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NEUTROPENIA FEBRIL: MANEJO PARA O CLÍNICO NA EMERGÊNCIA

Angela Dal Pizzol Leite


Guilherme Levi Três
Gustavo Dalto Barroso Machado
Leonardo Lago
Sergio Lago

UNITERMOS
NEUTROPENIA FEBRIL/diagnóstico; NEUTROPENIA FEBRIL/terapia; EFEITOS COLATERAIS E
REAÇÕES ADVERSAS RELACIONADOS A MEDICAMENTOS.

KEYWORDS
FEBRILE NEUTROPENIA/diagnosis; FEBRILE NEUTROPENIA/therapy; DRUG-RELATED SIDE EFFECTS
AND ADVERSE REACTIONS.

SUMÁRIO
As infecções constituem uma causa comum e agravante de morbi-
mortalidade em pacientes que apresentam uma ampla variedade de neoplasias
malignas. Isto ocorre devido à imunodeficiência gerada tanto por aspectos
intrínsecos ao crescimento tumoral como pelo tratamento quimioterápico, que
facilita assim a ocorrência de quadros infecciosos graves e muitas vezes de difícil
manejo. Orientar a suspeita diagnóstica e o manejo inicial do paciente
neutropênico febril são os objetivos desse artigo de revisão.

SUMMARY
Infections are a common cause and aggravating factor of morbidity and
mortality in patients with a wide variety of malignancies. This occurs because of
the immunodeficiency generated either by intrinsic tumor growth by as
chemotherapy aspects, so facilitates the occurrence of serious infectious
conditions and often difficult to manage. Guide the suspected diagnosis and
initial management of febrile neutropenic patients are the aims of this review
article.

INTRODUÇÃO
O processo de crescimento tumoral relaciona-se a alterações da anatomia
e fisiologia dos órgãos e sistemas acometidos. O rompimento de barreiras físicas
(como fazem as neoplasias de pele); o prejuízo ao esvaziamento do acúmulo de
líquidos (no caso da oclusão de orifícios naturais – ureteres, ducto biliar, cólon);
comprometimento do sistema fagocítico (na leucemia mielocítica aguda,
leucemia linfocítica aguda e leucemia de células pilosas) da imunidade celular
através da ausência de anticorpos (na leucemia linfocítica crônica e mieloma
múltiplo) ou da imunidade celular através da ausência de células T (na Doença
de Hodgkin, leucemia, linfoma de células T) constituem alguns exemplos de
defesas que podem estar perdidas ou prejudicadas em determinados tipos de
neoplasias, qualquer uma delas podendo levar ao aparecimento de uma ampla
gama de processos infecciosos, cuja amplitude varia desde processos locais,
como uma celulite, até sepse de desenvolvimento rápido e maciço.
Um importante preditor do grau de extensão do processo infeccioso é a
competência do sistema imune do paciente em identificar e responder
adequadamente ao agente agressor. Sabe-se que o uso de agentes
quimioterápicos citotóxicos pode comprometer a produção de mielopoiese,
representando importante papel no estabelecimento de processos infecciosos
graves.

QUADRO CLÍNICO
A definição de neutropenia pode variar dentre as instituições, sendo
comumente adotada a contagem absoluta de neutrofilos abaixo de 500
células/microL. O risco de infecção é maior quanto mais baixo o número de
neutrófilos bem como duração prolongada da neutropenia (> 7 dias). 1
Febre, segundo a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas, é definida
por temperatura oral isolada acima de 38,3°C ou acima de 38,0°C se mantida
por mais de uma hora.2 Esta, por sua vez, pode aparecer como único sinal e/ou
sintoma haja vista a diminuição marcante da reposta inflamatória devido à
depleção de neutrófilos. Portanto o exame físico do paciente deve ser
minucioso, buscando possíveis sítios de infecção, sempre considerando sinais
como dor e vermelhidão como provável celulite assim como uma infecção de
trato urinário pode surgir sem piúria.

Quadro 1 - Avaliação diagnóstica dos pacientes com febre e neutropenia.


ÍTEM OBJETIVO COMENTÁRIOS
História Procurar sítios suspeitos para Permite detectar sintomas de infecção
infecção
Exame físico com ênfase em Detectar sítios suspeitos de Dor e/ou eritema podem sinalizar infecção, pus
tegumento, cavidade oral, infecção; guiar locais para geralmente não é encontrado devido a diminuição de
orofaringe, pulmões, abdome e obtenção de cultura e exames neutrófilos; exame do tórax pode ser sem alterações
região perianal (evitar toque de imagem mesmo se pneumonia; dor abdominal pode sugerir
retal) enterocolite neutropênica; dor perianal ou doença
hemorroidária pode sinalizar infecção por agente gram-
negativo ou anaeróbios.
Hemograma – série vermelha e Define o grau de neutropenia Quanto menor o número de neutrófilos, maior a chance
branca de infecção grave ou bacteremia; seriação da contagem
de neutrófilos define prognóstico
Creatinina, função hepática e Define comorbidades Permite ajuste de dose de terapia antimicrobiana e
eletrólitos associadas monitoramento de toxicidades aos tratamentos
Hemoculturas (dois sítios) com Diagnóstico de bacteremia Febre pode ser o único sinal clínico de bacteremia;
antibiograma permite ajuste do regime antibiótico
Culturas e coloração de amostras Detectar agente etiológico Coloração para fungos e bactérias pode ser útil
de sítios suspeitos de infecção
Estudos de imagem (geralmente Localizar o foco infeccioso Tomografia computadorizada (TC) mais úteis que
recomendado se há suspeita de radiografia; infiltrados pulmonares podem ser
determinado sítio através da inaparentes na radiografia durante a fase de profunda
história ou exame físico) neutropenia, tornando-se aparentes na fase de
recuperação; espessamento de alças colônicas podem
ser vistos na TC em pacientes com enterocolite
neutropênica.

Dez a cinquenta por cento dos pacientes com tumores sólidos e oitenta
por cento dos tumores hematológicos apresentaram febre induzida por
quimioterapia.2 É importante salientar que pacientes em vigência de esquema
quimioterápico entre o décimo e vigésimo dia após administração da medicação
devem ser considerados neutropenicos mesmo que exames laboratoriais ainda
não possuam resultados. Esta medida deve-se à forte propensão em induzir
neutropenia pelos agentes quimioterápicos atuais, podendo durar duas a três
semanas após o início do tratamento.3

ETIOLOGIA
Diversos estudos da década de 60 e 70 demonstravam que a maioria dos
casos era causada por bacilos Gram-negativos. No entanto, desde a década de
80, bacilos Gram-positivos estão se tornando mais comuns devido à introdução
do uso de cateteres, porta de entrada para a microbiota da pele. 4
Aproximadamente 80% das infecções identificadas são provenientes da flora do
paciente.1 Apesar do aumento da incidência dos Gram-positivos, ainda são os
bacilos Gram-negativos que cursam com quadros de sepse grave e choque
séptico. Fungos e vírus são causas incomuns para o quadro.

Tabela 1 - Agentes etiológicos mais frequentes.


Gram-positivos Gram-negativos
Staphylococus (coagulase + e -) Escherichia coli
Streptococcus Klebsiella
Enterococcus fecalis Pseudomonas

Ainda que uma procura minuciosa pelo foco infeccioso seja realizada, 45%
a 50% dos casos ficam sem definição etiológica.3 Salientamos a importância de
considerar o perfil de prevalência microbiana de cada instituição para escolha
terapêutica adequada.

AVALIAÇÃO
Na avaliação inicial é importante a determinação de risco do paciente para
manejo clínico e decisão de antibioticoterapia em hospitalização ou
ambulatorial com monitorização frequente. Para isto, sugere-se o uso de
escores validados no meio médico, sendo o MAASC (Multinational Association
for Supportive Care in Câncer) o mais difundido.5
Tabela 2 – Escore de risco MAASC.
Características Pontos
Assintomáticos 5
Sintomas leves 5
Sintomas moderados ou graves 3
Ausência de hipotensão 5
Ausência de doença pulmonar obstrutiva crônica 4
Portador de tumor sólido ou ausência de infecção fúngica 4
Ausência de desidratação 3
Não hospitalizado ao aparecimento da febre 3
Idade menos que sessenta anos 2
Soma dos pontos >21 é baixo risco; <21 alto risco.

Segue-se a avaliação com coleta de hemograma completo, hemocultura (2


amostras), creatinina, uréia, eletrólitos, bilirrubinas, transaminases e cultura de
qualquer sítio suspeito de infecção. Se o paciente possuir cateter totalmente
implantável, recomenda-se coleta de hemocultura do mesmo se sinais
sugestivos, vide Guideline NCCN (National Comprehensive Cancer Network).8
Radiografia de tórax fica reservada apenas para pacientes com sintomas
respiratórios.8

TRATAMENTO
A IDSA (Infectious Diseases Society of América) recomenda que o intervalo
máximo entre a internção do paciente e o início da antibioticoterapia empírica
seja de trinta minutos.2
Recentes estudos concluiram que antibioticoterapia intravenosa pode
seguramente ser substituída por terapia via oral em pacientes de baixo risco
conforme critério de MAASC.6 Os agentes considerados para tal terapia são
ciprofloxacino 500mg a cada doze horas e amoxacilina-clavulanato 1,5g ao dia.
No entanto, considerando que 20% dos casos são readmitidos2 e como ainda há
poucos dados sobre a segurança dessa conduta em nosso país, acreditamos que
a melhor opção é um mínimo de 24h de terapia hospitalar para estes pacientes.
Durante terapia ambulatorial é imprescindível que o paciente possua acesso
rápido a serviço médico e tenha bom nível sociocultural para segurança e
aderência ao tratamento.
Já pacientes de alto risco devem ser hospitalizados e manejados conforme
monoterapia endovenosa com cefepime, carbapenêmico, ceftazidime ou
combinação de piperaciclina/tazobactam.7 Vancomicina deverá ser adicionada
ao esquema quando houver instabilidade hemodinâmica, mucosite grave,
infecção relacionada a cateter ou em pacientes que realizaram profilaxia com
quinolona.3

Neutropenia ( ≤ 500 células/microL ) e Febre (≥ 38.3 C)

Baixo Risco Alto Risco

Observação hospitalar Antibioticoterapia IV


mínimo de 24 horas.  Cefepime
 Carbapenêmico
 Ceftazidime
 Piperaciclina / tazobactam

Antibioticoterapia VO
 Ciprofloxacino + Amoxacilina/ Ajustar terapia baseado na clínica
clavulanato específica, radiografia e/ou cultura.

Figura 1 – Fluxograma.

Caso seja identificado o possível foco infeccioso ou agente, o regime


antimicrobiano deve ser adequado para cobrir essa condição. De mesmo modo
a duração da terapia fica diretamente relacionada a estas condições.
Já em pacientes com etiologia indeterminada, a duração do tratamento é
determinada por contagem de neutrófilos acima de 500 céls/microL e
temperatura: dois dias afebril para pacientes de baixo risco e cinco dias para
pacientes de alto risco.
Quanto ao uso de fatores de crescimento hematopoiético, em específico o
fator estimulador de colônias de granulócitos (Granulokine), há dúvidas. O
agente não comprovou benefícios nos desfechos graves, mas diminuiu o tempo
de neutropenia.7 Por isso, grande parte dos oncologistas o utiliza até revertida a
neutropenia favorecendo assim a aplicação sem atraso do próximo ciclo de
quimioterapia.

CONCLUSÃO
A incidência de neoplasias vem aumentando assustadoramente nas
últimas décadas, por outro lado são inegáveis os recentes avanços no
conhecimento da biologia tumoral e a descoberta de esquemas quimioterápicos
cada vez mais voltados para as bases celulares da doença. Contudo, a síndrome
neutropênica febril constitui um dos efeitos adversos destes esquemas. A
possibilidade de infecção deve ser hipótese diagnóstica descartada no paciente
neutropênico, visto que nestes pacientes a resposta do sistema imune e os
sinais de infecção não possuem apresentação clássica. A abordagem precisa ser
composta por história, exame físico, solicitação racional de exames
complementares, diálogo com o serviço de oncologia e controle de infecção
local. Estes orientam a tomada de decisão, permitido escolha do esquema
antimicrobiano mais adequado para cada paciente e garantem, assim, sucesso
no manejo inicial da neutropenia febril na sala de emergência.

REFERÊNCIAS
1. Bow E, Wingard J. Overview of neutropenic fever syndromes. [Database on internet]. 2014 Jul
[updated 2013 Fev; cited 2014 Jun 30]. Available: http://www.uptodate.com/contents/overview-of-
neutropenic-fever-syndromes. Topic 16889 Version 19.0.
2. Freifeld AG, Bow EJ, Sepkowitz KA, et al. Clinical practice guideline for the use of antimicrobial
agents in neutropenic patients with cancer: 2010 update by the Infectious Diseases Society of
America. Clin Infect Dis 2011;52(4):e56-93.
3. Fernandes GS, Pracchia LF, Costa SF, et al. Neutropenia febril. In: Martins HS, Brandão Neto RA,
Scalabrini Neto A, et al. Emergências clínicas: abordagem prática. Barueri: Manole; 2013. 8ª.ed.
p.912-21.
4. Ramphal R. Changes in the etiology of bacteremia in febrile neutropenic patients and the
susceptibilities of the currently isolated pathogens. Clin Infect Dis. 2004;39 Suppl 1:S25-31.
5. Klastersky J, Paesmans M, Rubenstein EB, et al. The Multinational Association for Supportive Care in
Cancer risk index: A multinational scoring system for identifying low-risk febrile neutropenic cancer
patients. J Clin Oncol. 2000;18(16):3038-51.
6. Naurois J, Novitzki-Basso I, Gill J. M. et al. Management of febrile neutropenia: ESMO Clinical
Practice Guidelines. Ann Oncol. 2010;21 Suppl 5:v252-6.
7. Bow E, et al. Treatment and prevention of neutropenic fever syndromes in adult cancer patients at
low risk for complications. [Database on internet]. 2014 Jul [updated 2014 Aug; cited 2014 Jun 30].
Available: http://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prevention-of-neutropenic-fever-
syndromes-in-adult-cancer-patients-at-low-risk-for-complications. Topic 1400 Version 26.0.
8. Baden LR, Bensinger W, Angarone M, et al. Prevention and Treatment of Cancer-Related Infectious.
J Natl Compr Canc Netw. 2012;10(11):1412-45.

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