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O processo de escolha

profissional na adolescência
Introdução
Você está na unidade O processo de escolha
profissional na adolescência. Conheça aqui a escolha
profissional dos adolescentes como um processo dinâmico
que engloba o período da vida, influências identitárias, o
papel da família na escolha e o projeto de vida na
exclusão social.
Entenda, ainda, os elementos que norteiam e caracterizam
a relação entre adolescência, identidade e escolha
profissional e seus fatores intervenientes por meio
deaspectos técnicos referentes à atuação em orientação
profissional.
Bons estudos!

2.1 A escolha profissional como processo


Primeiramente, é importante ressalta que dizer adolescência, no singular, já é um grande equívoco, uma vez
que, mesmo dentro de um mesmo tempo histórico, em um mesmo país, Estado, cidade, bairro ou rua, a
multiplicidade das adolescências são tamanhas, o que torna um risco trata-las a partir de uma única
perspectiva.
Para além da diversidade vital que, neste período da vida, se impõe com mais vigor, existem os marcadores
sociais, históricos e culturais, que geram pontos e marcas de identificações. Por exemplo, a relação que os
adolescentes estabelecem com as profissões em seu cotidiano, como a ascensão de um jogador de futebol,
um músico, ou um médico, se torna influência, de maneira que, além de prestígio e admiração, o adolescente
passa a desenvolver rotinas e hábitos para desenvolver habilidades para atuar em determinadas profissões.
Sendo assim, trabalhar com orientação vocacional e profissional requer reconhecer a dinamicidade da história
dos sujeitos que estão inseridos no processo de orientação profissional. Além das singularidades das
adolescências, existem as transformações geopolíticas como, por exemplo, a transformação do mercado –
com a mudança do trabalho formal e expansão dos trabalhos informais – o avanço das tecnologias e aumento
dos aplicativos transformaram a dinâmica das adolescências do século XXI.
Segundo Levenfus (2016), para responder a pergunta “o que quer um adolescente no século XXI?”, devemos
nos ater aos seguintes pontos:

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Crise do mundo adulto;

Impulsividade e falta de limites;

Individualização da vida;

Multiplicidade de referências
legitimadas;

Dificuldade de se projetar no futuro.

Iniciando pela crise do mundo adulto, este viés é multifacetado pela interferência das mídias sociais e pelas
relações que se estabelece entre adolescentes e adultos, principalmente no Brasil, na última década, em que
o país se encontrava em subdesenvolvimento, em alguns anos com aceleração econômica mais vigorosa, na
qual as famílias se encontravam em plena possibilidade de emprego.
Dentro desse contexto, os pais, avós e responsáveis, conhecidos como arrimos de família, terceirizaram
funções aos adolescentes, tornando-os os “novos adultos” e responsabilizando-os pelos cuidados da casa,
dos irmãos menores ou, até mesmo, pelas funções administrativas, gerando uma carga de expectativa de que
esses adolescentes se tornassem autônomos muito cedo. Dessa forma, o que se tornou evidência não foram
os desejos dos adolescentes, mas, sim, os interesses que essas famílias tinham para manter seu próprio
funcionamento.
Como podem os adolescentes criarem autonomia sem entrar em contato com suas próprias vocações? O que
os adultos esperam dos adolescentes? A respeito disso Levenfus (2016, p. 17-18), apresenta:

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As dúvidas quanto à resposta certa para essa questão trazem insegurança,

“ tentativa de interpretação do mundo adulto e contradição, pois os adultos querem


que o adolescente seja autônomo (exigência de ter uma posição social de
destaque), mas lhe recusam a autonomia; querem que tenha sucesso social
(exigências de performance), mas postergam essa situação para que ele possa se
preparar melhor. Além disso, não fica claro se desejam que o adolescente aceite ou
desafie a moratória imposta, o que traz outra questão importante: como conseguir
ser reconhecido e admitido como adulto? Afinal, o principal objetivo da

adolescência ainda se configura como o desejo de ser adulto.

Ou seja, a crise do mundo adulto tem sua interface na própria referência que os adultos impõem com sua
imprecisão e ambiguidade, dificultando que os adolescentes transpassem a adolescência construindo um
repertório próprio que garantirá sua autonomia frente às relações futuras na fase adulta.
Ramos (2012) apud Levenfus (2016) defende que a impulsividade nas relações dos adolescentes, conhecidos
como geração Y, torna as relações mais superficiais e aceleradas, resultando na falta de limites e dificuldade
de ouvir o não.
Esse contexto acaba se tornando um grande desafio às famílias e, ainda, às empresas, que terão esses
funcionários no futuro, uma vez que esses adolescentes serão sujeitos que terão grandes dificuldades de se
adaptar as culturas empresariais. Dessa forma, atualmente, empresas têm adotado espaços de descanso e de
lazer, como ferramentas de atração aos jovens ao mercado de trabalho, inclusive com a abolição de uniformes.

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Figura 1 - Desorganização da geração Y

Fonte: Monkey Business Images, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer: a fotografia apresenta um quarto desorganizado e uma adolescente de cabelo loiro sentada
sobre a cama. Ela está com a mão no queixo e parece um pouco perdida. Seu casaco e calça são cinzas e
sua camiseta é de listras azul e branco. Nos espaços do quarto, estão dispostos diversos objetos espalhados
e desorganizados, como roupas, caderno aberto, fone, estojo, maquiagem etc.
Entre as outras perspectivas apresentadas, a individualização da vida vem no arcabouço da vida tecnológica,
na qual as experiências passam a ser compartimentadas e os indivíduos, em suas redes sociais, representam
e encenam vidas felizes. Dessa forma, aqueles que não se enquadram aos estereótipos e padrões, sentem-se
marginalizados às experiências que são reproduzidas no espaço virtual, o que proporciona uma falta de
referências claras sobre o que é ser adulto, fazendo com que o adolescente, muitas vezes, se veja sozinho
diante dos desafios e das tarefas impostas pelo mundo (LEVENFUS, 2016)
Já a multiplicidade de referências legitimadas é uma característica ambígua no que corresponde ao
emaranhado de possibilidades de referências que um adolescente da geração Y pode usar para si, para
construir suas relações sociais e, também, fazer suas escolhas profissionais. Porém, um dos conflitos que se
instala nessa multiplicidade é o despojamento, uma vez que a referência se torna irrisória, ou seja, as escolhas

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das referências são feitas a partir da resolução de conflitos e, quando isso é sanado, logo se busca outra
referência, transformando as referências não por uma base ética ou valorativa, mas, sim, por uma base
resolutiva de conflitos imediatos.
Para dar conta de conceituar a dificuldade de se projetar no futuro para os adolescentes, Levenfus (2016, p.
21) retomam as obras dos autores Lipovetsky e Serroy (2011), importantes filósofos franceses da
contemporaneidade, e a obra “Arquivos do mal-estar e da resistência” de autoria de Joel Birman (2006):

“ Lipovetsky e Serroy (2011) dizem que a projeção da vida em direção ao futuro teve
uma mudança radical na contemporaneidade, pois, de forma contrária ao projeto
social configurado ao longo do século XX, a supervalorização do futuro tem cedido
lugar ao superinvestimento no presente, e, em curto prazo, há uma preocupação
precoce com o futuro, conforme aponta Birman (2006). Além disso, há uma vivência
no presente com grande dificuldade de projetar o futuro, devido à ambiguidade das
referências e dos modelos adultos disponíveis. Dessa maneira, pensar a
adolescência do século XX era concebê-la como projeção da vida adulta futura,
mas, agora, também devemos olhar para a experiência de vida adolescente
presente, pois, antes, seu investimento era concretizado no futuro, mas, agora, ele
também precisa realizar-se no presente para poder ter algum futuro, em função, por
exemplo, da impulsividade adolescente e da cobrança precoce por parte dos
adultos. Se a adolescência era a preparação para os papéis sociais adultos, parece
que, agora, as coisas têm acontecido simultaneamente. „
O processo de escolha profissional nas adolescências demanda reconhecer todas essas transformações,
desde as comportamentais até as transformações de mercado. As interações entre a geração Y, juntamente
às tecnologias, não retrocederão os valores que norteiam a geração dos no limits. Esse contexto abre espaço
para processos criativos, mas, por outro lado, coloca em risco a saúde mental e, até mesmo, torna líquido os
valores éticos.
Com a chegada do século XXI, um dos principais trabalhos dos profissionais em orientação profissional e
vocacional é se debruçar em pesquisas científicas para aprofundar o conhecimento das transformações que
as adolescências vêm sofrendo, inclusive para aplicação de testes vocacionais. Será que os modelos
padronizados, com papel, caneta, perguntas e respostas longas, darão conta de avaliar as habilidades da
geração hi-tech?
Muito provavelmente nós já conhecemos a resposta. Os modelos que adotávamos estão se tornando
ultrapassados. Inclusive, o próprio modelo de fazer orientação profissional dentro de um espaço clínico, com a
chegada dos aplicativos, se modificou, mas não podemos perder de vista que o trabalho do psicólogo não se
faz pela escolha de poltrona ou de abordagem teórica, apenas, mas, sim, pela ética de atuação que este
profissional vai atuar, seja em ambientes virtuais ou físicos.

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2.2 Adolescência, identidade e escolha profissional
Quando tratamos da palavra “escolha” precisamos ir além do senso comum, que a trata como uma opção
entre A, B, ou C. A psicologia, de uma forma ampla, seja na abordagem da psicanálise, da existencial
humanista, ou em um processo de orientação profissional, define que escolha tem um sentido denso,
processual e que requer um engajamento do sujeito e do profissional que estão ativamente participando do
trabalho. Fazer uma escolha, ou várias, é acionar um emaranhado de idealizações, afetos e pensamentos que
precisam ser decifrados, para que se consiga chegar mais próximo de um desejo de um sujeito.
Socialmente, somos condicionados a achar mais interessantes determinados caminhos que outros, e muitos
entram em profissões, relacionamentos, religiões, ou adquirem hábitos, para manter um elo com as
convenções sociais e manter uma fachada para atingir a aprovação social.
Porém, em um processo de escolha profissional, precisamos, como profissionais, romper com esses ideais
sociais, para que os sujeitos construam e desenvolvam seus desejos. Embora a condição humana estabeleça
uma dialética entre as mediações sociais e históricas, o sujeito é construído dentro de um tempo histórico, mas
não precisa ser escravo dela.
Sobre o interacionismo, Bock (2001, p. 28) aponta

“ As condições biológicas hereditárias do homem são a sustentação de um


desenvolvimento sócio-histórico que lhe imprimirá possibilidades, habilidades,
aptidões, valores e tendências historicamente conquistadas pela humanidade e que
se encontram condensados nas formas culturais desenvolvidas pelos homens em
sociedade. „
Ou seja, não há um determinismo interno ou externo que regule as escolhas e provoque as aptidões
profissionais. Inclusive, acreditar em teorias nas quais a hereditariedade justifica a condição humana, no
sentido de onde se deve ou não trabalhar, são teorias antiéticas, discriminatórias, preconceituosas que
desrespeitam os sujeitos.
Destacamos até aqui a importância da escolha para própria singularidade. A vida é constituída de escolhas e,
em dimensões mais profundas, do que imaginamos e, no processo de escolha profissional, o que se realça
são os "porquês" das escolhas profissionais.
Segundo Aguiar (2006), na nossa prática de orientação profissional, não devemos olhar o sujeito numa
perspectiva positivista, que se contenta com as aparências, nem numa perspectiva racionalista, que nega as
emoções ou as colocam como epifenômenos da cognição, ou seja, não devemos nos determos na aparência,
mas na apreensão do processo de constituição das escolhas.

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O limiar da atuação do psicólogo na orientação profissional será por meio da análise dos atravessamentos que
levaram o sujeito a fazer determinada escolha. O que ele sente, idealiza e projeta com a escolha? Quais as
influências sociais, familiares que motivou a escolha? Assim, a categoria de necessidade é uma das análises
nas quais o psicólogo precisa se debruçar.
Segundo Aguiar (2006), as necessidades são entendidas como um estado de carência do indivíduo, que o
mobiliza a satisfazer suas necessidades, dependendo, é claro, de suas condições de existência. As
necessidades, então, jamais podem ser compreendidas como naturais e a-históricas, mas engendradas no e
pelo movimento histórico, social e político.
O que se quer dizer é que as necessidades se constituem e se revelam a partir de um processo de
configuração das relações sociais, é único, singular, subjetivo e histórico, ao mesmo tempo. Dessa forma, o
sujeito não tem, necessariamente, o controle e, muitas vezes, a consciência do movimento de constituição de
suas necessidades. A constituição das necessidades se dá de forma não necessariamente intencional e as
emoções são um componente fundamental Aguiar (2006).
Dessa forma, podemos afirmar que nossos desejos provêm de nossas necessidades, ainda que não elejamos
o que nos é necessário e, em última instância, podemos dizer que pensar sobre nós mesmos significa pensar
sobre nossas necessidades. Aguiar (2006).
A necessidade instala um processo dinâmico aos nossos comportamentos, e ao mesmo tempo, instala uma
névoa que pode confundir os interesses profissionais com realizações específicas, ou até mesmo uma
urgência em realizar determinados objetivos sem a possibilidade de um preparo e uma construção profissional.
Os profissionais em psicologia devem ter muita atenção nos momentos de atendimento, acompanhada de
processos profissionais, para não simplificar demais e perder categorias importantes, como a necessidade. Na
geração Y os adolescentes se sentem na obrigação de ter um padrão de vida alto para atender as
expectativas e as influências das redes sociais, e talvez, as necessidades podem confundir a busca
profissional.
Não há orientação profissional distante de valores sociais, condições econômicas e perspectivas ideológicas,
que irão constituir os significados para esses sujeitos. O papel do orientador vocacional estará centrado em
um trabalho que criará ferramentas e autonomia para que esse sujeito consiga operacionalizar frente às
condições sócio históricas que implicam seus desejos e sua escolha profissional.
Conforme Aguiar (2006),

“ Vemos na orientação profissional a possibilidade de criarmos uma intervenção que


permita ao sujeito, a partir de informações, de reflexões e de vivências sobre
determinadas questões - tais como: que trabalho escolher? que futuro quero para
mim? o que é uma boa escolha? o que eu gosto? por que gosto? -, a constituição
de um processo de apropriação de suas determinações e necessidades, de
produção de novos sentidos e ressignificação de outros. Alertamos aqui para a
complexidade do que denominamos processo de ressignificação ou constituição de
novos sentidos. Como já afirmamos, tal processo é extremamente complexo e não
pode ser entendido como simplesmente racional, dicotômico, linear. A constituição

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de novos sentidos ocorre, senão por uma "descoberta do indivíduo" de algo que já
estava de alguma forma posto, presente em sua subjetividade, como uma nova
síntese afetiva e cognitiva, que surge a partir de uma nova configuração que se
articula ante novas experiências. „
Até aqui, você pôde ver que o próprio processo de escolha demanda uma percepção mais ampla pelos
psicólogos e, também, para os possíveis sujeitos que passarão por processos de escolha profissional, que é
marcado por contingências, como a categoria de necessidade. Assim, o papel do psicólogo é criar ferramentas
para o sujeito lidar com esses marcadores para sustentar seus desejos frente a sua escolha profissional.
As adolescências têm diversas definições. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a adolescência como
um período da vida entre 10 e 19 anos, sendo marcado pela transição entre a vida infantil para uma vida
adulta, junto ao desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual, atrelado a fatores sociais e culturais. Já na
psicanálise, a adolescência é o extrato de um complexo familiar, ou seja, é um período que o sujeito se
posiciona negando ou repetindo traços herdados de uma família.
Entretanto, na contemporaneidade, existe uma mancha que descaracteriza a idade cronológica às idades
lógicas, isso não só nas adolescências, mas é muito comum as pessoas se sentirem com uma outra idade, as
vezes mais novos e as vezes mais velhos. Ainda é muito comum, em grandes centros urbanos, ou em famílias
muito protetoras, homens e mulheres com comportamentos extremamente infantilizados, o que abre uma
questão pra pensarmos se todas as definições que conhecemos sobre as fases da vida, comparada às idades
cronológicas, bem como as adolescências, ainda são suficientes para darmos conta de categorizar os
períodos entre o nascimento e a velhice?
Para que se consiga conhecer a identidade de um adolescente, o necessário é esquecer os manuais com
roteiros do que é ser adolescente, e no processo de orientação profissional, entender, para aquele sujeito,
como é sua adolescência.

Fique de olho
“Um dos importantes instrumentos para orientação profissional e vocacional é a
Avaliação dos Interesses Profissionais (AIP) um instrumento que colabora com
as “preferências por atividades laborais” (LEVENFUS; BANDEIRA, p. 41).

Não existe uma identidade fixa dos adolescentes, como os filmes apresentam – os rebeldes, a mocinha
apaixonada, o nerd –, muito menos a assimetria entre os adolescentes bons e os maus, ou aqueles
adolescentes com futuro ou adolescentes sem futuro. Esses estereótipos enviesam o trabalho do psicólogo e
impossibilita que ele apreenda a identidade dos sujeitos.

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Figura 2 - Grupo diverso de adolescentes

Fonte: Syda Productions, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer: na imagem, um grupo de adolescentes, em que cinco estão sentados e um está em pé, atrás.
O psicólogo que atuar no mesmo lugar das convicções do senso comum, poderá estar atuando contra o
próprio código de ética da profissão, que determina que se deve atuar isento de discriminação, preconceitos,
e, principalmente, irá colaborar de forma insignificante na vida dos seus pacientes.
As identidades devem ser entendidas como algo em trânsito. O adolescente tem sempre a potencialidade de
se desenvolver para alcançar seus objetivos vocacionais e profissionais, entretanto, é na orientação
profissional que os conflitos e temporalidade do percurso para alcançar o grande objetivo devem ser
transparentes, uma vez que na adolescência existe o imediatismo, a vontade de que as coisas aconteçam com
muita rapidez.
Os fatores que interfere na identidade profissional não são criados apenas na adolescência, influencias na
infância podem exercer um papel importantíssimo na escolha profissional. Segundo Bohoslavsky (2015, p. 30)

“ O processo de constituição da identidade profissional ocorre desde a infância, a


partir das inúmeras identificações que o indivíduo irá realizando durante sua história
de vida com adultos significativos que desempenham papéis profissionais. Essas
identificações vão sendo incorporadas à personalidade tornando-se próprias. „
O processo na construção de identidade profissional não se dá de forma tão óbvia, com insinuações ou
provocações, mas de uma forma mais singela. Podemos considerar que a escolha profissional é multifatorial,
por apresentar condições diferentes ou fatores que interfiram de formas diferenciadas. Por tanto, a identidade
não se constrói de forma única e linear e o profissional de psicologia deve estar atento a esses diferentes
atravessadores.

2.3 O papel da família na escolha profissional

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A escolha profissional é composta por fatores individuais e fatores sociais. Na dimensão social, além do
contexto econômico, a família é uma das instâncias que compõe esse bloco, já os fatores individuais têm a
personalidade, habilidades e aptidões, e ambas essas dimensões possuem relações. A família ocupa um lugar
privilegiado, uma vez que é no núcleo da família que o sujeito vai construir suas primeiras identificações e
extrair suas primeiras identificações como o mundo. Para Levenfus (2016. p. 24)

“ A família é o primeiro e mais significativo contexto em que o sujeito vivencia


saberes, afetos e experiências estruturantes que formarão a matriz das relações a
serem estabelecidas consigo próprio e com os demais, se faz imprescindível
observar esse berço emocional da construção dos alicerces que sustentam o
sujeito como protagonista de sua própria história. „
Vale ressaltar que, quando tratamos de família, não basta dizer que o eixo socioeconômico é fundamental
para o desenvolvimento da identidade vocacional dos adolescentes. Um ambiente favorável é aquele no qual
as boas relações, no que diz respeito às organizações de papeis familiares, asseguram estabilidade emocional
e segurança de um projeto de vida.

Figura 3 - Família e laços afetivos para estabelecer projeto de vida

Fonte: Olesya Kuznetsova, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer: a fotografia apresenta uma mulher e um menino, brancos, mãe e filho, que eles estão
abraçados, de frente para a câmera, enquanto a mãe segura a cabeça do filho, de forma carinhosa e está com
o rosto encostado em sua testa.
Um dos grandes equívocos que se apresentam nas relações entre pais e filhos, é a crença dos pais em que os
filhos estão vivendo no mesmo tempo histórico, com as mesmas necessidades, fazendo com que os pais se
preocupem e queiram controlar a vida dos filhos, abrindo um paradoxo entre o desejo de que os filhos se
tornem responsáveis. No entanto, por conta do controle excessivo, os filhos ficam sem autonomia para
construir suas responsabilidades.

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Habilidades como autoconfiança, autoeficácia e tomada de decisão são habilidades que, para além de um
campo específico profissional na contemporaneidade, são fundamentais, uma vez que vivemos em tempo no
qual os valores estão muito difusos, justamente como efeito da dificuldade dos pais de estarem presente na
vida de seus filhos, por conta da alta demanda produtiva para adquirir bens e manter uma vida de consumo.
Além da estrutura do ambiente, que pode ser proporcionada pelos pais para favorecer ou não no projeto de
vida dos filhos, existem os estilos parentais e construção de projeto vocacionais:

“ Observam-se diversas formas como os pais exercem sua função parental. Além do
clima emocional revelado pela linguagem corporal, pelo tom de voz, pelo trato e
pelo humor, é possível perceber um conjunto de estratégias utilizadas por eles com
o intuito de instruir seus filhos em aptidões acadêmicas, sociais e afetivas em
diferentes contextos (LEVENFUS, 2016, p. 26). „
Entre os diversos estilos e modos parentais na construção de projetos vocacionais, Levenfus (2016, p. 26)
define o estilo autoritário em que os pais “tentam controlar e modelar o comportamento da criança segundo
normas preestabelecidas e rígidas”. No estilo autoritário democrático, Levenfus (2016, p. 28) apresenta que
“os pais aplicam as regras e as normas de forma racional, explicando ao filho o motivo de elas existirem”.
Entre os outros estilos, existem o estilo indulgente-permissivo, onde as normas são poucos presentes, e os
pais são abertos aos desejos dos filhos. No estilo negligente, “nem afetivos, nem exigentes, nem responsivos
ou compreensivos, pais negligentes tendem a manter distanciamento dos filhos, respondendo apenas às suas
necessidades básicas ou atendendo a solicitações com o intuito de cessá-las imediatamente” (LEVENFUS,
2016, p. 29).

Figura 4 - Comparativo entre estilos parentais e construção vocacional

Fonte: LEVENFUS (2016, p. 30).

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#PraCegoVer: o quadro tem cor cinza e é seccionado por quatro eixos, trazendo o comparativo entre estilos
parentais e construção vocacional. No eixo norte, se encontra a variável “muito apoio”; no sul, “pouco apoio”;
sendo uma reta de estilos parentais opostos. Já na secção entre o eixo oeste, está “muito controle”; e, no eixo
leste, está o oposto considerado com “pouco controle”. Entre esses cruzamentos, se encontram os quatro
grandes estilos parentais.
No eixo dos pais que aplicam muito controle e muito apoio, há estilo autoritativo-democrático. Nesse caso,
filhos aprendem a negociar e assumir compromisso, uma vez que os pais encorajam a tomada de decisões e
geram oportunidades para o desenvolvimento de aptidões. Há, então, por parte dos filhos, maior maturidade,
assertividade, autonomia, conduta empreendedora e responsabilidade social; mais competência psicológica;
centro autônomo de avaliação e definição de metas; rapazes tendem ao tipo investigativo; maior
independência e comportamento exploratório.
Já os pais que aplicam muito apoio e pouco controle, fazem parte do estilo parental definido como indulgente-
permissivo. Nesse contexto, os pais encorajam a exploração e autorregulação, confiam na capacidade dos
filhos, que desenvolvem escores elevados em medidas de autoestima, baixa instabilidade de metas, maior
imaturidade, maior agressividade, mais problemas de comportamento e baixo envolvimento escolar.
No eixo pouco controle e pouco apoio o estilo parental é o negligente. As características destacadas são:
pouco envolvimento na socialização dos filhos, que tendem à manipulação do mundo exterior. Assim, não há
investimento na autoconfiança e há baixa segurança em sua capacidade de escolha, além baixa definição de
diretrizes e interesses, baixa prontidão para a transição da escola para o trabalho, mais dificuldade de
estabelecer metas, maiores níveis de ansiedade generalizada, menor competência social e cognitiva e baixa
exploração vocacional. Por fim, no eixo entre muito controle e pouco apoio, o estilo parental é o autoritário,
com as características de pouca autonomia e dificuldades para a tomada de decisões, os filhos são submissos
e dependentes, com baixo empenho na conquista de objetivos, pouca desenvoltura em sociedade, baixa
autoestima e alto índice de depressão. Além disso, rapazes tendem ao tipo realista; maior sucesso acadêmico,
mas com má adequação entre o indivíduo e a carreira escolhida.
Como vimos no decorrer do estudo, a família pode ocupar um lugar fundamental no desenvolvimento da
adolescência por meio de estilo e performance que interfere na construção vocacional dos adolescentes.
O profissional da psicologia não tem como missão apenas avaliar a família e confirmar o quanto ela colaborou
ou não ao processo vocacional e profissional dos adolescentes, mas, a partir da análise das condições
familiares, estabelecer as técnicas e métodos adequados para o atendimento a ser realizado, uma vez que
muitos adolescentes podem estar com dificuldades de encontrar sua vocação profissional por falta de incentivo
ou, até mesmo, por desmotivações ocasionadas pelas famílias, pela cultura e pelas desigualdades.

2.4 O projeto de vida na exclusão social


Trabalhar com orientação profissional e vocacional é fazer trabalho social. A psicologia, em sua totalidade,
seja no trabalho clínico, na psicologia escolar, educacional, recursos humanos, tem por base um trabalho
social.

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A realidade brasileira sobre orientação profissional e vocacional é muito diferente da realidade de países com
baixos índices de desemprego. Infelizmente, vivemos em uma lógica extremamente capitalista e meritocracia,
reduzindo os sujeitos ao mesmo patamar, o que é um equívoco.
A meritocracia tem em sua base que todos os sujeitos têm as mesmas condições sociais, educacionais, de
saúde e, portanto, são capazes, igualmente, de chegar ao mesmo lugar. Porém, essa realidade não condiz
com a situação brasileira. Além das desigualdades, como a econômica, outras desigualdades são presentes
na realidade brasileira, como acesso a moradia, transporte público e a informação.
Fatores como acesso à educação, saúde, alimentação, segurança pública, moradia, internet e cultura não são
bem estruturados para todos os brasileiros. Existem realidades nas qual os sujeitos têm dificuldade de
aprendizagem por não ingerir alimentação regularmente, por exemplo.
Sendo assim, avançar nas perspectivas de orientação profissional é um desafio na realidade brasileira. Temos
exemplos de grandes talentos nas artes e nas ciências, mas que, por demanda familiar, abrem mão de suas
vocações e profissões para ajudar na renda. O mesmo acontece em casas com alta taxa de violência, nas
quais os adolescentes não se sentem confortáveis em desenvolver seus talentos.
O psicólogo que atuar frente a essa realidade precisa considerar esses marcadores sociai. É comum escutar o
discurso “eu não tenho outra opção, a não ser trabalhar e colaborar com a renda da família”. O psicólogo não
atuará dizendo se isso é certo ou errado, mas por meio das técnicas e de uma boa escuta profissional, poderá
promover condições para que os adolescentes construam ferramentas a médio e longo prazo para transformar
a própria realidade.
Quando escutamos frases como a citada anteriormente, não podemos desconsiderar a verdade que nela está,
porém, é interessante apresentar que esta é uma realidade a curto prazo e que, através de planejamento e
ações pontuais, é possível transformar a realidade para que, a médio e longo prazo, o sujeito consiga trabalhar
a partir de suas vocações.
Um importante passo para a transformação das realidades é o projeto de vida, sendo uma das grandes
opções para a quebra desses círculos viciosos de pobreza e violência, para que o sujeito, a partir de suas
vocações, construa um novo viver, a partir dos seus objetivos de vida e de profissão. A adolescência, mais do
que um período de desenvolvimento, é um período de significação e interpretação da vida. Ali, os interesses
começam a criar forma e o incentivo é fundamental, apesar de todos os desafios e desigualdades que possam
se apresentar.

Fique de olho
“[...] a construção do projeto de vida é um processo de desenvolvimento pessoal
/social. Considera-se, assim, que o adolescente esteja preparado para iniciar
essa construção após ser capaz de formar sua identidade, compartilhá-la com o
grupo e comunicar sonhos, desejos, planos, metas. É nesse momento que ele
pode ingressar em uma nova etapa de vida.” (MARCELINO; CATAO; LIMA,
2009)

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Quando um adolescente não tem uma intencionalidade, por exemplo, com o estudo, para que vai querer
estudar? Pra que isso vai servir a ele? As chances de evasão escolar, então, são muito grandes. Já, se
colocarmos, de forma clara, os objetivos do estudo formal e as perspectivas que podem ser alcançadas no
ensino superior, junto ao projeto de vida do adolescente, talvez as evasões possam ser reduzidas.
A falta de um projeto de vida interfere diretamente na exclusão, não só exatamente nas escolas, mas em
grupos de jovens e outros cursos, porque interfere na falta de esperança do adolescente para com seu futuro.
Um adolescente que não apresenta um projeto de vida não se sente parte do cotidiano. Sendo assim, o
projeto de vida é algo além de objetivos e metas, é a construção de um norte, ou seja, o que pode sustentar
um sentido para a vida do sujeito em longo prazo.
O projeto de vida ou o sentido da vida não é algo novo. Diversas correntes filosóficas, psicológicas e, até
mesmo, religiosas se debruçam para que os sujeitos construam seus projetos de vida. Então, quando tratamos
do projeto de vida, basicamente, estamos questionando qual é o sentido da vida de cada sujeito e como cada
sujeito se engaja com esse sentido.
Partindo dessas questões é possível depreender quais são os valores, os objetivos, as escolhas e as metas
que o sujeito deve manter a logo prazo para manter seu projeto de vida, e, como fator de inclusão.

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Encerramento
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

• entender as condições sociais, históricas e


culturais que influenciam na escolha profissional;

• compreender a dinamicidade da escolha


profissional;

• analisar as nuances entre a escolha profissional,


adolescências e identidade;

• conhecer a influência familiar na escolha


profissional;

• aprender o conceito de projeto de vida e suas


vicissitudes com a exclusão.

- 16 -
AGUIAR, W. M. J. de. A escolha na orientação profissional: contribuições da psicologia sócio-histórica. Psicol.
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BOCK, A. M.; GONÇALVES, M. G.; FURTADO, O. (orgs.). Psicologia sócio histórica (uma perspectiva
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BOHOSLAVSKY, R. Orientação Vocacional: A Estratégia Clínica. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
LEVENFUS, R. S.; BANDEIRA, D. R. Avaliação dos Interesses Profissionais - AIP. São Paulo: Vetor, 2009.
LEVENFUS, R. Orientação Vocacional e de Carreira em Contextos Clínicos. Porto Alegre: Artmed Editora,
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Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
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