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INSTITUTO SUPERIOR TECNICO DE ANGOLA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

A PROBLEMATICA DA MORFOSINTAXE EM ANGOLA

Grupo nº 02

LUANDA-2024
A PROBLEMATICA DA MORFOSINTAXE EM ANGOLA

Integrantes
2º ano
Sala:
Período: Manhã

Trabalho apresentado ao Instituto Superior


Técnico de Angola (ISTA) curso de comunicação
social, para avaliação na cadeira de.

Docente:
DEDICATÓRIA

Esta pesquisa é dedicada aos futuros comunicólogos e marketeiros bem como os


estudantes e todo corpo docente da área de comunicação como forma do nosso contributo
para alavancar o amor aos estudos e impulsionar as investigações científicas.
AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Eterno em primeira instância pela bênção da vida, aos nossos pais pelo
apoio financeiro e moral assim como ao querido professor pela oportunidade concedida
afim de partilhar a nossa pesquisa.
RESUMO

Esta dissertação é uma tentativa de contribuir para a problematização da situação


linguística de Angola, mais particularmente da situação do português no que
respeita à sua variação e às implicações dessa variação e norma linguística.

Procura dar conta do facto de, em Angola, o ideal linguístico ser a norma padrão
europeia, embora esta não seja atingida pela maior parte de falantes no referido
contexto, uma vez que, neste, vai emergindo uma variedade que,
tendencialmente, se diferencia da norma ideal. Confirma-se, por isso, um estado
de crise normativa em relação ao português.

Como suporte das considerações teóricas feitas acima, recorrendo aos métodos
de transcrição oral, são expostos e explicados, do ponto de vista morfossintáctico,
exemplos autênticos de expressões e frases que se revelam desviantes em
relação à norma europeia e que constituem o corpus deste trabalho.

Palavras-chave: Morfossintaxe, problematização , Norma, Política Linguística.


Abstract
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA ..................................................................................................... 3

AGRADECIMENTOS ............................................................................................ 4

RESUMO .............................................................................................................. 5

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9

1.2 Problema De Pesquisa ................................................................................ 10

1.3 Objectivos ..................................................................................................... 10

1.3.1 Objectivo Geral .......................................................................................... 10

1.3.2 Objetivos Específicos ................................................................................ 10

1.4 Hipóteses da pesquisa ................................................................................. 10

1.5 Justificativa do tema .................................................................................... 11

2.FUNDAMENTAÇÃO TEORICA ....................................................................... 12

2.1 Conceitos e definições .............................................................................. 12

2.1.1. Morfologia ............................................................................................. 12

2.1.2. Sintaxe .................................................................................................. 13

2.2. A estreita relação entre morfologia e sintaxe – a morfossintaxe .............. 14

2.3. A situação linguística de Angola e a língua portuguesa ........................... 17

2.4. Tratamento morfossintáctico de estruturas e expressões frásicas do


português em Angola ......................................................................................... 19

2.4.1. Concordâncias ...................................................................................... 19

2.4.1. Modos verbais ....................................................................................... 21

2.4.3. Regência verbal .................................................................................... 23

2.4.4. Cliticização ............................................................................................ 23

2.4.4.1. Alguns aspectos sobre a posição do clítico ....................................... 25

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 27

BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 28
INTRODUÇÃO

Logicamente, a palavra, que é objecto da morfologia, para ser considerada


como tal pode não precisar da frase; precisa, sim, de unidades menores. Porém,
a frase, que é objecto da sintaxe, para ser chamada como tal, recorre
inevitavelmente a palavras.

No estudo da língua, a gramática tem sido, pedagogicamente, repartida em


quatro áreas: a fonologia (fonemas), a morfologia (morfemas e palavras), a sintaxe
(sintagmas e frases) e a semântica (unidades de sentido em geral).

Porém, a língua é um todo. A sua realização acontece mediante a


interacção e a perfeita harmonia entre todas essas áreas – e não isoladas. Nada
nela funciona completamente isolado. Na elaboração de uma dada frase, o falante
não selecciona as palavras como bem lhe aprouver, uma vez que a sua língua
apresenta restrições no que respeita a esse processo. Ele fá-lo tendo em conta
que cada uma das palavras seleccionadas, lexical ou semântica, deve ter relação
com as restantes.

O presente trabalho prende-se com o tratamento morfossintáctico de vários


temas que se revelaram. Expomo-los, descrevemo-los e comparamo-los com a
norma europeia e, quando possível, retiramos algumas inferências em relação às
ocorrências desviantes atestadas.
1.2 Problema De Pesquisa

Para Gil (1991, p. 29), problemas científicos podem ser formulados


seguindo algumas regras, tais como o: problema deve ser formulado como
pergunta; ser claro e preciso; ser empírico; ser susceptível de solução; e deve ser
delimitado a uma dimensão viável.

Nesse contexto, formulamos como indagação inicial em nossa proposta de


pesquisa o seguinte:

Quais são os desafios da morfosintaxe em Angola?

1.3 Objectivos

Os objectivos podem definir "a natureza do trabalho, o tipo de problema a


ser seleccionado, o material a colectar" (Cervo, 1978:49). “Podem ser intrínsecos
ou extrínsecos,” teóricos ou práticos, gerais ou específicos, a curto ou em longo
prazo.

1.3.1 Objectivo Geral

 Descrever os desafios da morfosintaxe em Angola.

1.3.2 Objetivos Específicos

 Conceituar morfologia e sintaxe


 Verificar situação linguistica em Angola.

1.4 Hipóteses da pesquisa

Para Rudio (1980), hipótese é uma suposição que se faz na tentativa de


explicar o que se desconhece. Esta suposição tem por característica o fato de ser
provisória, devendo, portanto, ser testada para a verificação de sua validade. A
julgar pela pergunta de partida levantada eis as hipóteses que consideramos
pertinentes:

H1 –
H2 –

1.5 Justificativa do tema

Segundo Vergara (1997), o autor do trabalho deve justificar seu estudo,


apontando-lhe contribuições de ordem prática e ao estado da arte na área em que
está buscando formação académica. Assim é preciso pontuar como os resultados
da pesquisa podem contribuir para a evolução do conhecimento teórico e da
prática, no que diz respeito especificamente ao objecto de estudo.

Esperamos que este estudo, obviamente não completo e igualmente


marcado por várias limitações, seja instigante no sentido de despertar estudiosos
para a realização de investigações viradas, também, para o conhecimento do
português em Angola, quer seja do ponto de vista morfológico, morfossintáctico
ou morfofonológico, sem descurar outras áreas não menos importantes.
2.FUNDAMENTAÇÃO TEORICA

2.1 Conceitos e definições

2.1.1. Morfologia

Numa linguagem bem simples pode-se dizer que a Morfologia tem por obcjeto
ou objetivo de estudo, as palavras dentro da nossa Língua, as quais são
agrupadas em classes gramaticais ou classes de palavras. Em outras palavras,“é
o estudo da estrutura e dos processos de flexão e formação dos vocábulos, bem
como a classificação dos mesmos” (ALMEIDA, 1983, p. 80).

A palavra morfologia vem do grego Morphê=figura + logias=estudo), que trata


das palavras.

Especificamente dentro de Língua Portuguesa, Morfologia é a parte da


gramática que estuda as classes e as formas das palavras, os seus paradigmas
de flexão e os processos de formação de novos vocábulos e dentro da linguística
é uma disciplina que descreve e analisa a estrutura interna das palavras, bem
como os processos de formação e variação de palavras. Ainda dentro da
Linguística, no nível de análise morfológica são encontradas duas unidades
formais: a palavra e o morfema.

Segundo Rosa (2000, p. 15) o termo forma pode ser tomado, num sentido
amplo, como sinônimo de plano de expressão, em oposição a plano de conteúdo.
Nesse caso, a forma compreende dois níveis de realização: os sons, destituídos
de significados, mas que se combinam e formam unidades com significado; e as
palavras, as quais, por sua vez, têm regras próprias de combinação para a
composição de unidades maiores.

Segundo Ilari e Basso (2006, p. 108) o estudo das classes de palavras nos dá
a constatação de que há em toda língua, conjuntos numerosos de palavras que
possuem as mesmas propriedades morfológicas e sintáticas e, portanto, podem
ser descritas da mesma maneira. Nesse sentido, os gramáticos que tratam das
classes de palavras, propõem uma exposição em dois momentos: primeiro, ele
caracteriza a classe por sua morfologia (dizendo que os substantivos são simples,
compostos, primitivos ou derivados e que variam em gênero, número e grau)
depois ele fala de funções sintáticas (dizendo, por exemplo, que a principal função
do substantivo é constituir o núcleo do sujeito, do objeto e de outros sintagmas
nominais).

Com relação à formação de palavras, a morfologia pode ser flexional ou


derivacional. Enquanto a primeira diz respeito a flexão de gênero e número a
segunda estuda os processos de formação de palavras que se baseiam na
aplicação de prefixos e sufixos às raízes previamente disponíveis na língua (ILARI
E BASSO, 2006, p. 103).

2.1.2. Sintaxe

Para Ibanõs (2009) a Sintaxe é uma subteoria linguística que investiga as


propriedades da sentença em linguagem natural. Ela faz interface interna, em suas
relações intradisciplinares, com as outras subteorias linguísticas, a Fonologia
(Fonética), a Morfologia, a Lexicologia, a Semântica e a Pragmática. Os tópicos
mais investigados são exatamente os relevantes para que a investigação pura e
ou aplicada esteja numa relação adequada. Inferências como acarretamento,
hiponímia, pressuposição e implicaturas estão no centro dessas relações
intradisciplinares.

Estudar a sintaxe de uma língua significa identificar e compreender as


maneiras como as palavras se associam para formar estruturas maiores como
frases, orações, períodos e textos. Assim, analisar sintaticamente os enunciados
da língua é explicitar as estruturas sintáticas e as relações e funções dos seus
termos constituintes.

Os primeiros passos da tradição europeia no estudo da sintaxe foram


dados pelos antigos gregos, começando com Aristóteles, que foi o primeiro a
dividir a frase em sujeitos e predicados. Um segundo contributo fundamental deve-
se a Frege que critica a análise aristotélica, propondo uma divisão da frase em
função e argumento. Deste trabalho fundador, deriva toda a lógica formal
contemporânea, bem como a sintaxe formal. No século XIX a filologia dedicou-se
sobretudo à investigação nas áreas da fonologia e morfologia, não tendo
reconhecido o contributo fundamental de Frege, que só em meados do século XX
foi verdadeiramente apreciado.

Historicamente, a preocupação com o sentido das palavras e sua relação


com o mundo remontam a Antiguidade. Os filósofos gregos já manifestavam uma
certa curiosidade com relação à motivação do sentido das palavras e travavam
longas discussões nas quais alguns defendiam que a relação entre a palavra e
seu significado não era arbitrária, que tinha razão de ser, outros acreditavam que
o sentido dado a uma sequência sonora que configurava uma determinada palavra
era convencional e arbitrária, portanto.

Uma vez que a sintaxe é a parte da gramática que estuda a disposição das
palavras na frase e a das frases no discurso, bem como a relação lógica das frases
entre si, ao emitir uma mensagem verbal, o emissor deve procurar transmitir um
significado completo e compreensível. Para isso, as palavras são relacionadas e
combinadas entre si. A sintaxe é um instrumento essencial para o manuseio
satisfatório das múltiplas possibilidades que existem para combinar palavras e
orações.

Estudar a sintaxe de uma língua significa identificar e compreender as


maneiras como as palavras se associam para formar estruturas maiores como
frases, orações, períodos e textos. Assim, analisar sintaticamente os enunciados
da língua é explicitar as estruturas sintáticas e as relações e funções dos seus
termos constituintes.

2.2. A estreita relação entre morfologia e sintaxe – a


morfossintaxe

Datam de há longiquos anos abordagens linguísticas que observaram um


sincretismo morfossintáctico. Fonseca, na sua obra Historiografia portuguesa
linguística e missionária: preposições e posposições no séc. XVII, faz referência,
por exemplo, aos vários momentos de sincretismo morfossintáctico do estudo de
Amaro de Roboredo e de Gonzalo Correas (1954). (cf. Fonseca, 2006:190)

As frases da língua são um todo composto por partes. Estas partes, por
sua vez, condicionam-se mutuamente e dispõem-se de modo a «solidarizarem-
se» umas com as outras para formarem um todo portador de sentido. Daí o termo
estrutura que empregamos no título desta dissertação, não pressupondo estarmos
necessariamente sob a égide da linguística estrutural, cuja definição tem recebido
diferentes interpretações. Por exemplo, sob o nome de estrutura, um
«bloomfieldiano» descreverá uma organização de facto, que segmentará em
elementos constitutivos, e definirá cada um destes em conformidade com o lugar
que ocupar no conjunto e em conformidade com as variações e as substituições
possíveis nesse mesmo lugar. (cf. Benveniste, 2005[1966]:9)

Na verdade, embora o objecto da morfologia seja a palavra e o da sintaxe


seja a frase, o que possibilita que estas duas áreas sejam vistas como autónomas,
é efectivamente indiscutível a sua estreita inter-relação. Certamente, o linguista
pode posicionar-se em analisar apenas estruturas morfológicas, prescindindo de
estruturas sintácticas. Pode igualmente centrar-se em estruturas sintácticas e
prescindir de estruturas morfológicas. No entanto, se o seu objecto de estudo é
uma unidade maior do que a palavra, e se considerar que a frase decorre, amiúde,
da combinação de palavras, uma análise de frases que não considere questões
de morfologia, particularmente de morfologia flexional, pode afigurarse
insuficiente.

Com efeito, Villalva reconhece, por exemplo, que, por um lado, todas as
palavras pertencem a uma categoria sintáctica; por outro, as propriedades de
natureza estritamente morfológica identificam subcategorias morfológicas e,
finalmente, as propriedades envolvidas em mecanismos de concordância
sintáctica integram as palavras em categorias morfossintácticas. (cf. Villalva,
2000:185)
Na verdade, a relação entre morfologia e sintaxe é tão estreita que, não
raro, se torna difícil descrever uma estrutura frásica sem recorrer a ambas as
áreas. Veja-se, a título exemplificativo, a seguinte frase:

(1) a. Os carros vermelhos foram comprados nos Estados Unidos.

Observa-se, na mesma, a seguinte disposição de sintagmas: [SN+SA+SV+SP],


isto é:

(1) b. [SN[Os carros] [SA]vermelhos] [SV[foram comprados]] [SP]nos Estados


Unidos]].

O sintagma nominal (SN) – os carros – tem como núcleo o nome carros, no


plural, o que faz com que seja obrigatoriamente antecedido do determinante artigo
– os – igualmente no plural. O sintagma adjectival (SA) – vermelhos – encontra-
se, de igual modo, no plural, porque se refere a SN plural – Os carros. O sintagma
verbal (SV) – foram comprados – constitui o predicado do sujeito (Os carros
vermelhos) e este, o sujeito, tem, por isso, de concordar com aquele, o predicado.
Por último, o nome –Estados Unidos – é plural e complementa um sintagma
preposicional (SP) encabeçado pela preposição em contraída com o determinante
artigo definido – os – igualmente no plural. Seriam, deste modo, agramaticais os
constituintes sintagmáticos da frase em análise, se estes figurassem como se
segue:

(1) c. *Os carro

*Os carros vermelho

*Foi comprados

*no Estados Unidos

Assim, um nome no plural implica um determinante e um adjectivo igualmente


no plural:

(1) d. Os carros vermelhos nos

Estados Unidos
Um predicado no plural implica um sujeito igualmente no plural:

(1) e. Os carros vermelhos foram comprados

Como se pode constatar, alude-se acima não apenas a questões de


concordância frásica, mas sobretudo à relevância sintáctica de categorias
flexionais, considerando que reflectem uma profunda relação entre a estrutura das
palavras e a estrutura das frases.

2.3. A situação linguística de Angola e a língua portuguesa

Apesar da referida diversidade linguística, o português se sobrepõe


claramente a todas as restantes línguas africanas angolanas, uma vez que,
diferentemente destas, transpõe os limites geográficos e é a língua veicular
através da qual diferentes culturas angolanas, com línguas próprias, categorizam
o mundo que os cerca.

Quanto aos grupos etnolinguísticos de Angola e suas respectivas línguas,


veja-se o quadro abaixo, que reflecte apenas o grupo bantu:

N/O Grupo etnolinguístico Língua

01 ovimbundu umbundu

02 ambundu kimbundu

03 tucokwe cokwe

04 bakongo kikongo

05 vangangela ngangela

06 ovanyaneka-khumbi olunyaneka

07 ovahelelo oshihelelo

08 ovambo oshikwanhama
oschindonga
O país conta ainda com outros grupos, nomeadamente, grupos
etnolinguísticos não bantu, como se espelha no quadro abaixo:

N/O GRUPO SUB-GRUPO LÍNGUA

01 khoisan vakankala hotentote (khoi)


(kamusekele ou
bosquímane)

hotentote (ou kede)

02 vátwa ou Kuroka ovakwando (ou kisi) kankala (san)

ovakwepe (ou
kwepe)

Enfatiza-se, assim, o facto de Angola ser um país multilingue. Contudo,


tornase difícil saber exactamente quantas são, em rigor, as línguas faladas em
Angola, uma vez que esta caracterização linguística de Angola como um espaço
multilingue tem acarretado consigo a dificuldade de distinguir língua de dialecto.

Parece haver, em Angola, diferentes nomenclaturas que divergem, em


certa medida, na classificação de uma mesma variedade como dialecto ou como
língua. Com efeito, «o que uns autores consideram como sendo uma “língua”,
outros consideram um “dialecto” e outros ainda consideram como sendo um grupo
de línguas.» (cf. Cabral, 2005:12)

É, assim, clara a dificuldade que se tem de definir e distinguir língua,


dialecto e grupo etnolinguístico, o que, em consequência, levanta algumas
dúvidas do número de línguas que o mapa do Instituto de Geodesia e Cartografia
de Angola encerra, isto é, dez línguas, designadamente: umbundu, kimbundu,
kikongo, cokwe, ngangela, kwanhama, nyaneka-humbi, herero, oshindonga e san.
Segundo Raposo, «São as fronteiras políticas, os interesses culturais, a
história comum que determinam se um dado sistema é língua ou dialecto – não
as questões linguísticas e gramaticais.» (Raposo, 1984:589)

É, para já, com as línguas enumeradas acima que o português coabita,


originando, naturalmente, o fenómeno do contacto linguístico, que contribui para
a formação da variedade angolana do português.

2.4. Tratamento morfossintáctico de estruturas e expressões


frásicas do português em Angola

2.4.1. Concordâncias

As normas sintácticas são, entre outros factores, determinantes para uma


formação frásica que seja considerada gramatical, pois, algumas delas regulam a
ligação entre os seus vários constituintes. Algumas dessas regras, que se
revestem de grande importância na formação de frases gramaticais, são
precisamente as regras de concordância, assunto que nos ocupa nesta secção,
começando pelas ocorrências de disposição frásica que não obedecem à norma
europeia no que respeita à concordância nominal. Em seguida, observaremos as
mesmas ocorrências em relação à concordância verbal.

 Concordância nominal: a omissão da marca de plural /s/

Tradicionalmente, denomina-se concordância nominal a reiteração do


mesmo conteúdo morfológico (categoria de género e/ou de número) de um nome
nos determinantes (artigo, possessivo, demonstrativo), quantificadores e
adjectivos com eles relacionados sintáctica e semanticamente.

Para Câmara Jr., na sua visão estruturalista, «a categoria gramatical de


número consiste na oposição entre os morfemas [Ø], do singular, e /s/, do plural»
(cf. Câmara Jr., 1979:92), como se compara nos casos abaixo:
(16) alunoØ
aluno/s/

Brito, numa perspectiva teórica, defende que «os valores de género e


número do nome determinam a concordância de determinantes e quantificadores
e, ainda, dos sintagmas adjectivais e dos apostos.» (Brito, 2003:330) Assim, se
tivermos em conta a frase

(17) a. A reitoria
convocou todos os
estudantes faltosos.

O núcleo – estudantes – do SN, no masculino, está flexionado no plural e, por


isso, determina a ocorrência da forma masculina e plural do SA – faltosos –, do
quantificador – todos – e do determinante artigo – os.

De igual modo, o SN feminino singular – a reitoria – desencadeia a ocorrência


do determinante artigo feminino singular – a.

O que sucede amiúde na variedade do português em Angola é a ausência


dessa marca de plural nos nomes e adjectivos, quer sejam núcleos de SN, de SA
ou de SP como se demonstrará com base no corpus recolhido. Assim, verificam-
se as ocorrências abaixo:

(17) b. *A reitoria convocou todos os estudanteØ faltosos.

c. *A reitoria convocou todos os estudantes faltosoØ.

Outros estudos procederam à descrição da omissão da marca de plural


considerando alguns princípios, isto é, o princípio da saliência fónica e o princípio
do paralelismo formal (cf. Brandão, 2007:64-65), conceitos que não nos ocupam
nesta dissertação.
No caso de Angola, destaca-se o estudo de Inverno, tendo esta autora
concluído que «no Português Vernáculo de Angola (PVA), o núcleo do SN
raramente recebe marcação de número, sendo que a pluralidade é indicada pela
adição do sufixo -s apenas aos elementos não-nucleares mais à esquerda do SN,
especialmente no discurso de falantes mais velhos ou menos instruídos ou no
discurso informal daqueles que são mais jovens ou instruídos.» (cf. Inverno,
2005:4)

2.4.1. Modos verbais

Cunha e Cintra definem modo «(…) a propriedade que tem o verbo de


indicar a atitude (de certeza, de dúvida, de suposição, de mando, etc.) da pessoa
que fala em relação ao facto que enuncia.» (cf. Cunha e Cintra, 1999:447)

Nesta secção apresentaremos construções anómalas no que respeita aos


modos verbais, mais concretamente, ao emprego do indicativo pelo conjuntivo, do
infinitivo pelo conjuntivo, bem como a possibilidade de emprego do imperativo
afirmativo pelo do imperativo negativo. Apresentamos também algumas analogias
decorrentes das dificuldades do emprego do modo conjuntivo e alguns desvios
que se prendem com o emprego do infinitivo flexionado.

Ainda com base nos autores citados, emprega-se o modo indicativo quando
se considera o facto expresso pelo verbo como certo, real, seja no presente, seja
no futuro. O modo conjuntivo emprega-se quando se encara a existência ou não
existência do facto como uma coisa incerta, duvidosa, eventual ou, mesmo, irreal
(cf. Cunha e Cintra, 1999:463,464).

a. Confirmo que ele está em Évora. (Indicativo)


b. Duvido que ele esteja em Évora. (Conjuntivo)

a. Confirmo que ele estudava em Évora. (Indicativo)


b. Duvidei que ele estudasse em Évora. (Conjuntivo)
Mediante a descrição feita mais acima, podemos observar que há, em
Angola, uma tendência considerável de inserção da preposição a entre o verbo
auxiliar costumar e o infinitivo (cf. costumo a estudar), construção rejeitada pela
normapadrão, que, na referida construção, não recorre à preposição (cf. costumo
estudar).

Por outro lado, com complexos ou perífrases verbais que requerem a


preposição a (cf. estar a, continuar a, iniciar a, etc), observa-se o apagamento ou
supressão dessa preposição (continuo estudar) em vez de (continuo a estudar).
Para estes casos, é o verbo auxiliar estar que lidera as ocorrências no corpus
recolhido.

Segundo Gonçalves, que dá igualmente conta deste fenómeno em


Moçambique, os fenómenos de supressão versus conservação das preposições
que regem complementos verbais decorrem não de tendências contraditórias,
mas de uma reanálise do papel das preposições do português europeu. (cf.
Gonçalves, 2013:170)

A inserção da preposição a entre o verbo auxiliar costumar e o infinito não


é estranha no discurso de alguns falantes escolarizados. Porém, o fenómeno da
supressão de preposições é sobretudo característico do discurso de falantes
pouco escolarizados, embora o mesmo já ocorra em textos escritos de alunos do
I Ciclo do Ensino Secundário. (cf. Cabral, 2005:111) Adicionalmente, no estudo
de Adriano infere-se que dos 85 professores que tiveram de corrigir a frase
“costumo a dizer isso quase sempre”, 27 professores entendem que esta
construção é «correcta», pois não riscaram a preposição a, entre o auxiliar
costumar e o verbo pleno infinitivo dizer. (cf. Adriano, 2014:57)

Estas estruturas podem também ser encontradas em textos literários de escritores


angolanos1.

1
Cf. José Luandino Vieira apud Fonseca e Marçalo (2010): não percebia estar magoar-lhe lá dentro vs. não
percebia estar a magoar-lhe lá dentro.
2.4.3. Regência verbal

Habitualmente, a regência tem sido definida como a subordinação especial


de complementos às palavras que os prevêem na sua significação. É a
necessidade de complementação implicada pela significação de nomes
(substantivos, adjectivos, advérbios) e verbos. (cf. Luft, 2011:05)

A gramática tradicional define regência «(…) a relação de dependência que


existe entre o núcleo de um sintagma e os seus complementos.» (cf. Gonçalves e
Raposo, 2013:1160)

Na acepção ampla de regência, o verbo, não sendo de ligação, rege todos os


termos da oração; na acepção restrita, rege os complementos. (cf. Luft, 2011:06)

 Substituição de preposições

Entendemos por substituição de preposições o emprego de uma


preposição diferente daquela que é esperada na norma-padrão europeia.

Convém, em primeiro lugar, reconhecer que esta é uma das áreas mais críticas
da língua portuguesa em geral. Todavia, tal crise é ainda mais profunda em
Angola. ocorrem, no português falado em Angola, fenómenos de substituição de
preposições, de inserção supérflua de preposições e, também, de supressão de
preposições . Estes casos, ocorrem não apenas no discurso de falantes pouco
escolarizados, mas também no de falantes cultos. Note-se que os estudos de
Adriano (2014) e Cabral (2005) dão conta de todos os fenómenos acima descritos
também no português escrito.

2.4.4. Cliticização

Como é do conhecimento geral, o português apresenta várias classes de


palavras. Uma dessas classes é a dos pronomes. Estes, por sua vez, apresentam
subclasses: pessoais, possessivos, demonstrativos, relativos, indefinidos e
interrogativos. Os pronomes pessoais apresentam várias formas, isto é, podem
apresentar as formas tónicas e as formas átonas. As formas tónicas abrangem os
pronomes nominativos com a função sintáctica de sujeito (eu, tu, ele/a, nós, etc.)
e os oblíquos/dativos com as funções sintácticas de complemento indirecto e
complemento preposicional (mim, comigo, ti, contigo, nós, connosco, etc.). As
formas átonas ou fracas podem ser acusativas (com a função sintáctica de
complemento directo) ou dativas (com a função sintáctica de complemento
indirecto) 2 . Estas formas átonas recebem o nome de clíticos, que podem ser
reflexos e não-reflexos, como se espelha no quadro que se segue (cf. Brito, Duarte
e Matos, 2003:827):

Pessoas Clíticos não-reflexos Clíticos reflexos


gramaticais
Acusativo Dativo Acusativo /
Dativo

1.ª singular me me me

2.ª singular te te te

3.ª singular o/a lhe se

1.ª plural nos nos nos

2.ª plural vos vos vos

3.ª plural os/as lhes se

A palavra «clítico», porém, não se refere apenas à classe de pronomes,


mas a qualquer monossílabo átono subordinado, por meio de elemento prosódico,
a um dado vocábulo no qual se acha inserido. É neste âmbito que Crystal define
clítico como

Um termo usado na gramática com referência a uma forma que


se assemelha a uma palavra, mas não pode aparecer sozinha em

2
A Gramática do Português, I Volume, organizada por Eduardo B. P. Raposo et al. acrescenta os pronomes
de forma genitiva, uma vez que considera os pronomes possessivos como uma forma dos pronomes
pessoais (cf. Raposo, 2013:902).
um enunciado normal, sendo estruturalmente dependente da
palavra. vizinha na construção. (Crystal, 1997:49-50)

2.4.4.1. Alguns aspectos sobre a posição do clítico

A tradição gramatical prevê três posições possíveis dos clíticos: (i) antes
do verbo (próclise), intercalado ao verbo (mesóclise) e depois do verbo (ênclise),
sendo que esta última, a ênclise, é considerada como sendo a posição normal
lógica (cf. Cunha e Cintra, 2008 [1983]:323). Brito, Duarte e Matos, quando se
referem à tradição gramatical luso-brasileira no que respeita à colocação dos
clíticos, afirmam que, na referida bibliografia o que se defende é que «A posição
enclítica é o padrão básico, não marcado, e que a posição proclítica é induzida
por factores de natureza sintáctico-semântica ou prosódica.» (Brito, Duarte e
Matos, 2003:849-850) Assim, daqui se pode inferir que a distribuição dos clíticos
na frase não se traduz, na maioria dos casos, em variação livre. Obedece a
critérios específicos que não nos ocupam aqui em pormenor, embora façamos
rápidas alusões às mesmas à medida que descrevemos os dados gravados e
transcritos. Empregamos o termo proclisadores para designar os elementos
atractores ou indutores da próclise e temos sempre em conta a pausa oral entre
o proclisador e o verbo, pois esta afigura-se como um factor determinante na
alteração do padrão de colocação dos clíticos pronominais.

Em Angola, contrariamente ao que acontece no contexto europeu, há a


possibilidade de se produzir estruturas com o clítico em posição absoluta de início
de enunciado (cf. me diz vs. diz-me). Este fenómeno pode, no entanto, ser
marginalizado por falantes mais cultos. O mesmo não se pode dizer quando o
clítico é inserido depois de um sujeito (cf. ele me diz vs. ele diz-me), cuja
construção, normalmente, não é sentida como desviante. No que respeita a
complexos verbais, uma construção muito generalizada é a inserção do clítico
depois da preposição (a) em perífrases verbais que a requeiram (cf. estou a me
lavar vs. estou a lavar-me / estou-me a lavar). Em complexos verbais que não
requeiram a preposição, é ainda normal, mesmo em situações mais formais, a
inserção do clítico entre o auxiliar e o verbo principal, como que se tratasse de
subida de clítico (cf. vai me vender o carro vs. vai vender-me o carro). Contudo,
nestas construções é difícil saber se o clítico surge em ênclise ao verbo auxiliar
(vai-me vender o carro) ou em próclise ao verbo principal (vai me-vender). A
ocorrência de ênclise em contextos de próclise, como observado, é um fenómeno
que não se circunscreve à variedade angolana, revelando-se como construir
perífrases verbais tendo em conta a estrutura ir + ir + verbo pleno. O primeiro
auxiliar fica no presente do indicativo e o segundo, no infinitivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir a situação do português em Angola pressupõe considerar


essencialmente duas vertentes: a vertente extralinguística, que deve dar conta de
factores como as questões históricas, sociolinguísticas, socioculturais e
geográficas do público falante de português no país, e a vertente intralinguística,
que deve dar conta de estruturas desta língua, com particular atenção às que
divergem, em certa medida, de outras normas.

A discussão feita leva-nos a concluir que a imposição da norma-padrão


europeia, como sendo a ideal, mas que não é atingida pela maior parte dos
Angolanos, e a emergência de uma norma própria do português, em Angola, na
qual se revêem as suas produções, desencadeiam uma situação crítica. De facto,
é utópico que o ideal linguístico em Angola seja a norma-padrão europeia, uma
vez que os dois povos moldam a língua de modo diferente. Deste modo, urge a
necessidade de se efectuar um longo caminho que é o do estabelecimento de
uma norma-padrão de Angola, o que pressupõe, necessariamente, uma nova
política linguística. Estas afirmações não devem servir de argumentos para
pensamentos que pretendam romper totalmente com a norma-padrão europeia,
julgando que tudo quanto seja desviante se deva traduzir na norma-padrão do
português de Angola
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