e a hostilidade.
Apenas acenei, eu já estava cansado de cordialidades, dessa falsidade, eu não era um
homem versado a esse tipo de situação, preferia ser direto.
Indiferente a mim, Cobe continuou ladrando, ignorando minha presença.
— Governador, é uma honra que esteja em nossa presença, é uma pena que esteja sendo
tão fortemente manipulado por essa criatura, que chega a ser incapaz de notar o perigo que corre.
— Toda vez que a voz daquele boçal soava em meus ouvidos, eu sentia um enorme impulso de
arrancar fora seus dois quilômetros de língua. Mas preferi apenas assistir como a cena se
desenrolava, querendo ou não, a balança começava a se equilibrar.
— General Cobe, sinto que o senhor tem estado muito ocioso ultimamente, criando
diversas teorias absurdas de conspiração, arrastando as forças armadas para o buraco. Sinto que
seus dias já acabaram, uma aposentadoria seria uma ótima escolha — Otto murmurou e aquela
conversa estranha, que pelo tom imbuído em cinismo parecia representar uma conversa entre
amigos, me fez querer vomitar.
— Eu acho que o governador é o único entre nós dois a estar se tornando um homem
senil. Entregando o próprio filho por migalhas... — A voz venenosa e degradada daquele supra
sumo do lixo, arranhou minha consciência. Mas, sobretudo, não pude deixar de notar o rosto
amável do pai do meu homem se contorcendo em desagrado. Oh… tocou na ferida…
— As escolhas do meu filho não lhe dizem respeito. Não me compare a você, seu
assassino. — Assisti Otto perder a pose no mesmo instante em que o nome do seu filho mais
novo foi tocado. Eu sabia que ele não estava contente comigo, mas a culpa que sentia o fazia
recuar. Ele não tinha mais o direito de se envolver na vida do meu homem sem ser chamado.
— Por que não nos reunimos e conversamos civilizadamente? — A mulher de olhos
afiados, parada ao lado do governador, finalmente se pronunciou; sua postura era ainda mais
firme, seu olhar severo nos encarava como se tentasse entender o que estávamos fazendo.
— Senhor Gunnar, peço desculpas em nome da Casa Presidencial; entretanto, nosso
chefe de estado Maior não poderá comparecer neste momento. Eu sou a atual Ministra de
relações internacionais, Margareth Miller, e estou aqui para representar o desejo desta Nação,
bem como dos países aliados — ela se apresentou com um semblante firme, e estendendo a mão
em minha direção, a apertei em um gesto bastante humano, então percebi que seu corpo tremia,
mas sua voz em nenhum momento vacilou.
— Tudo bem, vou ouvi-los — declarei, tentando ganhar tempo, eu não estava
convencido de que o Smith poderia mudar nada, porque senti que, evidentemente, havia uma luta
entre vertentes políticas acontecendo bem diante dos meus olhos e nenhuma das partes parecia
querer ceder.
Conforme caminhávamos pelos corredores, rumo a uma sala isolada do QG, observei
Pérola me olhando à distância, seu ressentimento era evidente. Afinal, pelo visto, todos foram
pegos de surpresa pelos militares. Alguns cientistas pareciam nervosos, enquanto eram mantidos
no salão, sem direito a saída.
Evitei olhar para a amiga do meu homem, a fim de não levantar suspeitas. Aquela era
minha oportunidade.
— Quero que faça algo para mim. — Deixei que minha voz soprasse em sua mente, sem
que ninguém pudesse nos ouvir, seus olhos hostis se abaixaram, então ouvi sua resposta infeliz.
— O senhor deixou muitos rastros, se algo acontecer com o Apollo, vou te amaldiçoar
até o fim dos meus dias. — Sua voz imbuída em indignação me fez suspirar, eu realmente havia
sido muito imprudente, disso não havia dúvidas. A fim de protegê-lo, alertei muita gente sobre
minhas intenções, entretanto, nunca imaginei que eles teriam coragem de me enfrentar dessa
forma.
E diante dos planos mal elaborados desses tubarões brancos, qualquer um que estivesse
envolvido comigo poderia sofrer retaliação, realmente a melhor escolha que fiz foi me aproximar
dessa mulher secretamente; ela parecia diferente dos outros, pude sentir que realmente gostava
do meu Apollo.
— Preciso que faça o seguinte… — Enviei um pacote de informações para sua mente,
enquanto seguia aqueles acéfalos até uma pequena sala de reunião. Eu estava começando a ficar
irritado, a ponto de não conseguir mais manter um semblante neutro.
CAPÍTULO 22 - IN THE END

#SONG: CASSIE - SLOWED#

Quando entramos naquela sala branca e sem cor, Margareth me indicou o acento
principal à mesa, ganhando um olhar mortal do General que, sentado à minha frente, do outro
lado, me ignorava, fugia do meu escrutínio como o diabo fugindo da cruz. Eu ainda estava
contido. Ainda estava tolerando ser tratado como um objeto criminoso. Ainda… Mas o infeliz do
Cobe parecia comprometido em me estressar.
— Senhora Miller, os senhores não deveriam estar defendendo esse parasita, vocês
superestimam demais esse sanguessuga dos infernos. Estamos cansados de nos rebaixar por
migalhas, queremos mais e, hoje, com o apoio certo, podemos…
— Não, nós não podemos, senhor Cobe. O senhor não sabe com o que está mexendo e
pode se arrepender, mas não nos arraste junto para a mesma sarjeta que o senhor — rosnou o
Governador; sequer olhei para ele, meu olhar estava fixo na minha presa. Aquele humano… eu
certamente teria o prazer em matar.
Foi então que senti meu corpo esfriar, quando vibrações hostis reverberaram pelo
vínculo. Imediatamente meu corpo começou a queimar e a sensação de perigo me deixou
perturbado. Respirei profundamente, de repente, o estalo do braço da cadeira de aço me fez
bufar. Oh… eu acidentalmente havia quebrado um móvel público.
As discussões continuaram, mas eu sequer consegui acompanhar, senti as palmas das
minhas mãos formigando, meu joelho doía como se eu houvesse acabado de levar um tombo.
Bufei, sentindo meu rosto se fechar, meu cenho franzir, meu corpo enrijecer.
Mas foi o estopim, foi o limite para mim, sentir tanto medo, sentir a dor, sentir a angústia
e o abandono que meu Apollo sentia. Eu estava quieto, em silêncio, mas minha respiração
começava a acelerar.
Observei de canto a sobrancelha do Otto se erguer, conforme sua mão segurava o
revólver ao lado do corpo. Dedo no gatilho, percebi então que esperava apenas a situação se
exceder. Eu ainda não sabia se ele lutaria ao meu lado ou contra mim, mas eu sabia que uma vez
que meu controle se rompesse, ninguém que estivesse contra mim permaneceria de pé. Eu
mataria até o último humano.
Novamente a dor me fez ofegar, a sobrecarga sensorial começava a nublar minha mente.
Eu me senti infeliz, me senti culpado, novamente eu não fui capaz de protegê-lo, e dessa vez, eu
o coloquei nessa situação.
Meu coração acelerou e batia como um tambor de guerra. De repente, senti um estalo
como se algo estivesse se partindo em minha consciência. Era isso…
— Parem com essa merda agora! — Minha voz soou mais grossa do que o comum,
quase não a reconheci, eu estava no limite, entorpecido. — Eu vou contar até três e... no três,
todos vocês vão morrer, se não fizerem o que estou mandando.
Bati na mesa e foi o suficiente para estilhaçar toda a superfície de vidro que formava um
mapa, as rachaduras estavam por toda a parte; mas por fim, ainda não havia se partido, contudo
era visível a minha tentativa falha de controlar a força.
— Quem você pensa que é…? — Cobe se levantou, arrastando a cadeira e apontando
sua arma em minha direção. Logo a temperatura da sala caiu e as luzes começaram a piscar,
como se eu respondesse àquela pergunta com: Prazer, eu sou o inferno!
— 1 — murmurei sombriamente, minha voz soava como ácido.
— Dê a ordem, Cobe — Otto Smith gritou e o desespero que sentia era evidente em sua
voz, quando, também de súbito, se colocou de pé.
E correspondendo às expectativas, a arma em sua mão apontava diretamente para a
cabeça daquele homem maldito.
— 2.
Logo os sons das armas sendo erguidas ao nosso redor me fez olhar atentamente para
cada soldadinho de chumbo presente. Senti meu corpo estremecer, uma nova onda de dor passou
pelo vínculo, senti meus olhos tremularem, conforme o ódio começava a dominar cada célula do
meu corpo. Eu me levantei devagar, tentando conter meus sentimentos conturbados.
Meu corpo inteiro estava rígido e um sorriso automaticamente foi expressado em meus
lábios; minha mente estava cada vez mais focada, meus olhos se ergueram para cima e pude
sentir a pressão escapando do meu corpo. O cheiro do medo permeava o ambiente e, como se
estivessem em câmera lenta, ninguém ousou agir precipitadamente.
— Dê a ordem, Cobe — gritou Margareth, se afastando com a arma em punho.
— 3 — sibilei com dificuldade, sons de chocalho vibravam do meu corpo, ressoando
suavemente como um prenúncio do fim. E como uma serpente perto do limite, pude sentir o
fedor do medo escorrendo pelos poros daquelas pessoas. Respirei profundamente.
— O tempo acabou — sibilei entorpecido, o cheiro da morte já estava permeando no ar.
Tratado? Essa porcaria de tratado já havia sido rasgado, cuspido e pisoteado no exato
momento em que essa corja se juntou. Eu me senti infeliz, todo o esforço que fizemos por todos
estes anos para semear a paz estava sendo dissolvido a nada. Mas que se fodam!
— Daqui você não sai, só por cima do meu cadáver. Atirem! — o rosnado acuado
daquele maldito generalzinho de merda foi o estopim, meu corpo vibrou e os tentáculos, muito
bem presos, antes usados com delicadeza para afagar meu homem, agora demonstraram a rigidez
do aço. Espalhando-se livremente, os sons e ruídos perturbadores pouco me afetavam, enquanto
perfuravam como lança qualquer um que tentava me obstruir, pouco a pouco a vida dos meus
diversos inimigos se exauria.
Mas ainda assim, ninguém atirou, a maioria daquelas pessoas estavam paradas como
estátuas. Dominar tantas pessoas de uma vez esgotava minha mente, mas numa situação como
aquela, era a única coisa que eu poderia fazer para diminuir os riscos e o tempo.
— Vou deixar você por último para que veja o quão insignificante você é. — Apontei
para Cobe, que lançava um soldado à frente para escapar dos meus tentáculos, sem se importar
com seu subordinado que teve o peito perfurado e caiu no chão sem vida. Sacrificando seus
homens pela própria vida.
Senti meu sangue ferver e o ódio se alastrar, ondas e mais ondas da minha consciência
reverberavam com frieza, colocando de joelhos todos aqueles que tinham a intenção de me
humilhar e me impedir. Senti minha mente quebrando e invadindo os corpos de todos os
indivíduos mesquinhos naquela sala, eu não iria parar até derrubar o último homem.
O decrépito general corria como um louco, gritando a plenos pulmões, tentando atirar
em mim; sem sucesso, sua mente começava a perder o controle do próprio corpo.
— Não, seu monstro nojento. Não deveria ser assim, eu disse para não olharem nos seus
olhos… por quê?
Mas o ignorei completamente, nunca dissemos que nossos dons só seriam ativados se os
indivíduos fizessem contato visual, essa piada nunca foi dita.
— Capitulem ou morram — murmurei caminhando pelos corredores daquela base
turbulenta. Atrás de mim, Smith atirava como um louco desenfreado, em todos aqueles que eu
não conseguia controlar completamente. Ele seguia em silêncio, polido e elegante, não pude
evitar um olhar de apreciação.
Eu tinha pouco tempo, e manter minha forma em um estado fraco, como eu me
encontrava depois do período de calor, seria desgastante. Mas antes de mais nada, eu caçaria
aquele homem por toda a instalação até que eu o exterminasse completamente. Como um gato
caçando um rato.
Quando finalmente frente a frente, não pude deixar de notar a granada em sua mão.
Querendo se matar e nos levar junto? Coitado!
— Onde está sua hombridade, senhor Cobe? — murmurei, me aproximando dele passo a
passo; seu corpo trêmulo provava o quão covarde aquele lixo poderia ser. — Perdeu a coragem?
Não era você o comissário da morte, aquele que matou milhares de civis, cometendo diversos
crimes de guerra? Hoje eu vou ceifar sua vida e destruir sua alma como tributo aos mortos.
— Vá para o quinto dos infernos, sua praga — gritou Cobe, indignado, mas antes que ele
pudesse me oferecer qualquer risco, puxando o lacre da granada, arranquei sua cabeça rápido e
sorrateiramente, este seria meu presente ao Apollo, a cabeça de seu maior opressor em uma bela
bandeja de prata.
Olhei para o troféu em minhas mãos, quem diria, o homem que deu a ordem para o
pelotão do meu garoto, naquela missão suicida, agora era o único a estar morto. Não pude deixar
de rir da desgraça alheia. Que porcaria!
De repente, senti os hormônios do meu corpo cair. Olhei em volta, e o estrago estava
feito, sangue banhava o chão claro do laboratório, bem como seus corredores. Tudo o que havia
restado eram uma mesa e uma cadeira no meio do salão.
— Tragam-me Apollo — sibilei, me sentando ali mesmo, minhas forças estavam
despencando, me obrigando a preservar o último resquício que me restava, caso eu tivesse que
enfrentar mais uma batalha.
Neste dia, eu sequer contei quantas pessoas eu havia matado, mas a sensação de crise e
medo de encarar meu garoto e ser censurado por ele me deixou à beira do colapso. De repente,
percebi que nunca havia mostrado esse lado a ele, e que talvez estivesse saído um pouco da
linha, mas…
— Eu só estava tentando te proteger… — murmurei, sentindo meu coração doer, quando
sem perceber, fechei meus olhos.
— Eu arcarei com as consequências, Senhor Gunnar. — Eu me surpreendi com a voz
áspera do Smith sênior ao meu lado. Além do meu Apollo, ainda havia os representantes da paz
mundial para encarar.
CAPÍTULO 23 - THE LAST GOODBYE

#SONG: ODESZA#

O fogo cruzado finalmente tinha cessado, sob a premissa de que aqueles oficiais,
comandando seus soldados em uma operação a pleno céu aberto sem se importar que os civis
acabassem alvejados, estavam passíveis de pena de morte.
Fomos escoltados a uma vã preta; não senti ameaça, afinal, como governador, meu pai
certamente não me infringiria mal. Pelo menos, não, físico. Eu me senti um pouco mais calmo,
mas minhas mãos tremiam durante todo o caminho.
Carter e Amy pareciam absortos em seus próprios mundos, às vezes sorriam para mim
ou batiam no meu ombro como antigamente, mas nossa velha camaradagem estava se ruindo,
sempre que suas palavras voltavam a reverberar em minha mente.
Eu já estava sem forças para combater o veneno do abandono vindo de pessoas que eu
amava, eu já estava sem vontade de lutar contra, sem vontade de me enganar como costumava
fazer e, apenas suportei a realidade. Louis sempre me instruiu a enfrentar os meus fantasmas,
talvez agora seja o momento para isso.
Quando chegamos no “QG”, os agentes do tático estavam parados em frente à entrada.
Ninguém estava autorizado a entrar, mas quando o homem silencioso que nos acompanhava
sinalizou, fomos liberados. Não vou mentir, mas fiquei completamente chocado ao perceber o
quão destruído o maior laboratório da AITE estava.
Caminhei para dentro me sentindo ansioso; na caverna do meu coração, pequenos
tentáculos me acariciavam quase sem forças. Eu me senti perturbado, até encontrar aquele a
quem eu estava procurando.
Eu podia não ser invencível, eu podia não ser feito de ferro, mas cara, se alguém ferisse
meu amado alienígena, eu estava pronto para virar essa merda de lugar de ponta cabeça.
Olhei em seu rosto frio, e senti meu corpo todo tencionar. Sua face suja de sangue e suas
mãos segurando uma cabeça decepada eram uma imagem realmente horrível de se ver, mas o
que apenas eu poderia enxergar, era o quão cansado Gunnar estava, o quão infeliz estava com
toda essa situação.
Sentado ali, olhando para o chão como uma estátua, seu semblante cinzento e seus lábios
azulados e entreabertos me preocupavam. Ele estava abatido, mas mesmo abatido, a pressão
enorme, que exalava do seu corpo reto e grande, fazia com que qualquer pessoa tivesse medo de
se aproximar.
Havia sangue por toda parte, mas ele permanecia sentado ali como se fosse o dono de
tudo, o senhor do mundo. Seus tentáculos sacudiam suavemente, claramente em alerta. Nunca o
vi tão solitário, tão distante, tão largado. Automaticamente, não pude me conter e meus passos
soaram, reverberando sobre o silêncio mortal. O cheiro de sangue embrulhou meu estômago, mas
meu coração batia tão forte, que imaginei que pudesse ser ouvido fora do meu peito, eu estava
nervoso, tremendo.
— Porra, amor… — sussurrei, chegando mais perto, essa foi a primeira vez que o
chamei dessa forma, mas foi o único jeito que encontrei de expressar o que sentia.
Entretanto, Ivar sequer se moveu. Seus olhos se fecharam e me deram a impressão de
que estava pacificamente dormindo, ou cruelmente me evitando. De nosso vínculo pude sentir
uma miríade de sentimentos confusos e preocupados. Gunnar esperava apenas o pior de mim,
meu julgamento, minha rejeição e, sem querer, isso me magoou. Eu o estava ferindo
indiretamente? Sim, porque tudo o que eu sentia, meu homem parecia entender errado.
Ao fundo, vi meu pai segurando uma pistola ao lado do corpo, me observando sem se
mover do lugar. Seu terno Armani estava manchado de grandes respingos de sangue. E sua
respiração ofegante denunciava a tensão do momento. Seu olhar hesitante infelizmente não me
confortou.
Continuei me aproximando do meu homem com a mesma determinação, desviando o
olhar de qualquer outra pessoa que estivesse à minha volta. Eu não tive medo do meu alienígena,
mas fiquei extremamente preocupado de que continuasse me evitando.
— Amor, porque não olha para mim? — sussurrei outra vez, tocando seu rosto
levemente, o erguendo em minha direção. Então seus olhos finalmente se abriram e suas fendas
tremeluziam, como se procurasse por algo junto aos meus. Ao menos ele estava acordado. Então,
engolindo o caroço que se formava na minha garganta, murmurei: — Cara, isso foi uma loucura,
mas eu estou aqui, você está bem?
Levantando a cabeça decepada em sua mão, como se não fosse nada, como se fosse
apenas um saco de lixo, Gunnar a depositou sobre a única mesa intacta no laboratório. Que
prejuízo! Olhei para a cabeça na tentativa de identificar o defunto a quem pertencia, e quando
encarei os olhos arregalados, no que restou daquele cadáver, prendi a respiração.
— Esse é o General Cobe? — perguntei por reflexo, mas eu sabia bem de quem era
aquela cabeça. Não havia sido esse maldito a comandar nossa missão suicida?
“Ha, bem feito.” Murmurei internamente. “Senhor Cobe, veja bem, estou aqui bem vivo,
e você?” Gargalhei sem me importar se as pessoas à minha volta me condenariam por isso.
Então percebi que estava falando mentalmente com um defunto, sentindo um calafrio na espinha.
Logo, murmurei internamente: “não precisa nem responder!”
— Achei que fosse gostar da surpresa — meu homem murmurou com sua voz profunda,
rouca pelo cansaço.
— É realmente um ótimo presente de união — sussurrei com um sorriso. Naquele
momento, parte de mim, aquela em que ainda se sentia injustiçada, se libertou. Eu preferia vê-lo
preso, mas antes morto do que vivo para matar e tramar contra outros camaradas e civis. Então,
sem querer, deixei escapar um: — Já foi tarde!
Mas rapidamente passei meus olhos pelas pessoas presentes, percebendo que, na
verdade, ninguém de fato estava se lamentando com a morte daquele abutre. Respirei fundo,
agarrando a mão grande do meu amado, que mesmo suja de sangue, ainda me passava uma
enorme segurança.
Então o ouvi questionar, sua voz profunda e tão sensual fez vibrar cada célula do meu
corpo.
— Vamos embora?
Eu estava feliz, havíamos superado a crise, mas eu sabia que ainda havia muitos riscos à
nossa volta. E eu estava prestes a responder sua pergunta, quando Gunnar novamente se
pronunciou:
— Você ainda quer me acompanhar? Matei alguns humanos…
Mas eu estava com tanto medo de que me deixasse para trás, de perder o que estávamos
começando, que sequer pensei ao responder:
— Porra cara, eram pessoas ruins, e eles queriam ferir você. Vamos embora!
Eu só queria viver em paz e ficar ali seria impossível, correríamos riscos ainda maiores.
E não é como se eu não soubesse que em um conflito armado ou você mata ou você morre.
Infelizmente as pessoas não são capazes de viver em paz, brincam com a vida de forma
desmedida, eu não o culparia, porque entendia bem a pressão pela qual ele estava passando, e as
coisas não poderiam ser tão simples quanto pareciam na superfície.
Infelizmente havia inocentes entre os mortos, mas todos sabiam exatamente o que
estavam fazendo. Nem sempre a disciplina é uma virtude, na verdade, essa virtude deveria ser
usada para salvar vidas e nunca destruí-las. Infelizmente, as coisas são como são e eu, sozinho,
não seria capaz de mudar.
Quando Ivar enfim se levantou, lhe entreguei um lenço para que pudesse se limpar, além
do rosto e das mãos, nada mais estava sujo. E depois de limpo, parecia que ele nunca havia
participado daquela loucura. Então, Ivar se levantou, e entrelaçando nossos dedos, sussurrou, me
fazendo suspirar.
— Não tenha medo, juro que jamais irei feri-lo. Confie em mim.
Acenei com a cabeça, eu não duvidei de suas palavras, afinal, confiança era a base de
tudo e eu poderia sentir seus sentimentos me acalmando pouco a pouco. Enquanto ele estivesse
bem, nada poderia interferir em nossa família. E para um homem cansado da lida, como eu,
descansar embaixo de sua sombra era tudo o que eu mais desejava.
Senti algo mordendo meu calcanhar, e, quando me virei para ver, era Peter. Abaixei e
acariciei suas orelhas.
— Ei, filhão, eu estava morrendo de saudade de você.
Esfregando a cabeça contra minha mão, Peter grunhiu insatisfeito, entendi
imediatamente suas queixas.
— Eu jamais deixaria você para trás, Peter. Somos uma família, lembra?
E de fato, eu jamais o deixaria para trás, Peter foi e continua sendo o único que esteve ao
meu lado diariamente, enquanto eu sofria, enquanto eu definhava. Todos poderiam virar as
costas para mim, mas ele nunca o fez. E mesmo sabendo que, na verdade, aquele menininho
levado não era realmente um cachorro, não me importei nem um pouco. Porque ainda era meu
garotinho.
Pérola foi a primeira a se aproximar, seus olhos vermelhos e suas mãos trêmulas
seguraram as minhas, e juro que senti meu coração doer quando ela disse:
— Eu pensei que você veria seu sobrinho nascer. Vou sentir sua falta, migo. Mas eu
espero de coração que você seja feliz onde quer que vá. Estarei rezando para isso. Obrigada por
existir.
Respirei fundo, quando seus braços quentes me envolveram, seu perfume suave era
reconfortante, mas mesmo assim doeu, doeu pra caralho. Porque eu estive ao lado dela por todos
estes anos, éramos mais que amigos, éramos como irmãos.
— Eu nunca vou me esquecer de você, gatinha. Que sua garotona venha cheia de saúde e
inteligente igual a mãe, porque se puxar o pai… — brinquei, tentando impedir as lágrimas
acumuladas de caírem. A saudade era um bicho estranho, ela se alojava no coração, antes mesmo
de nos separarmos.
— Uma grande calúnia, eu sou genial, caralho. — Louis se aproximou, me dando um
abraço apertado junto de Pérola.
Quando minha melhor amiga me apresentou a esse mala sem alças, achei que fosse um
idiota com “I” maiúsculo. Mas ao longo do meu tratamento, descobri que se tratava de um
grande ser humano. Louis era o único terapeuta em quem consegui confiar e estabelecer um
vínculo adequado de paciente e profissional. Normalmente eu não conseguia me abrir com
ninguém; sempre em alerta, sempre temendo que tudo o que eu dissesse fosse usado contra mim.
Entretanto, com Louis era diferente, e mesmo que não fosse recomendado nenhum
vínculo de amizade ou familiar entre um paciente e um profissional, decidir tentar foi a melhor
escolha que fiz.
Se separando um pouco de nós, Louis brincou:
— Estou contente em vê-lo bem, meu amigo. Mas quero que procure ajuda psicológica
aonde está indo. Você ainda não está curado e é preciso se cuidar, pense no seu filho. Ok? —
Sorri de suas palavras, afinal, terapeuta por amor, sendo terapeuta até depois do expediente.
Eu sequer sabia como era o tal planeta Speir, tampouco se havia psicólogos
especializados em humanos, mas com certeza eu iria me dedicar em busca da melhora.
— Vou sentir sua falta, irmão. Você é um grande profissional — suspirei.
— Também vou sentir sua falta, Apollo. Você era meu maior financiador — Louis
brincou, zombando da minha fuça.
Então abracei todos os meus amigos, mesmo Carter e Amy se aproximaram, me
desejando o melhor desta vida. E eu os amava, os amava muito, mesmo sabendo de tudo, eu
ainda amava meus amigos, afinal, errar é humano.
Por último, meu pai se aproximou e, olhando para mim, cara a cara, me surpreendeu
completamente, e desta vez eu não pude mais segurar as lágrimas, porque ele finalmente disse
tudo o que eu mais queria ouvir durante todos aqueles anos.
— Filho… — Otto Smith murmurou, e levantando a mão lentamente, me observando
como se tivesse medo de que eu o afastasse, quando finalmente alcançou meu ombro, tocou-o
suavemente, como se temesse que eu o rejeitasse. Por um instante eu senti que ele tinha muito a
dizer, mas aos poucos, com um olhar resoluto, sua voz finalmente me alcançou: — Eu estou
muito orgulhoso de você, sua mãe ficaria contente em vê-lo crescer tão forte.
Não consegui dizer nada, porque as palavras de dor que eu tinha para falar para ele por
todos aqueles anos, ainda estavam entaladas na minha garganta, e mesmo que eu pudesse dizer,
eu já estava me despedindo desse mundo para nunca mais voltar, e algumas coisas não
precisavam ser ditas em voz alta, porque no fundo eu sabia que meu pai já estava ciente de tudo.
O tempo não voltaria, se eu simplesmente descarregasse toda a minha dor sobre ele. E nenhum
pedido de perdão mudaria o passado.
Então, sorrindo sem graça, depois de um longo suspiro carregado de diversos
sentimentos que não pude compreender, ele continuou:
— Eu entendo, não há necessidade de dizer nada. Fui uma vergonha de pai, eu
decepcionei você e sua mãe. Um dia acertarei minhas contas com Deus por isso, e pagarei com a
minha vida essa dívida pesada. Vou sentir sua falta.
Apertando meu ombro com força, meu pai estava prestes a se virar, com os ombros
caídos, as costas arqueadas e um semblante dez anos mais envelhecido, quando em um impulso,
o agarrei e o trouxe para mim. O abraço que eu sempre quis ter, eu tive naquele instante, sua
reação lenta me assustou, pensei que havia ultrapassado a linha, mas antes que eu pudesse me
afastar, seus braços fortes me apertaram e seus soluços podiam ser ouvidos e sentidos.
Senti pena dele, mais do que de mim mesmo, porque as melhores coisas da vida não
estavam contidas no dinheiro, mas na família que temos, nas pessoas que realmente são capazes
de nos amar. Reconhecimento e dinheiro acabam, mas a solidão não poderia ser desfeita, uma
vez que não restará ninguém ao seu lado.
Tombei a cabeça na dele sentindo a maciez do seu cabelo, do seu rosto, sentindo o cheiro
do pai que há muito não me lembrava. Meu coração doeu por ele, doeu por mim, por nosso
tempo perdido. Eu poderia tê-lo amado mais, se tivesse tido a chance, mas ele se negou a aceitar
meu amor. O que eu poderia fazer sobre isso? Nada. Ao menos minha consciência estava limpa,
porque eu fiz tudo o que podia.
— Sinto muito, pai — murmurei, sentindo seu corpo já fragilizado pela idade tremer.
Meu coração ainda doía, eu ainda o amava. Mesmo depois de tudo.
Quando meu pai se afastou, encerrando nosso abraço, o observei retirar algo do bolso. E
pegando em minha mão, com a sua trêmula, ele depositou um pequeno anel delicado e bonito na
minha palma. Não era caro, na verdade, parecia apenas uma imitação de joia, uma bijuteria, mas
eu sabia exatamente o que representava. Era o anel de noivado da minha mãe.
— Guarde com você, e então ela nunca morrerá de verdade. Lembre-se dela sempre. Sua
mãe era uma pessoa espetacular. Igual a você, você puxou sua mãe todinha — ele riu com
tristeza e a emoção em sua voz era nítida, comovente, dolorosa. Eu também sentia muita falta
dela.
— Obrigado, pai — murmurei, guardando o pequeno anel na minha bolsa para não
perdê-lo. Ouvir de sua boca que eu realmente me parecia com a mulher mais incrível da minha
vida fez crescer em mim um orgulho imenso. Então com um sorriso, olhei para o meu homem ao
meu lado, que permanecia completamente em silêncio, respeitando meu momento, e disse.
— Podemos ir.
Passei os olhos pela última vez nas pessoas que ali se encontravam, a emoção que eu
sentia não era pequena, havia um misto de saudade, amor, tristeza, como também, antecipação
pelo que estava por vir.
— Obrigado a todos. Porra, cara, eu realmente amo vocês.
De repente, o som das roupas farfalhando e a visão dos meus amigos batendo
continência para mim, em fila, me fez chorar. Porque o som das suas vozes ficariam marcadas
em mim para sempre.
— Seguiremos a justiça, alcançaremos a paz, lutando como loucos, frente a guerra, de
cabeça erguida, aguardando as ordens do nosso superior. Tenente Smith, senhor.
Senti meu sangue ferver, e não pude deixar de corresponder e, em posição, gritei com
todas as minhas forças:
— Esta é a última ordem, pelotão. Buscai a felicidade acima de tudo, jamais abaixar a
cabeça em frente aos inimigos, sempre em frente. Dispensados.
As lágrimas escorreram pelo meu rosto, mas meu semblante permaneceu firme.
Assim, acompanhado de todos, Gunnar, Peter e eu seguimos ao campo de lançamento.
Vestimos os trajes espaciais e entramos na cápsula. Precisávamos ser rápidos, o conflito de hoje
já havia sido grave demais e se espalharia como o ar. Uma grande merda dessa não nos
permitiria permanecer neste lugar, inclusive, a presença do meu homem poderia incitar novos
conflitos, além da desconfiança da ordem mundial. Com certeza aqueles caras das forças
armadas estavam sendo incitados a agir por algum patrocinador, a fim de prejudicar o país. Suas
mortes não seriam vistas com bons olhos.
Ainda assim, muitas pessoas se esqueceriam deste dia, porque como havíamos
combinado, a fim de não causar pânico à população, decidimos que eu deixaria de existir nessa
realidade. Nossos rastros estavam sendo apagados rapidamente pela Agência de Inteligência
Nacional, a mando da Presidência. Era a melhor opção a seguir, para que eu pudesse proteger as
pessoas que amo. Meus amigos seriam os únicos que ainda teriam alguma memória de mim,
além do alto escalão do governo.
Quando a contagem regressiva para o lançamento se iniciou, Gunnar parecia bastante
calmo, dentro daquele traje enorme, o homem já era grande, mas ficava ainda maior naquelas
vestes. Conferi se Peter estava devidamente preso e seguro em seu lugar e fechei meus olhos,
respirando profundamente, sentindo a força da gravidade contra a cápsula. Em pouco tempo
estávamos orbitando a Terra. A visão era surreal. O espaço me comovia. Quando nossa cápsula
foi acoplada com sucesso à base de intersecção com o asteroide, relaxei; eu não estava
entendendo porque estávamos descendo neste lugar, mas eu confiava imensamente no meu
Alien.
— Quando abandonarmos a cápsula, não haverá mais volta. Você está bem com esse
fato, meu amor? — Gunnar murmurou ao meu lado, sua voz estava abafada pelo traje, mas
observando seu semblante, seu olhar confiante e carinhoso, não tive dúvidas. Mesmo sentindo a
dor da saudade, eu sabia que o tempo seria capaz de curar tudo. Estava na hora de abrir as asas e
voar pelo céu, sem limites.
— Eu vou com você, cara, mesmo que você me leve ao inferno — brinquei, dando um
sorriso sincero, então seu rosto se suavizou ainda mais, e, segurando minha mão, conferindo se
Peter estava em segurança, amarrado em seu corpo, seguimos para fora da cápsula.
Peter dormia como um bebê, combinamos em atordoá-lo com sedativos, meu garoto não
gostava do sacolejar da nave, eu tive medo de ele se assustar e se tornar agitado. Gunnar me
garantiu que isso não aconteceria, porque aquele rapazinho tinha experiência em viajar no
espaço, mas preferi prevenir do que remediar.
Nós abandonamos a cápsula e, somente então, descobri que aquele meteorito, na
verdade, era uma grande nave espacial por dentro. Resistente, forjada de materiais
desconhecidos. Seu interior era espaçoso e confortável. Gunnar a colocou para funcionar e
durante o percurso, me mantive ao seu lado, o observando.
Eu me senti dentro de um filme da Marvel, eu só ainda não havia entendido a localização
a qual estávamos e para a qual estávamos viajando, porque essa nave era tão rápida, que era
impossível medir a velocidade a olho nu.
Dois meses se passaram, minha barriga já estava aparecendo na roupa. Meu corpo
parecia pesado e letárgico, mas eu estava extremamente feliz. Todas as “noites”, porque
mantivemos o fuso horário da terra, Gunnar acariciava meu corpo em uma massagem
reconfortante. Trepávamos como coelhos em qualquer lugar da nave, havíamos desfrutado de um
enorme prazer nos últimos dias e eu estava viciado nele. E seus cuidados aliviavam minhas
dores, não física, mas sim, a dor da saudade.
Estava tudo muito calmo, até eu perceber que estávamos indo diretamente para o olho de
um…, naquele dia eu senti que minha alma iria sair do meu corpo.
— Amor? Oh, porra… — murmurei em choque, eu havia acabado de acordar, quando o
encontrei mantendo o controlador de voo sob sua total supervisão, seus olhos brilhavam e eu o
sentia tenso. Ao lado, Peter estava sentado em uma das poltronas em frente ao painel e parecia
bastante interessado no sonar.
— Puta que pariu. Isso não é o Gaia BH1, o buraco negro? — Fiquei tão chocado que
quase desmaiei feito jaca mole no chão. — Porque estamos indo em direção ao buraco negro?
— Bom dia, amor. — Ele começou com um sorriso maldoso, mas ao contrário do que
costumava se seguir, Gunnar não veio até mim para me provocar ou seduzir, seus olhos estavam
fixos no painel de comando. — Já ouviu dizer que tudo o que entra, precisa sair? Vamos fazer
exatamente isso.
— Eu não estou entendendo essa lógica, porque na verdade, nada que entra em um
buraco negro pode sair, porra — murmurei completamente em choque. Tudo bem, eu entendo
que nós, humanos, não temos um conhecimento profundo sobre tudo, mas eu realmente estava
começando a suar frio.
— Preciso que pegue algo para comer e sente na poltrona. Você tem dez minutos. Confie
em mim, vá — ele murmurou, e eu respirei fundo, tentando me acalmar, mas meu corpo pesado,
naquele instante, também estava rígido. Peter parecia tão concentrado no sonar que sequer olhou
em minha direção, pedindo carinho, como sempre fazia.
Comi a ração que trouxemos e me acomodei na poltrona em frente ao painel de controle.
Meu homem conferia todas as fivelas que me prendiam, sua respiração parecia tensa, mas tirando
isso, tudo estava indo muito bem.
— Já ouviu a teoria de que buracos brancos seriam a saída dos buracos negros? — Sua
pergunta me pegou desprevenido, mas eu conhecia muito bem essa teoria, era só que, nós
humanos, nunca havíamos visto um buraco branco real, então, tudo não passava de uma forma de
explicar a Teoria da Relatividade Restrita.
— Então estamos entrando em um buraco de minhoca? Se for assim, para onde estamos
indo? — perguntei eufórico, eu não era um astrofísico, mas convivi com muitos deles para me
abalar com o que estava ouvindo.
Porra! Eu estava prestes a solucionar uma das maiores dúvidas da humanidade. Acariciei
minha barriga, sentindo meu coração martelar em meu peito, havia uma pequena vibração em
meu abdômen, sempre que eu ficava nervoso, até meu bebê parecia me acalentar.
— Para um universo paralelo — Gunnar murmurou sorrindo enviesado. Senti que estava
vivendo um sonho, se eu voltasse à terra e contasse isso a minha melhor amiga, ela surtaria com
certeza.
A viagem dentro daquele buraco escuro foi mais rápida do que eu imaginava,
atravessamos a turbulência em menos tempo do que supus, uma vez que o tempo era medido de
forma diferente ali dentro. E quando saímos, me deparei com uma cena linda. Naves voavam em
alta velocidade e um sistema solar enorme estava visível aos nossos olhos.
— Chegamos, amor. — A voz profunda do meu homem me despertou do meu torpor.
Era lindo. Duas luas orbitavam em um planeta gigantesco. Olhando de longe, parecia muito
maior do que a Terra, mesmo nosso sol parecia ter o mesmo tamanho. Mas cores verdes e azuis
vibrantes ainda eram muito parecidas.
— Estamos aqui. — Me soltei dos cintos de segurança, ficando em pé, de frente para o
painel. Apreciando a vista; me senti empolgado.
Esse era o início de uma nova vida, e eu não permitiria que nada me impedisse de ser
feliz. Senti meu homem chegando por trás de mim, me abraçando e acariciando minha barriga.
Estava cada vez mais próximo o dia que nosso ovinho viria ao mundo. Senti minha barriga vibrar
ao seu toque, e não pude conter a felicidade que eu sentia.
— Seu moleque selvagem. Seu pai toca em você e você se move, e quando sou eu? Ahn?
— murmurei, colocando minha mão sobre a pálida e enorme daquele homem maravilhoso e
brinquei: — Me sinto excluído.
Senti meu bebê vibrar com ainda mais força, eu já o amava plenamente; me emocionava
sempre que ele se movia, então ouvi a risada profunda de Gunnar invadindo meu ouvido.
— Eu amo você, Apollo. Esperar por você foi a melhor escolha que já fiz na vida —
Gunnar murmurou no meu ouvido, me fazendo fechar os olhos de prazer.
A sensação de calor estava me curando pouco a pouco e eu já nem me reconhecia mais,
aquele homem carregado, pessimista e sem vontade de viver morreu para sempre, no momento
em que eu disse “sim” para Gunnar. E hoje, eu só queria ser feliz, eu só queria viver um dia de
cada vez, sem perder mais nada, saboreando tudo isso pouco a pouco.
— Cara… eu realmente fui salvo da morte, como também das mazelas de uma vida de
solidão. Obrigado por existir. Eu amo você e amarei até o fim dos meus dias — declarei sem
medo, externalizando o que de fato eu sentia: Gratidão!
De repente, meu outro menino se pendurou em mim, encostando sua cabeça peluda e
quentinha em meu abdômen. Peter estava cada vez mais colado em mim, dormindo ao meu lado,
sempre tocando em minha barriga. Todos nós esperávamos este bebê juntos, esse era nosso
maior presente.
— Filho, nós te amamos.

FIM
EPÍLOGO

#SONG: A MOMENT APART - ODESZA#

Observei meu moleque selvagem correndo pelo jardim com o seu pequeno Dragon, o
shifter que foi ligado a ele ao nascimento. Aqui neste planeta, a fim de desenvolver um
pensamento coletivo, shifters são criados a partir de inteligência artificial extremamente
avançada, e nossas crianças passam a ter um “irmãozinho”, desde cedo.
Peter, ou Agares, como era chamado desde o nascimento, era ligado a Gunnar. Portanto,
seu instinto de tio preferido, o fazia correr atrás das crianças, como um guarda, os protegendo de
qualquer ameaça. Hoje era o aniversário de dez anos do meu pequeno, não fizemos festa, porque
aqui o tempo não corria como na Terra. O tempo era relativo, e neste lugar, tudo mudava, mesmo
o tempo de vida de um ser vivo era aumentado.
Meu garotinho era lindo, um menininho de cabelos pretos e pele bronzeada. As fendas
azuis em seus olhos tremeluziam sempre que se sentia feliz. Uma gracinha. Um garotinho
esperto e feliz. Quando ele nasceu, eu confesso que me assustei, esperava olhos verdes como os
do pai, mas percebi que cada nível de dom vinha com uma coloração diferente. Aqui, esta
característica estava ligada a talentos naturais e não, à genética dos pais.
Seus dons eram suaves, e identificamos que seriam dons de suporte. Mas não pensem
que meu filho era fraco, era apenas que seus dons o tornavam mais suscetível ao apoio
emocional, seu QE era extremamente alto, assim como seu QI, ligado a arte e a ciência. De
personalidade mediadora, Izar, como o nomeamos, daria um excelente líder ou médico, se assim
desejasse.
Escolhi Izar, o nome de uma estrela, por ser bastante semelhante ao nome do pai. Izar
era o xodó de Gunnar; aquele homem enorme faltava deitar no chão para que o filho não pisasse
no barro. Tudo era por ele, tudo pensando em nós. E eu estava tão satisfeito, que não poderia
querer nada melhor. Porra! Quem diria que a minha vida mudaria assim?
Olhei para as estrelas que sempre estavam aparentes no céu, mesmo em dias claros; e
novamente eu estava em um estado de profunda contemplação. Esses últimos dez anos foram os
anos mais felizes da minha vida. Um marco divisor de águas, e olhar para aquele passado
sombrio já não me entristecia mais, porque eu havia superado completamente.
Quando chegamos aqui, me senti apreensivo, tive medo de ser rejeitado, tive medo de
não agradar a família do meu homem, mas todos à minha volta me trataram com muito respeito,
quebrando pouco a pouco os muros que eu havia erguido ao redor do meu coração. Eu não sabia
falar o idioma local, mas aos poucos, com a ajuda da tecnologia, fui me adaptando muito melhor
do que imaginava.
Meu marido, sim, nos casamos assim que me instalei neste lugar, teve que relatar sobre a
incursão à Terra, logo que aterrissamos, mas, mesmo como todo o trabalho, esteve comigo
sempre que possível. Seus pais, pessoas amáveis, me acolheram e me ajudaram a preparar tudo
para a chegada do meu ovinho.
Quando nos casamos, as flores pairavam no ar, foi lindo. Uma cerimônia que ligava
nossos corações e nossa alma para sempre. Cara, quem diria? Como eu mudei.
Eu me lembrava como se fosse ontem, quando finalmente meu ovinho deu sinais de que
estava maduro o suficiente para sair de mim. Gunnar esteve ao meu lado a todo o instante, e
mesmo em um hospital, que era completamente diferente dos da Terra, em relação à tecnologia,
ainda me fez sentir desconforto, mas sua presença me inspirou a lutar contra meus medos.
Meu ovinho foi retirado mais cedo do que o normal, porque eu precisava de tratamento
psicológico e físico, afinal, tantas coisas aconteceram ao mesmo tempo, que cheguei ao ponto de
um colapso. Eu me tratei por alguns meses, mas o remédio mais milagroso na minha vida foi ver
meu menino selvagem eclodindo o ovinho, que a àquela altura já era bem maior que um ovo de
avestruz. Gunnar me deixou na expectativa, não querendo me contar como os bebês se pareciam
quando nasciam.
Mas meu menininho era idêntico a um bebezinho humano, exceto pelos pequenos
tentáculos enrolados naquele corpinho macio e delicado. Acho que estraguei o moleque nos anos
seguintes, porque, sinceramente, sou um paizão da porra.
Cuidamos dele juntos, toda a família estava presa ao dedinho mindinho desse garoto
esperto. E que criança doce, mesmo os pais do meu marido não acreditavam que um menininho
tão doce poderia ser filho de um homem tão austero como o Gunnar, mas eu sabia bem, Gunnar
só tinha pose, por dentro era um ser incrivelmente amoroso para com a família.
Conforme Izar foi crescendo, comecei a trabalhar no Centro de Pesquisa Speiriano.
Adaptei-me com a ajuda da medicina avançada daqui, de forma que mesmo meu corpo duraria
muito mais do que um humano deveria viver. Eu me desenvolvi muito mais como ser humano,
ao longo desses anos; aprendi a enfrentar as dores, a superar os fracassos.
Hoje também foi um dia muito importante para nossa família, porque havíamos acabado
de descobrir que meu novo ovinho era uma garotinha ainda mais animada que o irmão. Meu
filho estava pedindo um irmãozinho, mas quando descobriu que viria uma menininha, ficou
radiante.
De repente, senti braços fortes me envolverem e aquele perfume gostoso impregnou meu
nariz.
— No que está pensando, delícia? — ele sussurrou em meu ouvido, fazendo com que os
pelos do meu corpo se arrepiassem e minhas pernas se tornassem macias.
— Estava pensando em nós. Porra, que viagem louca tivemos — murmurei, curtindo seu
aperto, o conforto de seus braços.
— Quer entrar? Eu estava pensando em foder você bem devagarinho. Posso tapar sua
boca para não gemer alto, enquanto eu…— Gunnar murmurou com sua voz profunda e cheia de
mistério, me fez grunhir em expectativa. — Mas se não quiser, podemos apenas ficar aqui
observando o céu e as flores.
— Eu já disse, cara. Se você me pedisse para ir para o inferno com você, eu iria sorrindo.
AGRADECIMENTOS AOS LEITORES
Olá pessoal!
Espero que esta experiencia tenha sido boa para vocês. Obrigada por lerem meu humilde
livrinho. Peço desculpas se houverem erros, estou aprendendo a públicar aqui agora. (risos)

Portanto, quero agradecer a companhia de todos vocês!

Gostaria de pedir a quem tem interesse de acompanhar meus futuros trabalhos, que me sigam no
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Ademais, novamente reitero, caso vocês tenham se identificado com algum dos sintomas
apresentados neste livro, procure um profissional da saúde.
Acreditem em mim, não é falta de Deus, não é preguiça, não é inveja. É uma doença. Busquem
ajuda, vocês não estão sozinhos!

Até a próxima, babys.

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