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Depoimento dos agentes presentes na reconstituição

Ac. TRP de 12-12-2007, Proc. 0714692, Rel. Manuel Braz

I - A reconstituição do facto, feita com base em declarações do arguido, vai muito para além
dessas declarações, pois integra ainda gestos e atitudes, constituindo um todo que assim se
diferencia e autonomiza das simples declarações.

II - Os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor


como testemunhas sobre que se terá passado nessa reconstituição, por essa situação não
estar abrangida pelo n.º 7 do art. 356º do CPP.

Identificação do arguido por testemunha em audiência de julgamento

Ac. STJ de 20-09-2017, Proc. 1353/12, Rel. Pires da Graça

I - A identificação efectuada pela testemunha em audiência de julgamento do arguido como


autor dos factos incursos em tipicidade criminal, corresponde à percepção da testemunha,
inserindo-se na prova testemunhal a ser apreciada de acordo com o princípio da livre
apreciação da prova nos termos do art. 127.º do CPP e não de prova sujeita à disciplina do art.
147.º do CPP.

II - Inexistindo prova proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º, do CPP, ou métodos
proibidos de prova, que tenham servido para fundamentar a condenação do recorrente, não se
perfila qualquer nulidade, nem outras se prefiguram de que cumpra conhecer nos termos do n.º
3, do art. 410.º, do CPP, nem houve aplicação de normas ou princípios que infrinjam a CRP.

Gravações em local de acesso ao público

Ac. TRP de 26-03-2008, Proc. 0715930, Rel. Joaquim Gomes

Não constituem prova proibida no julgamento de um crime de incêndio as imagens dos


arguidos captadas em local de acesso público através de um sistema de videovigilância
instalado num centro de lavagem de veículos, mesmo que se desconheça se a instalação
desse equipamento foi previamente comunicada à Comissão Nacional de Protecção de Dados.

Gravações feitas por particulares

Admissível:

Ac. TRC de 25-10-2023, Proc. 303/22, Rel. Alexandra Guiné

I – Sendo elemento típico do crime de devassa da vida privada, do artigo 192.º do Código
Penal, a intenção de devassa da vida privada, fica afastada a tipicidade das acções que
tenham finalidades probatórias.

II – Quer no direito à palavra, quer no direito à imagem, tutelados no crime de gravações e


fotografias ilícitas, do artigo 199.º do Código Penal, estamos perante um bem jurídico
eminentemente pessoal, com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à
pessoa o domínio exclusivo sobre a sua palavra e a sua imagem.

III – É pressuposto da invalidade de valoração probatória das reproduções mecânicas, a que se


refere o n.º 1 do artigo 167.º do C.P.P., que elas sejam ilícitas, nos termos da lei penal, isto é, à
proibição de valoração não basta o preenchimento típico, sendo ainda necessário que a
reprodução mecânica seja ilícita.

IV – Nada obsta à valoração da prova se a licitude resultar de justificação legalmente prevista e


será na justa ponderação de todos os interesses em presença que competirá aferir da ilicitude
penal do comportamento de quem procedeu às gravações contrárias à vontade/não
consentidas pelo visado, e/ou as utilizou, para depois se concluir ou não pela validade ou
invalidade da sua valoração probatória.
V – Se a gravação não foi obtida de forma oculta e se no momento da filmagem a pessoa
visada não se encontrava numa situação de privacidade ou de intimidade que não pudesse ser
acedida por outras pessoas a reprodução mecânica não é ilícita.

VI – Tendo presidido às gravações e à sua junção aos autos «exigências de justiça», de que
fala o n.º 1 do artigo 79.º do Código Civil, e sendo as mesmas necessárias para o exercício do
direito da vitima de fazer a prova do crime, a ilicitude é excluída pela ordem jurídica
considerada na sua totalidade, nos termos dos artigos 20.º da CRP e 31.º, n.º 1, do Código
Penal, revelando-se tal comportamento justificado.

VII – Quando a reprodução mecânica é adequada para a salvaguarda do interesse


constitucional na descoberta do crime e punição do agente ela é proporcional sopesando os
valores constitucionais conflituantes, que são os interesses público e da vítima na descoberta
do crime, a eficiência penal, a segurança, a pacificação social e a justiça, e, depois, as
garantias de defesa e os direitos de personalidade do agente, em respeito pelo disposto no
artigo 18.º, n.º 2, da CRP, daqui resultando a lícitude da valoração probatória das gravações.

Ac. TRE de 10-10-2023, Proc. 342/20, Rel. Gomes de Sousa

Em suma, o cidadão só será autor de um crime de fotografia e filmagem ilícita se não operar
nenhuma causa de exclusão de ilicitude prevista no artigo 31..º do Código Penal –
designadamente a legítima defesa, o exercício de um direito ou o consentimento. Ou seja, há
licitude na obtenção de fotografias ou filmes se ocorrer, nos termos deste preceito e do artigo
31.º do Código Penal (ou seja, causas gerais de exclusão de ilicitude mais as constantes do
artigo 79º, nº 2 do Código Civil).

Não admissível:

Ac. TRL 02-02-2021, Proc. 4348/19, Rel. Carlos Oliveira

1. O direito a um processo equitativo (Art. 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa)


implica a inadmissibilidade de meios de prova ilícitos, sendo nulas todas as provas obtidas
mediante abusiva intromissão na vida privada ou nas telecomunicações (Art. 32.º n.º 8 da
Constituição) e que constituam uma violação aos direitos à palavra e à reserva da vida privada,
consagrados no Art. 26.º n.º 1 da nossa Lei Fundamental.

2. Todos os meios de prova que violem esses direitos fundamentais e de personalidade, são
materialmente proibidos, seja em processo penal, seja em processo civil, impondo-se a
aplicação neste último das correspondentes normas estabelecidas naquele sobre proibição de
prova.

3. O nosso sistema legal de proibição de prova ilícita dá clara prevalência aos direitos pessoais
quando estes são violados através de métodos de prova proibidos.

4. O meio de prova consistente na gravação de conversação telefónica privada, sem


consentimento duma das partes nela interveniente, preenche, em abstracto, o crime de
“gravações e fotografias ilícitas”, previsto no Art. 199.º n.º 1 al. a) do Código Penal, que pune
com pena de prisão quem, sem consentimento, gravar palavras proferidas por outra pessoa e
não destinadas ao público, mesmo que essas palavras lhe sejam dirigidas, não podendo ser
usado como meio de prova no processo (Art. 167.º n.º 1 do C.P.P), sendo, portanto, prova nula,
nos termos do Art. 126.º n.º 2 do C.P.P..

GPS

Admissível:

PPA: No que diz respeito à colocação de um receptor de GPS no veículo do suspeito ou do


arguido, obtenção de dados de localização através de sistemas de GPS a um meio de
obtenção de prova admissível à luz do art. 125.º. Por uma questão de paralelismo com a
obtenção de dados de localização celular haverá que aplicar o regime dos arts. 189.º n.º2 e art.
252.º-A ou, quando esses dados sejam solicitados a terceiros, dos arts. 12.º e ss da Lei do
Cibercrime.

Ac. TRL de 08-11-2022, Proc. 4/22, Rel. Mafalda Sequinho dos Santos: Saber se o recurso à
colocação de aparelhos físicos de localização geográfica, vulgarmente designados de GPS
(Global Positioning System), em viaturas utilizadas por suspeitos é admissível à luz do nosso
Direito Processual Penal está longe de ser consensual. É questão que não tem merecido
resposta jurisprudencial e doutrinária concordante, oscilando entre os que recusam o recurso
ao mesmo e os que o admitem, ainda que subordinado a um regime de fiscalização paralelo ao
de outros meios de localização celular.

Orientando-nos para o meio que, em concreto, nos ocupa, entendemos que na panóplia de
meios ocultos de investigação, a utilização de aparelhos de GPS, de uso muito comum na
atualidade, importa, de facto, um nível pouco relevante de restrição ao núcleo dos direitos
fundamentais consagrados (arts. 25.º, 26.º, 27.º, 34.º e 35.º da CRP) não sendo,
nomeadamente, suscetível de sacrificar o direito ao silêncio, nem apto a obter “confissões”
inconscientes, não livres, como ocorre com o recurso a outros meios ocultos de investigação.

O nosso Código Processo Penal consagra a regra da não taxatividade dos meios de prova e
dos meios de obtenção de prova subordinados aos demais limites constitucionais e legais de
admissibilidade, nomeadamente os consagrados no art. 126.º do mesmo diploma (métodos
proibidos de prova). Entre estes e ressalvados os casos previstos na lei, são nulas, não
podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio,
na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular (n.º 3).

A pedra de toque é, em nosso entender, se a limitação dos direitos fundamentais decorrente do


recurso ao meio de obtenção de prova em causa (GPS) é de tal forma gravosa que, ao não
merecer regulamentação legal expressa (no sentido de completa previsão normativa), recaí em
método proibido de prova (art. 126.º, n.º 3 do Cód. Processo Penal) ou se, não encontrando
regulamentação expressa, mas não limitando, de forma exagerada os direitos dos visados,
encontra respaldo legal no art. 125.º do Cód. Processo Penal e 18.º ns. 2 e 3 da CRP.

De facto, reconhecendo os riscos de interpretações analógicas e extensivas em matérias


restritivas de direitos fundamentais, e que o art. 189.º do Cód. Processo Penal ficou aquém do
pretendido, ainda assim as decisões dos nossos tribunais têm maioritariamente procurado
enquadramento legal para o uso de aparelhos GPS, sopesado o menor grau de intrusão nos
direitos fundamentais que o recurso a este meio oculto de investigação aporta e a natureza
gravosa da criminalidade a cuja investigação se vocaciona, bem como a cobertura legal que o
art. 125.º do Cód. Processo Penal confere aos avanços tecnológicos.

Na verdade, podendo representar algum grau de compressão na esfera da vida privada, na


liberdade ambulatória, pela potencialidade de espelhar a movimentação de suspeitos e pelo
subsequente tratamento informático dos dados por essa via obtidos, a verdade é que essa
compressão pode sempre ser limitada e não terá o uso destes dispositivos, à partida, de
contender com outros direitos fundamentais. E pragmaticamente, sem prejuízo do princípio,
que temos por basilar, da confiança nos agentes policiais, do Ministério Público e judiciais,
preferimos um recurso controlado judicialmente a este meio que o seu uso camuflado numa
investigação (sendo um meio de fácil acesso e utilização, os resultados podem ser introduzidos
sem grande esforço no processo ocultando-se a indicação da respetiva proveniência). Esta
utilização controlada permitirá não só o exercício (oportuno) do contraditório, como o direito a
ver sindicadas as decisões tomadas por via de recurso, o que constitui uma inegável garantia
de defesa dos sujeitos processuais.

E o recurso à sua utilização poderá, até, tornar desnecessário o uso de meios mais intrusivos
dos direitos dos visados (como, por exemplo, as interceções das comunicações móveis ou
entre presentes).

Na leitura que fazemos, para além do STJ, também o Tribunal Constitucional, nos arestos
acima mencionados (213/2008 e 486/2009) e o TEDH (Acórdão Uzun c. Alemanha, de 2/9/2010
e Acórdão Ben Faiza c. França, de 8 de maio de 2018) admitem alguma elasticidade no âmbito
da reserva de lei exigida, sem que esta tenha de se reconduzir à regulamentação expressa de
todos os aspectos técnicos dos meios de obtenção de prova, compatível com uma cláusula
como a do art. 125.º do nosso Cód. Processo Penal (não idêntica à prevista na legislação
francesa anterior à alteração de 2014 e sobre a qual se pronunciou o Acórdão Ben Faiza c.
França).

Admitem, também, que o sentido dado pela jurisprudência constante dos tribunais superiores
sobre os textos legais é um dos vetores a considerar na verificação da existência de lei e os
nossos Tribunais, como vimos, têm-se pronunciado maioritariamente pela admissão deste meio
de prova, posição que, pelos motivos expostos, acolhemos.

Não estamos, em nosso entender perante um meio de obtenção de prova abusivo,


particularmente intrusivo, pelo que não caí no regime das proibições de prova. Reconhecendo-
se, contudo, os perigos das abordagens casuísticas, determinadas desde logo pela grande
divergência doutrinária e jurisprudencial que o tema convoca (e que só por si e por razões de
segurança jurídica e de preservação do Estado de Direito já deveriam ter determinado o
legislador nacional a agir) entendemos que o recurso a este meio de obtenção de prova deverá
ser judicialmente controlado, aplicando-se o regime legal que do mesmo mais se aproxima – no
caso o da localização celular (arts. 187.º a 189.º do Cód. Processo Penal). Tal implica que só
poderá ser utilizado este meio de obtenção de prova em casos de criminalidade grave, não
podendo os resultados pretendidos ser obtidos por meio distinto e revelando-se o mesmo
proporcional aos fins visados. E a natureza oculta do meio, ainda que o potencial lesivo de
direitos fundamentais seja, em nosso entender, mínimo, reclama não só autorização mas
também controlo judicial, com verificação periódica. A duração da sua utilização deverá, de
igual forma, ser concretamente determinada e limitar-se ao mínimo necessário.

Sendo, por isso e em nosso entender, admissível o recurso à colocação de aparelhos GPS,
importa ponderar se, na situação concreta, é de deferir a pretensão do recorrente, o que desde
já nos merece resposta negativa.

Na verdade, como já referimos a utilização deste meio de obtenção de prova é excecional e


subsidiário. Apenas será de autorizar se os resultados forem essenciais à investigação e não
poderem ser obtidos com recurso a meio alternativo.

Conselheiro Santos Cabral: sustenta na anotação ao art. 189.º do Código Processo Penal que
não encontramos cobertura legal para o meio de obtenção de prova nesta “extensão”, mas
entende «que a colocação de tal dispositivo de localização constitui um meio de prova que não
contende, ou contende apenas de forma superficial, com o direito à intimidade (…). Se a
colocação do dispositivo de localização assume uma dimensão meramente superficial, não
valorizável, de violação da intimidade, os elementos obtidos pelo mesmo devem ser valorados
nos termos do art. 125.º do CPP.» Não carecendo, segundo o respetivo entendimento, de
autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de localizadores GPS.

Não admissível:

TRL 13.04.2016, proc. n.º 2903/11: Este meio de obtenção de prova é diferente da interceção
de comunicações e não existe lei que o preveja, bem como aos seus limites e às garantias
inerentes à sua aplicação. É um meio oculto de investigação que, por isso mesmo, só poderia
ser admitido se existisse lei que o consagrasse como um meio de obtenção de prova legítimo e
regulasse os aspetos essenciais do seu regime. Assim é, porque a utilização destes aparelhos,
pelo sistemático e permanente registo de dados que propicia e pela natureza dos mesmos, é
suscetível de violar a vida privada dos utilizadores dos veículos em que se encontrem
instalados.

«(…) porque um aparelho de geolocalização, no caso, um “GPS tracker”, é um meio oculto de


investigação que, por isso mesmo, só poderia ser admitido se existisse lei que o consagrasse
como um meio de obtenção de prova legítimo e regulasse todos os referidos aspectos do seu
regime». Efetivamente, e como temos vindo a desenvolver, os métodos ocultos atingem
diferentes bens jurídicos e direitos fundamentais, tanto no plano material-substantivo, como no
plano processual , pelo que se compreende que a legitimidade de recurso aos mesmos, no
âmbito do processo penal no quadro de Estado de Direito, careça necessariamente de
intervenção legislativa.»

Costa Andrade: a intransponível exigência de reserva de lei determina que os meios ocultos de
investigação criminal só são admissíveis e válidos se e na estrita medida em que gozem de
expressa e específica consagração legal. Apelando à jurisprudência dos tribunais germânicos
refere que a lei “(…) tem de prever expressa e explicitamente a medida de compressão dos
direitos fundamentais, fixar a sua compreensão, extensão e vinculação finalístico-teleológica
bem como definir os seus limites. (…)

Delineando um conjunto de exigências ou pressupostos de índole material, formal-


procedimental e orgânica, de cujo procedimento cumulativo depende a legitimidade e validade
desses meios de recolha de prova no quadro do Estado de Direito e no atual estádio da
experiência jurídica, refere Costa Andrade estar a admissibilidade dos meios ocultos de
investigação sujeitos:

a) a reserva de lei, que deverá regulamentar com clareza e determinabilidade, rigor e


segurança, o bem jurídico ou direito fundamental lesado, a forma e modalidade técnica de
invasão. Referindo que e debruçando-se, especificamente sobre o GPS, meio que aqui nos
ocupa, “De forma apodítica, o recurso a um novo meio técnico (oculto e invasivo) de
investigação em processo penal (v.g.,GPS) só é possível depois de prévia – explícita e
autónoma -legitimação legal”;

b) Preordenados à investigação de um catálogo de crimes particularmente restrito e definido


segundo critérios de proporcionalidade;

c) A admissibilidade do meio dependerá de uma suspeita fundada da ocorrência da infração,


baseada em factos concretos e reportada ao momento da decisão;

d) Deverá obedecer ao princípio da subsidiariedade, não devendo recorrer-se a meios ocultos


quando for possível alcançar os mesmos resultados de investigação com a aplicação de meios
“descobertos”;

e) E subordinar-se ao princípio da proporcionalidade, balanceando os direitos e sujeitos


atingidos, isto é, a gravidade da intromissão, face ao peso das razões que a justificam;

f) Por último, o direito dos meios ocultos deverá integrar soluções normativas indispensáveis
para garantir a salvaguarda e a inviolabilidade da área nuclear da intimidade e, em última
instância, a proibição da respetiva valoração.

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