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O mito da beleza

SUMÁRIO
Apresentação
Introdução
O mito da beleza
O trabalho
A cultura
A religião
O sexo
A fome
A violência
Para além do mito da beleza

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O mito da beleza

P. 26: [o que é o mito da beleza] Estamos em meio a uma violenta reação contra o feminismo que emprega
imagens da beleza feminina como uma arma política contra a evolução da mulher: o mito da beleza.

P. 29: A “beleza” é um sistema monetário semelhante ao padrão-ouro. Como qualquer sistema, ele é
determinado pela política e, na era moderna no mundo ocidental, consiste no último e melhor conjunto de
crenças a manter intacto o domínio masculino. Ao atribuir valor às mulheres numa hierarquia vertical, de
acordo com um padrão físico imposto culturalmente, ele expressa relações de poder segundo as quais as
mulheres precisam competir de forma antinatural por recursos dos quais os homens se apropriaram.

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O trabalho

p. 48: A Supermulher, sem perceber todas as implicações, teve de acrescentar a seus compromissos
profissionais o trabalho sério no campo da “beleza”. Essa nova responsabilidade foi se tornando cada vez mais
rigorosa. As somas em dinheiro, a dedicação e o talento que ela devia investir não poderiam ficar abaixo do que
anteriormente — ou seja, antes de as mulheres atacarem a estrutura do poder — se esperaria apenas de belezas
profissionais nas carreiras de alto nível de visibilidade. As mulheres assumiram ao mesmo tempo os papéis de
dona de casa, de profissional que faz carreira e de profissional da beleza.

p. 51: A ligação central do transformador é a ideologia esperançosa das revistas para mulheres. Ao fornecer
uma linguagem onírica da meritocracia (“tenha o corpo que merece”; “não se tem um corpo maravilhoso sem
esforço”), do espírito empreendedor (“tire o melhor partido de seus atributos naturais”), da absoluta
responsabilidade pessoal pela forma do corpo e pelo envelhecimento (“é claro que você pode moldar seu
corpo”; “suas rugas estão agora sob seu controle”) e até mesmo confissões francas (“afinal você também pode
conhecer o segredo que as mulheres belas guardam há anos”), essas revistas mantêm as mulheres consumindo
os produtos de seus anunciantes na busca da total transformação pessoal em status que a sociedade de consumo
oferece aos homens sob a forma de dinheiro. Por um lado, a promessa otimista das revistas femininas de que
elas podem fazer tudo sozinhas é sedutora para mulheres que até recentemente só ouviam dizer que não sabiam
fazer nada sozinhas.

p. 90: Os esforços das mulheres pela beleza, e sua avaliação segundo a beleza e não segundo seu trabalho,
proporcionam às mulheres, a cada dia, metáforas das verdadeiras injustiças econômicas que lhes são aplicadas
no local de trabalho: benefícios só para algumas, favorecimentos nas promoções, nenhuma segurança no
emprego, um plano de aposentadoria que distribui apenas uma fração do capital recolhido pela trabalhadora, um
duvidoso fundo de ações administrado por consultores sem escrúpulos que lucram com as perdas de seus
investidores, falsas promessas e contratos sem valor por parte da gerência, uma política em que as primeiras a
serem demitidas são as funcionárias mais antigas, a falta de sindicatos, uma rigorosa sabotagem dos sindicatos e
mão de obra barata à vontade, pronta para ser contratada.

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A cultura

P. 94: A cultura estereotipa as mulheres para que se adequem ao mito, nivelando o que é feminino em beleza-
sem-inteligência ou inteligência-sem beleza. É permitido às mulheres uma mente ou um corpo, mas não os dois
ao mesmo tempo.

p. 100: As revistas femininas há mais de um século vêm sendo uma das forças mais atuantes no sentido de
alterar os papéis das mulheres, e durante todo esse período — hoje mais do que nunca — elas sempre
emprestaram charme àquilo que o sistema econômico, seus anunciantes e, durante a guerra, o governo
precisavam obter das mulheres naquele momento.

p. 127-128: Os anunciantes que viabilizam a cultura feminina de massa dependem de as mulheres se sentirem
tão mal com relação ao próprio rosto e corpo a ponto de gastarem mais em produtos inócuos ou dolorosos do
que gastariam se se sentissem belas por natureza.
Em termos mais significativos, porém, a revista iria à falência porque nós, mulheres, estamos tão imbuídas do
mito da beleza que quase sempre já o internalizamos. Muitas de nós ainda não têm certeza se as mulheres são
interessantes sem a “beleza”. Ou se as questões femininas em si são cativantes o suficiente para pagarmos um
bom dinheiro para lermos a seu respeito se a noção da “beleza” não estiver incluída no pacote.

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A religião

p. A Igreja da Beleza é, como a Donzela de Ferro, um símbolo duplo. As mulheres a abraçaram com
entusiasmo como um meio de preencher o vazio espiritual que se abriu quando sua tradicional relação com a
autoridade religiosa se esgarçou. Com entusiasmo proporcional, a ordem social a impõe para suplantar a
autoridade religiosa como uma força de controle sobre a vida das mulheres.

p. 145-146: Como a alimentação tomou o lugar do sexo


A cultura moderna reprime o apetite oral da mulher da mesma forma que a cultura vitoriana, através dos
médicos, reprimia o apetite sexual feminino: do alto da estrutura do poder para baixo, com um objetivo político.
Quando a atividade sexual feminina perdeu seus valiosos castigos, os Ritos [de beleza] tomaram o lugar do
medo, da culpa e da vergonha que as mulheres sabiam que deveriam sempre acompanhar o prazer.
O pecado original nos deixou a culpa de natureza sexual. Quando a revolução sexual se uniu ao consumismo
para criar a nova geração de mulheres sexualmente disponíveis, tornou-se necessária uma imediata realocação
física da culpa feminina.

p. 153-154: Para entender a força primeira dessa religião, precisamos perceber que os homens morrem uma vez
e as mulheres, duas. Elas primeiro morrem como beldades antes que seu corpo morra realmente.

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O sexo

p. 193: A culpa de natureza religiosa reprime a sexualidade feminina.

p. 194: Na realidade, o mito da beleza atingiu as mulheres ao mesmo tempo que a segunda onda e sua revolução
sexual, representando uma reação do sistema contra elas, de forma a realizar uma ampla repressão da
verdadeira sexualidade feminina. Praticamente liberada pela disseminação dos métodos anticoncepcionais, pelo
aborto legalizado e pela extinção do padrão duplo de comportamento sexual, essa sexualidade não demorou a
ser refreada pelas novas forças sociais da pornografia da beleza e pelo sadomasoquismo, que surgiram para
devolver a culpa, a vergonha e a dor à experiência feminina do sexo

p. 208: Imagens que transformam as mulheres em objetos ou que dão valor erótico à degradação das mulheres
surgiram para contrabalançar a recém-adquirida confiança das mulheres. Essas imagens são bem-vindas e
necessárias porque os sexos se aproximaram demais para o gosto dos poderosos. Sua atuação tem como
objetivo manter a separação entre homens e mulheres, sempre que as restrições religiosas, legais e econômicas
se tornaram muito fracas para continuar sua função de sustentação à guerra dos sexos.

P. 220: Como surgiu essa desastrosa definição da sexualidade? A “beleza” e a sexualidade são geralmente mal
interpretadas como algo inevitável e transcendente. Um falso vínculo entre as duas faz parecer ser duas vezes
mais verdadeiro que uma mulher precise ser “linda” para despertar o desejo. É claro que isso não é verdade. As
definições tanto de “beleza” quanto de “sexualidade” mudam constantemente de forma a servir à ordem social,
e a ligação entre as duas é uma invenção recente.

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A fome

p. 268: As dietas e a magreza começaram a ser preocupações femininas quando as mulheres ocidentais
receberam o direito do voto em torno de 1920. Entre 1918 e 1925, “é surpreendente a rapidez com a qual a nova
forma linear substituiu a forma mais cheia de curvas”. Na regressão dos anos 1950, por pouco tempo as formas
cheias, naturais à mulher, puderam ser apreciadas mais uma vez, porque a mente dessas mulheres estava
ocupada na reclusão doméstica. Contudo, quando as mulheres invadiram em massa as esferas masculinas, esse
prazer teve de ser sufocado por um urgente dispositivo social que transformasse o corpo feminino na prisão que
o lar já não era.

P. 286: A ideologia da inanição acaba com o feminismo. O que acontece com nosso corpo afeta nossa mente.
Se os corpos femininos são e sempre foram errados enquanto os masculinos são certos, então as mulheres são
erradas e os homens, certos. Enquanto o feminismo nos ensinava a atribuir um alto valor a nós mesmas, a fome
nos ensina a corroer nossa autoestima. Se é possível conseguir que uma mulher diga que detesta suas coxas
grossas, esse é um modo pelo qual ela foi levada a odiar a feminilidade. Quanto mais independentes sob o
aspecto financeiro, quanto mais controle tivermos dos acontecimentos, quanto mais instruídas e autônomas do
ponto de vista sexual nós mulheres nos tornarmos no mundo, tanto mais esgotadas, sem controle, tolas e
sexualmente inseguras querem que nos sintamos em nosso corpo.

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A violência

p. 316: [cirurgia estética] A fome faz com que o corpo da mulher a prejudique e faz com que a mulher maltrate
seu corpo. Estudos com perpetradores de abusos revelam que a violência, uma vez iniciada, aumenta
progressivamente. A cirurgia estética é a especialidade “médica” que mais cresce no país.

p. 335: Tudo o que for profunda e essencialmente feminino — a vida na expressão do rosto, o toque de sua
pele, o formato dos seios, as transformações da pele após o parto — está sendo reclassificado como feio; e a
feiura, como uma doença. Essas qualidades envolvem uma intensificação do poder feminino, o que explica por
que motivo elas estão sendo reapresentadas como uma diminuição de poder. Pelo menos um terço da vida de
uma mulher é caracterizado pelo envelhecimento; cerca de um terço de seu corpo é composto de gordura. Esses
dois símbolos estão sendo transformados em condições passíveis de cirurgia — para que nós mulheres só nos
sintamos saudáveis se formos dois terços do que poderíamos ser. Como pode um “ideal” ser feminino se ele é
definido por quanto de uma característica feminina não aparece no corpo da mulher e por quanto da vida de
uma mulher não aparece em seu rosto?

p. 371: A dor pela “beleza” é banal por se supor que as mulheres a escolhem de livre e espontânea vontade. É
essa convicção que impede que as pessoas vejam que o que a Era da Cirurgia está fazendo com as mulheres
constitui uma violação dos direitos humanos. A fome, a náusea e as cirurgias invasivas da reação do sistema
contra o feminismo são armas políticas. Através delas, uma tortura política amplamente disseminada está
ocorrendo entre nós.

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Para além do mito da beleza

p. 389: Tudo isso quer dizer que não podemos usar batom sem sentir culpa?
Pelo contrário. Isso significa que temos de separar do mito tudo aquilo que ele cercou e manteve como refém: a
sexualidade feminina, os vínculos entre as mulheres, o prazer visual, o prazer sensual em tecidos, formas e
cores, enfim, o prazer feminino, puro ou obsceno. Podemos dissolver o mito e sobreviver a ele mantendo o
sexo, o amor, a atração e o estilo não só intactos, mas ainda mais vibrantes do que antes. Não estou atacando
nada que faça as mulheres se sentirem bem; só o que faz com que nos sintamos mal. Todas nós gostamos de ser
desejadas e de nos sentir bonitas.

p. 391: O verdadeiro problema é nossa falta de opção.

p. 402: Quando nos deparamos com o mito, as perguntas que devemos fazer não são a respeito do rosto e do
corpo das mulheres, mas a respeito das relações de poder da situação. Quem se beneficia com isso? Quem
determina? Quem lucra? Qual é o contexto? Quando alguém comenta a aparência de uma mulher em sua
presença, ela pode se perguntar se isso é da conta dessa pessoa; se as relações de poder são equiparáveis; se ela
se sentiria bem retribuindo com o mesmo tipo de comentário pessoal.

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