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I - A reconstituição do facto, feita com base em declarações do arguido, vai muito para além
dessas declarações, pois integra ainda gestos e atitudes, constituindo um todo que assim se
diferencia e autonomiza das simples declarações.
II - Inexistindo prova proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º, do CPP, ou métodos
proibidos de prova, que tenham servido para fundamentar a condenação do recorrente, não se
perfila qualquer nulidade, nem outras se prefiguram de que cumpra conhecer nos termos do n.º
3, do art. 410.º, do CPP, nem houve aplicação de normas ou princípios que infrinjam a CRP.
Admissível:
I – Sendo elemento típico do crime de devassa da vida privada, do artigo 192.º do Código
Penal, a intenção de devassa da vida privada, fica afastada a tipicidade das acções que
tenham finalidades probatórias.
VI – Tendo presidido às gravações e à sua junção aos autos «exigências de justiça», de que
fala o n.º 1 do artigo 79.º do Código Civil, e sendo as mesmas necessárias para o exercício do
direito da vitima de fazer a prova do crime, a ilicitude é excluída pela ordem jurídica
considerada na sua totalidade, nos termos dos artigos 20.º da CRP e 31.º, n.º 1, do Código
Penal, revelando-se tal comportamento justificado.
Em suma, o cidadão só será autor de um crime de fotografia e filmagem ilícita se não operar
nenhuma causa de exclusão de ilicitude prevista no artigo 31..º do Código Penal –
designadamente a legítima defesa, o exercício de um direito ou o consentimento. Ou seja, há
licitude na obtenção de fotografias ou filmes se ocorrer, nos termos deste preceito e do artigo
31.º do Código Penal (ou seja, causas gerais de exclusão de ilicitude mais as constantes do
artigo 79º, nº 2 do Código Civil).
Não admissível:
2. Todos os meios de prova que violem esses direitos fundamentais e de personalidade, são
materialmente proibidos, seja em processo penal, seja em processo civil, impondo-se a
aplicação neste último das correspondentes normas estabelecidas naquele sobre proibição de
prova.
3. O nosso sistema legal de proibição de prova ilícita dá clara prevalência aos direitos pessoais
quando estes são violados através de métodos de prova proibidos.
GPS
Admissível:
Ac. TRL de 08-11-2022, Proc. 4/22, Rel. Mafalda Sequinho dos Santos: Saber se o recurso à
colocação de aparelhos físicos de localização geográfica, vulgarmente designados de GPS
(Global Positioning System), em viaturas utilizadas por suspeitos é admissível à luz do nosso
Direito Processual Penal está longe de ser consensual. É questão que não tem merecido
resposta jurisprudencial e doutrinária concordante, oscilando entre os que recusam o recurso
ao mesmo e os que o admitem, ainda que subordinado a um regime de fiscalização paralelo ao
de outros meios de localização celular.
Orientando-nos para o meio que, em concreto, nos ocupa, entendemos que na panóplia de
meios ocultos de investigação, a utilização de aparelhos de GPS, de uso muito comum na
atualidade, importa, de facto, um nível pouco relevante de restrição ao núcleo dos direitos
fundamentais consagrados (arts. 25.º, 26.º, 27.º, 34.º e 35.º da CRP) não sendo,
nomeadamente, suscetível de sacrificar o direito ao silêncio, nem apto a obter “confissões”
inconscientes, não livres, como ocorre com o recurso a outros meios ocultos de investigação.
O nosso Código Processo Penal consagra a regra da não taxatividade dos meios de prova e
dos meios de obtenção de prova subordinados aos demais limites constitucionais e legais de
admissibilidade, nomeadamente os consagrados no art. 126.º do mesmo diploma (métodos
proibidos de prova). Entre estes e ressalvados os casos previstos na lei, são nulas, não
podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio,
na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular (n.º 3).
E o recurso à sua utilização poderá, até, tornar desnecessário o uso de meios mais intrusivos
dos direitos dos visados (como, por exemplo, as interceções das comunicações móveis ou
entre presentes).
Na leitura que fazemos, para além do STJ, também o Tribunal Constitucional, nos arestos
acima mencionados (213/2008 e 486/2009) e o TEDH (Acórdão Uzun c. Alemanha, de 2/9/2010
e Acórdão Ben Faiza c. França, de 8 de maio de 2018) admitem alguma elasticidade no âmbito
da reserva de lei exigida, sem que esta tenha de se reconduzir à regulamentação expressa de
todos os aspectos técnicos dos meios de obtenção de prova, compatível com uma cláusula
como a do art. 125.º do nosso Cód. Processo Penal (não idêntica à prevista na legislação
francesa anterior à alteração de 2014 e sobre a qual se pronunciou o Acórdão Ben Faiza c.
França).
Admitem, também, que o sentido dado pela jurisprudência constante dos tribunais superiores
sobre os textos legais é um dos vetores a considerar na verificação da existência de lei e os
nossos Tribunais, como vimos, têm-se pronunciado maioritariamente pela admissão deste meio
de prova, posição que, pelos motivos expostos, acolhemos.
Sendo, por isso e em nosso entender, admissível o recurso à colocação de aparelhos GPS,
importa ponderar se, na situação concreta, é de deferir a pretensão do recorrente, o que desde
já nos merece resposta negativa.
Conselheiro Santos Cabral: sustenta na anotação ao art. 189.º do Código Processo Penal que
não encontramos cobertura legal para o meio de obtenção de prova nesta “extensão”, mas
entende «que a colocação de tal dispositivo de localização constitui um meio de prova que não
contende, ou contende apenas de forma superficial, com o direito à intimidade (…). Se a
colocação do dispositivo de localização assume uma dimensão meramente superficial, não
valorizável, de violação da intimidade, os elementos obtidos pelo mesmo devem ser valorados
nos termos do art. 125.º do CPP.» Não carecendo, segundo o respetivo entendimento, de
autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de localizadores GPS.
Não admissível:
TRL 13.04.2016, proc. n.º 2903/11: Este meio de obtenção de prova é diferente da interceção
de comunicações e não existe lei que o preveja, bem como aos seus limites e às garantias
inerentes à sua aplicação. É um meio oculto de investigação que, por isso mesmo, só poderia
ser admitido se existisse lei que o consagrasse como um meio de obtenção de prova legítimo e
regulasse os aspetos essenciais do seu regime. Assim é, porque a utilização destes aparelhos,
pelo sistemático e permanente registo de dados que propicia e pela natureza dos mesmos, é
suscetível de violar a vida privada dos utilizadores dos veículos em que se encontrem
instalados.
Costa Andrade: a intransponível exigência de reserva de lei determina que os meios ocultos de
investigação criminal só são admissíveis e válidos se e na estrita medida em que gozem de
expressa e específica consagração legal. Apelando à jurisprudência dos tribunais germânicos
refere que a lei “(…) tem de prever expressa e explicitamente a medida de compressão dos
direitos fundamentais, fixar a sua compreensão, extensão e vinculação finalístico-teleológica
bem como definir os seus limites. (…)
f) Por último, o direito dos meios ocultos deverá integrar soluções normativas indispensáveis
para garantir a salvaguarda e a inviolabilidade da área nuclear da intimidade e, em última
instância, a proibição da respetiva valoração.