Você está na página 1de 20

TEORIA GERAL DA

ADMINISTRAÇÃO II

Lucas Casagrande
Administração da qualidade
e o modelo japonês
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a evolução da busca pela qualidade nas organizações.


 Identificar os princípios da qualidade total.
 Relacionar a administração da qualidade com o modelo japonês de
gestão.

Introdução
Neste capítulo, você vai trabalhar com a gestão da qualidade, que se
tornou a base daquilo que chamamos de administração japonesa.
Para isso, trataremos inicialmente do que se entende por qualidade
e gestão da qualidade. A partir daí, trabalharemos o contexto que a
originou.
O contexto que originou a gestão da qualidade é importante para
entender as necessidades que a produzem. Com base nisso, trabalhare-
mos com algumas ferramentas de qualidade total e, ao final, discutiremos
como a qualidade total se integrou ao início da industrialização japonesa
no pós-guerra. O pós-guerra japonês criou, culturalmente, uma gestão
da qualidade aliada à produção de antemão.

O que é qualidade?
Muito ouvimos falar a respeito de qualidade, mas, afinal, o que isso significa?
Uma definição clássica de qualidade é a de que se trata do “[...] grau até
o qual um conjunto de características inerentes satisfaz as necessidades”
(PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, 2008). O que isso quer dizer?
A satisfação de necessidades (explícitas ou implícitas) de um produto ou
serviço significa receber o que se espera por este. Dito de outro modo, qualidade
2 Administração da qualidade e o modelo japonês

é a característica de um produto ou serviço de resolver o problema ao qual se


propõe. Há algo de implícito junto ao conceito de qualidade. Ele pressupõe
uma subjetividade relacionada com as percepções e necessidades de cada um.
Essa subjetividade é influenciada diretamente por diversos fatores, tais como
a cultura do local onde se vive, a classe social, entre outros.

Uma discussão comum ao conceito diz respeito a se a expectativa é formal ou tácita.


Embora não seja unânime, em geral se entende que produtos de consumo geral
devem atender às expectativas tácitas.
Tomemos o seguinte exemplo: um smartphone anuncia, em suas especificações
técnicas, que a faixa de temperatura em que opera é de 0 a 40 ºC. Um determinado
usuário, dono de um desses telefones, teve o infortúnio de ter de caminhar sob o sol
em um dia quente de verão. Em razão das temperaturas da rua em adição aos raios
solares, seu bolso ultrapassou os 40 ºC e o celular parou de funcionar. Ao precisar fazer
um telefonema, o consumidor se frustrou perante a qualidade do aparelho.
Neste caso, o eletrônico operou dentro das margens estabelecidas, estando em
acordância com seu projeto e suas especificações técnicas. No entanto, o usuário do
telefone não esperava que um dia quente debaixo do sol danificasse seu aparelho.
Sob seu ponto de vista, o produto, embora atenda às especificações técnicas e esteja
dentro das normas de qualidade do projeto, é de baixa qualidade, pois frustrou suas
expectativas tácitas.

Mas cuidado: alta qualidade não pressupõe que um produto deva atender
a inúmeras expectativas diferentes das iniciais. Um produto pode ser extre-
mamente simples e, no entanto, ser de alta qualidade. O contrário também é
verdadeiro: um produto que se preste a atender diversas expectativas de forma
pouco satisfatória é um produto de baixa qualidade.
Um erro comum é confundir qualidade e grau de funcionalidade. Qualidade
é a característica de atender às expectativas; grau é a característica de incluir
expectativas a serem atendidas.
Seguindo o exemplo do smartphone, este é um aparelho de telefonia móvel
que se propõe a atender muito mais expectativas do que um antigo aparelho
celular. Ao considerarmos as funções básicas do celular, como se comunicar,
um celular antigo, que seja menos frágil a quebras, defeitos e interrupções
que um smartphone moderno, pode ser considerado de maior qualidade – mas
com menos recursos, com menor grau de funcionalidades.
Administração da qualidade e o modelo japonês 3

Histórico da qualidade
A preocupação com a qualidade não é uma questão nova. Historicamente, a
preocupação de um comprador com a conformidade daquilo que estava com-
prando sempre existiu. No entanto, a administração da qualidade só se torna
uma ferramenta necessária à medida que a produção em massa toma o lugar
da produção artesanal. Isso ocorre porque o artesanato, forma de produção
predominante até poucos séculos atrás, não necessitava gerir a qualidade
como processo. Como sua produção era individualizada, a qualidade era uma
preocupação operacionalizada de acordo com cada caso específico.
Um automóvel, produzido antes do taylorismo e do fordismo, sem uma linha
de montagem, era um produto único, feito sob medida para um abastado cliente
com suas necessidades específicas. O controle da qualidade era feito no próprio
produto, testando este individualmente em todas as suas especificidades.
A expectativa de qualidade se dava por meio de uma relação pessoalizada,
em que a produção e o processo de comercialização se davam de acordo com
expectativas específicas. É importante ressaltar que esse modo de produção
tinha, sim, uma preocupação com a qualidade – mas essa preocupação se
dava dentro do processo artesanal (ANTÓNIO; TEIXEIRA; ROSA, 2007).
No começo do século XX a concorrência entre as fábricas de automóveis
se focou, essencialmente, na corrida pela diminuição de custo. Porém, sendo
o automóvel uma arma em potencial, a qualidade não poderia ser descartada:
uma falha em alta velocidade, tal como uma roda que se solta, pode gerar
consequências gravíssimas. Assim, como aliar uma qualidade confiável a
um baixo custo?
Com o ganho de escala e a padronização proporcionados pela administração
científica, o controle de qualidade por produto se tornava um gasto dispen-
dioso. Afinal, por que haveríamos de testar minuciosamente 10 mil carros
supostamente idênticos um ao outro? Nasce, aí, um ferramental específico a
uma função: a administração da qualidade.
Como você já viu na administração científica, o começo do século XX
foi marcado por uma mudança radical na forma de produção, especialmente
nos EUA. Até então, a produção, eminentemente planejada e executada pelos
próprios trabalhadores em um esquema que até hoje podemos visualizar em
pequenas oficinas mecânicas de bairro, é esquematizada e ocorre uma divisão
do trabalho, tanto vertical quanto horizontal. Essa divisão progressiva possi-
bilita maior eficiência, mas com trabalhos mais repetitivos. A especificação
das peças não era mais uma atribuição do operário, mas, sim, dos engenheiros.
4 Administração da qualidade e o modelo japonês

Da mesma forma, o controle de conformidade, isto é, se a peça está tal qual


se projetou, foi delegado a trabalhadores específicos, os inspetores.
É importante ressaltar que essa visão inicial de administração da qualidade
está inserida na lógica da administração científica e do fordismo. Aqui, o fun-
cionário se encontra em um ambiente de trabalho extremamente segmentado,
no qual não tem a compreensão do todo. A divisão do trabalho, tão importante
à eficiência, é também uma ferramenta de controle e dominação do funcionário:
como ele não conhece o todo, seu poder de barganha é fragilizado.
Uma primeira ideia de administrar a qualidade diz respeito ao controle e
auferimento de conformidades. Ford, para viabilizar seu famoso carro popular
Ford T, investiu massivamente em especificações, intercambialidade de peças
e auferimento delas. Por exemplo, um rolamento deve ter uma dimensão e
uma densidade específica. Rolamentos maiores gerarão folgas; rolamentos
menores não encaixarão. Densidades menores significam menor resistência;
densidades maiores significam maior custo.
No entanto, testar todos os rolamentos de uma fábrica com um paquíme-
tro é uma tarefa dispendiosa. Para resolver esse problema, em 1924, Walter
Shewhart (1931) desenvolveu o controle estatístico de qualidade (CEQ). Por
meio de seu método, se tornou possível controlar a qualidade de peças utilizando
amostragem estatística. Ao invés de testar, digamos, 1 milhão de rolamentos,
se tornou possível o controle por amostragem, o que reduziria esse 1 milhão
de mensurações em menos de mil.
A partir daí, critérios de conformidade se estabeleciam. Digamos que o
rolamento hipotético deveria ter 10 cm de diâmetro com uma margem de erro
aceitável de 2 mm. Tendo como base esse exemplo, as medições auferidas
deveriam enquadrar à média mais ou menos de 2 mm (de 9,8 cm até 10,2 cm)
em uma faixa de três desvios-padrão. Ou seja, utilizando sua metodologia,
os gestores da qualidade deveriam esperar que mais de 99,73% dos rolamen-
tos estivesse dentro da faixa aceitável. Caso isso não ocorresse, tornava-se
necessária uma revisão do processo de produção, sendo necessário, muitas
vezes, parar a linha de montagem.
Administração da qualidade e o modelo japonês 5

A fábrica na qual Walter Shewhart desenvolveu seu método de controle estatístico


de qualidade foi a mesma que, alguns anos depois, sediaria os estudos fundadores
da Escola de Relações Humanas. Trata-se da fábrica de Hawthorne Works, sediada na
região metropolitana de Chicago, subsidiária da Western Electric (Figura 1).
Essa gigantesca fábrica, que chegou a empregar 45 mil funcionários, operou entre
1905 e 1983. Eram produzidos equipamentos telefônicos de diversos tipos. A foto da
Figura 1, de 1925, é do ano seguinte à implementação do controle de Shewhart e
quatro anos anteriores ao famoso Estudo de Hawthorne.

Figura 1. Fábrica Hawthorne Works, em 1925.

Dessa forma, Shewhart instituiu uma metodologia até hoje muito utilizada:
o PDCA (plan, do, check and act, ou planeje, faça, confira e aja). A ideia é
relativamente simples: devemos planejar o que fazer (criar especificações,
plan), produzir (do), posteriormente aferir a conformidade (check) e, caso algo
não esteja dentro dos parâmetros aceitáveis, corrigir (act). Ao finalizar, o ciclo
recomeça. Esse momento é tido historicamente como o início da qualidade total.

Qualidade total
A partir do trabalho de Shewhart, e posterior divulgação por parte de Williams
Deming (1982), a busca pela qualidade se tornou, paulatinamente, uma questão
cada vez mais cultural. A busca pela alta conformidade, já aceita no começo
do século, se expandiu para uma concepção de qualidade mais abrangente,
que inclui expectativas mais amplas e intangíveis. A partir da década de 1950,
qualidade não mais significava somente ‘conformidade técnica com o projeto’,
6 Administração da qualidade e o modelo japonês

passando a significar uma ideia, discutida na introdução, de uma conformidade


com as expectativas do consumidor. Deming (1982) e Juran (1991) foram os
autores mais significativos para a nova abrangência do conceito.
Neste contexto surge a ideia de gestão da qualidade total. Não mais uma
qualidade que sirva unicamente para mensuração e conformidade com o
projeto, mas uma preocupação com a qualidade em todos os momentos da
produção, incluindo o fornecedor e estendendo a gestão até o cliente. Neste
sentido, se adiciona uma tônica na fase de projeto, em que a qualidade é um
valor intrínseco que objetiva o atendimento pleno das expectativas do futuro
cliente. Além disso, dado que a produção, em geral, se descentralizou, se
terceirizando e criando grandes redes de fornecimento, a qualidade tornou-se
um valor culturalmente arraigado.
Para entender a importância da qualidade como valor, para além da ins-
peção, tenha em mente a grande mudança das fábricas do começo do século
XX até a atualidade. Se no começo do século a Ford produzia automóveis com
fornecimento de minério de ferro, látex, petróleo e algodão, as montadoras
de veículos atuais se restringem cada vez mais ao seu negócio central, ou
seu core business. A fundição não é mais, necessariamente, tarefa de quem
produz carros, nem a estofaria, nem os pneus, nem os óleos, tampouco os
plásticos. A maioria dos itens é comprada de outras empresas, fornecedoras
ou terceirizadas, que devem responder ao mesmo nível de qualidade que a
montadora de automóveis tem.

Normas de qualidade
Para que fosse possível que as empresas se descentralizassem e se tornassem
mais dependentes de seus fornecedores, porém de forma confiável, tornou-se
paulatinamente necessário elaborar novas formas de padronização do que
entendemos por qualidade. O conjunto mais famoso e utilizado de normas de
qualidade é composto pela ISO (International Organization for Standardiza-
tion), sendo a ISO 9000 e suas variantes as mais utilizadas.
Administração da qualidade e o modelo japonês 7

Alguns setores específicos têm suas normas de qualidade específicas e,


para isso, organizações que tratam disso de forma diferenciada. Um caso típico
são as vinícolas: garantir que um determinado vinho esteja dentro de uma
conformidade de qualidade não é uma tarefa tão banal quanto mensurar con-
formidades metalúrgicas. Nesses casos específicos, organizações, geralmente
criadas em associação pelas próprias empresas interessadas, criam normas
de qualidade e atestam as empresas que as cumprem. No caso das vinícolas,
comprovações de origem, terroir, tipo de uva, dentre outros, dão a segurança
ao comprador de que o produto é o que se espera dele. Outro exemplo disso
é o café brasileiro, o qual. a partir da década de 1990, começou a exibir selos
de pureza e qualidade emitidos por uma associação da indústria do café.
O objetivo das normas de qualidade criadas e inspecionadas por terceiros
é assegurar que as empresas estão vendendo o que se espera. Para obter a ISO
9000 ou suas variantes, é necessário adaptar a forma de produção da empresa,
de organização interna e, após isso, passar por uma série de auditorias peri-
ódicas. Com isso, o comprador sabe que está comprando o que o vendedor
diz estar vendendo.

Ferramentas de qualidade
Não existe uma forma única e garantida de atingir a qualidade total. Algumas
ferramentas se destacaram a partir do fim da Segunda Guerra Mundial para a
criação de um ambiente voltado à qualidade total, dentre elas:

PDCA

Conforme dito anteriormente, o PDCA (Figura 2) foi a primeira ferramenta de


qualidade amplamente utilizada. Embora seja bastante simples, ela é geralmente
entendida como um norteador inicial.
8 Administração da qualidade e o modelo japonês

Ciclo PDCA
Corrigir Identificar
erros problemas

Registrar Analisar opções


boas
práticas Action Plan Planejar ações
Agir Planejar

Check Do
Checar Fazer
Verificar Implementação
conformidade

Verificar
Operacionalização
expectativas

Figura 2. Ciclo PDCA.

A ideia por trás do PDCA é que a empresa esteja em uma constante busca
pela melhoria contínua de seus produtos e serviços. O planejamento não é único,
e sim passível de constantes revisões, conforme a experiência nos mostra acertos
e erros. Conforme Aguiar (2002), em maior detalhe, o PDCA é:

a) Planejamento (plan): planejar o que produzir e como, com base no


planejamento estratégico da organização. Deve conter um plano de
ação em detalhe, no qual cada possível problema já previsto tenha
uma solução prévia.
b) Fazer (do): num segundo momento, deve-se pôr em prática o planeja-
mento. Para isso, é necessário implementar primeiramente as mudanças,
caso necessárias, para, após isso, começar efetivamente a produzir.
c) Verificar (check): num terceiro momento, deve-se verificar se há con-
formidade entre o que foi planejado e o que está sendo feito. Deve-se,
também, verificar externalidades e efeitos não esperados. Um relatório
finaliza essa fase.
Administração da qualidade e o modelo japonês 9

d) Agir (act): há erros fora da margem de tolerância? Se sim, deve-se


pausar a produção até serem solucionados, dando continuidade ao ciclo
novamente na etapa de planejamento. Há erros pequenos que podem
ser corrigidos enquanto a produção ocorre? Sim, porém se mantém o
registro. Há melhorias feitas pelos próprios funcionários? Se sim, é
preciso incluir isso no plano e tornar qualquer prática benéfica como
algo a ser encorajado.

Carta de controle

A carta de controle (ou diagrama de controle) é uma ferramenta útil para


verificar se um determinado produto produzido está dentro dos limiares pre-
viamente estabelecidos (PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, 2008).
No diagrama a seguir (Figura 3), temos uma determinada peça produzida,
a qual 20 amostras foram mensuradas. Cada vez que a peça é medida com o
auxílio de uma ferramenta como o paquímetro, o inspetor registra na carta o
seu tamanho. Assim, a primeira mensuração foi 50, a segunda foi 40, a terceira
foi 43, a quarta foi 49, e assim por diante. Idealmente, as peças devem convergir
para a média previamente estabelecida, que, no caso, é 50. Mas elas têm uma
tolerância de especificação, ou seja, não acarretarão problemas maiores para
o cliente caso estejam entre 20 e 80.

Diagrama de controle
90

80

70

60 Peça
Média
50
LSE
LSC
40
LIC
30 LIE

20

10

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

Figura 3. Carta ou diagrama de controle.


10 Administração da qualidade e o modelo japonês

Os elementos do gráfico anterior são:

a) LSE e LIE (limite superior de especificação e limite inferior de espe-


cificação): tratam-se do máximo e do mínimo aceitável. Fora dessa
banda, o produto é, efetivamente, defeituoso. Via de regra, uma linha
de produção pode ser parada caso essas linhas sejam ultrapassadas.
b) LIC e LIE (limite superior de controle e limite inferior de controle): são
os limites de tolerância, máximo e mínimo, entendidos como normais.
Fora dessa banda, a produção pode ser considerada fora de controle
(embora não defeituosa). A delimitação dessas linhas é resultante da
política de qualidade da empresa – geralmente entre três e seis sigmas,
ou seja, entre três e seis desvios-padrão para mais ou para menos.

A política de qualidade da empresa é que direcionará o que fazer a partir


do diagrama. Além dos casos específicos, é importante notar a tendência do
que é registrado. Mesmo que todas as amostras estejam dentro dos limites de
controle, se todas as amostras estiverem do mesmo lado da média (superior ou
inferior), há uma clara demonstração de que a produção está fora de controle.
Dependendo das regras estipuladas no processo de aferição de qualidade, o
controle corretivo deve se dar a partir de seis amostras, sete, oito, 10 ou 12
amostragens consecutivas do mesmo lado da banda.
Da mesma forma, embora uma amostra solitária entre as linhas de controle
e especificação raramente seja motivo justificado para parar e corrigir a
produção, dois ou três postos subsequentes podem ser. Dessa forma, a carta
de controle se consolida como uma ferramenta de qualidade de monitoração
contínua.

Diagrama de Pareto (regra 80-20)

Ainda no final do século XIX, o economista italiano Wilfredo Pareto percebeu


que a distribuição de muitas coisas seguia uma lógica peculiar. As vagens de
seu jardim, dizia, eram irregularmente produtivas: cerca de 20% das vagens
tinham 80% das ervilhas. Isso, é claro, não se restringia a vagens: o economista
queria entender como se dava a distribuição da riqueza e das terras no mundo.
Nesta lógica, percebia que 20% das pessoas tinham 80% das riquezas, 20%
dos clientes de uma empresa geram 80% do faturamento, e assim por diante.
Administração da qualidade e o modelo japonês 11

Quando esse princípio foi importado pela administração da qualidade,


se percebeu que, frequentemente, 80% dos problemas de um dado produto
eram decorrências de 20% das causas. Essa afirmação possibilita notar quais
são os “nós”, os problemas centrais a serem resolvidos para diminuir signi-
ficativamente os problemas de qualidade. No exemplo a seguir (Figura 4),
um smartphone apresenta uma lista de reclamações dos clientes – de bateria
insuficiente à escolha estética da cor do aparelho:

Reclamações de um Smartphone
120,00%

100,00%

80,00%

60,00%

porcentagem
40,00% acumulado

20,00%

0,00%
r e
ria er
a
ur
a ho Te
la
Co eç
o
ad
e
nc
ia ad
te xt an Pr lid
Ba Câ
m
Te m cid istê bi
Ta lo ss a
Ve A D ur

Figura 4. Diagrama de Pareto em exemplo de um produto hipotético.

Essa ferramenta tem como objetivo visualizar qual problema devemos


encarar inicialmente. No exemplo anterior, o smartphone hipotético se tornaria
muito mais interessante para os consumidores caso as reclamações de bateria e
câmera fossem sanadas. Na verdade, resolvendo esses dois problemas, se resol-
veria praticamente 80% de todas as reclamações relacionadas ao smartphone.
Dessa forma, o diagrama de Pareto possibilita uma rápida visualização de
quais problemas devem ser enfrentados para a busca sequencial da qualidade.
12 Administração da qualidade e o modelo japonês

Seis Sigma

Conforme Aguiar (2002), o Seis Sigma é uma ferramenta estatística de controle


de qualidade. Em sua essência, é a evolução do controle estatístico de qualidade.
A principal ideia por trás do Seis Sigma é a busca da melhoria de processos
por meio de técnicas estatísticas. O nome Seis Sigma diz respeito a uma busca
ideal pelo “zero defeito”, ou seja, ter um controle de qualidade tão eficiente
e um processo tão estável que praticamente reduziria a zero a variabilidade
do processo. Um sigma, aqui, significa um desvio-padrão para cima ou para
baixo em relação à média. Seis sigmas significam seis desvios-padrão para
cima ou para baixo. Assumindo que a diferença de qualidade dos produtos se
dá em uma distribuição normal, o impacto da política de qualidade do controle
estatístico se dá da seguinte forma (Figura 5):

0,13 0,13
2,14 13,59 34,13 34,13 13,59 2,14
z –3 –2 –1 0 +1 +2 +3
68,26%
95,44%
99,74%

Figura 5. Curva normal e desvios-padrão.


Fonte: Sondagens e Estudos de Opinião ([2013?]).

Veja o Quadro 1.
Administração da qualidade e o modelo japonês 13

Quadro 1. Sigmas.

Um sigma 317.300 erros a cada milhão de peças produzidas.

Dois sigmas 45.500 erros a cada milhão de peças produzidas.

Três sigmas 2.700 erros a cada milhão de peças produzidas.

Seis sigmas Zero erro a cada milhão de peças produzidas


(um erro a cada 506 milhões).

Dessa forma, a ferramenta Seis Sigma se dá por meio da aplicação de uma


política estrita de controle de qualidade. Isso, evidentemente, tem custos altos
e não é replicável a qualquer tipo de produto. Eletrodomésticos e microcom-
ponentes são costumeiramente áreas de aplicação dos Seis Sigma. Não que o
objetivo final seja ter um processo que atenda a variabilidade da ferramenta de
fato (na maioria dos processos produtivos isso nem é possível, ou se tornaria
tão caro que não valeria a pena o investimento na melhoria do processo), mas,
sim, com o objetivo de buscar sempre a melhoria da qualidade e a ideia de
“defeito zero”. Metalurgia e indústria automobilística já são áreas de alto custo
para a implementação, embora ainda seja possível. Setores ligados à indústria
alimentícia não são passíveis de implementação da ferramenta, salvo casos
raros e específicos.
De toda forma, a ferramenta se tornou sinônimo de excelência em quali-
dade – nem sempre alcançada, em razão dos seus altos custos, mas objetivada
pelas empresas.

Gestão da qualidade e modelo japonês


Após a Segunda Guerra Mundial, o Japão encontrava-se ocupado pelas forças
aliadas. William Deming, contratado como estatístico pelo governo americano,
foi enviado ao Japão para auxiliar o censo demográfico. A esta altura, ele já
havia publicado algumas obras sobre controle de qualidade nos EUA. Após seu
contrato com o governo americano, a associação de engenheiros e cientistas
japoneses o contratou como consultor da florescente indústria japonesa que
se recuperava da guerra.
14 Administração da qualidade e o modelo japonês

De certa forma, a industrialização japonesa se deu ao mesmo tempo em


que a implementação da administração da qualidade – ao passo que nos EUA
(e na China, mais recentemente) a industrialização precedeu a gestão da
qualidade, sendo esta uma resposta a problemas práticos da primeira. Dessa
forma, a industrialização moderna japonesa já nasceu diretamente atrelada à
gestão da qualidade, sendo suas formas de administração pensadas desde o
início para atender às expectativas de qualidade total.
O toyotismo, também conhecido como produção enxuta ou lean manu-
facturing, como forma de administrar típica da expansão industrial japonesa,
implementou uma gestão de qualidade conectada diretamente com a gestão
de estoques, suprimentos, controle e de gestão de equipes. Neste âmbito, a
qualidade também deixou de ser função e responsabilidade dos aferidores e
inspetores e se tornou um traço cultural introjetado em todos os funcionários.
Tornava-se mister que os trabalhadores fossem, eles mesmos, gestores da
qualidade. Para isso, o controle se tornou mais horizontalizado, com menor
escala hierárquica e maior responsabilização do funcionário. Os círculos de
qualidade são um bom exemplo disso. Com a intenção de propor alterações
naquilo que precisa ser melhorado, um grupo de pessoal do nível operacional
se reúne e propõe melhorias.
A qualidade não dizia mais respeito apenas ao atendimento das necessidades
do cliente, estava também relacionada ao menor desperdício e custo. Dessa
forma, surgiram ferramentas que possibilitaram que a produção se tornasse
enxuta, na medida em que grandes estoques poderiam significar altos custos.

Kaizen ou melhoria contínua


Um dos conceitos desenvolvidos no modelo japonês, em especial no sistema
de produção toyotista, é o Kaizen, que pode ser traduzido como “modificar
para melhor” ou como melhoria contínua. A ideia por trás desse conceito é
de que podemos sempre fazer melhor de forma contínua, em um processo
ininterrupto e infinito.
Não se trata, portanto, de uma ferramenta estatística ou de um método
analítico, mas, sim, de um conceito cultural. Para que a melhoria contínua
ocorra, é necessário um envolvimento pleno de todos os funcionários, uma
Administração da qualidade e o modelo japonês 15

doação do indivíduo à organização, uma subordinação da subjetividade indi-


vidual à objetividade produtiva coletiva. Kaizen pressupõe também que a vida
pessoal pode melhorar por meio da doação ao trabalho, ao perfeccionismo e,
à constante melhoria.
Embora o Kaizen traga resultados práticos e aumente a qualidade e a eficiên-
cia da organização, os trabalhadores acabam por entregar suas subjetividades,
seus valores e sua vida pessoal em prol da empresa. A equivalência entre
produzir com qualidade e ser um indivíduo, em nível pessoal, de qualidade
se tornou uma ideia comum aos trabalhadores sob o sistema toyotista. Alguns
autores, como Faria (2007), chamam isso de sequestro da subjetividade do
trabalhador.

Diagrama de causa-efeito (espinha de peixe ou 6 M’s)


Outra ferramenta de origem oriental que se popularizou no ocidente foi o
diagrama de Ishikawa (1993). A ideia dessa ferramenta é a de que, dado um
erro ou problema percebido – comumente chamado de modo de falha –, é
possível reunir a equipe responsável pela produção e, a partir disso, fazer um
brainstorm dividido em seis prováveis eixos que poderiam interferir causando
a falha, como podemos ver a seguir (Figura 6).

Material Método

Mão de obra causa causa


causa
PROBLEMA
causa causa causa

Máquina
Medida Meio
Ambiente

Figura 6. Espinha de peixe.


Fonte: Diagrama... (2015).
16 Administração da qualidade e o modelo japonês

O método se popularizou pela sua forma sutil, embora eficiente, de lembrar


que os erros têm diversas causas:

a) Método: a forma como é executado o trabalho.


b) Material: todo e qualquer material utilizado.
c) Máquina: ajustes, operacionalização e tecnologia do maquinário uti-
lizados no trabalho.
d) Meio ambiente: tudo que é externo às organizações tais como questões
políticas, econômicas, fornecedores, etc.
e) Medição: formas de aferir a qualidade.
f) Mão de obra: tudo que envolve o trabalhador (de erros humanos até
sabotagem deliberada).

Uma vez elencadas todas as possibilidades com base nesses seis eixos,
torna-se mais fácil checar cada um deles e, assim, descobrir onde reside o erro.
Com frequência, são encontrados erros que ainda não geraram problemas e
que podem ser utilizados para prevenir problemas futuros.

AGUIAR, S. Integração das ferramentas da qualidade ao PDCA e ao programa Seis Sigma.


Belo Horizonte: Editora de Desenvolvimento Gerencial, 2002.
ANTÓNIO, N. S.; TEIXEIRA, A.; ROSA, Á. Gestão da qualidade: de Deming ao modelo
de excelência da EFQM. Lisboa: Edições Sílabo, 2007.
DEMING, W. E. Quality, productivity, and competitive position. Cambridge, MA: Mas-
sachusetts Institute of Technology, Center for advanced engineering study, 1982.
DIAGRAMA de espinha de peixe, ou Ishikawa. 2015. Disponível em: <http://blog.
qualidadesimples.com.br/2015/07/14/o-que-e-o-diagrama-de-espinha-de-peixe-
-ishikawa-ou-causa-e-efeito/>. Acesso em: 09 abr. 2018.
FARIA, J. H. de. Análise crítica das teorias e práticas organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007.
ISHIKAWA, K. Controle de qualidade total à maneira japonesa. Rio de Janeiro: Campus,
1993.
JURAN, J. M. Controle da qualidade. New York: Makron Books; McGraw-Hill, 1991.
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Um guia do conhecimento em gerenciamento de
projetos: (guia PMBOK). Porto Alegre: Bookman, 2008.
Administração da qualidade e o modelo japonês 17

SHEWHART, W. A. Economic control of quality of manufactured product. New York: ASQ


Quality Press, 1931.
SONDAGENS E ESTUDOS DE OPINIÃO. Estatística descritiva. [2013?]. Disponível em: <ht-
tps://sondagenseestudosdeopiniao.wordpress.com/estatistica/estatistica-descritiva/>.
Acesso em: 09 abr. 2018.

Leituras recomendadas
CAMPOS, V. F. TQC: controle da qualidade total no estilo japonês. 9. ed. Nova Lima,
MG: Falconi Editora, 2014.
IMAI, M. Kaizen: a estratégia para o sucesso competitivo. 5. ed. [s.l.]: Imam, 1994.
PANDE, P. S.; NEUMAN, R. P.; CAVANAGH, R. R. The six sigma way. New York: McGraw-
-Hill, 2000.

Você também pode gostar