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NOVO
Sentidos
PORTUGUÊS 12. ANO
o
Ana Catarino Isabel Castiajo
Ana Felicíssimo Maria José Peixoto
ÍNDICE PROJETO DE LEITURA 10
Diagnose
EDUCAÇÃO LITERÁRIA INFORMAÇÃO
17 “À Virgem Santíssima”
A Literatura Portuguesa
g no século XX
EDUCAÇÃO LITERÁRIA INFORMAÇÃO
2
LEITURA ORALIDADE ESCRITA GRAMÁTICA
LEITURA ORALIDADE
OR
O RA
R AL
LIIID
LID DAD
ADE
A DE
D E ESCRITA GRAMÁTICA
50 Valor Aspetual
3
2 Fernando Pessoa, Poesia de heterónimos
EDUCAÇÃO LITERÁRIA INFORMAÇÃO
123 “Nevoeiro”
4 Contos
EDUCAÇÃO LITERÁRIA INFORMAÇÃO
142; 147 “Sempre é uma companhia”, de Manuel da Fonseca 142; 147; 156
156 “George”, de Maria Judite de Carvalho Antecipar sentidos
137 “Conto”
141 “O espaço/Os habitantes do Alentejo”
151 “As personagens”
162 “A complexidade da natureza humana/
O diálogo entre realidade, memória e imaginação”
162 “As três idades da vida”
163 “Metamorfoses da figura feminina”
4
LEITURA ORALIDADE ESCRITA GRAMÁTICA
61 Apreciação crítica 60 Opinião (CO) 73 Texto expositivo 63; 71; 73; 79; 81; 83; 85; 96
– “Caeiro, o poeta 64 Diálogo 81; 83 Apreciação crítica Funções sintáticas
que ensinou Pessoa argumentativo (CO) 63; 71; 85; 96
a desaprender” Mecanismos de coesão textual
69 Exposição (CO)
84 Texto expositivo 63; 71; 81; 85
77 Exposição (CO)
– “A história por Orações subordinadas
detrás da mudança 87 Exposição (CO) 73 Classes de palavras
de horário” 73 Atos ilocutórios
73; 83; 85
Modalidade e valor modal
85 Pronominalização
106 Artigo de opinião 106 Documentário (CO) 121 Texto de opinião 117 Orações subordinadas
– “Eu amo a 117 Exposição (EO) e coordenadas
portugalidade” 118; 126
125 Relato de viagem Mecanismos de coesão textual
– “Porto: daqui houve 118; 121
nome Portugal” Atos ilocutórios
119 Funções sintáticas
121 Modalidade e valor modal
152 Artigo de opinião 138 Reportagem (CO) 146 Apreciação crítica 146; 153; 161; 165
– “Mais do que nunca, 139 Opinião (EO) 163 Texto de opinião Funções sintáticas
o jornalismo é 146; 153; 161 Orações subordinadas
140 Reportagem (CO)
fundamental” 150 Valor aspetual
151 Exposição (EO)
164 Artigo de opinião 150; 161; 165
– “Portugal tem cada 155 Exposição (CO)
Mecanismos de coesão textual
vez mais idosos” 155 Apreciação critica (EO) 153; 161
163 Debate (EO) Processos fonológicos
153 Processos de formação
de palavras
153; 161
Modalidade e valor modal
161 Modos de relato do discurso
165 Atos ilocutórios
5
5 Poetas contemporâneos
EDUCAÇÃO LITERÁRIA INFORMAÇÃO
Miguel Torga 178; 179; 180; 182; 184; 186; 189; 190; 192; 196; 200
178 “Regresso” Antecipar sentidos
179 “Maceração” 177 “O sentimento telúrico”
180 “Orfeu rebelde” 177 “O mito de Anteu”
Eugénio de Andrade 181 “O mito de Orpheu”
182 “Adeus” 181 “A arte poética”
184 “Green God” 187 “Valores simbólicos
186 “Apenas um corpo” na poesia de Eugénio
Manuel Alegre de Andrade”
189 “E alegre se fez triste” 188 “O que sei de poesia”
190 “País de Abril” (Manuel Alegre)
192 “Letra para um hino”
Ana Luísa Amaral
196 “Testamento”
198 “Técnica vs artesanato”
200 “Prece no Mediterrâneo”
Memorial do convento, José Saramago (leitura integral) 218; 222; 224; 227; 230; 234; 238; 243; 250; 256; 259
216 Visão global da obra Antecipar sentidos
218-220 Capítulo I 214 “O título, as linhas de ação
e a estrutura da obra”
222-223 Capítulo III
221 “Linguagem, estilo e estrutura: pontuação”
224-225 Capítulo IV
225 “Linguagem, estilo e estrutura:
227-229 Capítulo V
reprodução do discurso no discurso”
230-231 Capítulo VI
226 “O tempo histórico e o tempo da narrativa”
234-235 Capítulo VIII
231 “Intertextualidade”
235-237 Capítulo IX
238 Capítulo X
239 Capítulo XI
240 Capítulo XII e XIII
240-242 Capítulo XIV
243-244 Capítulo XV
245-247 Capítulo XVI
250-251 Capítulo XVII
251-252 Capítulo XVIII
252-254 Capítulo XIX
256-258 Capítulo XXI
259-260 Capítulo XXIII
260-261 Capítulos XXIV-XXV
221; 231; 255; 258
Construir sentidos
6
LEITURA ORALIDADE ESCRITA GRAMÁTICA
194 Artigo de opinião 176 Documentário (CO) 197 Apreciação crítica 185; 191; 193; 201
– “Ovários de aço” 181 Exposição (EO) 201 Texto de opinião Mecanismos de coesão textual
199 Exposição (CO + EO) 185; 191; 197
Orações subordinadas
e coordenadas
185; 191
Valor aspetual
185 Processos de formação
de palavras
191; 193; 197; 199; 201
Funções sintáticas
191; 193
Modalidade e valor modal
191; 193
Atos ilocutórios
201 Classes de palavras
201 Processos fonológicos
232 Texto expositivo 212 Exposição (CO) 223; 261 229; 242; 261
– “O sonho” 213 Debate (EO) Texto expositivo Orações subordinadas
248 Artigo de opinião 214 Documentário (CO) 237 Texto de opinião 229 Modalidade e valor modal
– “Hoje é dia da 229; 242
226 Exposição (CO)
liberdade religiosa” Mecanismos de coesão textual
247 Apreciação crítica (EO)
229 Processos fonológicos
229; 233; 242
Funções sintáticas
261 Valor aspetual
242 Etimologia
261 Modos de relato do discurso
7
6.2 O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago
EDUCAÇÃO LITERÁRIA INFORMAÇÃO
O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago 278; 282; 288; 300; 305; 310; 316
(leitura integral) Antecipar sentidos
276 Visão global da obra 297 “Situação política no ano de 1936 em Portugal”
278-281 Capítulo I 298 “Intertextualidade”
282-284 Capítulo II 299 “Linguagem, estilo e estrutura”
288-289 Capítulo III 309 “Contexto geopolítico da Europa em 1936”
290-291 Capítulo IV 320 “Representações do amor”
294-295 Capítulo V
295-296 Capítulo VI
300-301 Capítulo VII
301-302 Capítulo VIII
302-303 Capítulo IX
305-306 Capítulos X e XI
307-308 Capítulos XII e XIII
310-311 Capítulo XIV
312-313 Capítulos XV e XVI
316-317 Capítulos XVII e XVIII
317-319 Capítulo XIX
285; 304 Construir sentidos
B Bloco informativo
EDUCAÇÃO LITERÁRIA ESCRITA
8
LEITURA ORALIDADE ESCRITA GRAMÁTICA
274 Diário 272 Documentário (CO) 285 Texto expositivo 275 Atos ilocutórios
– “Cadernos 273 Apreciação crítica (EO) 291 Síntese 275; 287; 296; 313; 319
de Lanzarote” Modalidade e valor modal
292 Debate (CO)
286 Texto expositivo 275; 287; 296; 303; 308
293 Debate (EO); Orações subordinadas
– “Salazar
Opinião (EO) 287; 313
e o Estado Novo”
304 Canção (CO + EO) Valor aspetual
314 Artigo de opinião
287; 303; 319
– “As ‘três Marias’
Funções sintáticas
e um legado para
296 Classes de palavras
o nosso futuro”
296; 303
Mecanismos de coesão textual
360 Processos fonológicos; 383 Arcaísmos e neologismos; 406 Texto poético 359 Grelha
Etimologia: étimo campo lexical e campo 407 Texto dramático de autoavaliação
e palavras convergentes semântico; monossemia da produção escrita
407 Texto narrativo
e divergentes e polissemia 411 Géneros textuais
408 Modos
362 Processos regulares 383 Denotação e conotação; 415 Verbos instrucionais
de formação de palavras relações semânticas de expressão
da narrativa; 416 Ficha de leitura/
364 Flexão verbal 388 Processos irregulares
elementos apreciação crítica
366 Classes e subclasses de formação de palavras
da narrativa da obra
de palavras 390 Modalidade e valor modal
373 Funções sintáticas 392 Valor aspetual
ao nível da frase 394 Dêixis pessoal, temporal
374 Funções sintáticas internas e espacial
ao grupo verbal 396 Atos ilocutórios
375 Funções sintáticas internas 397 Marcadores discursivos/
ao grupo nominal; função conectores
sintática interna ao grupo 398 Reprodução do discurso
adjetival no discurso
377 Frase complexa – 401 Texto e textualidade −
coordenação e subordinação coerência e coesão
382 Frase ativa e frase passiva textual
383 Pronome pessoal 403 Sequências textuais
em adjacência verbal −
regras de utilização
9
PROJETO DE LEITURA
Organize um pequeno debate que permita partilhar experiências de leitura. Dê a conhecer aos
seus colegas os livros que mais lhe agradaram, a apreciação que deles faz e ouça também as
Glossário: Projeto de leitura suas sugestões.
De seguida, selecione uma ou várias obras do Projeto de Leitura, do qual apresentamos algumas
propostas, construindo, assim, um Projeto de Leitura individual.
Finalizada a leitura integral da(s) obra(s), tome notas que lhe permitam apresentar à turma uma
apreciação crítica, seguindo as orientações propostas nas páginas seguintes.
1984
1984 apresenta-nos um mundo em guerra permanente, em que o Estado controla
tudo e elimina aqueles que não se deixam subjugar. Winston, a personagem principal,
vive aprisionado nessa sociedade totalitária, permanentemente
vigiado pelo Grande Irmão, tal como todos os habitantes.
É uma obra cada vez mais atual, que nos obriga a refletir sobre
o verdadeiro valor da liberdade.
Sabia que…
Orwell é considerado, por muitos críticos, o melhor cronista da cultura inglesa
do século XX.
O filme 1984, realizado por Michael Radford e considerado o mais fiel ao livro,
começou a ser filmado exatamente no dia em que inicia o diário de Winston:
4 de abril de 1984.
10
PRIMO LEVI (1919-1987) FERNANDO NAMORA (1919-1989)
11
PROJETO DE LEITURA
GERMANO ALMEIDA (1945-...) HARUKI MURAKAMI (1949-...)
O vendedor de passados
O vendedor de passados é uma sátira perspicaz e cheia de humor
à sociedade angolana. A personagem principal do enredo, Felix x
Ventura, constrói passados falsos para clientes bem-sucedidos e en-
dinheirados, que têm, por isso, um futuro auspicioso, mas que ne-
cessitam de um passado ilustre que credibilize os seus sucessos,
função que Ventura desempenha meticulosamente. Um dia, porém,
chega à cidade um estrangeiro e, a partir daí, desenvolve-se uma a
trama que envolve mistério e morte.
Sabia que…
Agualusa, tal como Pepetela e Mia Couto, é um nome incontornável para aqueles que pre-
tendem desenvolver o seu conhecimento da literatura africana; considera que a escrita tem
o poder de transformar o mundo e escreveu este romance tendo por base um sonho.
12
Apreciação crítica oral da obra
Para a construção do texto, é necessário: Animação: Escrever uma
apreciação crítica
• Respeitar as marcas características deste género textual (assinaladas a cor no texto que
a seguir se propõe como exemplificação):
‒ comentário crítico pessoal;
‒ vocabulário de caráter valorativo;
‒ juízo de valor subjetivo, fundamentado.
• Não esquecer que o texto oral deve obedecer a uma estrutura idêntica à do texto es-
crito, a saber:
‒ introdução – sucinta e clara (por exemplo: título da obra, autor, elementos biobiblio-
gráficos relevantes, temáticas abordadas);
‒ desenvolvimento – exemplo: síntese da obra; referência a elementos/passagens/
argumentos que denotem um comentário crítico e justifiquem o juízo de valor, recor-
rendo a um vocabulário valorativo; sentimentos despertados pela leitura; identifica-
ção pessoal com as personagens; interesse da ação…
‒ conclusão – reforço das ideias apresentadas, sintetizando-as e confirmando o juízo
de valor efetuado.
• Ter em conta que, tratando-se de uma atividade de oralidade, há elementos que devem
ser observados na interação comunicativa, no sentido de captar o interesse do auditó-
rio: o ritmo do discurso, a entoação e o tom de voz, a postura, a gestualidade.
Observe o exemplo:
Os mistérios de Pessoa
Richard Zenith investigou a vida (poliédrica1) do poeta.
Chegado a Portugal em 1987, para traduzir os nossos cancioneiros medievais, Richard
Zenith embateu de frente com uma obra literária que lhe mudou a vida: “O Livro do Desas- Introdução
sossego”, de Bernardo Soares, cuja primeira edição só surgira cinco anos antes. Fascinado,
quis logo traduzi-lo para inglês. E foi assim que entrou no labirinto de Fernando Pessoa.
Como estabelecer a versão definitiva de um livro cujos limites são elásticos, dependendo dos
critérios de cada editor e da discutível inclusão (ou exclusão) de determinados fragmentos?
Para resolver as dúvidas, mergulhou no gigantesco espólio do poeta e nunca mais de
lá saiu, tornando-se um dos mais prolíferos investigadores pessoanos. Esse conhecimento
profundo da obra foi essencial para o projeto que o ocupou durante mais de uma década: Desenvolvimento
a escrita desta monumental biografia, que surgiu em 2021 nos países anglo-saxónicos, com • comentário crítico
rasgados elogios da crítica, e já este ano em português, traduzida por Salvato e Vasco Teles • vocabulário valorativo
• juízo de valor
de Menezes. Além da reconstituição da existência em Lisboa, sempre bem contextualiza-
fundamentado
da historicamente, tal como os múltiplos empreendimentos pessoais e literários, um dos
grandes trunfos do livro é a exaustiva investigação, in loco, sobre os anos da infância e ado-
lescência em Durban.
O retrato é poliédrico. A escrita aproxima-nos ao máximo do que o poeta foi. Ou melhor, Conclusão
do seu mistério.
José Mário Silva, E, A Revista do Expresso, ed. n.o 2596, 29/julho/2022.
13
Diagnose
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
“À Virgem Santíssima”
LEITURA
Artigo de opinião
ESCRITA
Texto de opinião
ORALIDADE
Exposição
GRAMÁTICA
• Funções sintáticas
• Modalidade e valor modal
• Atos ilocutórios
• Processos de formação de palavras
• Mecanismos de coesão textual
• Classes de palavras
• Orações subordinadas
ORALIDADE COMPREENSÃO
Coluna A Coluna B
1. maioritariamente, a praia, nas férias.
2. despovoada e as pessoas procuram a
a. Muitos lugares fantásticos são
Figueira da Foz para destino de férias.
b. Os portugueses procuram,
3. normalmente, as suas férias na zona.
c. A norte do país, elegem-se 4. diferenças significativas.
d. A cidade de Coimbra, no verão, fica 5. publicitados na segunda parte do vídeo.
e. Muitos lisboetas procuram 6. o destino de férias privilegiado pela
f. Outro destino escolhido mais para sul é maioria dos portugueses.
7. a costa vicentina, onde as praias são
g. O sul do país, nomeadamente o Algarve,
mais selvagens.
continua a ser
8. as praias da Nazaré, Ericeira e Peniche,
h. Os habitantes dos arquipélagos da Madeira
propícias à prática de surf.
e dos Açores passam,
9. Caminha, Póvoa de Varzim, Esposende
e Gerês como destinos de férias.
16
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
a. b. c. d.
17
Diagnose
Leia o texto.
S
onhar é bom! Transporta-nos para uma li- laboral; financeiro, como começar uma poupança ou
nha de horizonte suave, de doçura e proje- não fazer uma compra desnecessária. […]
tos a concretizar. Põe, por momentos, um É certo que nem todos temos as mesmas oportu-
travão ao incessante gastar-se dos dias nidades de praticar o autocuidado. Se a vida nos brin-
5 que passam, tantas vezes iguais a si mes- 35 da com a conjugação de múltiplas responsabilidades,
mos e desencontrados de nós, da nossa essência. quando a nossa sustentabilidade financeira está em
É motor de esperança no futuro e espelha, por isso, risco, ou se estamos a atravessar uma crise, encon-
confiança no presente. E é também “uma constante trar tempo e espaço torna-se um desafio maior, em-
da vida, tão concreta e definida, como outra coisa bora nestas situações seja ainda mais importante
10 qualquer”, como diria António Gedeão. É o oposto de 40 cuidarmos de nós. […]
viver desencantado, amargurado e emocionalmente Numa altura em que muitos portugueses se en-
subnutrido, a preencher os dias com tardes-de-mais. contram de férias, aproveite a pausa para refletir so-
Sonhar é cuidar de nós e, quando cuidamos de nós, bre como cuidar melhor de si. Faça uma lista de todas
também cuidamos melhor dos outros, porque nos as atividades que o fazem sentir-se bem, relaxado e
15 sentimos melhor. Não é egoísmo! […] 45 feliz. Reserve um momento do seu dia, todos os dias,
Temos mesmo de cuidar de nós se queremos aju- para se dedicar a essas atividades. Comprometa-se
dar os outros. O autocuidado é algo que devemos pra- com um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
ticar diariamente e tornar-se um hábito. Cuidar E invista e alimente relações positivas e não tóxicas
intencionalmente do nosso bem-estar, através de ati- com familiares e amigos. Pode ajudar a diminuir o
20 vidades que escolhemos fazer regularmente e nos 50 stress, a tristeza, o desamparo e/ou a solidão e con-
fazem sentir bem, de bem com os outros e com a vida, tribuir para que se sinta melhor. “Amigo é a solidão
ajuda a manter a nossa saúde física e psicológica. derrotada”, já dizia Alexandre O’Neill.
O autocuidado pode ser físico, como fazer uma ca- Seja grato à vida, sempre que for caso disso. Nada
minhada, dançar ou fazer uma sesta; psicológico, nos torna mais felizes do que sentir sermos especiais
25 como escrever um diário ou falar com um amigo so- 55 para os outros, para o seu coração. Segundo Séneca,
bre como nos sentimos; espiritual, como passar tem- “quem acolhe um benefício com gratidão, paga a pri-
po na natureza, rezar ou meditar; relacional, como meira prestação da sua dívida”.
conviver com a família e amigos ou fazer voluntaria-
Raquel Raimundo, in https://www.publico.pt,
do; profissional, como realizar um trabalho de que consultado em 05/08/2022
30 gostamos e estabelecer limites no nosso horário (adaptado e com supressões).
18
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.5, selecione a opção correta.
1.1 Considerando o conteúdo do primeiro parágrafo, o sonho
A. não traz qualquer benefício ao ser humano.
B. suaviza a monotonia que caracteriza os dias.
C. não está ao alcance de todo e qualquer ser humano.
D. não deve ser valorizado dada a sua irrealização.
Coluna A Coluna B
1. serve-se da ironia e, exclusivamente, de citações.
a. Para referir a importância 2. concorrem para o nosso bem-estar e para o dos
do sonho, o autor outros.
19
Diagnose
GRAMÁTICA
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.6, selecione a opção correta.
1.1 O pronome pessoal “nos”, presente em “Transporta-nos” (l. 1) e “Se a vida nos
brinda” (ll. 34-35), tem a função sintática de
A. complemento indireto em ambos os casos.
B. complemento direto em ambos os casos.
C. complemento direto no primeiro caso e indireto no segundo.
D. complemento indireto no primeiro caso e direto no segundo.
1.2 A afirmação “Sonhar é cuidar de nós” (l. 13) exemplifica a modalidade e o valor
modal
A. apreciativa.
B. deôntica com valor de permissão.
C. deôntica com valor de obrigação.
D. epistémica com valor de certeza.
1.3 A frase “Temos mesmo de cuidar de nós se queremos ajudar os outros” (ll. 16-17)
configura um ato ilocutório
A. expressivo. C. declarativo.
B. diretivo. D. assertivo.
1.5 O emprego da conjunção “ou” (l. 24) permite assegurar a coesão gramatical
A. temporal. C. referencial.
B. frásica. D. interfrásica.
1.6 Os “que” utilizados em “que gostamos” (ll. 29-30) e “que nem todos temos as mes-
mas oportunidades” (ll. 33-34) são
A. pronomes relativos nas duas ocorrências.
B. uma conjunção subordinativa e um pronome relativo, respetivamente.
C. um pronome relativo e uma conjunção subordinativa, respetivamente.
D. conjunções subordinativas nas duas ocorrências.
Gramática/Atividade:
Complemento direto;
2 Identifique a função sintática desempenhada pelos constituintes seguintes.
Complemento indireto; a. “para uma linha de horizonte suave” (ll. 1-2)
Valor modal: modalidade
apreciativa; Valor modal: b. “que passam” (l. 5)
modalidade deôntica;
Valor modal: modalidade
epistémica; Atos ilocutórios 3 Classifique as orações.
(atos de fala); Derivação;
Composição; Coesão a. “que o fazem sentir-se bem” (l. 44)
e coerência textual
b. “sempre que for caso disso” (l. 53)
20
ESCRITA
1 Escreva um texto de opinião, de 200 a 300 palavras, apresentando a sua perspetiva so-
bre a importância do sonho. Planifique previamente o texto, considerando as seguintes
orientações:
• estrutura tripartida (introdução, desenvolvimento e conclusão);
• apresentação do ponto de vista e explicitação de dois argumentos e dois exemplos
pertinentes, emitindo juízos de valor sobre as ideias apresentadas;
• seleção vocabular criteriosa, articulação coerente, correção linguística, sintática
e ortográfica.
Oralidade
Educação
Literária
Leitura
Gramática
Escrita
Critérios
21
A Literatura
Portuguesa
no século xx
1914
Eclosão
1912 da I Guerra
Mundial
Mu
Surgimento
do grupo da
Renascença
Portuguesa.
1910
Proclamação
da República,
1888
188 8 a 5 de outubro.
Nascimento Nomeação de Teófilo
filo
de Fernando Braga como Presidente
ente
Revolta do 31 de janeiro, da República.
Pessoa.
no Porto: sublevação
republicana. Publicação da revista
sta
A Águia.
Nascimento de Mário 1908
de Sá-Carneiro.
Assassinato
1891 do Rei D. Carlos,
a 1 de fevereiro, e do
seu filho D. Luís Filipe.
24
1926
Publicação
Instauração da
da revista
Ditatura Militar,
Orpheu.
pelo General
1915 Gomes da Costa,
a 28 de maio.
1927
Publicação do
primeiro número
Suicídio de Mário da revista
1922 Presença.
de Sá-Carneiro, Assassinato
em Paris. de Sidónio Pais. Nascimento de
Fim da I Guerra José Saramago,
1916 na Azinhaga,
Mundial.
1918 Golegã, no dia
16 de novembro.
25
A Literatura Portuguesa no século xx CONTEXTUALIZAÇÃO
1936
Ocupação da Renânia
pela Alemanha Nazi.
Início da Guerra Civil
espanhola.
Publicação
de Mensagem, Revolta dos marinheiros
1928 contra a ditadura
de Fernando 1935
Eleição de General Carmona Pessoa. salazarista.
como Presidente da República. Morte de Fernando
1934 Pessoa, a 30
Reco
Reconhecimento do direito
de voto às mulheres. de novembro.
Assunção das
funções
f de Chefe do
Conselho
C por Salazar
(iminência
(i do regime
1933
ditatorial).
1932 Plebiscito sobre a
Constituição, que fará
nascer o Estado Novo.
Criação da PVDE.
A revista Orpheu
A publicação de dois números da revista Orpheu, em A revista de que apenas saíram dois números, em
1915, foi determinante na implementação do Modernismo Lisboa, em março e junho de 1915, teve um notável sig-
em Portugal. A revista foi alvo da chacota e da hostilida- nificado na História da Literatura Portuguesa por mar-
de do público e os seus fundadores foram acusados de car a introdução do Modernismo em Portugal. Orpheu 1,
5 loucura, mas foi sobretudo o poema “16”, de Mário de Sá- 5 correspondente ao primeiro trimestre desse ano,
-Carneiro, que causou mais impacto negativo na imprensa é dirigida por Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho.
da época, por se afastar claramente dos modelos poéti- Orpheu 2, já sob a direção de Pessoa e Sá-Carneiro,
cos tradicionalmente aceites e defendidos pela crítica. corresponde aos meses de abril, maio e junho. Apesar
No entanto, esta reação agradou aos poetas de Or- de este número ter provocado reação semelhante à
10 pheu, cujo objetivo era provocar escândalo, cientes de 10 suscitada pelo primeiro, a empresa deu prejuízo finan-
que essa seria uma forma de divulgar o seu trabalho, ceiro, e, por tal motivo, não pôde prosseguir. Todavia,
contribuindo para o acordar de consciências, como o Pessoa não deixou de pensar em publicar mais dois [em
próprio Pessoa defendia, numa carta dirigida a Arman- dezembro de 1916, anunciava a Cortês-Rodrigues que
do Côrtes-Rodrigues. a saída de Orpheu 3 estava para breve e que deveria
15 A provocação dos jovens poetas manteve-se, e dis- 15 inserir dois poemas ingleses dele, Pessoa, versos de
so é prova a publicação do número 2 de Orpheu, dirigido Camilo Pessanha e de Sá-Carneiro, poemas de Álvaro
por Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. de Campos, etc.]. De facto, o número três estava, no
O número 3 da revista daria particular destaque ano seguinte, em grande parte, se não totalmente, im-
à publicação de “A cena do ódio, de José de Almada presso, mas nunca veio a lume.
20 Negreiros, poeta sensacionista e Narciso do Egito”, mas 20 Fernando Pessoa chegou a escrever, em inglês, no-
a publicação deste terceiro número foi cancelada por tas para uma apresentação de Orpheu, dando já como
Sá-Carneiro, cujo pai era o principal financiador. aparecido o projetado número três, ano e meio após o
Pessoa foi o principal impulsionador deste movimento número um. Tomaz Kim deu a conhecer esse texto, que
de vanguarda, que surgiu a par das vanguardas europeias. traduziu. Aí Pessoa considerava a revista “a soma e a
25 síntese de todos os movimentos literários modernos”.
António Apolinário Lourenço, Fernando Pessoa, Coimbra,
Edições 70, 2009, pp. 29-35 (texto adaptado). Dicionário de Literatura, vol. 3, Direção de Jacinto do Prado Coelho,
Porto, Figueirinhas, 1982, pp. 773/774 (com supressões).
26
1998
Atribuição
do Prémio Nobel
da Literatura
1974
1 a José
J Saramago
Revolução o
de Abril
2010
Morte de
José Saramago,
a 18 de junho
Início da Guerra
Gue
erra
do Ultrama
Ultramar
ar
1939-45 1961
II Guerra Mundial
O século XX português ou o tempo mesmo em corrigir as injustiças que nesse plano se veri-
da literatura ficavam. [...]
A literatura e os seus dilemas
O século XX encontra-se ainda demasiado próximo
de nós para poder ser apreciado com a justeza e a dis- Embora não pertençam já inteiramente a estas gera-
30 ções, nomes como José Saramago, Manuel Alegre, Sophia
tância crítica que requerem os fenómenos sociais e ain-
da mais os fenómenos de natureza artística, como é o de Mello Breyner Andresen, Vergílio Ferreira ou Eugénio de
5 caso da Literatura. [...] Andrade posicionam-se de forma relativamente clara
É no entanto possível dizer, desde já, que o século XX é quanto a esta questão. Nos dois primeiros escritores (em
literariamente o século de Fernando Pessoa, tal como o particular no primeiro) ecoa ainda a tese de que a Arte e a
35 Literatura não só não podem ignorar as injustiças sociais
século XVI foi o século de Camões e o século XIX foi o
século de Garrett, [...] tal como de Eça de Queirós, de Cami- como devem contribuir para inquietar as consciências e
10 lo Castelo Branco e de Cesário Verde que merecem figurar estimular as transformações sociais. [...] Boa parte dos
na galeria dos grandes nomes da literatura de Oitocentos. romances de Saramago e boa parte da poesia de Alegre
[...] traduzem ainda essa ética do combate por uma socie-
Momentos de rutura e de continuidade 40 dade mais justa. Saramago e Alegre [...] viriam a distin-
No que à Literatura diz respeito, o século XX abre guir-se pelo compromisso político-partidário de Esquerda.
com o movimento do Orpheu (1914-15) e com a rutura Em Portugal como na Europa, o século XX é feito de
15 que institui relativamente a uma tradição anterior [...]. muitos Ismos (Modernismo, Neorrealismo, Existencialis-
Na mesma linha, situa-se depois a geração da Presença mo, Surrealismo) [...] e igualmente de muitas personalida-
(1929-1940). [...] 45 des literárias. [...]
Mas, se entre os escritores do Primeiro e do Segundo Acima de todas as diferenças, porém, o século XX é
Modernismos existe uma continuidade evidente, o mesmo ainda um tempo de Literatura, uma época assinalada por
20 não sucede em relação às gerações seguintes. Os presen- um conjunto influente de heróis da escrita, reconhecidos [...]
cistas defendiam uma literatura “viva”, “original” e não pela sua capacidade de criar e recriar identidades, de reco-
especialmente comprometida com as preocupações so- 50 nhecer e transformar o mundo através da arte da palavra.
ciais e económicas; os escritores da geração seguinte (os
José Augusto Cardoso Bernardes, Professor Catedrático da Facul-
neorrealistas) hão de condenar este alheamento social, dade de Letras da Universidade de Coimbra e Diretor da Biblioteca
25 defendendo uma literatura empenhada em denunciar ou Geral da Universidade de Coimbra (adaptado e com supressões).
27
1
Fernando
Pessoa
Poesia
do ortónimo
EDUCAÇÃO LITERÁRIA LEITURA
ORALIDADE COMPREENSÃO
Link: Pelo reencantamento Visione e escute atentamente o pequeno excerto de vídeo sobre um ciclo de conferências
do mundo, Mia Couto,
Fronteiras do pensamento internacionais e resolva as atividades seguintes.
(02 min 31 s)
1.2 O orador é um
A. escritor africano.
B. escritor português.
C. filósofo português.
D. desconhecido.
30
Poesia do ortónimo
Leia o texto.
P
ara uma melhor compreensão da realida-
de, para entender quem somos, que cada
um de nós é um ser complexo, que eu sou O objetivo do ensino deve ser ensinar a viver. Viver
um ser complexo, não podemos estar re- não é só adaptar-se ao mundo moderno. Viver quer di-
5 duzidos a um único aspeto da personalida- zer não somente, como tratar as grandes questões de
de, para saber que a sociedade é complexa, para que falamos, mas como viver na nossa civilização,
entender a globalização. Acredito que é sim necessário 30 como viver na sociedade de consumo.
um pensamento assim, senão temos um pensamento Produzimos coisas descartáveis em vez de objetos
mutilado, o que é muito grave, porque um pensamento reparáveis, que possam ser consertados. Então, há
10 mutilado leva a decisões erradas ou ilusórias. toda uma lógica e é preciso dar, no ensino, os meios
É preciso ensinar a compreensão humana, porque é àqueles que se vão tornar adultos, de poder escolher
um mal do qual todos sofrem em graus diferentes. Co- 35 alimentos, consumo, não usar o que não é bom e fa-
meça na família, onde os filhos não são compreendidos vorecer o que tem qualidade e o que é artesanal.
pelos pais e os pais não entendem os seus filhos. Pode Acho que é preciso ensinar não só a utilizar a inter-
15 continuar na escola, com os professores e os colegas. net, mas a conhecer o mundo da internet. É preciso
Continua na vida do trabalho, no amor e acho que temos ensinar a saber como é selecionada a informação nos
que ensinar também a enfrentar as incertezas. Porque 40 media, pois a informação passa sempre por uma se-
em todo o destino humano há uma incerteza desde leção – como e porquê? É preciso ensinar, há todo um
o nascimento. ensinamento, para a nossa civilização, que não está
20 Antes, toda a gente achava que existia um progresso pronto. A tudo isso acresce a importância do ensino
certo e agora o futuro é uma angústia. Por isso, suportar, para os problemas fundamentais e globais. Essa é a
enfrentar a incerteza é não naufragar na angústia, saber 45 reforma fundamental que precisa de ser feita.
que é preciso, de certa forma, participar com o outro,
https://www.fronteiras.com,
de algo em comum, porque a única reposta aos que têm consultado em setembro de 2022
25 a angústia de morrer é o amor e a vida em comum. (adaptado e com supressões).
1 Explique o que é necessário fazer para compreender a realidade, segundo Edgar Morin.
31
Fernando Pessoa
ORALIDADE COMPREENSÃO
Datas Acontecimentos
a. Nascimento a 13 de junho
1905 b.
1934 c.
1988 e.
2 Visione um outro documentário sobre Fernando Pessoa e associe cada um dos interve-
nientes aos assuntos abordados.
32
Poesia do ortónimo
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
2 Explique o sentido do verso “Eu sofro sem pena a vida.” (v. 4), explorando a sua ex-
pressividade.
33
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Fernando Pessoa, Poesia 1931-1935 e não datada (ed. Manuela Parreira da Silva,
Ana Maria Freitas, Madalena Dine), Lisboa, Assírio & Alvim, 2006, pp. 45-46.
34
Poesia do ortónimo
ANTECIPAR SENTIDOS
Para passar de mera emoção sem sentido à emoção artística […], essa sensação [que]
tem de ser intelectualizada segue dois processos sucessivos: a consciência dessa sen-
sação que a transforma já, passando a ser concebida como intelectualizada.
António Apolinário Lourenço, Fernando Pessoa, Lisboa, Edições 70,
2009, p. 93 (adaptado e com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
3 Identifique a que se refere o sujeito poético quando afirma “Por isso escrevo em
meio / Do que não está ao pé” (vv. 11-12).
4 Explique o sentido dos versos “Livre do meu enleio, / Sério do que não é.” (vv. 13-14).
35
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
Em “Ela canta pobre ceifeira” formula-se uma leitura que considera a ceifeira como a
imagem contraposta à pessoa do poeta, vítima da excessiva consciência de si mesmo […],
ansioso por um estado de inconsciência, sem contudo poder renunciar a ter consciência disso.
Dionísio Vila Maior, Fernando Pessoa: heteronímia e dialogismo,
Coimbra, Almedina, 1994, p. 171 (adaptado).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
5 Ondula como um canto de ave Ah, poder ser tu, sendo eu!
No ar limpo como um limiar, Ter a tua alegre inconsciência,
E há curvas no enredo suave E a consciência disso! Ó céu!
Do som que ela tem a cantar. 20 Ó campo! Ó canção! A ciência
3 Exponha os desejos expressos pelo “eu” poético nas duas últimas quadras, justi-
ficando-os.
36
Poesia do ortónimo
ANTECIPAR SENTIDOS
Fernando Pessoa buscou avidamente a felicidade, como quem nasceu para ser feliz. Bus-
cou sem encontrar, porque cedo o torturou a fome inextinguível de conhecer; […] o demónio
da análise amorteceu nele ambições e sentimentos vulgares até quase ao aniquilamento.
Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e unidade em Fernando Pessoa, 7.ª ed.,
revista e atualizada, Editorial Verbo, p. 107 (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Leia o poema.
3 Explique o sentido do paradoxo presente nos dois últimos i Bloco informativo | p. 413.
versos do poema.
1 Classifique as orações.
a. “que brincas na rua” (v. 1) b. “Que tens instintos gerais” (v. 7)
37
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
POEMA A POEMA B
38
Poesia do ortónimo
1 Atente no poema A.
1.1 Registe da 1.ª estrofe a oração subordinada adverbial consecutiva.
1.2 Identifique os mecanismos de coesão lexical presentes nos versos 8 e 9.
1.3 Indique o valor da oração “que temos” (v. 10).
39
Fernando Pessoa
INFORMAÇÃO
40
Poesia do ortónimo
ANTECIPAR SENTIDOS
A estrutura tão proustiana deste regresso “ao tempo perdido” não precisa, em princípio,
de explicações. Não é necessário ser Pessoa para sentir essa nostalgia lancinante. Ao poeta
pertence, porém, essa idealização fantasmática e localizada da sua experiência infantil,
inacessível, não apenas como para o comum dos homens, pelo empírico abismo temporal que
dela nos separa mas por uma culpa específica, como se fosse ele quem tivesse abandonado
a infância e não o contrário, como toda a gente.
Eduardo Lourenço, Fernando Pessoa revisitado, Lisboa, Moraes Editores, 1981, p. 119.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Fernando Pessoa, Poesias (nota explicativa de João Gaspar Fernando Pessoa, Poesias (nota explicativa de João Gaspar
Simões e Luiz de Montalvor), Lisboa, Ática, 1995, Simões e Luiz de Montalvor), Lisboa, Ática, 1995,
p. 187 (disponível em http://arquivopessoa.net). p. 166 (disponível em http://arquivopessoa.net).
1 Atente no poema A.
1.1 Comprove a presença da dicotomia passado/presente.
1.2 Demonstre a expressividade dos termos “minto” e “prisão”.
1.3 Evidencie a circularidade temática do texto.
1.4 Apresente, justificadamente, o tema do poema.
2 Releia o poema B.
2.1 Justifique a reflexão que o “eu” faz a partir da segunda quadra.
2.2 Enumere os sentimentos que se apossam do sujeito poético.
41
Fernando Pessoa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
1 FAZ SENTIDO RELACIONAR Refira-se ao jogo temporal entre o passado e o presente eviden-
42
Poesia do ortónimo
3 Para completar cada um dos itens 3.1 a 3.4, selecione a opção correta.
3.2 No verso “Filha, os sonhos são dores” (v. 15), os constituintes destacados desempe-
nham, sequencialmente, a função sintática de
A. vocativo, sujeito e predicativo do sujeito.
B. sujeito, modificador e predicativo do sujeito.
C. vocativo, sujeito e complemento direto.
D. sujeito, modificador e predicativo do complemento direto.
3.3 As orações subordinadas presentes nos dois primeiros versos parentéticos (v. 5 e v. 10)
classificam-se como
A. adjetivas relativas restritivas nas duas ocorrências.
B. substantiva relativa no primeiro e substantiva completiva no segundo.
C. substantiva relativa nos dois casos.
D. adjetiva relativa explicativa e substantiva relativa, respetivamente.
3.4 A oração “que eu fui nessa solidão” (v. 24) classifica-se como subordinada
A. adjetiva relativa explicativa.
B. adjetiva relativa restritiva.
C. substantiva relativa.
D. substantiva completiva.
ORALIDADE EXPRESSÃO
1 Escute atentamente a
FAZ SENTIDO RELACIONAR
1 Redija um texto de opinião, entre 250 a 350 palavras, sobre a importância da infância
na construção da personalidade e na definição da conduta do ser humano, tendo
como referência a letra da canção que ouviu.
43
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
[…] Só no Sonho, clara e lucidamente visado como Sonho, Pessoa encontrou o fictício e real
repouso por que sempre almejou. Nesses campos-elísios sem aparições, espaço propício às
sucessivas e infindáveis “des-materializações” que da aparência grosseira nos reenviam à forma
do nosso “ser primeiro”, a imaginação da ausência de Pessoa dá livre curso à sua vontade de
anulação deste mundo e desta existência cujo ser é coexistente com a dor, o mal, o pecado. […]
Eduardo Lourenço, Fernando Pessoa revisitado, Lisboa, Moraes Editores, 1981, p. 176.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
44
Poesia do ortónimo
a. b. c. d.
GRAMÁTICA i Bloco informativo | pp. 373, 401, 394, 377, 383 e 373.
5 Identifique o referente do pronome pessoal presente em “Só de pensá-la cansou Animação: O que é uma
pensar” (v. 14). comparação?
Gramática/Atividade: Coesão
e coerência textual; Dêixis
Resolução/Atividade:
6 Indique as funções sintáticas desempenhadas pelo pronome pessoal “nos” e pelo gru- Questão de exame explicada:
po preposicional “no coração” presentes em “Que o bem nos entra no coração” (v. 22). dêixis pessoal; Questão de
exame explicada: dêixis
6.1 Refira a subclasse do verbo “entrar”. temporal e espacial
Quiz: Dêixis pessoal, temporal
e espacial 2
6.2 Identifique o processo regular de formação de palavras ilustrado em “o bem”.
45
Fernando Pessoa
INFORMAÇÃO
TEXTO A
O fingimento artístico
Fernando Pessoa, em Páginas íntimas e de autointerpretação, afirma: “Para passar de mera
emoção sem sentido à emoção artística, e essa sensação tem de ser intelectualizada. Uma
sensação intelectualizada segue dois processos sucessivos: é primeiro a consciência dessa
sensação, e esse facto de haver consciência de uma sensação transforma-a já numa sensa-
5 ção de ordem diferente; é, depois, uma consciência dessa consciência, isto é: depois de uma
sensação ser concebida como tal – o que dá a emoção artística – essa sensação passa a ser
concebida como intelectualizada, o que dá o poder dela ser expressa.”
António Apolinário Lourenço, Fernando Pessoa, Lisboa, Edições 70, 2009, p. 93.
TEXTO B
A dor de pensar
Pessoa é o homem que se revela incapaz de sentir sem estar pensando e é no homem que
não sente sem pensar que a ciência encontra o melhor dos seus aliados. Porém, Pessoa não
era homem de ciência, mas homem de imaginação […], que prefere o sonho à realidade e
desdenha o pensamento pelo sentimento. E, assim, a vida não pode encontrar em Fernando
5 Pessoa o que a vida requer para ser vivida – completo abandono aos sentimentos que desper-
ta. Daí a dualidade desse homem que vive e pensa simultaneamente, e que, pensando o que
vive, pensa, precisamente, que a vida só vale a pena ser vivida sem pensamento, uma vez que
o pensamento [...] corrompe a inconsciência inerente à própria felicidade de viver.
João Gaspar Simões, Vida e obra de Fernando Pessoa, História de uma geração,
4.ª ed., Livraria Bertrand, 1980, pp. 405-406 (adaptado e com supressões).
TEXTO C
A nostalgia da infância
Na poesia de Pessoa está inscrita uma história pessoal, que se
pode reconstituir e partilhar em emoção, em simpatia e compai-
xão, no sentido etimológico desses termos. […]
Qualquer música, qualquer rumorejo de vento no arvoredo,
5 qualquer brilho incerto sobre o rio acorda de repente o “sentimen-
to-raiz”, recalcado, mas formidavelmente vivo […].
E é a infância que volta, inapagável, apesar de todos os des-
mentidos; a infância entre parênteses, como convém ao mais
secreto do ser [...] (“Sei muito bem que na infância de toda a gen-
10 te houve um jardim / Particular ou público, ou do vizinho //
E que a tristeza é de hoje”). […]
A infância é a plena realização do prazer visual e auditivo, co-
municação sensual do sujeito com o objeto, anterior à cisão que
o pensar imporá mais tarde entre ambos. A infância é cor, …
15 e é música. […]
Leyla Perrone-Moisés, Fernando Pessoa – Aquém do eu, além do outro,
São Paulo, Martins Fontes, 1982, pp. 105-106 (com supressões).
46
Poesia do ortónimo
TEXTO D
Sonho/Realidade
Ninguém mais do que ele [Pessoa] experimentou a sensação pungente de estar condena-
do à solidão, e condenado não apenas pela superioridade do seu espírito […], mas ainda por-
que só pelos sentimentos altruístas vencemos as barreiras individuais, e Pessoa, minado pela
ação de uma inteligência hipertrofiada, quase não era capaz desses sentimentos. Por essa
5 causa vive fechado no egoísmo, “só, só como ninguém ainda esteve” […]. O temperamento e
talvez as circunstâncias biográficas (órfão de pai aos cinco anos, aos sete a mãe deu-lhe um
padrasto) fizeram de Pessoa um homem segregado, antissentimental, anti-humanitário, se-
parado do mundo por “uma névoa”, entregue obsidiantemente ao pensamento especulativo
e virado para o sonho. […]
10 […] Não há dúvida: pensar, sonhar, constitui a sua vocação. Dissipados os fantasmas má-
gicos, de novo a existência fica terrivelmente vazia e sem sentido. O poeta dissipou os dias
erguendo sonhos inúteis a um céu impassível.
Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e unidade em Fernando Pessoa,
7ª ed., revista e atualizada, Editorial Verbo, 1982, pp. 107-109 (com supressões).
TEXTO E
Estilo e linguagem
Nos seus poemas, sempre rimados, Pessoa prefere em regra o verso curto, de número de
sílabas par ou ímpar, e a concisão da quadra ou da quintilha; alia assim a leveza da forma à
subtil densidade do pensamento […], uma linguagem selecionada, mas simples, com vocábu-
los de cariz romântico ou simbolista, mas um núcleo de palavras nuas e correntes que o
5 poeta habilmente rejuvenesce e enche de sentido. […] São certas palavras, certos símbolos
que sugerem aqui o inefável, a magia das visões ou a indecisão dos sentimentos […]. Mas a
expressão é límpida, a sintaxe sem pregas obscuras. Clássico pela constância e universalida-
de dos temas, pela severa redução do real ao não-real, …, Pessoa é-o igualmente pela sobrie-
dade translúcida, pela facilidade aparente, …, pela discrição dos sentimentos mentalizados
10 ou já de raiz intelectual […].
O mesmo caráter intelectual do estilo manifesta-se na frequência de antíteses, paradoxos,
jogos de conceitos e palavras. […]
Mas há também o jogo de palavras que não envolve o paradoxo, antes consiste na repeti-
ção da mesma palavra ou palavras homónimas ou afins. […]
Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e unidade em Fernando Pessoa,
Lisboa, Editorial Verbo, 1982, pp. 129-150 (com supressões).
Assunto Texto
a. A supremacia do pensamento acaba por anular o sentimento, causando infelicidade.
47
Fernando Pessoa
ORALIDADE COMPREENSÃO
1 Para completar cada um dos itens 1.1 Debate televisivo junta vários
especialistas.
a 1.3, selecione a opção correta.
1.1 O debate em análise
A. intitula-se “É ou Não é?”. C. reporta-se à guerra na Ucrânia.
B. está a ser transmitido na RTP. D. decorre no dia 25 de Abril.
48
Poesia do ortónimo
Leia o texto.
[O]
mês de junho traz-nos sempre mesmo que por outros heterónimos tenha ido a Inglater-
algo de novo: não são apenas os ra ou ao Brasil? […]
dias longos, nem as festas dos Mas os nossos dois escritores maiores partilham tam-
chamados “santos populares”, bém projetos e dramas humanos. A criação poética é irmã
5 ou, neste ano, os dramas da 30 da criação do pensamento. Por isso sempre sentimos al-
guerra, insensata e desumana, para a qual ingenuamen- gum desconforto quando nos falam do “poeta Pessoa” ou
te se reclamam “corredores humanitários”. do “poeta Camões”, porque esses termos são limitativos da
Traz-nos também a memória repetida de duas das plenitude da sua identidade, como podemos ver também
mais notáveis figuras da nossa história, do pensamento, em outras figuras, como Antero de Quental, ou Jorge de
10 da poesia, da escrita, do conhecimento e da sabedoria. 35 Sena, ou Vitorino Nemésio e tantos outros dos nossos. (…)
Em 10 de junho de 1580 (segundo a opinião mais se- Sobre as expressões poéticas de Fernando Pessoa,
guida, apesar de algumas divergências) falecia Luís Vaz qualquer estudante com elas contactou, pelo menos de
de Camões (1525-1580), por volta dos 55 anos de idade. No uma forma superficial, porque os textos escolhidos para
dia 13 de junho de 1888 nascia Fernando António Noguei- os manuais escolares, em virtude da insistência na poe-
15 ra Pessoa, António por causa do santo do dia, falecido em 40 sia, nem sempre são os mais significativos do pensamen-
Pádua, no norte de Itália, em 13 de junho de 1231, aos 35 to. Há que completá-los com os escritos reveladores desse
anos de idade. Fernando Pessoa viria a falecer em 30 de pensamento, sendo essencial o Livro do Desassossego, no
novembro de 1935, em Lisboa, aos 47 anos de idade. qual expõe meditações […].
Que têm estas personalidades de comum? O dina- Não sei porquê, dei comigo a revisitar um livro de
20 mismo espiritual e evangélico de Santo António, que foi 45 Bernardo Xavier Coutinho, publicado em 1975, em que
de Lisboa, de Coimbra a Marrocos e até a Itália pelo ideal analisa a palavra “Lusíadas” e em que interpreta os retra-
franciscano; ou a dinâmica lírica e aventureira de Luiz tos de Camões, bem como um reencontro com “Diversi-
Vaz, que demandou as partes da Índia e da Ásia, em luta e dade e Unidade em Fernando Pessoa”, de Jacinto do Pra-
aventura; ou a visão pluralista de Fernando António, que do Coelho. São formas de recordar as figuras deste junho
25 de África do Sul encalhou definitivamente em Lisboa, 50 para além dos desfiles e das marchas.
https://www.vozportucalense.pt,
consultado em 31/08/2022 (com supressões).
a. b. c.
49
GRAMÁTICA
SISTEMATIZAÇÃO APLICAÇÃO
SISTEMATIZAÇÃO
Gramática/Atividade:
Valor aspetual Valor aspetual
O aspeto é a categoria gramatical que exprime a estrutura temporal interna de uma
situação. As categorias tempo e aspeto são distintas. Porém, há formas verbais que expri-
mem simultaneamente um valor temporal e aspetual.
Ex.: Ricardo Araújo Pereira faz críticas destrutivas.
A forma verbal tem valor temporal de presente e um valor aspetual habitual, porque
expressa uma situação repetida no tempo.
O valor aspetual de um enunciado é construído com base em informação lexical e gra-
matical. A construção gramatical do valor aspetual relaciona-se com o valor dos tempos
verbais, de verbos auxiliares, de estruturas de quantificação, de certos tipos de nomes,
ou de modificadores. A combinação de elementos deste tipo permite representar uma si-
tuação como culminada/concluída (valor perfetivo), não culminada (valor imperfetivo),
genérica, habitual ou iterativa.
50
APLICAÇÃO
51
CONSOLIDAÇÃO
Fingimento artístico A dor de pensar
Quiz: Fernando Pessoa: Consiste numa teoria que defende o princípio Estado psicológico que resulta do uso excessi-
poesia do ortónimo 1;
Fernando Pessoa: poesia de que o ato artístico é algo superior, sen- vo e permanente da inteligência, do intelecto,
do ortónimo 2 do, para isso, necessário fingir e recorrer à e que se relaciona com o recurso contínuo à
imaginação. Só o uso da razão, do intelecto, razão, levando o poeta a afirmar: “O que em
por oposição ao sentimento, permite aceder mim sente ‘stá pensando”. A intelectualização
ao fingimento. Além disso, quando o poeta dos sentidos ou sentimentos provoca dor e
comunica aos outros o que sentiu, adultera a infelicidade, por isso, o sujeito poético refugia-
sensação inicial e, por isso, finge, até porque -se, por vezes, na infância e emite o desejo de
o que se sente é intransmissível. Logo, ao se- ser instintivo ou inconsciente, como sucede
lecionar as palavras, que não são mais do que nos poemas “Gato que brincas na rua” e “Ela
convenções, o poeta já não expressa o que canta, pobre ceifeira”, respetivamente.
sentiu, mas o que experiencia no momento
em que o quer comunicar. Daí que Fenando
Pessoa afirme que o poeta “chega a fingir que
é dor / A dor que deveras sente” ou que fingir
não é mentir, como se pode ler em “Autopsi-
cografia” e “Isto”, respetivamente.
Consciente de que pelo sonho se pode afastar Perante a consciência de que o estado de in-
da realidade, o poeta evade-se, frequentemen- consciência corresponde ao período da infân-
te, para dimensões do domínio do onírico, ain- cia, o poeta evoca o tempo em que não tinha
da que estas possam, no fundo, concretizar-se direitos nem deveres, momento em que tudo
na realidade, uma vez que o poeta se encontra parecia possível, inclusive poder brincar no
num estado de quase permanente alheamen- jardim do rei e pensar que tudo era dele: “Não
to e de confusão como se vê em “Não sei se sei, ama, onde era”. Por isso, deseja viver num
é sonho se realidade”. Enquanto ortónimo, o estado de pura inocência, liberto do intelecto
poeta ilude a vida sonhando, ainda que os seus que o faz questionar-se continuamente e la-
sonhos se revelem inúteis e que a sua vocação mentar não ter usufruído desse anterior esta-
seja pensar e sonhar, como se confirma em do de pureza, quase instintivo.
“A febre do que me suponho / Tolda-me a fron-
te de o pensar. / Mas, se penso, somente so-
nho, / Porque a febre me faz sonhar”.
Estilo e linguagem
52
VERIFICAÇÃO
1 Assinale como verdadeiras ou falsas as afirmações. Corrija as falsas.
A. Fernando Pessoa recebeu uma educação inglesa por ter vivido longos anos em
Jogo: #DesafioLiterário:
Inglaterra. Fernando Pessoa
B. Fernando Pessoa e outros intelectuais criaram a revista Orpheu para divulgar
o Modernismo.
C. Pessoa participou em outras revistas literárias antes de ter fundado o Orpheu.
D. O Modernismo é um movimento estético que prima pela tradição literária e pelo
nacionalismo.
E. A literatura dos participantes na revista Orpheu, na época da sua publicação,
cativou os intelectuais.
F. A poesia dos colaboradores do Orpheu caracterizava-se pela irreverência e pela
alucinação.
G. Pessoa ortónimo sempre conseguiu conciliar o sentimento e o pensamento.
H. A teoria do fingimento poético consiste em representar as emoções, com re-
curso à imaginação.
I. O fingimento poético deve ser entendido como uma mentira e não como inte-
lectualização das emoções.
J. Algumas composições poéticas do ortónimo refletem vivências de um passado
que pode ser reconstruído pela imaginação.
K. Em certos textos poéticos, Fernando Pessoa manifesta um sentimento de soli-
dão, tédio e melancolia.
L. Para representar a realidade, o poeta recorre ao visualismo descritivo do
mundo exterior.
M. Fernando Pessoa consegue ser feliz graças à constante racionalização do
sentir.
N. Pessoa centra-se fundamentalmente no seu mundo íntimo.
O. O regresso à infância deve-se à necessidade de o poeta se libertar do pensa-
mento.
P. A procura incessante do autoconhecimento é responsável pela unificação do
“eu”.
Q. A dicotomia sonho/realidade espelha o desejo do “eu” de se libertar de uma vida
inútil.
R. O reconhecimento de que a realidade é fugaz faz de Fernando Pessoa um ser
lutador.
S. Formalmente, o ortónimo mostra preferência pela quadra e/ou quintilha e pela
redondilha.
T. A linguagem utilizada por Fernando Pessoa é concreta e objetiva, rejeitando, por
isso, as figuras de retórica.
53
AVALIAÇÃO
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
Áudio: “Boiam leves,
desatentos”, de Fernando
Pessoa; “Sonhei – nem
sempre o sonho é coisa vã”, PARTE A
de Fernando Pessoa
Animação: Escrever um Leia o poema.
texto expositivo
Fernando Pessoa, Poesias (nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor),
Lisboa, Ática, 1995, p. 120 (disponível em http://arquivopessoa.net).
PARTE B
Leia o poema.
54
4 Demonstre a existência de um contraste entre os estados do “eu” e da Natureza.
PARTE C
6 Baseando-se na sua experiência de leitura, escreva uma breve exposição sobre a fun-
cionalidade do sonho em Antero de Quental e em Fernando Pessoa.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual compare a abordagem do sonho nos dois autores;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento.
GRUPO II
Leia o texto.
Quando recebeu o Prémio Pessoa, em 2012, espanhol Ángel Crespo e do francês Robert Bréchon
Richard Zenith já estava a trabalhar nesta biografia, não tinham verdadeiramente conseguido colmatar.
cuja edição portuguesa foi apresentada esta quinta- O próprio Zenith confessa aqui ter receado, quase
-feira na Gulbenkian. Lançada em julho de 2021 no até ao fim, que este Pessoa. Uma Biografia viesse apenas
5 mundo de língua inglesa e recebida pela imprensa 20 confirmar que o seu título propunha uma espécie de
norte-americana e britânica com críticas pouco me- contradição nos termos e que não era possível escre-
nos do que estratosféricas, esta obra monumental ver-se uma biografia satisfatória do elusivo criador de
chega agora, com a ajuda dos tradutores Salvato e heterónimos. Afinal é. E a espantosa quantidade de
Vasco Teles de Menezes, à língua e à cultura portu- pequenos factos desconhecidos, negligenciados ou es-
10 guesas, que ao longo de mais de 70 anos – desde que 25 quecidos que muitos anos de pesquisas lhe permitiram
João Gaspar Simões publicou, em 1950, a sua pioneira reunir neste livro, ou a luz inteiramente nova que lança
Vida e Obra de Fernando Pessoa – não se mostrou capaz sobre o papel desempenhado por alguns familiares do
de produzir uma biografia atualizada do seu mais biografado, como a prima-tia Lisbela ou o tio Cunha, ou
importante escritor moderno. Uma lacuna genuina- ainda as notáveis páginas em que contextualiza o mun-
15 mente enigmática e que as anteriores biografias do 30 do em que o poeta viveu, de Durban a Lisboa, sendo
55
AVALIAÇÃO
alguns dos inquestionáveis méritos desta obra, não 40 com elegância e imparcialidade, evitando impor juízos
devem ocultar o seu triunfo principal, que é ter real- ao leitor. Se esta biografia propõe uma tese é a de que
mente conseguido contar-nos a história de Fernando Pessoa era “um implacável transformador de si mes-
Pessoa. É uma figura viva que emerge destas páginas, mo” e que gostava de antecipar o que ainda não era
35 com uma existência exterior não tão monótona como para se obrigar a chegar lá. Foi assim que se tornou o
nos fizeram crer, e uma das mais vastas e complexas 45 génio que decidiu ser.
vidas imaginadas que algum cérebro acolheu. https://www.publico.pt,
A sexualidade, os interesses esotéricos, as posições consultado em setembro de 2022.
políticas, os preconceitos, tudo é tratado por Zenith
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.6, selecione a opção correta.
1.1 A biografia de Fernando Pessoa, da autoria de Richard Zenith, vem
A. substituir a biografia atualizada de João Gaspar Simões.
B. atualizar e complementar as diferentes biografias do icónico autor.
C. complementar as anteriores biografias, espanhola e francesa.
D. comprovar que havia ainda muito a dizer sobre este moderno escritor.
1.3 A oração “desde que João Gaspar Simões publicou, em 1950, a sua pioneira Vida
e Obra de Fernando Pessoa” (ll. 10-12) classifica-se como subordinada
A. adverbial concessiva. C. adjetiva relativa restritiva.
B. adverbial temporal. D. adjetiva relativa explicativa.
1.4 O segmento “de produzir uma biografia atualizada do seu mais importante escri-
tor moderno” (ll. 13-14) desempenha a função sintática de
A. complemento direto. C. complemento do nome.
B. complemento do adjetivo. D. predicativo do sujeito.
56
GRUPO III
Escolha uma das propostas apresentadas.
Animação: Escrever uma
apreciação crítica; Escrever
1 Num texto bem estruturado, com um mínimo de 150 e um máximo de 250 palavras, um texto de opinião
Quiz: Géneros textuais:
faça a apreciação crítica do cartoon abaixo apresentado. escrita
2 Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de 150 e um máximo de 250
palavras, apresente a sua perspetiva sobre a afirmação seguinte.
No seu texto:
• explicite o seu ponto de vista, fundamentando-o com dois argumentos, cada um
deles ilustrado com um exemplo significativo;
• formule uma conclusão adequada à argumentação desenvolvida;
• utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
57
2
Fernando
Pessoa
Poesia
dos heterónimos
EDUCAÇÃO LITERÁRIA LEITURA
ORALIDADE COMPREENSÃO
60
Poesia dos heterónimos
Leia o texto.
A Companhia das Letras lança, nesta terça-feira 35 poeta. “O surgimento de Caeiro marca o momento de
(9/8), dentro de sua coleção dedicada a Fernando Pes- viragem, em que Pessoa se torna um poeta verdadei-
soa, a nova edição de Poesia completa de Alberto ramente grandioso”, destaca.
10 Caeiro. A edição crítica ficou a cargo de dois renoma- “O meu ensaio debruça-se sobre as origens de
dos especialistas na obra do escritor português – Fer- Caeiro, sobre as influências – incluindo poetas como
nando Cabral Martins e Richard Zenith –, autores dos 40 Walt Whitman e Cesário Verde – mais importantes para
dois ensaios do livro. o surgimento deste poeta da Natureza, e sobre o triun-
Com base nos três conjuntos de poemas que com- fo que Caeiro, com a sua poesia tão singela, represen-
15 põem o volume – “O guardador de rebanhos”, “O pastor tou para um poeta cerebral como Pessoa”, sublinha.
amoroso” e “Poemas inconjuntos” –, Martins considera Zenith afirma que os “atributos paradoxais” cum-
que, de todos os heterónimos de Pessoa, Caeiro talvez 45 prem papel central na escrita do heterónimo, por aliar
seja o que corresponda ao “esforço de arquitetura” força, lucidez e estilo lapidar na obra que tem a Natu-
mais bem-sucedido. reza como eixo principal.
“A simplicidade de Caeiro é enganadora, pois toda
20 Simplicidade revolucionária a sua insistência em que as coisas são exatamente
Zenith observa que o heterónimo, que surgiu em 50 o que parecem ser, sem filosofia, constitui também
março de 1914, quando Pessoa tinha 26 anos, repre- uma espécie de filosofia”, ressalta.
sentou uma verdadeira revolução na trajetória do poe- Pessoa costumava referir-se a Caeiro como
ta, que se consagrou pelo estilo singular e bucólico, “o guardador de rebanhos” e como o “pagão”, ao pas-
25 capaz de aliar polos aparentemente opostos, como so que dois de seus outros heterónimos famosos,
simplicidade e profundidade. 55 Ricardo Reis e Álvaro de Campos, eram, respetiva-
“É com Caeiro que Fernando Pessoa aprendeu a de- mente, o “estoico” e o “sensacionista”.
saprender, esquecendo-se da sua vasta erudição para “Caeiro é, de certo modo, um materialista, mas
ver – e escrever sobre – o mundo como se o visse pela descreve um mundo que parece não ter peso. Embora
30 primeira vez”, diz. “A erudição de Pessoa ficou, diga- se identifique como um guardador, confessa no seu
mos, entre parênteses, nada ostensiva, mas está lá”, 60 primeiro poema: ‘Eu nunca guardei rebanhos / Mas é
aponta. como se os guardasse’. Todos estes e outros parado-
Richard Zenith diz que Caeiro ensinou Pessoa a fin- xos de Caeiro apontam para o impossível que se torna
gir, a “outrar-se” – termo empregado pelo próprio possível através da poesia”, diz Zenith.
61
Fernando Pessoa
O especialista observa que Caeiro não era pagão, 80 fosse possível, englobar todas as tendências, de todos
65 mas o próprio paganismo, segundo Ricardo Reis e Fer- os tempos. Não havia um poeta mais ambicioso do
nando Pessoa. que Fernando Pessoa”, destaca.
“Sendo ‘objetivista’ absoluto, não lhe fazia sentido Ele pontua que, segundo as “Notas para a recorda-
conceber deuses imanentes nas coisas. Para ele, as ção do meu mestre Caeiro”, assinadas por Álvaro de
coisas bastavam em si, sem mais nada. Reis, sim, era 85 Campos, os 49 poemas de “O guardador de rebanhos”
70 um pagão, e infeliz por se sentir deslocado, nascido apresentam Caeiro no seu auge, enquanto os “Poe-
no final do século XIX e não na Antiguidade. Era um mas inconjuntos” foram produzidos por um Caeiro às
heterónimo classicista que dava importância às for- vezes “doente”, menos incisivo.
mas das coisas”, afirma. Zenith também considera que alguns poemas des-
90 ta última coleção não estão à altura daqueles que
Ambição multifacetada compõem “O guardador de rebanhos”.
75 Para Álvaro de Campos, aponta o especialista,
o importante era sentir tudo de todas as maneiras.
“Pessoa, sendo o poeta modernista mais importante https://www.em.com.br,
consultado em 17/10/2022 (adaptado).
de Portugal, ia bem mais longe. Através dos heteró-
-nimos, visava uma literatura totalizante. Queria, se
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.7, selecione a opção correta.
1.1 O artigo apresentado tem como principal objetivo
A. apresentar um livro com a poesia de Fernando Pessoa.
B. apresentar uma nova edição da poesia de Alberto Caeiro.
C. divulgar a análise da obra do heterónimo Alberto Caeiro.
D. expor as marcas específicas da poesia de Alberto Caeiro.
62
Poesia dos heterónimos
b. “não lhe fazia sentido conceber deuses imanentes nas coisas” (ll. 67-68) Gramática/Atividade:
Coesão e coerência textual
c. “que dava importância às formas das coisas” (ll. 72-73)
63
Fernando Pessoa
ORALIDADE COMPREENSÃO
Coluna A Coluna B
a. Luís Castro (jornalista 1. O seu estudo é sobre Ricardo Reis e a sua relação
e moderador) com Alberto Caeiro.
2. Defende que só se devem considerar três heterónimos
e o semi-heterónimo.
b. Mariana Grey de
Castro (investigadora 3. Dirige as perguntas aos intervenientes e comenta algumas
das universidades de das afirmações.
Oxford e de Lisboa) 4. Faz inicialmente uma síntese biográfica de Fernando Pessoa.
5. Considera que a explicação sobre a heteronímia deve ser
c. Clara Riso (diretora relativizada dada a extensão da obra que Pessoa diz ter sido
da Casa Fernando escrita numa noite, em 1914.
Pessoa) 6. Destaca a questão da heteronímia nas visitas à Casa
Fernando Pessoa.
7. Defende que as obras de Ricardo Reis e de Horácio
d. Nuno Amado
são semelhantes na forma, mas não no conteúdo.
(doutorando em Teoria
da Literatura) 8. Justifica a escolha do poema “Dobrada à moda do Porto”.
64
Poesia dos heterónimos
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Leia a carta que Fernando Pessoa escreveu a Adolfo Casais Monteiro a explicar-lhe a ori-
gem dos seus heterónimos.
como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e cons-
20 tante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos – felizmente para mim
e para os outros – mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida
prática, exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós
comigo. Se eu fosse mulher – na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e
coisas parecidas –, cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de
25 mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem – e nos homens a histeria assume
principalmente aspetos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia…
Isto explica, tant bien que mal, a origem orgânica do meu heteronimismo. Vou agora
fazer-lhe a história direta dos meus heterónimos. Começo por aqueles que morreram, e de
alguns dos quais já me não lembro – os que jazem perdidos no passado remoto da minha
30 infância quase esquecida.
Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cer-
car de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente
não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos
ser dogmáticos.) Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de
35 precisar mentalmente, em figura, movimentos, caráter e história, várias figuras irreais que
eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura
abusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu,
tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta,
mas não alterando nunca a sua maneira de encantar.
65
Fernando Pessoa
40 Lembro, assim, o que me parece ter sido o meu primeiro heterónimo, ou, antes, o meu
primeiro conhecido inexistente – um certo Chevalier de Pas dos meus seis anos, por quem
escrevia cartas dele a mim mesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, ainda conquis-
ta aquela parte da minha afeição que confina com a saudade. Lembro-me, com menos
nitidez, de uma outra figura, cujo nome já me não ocorre mas que o tinha estrangeiro
45 também, que era, não sei em quê, um rival do Chevalier de Pas... Coisas que acontecem a
todas as crianças? Sem dúvida – ou talvez. Mas a tal ponto as vivi que as vivo ainda, pois
que as relembro de tal modo que é mister um esforço para me fazer saber que não foram
realidades.
Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com ou-
50 tra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já
em maioridade. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou
outro, a quem eu sou, ou a quem suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontanea-
mente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava,
e cuja figura – cara, estatura, traje e gesto – imediatamente eu via diante de mim. E assim
55 arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda
hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto, vejo... E tenho
saudades deles. [...]
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas
de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos,
60 mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa
penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido,
sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)
Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro –
de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro
65 como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada con-
segui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de março de 1914 – acerquei-me de
uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre
que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja Natureza não
conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri
70 com um título, “O guardador de rebanhos”. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém
em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase:
aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que,
escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e es-
crevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a “Chuva oblíqua”, de Fernando Pessoa.
75 Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando
Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reação de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como
Alberto Caeiro. [...]
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente –
uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o
80 nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação opos-
ta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jato, e à máquina
de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a “Ode triunfal” de Álvaro de Campos –
a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei
85 as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências
de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve.
Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa.
66
Poesia dos heterónimos
67
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa, Correspondência 1923-35 (ed. Manuela P. da Silva),
Lisboa, Assírio & Alvim, 1999 (com supressões).
a. Justificação para
o aparecimento
dos heterónimos:
1. 2. 3.
Almada Negreiros, Heterónimos de Fernando Pessoa, 1957-61.
b. Nome:
c. Data e local
de nascimento:
d. Características
físicas:
e. Instrução
e profissão:
f. Tipo de escrita:
Animação: Pessoa
na 1.a pessoa
68
ALBERTO CAEIRO Poesia dos heterónimos
ORALIDADE COMPREENSÃO
69
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos… Vincent van Gogh, Três girassóis
numa jarra, 1888.
20 Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar…
70
Poesia dos heterónimos ‒ Alberto Caeiro
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.3, selecione a opção correta.
1.1 A oração “ter o pasmo essencial” (v. 8) desempenha a função sintática de
A. complemento oblíquo.
B. completo direto.
C. predicativo do sujeito.
D. complemento indireto.
1.2 O pronome relativo presente em “Que tem uma criança” (v. 9) está ao serviço da Animação: O que é uma
coesão gramatical enumeração?; O que é uma
metáfora?; O que é uma
A. referencial. comparação?; O que é uma
anáfora?
B. interfrásica. Gramática/Atividade:
Complemento oblíquo;
C. temporal. Complemento direto;
Predicativo do sujeito;
D. frásica. Complemento indireto;
Coesão e coerência textual;
1.3 A oração “que nascera deveras” (v. 10) é subordinada Orações subordinadas
adjetivas relativas; Orações
A. adjetiva relativa restritiva. subordinadas substantivas
completivas; Orações
B. adverbial causal. subordinadas substantivas
relativas; Orações
C. substantiva completiva. subordinadas adverbiais
causais
D. substantiva relativa.
71
Fernando Pessoa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
“O guardador de rebanhos”, in Poemas de Alberto Caeiro, Fernando Pessoa (nota explicativa e notas de João
Gaspar Simões e Luiz de Montalvor), Lisboa, Ática, 1993, p. 40 (disponível em http://arquivopessoa.net).
72
Poesia dos heterónimos ‒ Alberto Caeiro
GRAMÁTICA
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.5, selecione a opção correta. Gramática/Atividade:
Sujeito; Vocativo;
1.1 O grupo nominal “guardador de rebanhos” (v. 1) desempenha a função sintática de Complemento direto;
Modificador de frase;
Modificador de grupo verbal;
A. sujeito. Modificador de nome;
Predicado; Complemento do
B. vocativo. nome; Predicativo do sujeito;
C. modificador. Complemento oblíquo;
Atos ilocutórios (atos de fala);
D. complemento direto. Valor modal: modalidade
apreciativa; Valor modal:
modalidade deôntica;
1.2 Os “que” presentes nos versos 5 e 11 são Valor modal: modalidade
epistémica
A. ambos pronomes relativos. Quiz: Atos ilocutórios
(atos de fala)
B. ambos conjunções subordinativas. Animação: Escrever
um texto expositivo
C. respetivamente, um pronome e uma conjunção.
D. respetivamente, uma conjunção e um pronome.
1.3 A pergunta “Que te diz o vento que passa?” (v. 3) configura um ato ilocutório
A. expressivo.
B. assertivo.
C. diretivo.
D. compromissivo.
1.4 O verso “Nunca ouviste passar o vento” (v. 12) exemplifica a modalidade
A. epistémica com valor de certeza.
B. deôntica com valor de obrigação.
C. deôntica com valor de permissão.
D. epistémica com valor de probabilidade.
1.5 Os grupos frásicos sublinhados em “O vento só fala do vento” (v. 13) e “E a mentira
está em ti” (v. 15) desempenham, respetivamente, a função sintática de
A. complemento direto e predicado.
B. complemento do nome e predicativo do sujeito.
C. complemento oblíquo e predicativo do sujeito.
D. modificador do grupo verbal e predicado.
73
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
5 Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer coisa no sol de modo a ele ficar mais belo...
(Mesmo se nascessem flores novas no prado
E se o sol mudasse para mais belo,
10 Eu sentiria menos flores no prado
E achava mais feio o sol…
Porque tudo é como é e assim é que é,
E eu aceito, e nem agradeço,
Para não perceber que penso nisso…)
“O guardador de rebanhos”, in Poemas de Alberto Caeiro, Fernando Pessoa
(nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor),
Lisboa, Ática, 1993, p. 49 (disponível em http://arquivopessoa.net). Edvard Munch, O sol, 1911-1916.
74
Poesia dos heterónimos ‒ Alberto Caeiro
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Leia o poema.
XXVIII
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Mas as flores, se sentissem, não eram flores, Mikhail Vrubel, Flores, séc. XIX-XX.
10 Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.
75
Fernando Pessoa
INFORMAÇÃO
76
RICARDO REIS Poesia dos heterónimos
ORALIDADE COMPREENSÃO
Escute atentamente o registo áudio sobre Ricardo Reis e resolva a atividade. Áudio: Ricardo Reis,
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.8, selecione a opção correta. o reinado da abdicação
77
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
Os temas da poesia de Ricardo Reis são aqueles (ou mais propriamente alguns daqueles)
1 aproveitar o dia; 2 ideal que que habitualmente encontramos no lirismo clássico, nomeadamente o carpe diem1, a aurea
defende o prazer relativo, mediocritas2 ou a tirania do fatum3. Doutrinariamente, apresenta-se ainda como um “pagão
moderado; 3 destino da decadência”, que procura conciliar o culto epicurista do prazer com a renúncia estoica,
tendo consciência que a renúncia aos bens materiais, o sábio usufruto dos pequenos pra-
zeres e aceitação da morte como fim natural da existência são o caminho certo para fugir
à infelicidade.
António Apolinário Lourenço, Fernando Pessoa, Coimbra, Edições 70, 2009, p. 58 (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
3 Justifique o desejo do "eu" de ter uma vida que "fosse / Uma planície sem relevos"
(vv. 10-11).
78
Poesia dos heterónimos ‒ Ricardo Reis
POEMA B
4 Destaque três marcas características da filosofia de vida defendida por Ricardo Reis.
1 Registe o grupo frásico retomado pelo pronome relativo “Que” (v. 10, poema B).
2 Indique a função sintática desempenhada pelo pronome pessoal “nos” (v. 10, poema B).
79
Fernando Pessoa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa (notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor),
Lisboa, Ática, 1994, p. 23 (disponível em http://arquivopessoa.net).
80
Poesia dos heterónimos ‒ Ricardo Reis
4 Preencha a tabela seguinte retirando do poema uma forma verbal exemplificativa dos
tempos e modos verbais indicados.
5 Explicite a simbologia das metáforas “rio” (vv. 1 e 10), “mar (v. 16), “sombra” (v. 25), “barqueiro
sombrio” (v. 29).
Comparação b.
Metáfora c.
Enumeração d.
81
Fernando Pessoa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
1 Júpiter
1 Explicite o modo como, de acordo com o sujeito poético, a vida deve ser vivida pelos
humanos.
82
Poesia dos heterónimos ‒ Ricardo Reis
83
Fernando Pessoa
Leia o texto.
A
té ao século XIV, as civi-
lizações antigas dividiam
o dia em períodos de 12
horas. Mas, com a constru-
5 ção dos relógios mecânicos,
os dias passaram a ter 24 horas. Em 1784,
Benjamin Franklin propôs que se fizesse
um ensaio com a alteração da hora na pri-
mavera (mais uma hora), o que permitiria
10 uma poupança considerável nas velas. Isto
porque, caso se levantassem mais cedo, as
pessoas conseguiam aproveitar mais horas
de sol e, como tal, poupar no consumo de
energia, ou seja, de velas.
15 Contudo, esta medida apenas ganhou
força mais de 100 anos depois, em plena
Primeira Guerra Mundial. Com o desen-
volvimento da ferrovia, e depois de outros
pensadores apresentarem os vários bene-
20 fícios desta mudança, implementou-se a
alteração de horário na primavera para Arco da rua Augusta, Lisboa.
poupar combustível, escasso e racionado
na altura, na Alemanha e na Áustria. 35 4,6 milhões de inquiridos responderam que
Pouco tempo depois, Portugal, que des- queriam os relógios a seguirem o seu curso
25 de 1911 seguia a hora de Greenwich, imitou natural, sem influência externa. E a maioria
os outros países europeus, atrasando os disse preferir ficar com o horário de verão.
ponteiros dos relógios pela primeira vez “Milhões acreditam que, no futuro, a hora
a 17 de junho de 1916 (para fazer a operação 40 de verão deveria ser para o ano todo”, disse,
oposta a 1 de novembro). na altura, o ex-presidente da Comissão Euro-
30 Desde então, muito se tem discutido so- peia (CE), Jean-Claude Juncker. No entanto,
bre a pertinência da mudança de horário. apesar das avaliações, Portugal continua
Em 2018, um grande inquérito europeu ha- a mudar a hora duas vezes por ano.
via dado uma vitória esmagadora aos que
https://visao.sapo.pt,
defendiam a não mudança da hora: 80% dos consultado em novembro de 2022 (adaptado).
84
Poesia dos heterónimos ‒ Ricardo Reis
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.3, selecione a opção correta.
1.1 O adiantamento de uma hora na primavera
A. ganhou força em 1784, após a proposta de Benjamin Franklin.
B. ganhou mais força durante a Segunda Guerra Mundial.
C. resultou do racionamento imposto pela Segunda Guerra Mundial.
D. ocorreu na Alemanha e na Áustria após a Segunda Guerra Mundial.
85
Fernando Pessoa
INFORMAÇÃO
TEXTO A
Estilo e temáticas
Na ficção heteronímica, Reis gosta de se apresentar como discípulo mais consequente de
Caeiro, ainda que procurando estabelecer uma versão culta do paganismo espontâneo do seu
mestre. Enquanto poeta, sustenta-se em modelos greco-romanos, especialmente nas odes
horacianas. O seu discurso poético, profundamente intelectualizado, e onde convivem har-
5 moniosamente os cultismos e arcaísmos próprios da opção classicista, reflete a influência da
sintaxe latina, provocando uma sensação de estranheza ao leitor português. Os temas da sua
poesia são aqueles (ou mais propriamente alguns daqueles) que habitualmente encontramos
no lirismo clássico, nomeadamente o carpe diem, a aurea mediocritas ou a tirania do fatum.
Doutrinariamente, apresenta-se ainda como um “pagão da decadência”, que procura conciliar
10 o culto epicurista do prazer com a renúncia estoica, tendo consciência de que a renúncia aos
bens materiais, o sábio usufruto dos pequenos prazeres e a aceitação da morte como fim
natural da existência são o caminho certo para fugir à infelicidade.
António Apolinário Lourenço, Fernando Pessoa, Coimbra, Edições 70,
2009, pp. 57-58 (com supressões).
TEXTO B
Epicurismo e ataraxia
Marc Chagall, O poeta, 1912.
Reis procura na sabedoria dos antigos um remédio para os seus males. […] Copia-lhes
o exemplo. Não hesita em confessar a Lídia que […] prefere o presente precário a um futuro
que teme porque o desconhece. Embora com tintas de estoicismo, […] formula uma filosofia
da vida cuja orientação é, na verdade, epicurista. O homem de sabedoria edifica-se, conquis-
5 ta a autonomia interior na restrita área de liberdade que lhe ficou. Essa conquista começa por
um ato de abdicação […], um duro esforço de autodisciplina. O primeiro objetivo é a submis-
são voluntária a um destino involuntário […], aceitando livremente a morte. O segundo ob-
jetivo é evitar as ciladas da Fortuna, depurando a alma de instintos e paixões que nos prendam
ao transitório, alienando a nossa vida. Com Epicuro aprendeu Reis que a ataraxia é a primei-
10 ra condição de felicidade e não implica ausência de prazer mas indiferença perante todo o
prazer que nos compromete, colocando-nos na dependência dos outros ou das coisas. […]
Os prazeres tipicamente epicuristas são espirituais, como a volúpia levemente melancólica
de recordar os bons momentos do passado.
Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e unidade em Fernando Pessoa, Lisboa,
Editorial Verbo, 1982, pp. 26-27 (adaptado e com supressões).
86
ÁLVARO DE CAMPOS Poesia dos heterónimos
ORALIDADE COMPREENSÃO
Escute uma breve exposição sobre Álvaro de Campos e leia a atividade. Áudio: Álvaro de Campos,
a experiência de existir
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.8, selecione a opção correta.
1.1 Segundo as primeiras palavras do enunciador, Álvaro de Campos
A. transpira desilusão, bem visível nos seus poemas.
B. transpira emoção e a vida pulsa nos seus textos.
C. deixa transparecer revolta face a um mundo caótico.
D. revela entusiasmo e alegria perante o mundo caótico.
1.2 O heterónimo pessoano quer
A. fugir do mundo caótico em que se encontra.
B. viver plenamente o presente por temer o futuro.
C. sentir tudo de todas as maneiras, ser tudo e todos.
D. controlar as suas emoções exageradas e abruptas.
1.3 Quando parte em busca do mistério, Álvaro de Campos
A. entusiasma-se e deprime-se.
B. regozija-se com o que vê.
C. sente náusea e evade-se.
D. manifesta repulsa e dor.
1.4 Enquanto prometeico, este heterónimo
A. procura a Antiguidade como evasão.
B. detesta e repudia os aspetos da modernidade.
C. afasta-se do mundo contemporâneo.
D. saúda o novo mundo, uma nova humanidade.
1.5 Álvaro de Campos mostra-se
A. seduzido pela tecnologia, pelas máquinas e pelo progresso.
B. atento a tudo o que representa o mundo da antiguidade.
C. revoltado face a um novo mundo tecnológico e material.
D. seduzido pelos deuses e tenta aproximar-se deles.
1.6 Álvaro de Campos concilia os contrários:
A. a vida e a morte; a emoção e a contenção.
B. a razão e a emoção; a infância e a vida adulta.
C. a entrada e a saída de um grande labirinto.
D. a razão e o sentimento; a alegria e o sofrimento.
1.7 Este heterónimo pessoano foi
A. o que menos desejou ser múltiplo.
B. o que menos se sentiu múltiplo.
C. o que mais desejou a pluralidade.
D. quem mais sofreu com a multiplicidade.
1.8 A poesia de Álvaro de Campos
A. retrata o universo do homem clássico.
B. explora o quotidiano dos intelectuais.
C. descreve o dia a dia dos contemporâneos.
D. retrata o universo do homem moderno.
87
Fernando Pessoa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
88
sai da fabrica - e vai Poesia dos heterónimos ‒ Álvaro de Campos
para a cidade
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés – oásis de inutilidades ruidosas
45 Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
50 Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas,
Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos!
Atividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
55 E Piccadillies e Avenues de L’Opéra que entram
Pela minh’alma dentro!
89
Fernando Pessoa
90
Poesia dos heterónimos ‒ Álvaro de Campos
(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta!
Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)
91
Fernando Pessoa
92
Poesia dos heterónimos ‒ Álvaro de Campos
9 Proceda ao levantamento das figuras humanas evocadas nos versos 59 a 69, refe-
rindo a intencionalidade subjacente a essa evocação.
11 Refira-se à intencionalidade do uso das frases de tipo imperativo nos versos 136-138.
93
Fernando Pessoa
referencial existencial -
EDUCAÇÃO LITERÁRIA angustia, desalento,
frustação
Leia o poema.
1 ídolo africano
4 Identifique dois recursos expressivos presentes nos versos 2 e 9 e refira a sua fun-
cionalidade.
6 FAZ SENTIDO RELACIONAR Estabeleça uma relação entre este poema e a “Ode triunfal”.
95
Fernando Pessoa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
96
Poesia dos heterónimos ‒ Álvaro de Campos
INFORMAÇÃO
Campos e Pessoa
(…) Campos, desordenado, febril, ora nos surge na dependência da circunstância exterior,
do estado dos nervos, das sensações do momento, ora mergulha em si próprio para sentir o
terror do mistério de todas as coisas; de qualquer modo é o poeta da inspiração sem comando,
da expressão solta e desleixada, dos hiatos da inteligência que organiza e clarifica. Pelo con-
5 trário, Pessoa, fiel a uma longa tradição estética, procede a uma estilização mais avançada da
matéria lírica; transmite em versos musicais, densos, sóbrios, serenos, translúcidos, vivên-
cias subtis e dignas de recato. […]
Jacinto do Prado Coelho, in Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, 7.ª ed., revista
e atualizada, Editorial Verbo, 1982, p. 66 (adaptado e com supressões). Júlio Pomar, Fernando
Pessoa, 1983.
Linguagem e estilo
Após a descoberta do futurismo e de Whitman, Campos adotou, além do verso livre, já
usado pelo seu outro Mestre Caeiro, um estilo esfuziante, torrencial, espraiado em longos
versos de duas ou três linhas, anafórico, exclamativo, interjetivo, monótono pela simplicida-
de dos processos, pela reiteração de apóstrofes e enumerações de páginas e páginas, mas
5 vivificado pela fantasia verbal perdulária, inexaurível.
Neste estilo vagabundo, vertiginoso, cantou ele ora a hipertrofia de uma personalidade
viril que tudo integra em si e não respeita limites […], ora os impulsos que emergem da lava
sombria do inconsciente, o masoquismo, a volúpia sensual de ser objeto, vítima, a prostitui-
ção febril às máquinas, à Humanidade, ao mundo, a ponto de se tornar “um monte confuso
10 de forças”, um eu-Universo, disperso nas coisas mais díspares.
Jacinto do Prado Coelho, in Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, 7.ª ed., revista
e atualizada, Editorial Verbo, 1982, p. 61 (adaptado e com supressões).
97
CONSOLIDAÇÃO
Álvaro de Campos
Fingimento artístico
Concebido como poeta da modernidade, na sua segunda fase, canta entusiasticamente a civiliza-
ção industrial, numa euforia que leva o sensacionismo ao paroxismo.
Imaginário épico
No discurso esfuziante reflete-se o arrebatamento do canto, que, invocando o imaginário épico,
faz do Moderno seu objeto de exaltação (matéria épica). A adoção do futurismo não o inibiu de
aceitar o passado e o futuro, fazendo-os confluir no presente. A deceção com o mundo civilizado
não se fez esperar, o que conduziu a uma fase de abatimento.
Reflexão existencial
Tendo plena consciência do tempo, sabe que não poderá recuperar o passado, mas evoca-o in-
sistentemente, muito em particular a infância, que é o objeto de uma nostalgia decorrente da sua
irrecuperabilidade.
98
VERIFICAÇÃO
1 Atribua os versos seguintes ao heterónimo a que pertencem.
a. “Sou fácil de definir. / Vi como um danado.”
k. “O único sentido oculto das coisas / É elas não terem sentido oculto nenhum”
2 Para completar cada um dos itens 2.1 a 2.4, selecione a opção correta.
2.1 Ricardo Reis procura
A. alcançar a plena felicidade.
B. a felicidade relativa.
C. romper com a tradição.
D. imitar o seu Mestre Caeiro.
99
AVALIAÇÃO
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma estruturada.
Áudio: “Na casa defronte
de mim e dos meus sonhos”,
de Álvaro de Campos
PARTE A
Na casa defronte de mim e dos meus sonhos, Que grande felicidade não ser eu!
Que felicidade há sempre!
15 Mas os outros não sentirão assim também?
Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi. Quais outros? Não há outros.
São felizes, porque não são eu. O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
5 As crianças, que brincam às sacadas1 altas, É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Vivem entre vasos de flores, 20 Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Sem dúvida, eternamente.
Os outros nunca sentem.
As vozes, que sobem do interior do doméstico, Quem sente somos nós,
Cantam sempre, sem dúvida. Sim, todos nós,
10 Sim, devem cantar. Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.
a. b. c. d.
100
PARTE B
Odes de Ricardo Reis, Fernando Pessoa (notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor),
Lisboa, Ática, 1994, p. 52 (disponível em http://arquivopessoa.net).
a. b. c. d.
PARTE C
101
AVALIAÇÃO
GRUPO II
Leia o texto. Se necessário, consulte as notas.
[…] A criação literária é, para Fernando Pessoa, uma das faces do mistério iniciático. Mis-
tério que se encontra subjacente na Mensagem, bem como todo o jogo da heteronímia, no
diálogo profundo entre os vários poetas: Caeiro que responde a Search e a Pessoa ele mesmo,
recusando o mistério que a eles permanentemente intriga […]; e Campos respondendo a
5 Caeiro que um orçamento é tão natural como uma árvore […] ou a Pessoa que este é o mo-
mento da “Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!”.
Trata-se para ele de dar corpo a vários corpos, a partir de um corpo só, de dar voz a várias
vozes, a partir de uma só voz. A iniciação, única e sempre a mesma, que encontramos no
pensamento filosófico como na atividade literária, é a do desdobramento que na criação se
10 verifica desde o primeiro ser, o Adão primordial de gnósticos, cabalistas, alquimistas – todos
os que se dizem herdeiros de uma tradição hermética1. Desdobramento, multiplicação, que
só depois de assumidos e esgotados permitem a unidade.
O poeta, adepto por excelência, tem o desejo (ora mais ora menos reprimido) desse pri-
meiro tempo de androginia2 perfeita. Mas só quando esgotar o mundo do possível pode
15 sonhar recuperá-lo.
Já que o mundo caiu, e caiu definitivamente, já que a infância se perdeu (na infância não
há ainda consciência da divisão), é na obra literária que Fernando Pessoa-adepto procura
realizar-se. O poeta transcende o homem, a obra transcende a vida, e foi essa transcendência
que ele se ofereceu inteiro.
Ivette K. Centeno, Fernando Pessoa: magia e fantasia, Porto, Edições ASA,
2004, pp. 63-64 (adaptado e com supressões).
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.6, selecione a opção correta.
102
1.4 O mecanismo de coesão textual assegurado pelo vocábulo sublinhado em “o Adão
primordial de gnósticos, cabalistas, alquimistas – todos os que se dizem herdeiros
de uma tradição hermética” (ll. 10-11) designa-se de Gramática/Atividade:
Coesão e coerência textual;
A. gramatical referencial. Valor modal: modalidade
apreciativa; Valor modal:
B. gramatical temporal. modalidade deôntica;
C. gramatical interfrásico. Valor modal: modalidade
epistémica; Valor aspetual
D. lexical por substituição. Animação: Escrever um texto
de opinião
1.5 Na frase “Mas só quando esgotar o mundo do possível pode sonhar recuperá-lo”
(ll. 14-15),
o grupo verbal “pode sonhar” expressa a modalidade
A. apreciativa.
B. epistémica com valor de certeza.
C. deôntica com valor de permissão.
D. epistémica com valor de probabilidade.
1.6 O valor aspetual da forma verbal presente em “já que a infância se perdeu” (l. 16) é
A. imperfetivo. C. genérico.
B. perfetivo. D. iterativo.
2 Classifique a oração “que na criação se verifica desde o primeiro ser” (ll. 9-10).
3 Indique o valor lógico do conector “ora” em “ora mais ora menos reprimido” (l. 13).
GRUPO III
1 José Saramago, aquando da receção do Nobel da Literatura, em Estocolmo, na Sué-
cia, a 10 de dezembro de 1998, proferiu um discurso no qual afirmou: “A mesma
esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar
a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas
pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.”
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de 200 e um máximo de 300
palavras, refira-se aos comportamentos controversos da humanidade, contemplando
a planificação a seguir apresentada e usando dois dos argumentos sugeridos.
● Introdução: comportamento bipolar da humanidade para que remete a citação.
● Desenvolvimento:
– 1.º argumento – a evolução da ciência/tecnologia + exemplo – os aparelhos
informáticos;
– 2.º argumento – a indiferença e a inércia da humanidade face ao sofrimento
dos seus semelhantes + exemplo – fome;
– 3.º argumento – as tentativas inúteis no combate à fome + exemplo – as reu-
niões das grandes potências.
● Conclusão: reflexão pessoal sobre o tema – a esperança num futuro melhor.
103
3
Fernando
Pessoa
Mensagem
EDUCAÇÃO LITERÁRIA LEITURA
“Prece” Documentário
“O Quinto Império” Exposição
“Nevoeiro”
GRAMÁTICA
• Antecipar sentidos
• Informação • Orações subordinadas
e coordenadas
• Mecanismos de coesão
textual
• Atos ilocutórios
• Funções sintáticas
• Modalidade e valor modal
ORALIDADE COMPREENSÃO
Leia o texto.
Eu amo a portugalidade
[…] Era eu secretário de Estado dos Assun-
tos Europeus, quando me pediram para ofere-
cer o almoço de despedida ao embaixador de
Cabo Verde, Onésimo da Silveira. […] No fim
5 do almoço, faço um brinde, com as banalida-
des usuais, apenas reforçadas pela forte singu-
laridade das relações entre os dois países e o
facto de saber que o meu convidado era poeta.
Fernando d’Oliveira Neves.
Quando acabo, o embaixador Onésimo da
10 Silveira levanta-se, com um pequeno caderno Este episódio ficou-me atravessado. […]
na mão e, antes de começar a ler, diz “Eu amo Agora, que tantos dislates1 se ouvem sobre
a portugalidade”. Fiquei encandeado perante a expansão portuguesa, esse valor que mais
a surpresa e a profunda sabedoria desta frase alto se alevantou e calou as musas, tenho-
maravilhosa. […] A conjugação do conceito de 25 -me lembrado dele.
15 portugalidade com o verbo amar enfeitiçou- É claro que o Império Português foi colo-
-me e fiquei, encantado, a ouvir a magia do nialista e racista e mais outras práticas con-
discurso que o embaixador continuou a ler, denáveis de todas as sociedades humanas.
levando-nos pelos meandros mágicos da ex- Dessa ignomínia não restam dúvidas. Apesar
periência dessa portugalidade, tão bem cog- 30 de tudo, parece avisado olhar para cada época
1 disparates 20 nominada. em função dos valores então prevalecentes.
106
Mensagem
[…] Mas todas as sociedades, por mais opres- de diversos países da Indochina falam um
soras que sejam, têm vida para além dessas português arcaico a que chamam christian,
dimensões. A expansão portuguesa foi mui- 70 que é para eles sinónimo de português, e por
35 to mais que isso. Foi uma das epopeias que isso se dizem portugueses.
mais mudaram a História, dando aos homens Portugalidade é ir ao Portuguese Settle-
uma nova e real dimensão do mundo em que ment de Malaca, encontrar uma mistura
viviam. […] inédita de raças, malaios, chineses, indianos
Não é fácil definir a portugalidade. Tal- 75 e ouvi-los a cantar e dançar o Tia Anica de
40 vez o resultado positivo desse intercâmbio Loulé, em trajes minhotos, e a falar um por-
seja a criação e perpetuação de laços afetivos tuguês compreensível.
e familiares entre gentes das mais diversas Portugalidade é um liurai timorense
partes do mundo. […]. Ou talvez não passe de desenterrar e entregar-nos uma bandeira
uma amarga saudade doce, de uma utopia 80 portuguesa e dizer que o pai dele a enterrou
45 que, por vezes e por instantes, se transforma quando Timor foi invadido pela Indonésia, e
em realidade. Talvez seja mais simples dar lhe disse para a dar aos portugueses quando
exemplos concretos. (não se) eles voltassem.
Portugalidade é estar na antecâmara Portugalidade é ir ao CCB assistir a uma
do chefe do Governo de Malaca, a conver- 85 sessão das comemorações dos 500 anos da
50 sar com um chinês, e de repente este dizer: Descoberta do Brasil e ouvir o embaixador
“Mas o Senhor é português? Eu também. brasileiro, Sinésio Sampaio Goes, […] a apre-
Sou da freguesia de S. Pedro em Singapura, sentar o chefe da maior tribo de índios do Bra-
e nos dias 13 de cada mês fazemos a procis- sil, os índios Tupi, se a memória não me falha.
são de Nossa Senhora de Fátima”. […] 90 Vemos entrar um senhor com um aberto ar
55 Portugalidade é ouvir um goês a manifes- jovial, envergando um casaco de tweed e um
tar o orgulho num seu remoto antepassado maravilhoso cocado que lhe caía pelas costas
agraciado com a Cruz de Cristo pela Rainha até aos calcanhares, e ouvi-lo dizer, com osten-
D. Maria II e outro a lembrar que o trisavô fora sivo júbilo e orgulho “o meu nome é António
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. 95 Cardoso e o meu avô era de Trás-os-Montes”.
60 Portugalidade é ir jantar ao Internatio- Acabou o Império colonial português e a
nal Hotel do Barém, onde decorria a sema- opressão de uma nação sobre as outras. Fica
na gastronómica do Texas, e chegar à mesa na História um admirável património univer-
um empregado indiano, vestido à cowboy, sal, físico e afetivo. Este último, símbolo notá-
que nos diz, em bom português, “boa noite” 100 vel de humanismo, será a portugalidade. Que
65 e tem na farda um dístico onde se lê o seu Onésimo da Silveira me ensinou a amar.
nome: Bragança. Fernando d’Oliveira Neves, in https://www.publico.pt,
Portugalidade é verificar que os católicos consultado em 20/08/2022 (com supressões).
1 Apresente uma justificação para o facto de o autor do artigo citar Onésimo Silveira.
107
Fernando Pessoa
INFORMAÇÃO
O livro divide-se efetivamente em três Partes ou três Épocas: Brasão, Mar Português e
O Encoberto, correspondentes, em termos lusíadas, às Idades do Pai (os fundadores da na-
ção portuguesa), do Filho (os que, recolhendo a herança, a dilataram pelos mares e continen-
tes) e do Espírito (que ainda não veio, embora tenha sido anunciado, o Espírito encoberto
que espera o Desejado).
António Quadros, “Estrutura simbólica da Mensagem”, in História crítica da Literatura Portuguesa
(O Modernismo), Carlos Reis e António Apolinário Lourenço, vol. 8, Lisboa, Verbo, 2015, p. 162.
108
Estrutura simbólica de Mensagem
Os estudiosos da estrutura de Mensagem têm inevitavelmente passado
pelo esoterismo1 que amplamente a inspira. Uma influência desde logo
sugerida na epígrafe da obra: “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit
nobis signum” (“Bendito Deus, Nosso Senhor, que nos deu o sinal”), que
5 nos reenvia para a ideia de “sinal”, de “bandeira”, de “pendão entregue a
Deus”, símbolo de referência, como a divisa2 com que a obra termina, em
organizações de tipo esotérico.
Evidente é a divisão tripartida da obra: “Brasão”, “Mar Português” e
“O Encoberto”. Ora, o número Três, entre a significação abundante que lhe
10 é atribuída, […] representa a perfeição da unidade divina, a totalidade a
que nada pode ser acrescentado. Exprime também, segundo Chevalier e
Gheerbrant, um “mistério de ultrapassagem, de síntese, de união, de reso- Ivan Aivazovsky, Oceano, 1896.
Artur Veríssimo, Dicionário da Mensagem, Porto, Areal Editores, 2000, pp. 86-87.
109
Fernando Pessoa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Fernando Pessoa, Mensagem (ed. Fernando Cabral Martins), Porto, Assírio & Alvim, 2012, p. 19.
2 Explicite o sentido dos dois últimos versos do poema, atendendo ao valor do conec-
tor discursivo que inicia a 3.a estrofe.
110
Mensagem
ANTECIPAR SENTIDOS
[A] forma mais elevada de realização poética, segundo a escala iniciática para os poetas
inventada por Pessoa, consiste na “fusão de toda a poesia, lírica, épica e dramática, noutra
coisa para lá de todas estas”. Essa fusão sublime foi por ele alcançada em Mensagem. […]
Richard Zenith, Pessoa, uma biografia, Lisboa, Quetzal Editores, 2022.
p. 957 (adaptado e com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Presente intemporal- FP
escreveu o poema no presente
Arroio 1, esse cantar, jovem e puro, Ele pequeno "arroio" como um ribeiro que
procura o oceano, buscou o império para remeter a uma
Busca o Oceano por achar; inteporalidade
marulho - barulho das ondas
E a fala dos pinhais, marulho obscuro, é algo que ainda vai surgir
A história não é importante, é
importante o que esta
É o som presente desse mar futuro, representa
ele consegue sentir o futuro do Autor deconhecido, D. Dinis.
10 É a voz da terra ansiando pelo mar. império e os descobrimentos
2 Interprete o sentido dos dois últimos versos da 1.a estrofe, referindo o poder expressivo
dos recursos aí presentes.
4 Segundo Richard Zenith, dá-se em Mensagem uma fusão entre a poesia lírica e épica.
4.1 Explicite de que modo o poema “D. Dinis” confirma a veracidade desta afirmação.
das e destaque aspetos comuns e/ou divergentes no modo como o rei é apresentado em
ambos os textos.
111
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
“O mito é o nada que é tudo”, assim começa o poema de Mensagem sobre Ulisses, o mí-
tico fundador de Lisboa, que, na Antiguidade, se chamava Olissipo […]. O mesmo princípio se
aplica à lenda sebastianista, cujo potencial para elevar o moral da nação assentava, segundo
Pessoa, na sua natureza mítica.
Richard Zenith, Pessoa, uma biografia, Lisboa, Quetzal Editores, 2022. p. 976 (adaptado e com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
2 Interprete o sentido do verso “Ficou meu ser que houve, não o que há” (v. 5), tendo em
conta a oposição passado/presente.
5 Comprove que, nos últimos três versos da 2.a estrofe, se assiste a uma mudança de tom
no poema.
7 FAZ SENTIDO RELACIONAR Estabeleça aproximações temáticas entre este poema e o culto
do sebastianismo em Frei Luís de Sousa.
112
Mensagem
INFORMAÇÃO
Título da obra
Na página final do caderno onde criou o Barão de Treive1 e o condenou a morrer, [Pessoa]
escreveu um esboço para Portugal, o livro de poesia portuguesa que viria a publicar seis anos
depois, alterando-lhe o título, à última hora, para Mensagem. Era uma canção da nação, mas
também, e de modo inextrincável, uma canção de si próprio. […] Por mais ligação que tivesse
5 com a terra debaixo dos seus pés, “Portugal” era, em última análise, uma pessoa, uma perso-
nagem, um heterónimo.
O Portugal dele [Pessoa] era uma lição simbólica, uma esperança, uma mensagem. Decidiu
que essa última palavra era a que melhor captava o espírito do livro. E mensagem funcionava
também como uma abreviatura – ou assim imaginou o autor nas notas que escreveu – para
10 mens ag[itat mol]em, “o espírito move a matéria”, de Virgílio. […] [O] livro de Pessoa era pontuado
por epígrafes latinas, e agora o latim encontrava-se imbricado no próprio título.
1 semi-heterónimo de Pessoa
113
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
1 Explicite o sentido do primeiro verso, atendendo a que tem subjacente três planos,
o divino, o humano e o material e interpretando o desejo de Deus expresso nos ver-
sos seguintes.
114
Mensagem
ANTECIPAR SENTIDOS
O Horizonte torna-se, por isso, metáfora de toda a procura, apelo irrecusável da Distância
a conquistar e caminho para o conhecimento. […]
Não é por acaso que um dos poemas de Mensagem recebeu justamente o título de “Hori-
zonte”, como não é por acaso que o sonho, a vontade ou a esperança são os ventos que
empurram “as naus da iniciação”. É a viagem de um iniciado em busca da Verdade que, sim-
bolicamente, o poema “Horizonte” celebra.
Artur Veríssimo, Dicionário da Mensagem, Porto, Areal Editores, 2000,
p. 61 (adaptado e com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Fernando Pessoa, Mensagem (ed. Fernando Cabral Martins), Porto, Assírio & Alvim, 2012, p. 50.
1 Explicite o sentido das referências ao mar na 1.ª estrofe, inferindo o valor expressivo
do pronome “nós”.
115
Fernando Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
O que mais pode impressionar em Mensagem é o seu fundo épico. É nesse quadro que
se torna mais visível o diálogo com Os Lusíadas […].
Uma das figuras camonianas retomadas por Pessoa é, sem dúvida, o Mostrengo, que,
em parte, faz lembrar o Adamastor, o gigante que no canto V do poema camoniano surge
como último obstáculo à continuação da viagem marítima.
José Augusto Cardoso Bernardes
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Leia o poema.
O Mostrengo
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
5 E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”
116
Mensagem
4 Interprete o valor dos verbos “dizer” e “tremer” e os modos em que surgem ao longo
do poema.
5 Comprove que o rei D. João II, sendo uma personagem apenas referida, adquire uma
importância indiscutível no poema.
ORALIDADE EXPRESSÃO
mastor (canto V, estâncias 37 a 60) e tome notas que lhe permitam expor as conclu-
sões à turma.
Estabeleça uma relação de intertextualidade entre os textos de Camões e de Pessoa,
tendo em conta semelhanças e/ou diferenças relativamente a:
• conteúdo épico e valor simbólico;
• caracterização do Mostrengo e do Adamastor;
• figuras históricas destacadas.
117
Fernando Pessoa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
5 Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
1 Comprove que as duas estrofes que constituem o poema apresentam um tom diferen-
te, conferido pela expressividade da pontuação e pela alteração dos tempos verbais.
1.1 Interprete o sentido da 1.a estrofe, justificando o seu caráter circular.
1.2 Destaque os recursos expressivos e respetivo valor que estão ao serviço da men-
sagem transmitida nesta 1.a estrofe.
2 Justifique o título do poema, explicitando o valor expressivo do pronome “nosso” (v. 6).
2 Refira o ato ilocutório configurado no segmento “Tudo vale a pena / Se a alma não é
pequena” (vv.7-8).
118
Mensagem
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Prece
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
3 Infira o sentido dos dois últimos versos do poema, justificando o recurso à maiúscula.
119
Fernando Pessoa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
1 Infira a intenção das afirmações “Triste de quem vive em casa, / Contente com
o seu lar” e “Triste de quem é feliz”, à luz do contexto dessas duas estrofes.
1.1 Identifique o recurso expressivo presente nos versos 1 e 6, explicitando o seu valor.
1.2 Esclareça o valor do travessão presente no verso 9.
2 Demonstre que a 3.a estrofe funciona como uma espécie de conclusão desta primei-
ra parte do poema.
120
Mensagem
NOTE BEM
Simbolicamente, o regresso de D. Sebastião associa-se a um tempo de renovação
e de regeneração.
6 Refira o recurso presente no verso “Quem vem viver a verdade” (v. 24), explicitando
o seu valor expressivo.
121
Fernando Pessoa
INFORMAÇÃO
O Quinto Império
Texto A
1 os quatro impérios referidos são, por ordem cronológica: o império grego, o império romano, o império cristão
e o império inglês
Texto B
Um poema sobre o Padre António Vieira que seria incluído no livro Mensagem reconhece-o
em simultâneo como profeta do Quinto Império português e “imperador da língua portugue-
sa”. O que é um pouco desconcertante, até percebermos que a língua portuguesa é o Quinto
Império. Vieira cumpriu a sua própria profecia atingindo um novo nível de vigor e eloquência
5 na utilização do português. Pessoa reverenciava de tal forma a mestria verbal de Vieira que lhe
atribuiu um “conhecimento alquímico da língua portuguesa”. O que nos remete novamente
para o fascínio de Pessoa pelas espiritualidades esotéricas. Segundo o poeta, tal como para
muitos outros entusiastas da alquimia, da magia, da cabala, do rosacrucianismo e da maçona-
ria, as palavras eram dos símbolos mais sedutores que ladeavam os caminhos possíveis para
10 a verdade oculta. Tinham o poder de conjurar, enfeitiçar, selar e iluminar, e era como se esse
poder emanasse das próprias palavras, independentemente do seu significado literal.
Richard Zenith, Pessoa, uma biografia, Lisboa, Quetzal Editores, 2022, pp. 894-895.
122
Mensagem
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
5 Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
2 Comprove que o sujeito poético faz uma caracterização negativa de Portugal, refe-
rindo os traços que considere mais pertinentes.
5 Demonstre que o último verso condensa não apenas a mensagem do poema, mas
também a mensagem de Mensagem.
123
Fernando Pessoa
124
Mensagem
Leia o texto.
N
ão se entende o Porto sem Gaia, por
isso é apropriado que a UNESCO tenha
incluído a Serra do Pilar na sua classi-
ficação. Mas o seu centro irradiador é
5 mesmo o morro da Sé, que se foi ex-
pandindo até à Ribeira: é dali que houve Porto e é por
aí que caminhamos acompanhados por histórias de
conflitos entre bispos, burgueses e reis.
Há um tocador de banjo encostado à Torre dos 24,
10 há um tocador de guitarra na escada rente ao Paço
Episcopal. Pelo Terreiro da Sé do Porto há turistas […] da Vitória, onde sobressai a longa fachada do Mostei-
para todos os gostos […], fazendo o mesmo de sem- 40 ro de São Bento da Vitória. A sua ocupação foi poste-
pre: aproximando-se das bordas para as inevitáveis rior, sublinha Luís Miguel Duarte, e ali se instalou a
fotos. É o rio, é o casario da Sé até à Ribeira, é o mor- Judiaria do Olival, a mais importante das existentes
15 ro da Vitória que se avistam desde aqui. Aqui é donde no Porto, por ordem de D. João I. Este monarca teve
houve Porto, e daqui avista-se a zona mais icónica do uma ligação estreita com a cidade, depois de muitos
Porto Património Mundial da Unesco. Já percorrere- 45 reinados de permanente conflito entre a coroa e o
mos uma parte deste, por enquanto sentamo-nos nos bispo, […] que começou antes de ser coroado, quando
degraus do “pelourinho manuelino construído na dé- o Porto tomou o seu partido durante a guerra civil de
20 cada de 1940”. 1383-1385.
Ali, ao lado da catedral, veem-se restos da mura- Descemos a estreita Rua das Aldas, a antiga “rua
lha românica, “ameias direitinhas” […]. 50 da mancebia”, da prostituição.
Ouviremos muitas […] histórias ao percorrer os Desembocamos no trânsito da embocadura do tú-
caminhos medievais do Porto Património Mundial nel da Ribeira, na atual Rua do Infante que foi a Rua
25 (desde 1996), pelas ruelas sombrias que desenham o Nova do Porto do final do século XIV […]. No caos “de
dédalo da Sé até à Ribeira: é aqui que bate o coração ruas pequenas e irrespiráveis”, D. João I decidiu fazer a
da UNESCO, foi nestas ruas esconsas que nasceu a 55 sua “rua formosa”. O casario existente foi arrasado e
cidade. Foi por aqui que se digladiaram, às vezes lite- no seu lugar nasceram casas de granito, chaminés, al-
ralmente, clero, burguesia, coroa, povo e nobreza, em gumas até com vidros. Contudo, para além desta, con-
30 alianças variáveis. Deste confronto nasceram muitos tinuamos por ruelas onde há 700 anos soavam ruídos
mitos do Porto – alguns não tão nobres e leais como de tanoeiros, ferreiros, sapateiros, curtidores – tudo.
chegaram até hoje. 60 A Rua dos Canastreiros já se aproxima e o número
Abandonemos, então, o terreiro da Sé, empinado de esplanadas aumenta – até à grande esplanada que
ainda hoje em granito vivo, em direção ao Douro – é a Praça da Ribeira caminhamos sob os “cobertos da
35 como há séculos se faz. Detemo-nos um “andar” Ribeira”, herança medieva e testemunho de um tempo
abaixo, em nova esplanada que olha por cima da Igre- em que as pessoas “trabalhavam na rua”.
ja e Colégio de São Lourenço, mais conhecida como 65 De volta à esquina da Casa do Infante – suposto
“Igreja dos Grilos”; levantamos os olhos para o Morro local de nascimento de D. Henrique que, apesar desse
125
Fernando Pessoa
acaso e de aqui ter preparado a armada para Ceuta, atravessava a antiga cordoaria do bispo (diante da
nunca teve grande relação com a cidade – vemos o Cadeia da Relação – no café Porta do Olival ainda há
Mercado Ferreira Borges a impor o seu vermelho fér- restos), descia pelos Clérigos, passava pelas Cardosas
70 reo e o Palácio da Bolsa a sua desmesura neoclássica […] subia a Rua 31 de Janeiro, envolvia a Batalha
(na Idade Média eram hortas dos conventos das duas 85 (estas zonas profundamente modificadas durante o
ordens mendicantes, franciscanos e dominicanos, que século XIX), descia pela escarpa dos Guindais (onde se
aqui se haviam instalado no século XIII). Olhamos já a encontra o troço mais imponente – e a inevitável es-
cidade produto “dos Almadas”, pai e filho, urbanistas, planada do Guindalense F. C.) novamente até ao rio –
75 que no século XVIII e início de XIX revolucionaram o Ribeira. O Porto Património da UNESCO atravessa
tecido urbano portuense (e, de caminho, abriram por- 90 ainda o rio até à Serra do Pilar – as duas margens,
tas para o derrube das muralhas) e o deixaram com sempre de mão dada.
um traçado muito próximo do atual. https://www.publico.pt,
A Muralha Fernandina seguia pela margem do rio consultado em 20/08/2022
80 até ao limite de Miragaia, subia pelas Virtudes […] (adaptado e com supressões).
126
CONSOLIDAÇÃO
Mensagem – estrutura da obra
Brasão Mar Português O Encoberto
“Sem a loucura, que é o homem “Senhor, a noite veio e a alma é vil” “Ó Portugal, hoje és nevoeiro…
Mais que a besta sadia, É a Hora!”
Cadáver adiado que procria?”
SEBASTIANISMO
Mito reavivado e alimentado por Pessoa perante a necessidade de reerguer Portugal; é urgente que outros
tomem o sonho que outrora moveu D. Sebastião, que, transformado em messias redentor, conduzirá os
portugueses à construção de um novo império.
Linguagem e estilo
Num cruzamento esotérico, ocultista e mítico, Pessoa constrói textos em que desvaloriza a narração e
a descrição (mais típicas da epopeia), dando antes relevo ao pensamento, numa linguagem simbólica, com
recurso à apóstrofe, à metáfora, à gradação, à enumeração, à interrogação retórica, fazendo prevalecer
o imaginário em poemas breves, com uma organização estrófica, métrica e rimática de cariz tradicional.
127
VERIFICAÇÃO
1 Assinale como verdadeiras ou falsas as afirmações. Corrija as falsas.
A. Portugal era o título inicialmente pensado para a obra que viria a intitular-se
Mensagem.
B. Em Mensagem, a presença de epígrafes em latim denota o seu caráter esotérico.
C. Mensagem é uma obra que conjuga características da poesia lírica, épica e que
possui simultaneamente um pendor dramático.
D. A divisão tripartida da obra é simbólica, desde logo porque o número três repre-
senta a totalidade, a perfeição da unidade divina.
E. Ulisses representa o herói da Odisseia, de Homero.
F. D. Dinis surge na obra como o rei que iniciou a ideia do futuro império marítimo
português.
G. Foi no reinado de D. Manuel que os portugueses dobraram o Cabo das Tormentas.
H. A exaltação patriótica domina, sobretudo, a terceira parte de Mensagem.
I. A segunda parte de Mensagem corresponde a uma fase iluminativa por tratar
a época da construção do império material e acentuar o heroísmo dos nautas lu-
sitanos.
J. “Mar Português” simboliza o apogeu, o domínio do mar.
K. A Parte III de Mensagem assume uma dimensão mais simbólica.
L. O mito sebastianista está presente ao longo da obra e constitui uma forma de
elevar a moral e estimular os portugueses.
M. Mensagem dá a conhecer heróis e feitos da História de Portugal, mas não deixa
de revelar o desalento do poeta face à situação inglória do Portugal presente,
que ele denuncia.
N. O Quinto Império será um império universal e espiritual, que os portugueses
imporão através da sua língua e cultura.
O. O sonho, a predestinação dos portugueses como povo escolhido por Deus e a
busca do conhecimento são ideias estruturantes de Mensagem.
P. D. Sebastião alimenta o mito da regeneração da Pátria.
Q. No poema “Quinto Império”, exprime-se o desejo de superar, através do sonho,
o quotidiano de inércia e sem ambição.
R. O Quinto império simboliza a posse dos mares, adquirindo, por isso, uma dimen-
são material.
S. Segundo Fernando Pessoa, a futura civilização europeia será lusitana.
T. Através de Mensagem, Pessoa pretende despertar os portugueses, levá-los a
agir e a sair da apatia que está na base da situação de inércia e desalento em
que a nação se encontra.
U. Fernando Pessoa revelou-se um autor messiânico, particularmente em “O En-
coberto”.
V. O herói tem, em Mensagem, um caráter concreto, real e objetivo.
W. O tempo em que surge Mensagem é próspero, justificando-se o tom eufórico
Teste interativo: Fernando
Pessoa – Mensagem dos poemas.
Jogo: #DesafioLiterário:
Fernando Pessoa
X. São muitos os poemas de Mensagem que estabelecem uma relação intertextual
com Os Lusíadas, o que atesta o seu caráter épico.
128
AVALIAÇÃO
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada. Áudio: “Screvo meu livro à
beira-mágoa”, de Fernando
Pessoa
PARTE A
Leia o poema.
5 Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
2 Refira o valor simbólico das expressões “Nova Terra” e “Novos Céus” (v. 12).
129
AVALIAÇÃO
PARTE B
Leia o texto.
CENA III
Maria (entrando com umas flores na mão, encontra-se com Telmo, e o faz tornar para a cena) –
Bonito! Eu há mais de meia hora no eirado passeando – e sentada a olhar para o rio a ver as
faluas e os bergantins que andam para baixo e para cima – e já aborrecida de esperar… e o
senhor Telmo, aqui posto a conversar com minha mãe, sem se importar de mim! – Que é do
5 romance que me prometestes? Não é o da batalha, não é o que diz:
Postos estão, frente a frente,
os dois valorosos campos;
é o outro, é o da ilha encoberta onde está el-rei D. Sebastião, que não morreu e que há de
vir num dia de névoa muito cerrada… Que ele não morreu; não é assim, minha mãe?
10 Madalena Minha querida filha, tu dizes coisas! Pois não tens ouvido, a teu tio Frei Jorge e
a teu tio Lopo de Sousa, contar tantas vezes como aquilo foi? O povo, coitado, imagina essas
quimeras para se consolar na desgraça.
Maria Voz do povo, voz de Deus, minha senhora mãe: eles que andam tão crentes nisto, al-
guma coisa há de ser. Mas ora o que me dá que pensar é ver que, tirado aqui o meu bom Telmo
15 (chega-se toda para ele, acarinhando-o), ninguém nesta casa gosta de ouvir falar em que escapasse
o nosso bravo rei, o nosso santo rei D. Sebastião. Meu pai, que é tão bom português, que não
pode sofrer estes castelhanos, e que até às vezes, dizem que é de mais o que ele faz e o que ele
fala… em ouvindo duvidar da morte do meu querido rei D. Sebastião… ninguém tal há de dizer,
mas põe-se logo outro, muda de semblante, fica pensativo e carrancudo; parece que o vinha
20 afrontar, se voltasse, o pobre do rei. – Ó minha mãe, pois ele não é por D. Filipe; não é, não?
Madalena Minha querida Maria, que tu hás de estar sempre a imaginar nessas coisas que
são tão pouco para a tua idade! Isso é o que nos aflige, a teu pai e a mim; queria-te ver mais
alegre, folgar mais, e com coisas menos…
Maria Então, minha mãe, então! – Veem, veem?... também a minha mãe não gosta. Oh! essa
25 ainda é pior, que se aflige, chora… ela aí está a chorar. (Vai-se abraçar com a mãe, que chora.) Minha
querida mãe, ora pois então! – Vai-te embora, Telmo, vai-te: não quero mais falar, nem ouvir falar
de tal batalha, nem de tais histórias, nem de coisa nenhuma dessas. – Minha querida mãe!
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa (dir. Annabela Rita), Edições Caixotim, 2004, cena 3, ato I.
a. b. c.
130
PARTE C
6 Escreva uma breve exposição sobre a estrutura e o valor cultural da obra Mensagem.
Animação: Escrever
O seu texto deve incluir: um texto expositivo
• uma Introdução – referência à obra, ao autor e à estrutura externa;
• um desenvolvimento no qual apresente:
– a estrutura interna e respetiva simbologia;
– a referência a alguns heróis e ao seu valor simbólico;
• uma conclusão – importância da obra no panorama literário português.
GRUPO II
Leia o texto.
131
AVALIAÇÃO
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.6, selecione a opção correta.
1.1 A autora começa por afirmar “É no mesmo verão de que não gosto” (l. 24), para con-
cluir que “nem faz mal que seja verão” (ll. 106-107). Esta evolução do seu pensamento
deve-se ao facto de
A. ter refletido sobre a chegada, no verão, de entes queridos emigrados.
B. reconhecer que o verão é, por excelência, o período de pausa e descanso.
C. considerar necessário alterar a atitude face aos emigrantes.
D. verificar a alegria que os emigrantes trazem ao país, no verão.
132
1.2 Com o segmento “E é bom que, já agora, nenhum de nós se esqueça destes núme-
ros na hora em que os papéis se invertem e nos cabe a nós ser país de acolhimen-
to”, (ll. 74-77) a autora do artigo Animação: O que é uma
enumeração?; O que é uma
A. faz um apelo a que os portugueses recebam dignamente os imigrantes que comparação?; O que é uma
procuram o nosso país. metáfora?; O que é uma
metonímia?; Escrever um
B. manifesta o desejo de acolher imigrantes, já que parte da sua família procurou texto de opinião
o estrangeiro para trabalhar. Gramática/Atividade:
Orações subordinadas
C. deixa antever que os nossos emigrantes podem não ter vontade de regressar adverbiais temporais;
Orações subordinadas
se não forem bem acolhidos. substantivas completivas;
D. transmite a ideia de que é demasiado penoso para Portugal ter um tão elevado Orações subordinadas
adjetivas relativas; Coesão
número de emigrantes. e coerência textual
1.3 No contexto, a frase “O nosso país é do mundo” (l. 82) transmite a ideia de que
A. Portugal ocupa um lugar central no mundo.
B. Portugal tem uma enorme percentagem de população emigrante.
C. em geral, o mundo acolhe afavelmente os emigrantes portugueses.
D. Portugal projeta uma imagem muito positiva no mundo inteiro.
1.4 O segmento textual “abrem-se portas, janelas, fronteiras e braços que abraçam
com a força de todas as estações” (ll. 85-87) contém
A. uma enumeração e uma comparação.
B. uma comparação e uma sinédoque.
C. uma enumeração e uma metáfora.
D. uma metáfora e uma metonímia.
1.5 O segmento “quando os frutos que essas raízes geraram voltaram a partir” (ll. 21-22)
contém uma oração
A. subordinada adverbial temporal e uma oração subordinada substantiva com-
pletiva.
B. subordinada adverbial temporal e uma oração subordinada adjetiva relativa
restritiva.
C. subordinada adverbial temporal e uma oração subordinante.
D. subordinante e uma oração subordinada adverbial temporal.
1.6 Em “É no verão que as cheiro e que vejo como cresceram. É no verão que lhes ouço
a voz” (ll. 27-29), os elementos sublinhados asseguram o mecanismo de coesão textual
A. lexical por reiteração.
B. lexical por substituição.
C. gramatical frásica.
D. gramatical referencial.
GRUPO III
133
4
Contos
EDUCAÇÃO LITERÁRIA GRAMÁTICA
ORALIDADE
Reportagem
Opinião
Exposição
Apreciação crítica
Debate
Vieira da Silva,
Jogo de cartas, 1937.
“Sempre
é uma
companhia”,
de Manuel
da Fonseca
MANUEL DA FONSECA “Sempre é uma companhia”
INFORMAÇÃO
Animação: O conto
Conto
O conto é um texto narrativo, que se caracteriza fundamentalmente pela sua reduzida
extensão, o que origina a concentração dos elementos constituintes da narrativa: espaço,
tempo, personagens, ação.
De forma geral, podemos sintetizar as características do conto através do seguinte
esquema:
Conto
Personagens Ação
(número reduzido – (uma ação central)
normalmente uma
(ou duas) dominante(s))
Tempo Espaço
(curto) (restrito)
Concentração espaciotemporal
(em termos de construção da narrativa)
Espaço
Alentejo: a aldeia de Alcaria e a venda de Batola.
Tempo
Três dias: a véspera do dia da chegada da telefonia;
o dia da chegada da telefonia e o dia final do prazo de um
mês (período em que a telefonia ficou à experiência).
Personagens (dominantes)
António Barrasquinho, o Batola; a mulher; o vendedor.
Ação
A chegada da telefonia e a mudança operada.
137
Contos
ORALIDADE COMPREENSÃO
2 Para completar cada um dos itens 2.1 a 2.4, selecione a opção correta.
2.1 Os novos rurais
A. buscam o reconhecimento da sua atividade e ascensão social.
B. são filhos ou netos das famílias que abandonaram o campo nos anos 70.
C. deixam a cidade atraídos pelos subsídios comunitários.
D. desejam experienciar a vida tal como os seus antepassados a viveram.
138
MANUEL DA FONSECA “Sempre é uma companhia”
ORALIDADE EXPRESSÃO
1 Os cuidados ambientais são, cada vez mais, uma constante, e não é invulgar termos
contacto com pessoas ou organizações que colocam o ambiente num lugar cimeiro
das suas preocupações.
Apresente a sua opinião, em 4-6 minutos, sobre a importância da aplicação de me-
didas de sustentabilidade, tendo presente o conteúdo do vídeo da página anterior
e a imagem abaixo.
139
Contos
ORALIDADE COMPREENSÃO
Atividade 2
Escute atentamente uma pequena exposição sobre o autor e proceda à tomada de notas
ao longo da audição.
Datas Acontecimentos
a. 1911
b. 1930
c. Décadas de 40 e 50
140
INFORMAÇÃO
Texto B
Em 1951, Manuel da Fonseca traz a lume novo livro de contos, intitulado O fogo e as cinzas.
Para Mário Sacramento, trata-se de “uma autêntica antologia de tudo o que o primeiro neor-
realismo pôde e soube fazer de belo”. […]
Ao percorrer, numa visão bastante rápida, a obra de Manuel da Fonseca, o que nos parece
5 importante sobretudo salientar é a sua capacidade de recriar um vasto painel de figuras e
terras profundamente tocadas pelo dramatismo.
A sua produção literária liga-se indissociavelmente ao Alentejo, cenário de exemplar en-
quadramento de conflitos e tensões, ao ponto de alguns críticos poderem apontar que a ver-
dadeira personagem da sua obra é esse Alentejo dos humilhados e ofendidos.
Maria Graciete Besse, Manuel da Fonseca, O fogo e as cinzas, Mem Martins,
Publicações Europa-América, 1990, pp. 14-16 (com supressões).
141
Contos
ANTECIPAR SENTIDOS
A cena escolhida para apresentar o casal situara-o de modo intemporal (“todas as ma-
nhãzinhas”), num ponto entre o espaço privado e público. Batola e mulher cruzam-se sem
que dirijam palavra um ao outro, adivinhando-se a ausência de comunicação entre eles.
As causas para esta situação vão sendo progressivamente deslindadas. […]
Nas páginas iniciais de “Sempre é uma companhia” não são apenas indicados o isola-
mento geográfico, a solidão e o silêncio. […] De forma extraordinariamente delicada, vai-se
dando conta das condições sociais indignas que os habitantes de Alcaria enfrentam. Elas
são de tal ordem que os habitantes perdem as suas características humanas. Ao invés,
o mundo inanimado que os rodeia adquire-as.
Violante F. Magalhães, in Conto português. Séculos XIX-XXI – Antologia crítica, vol. 3 (coord. Maria Isabel
Rocheta, Serafina Martins), Porto, Edições Caixotim, 2011, pp. 105 e 107 (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
142
MANUEL DA FONSECA “Sempre é uma companhia”
Volta a encher o copo, atira-se para cima do caixote. E, no jeito que lhe fica depois de
vazar vinho goela abaixo, num movimento brusco, e de ter cuspido com uns longes de raiva,
30 parece que acaba de se vingar de alguém.
Tais momentos de ira são pedaços de revolta passiva contra a mulher. É uma longa luta,
esta. A raiva do Batola demora muito, cresce com o tempo, dura anos. Ela, silenciosa e dis-
tante, como se em nada reparasse, vai-lhe trocando as voltas. Desfaz compras, encomendas,
negócios. Tudo vem a fazer-se como ela entende que deve ser feito. E assim tem governado
35 a casa.
Batola vai ruminando a revolta sentado pelos caixotes. Chegam ocasiões em que nem
pode encará-la. De olhos baixos, põe-se a beber de manhã à noite, solitário como um des-
graçado. O fim daquelas crises tem dado que falar: já muitas vezes, de há trinta anos para
cá, aconteceu a gente da aldeia ouvir gritos aflitivos para os lados da venda. Era o Batola,
40 bêbado, a espancar a mulher.
Tirando isto, a vida do Batola é uma sonolência pegada. Agora, para ali está, diante do
copo, matando o tempo com longos bocejos. No estio, então, o sol faz os dias do tamanho
de meses. Sequer à noite virá alguém à venda palestrar um bocado. É sempre o mesmo.
Os homens chegam com a noitinha, cansados da faina. Vão direito a casa e daí a pouco toda
45 a aldeia dorme.
Está nestes pensamentos o Batola quando, de súbito, lhe vem à ideia o velho Rata. Que
belo companheiro! Pedia de monte a monte, chegava a ir a Ourique, a Castro, à Messejana.
Até fora a Beja. Voltava cheio de novidades. Durante tardes inteiras, só de ouvi-lo parecia ao
Batola que andava a viajar por todo aquele mundo.
50 Mas o velho Rata matara-se. Na aldeia, ninguém ainda atina ao certo com a razão que
levou o mendigo a suicidar-se. Nos últimos tempos, o reumatismo tolhera-lhe as pernas,
amarrando-o à porta do casebre. De quando em quando, o Batola matava-lhe a fome; mas
nem trocavam uma palavra. Que sabia agora o Rata? Nada. Encostado à parede de per-
nas estendidas, errava o olhar enevoado pelos longes. Veio o verão com os dias enormes,
55 a miséria cresceu. Uma tarde, lá se arrastou como pôde e atirou-se para dentro do pego
da ribeira da Alcaria.
143
Contos
144
MANUEL DA FONSECA “Sempre é uma companhia”
145
Contos
Resolução/atividade:
Questão de exame explicada:
1 Indique a função sintática desempenhada pelos segmentos sublinhados nas frases.
funções sintáticas 1; Questão a. “Ela, silenciosa e distante, como se em nada reparasse, vai-lhe trocando as voltas”
de exame explicada: orações 1
Animação: Escrever uma (ll. 32-33)
apreciação crítica b. “para qualquer parte que volte os olhos, estende-se a solidão dos campos” (ll.67-68)
c. “pesadamente” (l. 79)
1 Observe o quadro do pintor Vítor Costa, que retrata, em certa medida, o espaço onde
se desenrola a narrativa do conto “Sempre é uma companhia”.
146
MANUEL DA FONSECA “Sempre é uma companhia”
ANTECIPAR SENTIDOS
A chegada da rádio permitiu que todos os aldeãos soubessem “o que acontec[ia] fora
dali”. Proporcionou-lhes a comunicação (há “assuntos de sobra para conversar”); inclusive,
mudou hábitos arreigados (“até as mulheres vêm para a venda depois da ceia”). Desistirem
dele significaria regressarem à vivência anterior, “recuar para muito longe, lá para o fim do
mundo, onde sempre tinham vivido”. […]
A própria relação matrimonial sofre uma previsível alteração. […] Contrastando com a
atitude altiva que a caracterizara até aí, a murmurar, ela [a mulher] sugere ao marido que
o aparelho fique, pois, conclui, “Sempre é uma companhia neste deserto”. […]
A radiotelefonia, uma inovação para a aldeia, devolveu a todos parte da humanidade
perdida (ou nunca antes experimentada).
Violante F. Magalhães, in Conto português. Séculos XIX-XXI – Antologia crítica, vol. 3 (coord. Maria Isabel
Rocheta, Serafina Martins), Porto, Edições Caixotim, 2011, pp. 107-108 (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
147
Contos
148
MANUEL DA FONSECA “Sempre é uma companhia”
E, ao meter os papéis dentro da pasta, repara que já é muito tarde. Apressado, conta que
75 veio por ali devido a um engano no caminho. Sai da venda, entra no carro, e diz ao Batola,
aproveitando o ruído do motor:
– Você, agora, arrume a questão: tem um mês para a convencer.
Mal o carro parte, deixando uma nuvem de poeira à retaguarda, atira a pasta para o as-
sento de trás, e grita alegremente:
80 – Hem, Calcinhas! Levou-me uma tarde inteira, mas foi. Foi de esticão!
De facto, era sol-posto, pelos atalhos, os ceifeiros recolhiam à aldeia.
Mas, nessa tarde, vieram todos à venda, onde entraram com um olhar admirado. Uma
voz forte, rápida, dava notícias da guerra.
Só de lá saíram depois de a voz se calar. Cearam à pressa, e voltaram. Era já alta noite
85 quando recolheram a casa, discutindo ainda, pelas portas, numa grande animação.
Um sopro de vida paira agora sobre a aldeia. Todos sabem o que acontece fora dali. E sen-
tem que não estão já tão distantes as suas pobres casas. Até as mulheres vêm para a venda
depois da ceia. Há assuntos de sobra para conversar. E grandes silêncios quando aquela voz po-
derosa fala de cidades conquistadas, divisões vencidas, bombardeamentos, ofensivas. Também
90 silêncio para ouvir as melodias que vêm de longe até à aldeia, e que são tão bonitas!...
Acontece até que, certa noite, se arma uma festa na venda do Batola. Até as velhas dan-
çaram ao som da telefonia. Nos intervalos, os homens bebiam um copo, junto ao balcão, os
pares namoravam-se, pelos cantos. Por fim, mudou-se de posto para ouvir as notícias do
mundo. Todos se quedaram, atentos.
95 – Ah! – grita de repente o Batola. – Se o Rata ouvisse estas coisas não se matava!
Mas ninguém o compreende, de absorvidos que estão.
E os dias passam agora rápidos para António Barrasquinho, o Batola. Até começou a le-
vantar-se cedo e a aviar os fregueses de todas as manhãzinhas. Assim, pode continuar as
conversas da véspera. Que o Batola é, de todos, o que mais vaticínios faz sobre as coisas da
100 guerra. Muito antes do meio-dia já ele começa a consultar o velho relógio, preso por um fio
de ouro ao colete.
Só a mulher quase deixou de aparecer na venda. E ninguém sabe que pensa ela do que
contam as vozes desconhecidas aos homens da aldeia, pois, através do tabique de ripas sepa-
radas por grandes fendas, ouve-se tudo que se passa na venda. Ouve-se e vê-se, querendo, a
105 alegria que certas notícias trazem aos ceifeiros, o gosto e o propósito que eles têm ao ouvir
determinada voz que é de todas a mais desejada e acreditada.
E os dias custaram tão pouco a passar que o fim do mês caiu de surpresa em cima da
aldeia da Alcaria. Era já no dia seguinte que a telefonia deixaria de ouvir-se. Iam todos, de
novo, recuar para muito longe, lá para o fim do mundo, onde sempre tinham vivido.
110 Foi a primeira noite em que os homens saíram da venda mudos e taciturnos. Fora espe-
rava-os o negrume fechado. E eles voltavam para a escuridão, iam ser, outra vez, o rebanho
que se levanta com o dia, lavra, cava a terra, ceifa e recolhe vergado
pelo cansaço e pela noite. Mais nada que o abandono e a solidão.
A esperança de melhor vida para todos, que a voz poderosa do ho-
115 mem desconhecido levava até à aldeia, apagava-se nessa noite para
não mais se ouvir.
Dentro da venda, o Batola está tão desalentado como os ceifei-
ros. O mês passou de tal modo veloz que se esqueceu de preparar
a mulher. Sobe ao balcão, desliga o fio e arruma o aparelho. Um
120 pouco dobrado sobre as pernas arqueadas, com o chapeirão a en-
cher-lhe a cara de sombra, observa magoadamente a preciosa caixa.
149
Contos
Assim está, quando um pressentimento o obriga a voltar a cabeça: junto da porta que dá
para os fundos da casa, a mulher olha-o com um ar submisso. “Que terá acontecido?”, pensa
o Batola, admirado de a ver ainda levantada àquela hora.
125 – António – murmura ela, adiantando-se até ao meio da venda. – Eu queria pedir-te uma
coisa...
Suspenso, o homem aguarda. Então, ela desabafa, inclinando o rosto ossudo, onde os
olhos negros brilham com uma quase expressão de ternura:
– Olha... Se tu quisesses, a gente ficava com o aparelho. Sempre é uma companhia neste
130 deserto.
150
MANUEL DA FONSECA “Sempre é uma companhia”
ORALIDADE EXPRESSÃO
1 O título da coletânea da qual faz parte o conto estudado é O fogo Teste interativo: “Sempre
é uma companhia”, de Manuel
e as cinzas, que, na opinião do autor, dá “o antes e o depois dos da Fonseca
acontecimentos do livro… na ordem inversa das palavras”.
Faça uma breve exposição, de 2-3 minutos, em que avalie
a adequação da afirmação ao conto estudado.
Observe os seguintes tópicos:
• síntese dos acontecimentos de cada parte;
• modo de vida dos ceifeiros;
• caracterização do espaço;
• correção sintática e adequação lexical.
INFORMAÇÃO
As personagens
[…] À descrição física da mulher de Batola, dada pela tripla adjetivação “alta,
grave, um rosto ossudo”, segue-se a informação sobre o seu modo de estar e ser: o
“sossego de maneiras” que a caracteriza é, afinal, sintoma de circunstância de pôr e
dispor no governo quer da casa quer do negócio […].
5 Movendo-se em direção oposta à da mulher, surge Batola “com a cara redonda
amarfanhada num bocejo”. À frase […] “Que pessoas tão diferentes!”, sucede-se a
descrição da estatura e do porte de Batola (“atarracado, as pernas arqueadas”), da
indumentária que usa (o “chapeirão”, o “lenço vermelho amarrado ao pescoço”) –
que identificamos com o trajar do homem alentejano. […]
10 Mendigo e viajante, Rata figura o mensageiro, aquele que traz notícias do que
se passa extra muros. Ao escutá-lo durante tardes inteiras, também Batola parecia
viajar por “todo aquele mundo”. […] Quando ficou impossibilitado de viajar “pelos
longes”, Rata suicidou-se. […] Após o suicídio de Rata, a saudade que, “de vez em
quando”, Batola sente, agudiza-lhe a solidão. […]
15 Os homens de Alcaria são apresentados como “figurinhas” (de presépio?) que
vivem em casas “tresmalhadas”. […] [Eles] são “o rebanho que se levanta com o dia,
lavra, cava a terra, ceifa e recolhe vergado pelo cansaço e pela noite. Mais nada que
o abandono e a solidão.” A tudo isto acresce a falta de esperança e de solidão. Bato-
la não enfrenta aquele tipo de problemas. Pelo contrário, ele dá-se ao luxo de pre-
20 guiçar, bebe “o melhor vinho que há na venda”, carrega um fio de ouro no colete.
Violante F. Magalhães, in Conto português. Séculos XIX-XXI – Antologia crítica, vol. 3 (coord. Maria Isabel
Rocheta, Serafina Martins), Porto, Edições Caixotim, 2011, pp. 104-107 (adaptado e com supressões).
2 Mostre a importância de Rata na vida de Batola, transcrevendo uma frase que ilustre
a sua resposta.
151
Contos
F
az hoje precisamente 200 anos2 que foi pro- tistas, professores, artistas ou políticos está a acontecer
mulgada a primeira Lei de Imprensa em Por- também com os jornalistas.
tugal. Foi este “Decreto da Liberdade da Im- Por outro lado, este novo mundo digital esbate cada
prensa” que, pela primeira vez, estabeleceu 40 vez mais a diferença entre o que é opinião e o que é fac-
5 a possibilidade de “imprimir, publicar, com- tual, entre o que é impressão e o que é investigação, entre
prar e vender nos Estados portugueses quaisquer livros o que são muitas vezes “achismos” e o que é jornalismo.
ou escritos sem prévia censura”. Os próprios mediadores frequentemente quebraram
É certo que nos artigos imediatamente seguintes se re- o contrato e favoreceram a promiscuidade: tal como há
feria os condicionalismos (quatro tipos de abuso da liber- 45 políticos que valorizam mais a performance ou que se tor-
10 dade de imprensa: contra a religião católica, contra o Esta- naram mesmo entertainers, há jornalistas que passaram
do, contra os “bons costumes” e “contra os particulares”, a funcionar demasiado focados nas audiências, primeiro,
aos quais correspondiam sanções, multas e/ou prisão), e agora também com a obsessão do clickbait. […]
mas esta lei é um marco absolutamente assinalável. […] O reforço dos mecanismos de verificação e confirmação
Nunca será demais defender que a liberdade de ex- 50 de factos (o fact-checking) é sempre uma medida de saudar,
15 pressão não é negociável. Isto é, que não deve haver mas julgo que é importante referir que o problema não deve
quaisquer verificações prévias nem censura prévia. ser reduzido à determinação de saber se um dado facto é
O que é admissível – e está definido na lei – são pos- verdadeiro ou falso. Isso é importante em factos circunscri-
síveis consequências da liberdade de expressão, que se tos. Mas reduzir a informação a uma questão de verdade ou
devem limitar ao estritamente necessário para garantir 55 mentira é fazer o jogo simplista – que em si é perigosamen-
20 outros direitos de igual valor, como o direito à vida, à inte- te falso e populista – de ignorar que a realidade é complexa.
gridade física, às liberdades individuais ou ao bom nome Por fim, convém lembrar que o trabalho de procura da
de cada um. Ou seja, cada cidadão deve poder dizer o que verdade, o fact-checking, já existe há muito tempo – cha-
quiser, sobre o que quiser, a menos que o que diga possa ma-se jornalismo. […]
colocar em grave risco os aspetos antes referidos. […] 60 Talvez seja preciso perceber que, ao contrário de ou-
25 Outra é a questão da desinformação. Esta, sim, cons- tros tempos, empresas de comunicação social e jornalis-
titui um problema absolutamente central das sociedades mo possam não ser exatamente a mesma realidade. […]
democráticas contemporâneas. O impacto da desinfor- Para concluir, a resposta ao desafio do combate à desin-
mação nos dias de hoje vem da forma como a tecnolo- formação só pode ser no sentido do reforço do jornalismo
gia revolucionou o modo de os cidadãos se relacionarem 65 e, nesse contexto, neste dia, venho aqui, no mais antigo
30 com a informação. A passagem de um mundo físico para jornal nacional em circulação3, sinalizar a necessidade da
um mundo predominantemente digital, onde os centros revisão da Lei de Imprensa de forma a adequá-la a estes
informativos de referência são substituídos por múlti- novos tempos digitais e dizer que o governo tomou a ini-
plas redes sem mediação (ou mediação obscura ou algo- ciativa de criar um grupo de trabalho para iniciar essa dis-
rítmica), traz novos problemas. 70 cussão, que, como há 200 anos, é fundamental.
35 Por um lado, a quebra do valor e da confiança dos Nuno Artur Silva, in https://www.dn.pt,
mediadores, dos especialistas: o que acontece com cien- consultado em outubro de 2022 (adaptado e com supressões).
1 escritor, ficcionista e, à data, Secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media; 2 12 de julho de 1821; 3 Diário de Notícias
152
MANUEL DA FONSECA “Sempre é uma companhia”
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.4, selecione a opção correta.
1.1 A primeira Lei de Imprensa publicada em Portugal
A. foi importante, pois ditava casos em que a publicação infringia a lei.
B. proibia as liberdades individuais, embora não o fizesse de forma explícita.
C. não garantia totalmente uma imprensa livre de pressões.
D. ocorreu no século XX e vigorou só na metrópole portuguesa.
1 Classifique as orações.
a. “que valorizam mais a performance” (l. 45)
b. “se um dado facto é verdadeiro ou falso.” (ll. 52-53)
Gramática/Atividade:
4 Identifique o processo de formação do termo “clickbait” (l. 48). Valor modal: modalidade
apreciativa; Valor modal:
modalidade deôntica;
5 Indique os processos fonológicos ocorridos na evolução das palavras que se seguem. Valor modal: modalidade
a. SEMPER > “sempre” (l. 50) epistémica; Processos
irregulares de formação
b. VERITATE- > “verdade” (l. 54) de palavras
Quiz: Valor modal
c. LEGE- > “lei” (l. 67)
153
“George”,
de Maria Judite
de Carvalho
MARIA JUDITE DE CARVALHO “George”
ORALIDADE COMPREENSÃO
ORALIDADE EXPRESSÃO
NOTE BEM
155
Contos
ANTECIPAR SENTIDOS
À maneira de Fernando Pessoa, Maria Judite de Carvalho constrói um ser disperso, sem
unidade aparente. George aparece multifacetada e, tentando compreender-se, trava um
intenso diálogo (ou monólogo?) consigo própria. O narrador apresenta ao leitor o que se
passa no espaço interior de George: o confronto incessante entre esses diferentes “eus”.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
“George”
Andam lentamente, mais do que se pode, como quem luta sem forças contra o vento, ou
como quem caminha, também é possível, na pesada e espessa e dura água do mar. Mas não
FAZ SENTIDO SABER
há água nem vento, só calor, na longa rua onde George volta a passar depois de mais de vinte
anos. Calor e também aquela aragem macia e como que redonda, de forno aberto, que talvez
5 venha do sul ou de qualquer outro ponto cardeal ou colateral, perdeu a bússola não sabe
onde nem quando, perdeu tanta coisa sem ser a bússola. Perdeu ou largou?
Caminham pois lentamente, George e a outra cujo nome quase quis esquecer, quase es-
queceu. Trazem ambas vestidos claros, amplos, e a aragem empurra-os ao de leve, um deles
para o lado esquerdo de quem vai, o outro para o lado direito de quem vem, ambos na mesma
10 direção, naturalmente.
O rosto da jovem que se aproxima é vago e sem contornos, uma pincelada clara, e quando
Maria Judite de Carvalho
(1921-1998) foi uma os tiver, a esses contornos, ele será o rosto de uma fotografia que tem corrido mundo numa
escritora portuguesa, mala qualquer, que tem morado no fundo de muitas gavetas, o único fetiche de George.
unanimemente As suas feições ainda são incertas, salpicando a mancha pálida, como acontece com o rosto
considerada uma das
vozes femininas mais
15 das pessoas mortas. Mas, tal como essas pessoas, tem, vai ter, uma voz muito real e viva,
importantes da literatura uma voz que a cal e as pás de terra, e a pedra e o tempo, e ainda a distância e a confusão da
nacional do século XX. vida de George, não prejudicaram. Quando falar não criará espanto, um simples mal-estar.
É autora de contos,
Agora estão mais perto e ela encontra, ainda sem os ver, dois olhos largos, semicerra-
novelas, crónicas, assim
como de uma peça de dos, uma boca fina, cabelos escuros, lisos, sobre um pescoço alto de Modigliani1. Mas nesse
teatro e de um livro de 20 tempo, dantes, não sabia quem era Modigliani e outros que tais, não eram lá de casa, os pais
poesia. Trabalhou nos tinham sido condenados pelas instâncias supremas à quase ignorância, gente de trabalho,
periódicos Diário de
diziam como se os outros não trabalhassem, e sorriam um pouco com a superioridade dessa
Lisboa, Diário Popular,
Diário de Notícias e mesma ignorância se a ouviam falar de um livro, de um filme, de um quadro nem pensar,
O Jornal. Foi casada o único que tinham visto talvez fosse a velha estampa desbotada do Angelus2 que estava na
com Urbano Tavares 25 casa de jantar. Com superioridade, pois, e também com uma certa indignação. Ou seria mes-
Rodrigues e viveu em
França e na Bélgica entre
mo vergonha? Como quem ouve um filho atrasado dizer inépcias3 diante de gente de fora
1949 e 1955, ainda antes que depois, Senhor, pode ir contar ao mundo o que ouviu. E rir. E rir.
da sua estreia literária. Já não sabe, não quer saber, quando saiu da vila e partiu à descoberta da cidade gran-
O resto dos seus anos,
de, onde, dizia-se lá em casa, as mulheres se perdem. Mais tarde partiu por além-terra, por
passou-os na capital
portuguesa. 30 além-mar. Fez loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos por cansaço de si, mais tar-
de castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros, quase pretos, como dantes eram.
156
MARIA JUDITE DE CARVALHO “George”
Teve muitos amores, grandes e não tanto, definitivos e passageiros, simples amores, casou- 1 artista plástico e escultor
-se, divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir e a chegar, quantas vezes? Agora está − esta- italiano que ficou célebre
va −, até quando? em Amesterdão. pelos seus retratos femininos,
35 caracterizados por rostos
Depois de ter deixado a vila, viveu sempre em quartos alugados mais ou menos modes-
e pescoços alongados,
tos, depois em casas mobiladas mais ou menos agradáveis. As últimas foram mesmo fran- à maneira das máscaras
camente confortáveis. Vives numa casa mobilada sem nada de teu? Mas deve ser um horror, como africanas; 2 quadro de autoria
podes?, teria dito a mãe, se soubesse. Não o soube, porém. As cartas que lhe escrevia nunca do pintor francês
Jean-François Millet e que
tinham sido minuciosas, de resto detestava escrever cartas e só muito raramente o fazia.
retrata dois agricultores a
40 Depois o pai morreu e a mãe logo a seguir. rezar; 3 tolices, absurdos;
Uma casa mobilada, sempre pensou, é a certeza de uma porta aberta de par em par, de 4 pessoas que negoceiam
mãos livres, de rua nova à espera dos seus pés. As pessoas ficam tão estupidamente presas a obras de arte
um móvel, a um tapete já gasto de tantos passos, aos bibelots acumulados ao longo das vidas
e cheios de recordações, de vozes, de olhares, de mãos, de gente, enfim. Pega-se numa jarra
45 e ali está algo de quem um dia apareceu com rosas. Tem alguns livros, mas poucos, como
os amigos que julga sinceros, sê-lo-ão? Aos outros livros, dá-os, vende-os a peso, que leve se
sente depois!
− Parece-me que às vezes fazes isso, enfim, toda essa desertificação, com esforço, com
sofrimento – disse-lhe um dia o seu amor de então.
50 − Talvez – respondeu −, talvez. Mas prefiro não pensar no caso.
Queria estar sempre pronta para partir sem que os objetos a envolvessem, a segurassem,
a obrigassem a demorar-se mais um dia que fosse. Disponível,
pensava. Senhora de si. Para partir, para chegar. Mesmo para
estar onde estava.
55 Os pais não sabiam compreender esse desejo de liberdade,
por isso se foi um dia com uma velha mala de cabedal risca-
do, não havia outra lá em casa. Mas prefere não pensar nos
primeiros tempos. E as suas malas agora são caras, leves,
malas de voar, e com rodinhas.
60 A outra está perto. Se houve um momento de nitidez
no seu rosto, ele já passou, George não deu por isso. Está
novamente esfumado. A proximidade destrói ultima-
mente as imagens de George, por isso a vai vendo pior
à medida que ela se aproxima. É certo que podia pôr os
65 óculos, mas sabe que não vale a pena tal trabalho. Param
ao mesmo tempo, espantam-se em uníssono, embora o
espanto seja relativo, um pequeno espanto inverdadei-
ro, preparado com tempo.
− Tu?
70 − Tu, Gi?
Tão jovem, Gi. A rapariguinha frágil, um vime, que
ela tem levado a vida inteira a pintar, primeiro à maneira
de Modigliani, depois à sua própria maneira, à de George,
pintora já com nome nos marchands4 das grandes cidades da
75 Europa. Gi com um pregador de oiro que um dia ficou, por tuta
e meia, num penhorista qualquer de Lisboa. Em tempos tão
difíceis.
− Vim vender a casa.
− Ah, a casa.
157
Contos
80 É esquisito não lhe causar estranheza que Gi continue tão jovem que podia ser sua filha.
Quieta, de olhar esquecido, vazio, e que não se espante com a venda assim anunciada, tão
subitamente, sem preparação, da casa onde talvez ainda more.
− Que pensas fazer, Gi?
− Partir, não é? Em que se pode pensar aqui, neste cu de Judas, senão em partir? Ainda não me fui em-
85 bora por causa do Carlos, mas... O Carlos pertence a isto, nunca se irá embora. Só a ideia o apavora, não é?
− Sim. Só a ideia.
− Ri-se de partir, como nós nos rimos de uma coisa impossível, de uma ideia louca. Quer comprar
uma terra, construir uma casa a seu modo. Recebeu uma herança e só sonha com isso. Creio que é
a altura de eu...
90 − Creio que sim.
− Pois não é verdade?
− Ainda desenhas?
− Se não desenhasse dava em maluca. E eles acham que eu tenho muito jeitinho, que hei de um dia
ser uma boa senhora da vila, uma esposa exemplar, uma mãe perfeita, tudo isso com muito jeito para
95 o desenho. Até posso fazer retratos das crianças quando tiver tempo, não é verdade?
− É o que eles acham, não é?
− A mãe está a acabar o meu enxoval.
− Eu sei.
Há um breve silêncio, depois George diz devagar:
100 − Que calor, cheira a queimado, o ar. Terá sido sempre assim?
− Farto-me de dizer: cheira a queimado, o ar. Ninguém me ouve.
− Ninguém ouve ninguém, não sabes? Que aprendeste com a vida, mulher?
A sua voz está mole, pegajosa, difícil, as palavras perdem o fim, desinteressadas de si
próprias, é como se se preparassem para o sono.
105 − Creio que estou atrasada − diz então, olhando para o relógio. − Estou mesmo − acrescenta,
olhando melhor. − E não posso perder o comboio. Amanhã bem cedo sigo para Amesterdão. Estou
a viver em Amesterdão, agora. Tenho lá um atelier.
− Amesterdão é? Onde fica isso?
Mas é uma pergunta que não pede resposta. Gi fá-la por fazer e sorri o seu lindo sorriso
110 branco de 18 anos. Depois ambas dão um beijo rápido, breve, no ar, não se tocam, nem tal
seria possível, começam a mover-se ao mesmo tempo, devagar, como quem anda na água ou
contra o vento. Vão ficando longe, mais longe. E nenhuma delas olha para trás. O esqueci-
mento desceu sobre ambas.
Agora está à janela a ver o comboio fugir de dantes, perder para todo o sempre árvores e
115 casas da sua juventude, perder mesmo a mulher gorda, da passagem de nível, será a mesma
ou uma filha ou uma neta igual a ela? Árvores, casas e mulher acabam agora mesmo de mor-
rer, deram o último suspiro, adeus. Uma lágrima que não tem nada a ver com isto mas com
o que se passou antes – que terá sido que já não se lembra? −, uma simples lágrima no olho
direito, o outro, que esquisito, sempre se recusa a chorar. É como se se negasse a comparti-
5 infâmia, desonra; 6 violinista
e compositor brasileiro;
120 lhar os seus problemas, não e não.
7 Claude Lévi-Strauss foi
um antropólogo, professor e A figura vai-se formando aos poucos como um puzzle gasoso, inquieto, informe. Vê-se
filósofo francês, considerado
um pedacinho bem nítido e colorido mas que logo se esvai para aparecer daí a pouco, nítido
um dos grandes intelectuais
do século XX. Existe também ainda, mas esfumado. George fecha os olhos com a força possível, tem sono, volta a abri-los
um americano de nome Levi com dificuldade, olhos de pupilas escuras, semicirculares, boiando num material qualquer,
Strauss que foi o inventor 125 esbranquiçado e oleoso.
das calças de ganga
158
MARIA JUDITE DE CARVALHO “George”
159
Contos
1.1 Identifique o processo temporal a que o narrador recorre para evocar esta fase da
vida da personagem.
1.2 Explicite o modo como é progressivamente desenhado o retrato de Gi.
1.3 Identifique, comentando o seu valor semântico, dois recursos expressivos pre-
sentes em “uma voz que a cal e as pás de terra, e a pedra e o tempo, e ainda
a distância e a confusão da vida de George, não prejudicaram” (ll. 16-17).
1.4 Demonstre de que forma se pode constatar a existência de um conflito de interes-
ses entre Gi e os seus pais.
1.5 Explique o que levou Gi a abandonar a sua aldeia, relacionando essas razões com
a crítica subjacente ao parágrafo 26 (ll. 93-95) e destacando os recursos expressivos
ao serviço dessa crítica.
2.1 Caracterize a relação de George com os pais depois de esta ter abandonado a casa
paterna.
2.2 Indique a razão que levou George a regressar à sua aldeia natal, 20 anos depois de
a ter deixado, comentando a simbologia desta ação.
2.3 Explique o significado da interrogação “até quando?” (l. 34) relacionando-a com
o conteúdo de todo o parágrafo.
2.4 Avance uma explicação para o facto de George não ter uma casa própria, vivendo
em casas mobiladas, confortáveis até, mas sem nada de seu, relacionando essa
situação com o seu passado.
2.5 Apresente uma explicação para a adoção do nome “George” na fase adulta da
personagem.
160
MARIA JUDITE DE CARVALHO “George”
4 Demonstre o caráter fragmentário da figura feminina ao longo das três fases da sua
vida, caracterizando-a nesses diferentes períodos (passado, presente e futuro).
GRAMÁTICA i Bloco informativo | pp. 360, 373, 378, 390, 398 e 401.
a. “Mas não há água nem vento, só calor, na longa rua onde George volta a passar
depois de mais de vinte anos” (ll. 2-4)
b. “Mas nesse tempo, dantes, não sabia quem era Modigliani” (ll. 19-20)
c. “É esquisito não lhe causar estranheza que Gi continue tão jovem que podia ser sua
filha” (l. 80)
d. “Ela pensa − sabe? − que com dinheiro ninguém está totalmente só” (ll. 178-179)
6 Refira a modalidade e o valor modal configurados em “Mas deve ser um horror” (l. 37).
161
Contos
INFORMAÇÃO
Texto A
162
MARIA JUDITE DE CARVALHO “George”
Texto C
ORALIDADE EXPRESSÃO
1 A pares, discuta com o seu colega as seguintes afirmações, tomando uma posição
fundamentada em relação a cada uma delas.
A. Eu seria incapaz de abandonar a minha terra natal.
B. A pressão social sentida por Gi no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade
está, atualmente, completamente ultrapassada.
C. Eu não tenho qualquer receio de envelhecer.
D. No futuro, a minha felicidade passará sobretudo pelo meu sucesso profissional,
que é o que eu mais valorizo.
1 No conto “George”, somos confrontados com diferentes fases da vida e modos de pen-
sar e de agir da protagonista.
Escreva um texto de opinião, entre 200 a 250 palavras, sobre a forma como essas
diferentes formas de pensar acabam por conduzir frequentemente a um conflito de
gerações.
O seu texto deve respeitar as marcas deste género textual e conter:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento, no qual apresente uma argumentação pertinente;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
Verifique o encadeamento lógico dos tópicos tratados e o correto uso dos mecanis-
mos de coesão textual.
163
Contos
Leia o texto.
Portugal tem
cada vez mais idosos
N
em todos nós temos o direito a envelhe-
cer! Envelhecer é todo um processo que
decorre da natural passagem do tempo!
Envelhecer com dignidade é ainda mais
5 complexo!
O nosso ordenamento jurídico, no seu todo, salva-
guarda as pessoas idosas, considerando-as como um sando-se a participar em atividades diárias sem explica-
grupo de maior vulnerabilidade. Pessoas mais frágeis, ção, o que levará à diminuição do seu bem-estar e a uma
mais dependentes, mais facilmente expostas ao perigo, 40 baixa autoestima. Poderá apresentar perda de peso, má
10 em razão da idade. nutrição, desidratação. Encontrar-se suja ou sem banho
Portugal é claramente um País envelhecido! Por ra- tomado. Poderão ser tomadas decisões inesperadas so-
zões que aqui não importam, o rejuvenescimento da bre o património da pessoa idosa, levantamentos bancá-
população portuguesa é cada vez menor! E, segundo a rios significativos da conta ou, até, mudanças suspeitas
Organização Mundial de Saúde (OMS), é um dos países 45 de beneficiários de testamentos ou de bens.
15 com maior taxa de violência contra idosos, constituin- Proferir comentários desagradáveis/desprezíveis
do-se, assim, este como um grave problema social. […] a um idoso será “maus-tratos”? Não dar a assistência
Os “maus-tratos” assumem muitas vezes a forma devida a um idoso como uma refeição, higiene ou cuida-
de abusos físicos, psicológicos ou financeiros e podem dos médicos necessários será “maus-tratos”? A falta do
acontecer nos mais diversos ambientes, seja na casa 50 dever de cuidar a quem compete este dever será “maus-
20 das próprias pessoas idosas, na casa de familiares ou -tratos”? Privar os idosos de bens essenciais ao seu
amigos, ou até mesmo em ERPI’s, vulgo lares, englo- bem-estar será “maus-tratos”? Dispor dos bens patri-
bando uma série de comportamentos praticados por moniais do idoso será “maus-tratos”?
terceiros! O comportamento de fazer ou de não fazer! Ser velho, quer queiramos quer não e não raras ve-
Quanto ao “abandono”, como uma das formas de 55 zes, implica um pré-conceito de olharmos as pessoas
25 “maus-tratos” de pessoas idosas, não me pronunciarei idosas como improdutivas, incapazes de fazer algumas
porquanto é um tema relacional complexo. tarefas, de falta de lucidez e de serem um “estorvo”.
Na maioria dos casos, nos “maus-tratos” existe uma Quantos de nós já não dissemos, “mas o que é que o
relação de submissão e de dependência da pessoa ido- velho anda aqui a fazer!” ou “o velho não sabe fazer nada
sa para com a vontade de um terceiro. 60 de jeito!” ou “cala-te, tu já não dizes nada de jeito!” ou “És
30 Os “maus-tratos” poderão repercutir-se em diversas uma autêntica criança!”
formas: lesões sem explicação como feridas, nódoas ne- Independentemente de cada situação, cuidemos dos
gras ou cicatrizes recentes, fraturas ósseas, marcas que “nossos” idosos! Como alguém disse – “Devemos proteger
evidenciam o ato de ser amarrado, por exemplo, marcas as crianças e os idosos. As crianças porque são o futuro
nos pulsos ou nos tornozelos. A pessoa idosa poderá en- 65 e a alegria, os idosos porque são o passado e a sabedoria.”
35 contrar-se emocionalmente perturbada, com medo ou Margarida Pouseiro, in https://osetubalense.com,
vergonha de estar na presença de outras pessoas, com consultado em 20/12/2022 (adaptado e com supressões).
receio de falar ou distorcer o diálogo, depressiva, recu-
164
MARIA JUDITE DE CARVALHO “George”
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.5, selecione a opção correta.
1.1 De acordo com a autora do texto, o envelhecimento
A. é um processo complexo.
B. não garante os mesmos direitos a todos.
C. não contempla qualquer dignidade.
D. pressupõe direitos iguais para qualquer cidadão.
1.2 O segmento “Por razões que aqui não importam” (ll. 11-12) funciona como uma for-
ma de a autora demonstrar
A. a pouca importância que atribui ao envelhecimento da população portuguesa.
B. que não está interessada em perceber as razões que estão a levar ao enve-
lhecimento dos portugueses.
C. a falta de informação sobre as razões que estão a levar ao envelhecimento
da população portuguesa.
D. que não se quer dispersar em relação ao tema central que está a abordar.
1.3 De acordo com Margarida Pouseiro, os maus-tratos
A. são, muitas vezes, praticados por pessoas idosas contra terceiros.
B. podem assumir diversas facetas e ocorrer em espaços muito distintos.
C. são sempre praticados pelos familiares dos idosos.
D. acontecem quando as pessoas idosas estão mentalmente perturbadas.
1.4 Entre as linhas 46 e 53, a autora, para chamar atenção sobre os cuidados a ter com
os idosos, serve-se da pergunta retórica,
A. da enumeração e do paralelismo anafórico.
B. da enumeração e da comparação.
C. da comparação e da ironia.
D. da comparação e do paralelismo anafórico.
1.5 No final do texto, Margarida Pouseiro
A. faz uma reflexão sobre os comportamentos a ter com os idosos.
B. valoriza as competências das crianças em relação aos mais velhos.
C. apela a uma atitude punitiva em relação aos mais velhos.
D. alerta para o facto de as crianças tendencialmente desprezarem os idosos.
GRAMÁTICA
165
CONSOLIDAÇÃO
Personagens
Caracterização
Identificação e relação
Antes da rádio Depois da rádio
A população da aldeia: Exaustos do dia de trabalho, presos Admirados, animados, alegres, curiosos.
– os ceifeiros à rotina.
Dois estranhos:
– o vendedor Observador, dotado de sentido de oportunidade, simpático, sorridente, expedito.
166
“George”
Gi
Através do diálogo entre Gi e George
percebe-se que a jovem tenciona
abandonar a terra natal (refere que
o namorado não tem outra ambição
senão a de ficar e construir uma
casa).
167
VERIFICAÇÃO
1 Atente no conto “Sempre é uma companhia”.
Jogo: #DesafioLiterário: 1.1 Associe corretamente os elementos da coluna B que completam o sentido de
Contos cada afirmação da coluna A.
Coluna A Coluna B
168
AVALIAÇÃO
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma estruturada.
Animação: O que é uma
metáfora?; O que é uma
PARTE A hipérbole?; O que é uma
personificação?
Selecione um dos textos (A ou B), de acordo com o conto que estudou.
Leia o texto A.
Depois, o sol desanda para trás da casa. Começa a acercar-se a tardinha. Batola, que aca-
ba de dormir a sesta, já pode vir sentar-se, cá fora, no banco que corre ao longo da parede.
A seus pés, passa o velho caminho que vem de Ourique e continua para o sul. Por cima, cru-
zam os fios da eletricidade que vão para Valmurado, uma tomada de corrente cai dos fios e
5 entra, junto das telhas, para dentro da venda.
E o Batola por mais que não queira, tem de olhar todos os dias o mesmo: aí umas quinze
casinhas desgarradas e nuas; algumas só mostram o telhado escuro, de sumidas que estão
no fundo dos córregos. Depois disso, para qualquer parte que volte os olhos, estende-se
a solidão dos campos. E o silêncio. Um silêncio que caiu, estiraçado por vales e cabeços,
10 e que dorme profundamente. Oh, que despropósito de plainos sem fim, todos de roda da
aldeia, e desertos!
Carregado de tristeza, o entardecer demora anos. A noite vem de longe, cansada, tom-
ba tão vagarosamente que o mundo parece que vai ficar para sempre naquela magoada
penumbra.
Manuel da Fonseca, “Sempre é uma companhia”, in Conto Português. Séculos XIX-XXI – Antologia crítica,
vol. 3 (coord. Maria Isabel Rocheta, Serafina Martins), Porto, Edições Caixotim, p. 97.
a. b. c.
169
AVALIAÇÃO
Leia o texto B.
Animação: O que é uma A figura vai-se formando aos poucos como um puzzle gasoso, inquieto, informe. Vê-se
comparação?; O que é uma
interrogação retórica?; O que um pedacinho bem nítido e colorido, mas que logo se esvai para aparecer daí a pouco, nítido
é uma personificação?; O que ainda, mas esfumado. George fecha os olhos com a força possível, tem sono, volta a abri-los
é uma enumeração?; O que é
uma metáfora? com dificuldade […].
5 À sua frente uma senhora de idade, primeiro esboçada, finalmente completa, olha-a aten-
tamente. De idade não, George detesta eufemismos, mesmo só pensados, uma mulher velha.
Tem as mãos enrugadas sobre uma carteira preta, cara, talvez italiana, italiana, sim, tem a
certeza. A velha sorri de si para consigo, ou então partiu para qualquer lugar e deixou o sor-
riso como quem deixa um guarda-chuva esquecido numa sala de espera. O seu sorriso não
10 tem nada a ver com o de Gi – porque havia de ter? –, são como o dia e a noite. Uma velha de
cabelos pintados de acaju, de rosto pintado de vários tons de rosa, é certo que discretamente
mas sem grande perfeição. A boca, por exemplo, está um pouco esborratada.
Sem voz e sem perder o sorriso diz:
– Verá que há de passar, tudo passa. Amanhã é sempre outro dia. Só há uma coisa, um crime, que
15 ninguém nos perdoa, nada a fazer. Mas isso ainda está longe, muito longe, para quê pensar nisso? Ain-
da ninguém a acusa, ainda ninguém a condena. Que idade tem?
– Quarenta e cinco anos. Porquê?
– É muito nova – afirma. – Muito nova.
– Sinto-me velha, às vezes.
20 – É normal. Eu tenho quase 70 anos. Como estava a chorar, pensei...
Encolhe os ombros, responde aborrecida:
– Não tive desgosto nenhum, nenhum. Um encontro, um simples encontro...
– Também tenho muitos encontros, eu. Não quero tê-los mas sou obrigada a isso, vivo tão só. Che-
guei à ignomínia de pedir a pessoas conhecidas retratos da minha família. Não tinha nenhum, só um
25 retrato meu, de rapariguinha. E retratos de amigos, também. De amigos desaparecidos, levados pelas
tempestades, os mais queridos, naturalmente. Porque... o tal crime de que lhe falei, o único sem perdão,
a velhice. Um dia vai acordar na sua casa mobilada...
Maria Judite de Carvalho, “George” in Conto português. Séculos XIX-XXI – Antologia crítica, vol. 3
(coord. Maria Isabel Rocheta, Serafina Martins), Porto, Edições Caixotim, 2011.
1 Demonstre como neste excerto estão representadas três fases da vida de George.
170
PARTE B
PARTE C
7 Escreva uma breve exposição sobre a forma como Antero de Quental e Álvaro de
Campos refletem, na sua produção literária, a temática da “angústia existencial”.
O seu texto deve incluir:
• uma introdução: referência, de forma genérica, à temática da angústia existencial
nos dois autores;
• um desenvolvimento, no qual apresente: atitude e reação face à angústia existen-
cial nos dois poetas; exemplos que corroborem as afirmações;
• uma conclusão: retoma e comprovação da presença da temática da angústia exis-
tencial em ambos os autores.
171
AVALIAÇÃO
GRUPO II
Leia o texto.
172
1.2 Em “A partir de quando é que o corpo começa a sentir-se num deserto, como se
fosse invisível?” (ll. 7-9), a autora serve-se da
A. perífrase e da comparação para definir o que é a solidão. Animação: O que é uma
perífrase?; O que é uma
B. metáfora e da comparação para descrever o que é a solidão. metáfora?; O que é uma
interrogação retórica?;
C. hipérbole e da perífrase para justificar a forma como se está a sentir. O que é uma ironia?;
Escrever um texto
D. interrogação retórica e da ironia para desmistificar o que é a solidão. de opinião
Gramática/Atividade:
1.3 Segundo os cientistas, estamos perante a solidão quando Coesão e coerência textual
A. existe a perceção de que a realidade social de cada um não corresponde
ao expectável.
B. o ser humano, apesar de ter uma grande rede de amigos, se sente sozinho.
C. alguém não tem predisposição para conviver com os que lhe são próximos.
D. um indivíduo opta por se isolar por não se sentir integrado num grupo específico.
1.4 Quando a escala da solidão foi desenvolvida pelos investigadores não era expec-
tável que
A. tantas pessoas padecessem de solidão.
B. fossem os mais velhos o grupo etário a sofrer mais com este problema.
C. tão poucas pessoas confessassem sentir-se num estado de solidão.
D. os mais jovens padecessem tanto deste flagelo.
1.5 A referência aos Beatles, que surge no final do texto, serve para
A. demonstrar que a banda não era sensível a esta realidade.
B. incentivar as pessoas a servirem-se da música para afastar a solidão.
C. destacar o aumento e as consequências do problema da solidão.
D. incentivar as pessoas a fazerem como os Beatles e a lutarem contra a solidão.
1.6 O constituinte sublinhado em “Contudo, tendo em conta os elevados níveis” (ll. 49-50)
exemplifica o mecanismo de coesão textual gramatical
A. interfrásica.
B. frásica.
C. referencial.
D. temporal.
GRUPO III
1 Escreva um texto de opinião, entre 200 a 250 palavras, sobre a forma como a solidão
se manifesta na sociedade portuguesa.
O seu texto deve respeitar as marcas deste género textual e conter:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento, no qual apresente uma argumentação pertinente;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
Verifique o encadeamento lógico dos tópicos tratados e o correto uso dos mecanis-
mos de coesão textual.
173
174
5
Poetas
contemporâneos
EDUCAÇÃO LITERÁRIA LEITURA
ORALIDADE COMPREENSÃO
Esta gente
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
3.1 Refira três linhas temáticas presentes no poema demonstrando a coerência da obra
de Sophia de Mello Breyner, relativamente às ideias defendidas no documentário.
176
Miguel Torga
INFORMAÇÃO
O sentimento telúrico
Miguel Torga é o nome literário de Adolfo Correia Rocha, nascido
em S. Martinho de Anta, Trás-os-Montes, em 12 de agosto de 1907.
A simbologia do nome (Miguel, da Ibéria [Miguel de Cervantes], e Torga,
planta silvestre da montanha portuguesa) traduz uma profunda
5 opção telúrica1 que foi, desde sempre, a fonte inspiradora da sua obra.
António Arnaut, Estudos Torguianos, Coimbra, Editora Fora do Texto, 1992, p. 73.
Açor, Serra da Lousã, 25 de outubro de 1942 – Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no
mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me enten-
deram. Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho
envenenado no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre gene-
5 rosa. […] As dobras e as cores do chão onde firmo os pés foram sempre, no meu espírito coisas
sagradas e íntimas como o amor. […] Vivo a natureza integrado nela. De tal modo que chego
a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espetáculo
me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do
eterno. Bem sei que há gente que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na
10 linha de um perfil. Lá está o exemplo de Miguel Ângelo a demonstrá-lo. Mas eu, não. Eu de-
claro aqui a estas fundas e agrestes rugas de Portugal que nunca vi nada mais puro, mais
gracioso, mais belo, do que um tufo de relva que fui encontrar um dia no alto das penedias
da Calcedónia, no Gerez. Roma, Paris, Florença, Beethoven, Cervantes, Shakespeare... Palavra,
que não troco por tudo isso o rasgão mais humilde da tua estamenha2, Mãe!”
Miguel Torga, Diário – volume II, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2010, (com supressões).
O mito de Anteu
Anteu – figura mitológica, filho da Terra (Gea) e de Neptuno, um gigante inven-
cível quando em contacto com a mãe Terra, a sua fonte de força e energia. Obrigava
os viajantes a lutarem com ele, vencia-os, matava-os e ornamentava o templo de Nep-
tuno com os seus despojos.
5 Um dia, Hércules, lutando contra ele, descobriu o segredo da sua invencibilidade:
Anteu recuperava forças colocando os pés na terra. Por isso, levantou-o do chão e, com
um forte abraço, sufocou-o, matando-o.
Atualmente, este mito simboliza a fé nas coisas terrenas, que alimenta a força
espiritual do ser humano e lhe permite encarar as adversidades. Animação: Miguel Torga
na 1.a pessoa
177
Fernando
Poetas contemporâneos
Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
A paisagem que Torga acima de todas preza, a da sua terra natal, foi obra do verbo do que
chama “um Deus de terra” – a que não cessará nunca de prestar culto, pedindo inspiração
para lhe seguir o exemplo.
É da terra, útero primordial como aparece em tantas mitologias, que vem a força e a paz
e a harmonia.
Teresa Rita Lopes, Miguel Torga, Ofícios a um Deus de terra, Porto, Edições Asa, 1993, pp. 11 e 38.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Leia o poema.
Regresso
Regresso às fragas de onde me roubaram.
Ah! minha serra, minha dura infância!
Como os rijos carvalhos1 me acenaram,
Mal eu surgi, cansado, na distância!
“Diário VI”, in Miguel Torga, Antologia Poética, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2014, p. 290.
3 Justifique a referência ao carvalho e à fonte (vv. 3 e 5), atendendo ao seu valor simbó-
lico.
4 Interprete o sentido dos versos “Atrás ia ficando a terra morta / Dos versos que
o desterro esfarelou” (vv. 7-8).
178
Miguel Torga
ANTECIPAR SENTIDOS
Para Torga, o ato criativo implica um certo labor que não raro desgasta o poeta, ainda
que redima e que liberte. A arte poética é, pois, um processo doloroso, como confidencia
o escritor, num excerto do seu Diário VII: “É um esforço de paciente humildade, de resigna-
ção e, sobretudo, de inabalável esperança”.
Ana Paula Martins Liberato Ferrão, O pulsar de Eros na criação poética de Miguel Torga: um paradigma
da celebração da vida (Dissertação de Mestrado em Criações Literárias Contemporâneas),
Universidade de Évora, 2010, p. 23 (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Maceração1
Pisa os meus versos, Musa insatisfeita!
Nenhum deles te merece.
São frutos acres que não apetece
Comer.
5 Falta-lhes génio, o sol que amadurece
O que sabe nascer.
3 Explique o sentido das expressões “imagem que te desfigura” (v. 8) e “rima impura” (v. 9).
179
Fernando
Poetas contemporâneos
Pessoa
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Orfeu rebelde
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
5 Canto, a ver se o meu canto compromete Christian G. Kratzenstein-Stub,
Orfeu e Euridice, 1806 (pormenor).
A eternidade do meu sofrimento.
“Penas do purgatório [1958]”, in Miguel Torga, Antologia poética, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2014, p. 185.
6 FAZ SENTIDO RELACIONAR Leia o texto intitulado “O mito de Orfeu” (p. 181) e estabeleça uma
180
Miguel Torga
ORALIDADE EXPRESSÃO
INFORMAÇÃO
O mito de Orfeu
Orfeu é uma figura mitológica, filho de Calíope, musa da poesia épica, e de Apolo, deus
da poesia e da música; sua mulher, Eurídice, faleceu pouco depois do casamento e Orfeu,
desesperado, desceu ao reino dos mortos e conseguiu, com o seu canto, convencer Hades e
Perséfone a permitirem que Eurídice regressasse ao reino dos vivos; no entanto, os deuses
5 estabeleceram uma condição: ele não poderia virar-se para trás nem olhar para ela enquan-
to não tivessem alcançado os limites do reino dos mortos. Orfeu caminhava, por isso,
à frente de sua mulher, mas, quando estavam prestes a chegar à superfície, virou-se para
confirmar se Eurídice o seguia. Então, nesse preciso momento, ela foi levada de regresso ao
mundo dos mortos, deixando Orfeu infeliz e inconsolável. Profundamente triste, ficou
10 a vaguear pelo mundo, recusando todas as mulheres. Um dia, as mulheres da Trácia, sen-
tindo-se desprezadas por ele, mataram-no e enterraram-no em Limetra. A partir desse dia,
os rouxinóis passaram a cantar aí as mais belas melodias e Zeus colocou entre as estrelas
a lira deste deus que amansava as feras com o seu canto. Orfeu conseguira, finalmente, ficar
junto de Eurídice.
A arte poética
TEXTO A1
Neste autor [Miguel Torga] configura-se uma mútua relação, de índole sensual, entre
poesia e vida. Neste [processo criativo], esculpe a linguagem, experimenta um estado de
expectação, entabula um jogo apaixonado, persegue a inspiração, constrói entusiasticamen-
te o fazer poético. […]
5 Ao processo criativo de Torga, regido no seu âmago, pela tensão entre inspiração e labo- 1 Ana Paula Martins Liberato
Ferrão, O pulsar de Eros na
ração, está, quase sempre, associada uma condição de excitação, de ansiedade, que estimula
criação poética de Miguel
a própria criação poética e a equaciona como uma construção. É essa exaltação […] que anima Torga: um paradigma da
o autor e funciona analogamente como motor do seu fazer poético. […] celebração da vida (Dissertação
Nos seus versos, encontramos a entrega total, o abandono de um ser que se entrega de Mestrado em Criações
Literárias Contemporâneas),
10 à criação poética num estado de imaculabilidade incauta.
Universidade de Évora, 2010
(adaptado e com supressões).
TEXTO B2
2 António Mendes Moreira,
Para Torga, de facto, a esperança está na criação poética. Di-lo no III tomo do Diário: “Um “Miguel Torga, o Homem e o
ato de fé na Poesia… Por ela ser a única vida que não morre por ela ser a liberdade”. […] Jesus Escritor”, in Aqui, neste lugar
Herrera em dado momento do seu livro Miguel Torga poeta ibérico [afirma]: “Se a missão social e nesta hora. Atas do primeiro
congresso internacional sobre
de toda a verdadeira poesia é a de libertar os homens de certas grilhetas sociológicas, a de Miguel Torga, Porto, Edições
5 Torga é duplamente libertadora: por ser poesia autêntica e por brotar das fontes da liberdade Universidade Fernando Pessoa,
e da rebeldia humanas.” 1994, p. 357 (com supressões).
181
Poetas contemporâneos
ANTECIPAR SENTIDOS
Animação: Eugénio Essa obsessão de aproximar a palavra da música por exigência diversa do simbolismo,
de Andrade na 1.ª pessoa
Áudio: “Adeus”,
para dizer o indizível da Terra, da Vida, do Corpo e não para lhe fugir, já está presente em
de Eugénio de Andrade As mãos e os frutos. […] No fundo é mais entre estes dois termos, o do “canto”, […] e o
do “silêncio”, que se joga a visão, mais inquieta e oscilante do mundo do que é costume
referir, quando se fala na poesia de Eugénio de Andrade. […] Se a evidência do lado solar
permanece tal como o poeta a mitificou, num diapasão que a aproxima do de Torga, […]
o que mais surpreende é a contínua referência ao “silêncio”, momento da equívoca sus-
pensão no centro da vida, recolhimento expectante porventura, mas mais ainda espaço
de perda e esquecimento.
Eduardo Lourenço, A breve música noturna de um poeta solar, Cadernos de Serrúbia,
n.º 2, dezembro, 1997, pp. 83-84 (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Eugénio de Andrade 5 Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
(1923-2005) é o gastámos as mãos à força de as apertarmos,
pseudónimo de José gastámos o relógio e as pedras das esquinas
Fontinhas. Nasceu no
em esperas inúteis.
Fundão, mas viveu
a maior parte da sua
vida no Porto. É um dos Meto as mãos nas algibeiras
poetas portugueses mais 10 e não encontro nada.
traduzidos. Recebeu vários
prémios, nacionais e
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
internacionais, entre eles era como se todas as coisas fossem minhas:
o Prémio Camões. Não quanto mais te dava mais tinha para te dar.
sofreu grandes influências
das escolas literárias
suas contemporâneas, Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
tendo considerado seus 15 E eu acreditava.
mestres Camilo Pessanha Acreditava, porque ao teu lado Gustav Klimt, O beijo, 1907-1908 (pormenor).
e Cesário Verde. Escreveu
todas as coisas eram possíveis.
dezenas de livros, entre os
quais As mãos e os frutos,
Os amantes sem dinheiro, Mas isso era no tempo dos segredos,
As palavras interditas, era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
Obstinato rigore, Limiar
dos pássaros, Matéria
20 era no tempo em que os meus olhos
solar, O sal da língua, eram realmente peixes verdes.
Os sulcos da sede, Hoje são apenas os meus olhos.
Aquela nuvem e outras,
É pouco, mas é verdade,
Os afluentes do silêncio.
uns olhos como todos os outros.
182
Eugénio de Andrade
25 Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada. Não temos já nada para dar.
E no entanto, antes das palavras gastas, Dentro de ti não há nada que me peça água.
tenho a certeza 35 O passado é inútil como um trapo.
30 de que todas as coisas estremeciam E já te disse: as palavras estão gastas.
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração. Adeus.
Eugénio de Andrade, Poesia de Eugénio de Andrade, s/l, Fundação Eugénio de Andrade, 2000, p. 51-52.
• “o tempo em que o teu corpo era um • “o que nos ficou não chega / para afastar
aquário” (v. 19) o frio de quatro paredes” (vv. 2-3)
• “Às vezes tu dizias: os teus olhos • “Meto as mãos nas algibeiras / e não
são peixes verdes” (v. 14) encontro nada” (vv. 9-10)
(a. ) (f. )
• “ao teu lado / todas as coisas eram • “Dentro de ti / não há nada que me peça
possíveis” (vv. 16-17) água” (vv. 34-35)
(b. ) (g. )
• “todas as coisas estremeciam” (v. 30) • “As palavras estão gastas” (v. 37)
(d. ) (h. )
183
Poetas contemporâneos
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
184
Eugénio de Andrade
2 Para completar cada um dos itens 2.1 a 2.4, selecione a opção correta.
2.1 O processo de formação de palavras que ocorreu no vocábulo “anoitece” (v.2) é
A. derivação por prefixação.
B. derivação por parassíntese.
C. derivação por sufixação.
D. composição radical + palavra.
2.2 A frase “Trazia consigo a graça / das fontes” (vv.1-2) possui um valor aspetual
A. imperfetivo
B. perfetivo.
C. genérico.
D. habitual.
2.3 Nos versos “cresciam troncos dos braços / quando os erguia no ar” (vv.9-10),
os elementos destacados asseguram o mecanismo de coesão
A. gramatical interfrásica.
B. gramatical frásica.
C. gramatical temporal.
D. gramatical referencial.
2.4 No último verso, o constituinte “que tocava” corresponde a uma oração subor-
dinada
A. substantiva completiva
B. substantiva relativa.
C. adjetiva relativa explicativa.
D. adjetiva relativa restritiva.
185
Poetas contemporâneos
ANTECIPAR SENTIDOS
“Na poesia de Eugénio de Andrade, uma das mais visíveis manifestações da metáfora
tem a ver com o desejo (“e tudo começa a ser ave/ou lábios e quer voar” – Ostinato Rigo-
re – p. 18), o que não quer dizer que a ideia do voo, e da altura, não apareça associada
a um certo sentido de pureza, de angelismo.”
Carlos Mendes de Sousa, O nascimento da música, A metáfora em Eugénio de Andrade,
Coimbra, Almedina, 1992, p. 87.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Apenas um corpo
Respira. Um corpo horizontal,
tangível, respira.
Um corpo nu, divino,
respira, ondula, infatigável.
NOTE BEM
Cardoso Bernardes destaca “o lirismo inconfundível do poeta, que sobressai pela
celebração do Amor, da Esperança, da Natureza e do Corpo.”
186
Eugénio de Andrade
INFORMAÇÃO
noite plenitude
palavras criação
187
Poetas contemporâneos
INFORMAÇÃO
TEXTO A
TEXTO B
Não foi por acaso que muito cedo a poesia de Manuel Alegre se encarnou em música
e canto. Por instinto, inscreveu tendencialmente os seus poemas no horizonte simbólico
e onírico da oralidade.
Na poesia de Manuel Alegre existe uma consciência profunda do tempo trágico que a
5 título pessoal ou coletivo lhe foi dado viver. Com o tempo, a consciência desse trágico
aprofundou-se, concebeu-se como coexistente com a vida mesma e não apenas como cor
de uma época de trevas destinadas a desvanecer-se com o triunfo da liberdade sobre
a tirania, mesmo se foram essas trevas que lhe impuseram o dever de as exorcizar
cantando-as.
10 Manuel Alegre, como combatente e como poeta, adivinha que a pseudoepopeia da guer-
ra colonial é a antecâmara de um novo Alcácer-Quibir.
A sua poesia é uma viagem entre os recifes, as ilhas encantadas, os arquipélagos da
fábula poética que nós chamamos Homero, Virgílio, Camões, Dante, Pessoa, Ezra Pound
ou de mais familiar convívio da sua alma errante, Torga e Sophia.
Eduardo Lourenço (prefácio), in Manuel Alegre, 30 anos de poesia, Lisboa, Publicações Dom Quixote,
1997, pp. III, VIII-IX, XV-XVI (adaptado e com supressões).
188
Manuel Alegre
ANTECIPAR SENTIDOS
Manuel Alegre não releva de nenhum propósito modernista, apenas de uma nova mo-
dernidade, esta de uma familiaridade naturalmente épica com um mundo sempre inun-
dado de sol sob o lusitano fundo de tristeza. A sua viagem […] recebeu sempre do corpo Áudio: “E alegre se fez triste”,
de Manuel Alegre; “Aquela
poético que lhe serviu de terra pátria […] a sua carta de prego de trovador marinheiro em triste e leda madrugada”, de
Luís de Camões
tempo de silêncio e histórica ressaca.
Eduardo Lourenço (prefácio), in Manuel Alegre, 30 anos de poesia, Lisboa,
Publicações Dom Quixote, 1997, pp. VII-VIII (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
POEMA A POEMA B
2 Interprete o sentido do verso “E viu que a pátria estava toda em ti” (v. 12, poema A).
3 FAZ SENTIDO RELACIONAR Este poema é uma espécie de escrita mimética do soneto ca-
moniano. Releia-o e estabeleça relações de intertextualidade entre os dois poemas.
189
Poetas contemporâneos
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
País de Abril1
A Ernesto Melo Antunes
Abril tão triste no País de Abril. Aqui 1 Abril, etimologicamente, do latim aprire, abrir,
a noite. Aqui a dor. Meninos velhos referência ao abrir dos botões das flores
– minha pátria a chorar como quem ri
20 em surdina em silêncio. E de joelhos.
190
Manuel Alegre
rapos / capa de trapos remendada a verdes folhas” (vv. 11-12), explicitando o seu valor.
4 Explicite o sentido dos segmentos textuais “(Abril com máscaras de festa)” (v. 14),
e “(A festa da tristeza é tudo o que lhe resta)” (v. 16), justificando o uso de parênteses.
GRAMÁTICA i Bloco informativo | pp. 373, 377, 390, 392, 396 e 401.
2 Divida e classifique as orações que integram o verso “quando é março ou abril e lhe
prendem as pernas” (v. 6).
191
Poetas contemporâneos
ANTECIPAR SENTIDOS
O seu [de Manuel Alegre] primeiro livro sagra-o e consagra-o como “poeta da resis-
tência”, desarmado e armado de provocadora impaciência. […] A “poesia como arma”
podia servir de poética a gerações, unidas para além das diferenças de tempo e até de
ideologia, pela recusa de um mundo sem lugar para uma vida digna de ser vivida. Os ecos
dessa poética que era a de uma vida individual ou coletivamente silenciada ouvem-se bem
nos dois primeiros livros de Manuel Alegre. […]
Eduardo Lourenço (prefácio), in Manuel Alegre, 30 anos de poesia,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997, p. IV.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
192
Manuel Alegre
3 Interprete o sentido dos versos “É possível andar sem olhar para o chão” (v. 5) e
“Os teus olhos nasceram para olhar os astros” (v. 7), referindo o seu contributo para
a construção do sentido do poema.
3.1 Identifique o recurso expressivo presente nos referidos versos, destacando o seu
valor.
uma “arma”.
7 Infira possíveis sentidos sugeridos pelo título da obra em que se integra o poema:
O canto e as armas.
a. b. c. d.
193
Poetas contemporâneos
Leia o texto.
Ovários de aço
N
o dia em que o meu pai regressou da
Guerra Colonial, a minha avó acordou
cedo. […] E estava a meio da esfrega
quando uma vizinha apareceu, numa
5 correria desenfreada, a gritar:
“D. Mariana, D. Mariana, o seu filho voltou da guerra.”
Quando ouviu aquelas palavras, a minha avó não quis fracas, que lhes faltou coragem ou que se acobarda-
saber de mais nada. Deixou para trás a roupa e correu 40 ram. Mas falar daqui, do conforto do nosso sofá com
para casa onde o filho mais novo a esperava acabado de os filhos à distância de um braço ou de um telefone-
10 regressar de Moçambique. O que lhe disse ninguém ma, é capaz de nos dar uma perspetiva um tudo ou
sabe. E o que pensou só podemos adivinhar. Porque nada enviesada da questão. […]
a minha avó Mariana, como muitas avós que naquela As mulheres russas que têm saído à rua nas últi-
época eram só mães, foi forçada a escolher o silêncio. 45 mas semanas têm sido absolutamente incríveis. Ová-
Se em algum momento aquela mulher tão direita rios de aço, diria eu, mesmo correndo o risco de que
15 e com as pernas cravadas de varizes achou que a alguém se ofenda com o termo. E igualmente incrí-
guerra fazia sentido? Não. Se morreu por dentro quan- veis, neste momento, só mesmo as mulheres irania-
do se despediu do filho sem saber se o voltava a ver? nas que encheram as ruas na sua luta pela liberdade.
Com toda a certeza. Mas, mesmo assim, abominando 50 Luta essa que, em muitos casos, lhes tem custado
a guerra e vivendo enojada com o regime, a minha avó a vida. […].
20 não falou. Amaldiçoou para dentro, desejou vezes in- No Irão, por estes dias, as mulheres lutam, quei-
finitas a queda da ditadura que lhe tinha levado o filho, mam hijabs e cortam o cabelo na rua. Estas mulheres
mas nunca teve coragem de sair à rua e protestar. não aceitam mais ser levadas para centros de reedu-
Tinha demasiado presentes na memória as detenções 55 cação, onde, detidas durante horas, têm lições de mo-
de vizinhos e os relatos da crueldade a que foram sub- déstia que são sinónimo de aulas de submissão. São
25 metidos na prisão. Tinha medo pelos outros filhos que mulheres que não aceitam mais entregar-se a uma
continuavam em Portugal e pelo marido outrora fugi- polícia da moralidade que as maltrata, acossa e es-
do da guerra civil espanhola. panca. São mulheres que não aceitam mais respirar
E, tal como a minha avó paterna, também a minha 60 sem liberdade. São mulheres-coragem.
avó materna viu um filho partir para a guerra. Estava E os nossos olhos devem estar nestas mulheres
30 na Guiné o seu rapaz mais novo e tudo o que ela que- que têm, nas suas mãos, a capacidade de mudar
ria era o fim da ideia louca do império e das colónias. o mundo como o conhecemos. Ilya Yablokov dizia
[…] Aos medos comuns a todas as outras mulheres numa entrevista a este jornal que a liderança de Putin
juntava-se o pânico de que as paredes tivessem ouvi- 65 estará em risco quando os caixões começarem a che-
dos e percebessem que o marido, meu avô, na som- gar à Rússia.
35 bra, se juntava a quem tentava derrubar o regime. E eu concordo, sabem porquê? Porque estas mu-
E por isso escolheu calar-se. lheres já mostraram que não vão aceitar de ânimo
É fácil agora, e quase tentador, apontar o dedo ao leve receber nas mãos a bandeira que cobre o caixão
silêncio destas mulheres. Podemos dizer que foram 70 dos filhos.
194
O mundo esteve sempre cheio de mulheres incrí- 80 Há uma música espanhola que diz algures que “la
veis. E parece que agora essas mulheres começam mujer que mueve el mundo con sus manos (…) hace
a perder o medo. Pelos filhos, mas também por elas girar el día a su compás”1. Agora, imaginem quando em
próprias e pela sua liberdade. vez de uma mulher temos milhares, todas a empurrar
75 As mulheres não se tornaram corajosas hoje. Bas- para o lado certo, todas com a certeza de que a única
ta olharmos para a História para descobrir centenas 85 vida que vale a pena é aquela onde somos liberdade.
de exemplos de mulheres que mudaram o mundo. Carmen Garcia, in https://www.publico.pt,
A questão é que, neste momento, a coragem parece consultado em novembro de 2022 (com supressões).
ter rasgado as peles e deixado de lado a contenção.
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.3, selecione a opção correta.
1.1 No início do texto, a autora serve-se da sua experiência pessoal para
A. não deixar cair no esquecimento o sofrimento provocado pela guerra colo-
nial, durante a ditadura.
B. referir a falta de coragem das mulheres, fruto da educação e do contexto
em que viviam.
C. opor o silêncio das suas avós, apesar do seu sofrimento, à ação das mulhe-
res face a situações idênticas, na atualidade.
D. destacar que, numa situação de guerra, grande parte do sofrimento recai
sobre as mulheres que são mães.
1.2 As expressões “ovários de aço” (ll. 45-46) e “mulheres-coragem” (l. 60)
A. acentuam o contraste entre as mulheres russas e as iranianas, perante
a opressão de que são alvo.
B. demonstram que é nos regimes opressores que surgem grandes demons-
trações de coragem.
C. comprovam que, na atualidade, a luta pela liberdade recai essencialmente
sobre as mulheres.
D. permitem inferir que as mulheres russas e iranianas são um exemplo de luta
e de coragem.
1.3 O último parágrafo do texto
A. enfatiza a união e a força das mulheres na sua luta pelo direito à liberdade.
B. apela à necessidade de união entre as mulheres, apesar das inúmeras dife-
renças culturais.
C. confirma a urgência em reconhecer às mulheres igualdade de oportunidades,
em todas as partes do mundo
Teste interativo:
D. contesta que a música possa ser uma aliada na luta das mulheres pela Poetas contemporâneos
liberdade.
195
Poetas contemporâneos
ANTECIPAR SENTIDOS
[J]á nos anos 1990, Ana Luísa Amaral torna-se uma das poetas portuguesas a mais
se centrar nas questões de género e nas opressões daí derivadas. O “eu” da poesia de Ana
Luísa Amaral reivindica permanentemente um espaço fora da esfera doméstica a que está
votada, “um espaço a sério / ou terra de ninguém / que não me chega / o conquistado
à custa / de silêncios, armários / e cebolas perturbantes (AMARAL 1990: 7).
Num registo maternal bastante presente na poesia de Ana Luísa Amaral, o sujeito
feminino deseja para a sua filha uma vida em que a fantasia, o amor e o sonho sejam mais
importantes do que essas tarefas quotidianas.
Maria Leonor C. Figueiredo, Calma é apenas um pouco tarde − Resistência na poesia portuguesa contemporânea
(prefácio de Rosa Maria Martelo), Porto, Deriva Editores, 2015, pp. 81-84 (com supressões).
Leia o poema.
Testamento
Vou partir de avião
e o medo das alturas misturado comigo
faz-me tomar calmantes
e ter sonhos confusos Preparem a minha filha
Ana Luísa Amaral nasceu para a vida
em Lisboa, em 1956, 5 Se eu morrer se eu morrer de avião
e faleceu em 2022. Foi
quero que a minha filha não se esqueça de mim e ficar despegada do meu corpo
professora na Faculdade
de Letras da Universidade que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada 20 e for átomo livre lá no céu
do Porto. A sua obra está e que lhe ofereçam fantasia
editada em vários países. mais que um horário certo Que se lembre de mim
Foi galardoada em Itália
10 ou uma cama bem feita a minha filha
com o Prémio de Poesia
Giuseppe Acerbi, em e mais tarde que diga à sua filha
Espanha, com o Prémio Dêem-lhe amor e ver que eu voei lá no céu
Rainha Sofia de Poesia dentro das coisas e fui contentamento deslumbrado
25
Ibero-Americana, e em
Portugal, com o Grande
sonhar com sóis azuis e céus brilhantes ao ver na sua casa as contas de somar erradas
Prémio de Poesia da APE em vez de lhe ensinarem contas de somar e as batatas no saco esquecidas
(Associação Portuguesa 15 e a descascar batatas e íntegras
de Editores), entre
outros. Minha senhora Ana Luísa Amaral, Inversos (poesia 1990-2010), Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2010, p. 46.
de quê, A génese do
amor, Entre dois rios
e outras noites, Vozes
e Às vezes o paraíso são
1 Indique os aspetos do quotidiano socialmente valorizados, mas negativamente cono-
algumas das suas obras. tados pelo “eu” lírico, justificando.
3 Refira o recurso expressivo presente no verso “sonhar com sóis azuis e céus brilhan-
tes” (v. 13), explicitando o seu valor.
196
Ana Luísa Amaral
4 Interprete o sentido dos versos “Preparem a minha filha / para a vida” (vv. 16-17),
1 Redija uma apreciação crítica da pintura de Paula Rego, num texto de 100 a 200 pala-
vras, considerando os seguintes aspetos:
• estrutura tripartida do texto:
– introdução: descrição sucinta da pintura, considerando os vários planos;
– desenvolvimento: opinião pessoal – comentário crítico, atentando na intenção
veiculada, nas cores e nas formas;
– conclusão: fecho do texto e reforço da opinião pessoal, sintetizando aquilo que
a pintura lhe sugere e estabelecendo uma possível articulação com o poema de
Ana Luísa Amaral.
• redação clara e objetiva, respeitando os mecanismos de coerência e coesão textual;
• utilização de vocabulário adequado e diversificado.
197
Poetas contemporâneos
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
1 Comprove que o poema possui um caráter narrativo, atentando nos tempos verbais
que ocorrem nas três estrofes iniciais.
198
Ana Luísa Amaral
9 Rosa Maria Martelo é de opinião que “A poesia de Ana Luísa Amaral [...] explora uma
sintaxe inovadora e transgressiva, sem deixar de desenvolver também uma temática
facilmente integrável pelo leitor no seu mundo habitual”.
9.1 Comprove a presença de “uma sintaxe inovadora e transgressiva”, atestando a ve-
racidade da afirmação citada.
ORALIDADE EXPRESSÃO
199
Poetas contemporâneos
ANTECIPAR SENTIDOS
A poesia de Ana Luísa Amaral não acompanha modas e, sendo uma poesia de elevada
erudição, tem a capacidade de integrar o pequeno nada do quotidiano e a maior denúncia
da crueldade social. E faz isso incorporando a mais alta tradição poética ocidental e cris-
tã, que transfigura e subverte, com a maior comunicabilidade poética que a aproxima de
amplos públicos.
Isabel Pires de Lima, in https://www.publico.pt/2021/06/05,
consultado em novembro de 2022.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Leia o poema.
Prece no Mediterrâneo
Em vez de peixes, Senhor,
dai-nos a paz,
um mar que seja de ondas inocentes,
e, chegados à areia,
5 gente que veja com o coração de ver,
vozes que nos aceitem.
Fazei, Senhor, com que não haja Anónimo, Milagre dos pães e dos peixes, séc. VI.
Ana Luísa Amaral, in “Ágora”, Lisboa, Assírio & Alvim, 2020, pp. 137-138.
200
Ana Luísa Amaral
2 Interprete o sentido das oposições que se estabelecem nas duas primeiras estrofes.
c. “à areia” (v. 4)
4 Nomeie o mecanismo de coesão textual que ocorre no segmento “depois dos braços
abertos e sonoros” (v. 19), atendendo aos elementos sublinhados.
1 Escreva um texto de opinião, entre 150 e 200 palavras, sobre a educação feminina na
atualidade e o papel das mulheres na sociedade, considerando as seguintes orientações:
• estrutura tripartida:
– introdução – apresentação da tese e definição da posição a defender;
– desenvolvimento – referência a dois argumentos e dois exemplos ilustrativos;
– conclusão – retoma do tema e reiteração da posição defendida;
• redação clara e objetiva, contemplando a correção ortográfica e sintática e o corre-
to uso dos mecanismos de coerência e coesão textual.
201
CONSOLIDAÇÃO
202
Manuel Alegre Ana Luísa Amaral
• Integração da tradição
poética ocidental e cristã
• Camões (epopeia e poesia lírica)
vs. transfiguração e subversão
Tradição • Cantigas de Amigo dessa tradição
literária • Miguel Torga • Luís de Camões − Os Lusíadas
• Sophia de Mello Breyner Andresen • Fernando Pessoa
• Petrarca
203
VERIFICAÇÃO
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.4, selecione a opção correta.
1.1 Miguel Torga
Jogo: #DesafioLiterário:
Poetas contemporâneos A. revela, na sua obra poética, a esperança e a fé no ser humano, como acon-
tece no poema “Orfeu rebelde”.
B. escreve poemas que ilustram o telurismo, e defende que a criação literária
tem uma dimensão interventiva.
C. demonstra o seu apego à terra natal em poemas em que confessa a sua
descrença no ser humano.
D. mostra, na sua obra poética, um grande humanismo e consciência social,
e presta culto à “Grande Deusa Mãe” que é a Terra.
1.2 Eugénio de Andrade
A. trata temas como a melancolia, o erotismo, o apego à natureza, a crença
num deus divino e transcendente.
B. escreve poemas caracterizados pela irregularidade métrica e estrófica, em
que a personificação é a figura de eleição do poeta.
C. valoriza o corpo, os sentidos e o convívio com a natureza, em poemas for-
temente simbólicos que revelam uma grande proximidade com a música.
D. demonstra um forte apego à natureza, daí que seja esta a temática em que
os valores simbólicos se revelam mais intensos e pertinentes.
1.3 Manuel Alegre
A. recupera frequentemente a poesia lírica e épica de Camões e as Cantigas
de Amigo e defende a poesia como uma arma contra o conformismo e em
defesa da liberdade.
B. retoma características da poesia lírica tradicional, pois considera ser uma
forma de transmitir o seu apego à pátria.
C. expõe, na sua obra, de caráter marcadamente reflexivo, a opressão e as más
condições de vida dos portugueses durante o período do Estado Novo.
D. é considerado o “poeta trovador” e o “poeta de intervenção”, embora a sua
obra não revele relações óbvias com a sua biografia.
1.4 Ana Luísa Amaral
A. escreve sobre o quotidiano, sobre o qual tem uma visão pouco usual, sobre-
tudo em poemas cuja forma estrófica é o soneto.
B. defende, numa sintaxe invulgar e inovadora, os direitos de cidadania e da
igualdade de género, daí que a sua poesia tenha um tom emancipatório
e feminista.
C. desvaloriza temáticas como o amor e o sonho, já que escreve sobretudo
sobre os direitos da mulher na sociedade.
D. defende uma poesia acessível a todos, daí que as potencialidades linguísti-
cas e poéticas da língua não sejam sua preocupação.
204
AVALIAÇÃO
GRUPO I
Leia o poema.
205
AVALIAÇÃO
PARTE B
VOLTAS
Vi terra florida
de lindos abrolhos,
lindos para os olhos,
15 duros para a vida;
mas a rês perdida
que tal erva pace
em forte hora nace.
a. b. c.
206
PARTE C
6 Manuel Alegre afirma: “Se não tivesse vivido o que vivi, não teria escrito o que escrevi. Animação: Escrever
Vida e escrita são inseparáveis.” um texto expositivo
Escreva uma breve exposição em que refira dois elementos que ilustrem o conteúdo
da afirmação proferida aquando do agradecimento do Prémio “Vida e obra”, em 2019,
atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores.
GRUPO II
207
AVALIAÇÃO
Modugno. Para além do prazer de ler, no comovem, apesar de não percebermos uma
35 Telegraph, um texto assinado “by Bob Dylan”, 45 palavra que está a ser cantada?
Dylan fala do efeito emocional de ouvir Se até Bob Dylan com a idade que tem e
canções em línguas que não conhecemos e, a obra que deixou (e o Nobel, já agora) leva
a certa altura, diz: “Listen to fado music and na cabeça por escrever o que pensa e sente,
the sadness drips from it even if you don’t speak quando ouve as canções de que gostou ou
40 a lick of Portuguese.”1 50 ainda gosta de ouvir, então é bom sinal.
1 “Ouve fado e
as suas réstias
Será preciso dizer que, para perceber Miguel Esteves Cardoso,
de tristeza, mesmo o que ele está a dizer, não é preciso pen- in https://www.publico.pt,
que não fales nada sarmos no fado, mas nas canções que nos consultado em novembro de 2022.
de português.”
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.8, selecione a opção correta.
1.1 Nos três parágrafos iniciais, o autor
A. critica o facto de Bob Dylan não ter sido historiador nem crítico.
B. lamenta que Dylan tenha escrito poucas canções do agrado do público.
C. confessa que está a dar-lhe muito prazer ler o livro de Bob Dylan.
D. compreende os protestos quanto à seleção incluída na obra publicada.
1.3 A utilização dos parenteses em “(e o Nobel, já agora)” (l. 47) permite
A. fornecer uma informação considerada acessória e desnecessária.
B. destacar a pertinência desta referência, neste contexto.
C. ironizar com o facto de se tratar de um cantor que recebeu o Nobel.
D. defender a valorização da música através da atribuição de prémios de mé-
rito.
208
1.5 Os “que” presentes no primeiro parágrafo são
A. ambos conjunções subordinativas completivas.
Gramática/Atividade:
B. ambos pronomes relativos. Complemento direto;
Complemento oblíquo;
C. uma conjunção subordinativa completiva e um pronome relativo, respetiva- Complemento indireto;
mente. Modificador do grupo verbal;
Coesão e coerência textual
D. um pronome relativo e uma conjunção subordinativa completiva, respetiva- Animação: Escrever
mente. um texto de opinião
1.6 A expressão sublinhada em “escreveu uma canção ou duas que outras pessoas
têm gostado de cantar” (ll. 14-16) desempenha a função sintática de
A. complemento direto.
B. complemento oblíquo.
C. complemento indireto.
D. modificador do grupo verbal.
1.8 No segmento textual “mas nas canções que nos comovem, apesar de não perce-
bermos uma palavra que está a ser cantada” (ll. 43-45), os elementos sublinhados
configuram a coesão textual
A. gramatical frásica.
B. gramatical interfrásica.
C. lexical por substituição.
D. gramatical referencial.
GRUPO III
1 Escreva um texto de opinião, com 150 a 200 palavras, sobre o papel da música
enquanto fator de união entre pessoas de diferentes países, línguas e culturas.
O seu texto deve apresentar dois argumentos e um exemplo ilustrativo para cada
um deles.
209
210
6.1
Memorial
do convento
José Saramago
EDUCAÇÃO LITERÁRIA ORALIDADE
ORALIDADE COMPREENSÃO
1.3 Um dos aspetos que os jovens que estiveram durante quatros dias na Amnistia
Internacional mais valorizaram foi
A. a oportunidade de poderem afirmar-se internacionalmente, enquanto adoles-
centes conscientes e ativistas.
B. a tomada de consciência de que, nesse projeto, estavam envolvidos adoles-
centes de várias zonas do país.
C. o enriquecimento individual que adquiriram através do confronto de ideias
com adolescentes de outras regiões.
D. a tomada de consciência de que, em Portugal, todos os adolescentes viviam
à margem dos problemas globais.
1.4 Esta experiência acabou por fazer com que muitos jovens
A. sentissem que, por serem uma gota no oceano, não podiam fazer nada para
minimizar os problemas humanitários.
B. tomassem consciência dos problemas da humanidade, mas apenas durante
o período em que decorreu o projeto.
C. confessassem que não estavam preocupados com problemas humanitários
que não lhes diziam respeito.
D. compreendessem a importância de agir para tentar solucionar alguns dos pro-
blemas humanitários.
212
ORALIDADE EXPRESSÃO
Oswaldo Guayasamin,
O grito I, 1993.
1.1 Organize um debate em torno da importância da liberdade, seja ela de que natu-
reza for, respeitando o número de intervenientes e respetivas funções, conforme
a tabela abaixo, e procurando explorar, entre outras, questões como as que a
seguir se apresentam.
• Em pleno século XXI, terá o ser humano finalmente alcançado a plena liberdade
de direitos?
• Será que a liberdade de cada um está obrigatoriamente condicionada pela do
outro?
• É legítima toda e qualquer forma de liberdade de expressão?
• Devem ser fixados limites para a liberdade de pensamento?
• A liberdade de cada indivíduo deve estar sujeita às leis e à cultura de um deter-
minado país?
• A liberdade religiosa pode constituir-se como uma ameaça para as sociedades?
• Sentir-se-á a mulher, hoje em dia, um ser realmente livre?
Intervenientes Funções
1.2 Faça uma exposição oral, entre 2 a 3 minutos, sintetizando as principais conclu-
sões do debate.
213
José Saramago
ORALIDADE COMPREENSÃO
1. 4.
2. 5.
3. 6.
INFORMAÇÃO
TEXTO B
O Memorial, sendo-o embora de um convento, é-o, sobretudo, de uma época da qual se
esqueceu a outra face composta por gente anónima cuja importância o narrador tenta per-
petuar pela listagem de nomes de A a Z. As vidas, essas, na impossibilidade de falar de todas,
“por tantas serem”, são transferidas para um representante individual. Com efeito, apesar
5 de serem narrados outros amores e outros dramas, nenhum o é com tanto relevo como
o protagonizado por Baltasar Sete-Sóis que, ao lado de Blimunda, cujo nome circularmente
completa o seu, Sete-Luas, aglomera vidas diversas: os trabalhos passados em guerras que
nem sempre são as próprias; o longo labutar na construção de uma basílica onde nem
o próprio Deus salva os homens; as privações travestidas de fome; a perseguição e morte
10 numa fogueira inquisitorial, em nome desse mesmo Deus ateada, porque com ele se dispu-
tou o lugar na terra e no céu visitado por sonhos que, por vezes, são passarolas.
Ana Paula Arnaut, Memorial do convento. História, ficção e ideologia,
Coimbra, Fora do Texto, 1996, pp. 71-72.
214
Memorial do convento
TEXTO C
Temos, em relação ao Memorial, um relato que entrelaça vários fios narrativos, aparentemen-
te independentes: o voto do rei e a consequente edificação de Mafra; o sonho várias vezes mile- Animação: José Saramago,
Memorial do convento
nar, mítico até, de fazer o homem voar e a construção da passarola; a história de amor de Baltasar
e Blimunda. Penso que a narrativa está centrada no amor de Blimunda e Sete-Sóis, presente
5 desde o auto de fé em que a mãe de Blimunda é sacrificada, até à clausura do romance por outro
auto de fé, e pelo reencontro dos dois amantes; bem como pela participação dos dois quer na
edificação de Mafra quer na construção da passarola, que assegura a unidade da obra.
Beatriz Berrini, Ler Saramago: o romance, Lisboa, Editorial Caminho, 1998, p. 64.
1.1 Com base nos textos anteriores, mencione uma das estratégias do narrador para
atingir os seus objetivos.
a. b.
d. c.
215
José Saramago
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Partida de Baltasar e de Blimunda para Mafra, local onde ela conhece a família do
ex-soldado. Lá, Baltasar trabalha na agricultura, mas procura informar-se sobre
X o andamento do convento. 1713
Gravidez da rainha: infante D. José.
216
Memorial do convento
217
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
218
Memorial do convento
219
José Saramago
6 repouso especial para ajudar na gravidez; 7 referência ao facto de, segundo a Igreja Católica, Maria, apesar de
virgem, ter concebido o filho, Jesus, por intermédio de Deus; 8 talho
220
Memorial do convento
INFORMAÇÃO
Maria Joaquina Nobre Júlio, Memorial do convento de José Saramago: subsídios para uma leitura,
Lisboa, Replicação, 1999, pp. 111-112 (adaptado).
CONSTRUIR SENTIDOS
Coluna A Coluna B
a. O capítulo II entrelaça-se
1. acaba por indiciar que a rainha já saberia que estava
com o capítulo I, porque
grávida antes da promessa do rei, o que invalidava,
b. Ao longo do capítulo, e para assim, o poder miraculoso dos franciscanos.
atestar o poder miraculoso
2. se faz referência à questão dos milagres, numa clara
dos franciscanos,
alusão à potencial gravidez da rainha por graça divina.
c. Ao longo de todo o capítulo II,
3. o narrador utiliza recorrentemente um tom jocoso
d. O facto de se insinuar que e irónico.
possa ter sido o estudante
4. são apresentados exemplos vários, como o de
o responsável pelo roubo no
frei Miguel da Anunciação ou o do convento
convento de São Francisco
de São Francisco de Xabregas.
de Xabregas
221
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
Maria Joaquina Nobre Júlio, Memorial do convento de José Saramago: subsídios para uma leitura,
Lisboa, Replicação, 1999, p. 34.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
A Quaresma
222
Memorial do convento
1 Baseando-se na leitura dos três excertos, nas notas e na informação contida na rubri-
ca “Faz sentido saber”, escreva um texto expositivo em que dê conta da visão crítica
do narrador presente neste capítulo.
O seu texto deve incluir:
• uma introdução: referência de forma genérica aos aspetos alvo de crítica;
• um desenvolvimento, no qual apresente:
– a visão do narrador sobre Lisboa, as condições sociais e a vivência religiosa;
– exemplos que corroborem as afirmações; Animação: Escrever
um texto expositivo
• uma conclusão: retoma e comprovação da visão crítica do narrador.
223
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
[…] Baltasar representa a existência popular, ingénua, vagabunda mas amorosa, solidária,
trabalhadora, adaptadora instintiva a novas situações […] revelando simbolicamente em
todas as profissões que exerce ao longo da obra o povo trabalhador, reprodutor da base
material da sociedade, mas também criador se lhe forem concedidas possibilidades para tal.
Miguel Real, Narração, Maravilhoso trágico e sagrado em Memorial do convento de José Saramago,
Lisboa, Editorial Caminho, 1995, p. 54.
224
Memorial do convento
acabava a vida antes que se visse a cor ao dinheiro. Na falta, aí estavam as ir-
mandades para a esmola e as portarias dos conventos que proviam ao caldo e
30 ao tassalho3 do pão.
3 Centre a sua atenção na figura do narrador, atendendo aos textos da rubrica “Infor-
mação” que se seguem.
3.1 Comprove como, neste excerto, o narrador se mostra presente no texto ficcional
e narra os factos como se estivesse a presenciá-los.
3.2 Apresente uma explicação para a adoção desta posição.
3.3 Justifique a alteração da terceira pessoa do singular para a primeira do plural.
3.4 Transcreva do excerto 2 um exemplo de discurso indireto.
4 Demonstre como, neste excerto, o tempo da narrativa não é linear (consulte a rubrica
“Informação”, p. 226).
INFORMAÇÃO
Beatriz Berrini, Ler Saramago: o romance, Lisboa, Editorial Caminho, 1998, pp. 56-57 (com supressões).
TEXTO B
Sucede então que [insistentemente nos romances de José Saramago] um continuum frásico
entre dois pontos finais finge falas de duas ou mais personagens, o diálogo interior de uma
delas, a interseção da voz do narrador, o movimento de pergunta sem ponto de interrogação;
tudo apenas marcado por vírgulas, maiúsculas e pela gestualidade enunciativa. Um tal jogo de
5 pontuação é, além disso mesmo, índice de que uma só frase pode ser o cruzamento de vários
enunciadores; índice de polifonia da enunciação, que, além disso, marca as unidades maiores do
texto. A voz narrativa pode então fazer-se de múltiplos registos discursivos […].
225
José Saramago
INFORMAÇÃO
ORALIDADE COMPREENSÃO
226
Memorial do convento
ANTECIPAR SENTIDOS
Maria Joaquina Nobre Júlio, Memorial do convento de José Saramago: subsídios para uma leitura,
Lisboa, Replicação, 1999, p. 132 (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
1 prática sexual; 2 doutrina
de Luís de Molina (1535-
Leia os excertos seguintes. Se necessário, consulte as notas.
-1600) que tentava conciliar
a eficácia da graça com
Baltasar e Blimunda – o encontro e a união o livre-arbítrio; 3 miudezas
sem valor; 4 fértil; 5 injúria;
6 dizer coisas à toa;
Excerto 1 | Cap. V (pp. 52, 54, 55, 56) 7 designação injuriosa que
se dava aos muçulmanos
Porém, hoje é dia de alegria geral, porventura a palavra será imprópria, porque o gosto vem e judeus que viviam em
Portugal; 8 aro ou triângulo
de mais fundo, talvez da alma, olhar esta cidade saindo de suas casas, despejando-se pelas ruas
de ferro que assenta sobre
e praças, descendo dos altos, juntando-se no Rossio para ver justiçar a judeus e cristãos-novos, três pés e sobre o qual se
a hereges e feiticeiros, fora aqueles casos menos correntemente qualificáveis, como os de so- coloca a panela ao lume
5 domia1, molinismo2, reptizar mulheres e solicitá-las, e outras miuçalhas3
passíveis de degredo ou fogueira. São cento e quatro as pessoas que hoje
saem, as mais delas vindas do Brasil, úbere4 terreno para diamantes e impie-
dades, sendo cinquenta e um os homens e cinquenta e três as mulheres. […]
E estando já passados quase dois anos que se queimaram pessoas em Lisboa,
10 está o Rossio cheio de povo, duas vezes em festa por ser domingo e haver
auto de fé, nunca se chegará a saber de que mais gostam os moradores,
se disto, se das touradas, mesmo quando só estas se usarem. […]
Grita o povinho furiosos impropérios5 aos condenados, guincham as
mulheres debruçadas dos peitoris, alanzoam6 os frades, a procissão é uma
15 serpente enorme que não cabe direita no Rossio […], aquele é Domingos
Afonso Lagareiro, natural e morador que foi em Portel, que fingia visões
para ser tido por santo, e fazia curas usando de bênçãos, palavras e cruzes,
e outras semelhantes superstições, imagine-se, como se tivesse sido ele o
primeiro, e aquele é o padre António Teixeira de Sousa, da ilha de S. Jorge,
20 por culpas de solicitar mulheres, maneira canónica de dizer que as apalpa-
va e fornicava, […] e esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus, um quarto de
cristã-nova, que tenho visões e revelações, mas disseram-me no tribunal
que era fingimento, que ouço vozes do céu, mas explicaram-me que era
efeito demoníaco, que sei que posso ser santa como os santos o são, ou
25 ainda melhor, pois não alcanço diferença entre mim e eles, mas repreende-
ram-me de que isso é presunção insuportável e orgulho monstruoso,
227
José Saramago
desafio a Deus, aqui vou blasfema, herética, temerária, amordaçada para que não me ouçam
as temeridades, as heresias e as blasfémias, condenada a ser açoitada em público e a oito anos
de degredo no reino de Angola, e tendo ouvido as sentenças, as minhas e mais de quem co-
30 migo vai nesta procissão, não ouvi que se falasse da minha filha, é seu nome Blimunda, onde
estará, onde estás Blimunda, se não foste presa depois de mim, aqui hás de vir saber da tua
mãe, […] ai, ali está, Blimunda, Blimunda, Blimunda, filha minha, e já me viu, e não pode
falar, tem de fingir que me não conhece ou me despreza, mãe feiticeira e marrana7 ainda que
apenas um quarto, já me viu, e ao lado dela está o padre Bartolomeu Lourenço, não fales
35 Blimunda, olha só, olha com estes teus olhos que tudo são capazes de ver, e aquele homem
quem será, tão alto, que está perto de Blimunda e não sabe, ai não sabe não, quem é ele, don-
de vem, que vai ser deles, poder meu, pelas roupas soldado, pelo rosto castigado, pelo pulso
cortado, adeus Blimunda que não te verei mais, e Blimunda disse ao padre, Ali vai minha mãe,
e depois, voltando-se para o homem alto que lhe estava perto, perguntou, Que nome é seu, e
40 o homem disse, naturalmente, assim reconhecendo o direito de esta mulher lhe fazer per-
guntas, Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis.
228
Memorial do convento
pudeste falar, Sei que sei, não sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze
9 benzeu-se
como fizeste, vieste e não perguntaste porquê, E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui,
75 Hei de ir para Mafra, tenho lá família, Mulher, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será
sempre tempo de partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me
convença, Se não quiseres ficar, vai-te embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me
levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei,
Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizes-
80 te, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo.
Deitaram-se. Blimunda era virgem. Que idade tens, perguntou Baltasar, e Blimunda res-
pondeu, Dezanove anos, mas já então se tornara muito mais velha. Correu algum sangue
sobre a esteira. Com as pontas dos dedos médio e indicador humedecidos nele, Blimunda
persignou-se9 e fez uma cruz no peito de Baltasar, sobre o coração. Estavam ambos nus. […]
85 Quando, de manhã, Baltasar acordou, viu Blimunda deitada ao seu lado, a comer pão, de
olhos fechados. Só os abriu, cinzentos àquela hora, depois de ter acabado de comer, e disse,
Nunca te olharei por dentro.
2 Considere o enunciado “Porém, agora, em sua casa, choram os olhos de Blimunda” (l. 42).
2.1 Classifique o mecanismo de coesão textual assegurado pelo vocábulo “Porém”.
2.2 Identifique os processos fonológicos ocorridos na evolução de OCULU- para “olho”.
2.3 Indique a função sintática desempenhada pelo segmento “os olhos de Blimunda”.
229
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
230
que um gancho faz melhor que a mão completa, um gancho
não sente dores se tiver de segurar um arame ou um ferro, nem
30 se corta, nem se queima, e eu te digo que maneta é Deus, e fez
o universo.
Baltasar recuou assustado, persignou-se rapidamente, […]
Que está a dizer, padre Bartolomeu Lourenço, onde é que se es-
creveu que Deus é maneta, Ninguém escreveu, não está escrito,
35 só eu digo que Deus não tem a mão esquerda, porque é à sua
direita, à sua mão direita, que se sentam os eleitos, não se fala
nunca da mão esquerda de Deus, nem as Sagradas Escrituras, nem os Doutores da Igreja, à
esquerda de Deus não se senta ninguém, é o vazio, o nada, a ausência, portanto Deus é maneta.
Respirou fundo o padre, e concluiu, Da mão esquerda.
40 Sete-Sóis ouvira com atenção […], e, levantando um pouco os braços, disse, Se Deus é ma-
neta e fez o universo, este homem sem mão pode atar a vela e o arame que hão de voar.
1 antigo soldado que deu guarida a Baltasar, num telheiro, na primeira noite
em que este chegou a Lisboa (ver cap. IV)
1 Refira o sentimento de Bartolomeu Lourenço quanto à alcunha que lhe foi atribuída.
“e, assim como o homem, bicho da terra, se faz marinheiro por necessidade, por
necessidade se fará voador” (ll. 20-21). Consulte abaixo a rubrica “Informação”.
INFORMAÇÃO
Intertextualidade
[Em Memorial do convento, assiste-se à] exploração da intertextualidade e da multiplici-
dade de discursos referentes quer à História quer à ficção, já que encontramos referências
a diversos outros escritores, sendo as camonianas e pessoanas utilizadas com o intuito
de produzir um discurso antiépico, que desmascare a fragilidade do presente, evocando
5 coisas já escritas e já lidas.
Teresa Azinheira Conceição Coelho, Uma leitura de Memorial do convento de José Saramago,
Lisboa, Bertrand Editora, 2.ª ed., 1995, pp. 53-54 (adaptado e com supressões).
CONSTRUIR SENTIDOS
231
José Saramago
O sonho
E
vocando a faculdade potenciadora do
imaginário e da fantasia, o sonho apre-
senta-se como um processo psicofisio-
lógico em que uma sequência de
5 imagens e vivências, que ocorrem du-
rante o sono, se articulam numa estrutura de asso-
ciações figurativas, assumindo, pois, a forma de uma
linguagem simbólica.
Embora as perspetivas psicológicas e filosóficas
10 nem sempre tenham sido consensuais e tenham so-
frido alterações e adaptações perante as ideologias e
o pensamento vigente em cada período da história,
assistiu-se sempre a uma tentativa de compreender
e interpretar o processo onírico, estabelecendo a sua
15 importância e a sua especificidade.
Na Antiguidade, o sonho era considerado um espa-
ço de contacto com o sobrenatural e com os deuses
que aconselhavam e orientavam o homem, revelando Henri Matisse, O sonho, 1940.
232
Memorial do convento
GRAMÁTICA
b. “simbólica” (l. 8)
b. “A viagem de Vasco da Gama é disso mesmo exemplo, ou seja, do sonho dos ho-
mens em encontrar o Paraíso Terrestre” (ll. 50-52)
233
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
1 astuto
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
FAZ SENTIDO SABER Leia os excertos que se seguem. Se necessário, consulte as notas.
De acordo com Charles
Fréderic de Merveilleux, A tríade
existiria uma rapariga
portuguesa que residia
em Lisboa, que tinha
nascido com uns olhos Excerto 1 | Cap. VIII (pp. 79-82)
que bem podia dizer-se
de lince e que possuía,
Dorme Baltasar no lado direito da enxerga, desde a primeira noite aí dorme, porque é
desde a mais tenra idade, desse lado o seu braço inteiro, e ao voltar-se para Blimunda pode, com ele, cingi-la contra si,
o dom de ver o interior do correr-lhe os dedos desde a nuca até à cintura, mais abaixo ainda se os sentidos de um e do
corpo humano bem como
outro despertaram no calor do sono e na representação do sonho, ou já acordadíssimos iam
as entranhas da terra.
Este dom maravilhoso só 5 quando se deitaram, que este casal, ilegítimo por sua própria vontade, não sacramentado na
o usufruía quando estava igreja, cuida pouco de regras e respeitos, e se a ele apeteceu, a ela apetecerá, e se ela quis,
em jejum. Nas mudanças quererá ele. […] Um dia e outro dia perguntou Baltasar a Blimunda por que comia todas as
de quarto de lua, a sua
manhãs antes de abrir os olhos, perguntou ao padre Bartolomeu Lourenço que segredo era
visão era perturbada
por uma quantidade de este, ela respondeu-lhe uma vez que se acostumara a isso em criança, ele disse que se trata-
pequenas partículas que 10 va de um grande mistério, tão grande que voar faria figura de pequena coisa, comparando.
lhe pareciam amarelas Hoje se saberá.
e lhe causavam uma
tal turvação que era
Quando Blimunda acorda, estende a mão para o saquitel1 onde costuma guardar o pão,
obrigada a tapar os olhos. pendurado à cabeceira, e acha apenas o lugar. Tateia o chão, a enxerga, mete as mãos por
A seguir perdia, durante baixo da travesseira, e então ouve Baltasar dizer, Não procures mais, não encontrarás, e ela,
algum tempo, a sua
15 cobrindo os olhos com os punhos cerrados, implora. Dá-me o pão, Baltasar, dá-me o pão,
singular faculdade.
por alma de quem lá tenhas, Primeiro me terás de dizer que segredos são estes, Não posso,
Charles Fréderic de
Merveilleux, in Figuras gritou ela, e bruscamente tentou rolar para fora da enxerga, mas Sete-Sóis deitou-lhe o
da ficção (coord. Carlos braço são, prendeu-a pela cintura, ela debateu-se brava, […] tornou a gritar, espavorida, Não
Reis), Coimbra, Centro de me faças isso, e foi o grito tal que Baltasar a largou, assustado, quase arrependido da vio-
Literatura Portuguesa,
20 lência, Eu não te quero fazer mal, só queria saber que mistérios são, Dá-me o pão, e eu
2006, p. 47 (adaptado e
com supressões). digo-te tudo, […] Aí tens, come, e Baltasar tirou o taleigo2 de dentro do alforge que lhe ser-
via de travesseira. […]
Lembras-te da primeira vez que dormiste comigo, teres dito que te olhei por dentro, Lem-
bro-me, Não sabias o que estavas a dizer, nem soubeste o que estavas a ouvir quando eu disse
1 saquinho; 2 saco 25 que nunca te olharia por dentro. Baltasar não teve tempo de responder, ainda procurava
234
Memorial do convento
o sentido das palavras, e outras já se ouviam no quarto, incríveis, Eu posso olhar por dentro
das pessoas.
Sete-Sóis soergueu-se na enxerga, incrédulo, e também inquieto, Estás a mangar comi-
go, ninguém pode olhar por dentro das pessoas, Eu posso, Não acredito, Primeiro, quiseste
30 saber, não descansavas enquanto não soubesses, agora já sabes e dizes que não acreditas,
antes assim, mas daqui para o futuro não me tires o pão, Só acredito se fores capaz de dizer
o que está dentro de mim agora, Não vejo se não estiver em jejum, além disso fiz promessa
de que a ti nunca te veria por dentro, Torno a dizer que estás a mangar comigo, E eu torno
a dizer que é verdade, Como hei de ter a certeza, Amanhã não comerei quando acordar,
35 sairemos depois de casa e eu vou-te dizer o que vir, mas para ti nunca olharei, nem te porás
na minha frente, queres assim, Quero, respondeu Baltasar, mas diz-me que mistério é este,
como foi que te veio esse poder, se não estás a enganar-me, Amanhã saberás que falo ver-
dade, E não tens medo do Santo Ofício, por muito menos têm outros pagado, O meu dom
não é heresia, nem é feitiçaria, os meus olhos são naturais, Mas a tua mãe foi açoitada e
40 degredada por ter visões e revelações, aprendeste com ela, Não é a mesma coisa, eu só vejo
o que está no mundo, não vejo o que é de fora dele, céu ou inferno, não digo rezas, não faço
passes de mãos, só vejo, Mas persignaste-te com o teu sangue e fizeste-me com ele uma
cruz no peito, se isso não é feitiçaria, Sangue da virgindade é água de batismo, soube que
o era quando me rompeste, e quando o senti correr adivinhei os gestos, Que poder é esse
45 teu, Vejo o que está dentro dos corpos, e às vezes o que está no interior da terra, vejo o que
está por baixo da pele, e às vezes mesmo por baixo das roupas, mas só vejo quando estou
em jejum, perco o dom quando muda o quarto da lua, mas volta logo a seguir, quem me
dera que o não tivesse, Porquê, Porque o que a pele esconde nunca é bom de ver-se, Mesmo
a alma, já viste a alma, Nunca a vi, Talvez a alma não esteja afinal dentro do corpo, Não sei,
50 nunca a vi […].
235
José Saramago
236
Memorial do convento
1.7 Exponha a decisão tomada pelo padre, apontando as razões que a justificam (excerto 5).
1.8 Caracterize a ligação existente entre Bartolomeu, Blimunda e Baltasar, relacio-
nando-a com os seus nomes (excertos 5 e 6).
1 Escreva um texto de opinião, entre 250 e 300 palavras, sobre a importância dos avan-
ços técnico-científicos para o progresso e para a evolução humana.
O seu texto deve respeitar as marcas deste género textual e conter:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual apresente uma argumentação pertinente;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
Verifique o encadeamento lógico dos tópicos tratados e o correto uso dos mecanis-
mos de coesão textual.
237
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
238
Memorial do convento
Blimunda ainda não comeu, e ela, da sombra maior das roupas, respondeu, Não comi […]. que as beatas tapam o rosto
Diz o padre Bartolomeu Lourenço, […] na Holanda soube o que é o éter, não é aquilo que
geralmente se julga e ensina, e não se pode alcançar pelas artes da alquimia, para ir buscá-lo
35 lá onde ele está, no céu, teríamos nós de voar e ainda não voamos, mas o éter, deem agora
muita atenção ao que vou dizer-lhes, antes de subir aos ares para ser o onde as estrelas se
suspendem e o ar que Deus respira, vive dentro dos homens e das mulheres, Nesse caso, é a
alma, concluiu Baltasar, Não é, também eu, primeiro, pensei que fosse a alma, também pensei
que o éter, afinal, fosse formado pelas almas que a morte liberta do corpo, antes de serem
40 julgadas no fim dos tempos e do universo, mas o éter não se compõe das
almas dos mortos, compõe-se, sim, ouçam bem, das vontades dos vivos. […]
Disse o padre, Dentro de nós existem vontade e alma, a alma retira-se
com a morte, vai lá para onde as almas esperam o julgamento, ninguém
sabe, mas a vontade, ou se separou do homem estando ele vivo, ou a sepa-
45 ra dele a morte, é ela o éter, é portanto a vontade dos homens que segura
as estrelas, é a vontade dos homens que Deus respira, E eu que faço, per-
guntou Blimunda, mas adivinhava a resposta, Verás a vontade dentro das
pessoas, Nunca a vi, tal como nunca vi a alma, Não vês a alma porque a
alma não se pode ver, não vias a vontade porque não a procuravas, Como é
50 a vontade, É uma nuvem fechada, Que é uma nuvem fechada, Reconhecê-
-la-ás quando a vires, experimenta com Baltasar, para isso viemos aqui,
Não posso, jurei que nunca o veria por dentro, Então comigo.
Blimunda levantou a cabeça, olhou o padre, viu o que sempre via, mais
iguais as pessoas por dentro do que por fora, só outras quando doentes,
55 tornou a olhar, disse, Não vejo nada. O padre sorriu, Talvez que eu já não
tenha vontade, procura melhor, Vejo, vejo uma nuvem fechada sobre a boca
do estômago. O padre persignou-se, Graças, meu Deus, agora voarei. Tirou
do alforge um frasco de vidro que tinha presa ao fundo, dentro, uma pas-
tilha de âmbar amarelo, Este âmbar, também chamado eletro, atrai o éter,
60 andarás sempre com ele por onde andarem pessoas, em procissões, em
autos de fé, aqui nas obras do convento, e quando vires que a nuvem vai
sair de dentro delas, está sempre a suceder, aproximas o frasco aberto, e a
vontade entrará nele, E quando estiver cheio, Tem uma vontade dentro, já
está cheio, mas esse é o indecifrável mistério das vontades, onde couber
65 uma, cabem milhões, o um é igual ao infinito, E que faremos entretanto,
239
José Saramago
2 escavação para
perguntou Baltasar, Vou para Coimbra de lá, a seu
assentamento de alicerces; tempo, mandarei recado, então irão os dois para
3 fundador de uma heresia Lisboa, tu construirás a máquina, tu recolherás as
vontades, encontrar-nos-emos os três quando che-
70 gar o dia de voar, abraço-te Blimunda, […] abraço-te
Baltasar, até à volta.
240
Memorial do convento
Scarlatti não me gabo de saber dessa arte, mas estou que até um índio da minha terra, que
105 dela sabe ainda menos do que eu, haveria de sentir-se arrebatado por essas harmonias celes-
tes, Porventura não, respondeu o músico, porque bem sabido é que há de o ouvido ser edu-
cado se quer estimar os sons musicais, […] São palavras ponderadas, essas, que emendam as
levianas minhas, é um defeito comum nos homens, mais facilmente dizerem o que julgam
querer ser ouvido por outrem do que cingirem-se à verdade, Porém, para que os homens
110 possam cingir-se à verdade, terão primeiramente de conhecer os erros, E praticá-los, Não
saberei responder à pergunta com um simples sim ou um simples não, mas acredito na ne-
cessidade do erro. […]
Tendes razão, disse o padre, mas, desse modo não está o homem livre de julgar abraçar
a verdade e achar-se cingido com o erro, Como livre também não está de supor abraçar o erro
115 e encontrar-se cingido com a verdade, respondeu o músico, e logo disse o padre, Lembrai-vos
de que quando Pilatos perguntou a Jesus o que era a verdade, nem ele esperou pela resposta,
nem o Salvador lha deu, Talvez soubessem ambos que não existe resposta para tal pergunta,
Caso em que, sobre esse ponto, estaria Pilatos sendo igual de Jesus, Derradeiramente, sim […].
241
José Saramago
Disse o padre Bartolomeu Lourenço, Não irei revelar o segredo último do voo, mas, tal
como escrevi na petição e memória, toda a máquina se moverá por obra de uma virtude
atrativa contrária à queda dos graves, se eu largar este caroço de cereja, ele cai para o chão,
150 ora, a dificuldade está em encontrar o que o faça subir, E encontrou, O segredo descobri-o eu,
quanto a encontrar, colher e reunir é trabalho de nós três, É uma trindade terrestre, o pai,
o filho e o espírito santo, Eu e Baltasar temos a mesma idade, trinta e cinco anos, não pode-
ríamos ser pai e filho naturais, isto é, segundo a natureza, mais facilmente irmãos, mas,
sendo-o, gémeos teríamos de ser, ora ele nasceu em Mafra, eu no Brasil, e as parecenças são
155 nenhumas, Quanto ao espírito, Esse seria Blimunda, talvez seja ela a que mais perto estaria
de ser parte numa trindade não terrenal […].
1 Atente no excerto 1.
1.1 Justifique a intertextualidade presente logo no início do excerto com a parábola
do “Filho Pródigo” (consulte a rubrica “Faz sentido saber”, p. 238).
1.2 Assinale a intenção crítica associada à venda da terra na Vela por parte do pai
de Baltasar.
3 Considere os excertos 6 a 9.
3.1 Demonstre de que forma o novo nome de Bartolomeu Lourenço espelha a socie-
dade do seu tempo.
3.2 Explicite a dúvida que começa a surgir no padre, apresentando as duas situações
que o levaram a esse estado.
3.3 Explique a simbologia da tríade Blimunda, Baltasar e Bartolomeu, considerando
o papel de cada um deles na construção da passarola e a analogia que Scarlatti
estabelece entre eles e a Santíssima Trindade.
4 Explique como nestes excertos se verifica o cruzamento entre várias linhas de ação.
1 Atente no segmento “abraçou-o com uma força que parecia de homem e era só
do coração” (ll. 5-6, excerto 1).
1.1 Refira a função sintática desempenhada pelo pronome pessoal “o”.
1.2 Identifique o mecanismo de coesão textual assegurado por esse pronome.
1.3 Classifique a oração “que parecia de homem”.
1.4 Indique duas palavras portuguesas que provenham do étimo latino CORDE-,
que designava “coração”.
242
Memorial do convento
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
A vontade e a loucura
243
José Saramago
244
Memorial do convento
de ser salvo de um grande perigo, não este que parecia pelas primeiras palavras que disse, Só
tenho estado à espera de que Baltasar viesse para me matar, julgaríamos que temeu pela sua
própria vida, e não é verdade, Não se faria justiça mais justa contra mim, Blimunda, se tives-
70 ses morrido, O senhor Escarlate sabia que eu estava melhor, Não o quis procurar, e quando
me procurou ele inventei pretextos para não o receber, fiquei à espera do meu destino,
O destino chega sempre, disse Baltasar, não ter morrido Blimunda foi meu e nosso bom des-
tino, e agora que faremos, […] se enfim se concluiu o nosso trabalho, qual será o destino dele
e de nós, padre Bartolomeu Lourenço. O padre tornou-se mais pálido, olhou em redor como
75 se temesse que alguém estivesse ouvindo, depois respondeu, Terei de informar el-rei de que
a máquina está construída, mas antes haveremos de experimentá-la, não quero que tornem
a rir-se de mim, como há quinze anos fizeram, agora voltem para a quinta, breve lá irei. […]
Deite-nos a sua bênção, padre, Não posso, não sei em nome de que Deus a deitaria, abençoem-
-se antes um ao outro, é quanto basta, pudessem ser todas as bênçãos como essa.
245
José Saramago
Blimunda abriu a arca, retirou umas roupas, Estão aqui, e Baltasar perguntou, Que vamos
fazer. O padre tremia todo, mal podia sustentar-se de pé, Blimunda amparou-o, Que faremos,
repetiu, e ele gritou, Vamos fugir na máquina […].
246
Memorial do convento
ainda as tem um homem que quis deitar fogo a um sonho. O tempo passava, o padre não
reaparecia. Baltasar foi buscá-lo. Não estava. Chamou por ele, não teve resposta.
ORALIDADE EXPRESSÃO
247
José Saramago
Leia o texto.
E
m 2019, a Assembleia da República apro-
vou, por unanimidade, a instituição de 22
de junho como o Dia da Liberdade Religio-
sa e do Diálogo Inter-religioso.
5 Andou bem o Parlamento ao perpetuar
de tal forma essa lei estruturante do regime demo-
crático. É que há um conjunto próprio de aspetos fun-
damentais que caracterizam a maneira como a nossa
Constituição, leis e instituições se ocupam da liberda-
10 de religiosa.
O primeiro é que ela é um direito pessoal fundamen- o contributo incalculável das confissões, em particular
tal. A adesão a um credo e estrutura religiosa não é uma da Igreja Católica, em áreas fundamentais para a coe-
consequência do passado, da família ou do entorno so- são nacional – designadamente na solidariedade so-
cial, que prevaleceria sobre os indivíduos, mas uma li- cial, no apoio às famílias, no cuidado pelos mais velhos.
15 berdade essencial de cada um deles. Uma liberdade 45 A sua força económica, cultural e espiritual também é
bem entendida: a liberdade de consciência, ou seja, de justamente considerada. Por isso, o Estado laico, sem
pensar, sentir e julgar por si próprio, agindo em confor- deixar de sê-lo, valoriza a presença das religiões no
midade; logo, a liberdade de crença, que é a de enunciar espaço público, integra-as no grande quadro democrá-
o que se pensa e sente como um saber e uma atitude tico, coopera com todas e, sem ferir o pluralismo e a
20 religiosa específica; e, logo, a liberdade de culto, que é 50 igualdade, reconhece o peso próprio da Igreja social-
a de se juntar com outros e de praticar sem receio, coa- mente mais representativa.
ção ou limitação, os atos correspondentes a tal crença. Julgo, não – muitos julgam. E prova disso é o pro-
Esta liberdade não se circunscreve à escolha entre tagonismo crescente de Portugal nas atividades inter-
as religiões. É, crucialmente, a liberdade de decidir ter nacionais de diálogo inter-religioso. Que Jorge Sampaio
25 ou não ter religião, ter e deixar de ter religião, mudar de 55 tanto estimulou enquanto primeiro representante para
religião, opinar sobre o fenómeno e as fés religiosas, a Aliança das Civilizações. Que o Centro Norte-Sul do
examinar criticamente os seus fundamentos e preten- Conselho da Europa, estabelecido em Lisboa, há vários
sões, sem ser impedido ou penalizado por isso. E, não anos promove. Que a escolha da nossa capital para a
menos importante, é a liberdade de cada um e cada sede mundial do Imamat Ismaeli tão bem simbolizou.
30 uma, nas decisões que lhe digam respeito, não ter de se 60 E que tem agora uma nova valência, com a instalação
conformar, total ou parcialmente, se o não quiser, com em curso, entre nós, do KAICIID (Centro Rei Abdullah
os preceitos da sua religião. para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural, que junta,
Em terceiro lugar, também aqui liberdade quer dizer além de Portugal, a Arábia Saudita, a Áustria, a Espa-
pluralismo – como aceitação e valorização da diversi- nha e o Vaticano).
35 dade das consciências, das crenças e dos cultos – e 65 Liberdade de religião, igualdade entre religiões, diá-
igualdade entre as várias religiões, as quais dispõem do logo das religiões entre si e com toda a sociedade, em
mesmo direito a existir, divulgar-se, agir e participar na clima de tolerância e respeito mútuo: não são esses
sociedade, sem constrangimento ou discriminação. bons motivos para celebrar este dia?
Portugal deve orgulhar-se de ser um dos países do Augusto Santos Silva, in https://www.parlamento.pt,
40 mundo com maior liberdade religiosa. E de contar com consultado em 01/12/2022 (com supressões).
248
Memorial do convento
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.5, selecione a opção correta.
1.1 Dos aspetos fundamentais que caracterizam a maneira como no nosso país é vista
a liberdade religiosa destaca-se o facto de a
A. liberdade política ser um direito pessoal fundamental.
B. adesão a um credo ser uma consequência do passado de cada um.
C. liberdade de pensar e de julgar por si próprio ser um direito de cada um.
D. liberdade de culto e de coação serem direitos fundamentais humanos.
1.2 A afirmação “Esta liberdade não se circunscreve à escolha entre religiões” (ll. 23-24),
significa que
A. a opção religiosa de cada um deve ir ao encontro das crenças familiares.
B. se deve opinar, sem escrúpulos, sobre as diferentes fés religiosas.
C. todos devem aceitar os fundamentos religiosos da sua comunidade.
D. a liberdade de decidir ter ou não religião e de ser crítico tem de ser respeitada.
1.3 Quando o autor do texto encara a liberdade como uma forma de “pluralismo”,
pretende
A. afirmar que todos somos seres diferentes e únicos e, mesmo não sendo todos
iguais, temos de obedecer à norma padrão das sociedades.
B. reivindicar a necessidade de todos os cidadãos do mesmo país adotarem cren-
ças, costumes e cultos religiosos iguais.
C. confirmar a uniformidade da sociedade em que vivemos, onde se assiste ao
comungar das mesmas crenças religiosas entre indivíduos.
D. evidenciar a importância da aceitação e valorização de diferentes e diversas
crenças, culturas e cultos religiosos.
1.4 Portugal é, na atualidade, um dos países com maior liberdade religiosa sendo que
A. o Estado laico promove a integração das diferentes religiões no quadro demo-
gráfico, valorizando a sua presença no espaço público.
B. a força económica, cultural e espiritual da Igreja é crucial para assegurar a
presença de uma só religião em cada cidade ou conjunto de cidades.
C. o contributo das confissões, em particular da Igreja Evangélica, para a coope-
ração e coesão nacionais, é incalculável.
D. o respeito pelo pluralismo e pela igualdade são máximas respeitadas incondi-
cionalmente em todo o país, por existir uma religião dominante.
249
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
Maria Joaquina Nobre Júlio, Memorial do convento de José Saramago: subsídios para uma leitura,
Lisboa, Replicação, 1999, p. 43.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
250
20 Saiu o músico a visitar o convento e viu Blimunda, disfarçou
um, o outro disfarçou, que em Mafra não haveria morador que
não estranhasse, e estranhando não fizesse logo seus juízos mui-
to duvidosos, ver a mulher do Sete-Sóis conversando de igual
com o músico que está em casa do visconde, que terá ele vindo
25 cá fazer, ora veio ver as obras do convento, para quê se não é pe-
dreiro nem arquiteto, para organista ainda o órgão nos falta, isso
a razão há de ser outra, Vim-te dizer, e a Baltasar, que o padre
Bartolomeu de Gusmão morreu em Toledo, que é em Espanha,
para onde tinha fugido, dizem que louco, e como não se falava de
30 ti nem de Baltasar, resolvi vir a Mafra saber se estavam vivos.
251
José Saramago
Vão as formigas ao mel, ao açúcar derramado, ao maná que cai do céu, são quê, quantas,
talvez umas vinte mil […].
252
Memorial do convento
253
José Saramago
1 Atente no excerto 1.
1.1 Exponha as condições a que os trabalhadores das obras do convento estavam
sujeitos.
1.2 Explique a intenção do narrador quando afirma “se Cristo em pessoa andou pelo
mundo, aqui não chegou, porque nesse caso teria sido no alto da Vela o seu cal-
vário” (ll. 12-13).
254
Memorial do convento
4.5 Explique a visão crítica subjacente ao sermão pregado pelo padre no dia seguinte
à morte de Francisco Marques (excerto 6).
que transportaram a pedra quanto à forma como o seu trabalho foi reconhecido.
CONSTRUIR SENTIDOS
1.2 Relacione a história contada por Manuel Milho com a relação do rei e da rainha
e com os trabalhadores que transportaram a pedra.
255
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
Símbolo da prepotência de um rei caprichoso que não sabia como delapidar as imensas
FAZ SENTIDO SABER
riquezas que lhe chegavam do Brasil e da Índia, o convento de Mafra, réplica da basílica
O convento de Mafra
de S. Pedro em Roma, que D. João quis, mas não pôde imitar em Lisboa, é a expressão,
começou por ser um
projeto de pequenas que ficou para a História, de uma época de contradições, de aparências, de perversos
dimensões, para albergar conluios entre a política e a religião, o poder do rei absoluto e da Igreja, também ela ab-
13 frades com voto de soluta. Este aspeto é francamente denunciado no romance com a ironia, o sarcasmo, que
pobreza, no entanto,
acabou por ser um
caracterizam a escrita do autor quando os temas sobre os quais se debruça, e este é, sem
imponente testemunho dúvida, um deles, a isso o convidam.
da promessa de D. João V, Mas se os podres da alta sociedade civil e eclesiástica do séc. XVIII são francamente
pelo nascimento
denunciados, os simples e os pobres, os que, por motivos hoje irrisórios, eram condena-
de um filho.
A partir da primeira dos aos autos de fé, e os milhares de trabalhadores que, a suor e sangue, alguns ao
pedra, lançada no dia preço da própria vida, construíram o convento, são objeto [de] compaixão.
17 de novembro de
1717, a aldeia ficaria Maria Joaquina Nobre Júlio, Memorial do convento de José Saramago: subsídios para uma leitura,
outra, transformada num Lisboa, Replicação, 1999, pp. 29-30.
enorme estaleiro onde
iriam trabalhar cerca
de 45 mil operários e
sete mil soldados: já não
era apenas um convento EDUCAÇÃO LITERÁRIA
para franciscanos que
estava a ser erguido, Leia os excertos que se seguem. Se necessário, consulte as notas.
mas um grandioso e
complexo edifício capaz
de acomodar centenas A megalomania do rei
de hóspedes.
Treze anos depois
do início da construção, Excerto 1 | Cap. XXI (pp. 309-310 e 312)
obra inicialmente a cargo
do arquiteto alemão D. João V mandou chamar o arquiteto de Mafra, um tal João Frederico Ludovice, que é ale-
Frederico Ludovice, mas mão escrito à portuguesa, e disse-lhe sem outros rodeios, É minha vontade que seja construída
a quem se seguiriam
depois outros arquitetos,
na corte uma igreja como a de S. Pedro de Roma, […]. Ora, a um rei nunca se diz não, e este
ficou a basílica pronta Ludovice […] sabe que uma vida, para ser bem-sucedida, haverá de ser conciliadora […]. Porém,
para o aniversário 5 há limites, este rei não sabe o que pede, é tolo, é néscio, se julga que a simples vontade, mesmo
do rei, porém, seriam
real, faz nascer um Bramante, um Rafael, um Sangallo, um Peruzzi, um Buonarroti,
necessários muitos anos
de trabalho até à sua um Fontana, um Della Porta, um Maderno1, se julga que basta vir dizer-me, a mim, […] Que-
execução principal estar ro S. Pedro, e S. Pedro aparece feito, quando eu o que sei fazer é só Mafras, […] o que é preci-
concluída, em 1744. so é dar-lhe a boa resposta, aquele não que mais lisonjeia do
O monumento possui uma
10 que o sim lisonjearia, […] A vontade de vossa majestade
fachada com mais de
230 metros de é digna do grande rei que mandou edificar Mafra,
comprimento, 4500 portas porém, as vidas são breves, majestade, e S. Pedro,
e janelas, 880 quartos entre a bênção da primeira pedra e a consagra-
e salas, torres com
62 metros de altura
ção, consumiu cento e vinte anos de trabalhos
e mais de 200 toneladas 15 e riquezas, vossa majestade, que eu saiba,
de sinos dos icónicos nunca lá esteve, julga pelo modelo de armar
carrilhões que ainda
que aí tem, talvez nem daqui a duzentos e
tocam em dias de festa.
In quarenta anos o conseguíssemos, estaria vos-
https://ensina.rtp.pt sa majestade morta, mortos estariam vossos
(adaptado e com 20 filho, neto, bisneto, trineto e tetraneto, o que eu
supressões).
pergunto, com todo o respeito, é se vale a pena
256
estar a construir uma basílica que só ficará terminada no ano dois mil, supondo
que nessa altura ainda há mundo, no entanto vossa majestade decidirá […].
Enfim o rei bate na testa, resplandece-lhe a fronte, rodeia-a o nimbo2 da inspira-
25 ção, E se aumentássemos para duzentos frades o convento de Mafra, quem diz du-
zentos, diz quinhentos, diz mil, estou que seria uma ação de não menor grandeza que
a basílica que não pode haver. O arquiteto ponderou, Mil frades, quinhentos frades,
é muito frade, majestade, acabávamos por ter de fazer uma igreja tão grande como
a de Roma, para lá poderem caber todos, Então, quantos, Digamos trezentos, e mes-
30 mo assim já vai ser pequena para eles a basílica que desenhei e está a ser construída,
com muitos vagares, se me é permitido o reparo, Sejam trezentos, não se discute mais, é esta a
minha vontade […].
1 artistas conceituados;
2 círculo luminoso, auréola;
Excerto 2 | Cap. XXI (pp. 313-314)
3 tesoureiro da casa real;
[F]icou o rei, que está em sua casa, agora esperando que regresse o almoxarife3 que foi pelos 4 livro que tem o formato de
folhas de impressão dobradas
livros da escrituração, e quando ele volta pergunta-lhe, depois de colocados sobre
uma vez, resultando em duas
35 a mesa os enormes infólios4, Então diz-me lá como estamos de deve e haver. O guarda-livros […] folhas que formam quatro
contenta-se com dizer, Saiba vossa majestade que, haver, havemos cada vez menos, páginas
e dever, devemos cada vez mais, Já o mês passado me disseste o mesmo, E também o outro mês,
e o ano que lá vai, por este andar ainda acabamos por ver o fundo ao saco, majestade, Está longe
daqui o fundo dos nossos sacos, um no Brasil, outro na Índia, quando se esgotarem vamos sabê-lo
40 com tão grande atraso que poderemos então dizer, afinal estávamos pobres e não sabíamos, Se
vossa majestade me perdoa o atrevimento, eu ousaria dizer que estamos pobres e sabemos […].
257
José Saramago
65 estaria apodrecendo em S. Vicente de Fora […]. Estavam os circunstantes olhando o rei […]. Todos
esperavam. E então D. João V disse, A sagração da basílica de Mafra será feita no dia vinte e dois
de outubro de mil setecentos e trinta, tanto faz que o tempo sobre como falte, venha sol ou venha
chuva, caia a neve ou sopre o vento, nem que se alague o mundo ou lhe dê o tranglomango5. […]
Ordeno que a todos os corregedores do reino se mande que reúnam e enviem para Mafra
70 quantos operários se encontrarem nas suas jurisdições, sejam eles carpinteiros, pedreiros ou
braçais, retirando-os, ainda que por violência, dos seus mesteres, e que sob nenhum pretexto os
deixem ficar, não lhes valendo considerações de família, dependência ou anterior obrigação, por-
que nada está acima da vontade real, salvo a vontade divina, e a esta ninguém poderá invocar, que
o fará em vão, porque precisamente para serviço dela se ordena esta providência, tenho dito. […]
75 Foram as ordens, vieram os homens. De sua própria vontade alguns, aliciados pela pro-
messa de bom salário, por gosto de aventura outros, por desprendimento de afetos também,
à força quase todos. […]
Já vai andando a récua6 dos homens de Arganil, acompanham-nos até fora da vila as infeli-
zes, que vão clamando, qual em cabelo, Ó doce e amado esposo, e outra protestando, Ó filho,
80 a quem eu tinha só para refrigério e doce amparo desta cansada já velhice minha, não se aca-
bavam as lamentações, tanto que os montes de mais perto respondiam, quase movidos de alta
piedade, enfim já os levados se afastam, vão sumir-se na volta do caminho, rasos de lágrimas
os olhos, em bagadas caindo aos mais sensíveis, e então uma grande voz se levanta, é um labre-
go de tanta idade já que o não quiseram, e grita subido a um valado que é púlpito de rústicos,
85 Ó glória de mandar, ó vã cobiça, ó rei infame, ó pátria sem justiça, e tendo assim clamado, veio
dar-lhe o quadrilheiro7 uma cacetada na cabeça, que ali mesmo o deixou por morto.
5 qualquer doença ou mal; 6 fileira de bestas de carga; 7 soldado que fazia a ronda das ruas
CONSTRUIR SENTIDOS
258
Memorial do convento
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
O desencontro e o encontro
259
José Saramago
sei eu, aquele além e aquela são pai e filha que vieram por culpas de
260
Memorial do convento
1 Demonstre de que forma Blimunda parece antever a desgraça que se vai abater so-
bre Baltasar (excerto 1).
3 Revele a importância da voz que Blimunda parecia ouvir, quando chegou a Lisboa,
para o desfecho da história.
2 Refira o modo de relato de discurso presente em “se pudesse combinar com os ami-
gos mais chegados, confiar-lhes metade do segredo” (ll. 17-18, excerto 2).
3 Classifique a oração “se tinham visto por ali um homem com estes e estes sinais”
(l. 35, excerto 4).
261
CONSOLIDAÇÃO
Memorial do convento
Visita virtual: • Resgate do esquecimento dos verdadeiros obreiros do convento
O Palácio-Convento de Mafra
(guia de exploração) • Homenagem ao povo (listagem de nomes de A a Z).
Jogo: #DesafioLiterário:
José Saramago • Construção que resulta da promessa feita pelo rei, caso a rainha engravidasse.
• Epopeia de um povo − enaltecimento da coragem e do esforço do povo português e denúncia
do sofrimento e dos sacrifícios por que teve de passar.
As linhas da ação
Primeira linha Promessa de edificação de um convento por D. João V.
Segunda linha Construção do convento pelo povo.
Terceira linha História de amor de Baltasar e Blimunda.
Quarta linha Sonho de Bartolomeu Lourenço de construção da passarola.
• Século XVIII
Tempo
• Reinado de D. João V
histórico
• 1711-1739
Visão crítica
• Megalomania do rei.
• Má gestão financeira.
• Falta de produtividade do reino.
• Opressão do povo pelos poderosos.
• Perseguição religiosa.
• Hipocrisia religiosa.
• Ignorância do povo.
• Corrupção da Justiça.
• Ausência de valores (adultério, incumprimento de votos de castidade, assassínios...).
262
Caracterização das personagens/Relação entre elas
Personagem histórica, que reinou em Portugal de 1706 a 1750. Casado com D. Maria Ana Josefa,
não se coibiu de ter relações adúlteras, das quais resultaram vários filhos bastardos. É o protótipo
D. João V do rei absolutista, megalómano, prepotente, caprichoso e displicente com a gestão das finanças.
Sente-se apavorado com a ideia da morte e, por isso, antecipa a inauguração do convento, fazendo
recair sobre o povo uma maior opressão.
Personagem histórica, de origem austríaca, casa com D. João V em 1708 e, durante alguns anos,
D. Maria revela dificuldades em engravidar. Para que a rainha engravide, garantindo a sucessão, o rei pro-
Ana Josefa mete edificar o convento de Mafra. Negligenciada pelo marido, torna-se extremamente devota e
refugia-se em sonhos libidinosos.
Personagem coletiva que desempenha o papel de herói da obra, ainda que possa assumir contornos
de anti-herói, sobretudo pelas características físicas que são apontadas a alguns dos seus mem-
bros – marrecos, zarolhos, manetas –, facto que acaba por valorizar ainda mais a sua importância.
Povo São os homens anónimos que Saramago pretende imortalizar (embora alguns deles, como Manuel
Milho ou Francisco Marques, surjam individualizados). Ainda que ignorantes, são os verdadeiros
obreiros da construção do convento. São o espelho da opressão, do sofrimento, do sacrifício e da
superação humana.
Personagem fictícia, embora haja registos de que viveu realmente em Mafra a família dos Sete-
-Sóis. Foi soldado na guerra da Sucessão de Espanha, onde perdeu a mão esquerda; foi o executor
Baltasar do projeto do padre Bartolomeu Lourenço e, mais tarde, trabalhou nas obras de edificação do con-
vento. Morre às mãos da Inquisição, queimado numa fogueira. É um homem simples, determinado,
destemido e leal.
Personagem fictícia, ainda que possa ser baseada numa figura real da época. Revela-se um ele-
mento ativo quer na relação que mantém com Baltasar quer na construção da passarola. Em jejum,
possui o dom de ver as pessoas por dentro, mas perde temporariamente essa capacidade quando
Blimunda
muda o ciclo lunar. Blimunda procura incessantemente Baltasar, durante nove anos, tornando-se
guardiã da sua vontade quando ele morre. É astuta, destemida, persistente e pouco convencional
para a época (sobretudo, no que respeita à relação amorosa).
Personagem histórica, de origem brasileira. Sob a proteção de D. João V, terá mesmo feito voar um
balão no paço. Na obra, surge como frade oratoriano, doutor em leis por Coimbra, funcionário da
Bartolomeu
Corte e mentor do projeto da passarola. Chega a pôr em causa os dogmas da Igreja; é perseguido
Lourenço
pela Inquisição, mas foge e morre, louco, em Espanha. É resiliente, de trato fácil, curioso, ambicio-
so, sonhador e visionário.
Personagem histórica, de origem italiana. É convidado por D. João V para ser o professor de música
da infanta D. Maria Bárbara e para assumir as funções de mestre da capela real. O padre Bartolo-
Domenico
meu Lourenço acaba por lhe confiar o segredo da passarola e, por isso, ele torna-se uma presença
Scarlatti
habitual na abegoaria. É ele que, através da sua música, consegue curar Blimunda quando esta
entra num estado de letargia. É fiel, sensível e sonhador.
263
CONSOLIDAÇÃO
Dimensão simbólica
Sonho/Vontade Força motora que conduz à evolução e ao progresso.
Pontuação
Os únicos sinais de pontuação usados por Saramago são o ponto final e a vírgula. É através desta e do
uso da maiúscula que o autor marca as falas em discurso direto, e é o contexto que ajuda o leitor a perceber
quando se trata de uma declaração, de uma exclamação ou de uma interrogação.
Discurso indireto “Veio a viúva do porteiro da maça dizer ao padre que tinha o jantar servido”. (cap. XIV)
“Pontualmente escrevera o padre Bartolomeu Lourenço quando se instalou em Coimbra, notícia
Discurso indireto
só de ter chegado e bem, mas agora viera uma nova carta, que sim, seguissem para Lisboa tão
livre
cedo pudessem”. (cap. XII)
264
VERIFICAÇÃO
1 Assinale como verdadeiras ou falsas as afirmações. Corrija as falsas.
265
AVALIAÇÃO
GRUPO I
Parte B
266
pouco amigas da natureza; e taes i havia que se mantiinham em alféloa2. No logar u3 costuma-
1 bolbos; 2 melaço
vom vender o triigo, andavom home~es e moços esgaravatando a terra; e se achavom alguũs cristalizado; 3 onde;
grãos de triigo, metiam-nos na boca sem teendo outro mantimento; outros se fartavom d’ervas, 4 falta; 5 viviam deles (dos
e beviam tanta agua, que achavom mortos home ~es e cachopos jazer inchados nas praças e em porcos); 6 passando fome;
7 fome; 8 preces;
10 outros logares. 9 tristeza, aborrecimento;
Das carnes, isso meesmo, havia em ela grande mingua4; e se alguũs criavom porcos, man- 10 preocupado; 11 contudo;
tiinham-se em eles5; […] assi que os pobres per mingua de dinheiro, nom comiam carne e pade- 12 inimigos
ciam mal; e começarom de comer as carnes das bestas, e nom soomente os pobres e minguados,
mas grandes pessoas da cidade, lazerando6, nom sabiam que fazer; e os geestos mudados com
15 fame7, bem mostravom seus encubertos padecimentos. Andavom os moços de tres e de quatro
anos pedindo pam pela cidade por amor de Deos, como lhes ensinavam suas madres, e muitos
nom tiinham outra cousa que lhe dar senom lagrimas que com eles choravom que era triste cou-
sa de veer; e se lhes davom tamanho pam come ũa noz, haviam-no por grande bem. Desfalecia
o leite aaquelas que tiinham crianças a seus peitos per mingua de mantiimento; e veendo lazerar
20 seus filhos a que acorrer nom podiam, choravom ameúde sobr’eles a morte ante que os a morte
privasse da vida. Muitos esguardavom as prezes8 alheas com chorosos olhos, por comprir o que a
piedade manda, e nom teendo de que lhes acorrer, caíam em dobrada tristeza.
Toda a cidade era dada a nojo9, chea de mezquinhas querelas, sem neuũ prazer que i hou-
vesse: uũs com gram mingua do que padeciam; outros havendo doo dos atribulados; e isto nom
25 sem razom, ca se é triste e mezquinho o coraçom cuidoso10 nas cousas contrairas que lhe aviinr
podem, veede que fariam aqueles que as continuadamente tam presentes tinham? Pero11 com
todo esto, quando repicavom, neuũ nom mostrava que era faminto, mas forte e rijo contra seus
~emigos12.
Fernão Lopes, in Teresa Amado (apresentação crítica), Crónica de D. João I de Fernão Lopes
(textos escolhidos), ed. Revista, Lisboa, Editorial Comunicação, 1992 [1980], cap. 148.
267
AVALIAÇÃO
GRUPO II
1 característica peculiar
268
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.6, selecione a opção correta.
1.1 Uma das críticas presentes no primeiro parágrafo do texto prende-se com o facto de se
ter noção da importância do turismo para Portugal, mas
A. simultaneamente não se estar disponível para os efeitos colaterais que gera.
B. nada se fazer para o incrementar de forma eficaz.
C. o país não ter as condições logísticas necessárias para o fazer.
D. ao mesmo tempo não se demonstra orgulho pelo país.
1.3 A utilização das aspas em “a ver se combinamos um almoço” (l. 33) justifica-se por se
estar perante uma
A. citação. C. representação de discurso direto.
B. expressão popular. D. expressão idiomática.
1.4 A oração “embora ser português seja morar num prédio” (ll. 3-4) classifica-se como su-
bordinada adverbial
A. consecutiva. C. causal.
B. concessiva. D. final.
1.5 A função sintática desempenhada pelo segmento “por uma ditadura” (ll. 6-7) é
A. complemento oblíquo. C. complemento do adjetivo.
B. complemento do nome. D. modificador do nome restritivo.
1.6 O processo fonológico ocorrido na passagem de FATU- para “fado” (l. 19) é
A. assimilação. C. palatalização.
B. dissimilação. D. sonorização.
GRUPO III
1 Escreva um texto de opinião, entre 250 e 300 palavras, sobre a importância do povo
português em alguns acontecimentos históricos mais marcantes da nação.
O seu texto deve respeitar as marcas deste género textual e conter:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento, no qual apresente uma argumentação pertinente;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
269
270
6.2
O ano da morte
de Ricardo Reis
José Saramago
EDUCAÇÃO LITERÁRIA ORALIDADE
LEITURA GRAMÁTICA
Diário • Atos ilocutórios
Texto expositivo • Modalidade e valor modal
Artigo de opinião • Orações subordinadas
• Valor aspetual
ESCRITA • Funções sintáticas
Texto expositivo • Classes de palavras
Síntese • Mecanismos de coesão
textual
Wassily Kandinsky,
Amarelo, vermelho, azul, 1925.
José Saramago
ORALIDADE COMPREENSÃO
Coluna A Coluna B
h. A revolução foi feita 10. aconteceu quando Marcelo Caetano, sucessor de Salazar,
refugiado no quartel do Carmo, se rendeu.
272
O ano da morte de Ricardo Reis
ORALIDADE EXPRESSÃO
No artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos pode ler-se que “todo o
ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão”, no entanto, nem sempre
este direito é respeitado.
273
José Saramago
LEITURA DIÁRIO
Cadernos de Lanzarote
18 de fevereiro
P
eru e Equador andam às turras, desde há duas semanas, por causa de
uns quantos quilómetros quadrados de selva amazónica que ambos
juram a pés juntos pertencer-lhes. Como sempre acontece nestes epi-
sódios, o conflito foi motivo para que os “profissionais” do patriotismo
5 dos dois lados saíssem à rua em manifestações de apoio mais ou menos
histéricas, com a habitual abundância de bandeiras, hinos gloriosos, burguesas penteadas, donzelas atirando
beijinhos e criancinhas à espera de crescer para irem também à guerra. Sem esquecer os títulos inconsequentes
e garrafais da imprensa. Agora fui beneficiado com dois minutos de discurso do senhor Fujimori1 na televisão que
para alguma coisa há de servir. Não me lembro de ter assistido, em toda a minha vida, a um espetáculo político
10 mais sórdido, a uma demagogia mais repugnante. O que ali estava era simplesmente um traficante a querer pas-
sar por pessoa séria. Agora diz-se que foi acordado entre os dois beligerantes aquilo a que se chama “suspensão
de hostilidades”, excelente propósito que levará ou não à resolução do tal conflito de fronteiras. Entretanto, vai-se
anunciando que andam por 500 os mortos, feridos e desaparecidos, uns mais mártires do que outros, segundo o
ponto de vista, mas todos sacrificados nos altares das respetivas pátrias. Para que o Peru e o Equador fizessem
15 as pazes foi preciso primeiro levantar uma boa pilha de cadáveres, em cima da qual os senhores presidentes já
poderão assinar o tratado de acerto definitivo da fronteira. Duas perguntas agora: a paz, a que é inevitável chegar
algum dia, não poderia ter sido conseguida antes? Foi necessário que morressem estupidamente umas quantas
centenas de homens e mulheres que não tinham nada que ver com o assunto? E uma pergunta mais: não se
descobrirá uma lei universal que julgue e condene os responsáveis de tais crimes, que não são menos contra a
20 humanidade por serem cometidos em nome das pátrias? Podia-se começar, já que estaríamos com a mão na
massa, por estes presidentes do Equador e do Peru, últimos da infinita lista de criminosos do mesmo tipo a quem
se devem as páginas desgraçadas da história da humanidade.
Proposta para um debate sobre os nacionalismos: o inimigo não é a Nação, mas o Estado.
José Saramago, Cadernos de Lanzarote III, 4.ª ed., Porto, Porto Editora, 2017, pp. 46-47.
1 Alberto Fujimori desempenhou as funções de presidente do Peru de 28 de julho de 1990 a 19 de novembro de 2000
274
O ano da morte de Ricardo Reis
a. b. c. d.
1. formal 1. andam em conflito 1. julgam criticamente 1. erudito
2. informal 2. estão de acordo 2. afirmam perentoriamente 2. lírico
3. denotativo 3. andam indispostos 3. garantem erradamente 3. coloquial
1 Classifique a oração “que levará ou não à resolução do tal conflito de fronteiras” (l. 12).
275
José Saramago
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
276
O ano da morte de Ricardo Reis
Ricardo Reis escreve a Marcenda para a informar da nova morada. Dias depois deixa o hotel.
X Na sua primeira noite na casa alugada, recebe a visita de Fernando Pessoa e falam sobre soli-
Síntese: Guia de estudo:
dão. José Saramago – O ano da
morte de Ricardo Reis 1
Lídia vai visitar Ricardo Reis para verificar se está bem instalado e ele acaba por beijá-la na boca.
XI Dias depois, recebe a visita de n. , que, pela primeira vez na vida, é beijada por
um homem.
Lídia prontifica-se a cuidar da limpeza da nova casa e os dois acabam por se envolver.
Ricardo Reis escreve uma carta confusa a Marcenda. Começa, entretanto, a trabalhar, substi-
XII tuindo temporariamente um colega especialista em coração e pulmões. Esta situação leva-o
a escrever novamente a Marcenda. Entretanto, quase ao fim de um mês, recebe o.
da jovem de Coimbra, anunciando que o visitará no consultório.
Ricardo Reis encontra-se com Fernando Pessoa junto à estátua do Adamastor e os dois conver-
sam acerca da relação de Reis p. e sobre a vida e a morte.
Ao chegar a casa, Ricardo Reis depara-se com q. e, a propósito disso, ortónimo
e heterónimo falam da ida de Ricardo Reis à polícia, de Salazar e de Hitler.
XIII
Lídia, enquanto faz limpeza, é seduzida por Reis. Contudo, percebendo que está com um proble-
ma de impotência, o médico repele-a, o que a deixa tristíssima e sem perceber o que se passava.
Marcenda aparece no consultório e Ricardo propõe r. . Ela recusa, alegando
s. .
Reis recebe uma carta de Marcenda a assegurar que nunca mais se voltarão a ver, a pedir-lhe
para nunca mais lhe escrever e a informá-lo de que irá a Fátima.
XIV
Restabelece-se, entretanto, a relação de Reis com Lídia, mas o médico vai a t. ,
com o intuito de ver Marcenda. No entanto, não consegue encontrá-la.
Ricardo Reis fica a saber que o colega que está a substituir vai retomar o seu lugar e isso leva-o
a começar a pensar em regressar ao Brasil.
XV
Fernando Pessoa visita novamente Ricardo Reis e os dois falam sobre o facto de Reis continuar
a ser vigiado por Victor, sobre as relações amorosas de ambos e sobre o destino e a ordem.
Ricardo Reis escreve um poema dedicado a u. .
Lídia comunica-lhe que está grávida e que não tenciona v. .
XVI Fernando Pessoa faz nova visita a Ricardo Reis e os dois falam sobre a perspetiva do regime em
relação a diferentes personalidades e sobre o seu obscurantismo. Durante a conversa, Ricardo
Reis confessa-lhe que vai ser pai e que ainda não decidiu se vai ou não perfilhar a criança.
Ricardo Reis vai visitar Fernando Pessoa ao Cemitério dos Prazeres e dialogam sobre o golpe
XVII
militar ocorrido em Espanha.
Enquanto lava a loiça na cozinha de Ricardo Reis, Lídia questiona-se sobre o seu papel naquela
casa e chega a pensar w. .
XVIII
Ricardo Reis vai assistir a um comício em defesa do Estado Novo e de Salazar. Dias depois, envia
para Marcenda o poema que lhe dedicou.
Lídia chega a casa de Ricardo Reis, chorosa, e anuncia que o seu irmão e outros marinheiros se
vão x. . No dia seguinte, Ricardo Reis assiste ao bombardeamento do Afonso de e
Albuquerque, barco onde seguia o irmão de Lídia, e do Dão.
XIX a
Ricardo Reis vai ao Hotel Bragança à procura de Lídia, mas não a encontra. Mais tarde fica
a saber que Daniel y. .
Fernando Pessoa visita pela última vez Ricardo Reis e este decide z. em direção
o
à morte.
277
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
José Saramago recorre muitas vezes ao passado, assumindo-o como pano de fundo
da ação dos seus romances. […]
O ano da morte de Ricardo Reis (1984) inscreve-se nessa tendência para dialogar com
outro tempo e com os fantasmas que o habitam. A personagem principal, Ricardo Reis,
tem a particularidade de ser uma figura literária, inicialmente criada por Fernando Pessoa.
Aproveitando o facto de o criador da personagem a situar no Brasil, sem referir nenhuma
data para a sua morte, Saramago imagina Reis a regressar a Lisboa, no final de 1935.
O país que vem encontrar é o Portugal que acabara de entrar na ditadura do Estado Novo,
sob apertada vigilância. […]
A obra em apreço surge assim dotada de um enredo próprio, inscrito num tempo e num
espaço bem identificados, que serve ao autor para evocar uma memória essencialmente
negativa.
José Augusto Cardoso Bernardes
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Fixação de texto
José Saramago, Leia os excertos textuais. Se necessário, consulte as notas.
O ano da morte
de Ricardo Reis,
Porto, Porto Editora, Chegada a Lisboa
2021.
278
O ano da morte de Ricardo Reis
279
José Saramago
65 por causa dos elétricos. […] Já ia vencendo os degraus exteriores do hotel quando compreendeu,
por estes pensamentos, que estava muito cansado, era o que sentia, uma fadiga muito grande,
um sono da alma, um desespero, se sabemos com bastante suficiência o que isso seja para
pronunciar a palavra e entendê-la.
Marcenda
280
O ano da morte de Ricardo Reis
5 referência à invasão da Etiópia por Mussolini; 6 arma de fuzil, comprida, de pequeno calibre e de carregar pela
boca; 7 da Abissínia, atual Etiópia; 8 pessoas que têm idade avançada
5 Uma das maneiras de Reis se inteirar da atualidade passa pela leitura dos jornais.
5.1 Comente o interesse e a importância das notícias destacadas pelo narrador (excerto 4).
281
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
282
agudos como os do gavião. […] Afasta-se Ricardo Reis em direção à Rua do
Crucifixo, atura a insistência de um cauteleiro que lhe quer vender um dé-
25 cimo para a próxima extração da lotaria, É o mil trezentos e quarenta e nove,
amanhã é que anda a roda, não foi este o número nem a roda anda amanhã,
mas assim soa o canto do áugure, profeta matriculado com chapa no boné,
Compre, senhor, olhe que se não compra pode-se arrepender, olhe que é
palpite, e há uma fatal ameaça na imposição. Entra na Rua Garrett, sobe ao
30 Chiado, estão quatro moços de fretes encostados ao plinto1 da estátua, nem
ligam à pouca chuva, é a ilha dos galegos, e adiante deixou de chover mesmo,
chovia, já não chove, há uma claridade branca por trás de Luís de Camões, um nimbo, e veja-se
o que as palavras são, esta tanto quer dizer chuva, como nuvem, como círculo luminoso, e não
sendo o vate Deus ou santo, tendo a chuva parado, foram só as nuvens que se adelgaçaram ao
35 passar, não imaginemos milagres de Ourique ou de Fátima, nem sequer esse tão simples de
mostrar-se azul o céu. […]
283
José Saramago
Lídia
2 Explicite a viagem literária de Reis, a propósito do nome da criada de hotel (excerto 3).
284
O ano da morte de Ricardo Reis
4 Caracterize o clima que se vivia na Europa, considerando as notícias lidas. Animação: Escrever
um texto expositivo
5 Evidencie aproximações entre a perceção que Reis tem da cidade
FAZ SENTIDO RELACIONAR
CONSTRUIR SENTIDOS
1 Releia o capítulo II a partir de “Deu oito horas o relógio do patamar” (p. 57) até ao final.
1.1 Assinale como verdadeiras ou falsas as afirmações. Corrija as falsas.
A. Quando o relógio deu as oito horas, Ricardo Reis, que não tinha fome, hesitou
na decisão de ir jantar, tendo continuado calmamente a leitura dos jornais.
B. Na descrição feita pelo narrador, é referido um traço coincidente com a
caracterização do heterónimo: o facto de ambos serem poetas e cultivarem
o género ode.
C. A diligência de Ricardo Reis em apressar-se para jantar justifica-se porque
a personagem tinha interesse em observar os hóspedes do hotel.
D. Reis ficou a saber pelo maître de hotel que os hóspedes eram de Lisboa e a
menina se chamava Marcenda.
E. Ricardo Reis comunicou a Salvador a intenção de, num próximo encontro,
avaliar clinicamente o caso de Marcenda.
285
José Saramago
Leia o texto.
Salazar e o
Estado Novo
A
pós o golpe de 28 de maio de
1926 que derrubou a I Repú-
blica portuguesa, iniciou-se
um processo longo e con-
5 turbado de ditadura militar, formação de uma ditadura militar numa
que se transformaria numa ditadura civil – ditadura civil, que instituiu, depois, ela pró-
ou “nacional”. […] O programa político e pria, o partido único do Estado Novo. […]
ideológico do ditador e chefe de Estado Novo 40 A nova Constituição Política – aprovada
baseava-se na rejeição do liberalismo e do co- em 19 de março de 1933 numa votação obri-
10 munismo assim como na apropriação de um gatória, com 40,2 por cento de abstenções
Estado nacionalista, corporativo, antiliberal contadas como votos favoráveis – recusava
e autoritário, política e economicamente in- tanto o liberalismo como o totalitarismo
terventor (Fernando Rosas). Segundo a defi- 45 estatal. Embora contivesse resquícios libe-
nição dada pelo próprio Salazar, ao apresen- rais […], o texto constitucional negava os
15 tar, em 1932, as bases da nova Constituição, fundamentos democráticos e parlamenta-
o novo regime seria nacionalista porque era ristas do Estado e as “abstrações” da sobera-
propósito do regime reintegrar Portugal “na nia popular, do cidadão e da liberdade como
sua grandeza histórica, na plenitude da sua 50 conceitos legitimadores do regime. […]
civilização universalista de vasto império”. Segundo o ditador, a Constituição asse-
20 Seria também antiliberal, anti-individua- gurava nomeadamente “a liberdade e a invio-
lista e corporativo, porque, no regime sala- labilidade das crenças e das práticas religio-
zarista, o indivíduo se deveria submeter ao sas”, atribuía “aos pais e seus representantes
“Interesse Nacional” e ao “Bem Comum”, só 55 a instrução e a educação dos filhos”, reconhe-
tendo existência própria como parte inte- cia “a Igreja com as suas organizações pró-
25 grante das famílias, das corporações e dos prias, e deixa[va]-lhe livre a ação espiritual”.
municípios. O novo Estado seria, finalmente, Embora o texto constitucional repetisse
forte e autoritário, para se defender dos ad- que o Estado não utilizaria a violência e as-
versários políticos, considerados “inimigos 60 seguraria o reconhecimento das liberdades
da Nação”, contra os quais o poder executi- e dos direitos políticos, admitia uma exce-
30 vo podia e devia usar “a força” para realizar ção que abria a porta a todas as exceções:
“a legítima defesa da Pátria”. […] Ao contrá- não seriam toleradas quaisquer “ofensas
rio do que aconteceu na Itália fascista e na à atividade governativa nem aos fins da
Alemanha nacional-socialista, o regime 65 Constituição”. […]
salazarista não teve origem na tomada
Irene Pimentel, in Público | El País, Século XX, –
35 de poder por um movimento político de “O Estado Novo”, fascículo 11, pp. 246-247
massas mobilizador: despontou da trans- (com supressões).
286
O ano da morte de Ricardo Reis
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.4, selecione a opção correta.
1.1 A ditadura civil ou “nacional”
A. teve início com o golpe militar de maio de 1926.
B. resulta de um processo conturbado, imediato ao derrube da I República.
C. decorre da ditadura militar que derrubou a I República.
D. foi iniciada por Salazar, que criou o movimento durante a I República.
1.2 Da ideologia salazarista constavam
A. a repressão, embora num ambiente de alguma liberdade.
B. a apologia do estado liberal e a rejeição do comunismo.
C. políticas de direita que visavam o desenvolvimento do país.
D. a valorização da grandeza e dimensão universalista de Portugal.
1.3 A nova constituição política de 1933
A. refutava a soberania popular e a liberdade dos cidadãos.
B. estava assente em ideais liberais como o da democracia.
C. foi aprovada respeitando a contagem dos votos.
D. preconizava o liberalismo e o totalitarismo.
1.4 A exceção preconizada pelo texto constitucional
A. visava regular o exercício da liberdade, embora não a restringisse.
B. era, no fundo, a negação total do texto constitucional.
C. era uma influência de outros Estados, como o alemão, por exemplo.
D. pretendia tornar a igreja um aliado da ação do Estado.
GRAMÁTICA
287
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
Nas páginas de O ano da morte de Ricardo Reis, são raros os momentos em que nelas
não confluem indicadores de consciência social […]. Apesar de por vezes disfarçadas, ou
talvez não, pelo véu da ironia e de outros recursos estilísticos; apesar de dissimuladas
sob o tecido intertextual, a ideologia do autor e a consequente crítica àquele tempo em
concreto (1936) não passam, portanto, despercebidas ao leitor. Desta forma, num para-
lelismo possível com a realidade portuguesa (e do mundo), sabemos dos “jornais cor de
cinza, baços”, meios de difusão de notícias “em cuja eficácia há muitos motivos para
acreditar porque nem sequer temos a certeza de que cheguem ao seu destino”. Ficamos
também a conhecer, num entrelaçamento temático com a questão da censura, a parcia-
lidade da imprensa.
Ana Paula Arnaut, O ano da morte de Ricardo Reis de José Saramago,
Porto, Edições ASA, 2017, p, 19 (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
288
O ano da morte de Ricardo Reis
25 varões, uns buxos3, umas cabeças romanas, descondizentes, tão longe dos céus lácios4, é como
ter posto o zé-povinho do Bordalo a fazer um toma ao Apolo do Belvedere5.
O bodo do Século
Ricardo Reis alcançou o meio da rua, está defronte da entrada do grande prédio
do jornal O Século, o de maior expansão e circulação, a multidão alarga-se, mais
folgada, pela meia-laranja que com ele entesta. À entrada estão dois polícias, aqui
perto outros dois que disciplinam o acesso, a um deles vai Ricardo Reis perguntar,
50 Que ajuntamento é este, senhor guarda, e o agente de autoridade responde com de-
ferência, vê-se logo que o perguntador está aqui por um acaso, É o bodo do Século,
Mas é uma multidão, Saiba vossa senhoria que se calculam em mais de mil os con-
templados, Tudo gente pobre, Sim senhor, tudo gente pobre, dos pátios e barracas,
Tantos, E não estão aqui todos, Claro, mas assim todos juntos, ao bodo, faz impressão,
55 A mim não, já estou habituado, E o que é que recebem, A cada pobre calha dez escu-
dos, Dez escudos, É verdade, dez escudos, e os garotos levam agasalhos, e brinquedos,
e livros de leitura, Por causa da instrução, Sim senhor, por causa da instrução, Dez
escudos não dá para muito, Sempre é melhor que nada, Lá isso é verdade, Há quem
esteja o ano inteiro à espera do bodo, deste e dos outros, olhe que não falta quem
60 passe o tempo a correr de bodo para bodo, à colheita, o pior é quando aparecem em
sítios onde não são conhecidos, outros bairros, outras paróquias, outras beneficên-
cias, os pobres de lá nem os deixam chegar-se, cada pobre é fiscal doutro pobre, Caso
triste, Triste será, mas é bem feito, para aprenderem a não ser aproveitadores, Muito
289
José Saramago
Salazar
opinião, ajuda, ilustração, mão de caridade, azeite para a candeia, aqui, aos fortíssimos ho-
mens portugueses, que portugueses governam, quais são eles, a partir do próximo ministé-
rio que já nos gabinetes se prepara, à cabeça maximamente Oliveira Salazar, presidente do
Conselho e ministro das Finanças […]. Dizem também os jornais, de cá, que uma grande
85 parte do país tem colhido os melhores e mais abundantes frutos de uma administração e
ordem pública modelares, e se tal declaração for tomada como vitupério, uma vez que se
trata de elogio em boca própria, leia-se aquele jornal de Genebra, Suíça, que longamente
discorre, e em francês, o que maior autoridade lhe confere, sobre o ditador de Portugal, já
sobredito, chamando-nos de afortunadíssimos por termos no poder um sábio. Tem toda a
90 razão o autor do artigo, a quem do coração agradecemos, mas considere, por favor, que não
é Pacheco menos sábio se amanhã disser, como dirá, que se deve dar à instrução primária
elementar o que lhe pertence e mais nada, sem pruridos de sabedoria excessiva, a qual, por
aparecer antes de tempo para nada serve, e também que muito pior que a treva do analfabe-
tismo num coração puro é a instrução materialista e pagã asfixiadora das melhores inten-
95 ções, posto o que, reforça Pacheco e conclui, Salazar é o maior educador do nosso século, se
não é atrevimento e temeridade afirmá-lo já, quando do século só vai vencido um terço.
290
O ano da morte de Ricardo Reis
Chegou ao hotel, abriu-lhe Pimenta a porta […]. Entrou no quarto, e, não advertindo que
105 fazia este movimento antes de qualquer outro, olhou a cama. Não estava aberta como de
costume, em ângulo, mas por igual dobrados lençol e colcha, de lado a lado. E tinha, não uma
almofada, como sempre tivera, mas duas. Não podia ser mais claro o recado, faltava saber até
que ponto se tornaria explicito. […] Deitou-se, apagou a luz, deixara ficar a segunda almofada,
fechou os olhos com força, vem, sono, vem, mas o sono não vinha, na rua passou um elétrico,
110 talvez o último, quem será que não quer dormir em mim, o corpo inquieto, de quem, ou o que
não sendo corpo com ele se inquieta, eu por inteiro, ou esta parte de mim que cresce, meu
Deus, as coisas que podem acontecer a um homem. Levantou-se bruscamente, e, mesmo às
escuras, guiando-se pela luminosidade difusa que se filtrava pelas janelas, foi soltar o trinco
da porta, depois encostou-a devagar, parece fechada e não está, basta que apoiemos nela
115 subtilmente a mão. Tornou a deitar-se, isto é uma criancice, um homem, se quer uma coisa,
não a deixa ao acaso, faz por alcançá-la, haja vista o que trabalharam no seu tempo os cruza-
dos, espadas contra alfanges, morrer se for preciso, e os castelos, e as armaduras, depois, sem
saber se ainda está acordado ou dorme já, pensa nos cintos de castidade de que os senhores
cavaleiros levaram as chaves, pobres enganados, aberta foi a porta deste quarto, em silêncio,
120 fechada está, um vulto atravessa tenteando, para à beira da cama, a mão de Ricardo Reis
avança e encontra uma mão gelada, puxou-a, Lídia treme, só sabe dizer, Tenho frio, e ele ca-
la-se, está a pensar se deve ou não beijá-la na boca, que triste pensamento.
6 Trace o retrato físico e psicológico de Lídia (excerto 5), comparando-a à musa das odes
de Ricardo Reis.
7 FAZ SENTIDO RELACIONAR Relacione a afirmação “essas hoje presunçosas nações que arro-
tam de poderosas” (l. 76, excerto 4) com o peixe roncador retratado por Vieira.
291
José Saramago
ORALIDADE COMPREENSÃO
c.
j.
d. • a oportunidade de estudar
e morar fora do país
• a necessidade de adotar k.
Mariana Riquito uma postura crítica face l.
à atuação da UE • a expansão dos direitos das
• o não esquecer a pessoas que não sejam dados
dimensão social em como adquiridos, para uma UE
detrimento da questão mais democrática
económica
292
O ano da morte de Ricardo Reis
ORALIDADE EXPRESSÃO
ATIVIDADE 1 – Debate
1 Leia a seguinte afirmação.
Intervenientes Funções
A. Em regimes ditatoriais:
– a censura inibe a comunicação da verdade/realidade;
Exemplos de – a perda da liberdade (e, por vezes, da vida dos jornalistas);
argumentos – o fecho dos órgãos de informação, por parte do poder.
que podem ser B. Em sociedades livres:
utilizados – a comunicação social pode servir para “vigiar o poder político”;
– os jornalistas têm liberdade e meios para investigar e entrevistar;
– a imprensa constitui-se como um parceiro em debates sobre
questões fulcrais para os habitantes: saúde, educação, economia.
ATIVIDADE 2 – Opinião
1 Exponha a sua opinião, em 3-5 minutos, sobre o tema proposto para a Atividade 1.
Planifique a sua intervenção de forma a:
• apresentar a sua posição: tese;
• identificar argumentos e/ou contra-argumentos que invalidem ou enfraqueçam
os argumentos alheios;
• fechar a intervenção com uma breve síntese da argumentação.
Observe ainda:
• o encadeamento lógico das ideias;
• a adequação dos recursos verbais e não verbais (correção linguística, variedade
vocabular, ritmo, entoação, gestos, regras de cortesia…).
293
José Saramago
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Marcenda e Reis
294
O ano da morte de Ricardo Reis
les sanglots longs de l’automne1, os alabastros, os balaústres2, esta poesia de sol-posto e doen-
1 “Os longos soluços do
te irrita-o, as coisas de que um nome é capaz, Marcenda […]. outono”, versos transcritos
com alterações, que iniciam
a “Canção de outono”, do
Excerto 3 | Capítulo VI (pp. 142-143) poeta francês Paul Verlaine;
Ricardo Reis fez uma pausa, parecia refletir, depois, debruçando-se, estendeu as mãos 2 alusão, em conjunto com
a referência que antecede
para Marcenda, perguntou, Posso, ela inclinou-se também um pouco para a frente e, conti- os versos de Verlaine, ao
40 nuando a segurar a mão esquerda com a mão direita, colocou-a entre as mãos dele, como uma poema “Os violoncelos”,
ave doente, asa quebrada, chumbo cravado no peito. Devagar, aplicando uma pressão suave de Camilo Pessanha
mas firme, ele percorreu com os dedos toda a mão dela, até ao pulso, sentindo pela primeira
vez na vida o que é um abandono total, a ausência duma reação voluntária ou instintiva, uma
entrega sem defesa, pior ainda, um corpo estranho que não pertencesse a este mundo.
295
José Saramago
Ricardo Reis, mas estou a par do que os jornais dizem, Ah, claro, os jornais, devem ser lidos,
mas não chega, é preciso ver com os próprios olhos, as estradas, os portos, as escolas, as obras
públicas em geral, e a disciplina, meu caro doutor, o sossego das ruas e dos espíritos, uma
nação inteira entregue ao trabalho sob a chefia de um grande estadista, verdadeiramente uma
80 mão de ferro calçada com uma luva de veludo, que era do que andávamos a precisar, Magní-
fica metáfora, essa [...].
a. b. c.
296
O ano da morte de Ricardo Reis
INFORMAÇÃO
[Em O ano da morte de Ricardo Reis] a evocação nacionalista da história da pátria portugue-
sa aproveita-se de grandes mitos históricos: o do império, que, por sua vez, se apropria do
discurso camoniano, e o do messianismo português ou da missão portuguesa/cristã do mun-
do. O mito messiânico é explorado de duas maneiras: como justificação da existência e da
5 defesa do império colonial em nome da proteção de “raças inferiores” – um “imperativo ca- Cartaz de propaganda eleitoral
presidencial com ênfase
tegórico da história que as gerações presentes e futuras devem perpetuar” – e como uma no lema do salazarismo
“Deus, Pátria, Família”.
missão mundial que transforma Salazar, o salvador da moralidade cristã resumida na trin-
dade Deus, Pátria, Família, no salvador da civilização ocidental na sua luta contra a heresia
comunista.
10 […] Assim, a glorificação de Salazar e da ordem e prosperidade anunciados nos jornais
portugueses e estrangeiros é contrastada com as cenas da vida nos bairros populares e na
zona rural – a falta de higiene, o crime, a pobreza e o analfabetismo, às vezes perdidos nas
páginas dos mesmos jornais. […]
O narrador ataca também as manipulações do texto camoniano. Enquanto obra literária,
15 a epopeia desempenha um papel crucial na criação da mitologia nacional e funciona, ao
mesmo tempo, como fonte popular do conhecimento histórico. […] Assim, a ideologia sala-
zarista celebra Camões como “cantor sublime das virtudes da raça” e serve-se das sua pala-
vras, como tristemente observa Ricardo Reis: “veja o Camões, onde estão as palavras dele”.
O estado fascista é um exemplo extremo de exploração da História, mas prova que ela sempre
20 se escreve num contexto e não pode existir objetivamente sem carga ideológica […].
Helena Kaufman, “A Metaficção Historiográfica de José Saramago”, Colóquio/Letras, n.º 120,
abril-junho de 1991, pp. 134-135 (com supressões).
1 Indique a frase que sintetiza uma ideia que não é veiculada pelo texto.
A. Durante a Ditadura, assiste-se ao endeusamento da figura de Salazar, enquanto Vídeo: Características
garante da proteção da civilização ocidental contra o comunismo. do Estado Novo
297
José Saramago
INFORMAÇÃO
Intertextualidade
Cesário Verde
Ricardo Reis, tal como Cesário Verde, dotado de uma atitude deambulatória,
observa a cidade, descreve-a, realçando o seu aspeto físico (as ruas, os sons,
os cheiros, o ambiente), mas também destacando alguns tipos socioprofis-
sionais, sobretudo os mais frágeis e desprotegidos, mostrando até simpatia
por estas personalidades.
À semelhança de Cesário, a observação objetiva gera uma avaliação subjeti-
va, de tom impressionista, através do recurso às sensações, nomeadamente
auditivas e visuais.
Luís de Camões
Fernando Pessoa
298
O ano da morte de Ricardo Reis
Maria Fernanda Miranda Gomes Moreira Barbosa, O ano da morte de Ricardo Reis: romance pós-moderno?,
Porto, Universidade Fernando Pessoa, 2010, pp. 62-67 (adaptado e com supressões).
299
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
O mesmo Victor que, em conjunto com o homem que o interroga, um dos inspetores
da PVDE, a cujas instalações vai “de alma inquieta” e “aflita”, é corresponsável pela ins-
crição da temática da opressão social e política no Portugal do Estado Novo, ou, se qui-
sermos enveredar por uma dimensão simbólica facultada pela sugestão intertextual com
um dos poemas de Pessoa (“Cai chuva do céu cinzento”), um dos que é corresponsável
pela “chuva” que cai “do céu cinzento”, isto é, pelo tempo que sobre nós chove e “nos
afoga”. Ou, em termos mais gerais, pela chuva que cai “na rua e no mundo como se o céu
fosse um mar suspenso que por goteiras inúmeras se escoasse intérmino”. Não por aca-
so, mais uma vez, subvertendo o provérbio “candeia que vai à frente alumia duas vezes”,
a contrafé que Ricardo Reis leva às instalações da Rua António Maria Cardoso, indo em-
bora “adiante” dele, vai apagada.
Ana Paula Arnaut, O ano da morte de Ricardo Reis de José Saramago, Porto, Edições ASA, 2017, p, 53.
300
O Estado beneficiente
301
José Saramago
8 grande barca para um rebocador arrasta atrás de si dois batelões8, os navios de guerra estão amarrados às boias,
transporte de artilharia ou
com a proa apontada à barra, sinal de que a maré está a encher. Ricardo Reis pisa o saibro9
quaisquer objetos pesados;
60 húmido das áleas estreitas, o barro mole, não há outros contempladores neste miratejo se
9 areia grossa com pequenas
pedras à mistura não contarmos dois velhos, sentados no mesmo banco, calados, provavelmente conhecem-se
há tanto tempo que já lhes falta de que falarem, talvez andem só a ver quem morrerá primei-
ro. Friorento, levantando a gola da gabardina, Ricardo Reis aproximou-se da grade que rodeia
a primeira vertente do morro, pensar que deste rio partiram, Que nau, que armada, que frota
65 pode encontrar o caminho, e para onde, pergunto eu, e qual […].
Planos de Reis
302
O ano da morte de Ricardo Reis
a sua casa, nos meus dias de saída, Tu queres, Quero, Então irás, até que, Até que arranje al-
100 guém da sua educação, Não era isso que eu queria dizer, Quando tal tiver de ser, diga-me
assim Lídia não voltes mais a minha casa, e eu não volto, Às vezes não sei bem quem tu és,
Sou uma criada de hotel, Mas chamas-te Lídia e dizes as coisas duma certa maneira, Em a
gente se pondo a falar, assim como eu estou agora, com a cabeça pousada no seu ombro, as
palavras saem diferentes, até eu sinto, Gostava que encontrasses um dia um bom marido,
105 Também gostava, mas ouço as outras mulheres, as que dizem que têm bons maridos e fico a
pensar, Achas que eles não são bons maridos, Para mim, não, Que é um bom marido, para ti,
Não sei, És difícil de contentar, Nem por isso, basta-me o que tenho agora, estar aqui deitada,
sem nenhum futuro […].
3 Exponha as diferentes reações que causou a contrafé feita a Ricardo Reis, explicitan-
do o significado deste documento.
3.1 Apresente, considerando os excertos 3 e 5, o modo de agir da polícia política.
1 Classifique as orações.
a. “que de país tão civilizado, modelo de maneiras e farol da cultura ocidental” (ll. 7-8)
b. “que ele fez perante os camisas castanhas” (l. 10)
c. “que a Alemanha será pacífica” (ll. 12-13)
303
José Saramago
ORALIDADE COMPREENSÃO/EXPRESSÃO
CONSTRUIR SENTIDOS
Coluna A Coluna B
304
José Saramago O ano da morte de Ricardo Reis
ANTECIPAR SENTIDOS
A ligação entre Ricardo Reis e Marcenda intensificar-se-á, portanto, por ocasião da Quiz: José Saramago –
segunda visita da família Sampaio a Lisboa, apesar de, por exigência do pai, já conhecedor O ano da morte de Ricardo
Reis 3
do interesse da PVDE por Ricardo Reis, Marcenda se ver obrigada a manter-se afastada
dele. O novo encontro, sigilosamente marcado pela jovem, […] decorrerá, pois, fora do
Hotel, no alto de Santa Catarina, sob o olhar do “furioso Adamastor” […].
Tal como a figura mitológica, rejeitada por Tétis, Ricardo Reis será rejeitado por Mar-
cenda, não pela sua “grandeza feia”, mas, eventualmente, por preconceito em relação à
idade; por pretender protegê-lo da sua invalidez […]; ou, apenas, porque […] ela conside-
ra que “não seríamos felizes”.
Ana Paula Arnaut, O ano da morte de Ricardo Reis de José Saramago, Porto, Edições ASA, 2017, p, 67.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
305
José Saramago
306
O ano da morte de Ricardo Reis
70 cumprimentos a seu pai, ela falou doutra coisa, Um dia, e não acabou a frase, alguém a con- 1 Alcalá Zamora – jurista
tinuará sabe-se lá quando e para quê, outro a concluirá mais tarde e em que lugar, por en- e político espanhol,
quanto é isto apenas, Um dia. desempenhou as funções
de Presidente da República
espanhola entre 1931 e 1936;
O bodo da Páscoa foi destituído do cargo em
7 de abril de 1936; 2 título
Excerto 4 | Capítulo XII (pp. 304, 305-306) eclesiástico que, desde
o século XIX, é geralmente
Mas o mundo, por tão grande ser, vive de lances mais dramáticos, para ele têm pouca concedido ao bispo-auxiliar
que desempenha as funções
importância estas queixas que à boca pequena vamos fazendo de faltar a carne em Lisboa,
de vigário-geral do patriarca
75 não é notícia que se dê lá para fora, para o estrangeiro. [...] Mas há entre os nossos portugue- de Lisboa
ses muita sede de martírio, muito apetite de sacrifício, muita fome de abnegação, ainda no
outro dia foi dito por um destes senhores que mandam em nós, Nunca mãe alguma, ao dar à
luz um filho, pode atirá-lo para um mais alto e nobre destino do que o de morrer pela sua
terra, em defesa da pátria, filho duma puta, estamos a vê-lo a visitar as maternidades, a apal-
80 par o ventre às grávidas, a perguntar quando desovam, que já vão faltando soldados nas
trincheiras, quais, ele o saberá, também podem ser projetos para o futuro. O mundo, como
destas amostras se pode concluir, não promete soberbas felicidades, agora foi Alcalá Zamora
destituído da presidência da República1 e logo começou a correr o boato de que haverá um
movimento militar em Espanha, se tal coisa lá fizerem, tristes dias estão guardados para
85 muita gente. [...] A nós tanto nos faz pátria como mundo, a questão é encontrar um sítio onde
se possa comer e juntar algum dinheiro, Brasil seja, para onde em março foram seiscentos e
seis, ou Estados Unidos da América do Norte, para onde viajaram cinquenta e nove, ou Ar-
gentina, que já lá tem mais sessenta e cinco, para os outros países, por junto, só foram dois,
para a França, por exemplo, não foi ninguém, não é país para labrostes portugueses, aí é
90 outra civilização.
Agora que veio o tempo da Páscoa, o governo mandou distribuir por todo o país bodo geral,
assim reunindo a lembrança católica dos padecimentos e triunfos de Nosso Senhor às satis-
fações temporárias do estômago protestativo. Os pobrezinhos fazem bicha nem sempre pa-
ciente às portas das juntas de freguesia e das misericórdias, e já se fala que para os finais de
95 maio se dará uma brilhante festa no campo do Jockey Club a favor dos sinistrados das inun-
dações do Ribatejo, esses infelizes que andam de fundilhos molhados há tantos meses [...].
307
José Saramago
Exatamente. Fernando Pessoa pensou alguns instantes, depois largou a rir, um riso seco, tos-
110 sicado, nada bom de ouvir, Ai esta terra, ai esta gente, e não pôde continuar, havia agora lágri-
mas verdadeiras nos seus olhos, Ai esta terra, repetiu, e não parava de rir, Eu a julgar que tinha
ido longe de mais no atrevimento quando na Mensagem chamei santo a Portugal, lá está, São
Portugal, e vem um príncipe da Igreja, com a sua arquiepiscopal autoridade, e proclama que
Portugal é Cristo, E Cristo é Portugal, não esqueça, Sendo assim, precisamos de saber, urgen-
115 temente, que virgem nos pariu, que diabo nos tentou, que judas nos traiu, que pregos nos
crucificaram, que túmulo nos esconde, que ressurreição nos espera, Esqueceu-se dos milagres,
Quer você milagre maior que este simples facto de existirmos, de continuarmos a existir, não
falo por mim, claro, Pelo andar que levamos, não sei até quando e onde existiremos, Em todo
o caso, você tem de reconhecer que estamos muito à frente da Alemanha, aqui é a própria
120 palavra da Igreja a estabelecer, mais do que parentescos, identificações, nem sequer precisá-
vamos de receber o Salazar de presente, somos nós o próprio Cristo, Você não devia ter mor-
rido tão novo, meu caro Fernando, foi uma pena, agora é que Portugal vai cumprir-se […].
1.2 O termo “que”, nos segmentos “que nos calhou em sorte” (l. 97) e “que este povo
português” (l. 103), introduz uma oração subordinada
A. adjetiva relativa restritiva em ambos os casos.
Gramática/Atividade:
Orações subordinadas B. adjetiva relativa restritiva e substantiva completiva, respetivamente.
adjetivas relativas;
Orações subordinadas C. adjetiva relativa explicativa e substantiva completiva, respetivamente.
substantivas completivas
D. substantiva completiva em ambos os casos.
308
O ano da morte de Ricardo Reis
INFORMAÇÃO
Alemanha1 Itália2
Tanto em Espanha como em França, a evolução política anterior a 1936 era favorável a uma direita
cuja posição política era muito diferente nos dois países. Em Espanha, a direita católica não tinha
feito profissão de fé republicana, apesar de assumir responsabilidades governativas desde outubro
de 1934. […] Em França, pelo contrário, os problemas de regime não existiam e os radicais e radi-
cais-socialistas formavam um sólido centro político que dava estabilidade à República. […]
Espanha O “reflexo instintivo de defesa” trouxe consigo uma nova esperança política de esquerda e concre-
tizou-se num “espírito de Frente Popular”. Em Espanha, a Frente Popular concorreu às eleições
e de fevereiro de 1936, preconizando uma ressurreição da República do 14 de abril de 1931 […].
Em França, a Frente Popular também arquitetou um “espírito de 36”, com o ressurgimento de outros
França3 momentos decisivos da vida nacional. […]
Ambas as Frentes Populares triunfaram em 1936, embora a direita tenha, apesar de tudo, mantido
força eleitoral. […] Ambas as Frentes Populares sofreram problemas de estabilidade. A espanhola
não foi capaz de controlar as suas massas e, sobretudo, deparou-se com uma sublevação de grande
parte da direita e dos militares. A francesa titubeou, se não no apoio à república espanhola pelo
menos no modo como o fez, e foi destroçada precisamente pela guerra civil.
Imprensa
Estes acontecimentos políticos são dados a conhecer a Ricardo Reis através da leitura dos jornais
Ricardo Reis (no caso espanhol, também através das conversas dos hóspedes/refugiados desse país que esta-
vam instalados no hotel Bragança), contudo, a personagem não faz nenhum esforço para os analisar
e criticamente, mantendo a sua posição de “espetador do mundo”.
Já o narrador tem uma posição crítica, apresentando uma atitude irónica, face ao que narra ou ao
Narrador que ouve, consciente de que as notícias tinham sido previamente peneiradas (tal como acontecia
com as que se referiam à situação portuguesa).
1 Fonte: M.A. Bastenier, Público | El País, Século XX ‒ “1933-1936”, fascículo 12, pp. 273-274 (adaptado e com supressões).
2 Fonte: Joaquin Estefanía, Público | El País, Século XX ‒ “1933-1936”, fascículo 12, p. 277 (adaptado e com supressões).
3 Fonte: Javier Tusell, Público | El País, Século XX ‒ “1933-1936”, fascículo 12, pp. 280-281 (adaptado e com supressões).
309
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
Link kahoot: José Ao nível da afetividade, Lídia não para de crescer. Deita-se com Reis e protege-o,
Saramago, O ano da morte
de Ricardo Reis
é materna e submissa; no hotel e na casa nova serve, criada que é, mas é servida também
no gozo e na paixão, na liberdade que se dá de amar, de ter ciúmes da musa Marcenda
que entre os dois se interpõe, mas sobretudo de ter um filho e de assumi-lo sozinha como
consequência de um ato só seu. […]
Sem dúvida, Lídia tem a seu favor a voz do narrador que se expõe sempre no intuito
de favorecer – ao menos no nível do desejo – os oprimidos. E ela faz parte desses que
não herdam nem dominam e só deixam como herança a tenacidade na luta diária, cum-
prida em silêncio até ao dia em que se puderem levantar do chão. É ela a espera fecun-
da que se metaforiza no filho que assume sem ajuda nem divisão de tarefas e de
responsabilidades.
Teresa Cristina Cerdeira da Silva, José Saramago: entre a história e a ficção: uma saga de portugueses,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, pp. 185 e seguintes (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
A fé
podemos fazer nem devemos tentar, meu amigo, não lhe digo
que se esqueça de mim, pelo contrário, peço-lhe que se lembre
todos os dias, mas não me escreva, nunca mais irei à posta-res-
tante, e agora termino, acabo, disse tudo.
310
O ano da morte de Ricardo Reis
311
José Saramago
As confidências de Lídia
grávida, dos dois o mais calmo é outra vez ela, há uma semana
que anda a pensar nisto, todos os dias, todas as horas […]. Ele
espera que ela faça uma pergunta, por exemplo, que hei de
312
fazer, mas ela continua calada, quieta, apagando o ventre com a ligeira flexão dos joelhos,
105 nenhum sinal de gravidez à vista, salvo se não sabemos interpretar o que estes olhos estão
dizendo, fixos, profundos, resguardados na distância uma espécie de horizonte, se o há em
olhos. Ricardo Reis procura as palavras convenientes, mas o que encontra dentro de si é um
alheamento, uma indiferença, assim como se, embora ciente de que é sua obrigação contri-
buir para a solução do problema, não se sentisse implicado na origem dele, tanto a próxima
110 como a remota. [...] Então Ricardo Reis decide-se, quer perceber quais são as intenções dela,
não há mais tempo para subtilezas de dialética, salvo se ainda o for a hipótese negativa que
a pergunta esconde mal, Pensas em deixar vir a criança, o que vale é não haver aqui ouvidos
estranhos, não faltaria ver-se acusado Ricardo Reis de sugerir o desmancho, e quando, termi-
nada a audição das testemunhas, o juiz ia proferir a sentença condenatória, Lídia mete-se
115 adiante e responde, Vou deixar vir o menino. Então, pela primeira vez, Ricardo Reis sente um
dedo tocar-lhe o coração. Não é dor, nem crispação, nem despegamento, é uma impressão
estranha e incomparável, como seria o primeiro contacto físico entre dois seres de universos
diferentes, humanos ambos, mas ignotos na sua semelhança, ou, ainda mais perturbadora-
mente, conhecendo-se na sua diferença. […] Lídia aconchegou-se melhor, quer que ele a abra-
120 ce com força, por nada, só pelo bem que sabe, e diz as incríveis palavras, simplesmente, sem
nenhuma ênfase particular, Se não quiser perfilhar o menino, não faz mal, fica sendo filho
de pai incógnito, como eu. Os olhos de Ricardo Reis encheram-se de lágrimas, umas de ver-
gonha, outras de piedade, distinga-as quem puder, num impulso, enfim, sincero, abraçou-a,
e beijou-a, imagine-se, beijou-a muito, na boca, aliviado daquele grande peso, na vida há
125 momentos assim, julgamos que está uma paixão a expandir-se e é só o desafogo da gratidão.
2 Apresente uma justificação para a ida de Ricardo Reis a Fátima e clarifique a crítica
que é feita à vivência da fé (excertos 1 e 2).
6 FAZ SENTIDO RELACIONAR Demonstre, comparando, que, tal como Lídia, também Inês
Pereira, personagem de Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, é uma mulher decidida
e que foge ao modelo de mulher da sua época.
313
José Saramago
As “Três Marias” e um
legado para o nosso futuro
Graça Fonseca 1
11 de março de 2022
C
umpriram-se, em 2021, cinquenta anos Realço todos estes nomes, porque as lutas e conquistas
desde que as Novas Cartas Portuguesas só duram se forem recordadas e partilhadas. Também por
começaram a ser escritas e cumprem-se, isso, é fundamental que continuemos a trabalhar todos os
em 2022, cinquenta anos da publicação dias para reconhecer e promover a Igualdade de Género em
5 desta obra que representou um momento 40 todos os domínios culturais, fazendo justiça às lutas do pas-
decisivo para o feminismo em Portugal e uma das pri- sado e para escrever uma história igual para as gerações
meiras grandes causas feministas portuguesas com vindouras. […]
repercussão internacional. […] Cumpre-nos saber olhar para o passado e ver tudo
Abordando temas proibidos e censurados durante a aquilo que a criatividade e o talento no feminino construí-
10 ditadura, como a guerra colonial, a falta de liberdade, a 45 ram, mas é, também, fundamental, antecipar o futuro,
violação, o aborto ou a subordinação da mulher na socie- mudar e mostrar que as artes e o património cultural po-
dade portuguesa, as Novas Cartas Portuguesas foram dem e devem ser agentes de consciencialização e de pro-
proibidas pelo regime, que as considerou uma obra por- gresso social e cultural. […]
nográfica e contrária à moral estabelecida, e as suas au- É, também por isso, uma honra, enquanto mulher que
15 toras foram acusadas e levadas a julgamento, num caso 50 temporariamente assume estas funções de Ministra da
que ficou para a história como o julgamento das “Três Cultura, participar no Fórum da Igualdade, na bela cidade
Marias”. de Angers, onde pude partilhar com uma audiência inter-
Em Portugal é impossível menosprezar o impacto nacional a história das “Três Marias”, num momento tão
social e político da coragem das Três Marias, uma cora- especial como este em que, no âmbito da Presidência
20 gem transversal, tanto na decisão de escrever e publi- 55 Francesa do Conselho da União Europeia e da Temporada
car, como na forma como enfrentaram a perseguição Cruzada Portugal-França 2022, homenageamos o ato de
política, as proibições, os passaportes apreendidos, os coragem e desafio de três grandes mulheres portugue-
interrogatórios degradantes e, até, a atitude exemplar sas, cujos nomes não podemos deixar de exaltar repeti-
com que nunca recuaram perante o escrito, mesmo damente: Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e
25 quando a injustiça censória prometia em troca o fim do 60 Maria Teresa Horta.
julgamento. As Novas Cartas Portuguesas representaram um mo-
O seu gesto tornou-as, por direito, marcos na história mento central na afirmação da mulher na sociedade por-
da luta pelos direitos das mulheres na Europa, junto a tuguesa, mas constituíram também uma denúncia
outras grandes mulheres portuguesas como Ana de Cas- incisiva do regime opressivo, tendo igualmente um papel
30 tro Osório, Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo, So- 65 central na luta pela liberdade e democracia.
phia de Mello Breyner Andresen, entre outras que poderia https://mundoatual.pt/as-tres-marias-e-um-legado-para-o-nosso-
citar, a quem tanto devemos, mas a quem, muito parti- -futuro/, consultado a 30/08/2022 (adaptado e com supressões).
cularmente, devo enquanto mulher na vida política, seja
pelo seu sacrifício e pelas suas conquistas seja pela ale-
35 gria com que o fizeram. […] 1 socióloga, política e, à data, ministra da Cultura
314
O ano da morte de Ricardo Reis
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.3, selecione a opção correta.
1.1 A escrita de uma obra versando temas proibidos pela ditadura
Animação: O que é uma
A. ditou o julgamento das autoras, embora a obra tivesse continuado a ser metáfora?; O que é uma
antítese?; O que é uma
vendida. enumeração?
B. levou à sua interdição e à prisão das autoras, apesar das manifestações
internacionais.
C. permitiu a reflexão sobre estes, embora as autoras tivessem sido julgadas
e a obra proibida.
D. foi bem vista pela comunidade internacional, que se prontificou a publicar
o livro.
1.2 Toda a situação, desde a escrita do livro ao julgamento e à atitude das autoras,
A. trouxe-lhes notoriedade, mas também reconhecimento por terem enfrenta-
do o poder da Ditadura.
B. levou a sociedade a censurar as “Três Marias” e a não as reconhecer como
agentes de mudança.
C. diminuiu, em Portugal, a sua importância no domínio da escrita, embora as
catapultasse no domínio político.
D. acabou por não ter grande impacto, já que ficou circunscrita à cidade de
Lisboa e ao tempo da Ditadura.
a. b. c. d.
3 Transcreva, do último parágrafo do texto, dois nomes que refiram valores inexisten-
tes durante o Estado Novo.
315
José Saramago
ANTECIPAR SENTIDOS
[Lídia] Sabe que o irmão, e com ele o sonho da revolta, está acabado. Mas fica porque
“a terra espera” e Daniel é a vítima fecunda de um espetáculo que tem de continuar.
É nesse impasse entre o mar e a terra, entre o passado e o presente, entre a utopia
ou o sonho ou a irrealidade ou o mito e a História que o romance se finda. Fernando Pes-
soa tem o seu tempo encerrado e já não vagueia pelo mundo. Será para sempre uma voz
lida pelos outros e que se não pode mais transformar. Ricardo Reis percebe também a
sua própria encruzilhada: com Lídia mergulharia no mundo, no tempo e na História, mas
sofre a sua própria incapacidade de segui-la. […]
Também Daniel naufraga. Mas nesse naufrágio do barco fica uma espera da terra. Uma
espera de Lídias que permanecem vivas numa terra que, como ela, está grávida de frutos,
um dia, não abortados nem vencidos.
Teresa Cristina Cerdeira da Silva, José Saramago: entre a história e a ficção: uma saga de portugueses,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, pp. 185-190 (com supressões).
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
A Mocidade Portuguesa
316
O ano da morte de Ricardo Reis
317
José Saramago
60 perdidos, já não vão poder sair. E é neste momento que outro barco começa a navegar, um
contratorpedeiro, o Dão, só pode ser ele, procurando ocultar-se no fumo das suas próprias
chaminés e encostando-se à margem sul para escapar ao fogo do forte de Almada, mas, se
deste escapa, não foge ao Alto do Duque, as granadas rebentam na água, contra o talude,
estas são de enquadramento, as próximas atingem o barco, o impacte é direto, já sobe no Dão
65 uma bandeira branca, rendição, mas o bombardeamento continua, o navio vai adernado,
então são mostrados sinais de maior dimensão, lençóis, sudários, mortalhas, é o fim, o Bar-
tolomeu Dias nem chegará a largar a boia. São nove horas, cem minutos passaram desde que
isto principiou, a neblina da primeira manhã já se desvaneceu, o sol brilha desafogado, a esta
hora devem andar a caçar os marinheiros que se atiraram à agua. […] Ricardo Reis levanta-se
70 do banco, os velhos, ferozes, já não dão por ele, o que valeu foi ter dito uma mulher, compas-
siva, Coitadinhos, refere-se aos marinheiros, mas Ricardo Reis sentiu esta doce palavra como
um afago, a mão sobre a testa ou suave correndo pelo cabelo, e entra em casa, atira-se para
cima da cama desfeita, escondeu os olhos com o antebraço para poder chorar à vontade, lá-
grimas absurdas, que esta revolta não foi sua, sábio é o que se contenta com o espetáculo do
75 mundo, hei de dizê-lo mil vezes, que importa àquele a quem já nada importa que um perca e
outro vença.
318
O ano da morte de Ricardo Reis
que não tornaremos a ver-nos, Porquê, O meu tempo chegou ao fim, lembra-se de eu lhe ter
dito que só tinha para uns meses, Lembro-me. Pois é isso, acabaram-se. Ricardo Reis subiu
o nó da gravata, levantou-se, vestiu o casaco. Foi à mesa de cabeceira buscar The god of the
labyrinth, meteu-o debaixo do braço, Então vamos, disse, Para onde é que você vai, Vou
110 consigo, Devia ficar aqui, à espera da Lídia, Eu sei que devia, Para a consolar do desgosto de
ter ficado sem o irmão, Não lhe posso valer, E esse livro, para que é, Apesar do tempo que
tive, não cheguei a acabar de lê-lo, Não irá ter tempo, Terei o tempo todo, Engana-se, a leitu-
ra é a primeira virtude que se perde, lembra-se. Ricardo Reis abriu o livro, viu uns sinais
incompreensíveis, uns riscos pretos, uma página suja, Já me custa ler, disse, mas mesmo
115 assim vou levá-lo, Para quê, Deixo o mundo aliviado de um enigma. Saíram de casa, Fernan-
do Pessoa ainda observou, Você não trouxe chapéu, Melhor do que eu sabe que não se usa
lá. Estavam no passeio do jardim, olhavam as luzes pálidas do rio, a sombra ameaçadora dos
montes. Então vamos, disse Fernando Pessoa, Vamos, disse Ricardo Reis. O Adamastor não
se voltou para ver, parecia-lhe que desta vez ia ser capaz de dar o grande grito. Aqui, onde
120 o mar se acabou e a terra espera.
Gramática/Atividade: Valor
2 Indique a modalidade e o valor modal dos segmentos seguintes. modal: modalidade apreciativa;
Valor modal: modalidade
a. “Lídia andará à procura do irmão” (ll. 89-90) deôntica; Valor modal:
modalidade epistémica
b. “Não irá ter tempo” (l. 112)
319
José Saramago
INFORMAÇÃO
Representações do amor
Marcenda tem um nome subtilmente ardiloso pois guarda em sua morfologia
a reminiscência latina, além dessa sonoridade “de raça gerúndia” que não “usam
as mulheres, [pois] são palavras doutro mundo, doutro lugar”. Teria, assim, os
componentes da musa ideal, não fora a fundamental discrepância semântica que
5 o mesmo sintagma anuncia: marcenda é aquela que deve murchar, aquela a quem
falta a eternidade e que está fadada a ser mortal. […]
Marcenda é o pássaro sem voo, a mão inerte é como a asa quebrada, a liberdade
impossível, a prisão no labirinto. No espaço do romance o seu tempo não acontece
porque a sua fragilidade a impede de estar no tempo. Não faz a História nem faz a
10 sua história. Não se inscreve, é inscrita por vontades alheias. Oprimida pela voz do
pai, não é capaz de prolongar os pequenos voos que se permitira por momentos
ousar. […]
Obedece às regras, às leis, vai a Fátima sem fé – “meu pai continua a dizer que
devo ir a Fátima e eu vou, só para lhe dar gosto, se ele disso precisa para ficar em
15 paz com a consciência” –, vem a Lisboa e vai ver o doutor, sabendo, de antemão, que
a ida é só um artifício para justificar arranjos amorosos paternos. Obedece, não
luta, cede, agrada, mente até, se necessário, não assume. Está, pois, a murchar num
tempo que exige dos homens posições mais radicais, para não fugir ao molde pes-
soano, “o todo, ou o seu nada”. […]
Max Ernst, Viva o amor, 1923.
Teresa Cristina Cerdeira da Silva, José Saramago: entre a história e a ficção: uma saga de portugueses,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, pp. 183-184 (com supressões).
Lídia será sempre aquela com quem [Ricardo Reis] satisfaz a sua “longa abstinência”. […]
O desejo por Lídia não passará, portanto, de uma forma de cumprir as exigências físicas do
corpo […].
A Lídia caberá, contudo, como temos vindo a sugerir, um papel bem mais importante:
5 o de contribuir para o desenvolvimento de uma consciência ideológica no heterónimo, por
mais ténue que ela seja. Aos exemplos que já registámos, relativos, entre outros aspetos, ao
que do irmão Daniel e dos seus futuros companheiros de revolta relatará a Ricardo Reis, ou
aos que se referem ao massacre de Badajoz, cabe evocar que, quando o poeta é chamado à
polícia internacional, Lídia, à afirmação de que “não há motivo para preocupações” porque
10 “deve ser coisa de papéis”, replica com a constatação de que “dessa gente […] não se pode es-
perar nada de bom”.
Na sequência deste diálogo, como desse outro que se segue ao regresso das instalações
da PVDE, em que sabemos da consciência de Lídia sobre o que ali se passa, é também pos-
sível verificar que, apesar de tudo, Ricardo Reis não é de todo desprovido de sentimentos
15 por ela.
Ana Paula Arnaut, O ano da morte de Ricardo Reis de José Saramago,
Porto, Edições ASA, 2017, pp. 62-63 (adaptado e com supressões).
320
CONSOLIDAÇÃO
Tempo histórico e político – 1936
Portugal Europa
• Regime ditatorial, liderado por Salazar, sustentado • Proliferação das ditaduras de índole fascista, mas os
numa intensa propaganda política, fomentando a ideia movimentos de esquerda tentavam triunfar em alguns
da prosperidade e grandeza do império. países, como França e Espanha.
• Conivência da Igreja que corrobora a visão de Salazar • Golpe de estado em Espanha, para derrubar as forças
como o salvador da moralidade cristã. comunistas, liderado pelo general Franco, o que resul-
• Criação de movimentos, como o da Mocidade Portugue- tou depois numa sangrenta guerra civil.
sa, que desde cedo incutiam na população os valores e • Afirmação da Alemanha e da Itália como grandes po-
a ideologia do regime. tências económicas e tentativa de alargamento do seu
• Atitude repressiva através de perseguições, torturas e domínio, através da invasão/ocupação da Renânia (por
prisão dos que se opunham ao regime. parte da Alemanha) e da Etiópia (no caso da Itália).
• Ausência de liberdade de expressão e de pensamento – • Indiferença/apatia da Sociedade das Nações perante
censura de jornais, de livros... esta situação.
• Vida miserável do povo e do país, mergulhado num es- • Escusa da Inglaterra de tomar uma posição sancionató-
tado de estagnação. ria contra a Alemanha e a Itália, ao mesmo tempo que
reivindicava a redistribuição de colónias portuguesas.
Espaço
• Cidade de Lisboa, apresentada como um labirinto, monótona, sem condições higiénicas, onde abundava a pobreza.
• Cidade sombria, silenciosa, chuvosa, de águas turvas, metáforas que contribuem para destacar a opressão
e a repressão exercidas pelo regime sobre o povo e daí a constatação final de que a terra aguarda pela mudança.
• Deambulação de Ricardo Reis pela cidade, o que leva a uma viagem literária, constatando que, ao fim de 16 anos,
tudo continua igual (o que remete para a estagnação).
Personagens
Lídia Marcenda
• Mulher independente, ativa, perspicaz e questionadora, • Mulher passiva, sem vontade nem convicções,
preocupada com o mundo que a rodeia. obediente ao pai, deficiente – representa a inér-
• Fértil, engravida de um filho que poderá ajudar a preparar cia, a apatia, a desistência de Ricardo Reis e, por
o futuro. essa razão, não luta e não aceita o pedido de
• Representa a possibilidade de Ricardo Reis vingar e viver casamento.
sem o seu criador, transformando-se num agente ativo e • Aquela que murcha, que não é eterna – contrasta
não num mero espectador. com as musas das odes, no entanto, será ela
• Contrasta com a Lídia das odes – platónica, tranquila, quieta. a imortalizada numa ode de Reis.
321
CONSOLIDAÇÃO
• Configuração do espaço da cidade de Lisboa como uma realidade confinadora e destrutiva (“Ricardo
Reis atravessou o Bairro Alto, descendo pela Rua do Norte chegou ao Camões, era como se estivesse
dentro de um labirinto que o conduzisse sempre ao mesmo lugar”).
Cesário • Deambulação geográfica como ponto de partida para outras evasões (viagem literária).
Verde • Comiseração e identificação do narrador com certas figuras do povo observadas.
• Remissão para a questão épica e para a evocação de um passado glorioso contrastante com a estag-
nação de um presente moribundo.
• Visualismo impressionista e convergência dos sentidos.
• Construção da personagem de Ricardo Reis à luz das características fixadas pelo seu criador, Fer-
nando Pessoa.
Fernando • Evocação das características, quer da personalidade do ortónimo e dos heterónimos quer do seu
Pessoa estilo literário, através, por exemplo, das conversas entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa.
• Citações, alusões, imitações criativas, paráfrases e paródias de versos do ortónimo e dos vários
heterónimos.
322
VERIFICAÇÃO
1 Associe as afirmações da coluna A às da coluna B de modo a obter afirmações
verdadeiras.
Jogo: #DesafioLiterário:
José Saramago
Coluna A Coluna B
a. A ação de O ano da morte 1. quer a nível interno quer externo, era a de governante modelo.
de Ricardo Reis decorre 2. funciona como uma metáfora da situação histórica e políti-
em 1936, ca que se vivia em Portugal em 1936.
b. Em Portugal, vivia-se um
3. de que sábio é aquele que se contenta com o espetáculo
clima
do mundo.
c. A imagem de Salazar,
4. era a de um líder rigoroso, mas solidário e protetor.
d. A forma como o espaço
5. altura em que se assistia na Europa a uma grande instabi-
da cidade de Lisboa apa-
lidade política, nomeadamente pela existência de ditaduras
rece caracterizado
fascistas.
e. Através da sua obra,
José Saramago quis ne- 6. de prosperidade e paz, largamente divulgado nos jornais.
gar a máxima, atribuída 7. de opressão e de miséria, embora a propaganda do Estado
a Ricardo Reis, quisesse passar uma imagem de prosperidade.
323
AVALIAÇÃO
GRUPO I
Leia o texto.
Agora, esperar. Ler as gazetas, neste primeiro dia também as da tarde, reler, medir, ponderar
e corrigir desde o princípio as odes, retomar o labirinto e o deus dele, olhar da janela o céu, ouvir
falarem na escada a vizinha do primeiro andar e a vizinha do terceiro andar, perceber que as
agudas vozes lhe são destinadas, dormir, dormitar e acordar, sair só para o almoço, de fugida,
5 ali pertinho, numa casa de pasto do Calhariz, tornar aos jornais já lidos, às odes arrefecidas, […]
decidir que este silêncio é insuportável sem uma nota de música, que um destes dias irá comprar
uma telefonia, e para se informar do que melhor lhe convenha procura os anúncios das marcas,
Belmont, Philips, RCA, Philco, Pilot, Stewart-Warner, vai tomando notas, escreve super-heteródi-
no sem perceber mais que o super, mesmo assim com dúvidas, e, pobre homem solitário, pasma
10 diante de um anúncio que promete às mulheres um peito impecável em três a cinco semanas
pelos métodos parisienses Exuber, […] e depois regressa resignado às notícias já lidas, morreu
Alexandre Glazunov, autor do Stenka Rázine, por Salazar, esse ditador paternal, foram inaugura-
dos refeitórios na Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, a Alemanha anuncia que não
retirará as suas tropas da Renânia, novos temporais assolaram o Ribatejo, foi declarado o estado
15 de guerra no Brasil e presas centenas de pessoas, palavras de Hitler, Ou dominamos o nosso des-
tino ou perecemos, enviadas forças militares para a província de Badajoz onde milhares de traba-
lhadores invadiram propriedades rurais, [...] começaram as filmagens da Revolução de Maio que
conta a história de um foragido que entra em Portugal para fazer a revolução, não aquela, outra,
e é convertido aos ideais nacionalistas pela filha da dona da pensão onde vai hospedar-se clan-
20 destino, esta notícia leu-a Ricardo Reis primeira, segunda e terceira vezes, a ver se libertava um
impreciso eco que zumbia no fundo recôndito da memória, Isto lembra-me qualquer coisa, mas
das três vezes não conseguiu, e foi quando já passara a outra notícia, greve geral na Corunha, que
o ténue murmúrio se definiu e tornou claro, nem sequer se tratava de uma recordação antiga, era
a Conspiração, esse livro, essa Marília, a história dessa outra conversão ao nacionalismo e seus
25 ideais, que, a avaliar pelas provas dadas, sucessivas, têm nas mulheres ativas propagandistas,
com resultados tão magníficos que já a literatura e a sétima arte dão nome e merecimento a esses
anjos de pureza e abnegação que procuram fervidamente as almas masculinas transviadas […].
José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, Porto,
Porto Editora, 2021, cap. XI, pp. 282-284.
2 Exponha três notícias lidas pela personagem, explicitando a sua importância para a ca-
racterização do século XX na Europa e em Portugal.
324
PARTE B
4 Exponha as ações praticadas pelo povo para salvar o Mestre, assim que chegou aos
paços da rainha.
a. b. c.
325
AVALIAÇÃO
PARTE C
GRUPO II
Leia o texto.
Centenário de Saramago
As celebrações do centenário de José Sa-
ramago iniciaram-se em novembro e pro-
longam-se até dia 16 de novembro de 2022,
dia em que o escritor faria 100 anos. O plano
5 foi elaborado pelo professor Carlos Reis a ainda vai publicar novas capas dos livros de
convite da Fundação José Saramago. Saramago. Portanto, “será um programa dig-
Em declarações ao JPN, à margem do 25 no da dimensão de José Saramago”.
evento na Lello, Sérgio Machado Letria ga- As celebrações vão decorrer em vários
rante que o programa é “muito diversifica- pontos do país e até no estrangeiro, como
10 do, com uma grande componente de outras em Lanzarote (ilha espanhola onde o escri-
linguagens artísticas em diálogo com a lite- tor viveu) e no Brasil. Assim, estão previstas
ratura de Saramago”, sendo que as leituras 30 sessões em bibliotecas de diferentes zonas
são o “eixo fundamental”. Exemplo disso vão do país e as leituras centenárias estão distri-
ser as adaptações teatrais de textos de Sara- buídas por 300 escolas nacionais.
15 mago e as peças de bailado contemporâneo Durante o evento foi dada a oportunida-
e clássico, a partir da obra do escritor. de ao público de colocar questões aos dife-
Além disso, também vão ser publica- 35 rentes membros do painel. Sérgio Machado
das reedições da obra e dois livros novos: Letria terminou a sessão com a leitura de
uma fotobiografia de Saramago, que vai ser um texto de Saramago, intitulado “Os es-
20 dada à estampa no início do próximo ano; e critores perante o racismo”, comprovando a
uma edição especial da Viagem a Portugal, que atualidade do compromisso ético da escrita
foi publicada recentemente. A Porto Editora 40 de José Saramago.
https://www.jpn.up.pt, consultado em agosto de 2022
(adaptado e com supressões).
326
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.6, selecione a opção correta.
1.3 O valor aspetual configurado no segmento “O plano foi elaborado pelo professor
Carlos Reis” (ll. 4-5) é
A. imperfetivo. C. iterativo.
B. habitual. D. perfetivo.
1.4 A oração “que o programa é ‘muito diversificado’” (ll. 9-10) classifica-se como
subordinada
A. substantiva completiva. C. adjetiva relativa explicativa.
B. adjetiva relativa restritiva. D. adverbial consecutiva.
2 Classifique a oração “que vai ser dada à estampa no início do próximo ano” (ll. 19-20).
GRUPO III
1 As obras literárias inscrevem-se num determinado tempo e num certo lugar, e, por-
tanto, através do olhar atento e crítico do seu criador, elas podem constituir-se
como retratos da realidade em que nasceram.
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de 200 e um máximo de 300
palavras, apresente a sua perspetiva sobre o tema apresentado, fundamentando-a
em dois argumentos, cada um ilustrado com um exemplo.
327
Bloco
informativo
I – RECORDAR E RELACIONAR COM SENTIDO(S)
ESQUEMAS-SÍNTESE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 332
A visão crítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 332
As sombras da tragédia e as contradições do “eu” . . . . . . . . . 333
A Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 334
Ficção com aparência de verdade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335
Meditação sobre Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 336
Realidade e transformação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337
INTERTEXTUALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 338
A variedade do sentimento amoroso . . . . . . . . . . . . . . . . 338
Representações do quotidiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340
Matéria épica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 342
Crítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 344
COMO LER/ANALISAR
Texto poético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347
Texto em prosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 349
COMO ESCREVER
Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351
Texto expositivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353
Texto de apreciação crítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 355
Texto de opinião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 357
Autoavaliação da produção escrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359
II – GRAMÁTICA
360
ETIMOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Étimo e palavras convergentes e divergentes . . . . . . . . . . . 360
MORFOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
Processos regulares de formação de palavras . . . . . . . . . . . 362
Flexão verbal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 364
SINTAXE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373
Funções sintáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373
Funções sintáticas ao nível da frase . . . . . . . . . . . . . 373
Funções sintáticas internas ao grupo verbal . . . . . . . . 374
Funções sintáticas internas ao grupo nominal . . . . . . . 375
Função sintática interna ao grupo adjetival . . . . . . . . . 375
Frase complexa – coordenação e subordinação . . . . . . . . . . . 377
Coordenação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377
Subordinação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 378
Frase ativa e frase passiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 382
Pronome pessoal em adjacência verbal − regras de utilização . 383
Colocação do pronome átono . . . . . . . . . . . . . . . . . 383
LEXICOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 386
Arcaísmos e neologismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 386
Campo lexical e campo semântico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 386
Monossemia e polissemia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 386
Denotação e conotação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 387
Relações semânticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 387
Processos irregulares de formação de palavras . . . . . . . . . . . 388
SEMÂNTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 390
Modalidade e valor modal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 390
Valor aspetual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392
DISCURSO, PRAGMÁTICA E LINGUÍSTICA TEXTUAL . . . . . . . . . . 394
Dêixis pessoal, temporal e espacial . . . . . . . . . . . . . . . . . 394
ESQUEMAS-SÍNTESE
A visão crítica
332
As sombras da tragédia e as contradições do “eu”
Antero de Quental
Almeida Garrett
Sonetos completos
Frei Luís de Sousa
D. Madalena Temática do amor Poeta filosófico
de Vilhena puro, ofendido
pelas conveniências Profunda inquietude Dimensão
(episódio de Inês sociais e políticas metafísica
de Castro) ou religiosa
Vertente de tragédia
A importância de D. Sebastião Regresso
e de D. João de Portugal ao passado
Fase sombria Desejo de Entendimento
O conflito interior de Telmo e desesperada e de Luz
A heroicidade e o patriotismo
de Manuel de Sousa Coutinho Fase mais aberta
à esperança
A força e resistência
dos portugueses Impotência do sujeito
para conhecer e para agir
Conteúdos:
• dimensão patriótica e a sua expressão simbólica Suicídio
• Sebastianismo: História e ficção Conteúdos:
• recorte das personagens principais • angústia existencial
• dimensão trágica • configurações do Ideal
333
A Natureza
Almeida Garrett
Viagens na minha terra
Carlos
Conteúdos:
• deambulação geográfica e sentimento nacional
• representação da Natureza
• dimensão reflexiva e crítica Camões
• personagens românticas (narrador, Carlos Joaninha)
Rimas
334
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
Ficção Verosimilhança
Fernão Lopes
Livros de antigos
assentamentos da cadeia Crónica de D. João I
da Relação do Porto
As personagens
335
Meditação sobre Portugal
caricatura e ironia
Conteúdos:
− denúncia de um Portugal entorpecido • reflexões do poeta
− caricatura da classe dirigente,
incapaz de se regenerar a si
própria e de conduzir
o país relação com Almeida Garrett
Camões JOSÉ SARAMAGO
Frei Luís de Sousa
O ano da morte de Ricardo Reis
Conteúdos:
• representação de espaços Patriotismo de Manuel
sociais e a crítica de Representações do século XX em Portugal: de Sousa Coutinho
costumes a ditadura salazarista, a censura, a PVDE… e ideais/convicções
• espaços e seu valor Memorial do convento
de Telmo Pais
simbólico e emotivo
• descrição do real e o papel Conteúdos:
das sensações Despotismo e megalomania de D. João V;
a exploração do povo • sebastianismo
• representações do e patriotismo (perda
sentimento e da paixão
MANUEL ALEGRE da independência
• características trágicas e domínio filipino)
dos protagonistas O poeta “engagé”
Conteúdos: Conteúdos:
• dimensão satírica • crítica social
336
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
Realidade e transformação
Conteúdos:
Conteúdos: • espaços e seu valor
• representação da cidade e dos tipos sociais simbólico e emotivo
• deambulação e imaginação: o observador • descrição do real e
acidental papel das sensações
• perceção sensorial e transfiguração poética
do real
• imaginário épico (em “O sentimento dum
ocidental”)
Fernão Lopes
Crónica de D. João I
JOSÉ SARAMAGO
A vivacidade do discurso
O ano da morte de Ricardo Reis
na representação da realidade
Deambulação
A representação da cidade
A viagem geográfica e literária
MANUEL DA FONSECA
A representação do Alentejo
337
INTERTEXTUALIDADE por Carla Marques
338
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
339
Representações do quotidiano
O facto de o texto literário, em algumas situações, assumir a realidade extraliterária como pano de
fundo da ficção apresentada permite ao leitor ter acesso a aspetos do quotidiano de diferentes épo-
cas e contextos, assumindo-se a obra como um documento histórico que oferece acesso a realidades
que, por vezes, se encontram escassamente documentadas. Assim, a análise dos textos possibilita,
não raro, a consciência de realidades socioculturais específicas e inclusive a sua evolução através
dos tempos.
340
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
341
Matéria épica
O género épico visa enaltecer os feitos grandiosos de um herói individual ou coletivo, imortalizando-
-o. O herói e a sua ação grandiosa constituem componentes essenciais da matéria épica dos textos
clássicos. O herói é marcado por traços distintivos como a coragem, a ousadia e a capacidade de su-
peração de obstáculos diversos e das limitações da sua própria condição. Sendo um género maior da
Antiguidade Clássica, a epopeia foi recuperada na época do Renascimento por autores como Camões.
Ao longo dos tempos e até à atualidade, é possível assinalar obras onde o épico tem a sua presença,
embora a matéria épica tenha sofrido alterações.
Porque o presente é o tempo da agonia do império passado, o poeta ousa sonhar com uma
futura glória portuguesa, que constituiria uma possível futura matéria épica:
• a viagem marítima: o poeta sonha com a grandeza de novas descobertas, mas rapidamente
conclui que a grandeza do passado está perdida porque os cidadãos estão presos dentro da
cidade de Lisboa.
342
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
343
Crítica
344
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
345
Poesia de Manuel Alegre
O poeta assume na sua poesia (sobretudo na produção anterior ao 25 de Abril) o perfil do poe-
ta militante, interventivo, que tem como função primordial a denúncia de situações de cariz
político-social que configuram a realidade de um país que importa expor e mudar. A poesia é
vista como uma forma de intervenção social através da denúncia e do protesto expressos pelo
recurso à simbologia das palavras. Os principais temas abordados resultam do contexto histó-
rico-político do Estado Novo que o poeta recusa e contra o qual se insurge por meio da palavra
poética:
• poder totalitário e opressivo
• Guerra Colonial e suas consequências
• falta de liberdade Séc.
• ação da PIDE XX
• censura
346
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
COMO LER/ANALISAR
Texto poético
Para exemplificar
Atente nas etapas a considerar para proceder à análise de um texto poético.
Que angústia me enlaça? • nomes com carga semântica oposta, mas relativos ao sentimento
10 Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.
[dezembro de 1924]
Fernando Pessoa, Poesias (nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor),
Lisboa, Ática, 15.ª ed., 1995, p. 105 (disponível em http://arquivopessoa.net/textos/2420).
4 Reler atentamente as questões que se colocam sobre o texto e interpretar os verbos de coman-
do. Atente nos exemplos:
347
4.3 Explique a afirmação “E eu sonho sem ver / Os sonhos que tenho.” (vv. 7-8)
A pergunta requer que se desmonte a afirmação:
“Sonhar sem ver” os sonhos é perfeitamente normal. Contudo, neste contexto, significa a ir-
realização desses sonhos, ou seja, a incapacidade de os concretizar. Os sonhos podem não se
ver enquanto idealizados, mas, quando se concretizam, surge a obra, que já pode ser vista. No
entanto, no caso do sujeito poético, os sonhos não dão origem a realizações, o que justifica o seu
estado de tristeza e de abatimento.
APLICAÇÃO
Texto poético
348
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
Texto em prosa
Para exemplificar
Atente nas etapas a considerar para proceder à análise de textos em prosa.
Carregou-se o sobrecenho de D. João V, porque a cansada lisonja em nada • Caracterização psicológica de D. João V
o aliviara, e indo abrir a boca para responder com secura, preferiu chamar • Referência temporal – data prevista
outra vez os secretários e perguntar-lhes em que data voltaria a cair a um da sagração da Basílica de Mafra,
que permite a localização da ação por
domingo o seu aniversário, passada esta de mil setecentos e trinta, pelos vis- volta de 1728.
5 tos não bastante prazo. Trabalharam eles afanosamente as suas aritméticas • “Porém” advérbio conectivo com
e com alguma dúvida responderam que o acontecimento tornaria a dar-se dez valor adversativo; introduz no dis-
anos depois, em mil setecentos e quarenta. curso uma oposição entre o modo de
pensar da corte e a do próprio mo-
Estavam ali oito ou dez pessoas, entre rei, Ludovice, Leandro, secre-
narca (não vê vantagens na data de
tários e fidalgos de semana, e todos acenaram gravemente a cabeça, 1740, pois já terá 51 anos).
10 como se o próprio Halley tivesse acabado de explicar a periodicidade • O descontentamento com a data é
dos cometas, as coisas que os homens são capazes de descobrir. Porém, sublinhado através da utilização do
D. João V teve um pensamento negro, viu-se-lhe na cara, e faz rápi- advérbio “lugubremente” e pela ora-
ção condicional, introduzida por “Se”.
das contas, mentais, com ajuda dos dedos, Em mil setecentos e quarenta
• Comparação irónica entre o sofri-
terei cinquenta e um anos, e acrescentou lugubremente, Se ainda for vivo.
mento de Cristo no Monte das Olivei-
15 E por alguns terríveis minutos tornou a subir este rei ao Monte das Olivei- ras (intertextualidade com a Bíblia)
ras, ali se agoniou com o medo da morte e o pavor do roubo que lhe seria e o calvário que foi para D. João V
feito, agora acrescentando um sentimento de inveja, imaginar seu filho já constatar a sua mortalidade.
• A possibilidade de não ser ele a inau-
rei, com a rainha nova que está para vir de Espanha, gozando ambos as de-
gurar a basílica de Mafra deixa an-
lícias de inaugurar e ver sagrar Mafra, enquanto ele estaria apodrecendo tever traços de caráter de D. João V
20 em S. Vicente de Fora, perto do infantezinho D. Pedro, morto tão peque- que o caracterizam como um rei ego-
nino da brutalidade do desmame. Estavam os circunstantes olhando o rei, cêntrico, vaidoso e megalómano, que
pretende a imortalidade através da
Ludovice com alguma curiosidade científica, Leandro de Melo indignado construção e inauguração da basílica.
contra a severidade da lei do tempo que nem as majestades respeita, os • Despotismo do rei – reitera a ideia de
secretários duvidando de terem acertado nos bissextos, os camaristas ava- que se trata de um monarca absolu-
25 liando as suas próprias probabilidades de sobrevivência. Todos esperavam. tista. A sua vontade concretizar-se-á
a qualquer custo, como provam as
E então D. João V disse, A sagração da basílica de Mafra será feita no dia vinte
expressões disjuntivas sublinhadas.
e dois de outubro de mil setecentos e trinta, tanto faz que o tempo sobre como
falte, venha sol ou venha chuva, caia a neve ou sopre o vento, nem que se
alague o mundo ou lhe dê o tranglomango.
José Saramago, Memorial do convento, 63.a ed., Porto,
Porto Editora, 2022, cap. XXI, pp. 321-323.
349
4.1 Evidencie, comprovando com elementos textuais, o despotismo do rei D. João V.
A resposta deverá mostrar, através de exemplos (evidenciar), a prepotência e o absolutismo
do rei:
• a persistência em levar avante uma decisão megalómana por capricho e vaidade:
− “em que data voltaria a cair a um domingo o seu aniversário, passada esta de mil setecentos
e trinta, pelos vistos não bastante prazo”;
− “Em mil setecentos e quarenta terei cinquenta e um anos, e acrescentou lugubremente,
Se ainda for vivo. E por alguns terríveis minutos tornou a subir este rei ao Monte das Oliveiras,
ali se agoniou com o medo da morte e o pavor do roubo que lhe seria feito”;
• a forma como se serve do seu poder para ordenar que seja feita a sua vontade:
− “A sagração da basílica de Mafra será feita no dia vinte e dois de outubro de mil setecentos
e trinta.
4.3 Demonstre em que medida a enumeração, a comparação e a ironia contribuem para acen-
tuar o servilismo dos súbditos do rei D. João V.
O aluno deverá mostrar, através de exemplos, o recurso à enumeração, à comparação e à ironia,
explorando o seu valor semântico, de forma a justificar que, com o seu uso, se acentua o servi-
lismo dos súbditos do rei. A resposta deverá contemplar aspetos como:
• identificação textual dos recursos expressivos:
− enumeração: “Estavam ali oito ou dez pessoas, entre rei, Ludovice, Leandro, secretários e
fidalgos de semana…”; “Estavam os circunstantes olhando o rei, Ludovice com alguma curio-
sidade científica, Leandro de Melo indignado contra a severidade da lei do tempo que nem as
majestades respeita, os secretários duvidando de terem acertado nos bissextos, os camaris-
tas avaliando as suas próprias probabilidades de sobrevivência”.
− comparação: “todos acenaram gravemente a cabeça, como se o próprio Halley tivesse aca-
bado de explicar a periodicidade dos cometas”
− ironia: “as coisas que os homens são capazes de descobrir.”
• comentário sobre o valor semântico dos recursos expressivos:
− os três recursos expressivos demonstram a grandiosidade do séquito de D. João V, que é
convocado para que o monarca possa ser devidamente aconselhado, a fim de tomar uma de-
cisão. O rei faz-se ladear de súbditos que desempenham diferentes funções, que tudo fazem
para corresponder às solicitações de D. João V, ainda que sejam colocados perante questões
de difícil resposta, e que vão aguardando temerosa e curiosamente pela sua decisão, saben-
do, de antemão, que a vontade do monarca será sempre cumprida.
350
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
COMO ESCREVER
Para recordar
Considere as três fases essenciais para a elaboração de uma síntese: (1) fase preparatória;
(2) fase de redação e (3) fase da revisão.
1 Fase preparatória
• Leia o texto de partida para apreender a sua estrutura e o seu sentido global.
• Sublinhe as ideias/os factos subjacentes à progressão textual (eliminando pormenores, repe-
tições, exemplificações…).
• Selecione vocabulário ou expressões-chave.
• Assinale os conectores ou os articuladores que ligam frases ou parágrafos entre si, estabe-
lecendo relações de semelhança, de contraste/oposição, de posteridade, de anterioridade,
de causa…
• Registe, à margem do texto, a ideia central de cada parágrafo (ver “Para exemplificar”).
2 Fase da redação
• Utilize uma linguagem própria.
• Respeite as ideias do texto, não obrigatoriamente pela ordem da apresentação.
• Evite a colagem ao texto de partida.
• Elimine pormenores desnecessários.
• Substitua sequências textuais por outras mais económicas.
3 Fase da revisão
• Verifique a articulação lógica das ideias (coerência) e a gramaticalidade da escrita (coesão).
• Corrija falhas ao nível da ortografia, da acentuação, da pontuação, da sintaxe e da seleção
do vocabulário.
• Respeite a extensão textual indicada, normalmente correspondente a um quarto do texto de
partida (ou seja, um texto de 350 palavras dará origem a um texto de cerca de 90 palavras).
• Avalie o cumprimento das marcas específicas deste género textual.
351
Para exemplificar
A. Texto de origem
Os heterónimos
1.˚ PARÁGRAFO Os heterónimos são personalidades satélites da sua, máscaras nas quais [Pes-
Os heterónimos são
máscaras de Pessoa, uma
soa] se esconde. Neste sentido, constituem não só uma invenção literária como
invenção necessária uma necessidade para o seu equilíbrio psicológico e para a procura da sua identi-
ao equilíbrio emocional dade profunda e complexa. São necessários para a expressão e para a plena reali-
e à incessante busca da
identidade do poeta. 5 zação humana e literária do poeta.
Eduardo Lourenço defende que “não é o homem Pessoa que é múltiplo ou plural,
2.˚ PARÁGRAFO
Estas personalidades é sim sua inspiração, seu estilo, sua prosódia”. Assim, os heterónimos não terão
constituem-se como criado os poemas, os poemas é que o terão forçado a criar os heterónimos. Deste
alternativas estilísticas
a Pessoa, já que foram
modo, os heterónimos de Pessoa seriam não só alternativas filosóficas como al-
criadas para serem 10 ternativas estilísticas. Como reafirma Casais Monteiro: “inventou as biografias para
os autores dos poemas. as obras, e não as obras para as biografias.”
Sabendo ser a perfeição absoluta a Unidade impossível de atingir, tenta a per-
feição relativa desdobrando-se em diversas personalidades distintas e até contra-
3.˚ e 4.˚ PARÁGRAFOS
Pessoa desdobrava-se ditórias entre si. Como ele afirmou: “E porque são estilhaços / Do ser, as coisas
em personalidades 15 dispersas / Quebro a alma em pedaços / E em pessoas diversas.”
distintas de si, numa
tentativa de atingir Eduardo Lourenço assegura: “Pessoa compreende que o Absoluto é um mito e
a Unidade. que não há senão uma pluralidade de caminhos, todos com a mesma possibilidade
de serem essa Verdade que não existe.”
Assim vai o poeta “mudando de personalidade”, enriquecendo-se “na capacidade
5.˚ PARÁGRAFO 20 de criar personagens novas, novos tipos de fingir”, para deste modo compreender
O poeta tenta compreender
o mundo através desse o mundo, ou antes, “de fingir que se pode compreendê-lo”, e esclarece: “Pus no
enriquecimento de Caeiro todo o meu poder de despersonalização dramática, pus em Ricardo Reis toda
personalidade, que lhe
proporcionam os a minha disciplina mental, vestida da música que lhe é própria, pus em Álvaro de
heterónimos. Campos toda a emoção que não dou nem a mim, nem à vida.”
25 De entre as dezenas de heterónimos (e semi-heterónimos e pseudónimos) que
6.˚ PARÁGRAFO criou ao longo da vida, destacam-se pela sua constância e produção: Alberto Caeiro,
Os heterónimos Ricardo Reis e Álvaro de Campos. De facto, muitas das suas “personalidades literá-
que mais se destacam
pela riqueza das suas rias” têm, na realidade, muitos mais projetos do que realizações. Ao poeta ocorre
obras são Caeiro, Reis um jorrar incessante de ideias novas acerca dos seus heterónimos sem que tenha
e Campos.
30 o tempo ou a vontade necessária para as concretizar.
(346 palavras)
Os heterónimos são máscaras de Pessoa e são uma invenção necessária ao seu equilíbrio
emocional e à sua busca de identidade. Uma vez que foram concebidos para serem autores dos
poemas criados, constituem-se como alternativas estilísticas ao poeta.
Este desdobramento em personalidades distintas de si é uma tentativa de o poeta atingir a
Unidade que, no entanto, sabe inatingível.
Assim, o poeta tenta compreender o mundo através desse enriquecimento de personalidade
que lhe proporcionam os heterónimos, dos quais se destacam Reis, Caeiro e Campos.
(84 palavras)
352
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
Texto expositivo
Animação: Escrever
um texto expositivo
O texto expositivo tem como objetivo elucidar de forma clara, concisa e objetiva um determinado
tema. Apresenta, por isso, um caráter demonstrativo.
Para recordar
Atente nas três fases essenciais para a elaboração de uma exposição sobre um tema: (1) fase
preparatória; (2) fase de redação e (3) fase da revisão.
1 Fase preparatória
• Selecione os temas/subtemas a contemplar.
• Pesquise informação tendo por base fontes credíveis (livros, textos críticos de autores conhe-
cedores do tema, revistas, jornais ou sítios de internet com credibilidade).
• Comprove os factos apresentados, identificando as fontes usadas, assim como datas, estatís-
ticas, dados bibliográficos e outros.
• Planifique o texto, organizando a informação selecionada.
2 Fase da redação
• Identifique, na introdução, o assunto a tratar.
• Organize sequencialmente as informações a transmitir, utilizando adequadamente os conec-
tores discursivos.
• Indique corretamente as fontes consultadas, assim como as citações, estatísticas ou dados
apresentados.
• Utilize uma linguagem própria.
3 Fase da revisão
• Corrija eventuais erros de ortografia, pontuação e acentuação.
• Verifique a coerência do discurso e a utilização adequada dos conectores (coesão textual).
• Certifique-se do cumprimento das marcas específicas deste género textual.
Para exemplificar
Leia o texto, prestando atenção à informação registada lateralmente.
353
quer a influência de fuga, os bons aromas – seja o cheiro a lareira, da relva acabada de cortar ou de bolos no
dos cheiros bons quer
a dos cheiros maus: 10 forno – fazem-nos sentir seguros e amados. Controlar a forma como nos sentimos e agimos é
• os maus provocam uma das potencialidades de decifrar os cheiros, para depois os poder espoletar de modo a
desagrado
e afastamento;
aumentar a produtividade ou determinar uma compra por impulso. E esses são comportamen-
• os bons estimulam tos que interessam às empresas e marcas que vendem serviços e produtos. Como as de
sentimentos positivos.
perfumes.
3.˚ PARÁGRAFO 15 Um estudo realizado por Rachel Herz, da Universidade de Brown (EUA), e Haruko Sugiyama
Demonstração/ e colegas, da empresa de cosmética japonesa Kao Corporation, publicado no mês passado,
elucidação da
ideia apresentada procurou identificar o modo como o cheiro evoca memórias e emoções pessoais e influencia a
anteriormente, decisão de comprar.
recorrendo à
identificação de uma Os cheiros têm também o poder de desbloquear memórias subconscientes. A indústria dos
fonte. 20 perfumes tenta obter a maior quantidade de informação para melhorar as suas vendas. Ao criar
4.˚ PARÁGRAFO um perfume de raiz, um perfumista mistura e harmoniza centenas de aromas individuais, na-
Apresentação de nova
fundamentação – os
turais ou sintéticos. No fundo, tenta “compor uma sinfonia olfativa”, explica o perfumista por-
cheiros desencadeiam tuguês Lourenço Lucena, o único luso que é membro da Société Française des Parfumeurs.
memórias
subconscientes.
“Compor um perfume é contar uma história com um final feliz”, na qual viajamos, criando a
Recurso novamente 25 partir daí uma “memória positiva”. Do mesmo modo, o perfume de alguém de que não gostamos
a uma fonte transporta-nos logo para uma memória negativa. “Esse despertar da memória imediata só
conhecedora do
assunto em causa –, acontece porque o olfato é o único sentido que não passa por um processo de cognição. Vai
o perfumista Lourenço direto ao hemisfério direito, o das emoções, onde tem também lugar a memória”.
Lucena.
Será possível alguma vez adivinhar e generalizar os cheiros que geram empatia? Ou o olfato
5.˚ PARÁGRAFO
Conclusão, em forma 30 continuará a ser um agradável mistério?
de interrogação,
deixando em aberto Katya Delimbeuf, in revista E – Expresso, ed. n.˚ 2229, 18 de julho de 2015
a possibilidade de (com supressões).
novas descobertas.
APLICAÇÃO
Texto expositivo
1 Redija um texto expositivo, de 130 a 160 palavras, sobre a importância dos sentidos
na vida do ser humano.
Considere a proposta de planificação que se apresenta e siga as instruções respeitantes
à produção de um texto expositivo.
Proposta de planificação:
• Introdução
− Os cinco sentidos: ferramentas essenciais para que o ser humano compreenda
o mundo que o rodeia.
• Desenvolvimento
− A importância de cada um dos sentidos para a compreensão do mundo.
− Relevância de particularidades de alguns dos sentidos.
− Alusão às consequências decorrentes da ausência de um dos sentidos.
(Explicitação de fontes credíveis que corroborem a informação acima exposta.)
• Conclusão
− Reforço da ideia da importância dos sentidos para a compreensão do mundo.
354
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
A apreciação crítica é um género textual que apresenta uma descrição sucinta seguida de um Animação: Escrever
uma apreciação crítica
comentário crítico sobre o objeto tratado (um debate, um livro, um filme, uma peça de teatro ou
outra manifestação cultural). Este género textual deve, portanto,
• apresentar um conteúdo informativo (descrição do objeto);
• incluir apreciações pessoais/comentários críticos;
• recorrer à argumentação e à exemplificação para fundamentar o ponto de vista adotado;
• utilizar uma linguagem valorativa, mas clara.
Para recordar
Considere as três fases essenciais para a elaboração de uma apreciação crítica: (1) fase da plani-
ficação; (2) fase de redação e (3) fase da revisão.
1 Fase da planificação
• Introdução
− Descrição sucinta do objeto a apreciar.
• Desenvolvimento
− Comentário crítico valorativo (positivo ou negativo).
− Organização, por tópicos, dos argumentos e dos exemplos que fundamentam o ponto de
vista emitido.
• Conclusão
− Síntese do comentário veiculado.
2 Fase da redação
• Organize sequencial e coerentemente os tópicos elencados na fase anterior, tendo em conta
a estrutura tripartida proposta.
• Explore os argumentos e os exemplos, para que validem e sustentem os comentários críticos
efetuados.
• Utilize a primeira pessoa.
• Escolha um vocabulário cuidado e valorativo.
• Empregue, de forma diversificada e correta, os conectores discursivos.
3 Fase da revisão
• Certifique-se de que cumpriu a extensão indicada.
• Assegure-se de que usou corretamente a ortografia, a sintaxe e a pontuação.
• Verifique o uso adequado dos mecanismos de coesão textual e da articulação lógica das ideias
(coerência).
• Valide o cumprimento das marcas específicas deste género textual.
355
Para exemplificar
Considere os dois objetos de análise: uma obra literária e uma pintura. Atente na informação registada a vermelho.
António Tabucchi,
1.˚ PARÁGRAFO
Os três últimos dias de Fernando Pessoa
Introdução
Apresentação sucinta da Em Os três últimos dias de Fernando Pessoa, António Tabucchi, herdeiro de Pessoa, cruza
obra (objeto em análise). a biografia com a ficção, recriando os últimos momentos da sua vida.
2.˚ PARÁGRAFO Como um biógrafo, rememora a vida do poeta e apresenta-o no Hospital de São Luiz dos
Desenvolvimento
Síntese do conteúdo da
Franceses, para onde foi transportado devido a uma crise hepática, recebendo, durante três
obra, seguida de comentário 5 dias consecutivos, no leito de morte, os seus heterónimos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro
crítico: “o leitor reconhece
de Campos, Bernardo Soares e António Mora, e com eles discutindo temas e visões do mundo.
facilmente […] e a elas
adere, com a vivacidade […] No diálogo que travam, recordam juntos momentos vividos e Pessoa comunica-lhes os seus
escrita simples e melodiosa” últimos desejos. Nestas conversas, o leitor reconhece facilmente cada uma das personalida-
– argumentação e
exemplificação. des em questão e a elas adere, com a vivacidade de quem revisita lugares conhecidos, graças
10 a uma escrita simples, mas melodiosa.
3.˚ PARÁGRAFO
Assim, o autor presta uma homenagem a Pessoa, ao levantar questões como a identidade
Conclusão
Síntese do comentário, e as diferentes visões do mundo por parte de cada heterónimo, num romance caracterizado
reforçando as ideias por alguns críticos como um “delírio” de Tabucchi.
apresentadas, introduzido
por um advérbio conclusivo. Texto das autoras.
creto, visível na organização ilógica do espaço, e a crítica subjacente aos padrões comportamentais e convenções
sociais, poderá inferir-se a influência do Surrealismo nesta pintura que, embora causando estranheza, não deixa
15 de ser sugestiva.
Texto das autoras.
APLICAÇÃO
Apreciação crítica
1 Redija um texto, de 130 a 170 palavras, onde apresente uma apreciação crítica do filme que constitui uma
adaptação do romance Balada da praia dos cães, de José Cardoso Pires, proposto no Projeto de Leitura.
Exponha o seu ponto de vista com clareza e pertinência, fundamentando o comentário crítico efetuado
e recorrendo a um vocabulário valorativo.
356
I Recordar e Relacionar com Sentido(s)
Texto de opinião
O texto de opinião explicita um ponto de vista relativamente a um determinado tema. O autor, Animação: Escrever
um texto de opinião
servindo-se de argumentos e de exemplos justificativos, pretende atingir o objetivo primordial de
persuadir o leitor/ouvinte da validade das suas opiniões, que são apresentadas de forma clara e
pertinente, através de um discurso valorativo.
Para recordar
A redação de um texto de opinião requer uma planificação prévia, que engloba:
(1) a fase preparatória; (2) a fase da redação e (3) a fase da revisão, tal como a seguir se demons-
tra.
1 Fase preparatória
• Defina a tese.
• Pesquise sobre o tema.
• Liste e ordene os argumentos (e contra-argumentos), e respetivos exemplos ilustrativos (para
fundamentação do ponto de vista/tese).
• Planifique previamente o texto, de acordo com a seguinte sugestão:
− apresentação e enquadramento do tema e da tese a defender (introdução);
− argumentação: apresentação de argumentos e de exemplos justificativos, com recurso a
citações e/ou a dados estatísticos que permitam confirmar a tese defendida (desenvolvi-
mento);
− síntese: reforço das ideias defendidas e eventuais sugestões (conclusão).
2 Fase da redação
• Complete e organize sequencialmente os tópicos elencados na fase anterior.
• Use a primeira pessoa e expressões valorativas.
• Indique corretamente citações e/ou fontes.
• Diversifique e adeque os conectores discursivos e o vocabulário.
3 Fase da revisão
• Certifique-se de que cumpriu a extensão indicada.
• Assegure-se de que fez o uso correto da ortografia, da sintaxe e da pontuação.
• Verifique a adequação dos mecanismos de coesão textual e da articulação lógica das ideias
(coerência).
• Valide o cumprimento das marcas específicas deste género textual.
357
Para exemplificar
Leia o texto, prestando atenção à informação registada lateralmente.
Refugiados
INTRODUÇÃO
A vaga de refugiados que acode através de diferentes rotas ao coração da Europa é um
Opinião pessoal daqueles problemas complexos, que desafia qualquer raciocínio simplista. É um problema es-
sobre a origem
tratégico, relacionado com erros de política externa do Ocidente no Iraque (2003), na Líbia (2011),
e as razões da
vaga de refugiados na Síria (2012-13)? Sem dúvida, mas não é só isso. É um problema da guerra secular que divide
que assola 5 o mundo islâmico, entre sunitas e xiitas? Parece claro que sim, mas é muito mais do que isso.
a Europa.
Nas vagas de refugiados encontra-se gente que foge da morte violenta (refugiados políticos),
DESENVOLVIMENTO mas também gente que foge de sociedades que se deixaram degradar ao ponto de não ofere-
– Apresentação das
razões (argumentos)
cerem a possibilidade de alimentar a sua população. Como distinguir um refugiado político de
e de exemplos um refugiado económico, se ambos fogem da morte? Por entre as múltiplas e entrecruzadas
que sustentam 10 causas, espreita também a sombra de longa duração e de profundo impacto da crise global do
a tese (o êxodo
de populações) ambiente, e em particular das alterações climáticas.
– a ausência de Na verdade, politicamente, este processo de deslocação das placas demográficas foi ace-
alimentos.
– Explicitação do lerado com a chamada “Primavera Árabe”, começada na Tunísia no início de 2011. Sabemos
contexto que levou hoje que a Primavera Árabe de 2011, tal como a Revolução Francesa de 1789, foi (também)
às migrações de
2011, comparando 15 espoletada por uma enorme escassez e carestia de alimentos. Em 2010, as ondas de calor
com o exemplo da anormais na Rússia, que incendiaram milhões de hectares de florestas, levaram-na a suspen-
Revolução Francesa.
– Constatação de der as suas exportações agrícolas. Tal como ocorrera em 2007, quando as exportações de
que na base da cereais dos EUA sofreram uma quebra brusca, registou-se um aumento acentuado de preços,
“Primavera Árabe”
esteve também um
numa combinação de especulação e equilíbrio da oferta e da procura através do mecanismo
problema 20 dos preços.
de carência
As massas árabes de 2011 protestavam, em primeiro lugar, por pão e não tanto por liberdade.
de alimentos.
Um pão que, com as alterações climáticas em curso, se tornará cada vez mais inseguro, de-
CONCLUSÃO pendendo tanto ou mais de flutuações climáticas do que de jogos de mercado. A atual “crise de
Reforço das ideias
defendidas. refugiados” é apenas o sinal do perigoso e inquietante mundo novo que se abre à nossa frente.
25 E estamos apenas no início do princípio.
APLICAÇÃO
Texto de opinião
1 Redija um texto de opinião, de 170 a 200 palavras, sobre as consequências, tanto para a
Europa como para os países de origem, da vaga de refugiados que, diariamente, tentam a
entrada no velho continente em busca de uma vida melhor e de um futuro de esperança.
Exponha o seu ponto de vista com clareza e pertinência, apresentando exemplos e argu-
mentos comprovativos da tese defendida.
Considere as instruções expostas no que respeita à produção de um texto de opinião.
358
Autoavaliação da produção escrita
FASES PARÂMETROS
Planificação
Elaborei o plano.
Respeitei:
− a estrutura textual;
− o número de palavras indicado.
Diversifiquei o vocabulário.
Nota
Assinale + / − / +− em frente a cada parâmetro.
359
II Gramática (sistematização/aplicação)
FONÉTICA E FONOLOGIA
Epêntese Adição de uma unidade fónica no interior da palavra. HUMILE- > humilde
Paragoge Adição de uma unidade fónica no fim da palavra. ANTE > antes
Síncope Queda de uma unidade fónica no meio da palavra. GENERU- > genro
Apócope Queda de uma unidade fónica no fim da palavra. AMARE > amar
Metátese Troca de posição de unidades fónicas ou sílabas no interior de uma palavra. SEMPER > sempre
Transformação de uma consoante em vogal (depois de outra vogal, esta unidade
Vocalização OCTO > oito
realiza-se como semivogal).
Crase Contração de duas vogais numa só. TIBI > tii > ti
Contração Transformação em ditongo de uma sequência de duas vogais em hiato,
Sinérese LEGE- > lee > lei
pela semivocalização (transformação em semivogal) de uma delas.
Enfraquecimento de uma vogal em posição átona. Na atualidade, no português europeu, esse fenómeno é
Redução
observável quando comparamos formas como mesa/mesinha, em que uma mesma vogal surge com diferentes
vocálica
timbres, consoante se encontra em sílaba tónica (mesa) ou em sílaba átona (mesinha).
ETIMOLOGIA
360
APLICAÇÃO
2 Indique duas palavras que integram os étimos latinos seguintes e use-as numa
frase.
a. DOMUS b. APICULA c. PERSONA
361
MORFOLOGIA
Nota
Base − Constituinte
Processos regulares de formação de palavras morfológico que contém
o significado lexical (exclui
O léxico de uma língua é formado por todos os constituintes morfológicos portadores de os afixos) e a partir do qual
significado. Dele fazem parte não apenas as palavras do vocabulário atual mas também se formam novas palavras.
as palavras que já não se usam e todas as que podem ser criadas através de processos
regulares (DERIVAÇÃO e COMPOSIÇÃO) ou através de processos irregulares.
Derivação
Prefixação
Consiste na adição de um prefixo a uma base.
Exs.: desfazer; macroeconomia
Afixal Sufixação
Processo morfológico Consiste na adição de um sufixo a uma base.
que consiste na
associação de um Exs.: cozinheiro; caçada
afixo a uma base
Parassíntese
Processo morfológico de formação de palavras que consiste na adição
simultânea de um prefixo e um sufixo a uma base.
Exs.: a[padrinh]ar; a[podr]ecer; a[noit]ecer
362
II Gramática
APLICAÇÃO
Derivação Composição
a. jovialidade
b. guarda-fatos
c. pesca
d. enterrar
e. envelhecer
f. marítimo
g. neurocirurgião
h. desfazer
i. renumerar
j. pontiagudo
363
Flexão verbal
O verbo apresenta diferentes formas, em função dos valores de pessoa e número, do modo e do tempo.
Estas formas podem ser simples ou compostas.
simples saindo
Gerúndio
composto tendo saído
Particípio passado saído
• Quanto à flexão, os verbos podem ser regulares – quando mantêm a forma do radical e os sufixos
típicos da flexão de toda a conjugação (exs.: canto / cantarei / cantasse) –, ou irregulares – quando
apresentam variação na forma do radical e/ou nos sufixos de flexão (exs.: faço / fazia / fiz).
• Um verbo defetivo é aquele que não apresenta todas as formas flexionadas possíveis. Os verbos
defetivos podem ser: impessoais, se apresentam apenas formas no infinitivo e na 3.a pessoa do sin-
gular (exs.: chover, trovejar, haver, quando significa "existir") e unipessoais, se apresentam apenas
formas no infinitivo e na 3.a pessoa do singular e do plural (exs.: cacarejar, chilrear, ladrar, miar,
zurrar...).
364
II Gramática
APLICAÇÃO
Flexão verbal
Coluna A Coluna B
a. Gostaríamos que mais concursos de poesia.
b. Como seria de esperar, recurso da decisão
do júri, certo? 1. soube-se
2 Complete as frases com as formas verbais conjugadas nos tempos e modos indi-
cados.
Era bom que eles a. (querer – imperfeito do conjuntivo) participar no
concurso. Mas se alguém b. (supor – imperfeito do conjuntivo) que
c. (poder – condicional) ganhar um prémio aliciante, talvez
d. (ir – imperfeito do conjuntivo) muitos os candidatos.
Para que e. (haver – presente do conjuntivo) mais investimento na leitura,
as escolas f. (intervir – futuro do indicativo), g. (promover –
gerúndio) vários concursos e, assim, os alunos já h. (ver – presente do
indicativo) o benefício que daí i. (retirar – futuro do indicativo).
365
CLASSES DE PALAVRAS
“Conjunto das palavras que, por partilharem características morfológicas, sintáticas e/ou semânticas,
podem ser agrupadas na mesma categoria” – in Dicionário terminológico.
1
Advérbio que se utiliza em resposta ‒ Tencionam ir à visita de estudo?
a interrogativas globais1 ou como modificador − Certamente.
Afirmação de um constituinte2, contribuindo para 2
Lemos a obra, sim, e gostámos
asserir ou reforçar o valor afirmativo muito.
de um enunciado.
366
II Gramática
Advérbio que evidencia uma ideia • Talvez Mário de Carvalho possa vir à nossa escola.
Dúvida
de incerteza, indecisão ou hesitação.
3
Depois de reencontrar o seu passado, George
não ficou bem.
Advérbio que geralmente é modificador. • Amanhã tenho de fazer o trabalho sobre O ano
Tempo
da morte de Ricardo Reis.
1
Advérbio que pode ser complemento José Saramago morou lá, em Lanzarote.
oblíquo1, predicativo do sujeito2 2
Esta tarde ficamos aqui para visitar a Casa
Lugar ou modificador3. de Pessoa.
3
Saramago discursou aí quando recebeu o Prémio
Nobel.
367
Classes Subclasses Características Exemplificação
1
Varia em pessoa, género e número Os nossos resultados no teste
Possessivo
e em contextos definidos. sobre Caeiro foram bons.
meu(s), minha(s); teu(s), tua(s);
É geralmente precedido por um artigo 2
Estas minhas preferências por
seu(s), sua(s); nosso(s), nossa(s);
definido1 ou por um determinante poesia são inexplicáveis!
vosso(s), vossa(s)
demonstrativo2.
1
Demonstrativo Varia em género e número e tem um valor Estas linhas de leitura da obra
• Formas tónicas variáveis :1 deítico ou anafórico. Estabelece a sua são mais interessantes do que
este(s), esta(s) esse(s), essa(s) referência tendo em conta a relação aquelas.
aquele(s), aquela(s) de proximidade ou de distância em relação 2
Aquilo que me disseste sobre
a um participante do discurso ou a obra foi importante.
• Formas tónicas invariáveis2:
a um antecedente textual. 3
Percebeu a intenção do autor
isto, isso, aquilo
e demonstrou-a.
• Formas átonas3: o(s), a(s) 4
Revelou que tinha gostado da
• Forma átona invariável4: o obra de Reis./Revelou-o.
(usada na substituição
de constituintes oracionais)
368
II Gramática
em género e número,
Pronome
1
Divide-se em várias O padre Bartolomeu morreu!
subclasses, de acordo 2
Blimunda, no fim da narração, encontrou Baltasar.
Intransitivo1 com as suas restrições Blimunda, no fim da narração, encontrou-o.
Transitivo direto2 de seleção. 3
O diretor de turma telefonou ao meu pai.
Transitivo indireto3-4 O diretor de turma telefonou-lhe.
principal
1
É usado na formação de Ele tem lido todas as obras indicadas pelo
tempos compostos1 professor.
(ter/haver), em construções 2
O livro foi lido por todos os alunos desta turma.
auxiliar
369
Classes Subclasses Características Exemplificação
do 12.˚ ano.
ou uma fração precisa de uma
quantidade. • Já li metade da “Ode triunfal”.
Refere-se à totalidade dos • Nenhum aluno quis participar no concurso.
Universal
elementos de um conjunto.
Expressa uma quantidade • Bastantes pessoas gostam de ler.
Existencial
imprecisa.
Ligam elementos com igual • A Maria e a Joana gostam de poesia e
valor sintático, sejam palavras o Pedro gosta de prosa.
Conjunções coordenativas ou grupos de palavras numa
só oração, sejam orações
• Finalizámos o trabalho, mas já depois
• copulativas: e, nem do prazo estipulado.
diferentes, mas equivalentes
• adversativas: mas sintaticamente • Escreves um texto de opinião ou defendes
• disjuntivas: ou e independentes umas essa ideia oralmente?
das outras.
• conclusivas: logo • Não ouvi a orientação, logo tive dificuldades
• explicativas: pois, que na realização da tarefa.
• Acho que o teste correu bem ao Pedro, pois
ele estava feliz.
1
Conjunções subordinativas Introduzem orações Afirmaram que tinham estudado. /
Conjunção
Constituídas por duas ou mais palavras cujo valor semântico se associa ao das conjunções coordenativas
ou subordinativas.
Locuções conjuncionais
• causais: visto que; dado que; uma vez que; atendendo a que; dado que
• comparativas: bem como; assim como; tal… qual; tão/tanto… como; mais… (do) que
• concessivas: se bem que; ainda que; nem que; não obstante
Subordinativas • condicionais: salvo se; desde que; sem que; exceto se; contanto que; a não ser que
• consecutivas: de modo que; de maneira que; de forma que
• finais: para que; a fim de/que; com a finalidade de
• temporais: antes de/que; logo que; agora que; cada vez que; até que; assim que
370
II Gramática
São formadas tipicamente por um advérbio ou um nome seguido de uma preposição ou por um advérbio
Locuções no meio de duas preposições.
prepositivas Exs.: apesar de, junto a, além de, em redor de, perto de, defronte a/de, por causa de, em vez de, antes de,
para com…
Classe
Valores semânticos
Interjeições Locuções interjetivas
Nota
A interjeição não estabelece relações sintáticas com outras palavras e tem uma função exclusivamente emotiva.
O valor de cada interjeição depende do contexto de enunciação e corresponde a uma atitude do falante ou do enunciador.
371
APLICAÇÃO
Coluna A Coluna B
1. Esta obra é muito difícil de perceber.
a. GAdv. + GN
2. Álvaro de Campos defendia acerrimamente a modernidade.
b. GV + GrPrep. + GrPrep.
3. Caeiro seria incapaz de viver na cidade.
c. GN + GPrep.
4. Ricardo Reis acreditava no destino porque recebeu uma
d. GrPrep. + GV
educação clássica.
e. GAdj. + GPrep.
5. Perceberam o heterónimo pessoano tardiamente.
f. GN + GAdv.
6. Responderam às questões com muita dificuldade.
372
II Gramática
SINTAXE
Sujeito
Função sintática desempenhada pelo constituinte da frase que controla a concordância verbal. Pode ser
(1) um grupo nominal, substituível pelos pronomes pessoais eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas, ou (2) um
constituinte oracional. Encontra-se, por norma, em posição pré-verbal.
Vocativo
Função sintática desempenhada por um constituinte que não controla a concordância verbal e que serve
apenas para interpelar ou chamar o interlocutor; aparece em posição inicial, medial ou final, surgindo em
frases de tipo imperativo1, interrogativo2 ou exclamativo3.
Exs.: 1 Meninos, abram os livros.
2
Achas, João, que consegues responder?
3
Pode preparar-se para a procissão, Majestade?
Predicado
Função sintática desempenhada por um grupo verbal. Pode corresponder só ao verbo ou ao verbo com os
seus complementos e/ou predicativos requeridos, e ainda com os modificadores (do grupo verbal). Assim
temos:
• Predicado ‒ só com verbo ou complexo verbal (por norma, quando o verbo é intransitivo)
Ex.: A cidade adormecera.
• Predicado ‒ verbo + complementos e/ou predicativos e modificadores
Ex.: Ricardo Reis deambulou pela cidade.
373
Funções sintáticas internas ao grupo verbal
Complemento direto
Função sintática selecionada por verbos transitivos diretos, transitivos diretos e indiretos ou transitivos-
-predicativos, sendo exercida por grupos nominais (GN) ou constituintes oracionais. Os GN que exercem
esta função são pronominalizáveis pelos pronomes pessoais o, a, os, as, e os constituintes oracionais são
substituíveis pelos pronomes demonstrativos invariáveis isto, isso, aquilo.
Exs.: Os alunos preferem textos em prosa. Os alunos preferem-nos.
Saramago demonstrou que os autos de fé eram inaceitáveis. Saramago demonstrou isso.
Complemento indireto
Função sintática selecionada por um verbo transitivo indireto ou transitivo direto e indireto. O constituinte
sintático que exerce a função de complemento indireto é introduzido pela preposição a e pronominalizável
pelos pronomes lhe, lhes.
Ex.: Ricardo Reis agradeceu a Lídia. Ricardo Reis agradeceu-lhe.
Complemento oblíquo
Função sintática selecionada por um verbo transitivo indireto, ou transitivo direto e indireto. O constituinte
sintático que exerce a função de complemento oblíquo é introduzido, maioritariamente, por uma
preposição. Pode assumir um valor locativo1, de movimento2, de duração3, de necessidade ou de carência4.
Exs.: 1 Saramago viveu em Lisboa e em Lanzarote.
2
O interesse pela obra de Pessoa levou-o à África do Sul.
3
A procura de Blimunda por Baltasar prolongou-se por nove anos.
4
Os poetas precisam de inspiração.
Função sintática desempenhada por um constituinte selecionado por um verbo transitivo direto conjugado
na passiva, tendo como auxiliar o verbo ser.
Ex.: Reis, Campos e Caeiro foram criados por Fernando Pessoa.
Predicativo do sujeito
Função sintática desempenhada por um constituinte selecionado por um verbo copulativo que atribui uma
propriedade ao sujeito.
Exs.: Alguns alunos ficaram apaixonados pela poesia de Caeiro.
A obra de Manuel da Fonseca é aliciante.
Função sintática desempenhada por um constituinte selecionado por um verbo transitivo-predicativo que
atribui uma propriedade ao complemento direto.
Ex.: Fernando Pessoa considerava Camões um modelo.
374
II Gramática
Modificador do nome
Constituinte do grupo nominal que lhe modifica o sentido, apesar de não ser por ele selecionado. Pode ser:
• Modificador do nome restritivo: restringe/limita a referência do nome que modifica.
Pode configurar-se num grupo adjetival1, preposicional2, numa oração adjetiva relativa3, numa oração
subordinada final4.
• Modificador do nome apositivo: não restringe nem limita a referência do nome que modifica.
É obrigatoriamente delimitado por vírgula(s), e pode estar configurado num grupo nominal1, adjetival2
ou preposicional3, mas também numa oração adjetiva relativa explicativa4.
Complemento do adjetivo
Função sintática exercida por um constituinte selecionado por um adjetivo e que ocorre normalmente
à direita desse adjetivo, sendo composto, normalmente, por um grupo preposicional1, mas também por
um grupo oracional2.
Exs.: 1 Saramago estava convicto da irracionalidade dos atos de alguns homens.
2
Os alunos estão ansiosos por visitar a Casa Fernando Pessoa.
375
APLICAÇÃO
Sintaxe
2.4 O professor, que revela grande conhecimento da obra pessoana, cativa os alunos.
a. modificador do nome apositivo
b. complemento direto
376
II Gramática
Coordenação
Processo de combinação de duas ou mais frases equivalentes. Por isso, a oração coordenada está
contida numa frase complexa, não mantendo uma relação de subordinação sintática com a(s) frase(s)
ou oração(ões) com que se combina. Distingue-se, tipicamente, das orações subordinadas por não
poder ser anteposta. As orações coordenadas podem ser:
• Assindéticas
Orações coordenadas justapostas, sem recurso a conjunções ou locuções conjuncionais.
Ex.: Fernando Pessoa foi empregado de escritório, escreveu uma vasta obra sob diversas
identidades, traduziu textos de autores estrangeiros, fundou revistas que se desta-
caram na literatura portuguesa.
• Sindéticas
Orações coordenadas ligadas por conjunções ou por locuções conjuncionais.
Ex.: Fernando Pessoa foi empregado de escritório e escreveu não só uma vasta obra sob
diversas identidades como também traduziu textos de autores estrangeiros e fundou
revistas que se destacaram na literatura portuguesa.
Estas orações estabelecem, entre si, relações semânticas expressas pelas conjunções ou locuções
coordenativas que as unem, tal como se sistematiza na tabela seguinte.
Oração Conjunções/locuções
Sentido Exemplificação
coordenada conjuncionais coordenativas
Adversativa mas
Oposição, • Marcenda gostava de Ricardo Reis,
contraste mas não se quis casar com ele.
377
Subordinação
Processo de combinação de duas ou mais orações em que uma delas, a subordinada, está sinta-
ticamente dependente de outra, a subordinante. As orações subordinadas classificam-se como
substantivas, adjetivas ou adverbiais.
378
II Gramática
Apresenta a condição ou
• Caso não tivesse
se, caso, desde que, contanto regressado do Brasil,
a hipótese exigida para
Condicional que, salvo se, a menos que, Ricardo Reis nunca se
a realização da situação
a não ser que... encontraria com o seu
expressa na subordinante.
criador.
Expressa o efeito
• A criação literária de
Fernando Pessoa foi tão
tão/tanto… que, a ponto de, ou a consequência
Consecutiva intensa que ainda hoje
de tal modo… que... do que é dito na
subordinante. surgem textos inéditos
deste autor.
379
APLICAÇÃO
Coluna A Coluna B
1. Estudamos a poesia ortónima, mas também analisamos poemas
dos heterónimos.
a. Adversativa 2. Lemos a “Ode Triunfal”, mas não abordamos a “Ode Marítima”.
b. Conclusiva 3. ‒ Meninos, hoje analisamos dois poemas ou apresentam o trabalho
sobre Saramago.
c. Copulativa 4. Visitaremos a Fundação José Saramago, logo, será mais fácil
perceberem o autor.
d. Disjuntiva
5. Nem identificaram o patriotismo nem perceberam a presença
e. Explicativa do sebastianismo em Mensagem.
6. Eles não devem gostar muito de poesia, pois aderiram melhor
aos contos.
Coluna A Coluna B
a. Gostei tanto de O Ano da Morte de Ricardo Reis como 1. Subordinada adverbial
gostei do Memorial do convento. causal
b. Teriam obtido melhores resultados caso se 2. Subordinada adverbial
lembrassem das recomendações dadas. comparativa
c. Como não reviram os conteúdos de 11.º ano, tiveram 3. Subordinada adverbial
mais dificuldades no exame. concessiva
d. Consegui resolver o questionário ainda que tenha sentido 4. Subordinada adverbial
dificuldades. condicional
e. Fiz revisão destes conteúdos, mal a professora 5. Subordinada adverbial
aconselhou. consecutiva
f. Eles revelaram tanto interesse na obra Saramaguiana 6. Subordinada adverbial
que resolvemos visitar a sua fundação. final
g. Resolvemos as atividades de preparação para exame 7. Subordinada adverbial
para que os resultados sejam bons. temporal
380
II Gramática
APLICAÇÃO
4 Para completar cada um dos itens 4.1 a 4.5, selecione a opção correta. Resolução/Atividade:
Questão de exame
explicada: orações 1;
4.1 As frases seguintes apresentam uma oração subordinada substantiva, exceto Questão de exame
explicada: orações 2
A. Não estudar regularmente implica que os resultados sejam pouco satis- Quiz: A frase complexa:
fatórios. coordenação e
subordinação 1; A frase
B. A experiência mostrou-me que os sacrifícios compensam. complexa: coordenação
e subordinação 2; A frase
C. A incerteza de ter uma boa classificação consumiu-o durante algum tempo. complexa: coordenação
e subordinação 3
D. Ele estudou tanto que só podia ter tido uma boa nota.
4.2 Na frase “Reconhecer que erramos é uma atitude que muitos assumem humil-
demente”, a palavra “que” introduz
A. orações substantivas completivas em ambos os casos.
B. uma oração substantiva completiva, no primeiro caso, e uma oração su-
bordinada adjetiva relativa restritiva, no segundo.
C. orações subordinadas adjetivas relativas restritiva, em ambos os casos.
D. uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva, no primeiro caso,
e uma oração substantiva completiva, no segundo.
4.3 A frase “Mal saímos do cinema, perguntei aos meus colegas se gostaram do
filme” integra, sequencialmente,
A. uma oração substantiva completiva e uma oração subordinada adverbial
causal.
B. uma oração subordinada adverbial temporal e uma oração subordinada
adverbial condicional.
C. uma oração subordinada adverbial temporal e uma oração subordinada
substantiva completiva.
D. uma oração subordinada adverbial comparativa e uma oração subordina-
da adverbial condicional.
4.4 Em “Os meus colegas evoluíram de tal forma que a professora se mostrou
satisfeita com os resultados que obtiveram” estão presentes duas orações
subordinadas introduzidas por “que”.
A. A primeira é subordinada adverbial consecutiva e a segunda subordinada
adjetiva relativa restritiva.
B. A primeira é subordinada adverbial comparativa e a segunda subordinada
adjetiva relativa restritiva
C. A primeira é subordinada adverbial consecutiva e a segunda subordinada
adjetiva relativa explicativa.
D. A primeira é subordinada adverbial consecutiva e a segunda subordinada
substantiva completiva.
4.5 A frase “O diretor entregou o prémio a quem participou nas atividades” integra
A. uma oração subordinante e uma subordinada substantiva relativa.
B. duas orações subordinadas, uma substantiva e outra adjetiva relativa
restritiva.
C. duas orações: uma subordinante e outra subordinada adverbial temporal.
D. uma oração subordinada substantiva completiva e outra coordenada
explicativa.
381
Frase ativa e frase passiva
Frase ativa
A frase é ativa quando apresenta um grupo verbal constituído por um verbo principal
transitivo direto, transitivo direto e indireto ou transitivo predicativo, podendo ser antecedido
ou não de verbo auxiliar.
Ex.: Os alunos colocaram as obras lidas na carteira.
Frase passiva
A frase é passiva quando apresenta um grupo verbal constituído por um verbo principal
no particípio, antecedido pelo verbo auxiliar ser.
sujeito Verbo aux. ser + verbo principal (particípio) compl. agente da passiva
Nota
• Uma frase passiva pode ser construída sem recurso ao verbo auxiliar ser, utilizando-se o pronome pessoal se.
• O complemento agente da passiva pode não estar expresso.
Nota
Na transformação de uma frase ativa em frase passiva, o verbo auxiliar da passiva (ser) terá de ficar no mesmo tempo e modo em
que se encontrava o verbo principal da frase ativa. Este, por seu lado, terá de ser colocado no particípio, concordando em género e
em número com o novo sujeito da passiva.
382
II Gramática
• Se a forma verbal terminar em -ns, passa a -m, quando seguida de pronome átono
o, a, os, as, e os pronomes adquirem as formas -lo(s), -la(s).
Ex.: Tu tens o meu livro? Tu tem-lo?
• Quando a forma verbal termina em ditongo nasal (-õe, -ão), os mesmos pronomes
assumem as formas -no(s), -na(s).
Exs.: Os alunos leem os livros recomendados. Os alunos leem-nos.
A Rita põe o dever acima de tudo. A Rita põe-no acima de tudo.
383
c. Frases com pronomes indefinidos como alguém, ninguém.
Ex.: Ninguém percebeu a ironia de José Saramago. Ninguém a percebeu.
d. Frases em que o verbo é antecedido de advérbios como mal, sempre, ainda, já,
apenas, só, talvez, aqui…
Ex.: Ainda li este poema ontem. Ainda o li ontem.
a. Nos complexos verbais com os auxiliares dos tempos compostos (ter e haver) e o
auxiliar da passiva (ser), o pronome é colocado à direita do verbo auxiliar.
Exs.: O professor tinha aconselhado mais estudo aos alunos. O professor
tinha-lhes aconselhado mais estudo.
O livro é emprestado pela bibliotecária aos alunos. O livro é-lhes empres-
tado pela bibliotecária.
b. Pode ocorrer antes do complexo verbal quando algum elemento atrás referido requer
a próclise.
Ex.: Ninguém quis ler em voz alta o poema. Ninguém o quis ler em voz alta.
c. Nos complexos verbais com auxiliares como começar a, acabar de, estar a, andar a,
o pronome ocorre depois do verbo principal.
Ex.: Estou a apreciar o conto “Sempre é uma companhia”. Estou a apreciá-lo.
384
II Gramática
APLICAÇÃO
385
LEXICOLOGIA
Arcaísmos e neologismos
Monossemia e polissemia
386
II Gramática
Denotação e conotação
Relações semânticas
As relações semânticas entre palavras podem ser de vários tipos.
387
Processos irregulares de formação de palavras
Designação Definição
APLICAÇÃO
Lexicologia
1 Associe as palavras da coluna A, que atualmente caíram em desuso, aos respe-
tivos significados, na coluna B.
Coluna A Coluna B
a. simpreza 1. cuidadosa, apressada
b. sôbolos 2. mãe
c. madre 3. à maneira de
d. aguçosa 4. enlouquecer
e. à guisa de 5. quarto
f. louçana 6. simplicidade
g. ledo 7. alegre, feliz
h. ensandecer 8. depressa, rápido
Gramática/Atividade:
i. asinha 9. sobre
Processos irregulares j. câmara 10. bela, linda
de formação de palavras
388
II Gramática
APLICAÇÃO
4 Considere as frases.
A. O Pedro fez o trabalho de português durante uma hora.
B. O João magoou-se e levou dois pontos na perna.
C. A análise que cada um faz da realidade obedece a um ponto de vista.
D. Cesário Verde percorria a cidade a horas mortas.
E. A Maria não dá ponto sem nó.
F. Os livros estão pela hora da morte.
G. No fim do ano letivo é a hora do aperto.
H. O ponto de admiração é pouco utilizado pelos escritores.
4.2 Proponha um sinónimo para cada uma das frases em que essas palavras sur-
gem com sentido conotativo.
5 Construa dois pares de frases em que os termos seguintes tenham sentido cono-
tativo.
a. mão
b. ilha
389
SEMÂNTICA
Gramática/Atividade:
Valor modal: modalidade
apreciativa; Valor modal: Nota
modalidade deôntica; O verbo auxiliar modal dever pode também transmitir o valor de probabilidade da modalidade epistémica (Devem ter chegado muito tarde!).
Valor modal: modalidade O verbo auxiliar modal poder transmite frequentemente o valor de probabilidade, mas pode também ter valor de certeza, ambos de modalidade
epistémica
epistémica, quando significa capacidade (Este pode dirigir a empresa).
390
II Gramática
APLICAÇÃO
1 Atente na frase: "Hoje podem fazer o quizz que vos vou apresentar, mas tenham
cuidado, porque pode haver armadilhas."
Coluna A Coluna B
1. Que calor insuportável!
a. Certeza
2. Os resultados não foram os esperados.
b. Permissão 3. Talvez não tenham esclarecido as dúvidas todas.
c. Obrigação 4. Não podem esperar que resolvam os vossos problemas.
Resolução/Atividade:
d. Probabilidade 5. Têm de se preparar antes de qualquer prova. Questão de exame explicada:
6. Depois de acabarem o teste, podem sair. valor modal 1;
e. Apreciação Questão de exame explicada:
7. É possível que haja atrasos na publicação dos resultados. valor modal 2
Quiz: Valor modal
391
Valor aspetual
O aspeto gramatical relaciona-se com o valor dos tempos verbais, de verbos auxiliares,
de estruturas de quantificação, de certos tipos de nomes ou de modificadores. A com-
binação de elementos deste tipo permite representar uma situação como culminada/
concluída (valor perfetivo), não culminada (valor imperfetivo), genérica, habitual ou
iterativa.
Perfetivo
O tempo verbal normalmente associado a este aspeto
• George vendeu a casa dos pais.
é o pretérito perfeito do indicativo. A situação expressa
no enunciado apresenta-se concluída.
Imperfetivo
O tempo verbal normalmente associado a este aspeto é • Os ceifeiros ouviam as emissões
o pretérito imperfeito do indicativo. A situação expressa de rádio todas as noites.
no enunciado apresenta-se em curso ou por concluir.
Genérico
O tempo verbal normalmente associado a este aspeto é o
presente do indicativo ou o infinito impessoal conjugado com • Viajar abre horizontes.
grupos nominais de interpretação genérica. Apresenta-se • A Terra gira em torno do Sol.
em enunciados que veiculam informações aceites como
universais e intemporais.
Habitual
Os tempos verbais mais associados a esta situação são o
presente do indicativo e o pretérito imperfeito do indicativo,
dependendo do ponto de referência da enunciação. São • Costumamos viajar por Portugal
também recorrentes expressões como costumar, ser nas férias.
costume, ser habitual, • Liam poesia sempre que
Apresenta situações que surgem em enunciados que estavam apaixonados.
expressam uma pluralidade infinita de acontecimentos
que se sucedem num período de tempo construído como
ilimitado.
APLICAÇÃO
Valor aspetual
392
II Gramática
APLICAÇÃO
2 Construa frases que apresentem os valores aspetuais indicados, usando as pala- Quiz: Valor aspetual 1; Valor
aspetual 2; Valor aspetual 3
vras dadas.
2.1 Pedro / escrever / texto
a. valor perfetivo
b. valor habitual
Coluna A Coluna B
a. Tenho o hábito de ir ao cinema uma vez
por mês.
1. Perfetivo
b. Os alunos do 12.º ano realizaram uma ficha
2. Imperfetivo
de gramática.
3. Genérico
c. Os meus colegas estão a ler o Memorial
do convento. 4. Habitual
393
DISCURSO, PRAGMÁTICA E LINGUÍSTICA TEXTUAL
Observe:
AGORA
TEMPO
AQUI
ESPAÇO
Assim, os deíticos são mecanismos linguísticos de referenciação relativos a esta situação de enunciação e apresentam
valor:
• pessoal – EU – TU (Maria);
• temporal – agora;
• espacial – aqui.
No entanto, a interpretação destes elementos depende das circunstâncias em que ocorre o ato de comunicação, logo, a sua
referenciação só pode ser identificada tendo em conta o conhecimento que temos do contexto da interação, uma vez que
é este que permite identificar quem produziu o enunciado, a pessoa a quem se dirige, o espaço e o tempo referenciados.
“− Também tenho muitos encontros, eu. Não • Formas verbais conjugadas na 1.ª pessoa (do singular):
quero tê-los mas sou obrigada a isso, vivo tão “Tenho”; “quero” “sou”; ”falei”
só. […] Porque... o tal crime de que lhe falei, o
único sem perdão, a velhice. Um dia vai acordar
na sua casa mobilada...” A denunciarem a presença do locutor (eu)
Pessoal Maria Judite de Carvalho, “George”
• Determinantes possessivos e pronomes pessoais de
3.ª pessoa: “lhe” e “sua”
“Sai da venda, entra no carro, e diz ao Batola, • Advérbio com valor temporal: “agora”
aproveitando o ruído do motor: • Marca de flexão verbal que aponta para o momento
− Você, agora, arrume a questão: tem um mês da enunciação: "arrume"
Temporal
para a convencer.” • Expressão "tem um mês" (que estabelece um
Manuel da Fonseca, “Sempre é uma companhia” intervalo temporal de 30 dias a contar do momento
da enunciação
Em síntese: os elementos de referência deítica podem ser pronomes pessoais, determinantes e pronomes possessivos
e demonstrativos, advérbios, tempos verbais, algumas preposições e locuções prepositivas, alguns adjetivos (atual, con-
temporâneo, futuro…), alguns nomes (véspera…).
394
II Gramática
APLICAÇÃO
f. – Irei embora desta terra, conquistar o meu sonho, disse Gi aos seus pais.
a.
b.
c.
d.
e.
f.
g.
395
ATOS ILOCUTÓRIOS
Dependendo da intencionalidade comunicativa, o locutor/emissor terá de selecionar
determinados atos ilocutórios.
Atos
Características Exemplos
ilocutórios
APLICAÇÃO
Atos ilocutórios
Coluna A Coluna B
1. – Inscrevam-se no concurso de leitura!
2. Asseguro-vos que há prémios para os melhores
a. Ato ilocutório classificados.
assertivo
3. – Fantástico! A vossa turma conseguiu o primeiro
b. Ato ilocutório e o segundo lugares no concurso de escrita!
expressivo
4. – Determino a redução dos dias de férias, – disse o senhor
c. Ato ilocutório primeiro-ministro.
diretivo
5. Os alunos da turma participaram numa visita de estudo.
d. Ato ilocutório
6. – Sentem-se nas primeiras filas!
compromissivo
7. – Gostei do vosso empenho na elaboração do trabalho!
e. Ato ilocutório
8. – Prometo que faremos uma aula de campo.
declarativo
Gramática/Atividade:
Atos ilocutórios ou declaração 9. Fernando Pessoa é o único autor do 12.º ano que criou
(atos de fala) uma rede de heterónimos.
Quiz: Atos ilocutórios (atos
de fala)1; Atos ilocutórios 10. – Considerem a sentença anulada – disse o juiz.
(atos de fala) 2
396
II Gramática
Marcadores discursivos/conectores
São unidades linguísticas invariáveis que, embora não desempenhem uma função sintática no âmbito da frase nem
contribuam para o sentido proposicional do discurso, têm uma função relevante na sua produção, estabelecendo
conexões entre os enunciados, organizando-os e indicando o seu sentido argumentativo, introduzindo novos temas,
mantendo e orientando o contacto do locutor com o interlocutor.
Os conectores discursivos podem subdividir-se em:
• estruturadores da informação, sobretudo com a função de ordenação.
Exs.: em primeiro lugar, por outro lado, por último...
• reformuladores, sobretudo com a função de explicação e de retificação.
Exs.: ou seja, por outras palavras, dizendo melhor, ou antes...
• operadores discursivos, sobretudo com a função de reforço argumentativo e de concretização.
Exs.: de facto, na realidade, por exemplo, mais concretamente, efetivamente, nomeadamente...);
• marcadores conversacionais ou fáticos.
Exs.: ouve, olha, presta atenção, homem...
• conectores, como os que se apresentam na tabela seguinte, e que têm uma determinada função lógica/sintática.
Comparação (comparativo)
como, tal como... (assim...), • Tal como os alunos se mostraram
bem como... também..., interessados, também os professores
Traduz a comparação.
mais (menos) do que… revelaram satisfação.
• O professor afirmou que a obra Mensagem
Completamento (completivo)
tem um caráter simbólico.
Introduz o elemento sintático que completa que, se, para
o sentido do núcleo do grupo verbal. • O aluno perguntou se a linguagem era
metafórica.
Consequência (consecutivo) daí (que), por isso, de tal forma... • Ele gosta tanto dos poemas de Ricardo
Introduz a ideia de efeito, consequência. que..., tanto, tão, tal... que... Reis que os decorou facilmente.
Finalidade (final) para (que), a fim de, de modo • Participou na visita de estudo a Mafra para
Traduz a intenção visada, o objetivo. (forma) a, com o objetivo de apreciar melhor a obra saramaguiana.
Oposição (adversativo) mas, todavia, porém, contudo, • Alguns autores têm uma escrita hermética,
Articula conclusões opostas, diferentes. no entanto mas a beleza das obras mantém-se.
Tempo (temporal)
quando, enquanto, mal, • Quando assistimos à leitura expressiva
entretanto, logo que, depois de, de poemas, o seu conteúdo torna-se mais
Exprime relações de tempo.
antes de, desde que claro.
397
Reprodução do discurso no discurso
Formas de
Características Exemplos
representação
1
Reprodução de um texto ou de um fragmento de texto Exemplo explícito da citação direta são as citações
(escrito ou oral) noutro texto, sendo destacado por bíblicas utilizadas pelo Padre António Vieira. Estas
aspas ou por um tipo de letra diferente. citações conferem autoridade argumentativa ao seu
A citação pode ser direta ou indireta: utiliza-se discurso.
a primeira (direta)1 para reproduzir as palavras 2
Tal como se afirma no Dicionário Terminológico,
de alguém ou de fontes consultadas; a segunda a citação deve ser "assinalada com referência ao
Citação
(indireta)2 consiste em parafrasear ou condensar autor e/ou à obra aos quais pertencem…"
uma ideia ou assunto abordado por outrem. dt.dge.mec.pt
As normas de citação exigem a identificação do autor
e da(s) fonte(s) consultada(s). Pode ter uma função
argumentativa (autoridade), uma finalidade didática
ou de paródia.
Modalidade de reprodução do discurso que consiste “Poisa a mão sobre o ombro do Batola, e exclama:
em reproduzir, por escrito, características próprias − Dou-lhe a minha palavra de honra que não
da oralidade (realizações fonéticas, hesitações, encontra nenhum aparelho pelo preço deste!
repetições, pausas, interjeições, deíticos...) numa Sem dar tempo a qualquer resposta, ordena:
espécie de simulação ou reprodução do discurso − Traz a pasta, Calcinhas!”
testemunhado, mostrando as características
contextuais vividas por quem é citado. Manuel da Fonseca, “Sempre é uma companhia”
Modalidade de reprodução do discurso em que não há “E, ao meter os papéis dentro da pasta, repara
interferência direta da(s) personagem(ns), porque as que já é muito tarde. Apressado, conta que veio por ali
suas falas são reproduzidas pelo narrador. Apresenta, devido a um engano no caminho.”
normalmente: Manuel da Fonseca, “Sempre é uma companhia”
• verbos declarativos – dizer, afirmar, responder,
Discurso indireto pedir, perguntar;
• orações subordinadas substantivas completivas
ou infinitivas;
• utilização da terceira pessoa gramatical, que
implica também alterações das expressões
deíticas bem como de tempos e modos verbais.
Modalidade que implica uma fusão entre [...] Era acaso verosímil que tal se passasse,
a enunciação do emissor-relator (narrador) com com um amigo seu, numa rua de Lisboa, numa
a enunciação do locutor-personagem. É frequente no casa alugada à mãe do Cruges?... Não podia ser!
texto ficcional e permite ao narrador integrar, no seu Esses horrores só se produziam na confusão social,
discurso, as manifestações verbais das personagens, no tumulto da Meia Idade! Mas numa sociedade
Discurso indireto sem recorrer aos verbos introdutórios declarativos. burguesa, bem policiada, bem escriturada, garantida
livre Mantêm-se as marcas do discurso indireto ao nível por tantas leis, documentada por tantos papéis,
de pessoa, tempo e modos verbais, mas recorre-se com tanto registo de batismo, com tanta certidão
a marcas do discurso oral, também presentes no de casamento, não podia ser! Não! [...]
discurso direto, como: interjeições, exclamações, Os Maias, cap. XVI, p. 621
expressões modalizadoras, marcadores discursivos
(ora, pois bem, sendo assim…)
398
II Gramática
Gramática/Atividade:
Discurso direto Discurso indireto Citação; Discurso direto,
indireto e indireto livre
Eu, tu, nós, vós, me, nos Ele(s), ela(s), o(s), a(s), lhe(s)
Aqui, cá, aí, ali, lá, acolá Ali, lá, naquele lugar, naquele sítio
Exemplos
Nota
As transformações apresentadas no quadro ocorrem quando o verbo introdutor do discurso indireto se encontra no passado
(cf. verbos destacados).
399
APLICAÇÃO
B. Sentou-se Ricardo Reis, o maître diz-lhe o que há para comer, a sopa, o peixe,
a carne, salvo se o senhor doutor preferir a dieta, isto é, outra carne, outro
peixe, outra sopa, eu aconselharia, para começar a habituar-se a esta nova
alimentação […].
O ano da morte de Ricardo Reis, p. 24.
C. […] finge o marido que acorda, finge a mulher que o acordou, e se ele pergunta,
Então, já sabemos o que lá responderá, que vem morta de canseira, moidinha dos
pés, arrastadinha dos joelhos, mas consolada a alma.
Memorial do convento, p. 34.
D. […] quando Lídia entrou para vir buscar a bandeja afligiu-se, O senhor doutor
não gostou, e ele disse que tinha gostado, pusera-se a ler o jornal, distraíra-se,
Quer que mande fazer outras torradas, aquecer outra vez o café […].
O ano da morte de Ricardo Reis, p. 99.
E. Mas se o general Sanjurjo, que, segundo aquele boato que correu em Lisboa, iria
chefiar em Espanha um movimento monárquico, produziu o formal desmentido
que sabemos, Não penso em sair tão cedo de Portugal, então a questão é menos
complicada […].
O ano da morte de Ricardo Reis, p. 441.
Modos de
reprodução Exemplo(s) Marcas
do discurso
a. Discurso
direto
b. Discurso
indireto
livre
c. Citação
d. Discurso
indireto
400
II Gramática
• apresente progressão, ou seja, que acrescente novos factos • privilegie informação relevante, ou seja, que evite quaisquer
ou ideias; dados ou factos que não sejam pertinentes para o tema;
• obedeça à regra da não contradição, isto é, que não • espelhe a continuidade de sentido, isto é, que não haja
exponha ideias ou informações incompatíveis com outras já afastamento do tema/assunto.
enunciadas;
• renove a informação, eliminando as repetições inúteis;
Coesão textual
A coesão realiza-se através de mecanismos linguísticos lexicais e gramaticais que conferem continuidade, sentido e pro-
gressão entre os elementos da superfície textual, pelo que está intimamente ligada à coerência.
Mecanismos de coesão/
Processos implicados Exemplificação
Definição
Coesão lexical • reiteração: repetição de uma mesma unidade lexical ou expressão no *Exs.:
Mecanismo que se baseia texto. “D. João, quinto do seu
na repetição da mesma • substituição: substituição de unidades lexicais e expressões por outras nome na tabela real,
palavra ao longo do texto que se relacionam no texto através de relações de: irá esta noite ao quarto
ou na sua substituição de sua mulher1, D. Mariana
por outras que com − sinonímia1;
Ana Josefa1, que3 chegou
ela se relacionam, − antonímia; há mais de dois anos
constituindo assim uma − hiperonímia-hiponímia (hierarquia)2; da Áustria”
rede semântica adequada
− holonímia/meronímia (parte/todo). “o sol inundou a máquina2,
ao tema desenvolvido.
brilharam as bolas de
âmbar2 e as esferas2…”
Coesão gramatical • referencial3: relaciona-se com o uso anafórico de pronomes.
Relaciona-se com a “A máquina4 rodopiou4
• frásica4 (concordância): refere-se aos mecanismos linguísticos usados duas vezes, despedaçou4,
organização interna dos na ligação dos elementos que constituem as frases ou cada uma das
elementos linguísticos e rasgou4 os arbustos que
suas partes, como:
com os princípios a3 envolviam, e5 subiu.”
da concordância − a ordenação das palavras na frase;
“Sete-Sóis e Sete-Luas, se
− a flexão e concordância (género e número); nome tão belo lhe3 puseram,
− as regências verbais ou outras exigidas na construção de uma bom é que o3 use, não
unidade de sentido. desceram de S. Sebastião
• interfrásica5: reporta-se aos mecanismos que servem para ligar as da Pedreira…”
frases, os períodos e os parágrafos de um texto através de conectores “Amanhã6 Blimunda terá6
ou apenas da pontuação quando se pressupõe a elipse de conectores. os seus olhos, hoje6 é6 dia
• temporal6: relaciona-se com mecanismos linguísticos, como advérbios de cegueira”
e tempos verbais, que instituem uma relação temporal com sentido, na
superfície textual. Verifica-se através da:
* Todos os excertos pertencem
− utilização correlativa dos tempos verbais; à obra Memorial do convento.
401
APLICAÇÃO
1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.4, selecione a opção correta.
1.1 Na frase “O rei D. Sebastião é evocado em várias obras literárias, como, por
exemplo, Os Lusíadas e Mensagem, que apresentam o monarca como Salva-
dor da pátria”, os termos destacados asseguram a coesão textual
A. gramatical referencial.
B. gramatical temporal.
C. lexical por substituição.
D. gramatical frásica.
1.3 Em “Quando se fala do ‘Dia dos Avós’ é assim um pouco como se falássemos
do Dia da Mãe, ou Dia da Criança, existe, e ainda bem que existe, mas ninguém
se preocupa em saber como é que ele chegou até nós”, os vocábulos sublinha-
dos asseguram a coesão textual gramatical
A. interfrásica.
B. referencial.
C. temporal.
D. frásica.
402
II Gramática
Sequências textuais
Qualquer texto é constituído por um conjunto de sequências que podem ser de natureza narrativa, descritiva, argu-
mentativa, explicativa e dialogal, cada uma correspondendo a um modelo definido por um conjunto de características,
conforme a tabela seguinte. Recorde-as.
Descritiva • Predomínio de verbos de estado “Por uma dessas alongadas ruas do Porto, que sobe que
Apresentação da descrição (ser/estar/parecer…). sobe e não se acaba, há de encontrar-se um cruzamento
de um objeto/tema ao qual • Utilização do presente e/ou alto, de esquinas de azulejo, janelas de guilhotina,
se atribuem caraterísticas/ imperfeito do indicativo para telhados de ardósia em escama.”
qualidades (retrato, transmitir a perspetiva durativa. Mário de Carvalho, “Famílias desavindas”
adivinha…).
• Estruturas qualificativas
(modificadores/orações relativas…).
• Recurso a figuras de estilo.
Argumentativa • Verbos no presente do indicativo. Esfregando as mãos, começa a enumerar
A intenção comunicativa é • Estruturação do discurso rapidamente as qualidades de um tal aparelho:
a de convencer, persuadir o argumentativo: − É o último modelo chegado ao país. Quando
interlocutor. A argumentação se quer, é música toda a noite e todo o dia. Ou então
está presente em várias tese argumentação canções. E fados e guitarradas! Notícias de todo o
situações do dia a dia, conclusão. mundo, desde manhã até à noite, notícias da guerra!...
nomeadamente discussões, • Abundância de conectores que Aponta para o retângulo azul:
debates, conversas marcam a progressão e articulam − Olhe, aqui, é Londres; aqui, a Alemanha; aqui,
(artigos de opinião, discursos as diferentes partes do texto. a América. É simples: vai-se rodando este botãozinho...
políticos, sermões, textos Poisa a mão sobre o ombro do Batola, e exclama:
publicitários…). − Dou-lhe a minha palavra de honra que não encontra
nenhum aparelho pelo preço deste!
Manuel da Fonseca, “Sempre é uma companhia”
Explicativa • Utilização predominante do presente “O sistema é simples […]. Um homem pedala numa
A intenção comunicativa é a do indicativo. bicicleta erguida a dez centímetros do chão por suportes
de explicar, expor e informar. • Discurso predominantemente de ferro. A corrente faz girar um imã dentro de uma
O objetivo é conduzir o de terceira pessoa. bobina. A energia gerada vai acender as luzes de um
leitor à compreensão da semáforo, comutadas pelo ciclista.”
informação fornecida • Especificidade lexical (de acordo
Mário de Carvalho, “Famílias desavindas”
(artigos de natureza com a temática abordada).
científica ou enciclopédica, • Estruturas qualificativas
definições…). (modificadores, orações relativas…).
Dialogal • Referenciação deítica. “− Que pensas fazer, Gi?
Ocorre sempre que os • Marcas relacionadas com a situação − Partir, não é? Em que se pode pensar aqui, neste cu
interlocutores conversam, de produção do discurso: alternância de Judas, senão em partir? Ainda não me fui embora
usando da palavra da primeira e da segunda pessoa por causa do Carlos, mas... O Carlos pertence a isto,
alternadamente. Está e formais verbais no presente nunca se irá embora. Só a ideia o apavora, não é?
presente em qualquer do indicativo. − Sim. Só a ideia.
interação verbal em − Ri-se de partir, como nós nos rimos de uma coisa
diferentes situações • Discurso marcado pelas
características da oralidade impossível, de uma ideia louca. Quer comprar uma terra,
e contextos construir uma casa a seu modo. Recebeu uma herança
(diálogos, debates, (repetições, pausas…).
e só sonha com isso. Creio que é a altura de eu...
entrevistas…). • Na escrita apresenta travessões
− Creio que sim.
e mudança de linha para assinalar
a mudança de interlocutor. − Pois não é verdade?
− Ainda desenhas?”
Maria Judite de Carvalho, “George”
403
APLICAÇÃO
Sequências textuais
1 Leia as sequências textuais pertencentes ao conto “Sempre é uma companhia”.
A. “[…] aí umas quinze casinhas desgarradas e nuas; algumas só mostram o te-
lhado escuro, de sumidas que estão no fundo dos córregos.”
B. “Ergue-se pesadamente do banco. Olha uma última vez para a noite derrama-
da. Leva as mãos à cara, esfrega-a, amachucando o nariz, os olhos.”
C. “− Bem, a senhora não se exalte. Faz-se uma coisa: a telefonia fica à expe-
riência, durante um mês. Se não quiserem, devolvem-na; nós devolvemos as
letras. Assine aqui, Sr. Barrasquinho. Pronto. Agora já a senhora pode ficar
descansada. − Mas − pergunta ainda a mulher − quanto se paga de aluguer por
esse mês? − Nada! − responde o homem, de novo risonho. − Por isso não se
paga nada!”
D. “E o silêncio. Um silêncio que caiu, estiraçado por vales e cabeços, e que dor-
me profundamente.”
E. “− Olhe, aqui, é Londres; aqui, a Alemanha; aqui, a América. É simples: vai-se
rodando este botãozinho […].”
F. “E, ao meter os papéis dentro da pasta, repara que já é muito tarde. Apressado,
conta que veio por ali devido a um engano no caminho. Sai da venda, entra no
carro, e diz ao Batola, aproveitando o ruído do motor”.
G. “Nos intervalos, os homens bebiam um copo, junto ao balcão, os pares namo-
ravam-se, pelos cantos.”
H. “− Dou-lhe a minha palavra de honra que não encontra nenhum aparelho pelo
preço deste!”
B.
C.
D.
E.
F.
G.
H.
404
I Gramática
APLICAÇÃO
2.1 Transcreva a tabela para o seu caderno e complete-a de acordo com as indi-
cações.
A.
B.
C.
D.
E.
405
III Modos literários
TEXTO POÉTICO
Os textos poéticos em verso evidenciam um conjunto de aspetos técnico-versificatórios sistematizados no quadro abaixo.
Fernando Pessoa
Acento Verso agudo (oxítono ou masculino), grave (paroxítono ou feminino) ou esdrúxulo (proparoxítono).
silábico
Verso binário (dois segmentos com uma pausa); verso ternário (três segmentos com duas pausas);
Ritmo
verso quaternário (quatro segmentos com três pausas).
Número
• Classificação da estrofe pelo número de versos:
monóstico (um), dístico (dois), terceto (três), quadra (quatro), quintilha (cinco), sextilha (seis), sétima
de versos
(sete), oitava (oito), nona (nove), décima (dez), irregular (mais de dez versos).
• Rima de sons finais ou rima externa – a correspondência de sons verifica-se no final dos versos:
– emparelhada (rima de sons em pares – aa, bb, cc...)
Esquema – interpolada ou intercalada (um tipo de som final intercala com outro diferente – a b c a)
rimático – cruzada (sons alternam entre versos ímpares e pares – a b a b a c a)
Na estrofe
• Rima encadeada – a última palavra de um verso rima com o meio do verso seguinte:
Ex.: "Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte"
(Florbela Espanca)
Tipo
de rima • Rica (a rima incide em unidades pertencentes a classes de palavras
diferentes)
Em função da classe
gramatical das palavras • Pobre (a rima incide em unidades que pertencem à mesma classe
de palavras)
406
TEXTO DRAMÁTICO
O texto dramático apresenta marcas distintivas que se configuram na sua estrutura dialogal, (através da qual progri-
de a intriga ou ação dramática, destinando-se, prioritariamente à representação. Por isso, é conveniente reconhecer
o conjunto de elementos que o integram e que permitem distingui-lo dos textos poéticos e narrativos. De entre esses
elementos constitutivos destacam-se os que se indicam no quadro.
• Corresponde às falas das personagens (as réplicas), pelas quais se dá a progressão dramática.
• Integra acontecimentos, situações, ou ações experienciados pelas personagens, que surgem contextualizados
Texto num determinado espaço e num determinado tempo.
principal
• Desenvolve-se, fundamentalmente, em diálogo (interação estabelecida pelas personagens intervenientes),
podendo também surgir o monólogo (expressões associadas à exteriorização de reflexões ou pensamentos da
personagem) ou os apartes (interação direta entre a personagem e o leitor/espectador).
• Corresponde ao conjunto de didascálicas (partes dos textos marcadas graficamente por outro tipo de letra ou por
parênteses);
• Representa as indicações cénicas fornecidas pelo dramaturgo, nas quais se encontram informações
imprescindíveis à representação do texto principal;
• Integra informações dirigidas ao encenador, ao técnico de luz e de som, ao figurinista, às personagens, do tipo:
Texto – identificação das personagens;
secundário
– caracterização física e psicológica dos interlocutores;
– indicações sobre o modo como as falas devem ser proferidas;
– registo de aspetos paraverbais como a movimentação, as expressões corporais e faciais, o tom de voz,
os gestos;
– caracterização do espaço e do tempo, da intensidade e focalização da iluminação, da disposição dos objetos em
cena, vários aspetos a contemplar na representação.
A estrutura do texto dramático pode ainda ser percecionada por outras características, normalmente associadas à sua
segmentação e tradicionalmente ligadas aos seguintes aspetos:
Nota
Muitos textos dramáticos fogem a este tipo de estrutura e, no teatro moderno, verifica-se mesmo o recurso a jogos de luzes para proceder à mudança de situação/ação.
TEXTO NARRATIVO
Embora “narrativo” signifique, em sentido lato, tudo o que se conta, devemos distinguir entre narrativa de factos (no-
tícias, crónicas, reportagens…) e narrativa de ficção, aquela que encontramos, por exemplo, em Amor de perdição ou
em Os Maias. Os elementos que compõem a narrativa são diversos. A saber: – uma entidade responsável pela narração
(o narrador) que relata acontecimentos a outra entidade (real ou não), o narratário; essas ações, que tanto podem ser
totalmente ficcionadas como baseadas em acontecimentos reais, são protagonizadas por personagens que se movimen-
tam num determinado tempo e espaço.
407
Modos de expressão da narrativa
A apresentação da narrativa pode revestir-se de diferentes formas de expressão literária, dependendo delas a reação
do leitor. Por isso, é importante o modo como se contam os factos, devendo observar-se os seguintes aspetos:
• A narração – É o reconto feito pelo narrador dos factos/ações/acontecimentos experienciados pelas personagens
e a sua movimentação nos diversos espaços e tempos. Como marcas linguísticas apresenta, em geral, o recurso a
verbos de movimento no presente e no pretérito perfeito e surge (quase) sempre acompanhada de outras formas
de expressão: o diálogo, a descrição…
• O diálogo – É a reprodução da fala das personagens. Promove o desenvolvimento da ação e tem como marcas
linguísticas o discurso direto, os registos oral e informal da linguagem, sobretudo.
• O monólogo – Corresponde à reprodução da fala de um locutor, que se encontra sozinho ou acompanhado por
outras personagens, mas não se lhes dirige no seu discurso.
• A descrição – Utiliza-se para apresentar algo ou alguém e introduz pausas na narração, designadas por segmen-
tos descritivos. Embora a descrição possa ser objetiva, muitas vezes é, no entanto, através da visão subjetiva do
narrador que acedemos à dimensão psicológica das personagens ou a determinadas intencionalidades do narra-
dor. É também através da descrição que a dimensão espaciotemporal chega ao narratário.
As marcas linguísticas da descrição são, em geral:
– recurso a adjetivos e advérbios;
– verbos de estado (ser, estar…) no pretérito imperfeito;
– utilização do gerúndio;
– recursos expressivos, como a comparação, a metáfora, a hipérbole, entre outros;
– frases adjetivas relativas.
Exemplo de um segmento descritivo: Personificação
“Uma brasa morria no fogão. A noite parecia mais áspera. Comparação
Eram de repente vergastadas de água contra as vidraças, Verbos de estado
trazidas numa rajada, que longamente, num clamor teimoso, Adjetivação
faziam escoar um dilúvio dos telhados; depois havia uma calma Forma verbal no pretérito imperfeito
do indicativo
tenebrosa, com uma sussurração distante de vento fugindo
Formal verbal no gerúndio
entre ramagens…”
Eça de Queirós, Os Maias, cap. II
Oração adjetiva relativa
Elementos da narrativa
Tempo
Sucessão cronológica dos acontecimentos. Pode também remeter para a época/o contexto histórico em que se inscre-
ve a ação. Assim, o tempo pode ser observado a dois níveis, conforme se apresenta a seguir:
Cronológico – o desenvolvimento/a sucessão cronológica Tempo do discurso – marca a ordem pela qual os acontecimentos
dos acontecimentos, é dado(a), normalmente, através de são narrados, que pode ser linear ou não; logo, pode coincidir ou não
referências temporais concretas: dias, meses, anos… com o tempo da diegese.
Psicológico – é o modo como a personagem perceciona Quando os acontecimentos não se sucedem linearmente, o narrador
a passagem do tempo; de forma geral, prende-se com o recorre a artifícios narrativos, tais como:
estado psicológico, da personagem e a densidade dramática Elipse – omissão de partes da história;
da situação;
Analepse – recuo no tempo para narrar acontecimentos passados;
Histórico – quando, em certas narrativas, existem
referências ao momento da História (da Humanidade – Prolepse – avanço no tempo, referindo acontecimentos que só terão
guerras mundiais, do país…) em que acontecem as ações. lugar num tempo posterior da narrativa.
408
II Modos literários
Espaço
Fornece informações sobre o local, ou locais, onde decorre a ação. Pode ser analisado a vários níveis:
• Físico – refere-se ao local, ou locais, onde a ação acontece, em termos geográficos, mais restritos ou mais abran-
gentes: casa, rua, país, região.
• Sociocultural – transmite informações sobre o meio social, económico, cultural em que se movimentam as
personagens, integrando-as em grupos sociais, por exemplo, e revelando os seus costumes, valores, tradições…
• Psicológico – prende-se com o modo como cada personagem perceciona um dado espaço físico e transmite
informações sobre os seus sentimentos face a esse local.
Ação
Corresponde ao conjunto de acontecimentos narrados e ao seu encadeamento. Normalmente, existe mais do que
uma ação:
• Principal – engloba os acontecimentos mais relevantes ou que merecem mais destaque, da história.
• Secundária – contribui para a compreensão da ação central e do comportamento das personagens, por exemplo,
trazendo aportes a diversos níveis.
As ações podem organizar-se de diferentes modos:
• Por encadeamento: seguindo uma ordem temporalmente linear.
A B C
B A C
• Por alternância: as ações acontecem de forma alternada, mas podem cruzar-se, ou não, em determinados momentos.
A B A C D
Personagens
São as entidades que praticam as ações. Podem ser caracterizadas de acordo com a sua relevância e sob determinadas
perspetivas; podem ainda ser individuais (quando representam um indivíduo) ou coletivas (quando representam um grupo
social, profissional...). Assim, podemos caracterizá-las de várias formas:
• Relevo (ou papel)
– Principais ou protagonistas – aquelas que protagonizam a ação central e que têm, por isso, maior destaque.
– Secundárias – participam na ação, mas não desempenham um papel decisivo, sendo, por isso, menos importan-
tes do que os protagonistas.
– Figurantes – a sua existência não contribui para o desenvolvimento da ação; por vezes, têm uma função mera-
mente ornamental. Podem contribuir para a definição do espaço sociocultural da obra.
409
• Composição
– Modeladas ou redondas – normalmente, são dinâmicas, o seu comportamento pode evoluir ao longo da ação,
sendo dotadas de densidade psicológica.
– Planas – personagem estáticas, o seu comportamento não sofre alterações ao longo da ação; por esta razão as
suas atitudes mostram-se lineares, sem evolução, sendo, por isso, desprovidas de densidade psicológica. Tam-
bém são personagens planas as personagens-tipo que, pelos traços que as acompanham ao longo de toda
a ação, representam, com frequência, um grupo profissional ou social.
• Caracterização
– Direta
› Autocaracterização – quando o aspeto físico e psicológico é apresentado através do discurso da própria persona-
gem;
› Heterocaracterização – quando é o narrador ou outra personagem a fornecer informações que permitem
caracterizar as personagens.
– Indireta
› Quando o retrato das personagens é inferido com base nos seus comportamentos, gestos, atitudes, valores…
Narrador
É a figura/entidade que conta a história; é uma entidade ficcional e não deve ser confundida com o autor. Pode ser carac-
terizado a diversos níveis.
• Presença
– Autodiegético – (auto > o eu; diegese > história = o “eu” é a personagem principal) – a narração é feita na 1.ª
pessoa, a figura do narrador coincide com a da personagem principal e o narrador assume a narração dos acon-
tecimentos.
– Homodiegético – (homo > o homem; diegese > história = outro é personagem principal) – a figura do narrador
coincide com a de uma personagem, mas secundária.
– Heterodiegético – (hetero > os outros; diegese > história = a história é relativa a outros) – a narração é feita na
3.ª pessoa e o narrador não protagoniza nenhuma ação.
• Focalização
– Omnisciente – é o narrador que tem conhecimento integral de tudo (omni): dos acontecimentos; de quem os
protagoniza – incluindo os seus pensamentos, anseios, dúvidas; dos espaços e do tempo em que decorre a ação.
– Interna – a visão do narrador é a de alguém que participa na narrativa, sendo os acontecimentos relatados sob
a perspetiva dessa personagem.
– Externa – a visão do narrador é a de alguém exterior à narrativa; por isso, ele apresenta só aspetos exteriores
das personagens e dos acontecimentos porque apenas conhece o que ouve e/ou vê superficialmente.
• Posição – o narrador pode ainda ser analisado face à posição que toma relativamente às personagens e aos acon-
tecimentos, podendo ser:
– Objetivo – se relata as situações de forma imparcial, distanciando-se e não comentando os factos, as atitudes
ou os comportamentos.
– Subjetivo – se opina sobre as situações que está a relatar, criticando, condenando, aconselhando…
Narratário
É a entidade a quem a história é contada. Pode ser:
• Extradiegético – quando é exterior à história que se está a narrar.
• Intradiegético – se faz parte integrante da narrativa.
410
IV Géneros textuais - Domínios e marcas
(expressão
um determinado assunto sob uma conectores, deíticos… oral)
perspetiva pessoal, emitindo um
Uso de uma linguagem valorativa. Leitura
juízo de valor de forma clara, através
Recurso às frases declarativas, Escrita
do recurso a argumentos e aos
à linguagem objetiva, a nomes [11.˚/ 12.˚]
respetivos exemplos.
e a adjetivos.
de vista/tese. [11.˚]
Respeito pelas normas reguladoras
Predomínio do caráter persuasivo (compreensão
da interação comunicativa (princípios
através da validade da argumentação, do oral e
da cortesia e da cooperação).
da contra-argumentação, expressão oral)
das provas. [11.˚/ 12.˚]
provas…). (compreensão
através da defesa de um ponto de
do oral)
vista. São colocadas em destaque as Utilização de recursos expressivos.
Leitura
capacidades de expor, Predomínio da primeira pessoa [11.˚]
de argumentar... do singular.
411
Géneros Definição e marcas Domínios/Ano
Oralidade
(compreensão
Encadeamento lógico dos tópicos abordados. do oral
Exposição sobre
Texto que se caracteriza pela condensação Encadeamento lógico dos tópicos abordados. Oralidade
Síntese
Nota
Informação recolhida e sistematizada a partir do documento oficial Programa e Metas Curriculares de Português – Ensino Secundário.
412
V Recursos expressivos
No texto literário, o desvio relativamente ao uso normalizado da língua é uma marca do poder criativo da linguagem.
Contrariamente ao texto utilitário, informativo e de linguagem corrente, o texto literário sugere muito mais do que diz,
explora a diferença, a estranheza, bem como o caráter plurissignificativo da linguagem. Para isso, o contributo dos
recursos expressivos que a língua permite é fundamental.
Tal é conseguido porque a língua permite construções que evidenciam mecanismos estilísticos e expressivos vários.
Neles cabem os recursos expressivos como:
Recurso
Definição Exemplificação
expressivo
Relação de realidades, colocadas em paralelo, por meio de “Andam lentamente, mais do que se pode, como
Comparação um termo comparativo ou verbos como parecer, lembrar, quem luta sem forças contra o vento”
sugerir... Maria Judite de Carvalho, “George”
413
Recurso
Definição Exemplificação
expressivo
Utilização de termos excessivos para efeito de exagero “Esta angústia que trago há séculos em mim!”
Hipérbole
da realidade. Álvaro de Campos [Esta velha angústia]
Expressão de palavra/ideia polemicamente orientada “D. Maria Ana estende ao rei a mãozinha suada e
Ironia para conclusão diferente daquilo que é o sentido fria”
literalmente proferido. José Saramago, Memorial do convento
Reconstrução, por analogia, do significado normal “iam ser, outra vez, o rebanho que se levanta com
Metáfora de uma palavra ou expressão, aproximando-o ou o dia”
associando-o a um campo semântico distinto. Manuel da Fonseca, “Sempre é uma companhia”
Relação sintática de termos com lógica contraditória no “Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?”
Oxímoro
seio de um juízo. Álvaro de Campos, “Ode triunfal”
414
VI Verbos instrucionais
A compreensão de um enunciado é fundamental para o desenvolvimento de um raciocínio correto, que conduza a uma
resposta clara e contextualizada. Para perceber as operações implicadas nas questões que lhe são colocadas, elencam-
-se os verbos mais utilizados na questionação a que está sujeito.
Associar Fazer corresponder ideias ou aspetos que se relacionam entre si; ligar elementos.
Delimitar Indicar claramente o início e o fim de um excerto textual, de uma ideia; indicar os limites.
Demonstrar Fazer ver; provar através de uma reflexão, com exemplos, uma determinada ideia; explicar de forma convincente.
Distinguir Estabelecer as diferenças entre dois termos/objetos/universos; identificar ideias ou opiniões diferentes.
Exemplificar Dar exemplos para provar uma conclusão, um raciocínio ou uma afirmação.
Explicar Interpretar de forma clara e evidente; expor, através de desconstrução, uma determinada ideia, comportamento.
Explicitar Esclarecer uma ideia; mostrar claramente; concluir a partir das palavras de outrem.
Expor Apresentar determinado assunto ou ideia de forma clara e inequívoca; explicar; mostrar de modo evidente.
Mostrar Revelar; expor uma ideia; comprovar; tornar visível, claro, evidente.
Relacionar Estabelecer uma relação entre dois aspetos ou duas ideias, apresentando uma conclusão.
Copiar de um texto um excerto, uma frase, uma palavra (devem ser usadas aspas que permitam o destaque
Transcrever
do segmento copiado).
415
VII Ficha de leitura / Apreciação crítica da obra
Poesia
Sobre o autor
e a sua escrita
Título:
Editora/ano da edição:
Sobre Estrutura (partes/subpartes):
a obra
selecionada Temáticas recorrentes nos vários poemas:
Adequação dos títulos e subtítulos aos poemas:
Descrição formal (estrofes, métrica, rima…):
Texto Narrativo/Dramático
Sobre o autor
e a sua escrita
Título:
Sobre Editora/ano da edição:
a obra
selecionada Estrutura: divisão em partes/capítulos/atos/cenas/etc.
Sim. Quantos? Não. Qual?
Tema:
Sobre
a história, Acontecimentos principais:
a ação
Outros acontecimentos:
Protagonista(s):
416
Para o Aluno
• Manual
• Caderno de Atividades
• Apoio internet www.sentidos12.asa.pt
(inclui recursos áudio)
•
ISBN 978-989-23-5666-2
9 789892 356662
I VA I NCLU Í D O 6 %
www.leya.com www.asa.pt €36,11