Você está na página 1de 219

COLEÇÃO

PRAZERES POÉTICOS

Chiado Editora
www.chiadoeditora.com

.
Portugal | Brasil | Angola | Cabo Verde
Conjunto Nacional, cj. 903, Avenida
Paulista 2073, edifício Horsa 1, CeP
01311-300 São Paulo, Brasil

Avenida da Liberdade, N.º 166, 1.º


Andar 1250-166 Lisboa, Portugal

Chiado Editorial Chiado Éditeur


Espanha França | Bélgica |Luxemburgo
Calle Serrano, 93, 3.ª planta Porte de Paris
28006 Madrid 50 Avenue du President Wilson
Passeig de Bâtiment 112 La Plaine St Denis
Gràcia, 12, 1.ª 93214 Paris
planta
08007
Barcelona

Chiado Publishing Chiado Verlag


U.K | U.S.A | Irlanda Alemanha
Kemp House 152 City road Kurfürstendamm 21
London eC1CV 10719 Berlin
2NX

© 2015, Juan Pablo e Chiado


E-mail:geral@chiadoeditora.com

Título: Diálogo dos Olhos


Editor: Mayara Facchini
Composição gráfica: Vera Sousa – Departamento Gráfico
Capa: Nuno Almeida
Imagem de capa: Felipe Soeiro
Revisão: Juan Pablo
Impressão e acabamento:
ChiadoPrint
1.ª edição: Fevereiro, 2015

ISBN: 978-989-51-2792-2
Depósito Legal n.º 383284/14
JUAN PABLO

DIÁLOGO
DOS OLHOS

Chiado Editora
Portugal | Brasil | Angola | Cabo Verde
Dedico este livro aos teus olhos
Agradecimentos:

Obrigado, Ricardo Ferraz, Ailon Mayer, Silas


Gabriel, Mariane Seguro, Robson Rodrigues, Janaina Senem,
Luan Zavacki, Dionatan Castilho, Lucianna Gonçalves,
Jéssica Bobroski, Vaneza Santos, Priscila Levinski, Jeiniffer
Amanda, Everton Petranski, Lucas José Sutil. Obrigado à
professora Cristina Iubel que despertou em mim o carinho às
letras e agradeço à equipe do Colégio Mahatma Gandhi.
Obrigado aos artistas: Felipe Soeiro, André Oliveira.
Muito obrigado também à professora, poetisa, contadora de
histórias e grande amiga Lívia Petry Jahn e Ricardo Goulart
Jahn pelo tremendo apoio.
Por fim, agradeço à minha família, por terem feito de mim
um menino sempre menino. Obrigado ao meu pai Eliseu
Ribeiro, à minha mãe Carminha de Fátima Ramos e aos
meus irmãos: Kauã Luidi Ramos Ribeiro, Patrícia Aparecida
de Oliveira, Eliziane Ribeiro (in memoriam), Thiago Oliveira.
Ao meu familiar e amigo Paulo Silas Ribeiro e minha avó
Carolinda Braz da Luz Prestes (in memoriam) por ter sido
sempre tão querida.
Sumário

I.POESIAS..................................................................................... 13
Nota do Autor ............................................................................... 17
Parte I ........................................................................................... 25
À menina cujo coração me é uma estrela ................................... 27
Dolorida saudade da aurora ......................................................... 28
Estou vivo ..................................................................................... 30
Eu apenas estou vivo ................................................................... 31
Falácia ........................................................................................... 33
Feito uma fuga.............................................................................. 34
Junto à minha pele........................................................................ 35
Meus olhos são lagos ................................................................... 36
Ela era ........................................................................................... 37
No instante ................................................................................... 38
O contorno das sombras das horas ............................................. 39
O instante, o momento valente e o enfrentamento do tempo ....40
Quadrilhas ..................................................................................... 41
Santiago Andrade ......................................................................... 42
Se eu me vestisse novamente de menino ................................... 43
Seu silêncio no mundo .................................................................. 45
Teu mundo inteiro inventaria ...................................................... 46
Trespassar .................................................................................... 47

Parte II .......................................................................................... 49
A criação ....................................................................................... 51
A lua declarou-se minha ............................................................... 52
Tradução da alma triste ............................................................... 53
Apelo ao Relógio .......................................................................... 54
Eu busco alguém .......................................................................... 55
Jardim Social ................................................................................ 57
Mas o mundo é tão grande .......................................................... 58
Medida ..........................................................................................59
Novamente, e agora José? ........................................................... 61
Parecia ter chegado da guerra .................................................... 65
No meio do caminho tinha uma pedra preciosa ......................... 66
Poeminha anatômico.................................................................... 67
Relatos ......................................................................................... 70
Releitura do poema “Cantada” de Ferreira Gullar ..................... 71
Reticências ................................................................................... 72
Retrato ......................................................................................... 73
Tenho nuvens que se desenvolvem ............................................ 75
Teus passos foram se desenhando ............................................. 76
Vidinha triste ............................................................................... 77
Aguou-se ....................................................................................... 80
Bateis............................................................................................ 81
E triste, sepultado entre todas elas ............................................ 85
O paradoxo de não sofrer ............................................................ 88
Tempo errado ................................................................................89
Se Camões desconhecesse o amor .............................................. 92

Parte III .........................................................................................93


A mar .............................................................................................95
A natureza dela .............................................................................96
Mitológica .................................................................................... 97
Filosofia .........................................................................................98
Antítese da lembrança .............................................................. 101
Castelo ........................................................................................ 102
Currículo Poético ........................................................................ 103
Do berço à cama de terra .......................................................... 105
Espelho ....................................................................................... 106
Fidelidade ................................................................................... 109
Humano ....................................................................................... 110
Imaginação ................................................................................. 113
Manuel Bandeira ........................................................................ 114
Vinicius de Moraes .................................................................... 115
Vida vazia ................................................................................... 124
Vindes a mim .............................................................................. 125
A morte do amor ........................................................................ 126

Parte IV....................................................................................... 129


Pensamentos, Rabiscos ............................................................. 131
Entala em mim ........................................................................... 135
Brincando de amor ..................................................................... 136
Decorei o seu sorriso ................................................................. 137
Desde tão cedo ........................................................................... 138
É ela ............................................................................................ 139
Feijão com Arroz ........................................................................ 142
A chave do calor é agora ........................................................... 144
Poema mais ou menos ................................................................ 146
Quando eu me for ....................................................................... 147
Quando o sono não vem ............................................................. 148
Quem ama não quer morrer ....................................................... 151
Que Saudade é Isso? ................................................................... 152
Uma despedida física ................................................................. 155
Parte V ........................................................................................158
É triste Severina .........................................................................161
Mira o tempo...............................................................................163
Para viver só no instante ........................................................... 164
O choro do mundo .......................................................................165
Olha o sorriso embotado.............................................................166
Diálogo dos olhos I .................................................................... 170
O valor da Morte ........................................................................ 176
Releitura de "Lira do amor romântico de Drummond"............ 180
A porta do amor ..........................................................................182
Diálogo dos olhos II ................................................................... 184
Lívia Petry...................................................................................186

Seleção de poemas de Jéssica Tassiana Bobroski* ..................189


Procurar.......................................................................................191
Único ...........................................................................................192
Força............................................................................................ 193
Desencontros ..............................................................................194
Covardia ......................................................................................195
Intoxicação..................................................................................196
Nascer .........................................................................................197
Confidente ...................................................................................198
Meu sertão .................................................................................. 199
A espera ..................................................................................... 200
Fugaz .......................................................................................... 201
Súplica ........................................................................................ 202
Juan pelos amigos ...................................................................... 203
Irreversível ................................................................................ 207
Capítulo Um ............................................................................... 209
I.POESIAS
Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,


O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda.

Por isso escrevo em meio


Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir! Sinta quem lê!

(Fernando Pessoa, do livro


“Poesias”, L&PM Pocket, Porto Alegre, p. 43)
Nota do Autor

Este livro reúne todas as minhas instâncias


emocionais, minhas experiências primeiras, visto que,
compus a escrita deste livro entre os meus quatorze e
dezoito anos; e o meu contato de amor com a língua.
Cedi parte deste livro à amiga Jéssica Bobroski cujo
cunho poético é muito bonito.
Jéssica é portadora de muito talento e sentimento.
Trago também a este livro a curiosa história de Felipe
Soeiro: Irreversível.
Juan Pablo, 14 de setembro de 2014.
DIÁLOGO DOS OLHOS
JUAN PABLO

“NO MEIO DO CAMINHO TINHA A POESIA”


LÍVIA PETRY

“Dizem que finjo ou minto


Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
(...)
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Esta coisa que é linda. “

(Fernando Pessoa)

Dou início a esta apresentação com o mesmo poema de


epígrafe do livro “Diálogo dos Olhos” de Juan Pablo
Ribeiro. E isso não é por acaso. Como Fernando
Pessoa, Juan Pablo também sente com a imaginação,
também cria terraços e coisas lindas, também é
candidato a ser chamado de “Supra Camões”. Não é
raro nascerem entre nós, bons poetas, mas é raríssimo
nascerem poetas que podemos chamar de “Gênios”, de
“Antena da Raça”, aqueles que expressam através da
linguagem poética os anseios de seu povo e a
universalidade dos sentimentos humanos.
Juan Pablo é tributário da grande tradição da Língua
Portuguesa, e seu livro de estreia mostra bem o uso
maduro e excepcional que ele faz da linguagem. Se aos
vinte anos de idade, este jovem e promissor poeta
dialoga com Cecília Meireles, Drummond, Ferreira
Gullar, Baudelaire, João Cabral de Melo Neto, Manuel
Bandeira e Camões, que dirá quando ele chegar aos
seus quarenta anos de idade? Certamente aí, ele terá
criado uma nova forma de poetar em língua portuguesa.
Mas seguindo os passos da grande tradição da poesia,
ele de fato nos surpreende com imagens inesperadas e
originais, com desfechos brilhantes, com versos que
ficam ribombando dentro da gente fossem um eco de
outros tempos. Não há como escapar das formas belas e
inusitadas, dos versos bem pensados e bem construídos,
das rimas e da música dispersa em cada poema, em
cada estrofe, em cada verso. E não há como escapar da
fruição, da emoção, do prazer de ler, das angústias
existenciais que o poeta nos propõe, dos amores que
não são só do poeta, são de todos nós, da solidão
(grande como o homem), da passagem do tempo, da
morte que nos espera inexorável. Mais sobre Juan
Pablo, não falarei, apenas deixarei que suas poesias
falem por si. Este poeta, que nasceu assim:

“Quando nasci ganhei um sorriso


Semântico do tempo.
Este era meu signo
Minha maior chama e
Significação.”
Este poeta que seguiu pela vida desta maneira:
“Eu sou o silêncio
Caminhando nas folhas.
Eu sou o caminho do Tempo,
Os ouvidos do vento,
As folhas que veem.
Eu sou o cheiro do relógio
Que não me viu
Ainda passar.”

Este poeta que sobrevive apesar de todas as dores:

“Não que eu ame ou me importe


Não que arda a mágoa feito queimadura
Não que eu soluce e me afogue
Eu apenas estou vivo
(...)
É que eu sou assim uma explosão
De vida dentro do nada.”

Este homem que ama e se sente só:

“Junto à minha pele


Junto à luz resistida
De uma lua sofrida
Eu me casei com a solidão.”

Este poeta / menino/ homem que pode ser descrito


poeticamente da seguinte forma:

“Meus olhos são lagos,


São verdes, vidros amados,
Estrelas que serão esquecidas”. Ou ainda:
“Coração de espanto,
Desenhado pelo silêncio,
Que diz sem dizer,
Cujo canto é mudo.
Pulsa, Vibra, Coração!
Tu és um poema,
E o poema,
O mundo. “

Lívia Petry, Porto Alegre, 7/9/2014


*Doutoranda em Letras pela UFRGS, poeta, escritora,
contadora de histórias, foi Professora Colaboradora de
Literatura Brasileira na Unicentro em 2013, onde
conheceu este aluno-gênio, Juan Pablo.
Dorme aqui um verso precoce,
Um verso tardio
Que só de ver o verso
O tempo vira sempre.

Não é porque sou poeta


Que sei que teu olhar é uma estrela
É porque a estrela me contou

Vinda vida linda


Vive e vai embora
Porque finda
Teu coração foi-se agora.
Toda hora vive vendo
A vida agora
Porque vivendo tu sempre demoras
E sofre correndo porque a vida
Foi embora.
Torno a tornar
O mundo o centro
De mim.
Tem muita notícia triste
Pendurada no jornal
Hoje vou lavar minha vida
Com um amor marginal.
Eu sento no centro do poema
Só pra te olhar
E porque o poema nunca me olhou.

Ninguém me ensinou a fazer


História,
É por isso que eu escrevo
Por amor.
Parte I
Diálogo dos Olhos

À menina cujo coração me é uma estrela

Eu gostaria de me apaixonar por você


Tão completamente,
Tão indefinidamente,
Que meu coração
Nunca ficasse
Sabendo.

Um amor a estar sempre


Reflorescendo,
Sem tempo de tocar instantes secos.

27
Juan Pablo

Dolorida saudade da aurora


Quando nasci ganhei um sorriso
Semântico do tempo.
Este era meu signo
Minha maior chama e
Significação.
Para ele quis um amor adjunto.
Quis decorá-lo com verbos,
Com instâncias dentro da instância
De minha vida.
Quis trazer para minha alma
Sofrida alguns adjetivos compostos
Por uma semântica mágica.
Minha oração do riso sempre fora
Um apelo ao futuro do futuro,
Uma hora que nunca pude enunciar,
Derramar.
Meu amor adjunto nunca fora restrito,
Tampouco de coração como de sonho.
Desenhar meu ânimo nos dias foi
Por tanto tempo só uma metáfora.
E tanto entrei para dentro e saí
Para fora de mim para ver com os
Meus próprios olhos o gosto da língua,
Da minha língua, da minha mãe.

28
Diálogo dos Olhos

Um palíndromo neológico surgiu


Nas entrelinhas das minhas páginas
Como um russo gritando:
Dorrod! Dorrod! Dorrod!
O que haveria acontecido com o
Meu sorriso semântico?
Quando, pelo mesmo tempo,
Fui atingido por um sorriso sintático,
Fiquei perplexo, estático. Riso novo
Cuja função era inibir.
Fui diminuído, desprovido da
Aurora da vida.
Meu riso precisou de complemento;
Meu amor adjunto
Tornou-se enfim restritivo e sectarista.
Minha aurora era uma vida, uma estrofe,
Uma rima.
Agora uma ferida inexorável.
Não há vocativos para clamar;
Trata-se dum sujeito simplesmente
Sozinho, dum tempo composto
Por lágrimas e lembranças do
Primeiro tempo.

29
Juan Pablo

Estou vivo

Eu sou o silêncio
Caminhando nas folhas.

Eu sou o caminho do tempo,


Os ouvidos do vento,
Os galhos que veem.

Eu sou o cheiro do relógio


Que não me viu
Ainda passar.

30
Diálogo dos Olhos

Eu apenas estou vivo

Não é que eu seja feliz ou seja triste.


Não é por toda a vaguidão ou pelas emoções.
Eu apenas estou vivo.

Não que eu queira, mas eu faço!


Tudo, faço e desfaço, sangro e saro.
Rasgado e costurado.

Eu apenas estou vivo.

Não é pelos ricos nem pelos pobres


Não é pelos sábios nem pelos padres
Não é nem mesmo por mim.

Eu apenas estou vivo.

Não que eu ame ou me importe


Não que me arda a mágoa feito queimadura
Não que eu soluce e me afogue.
Eu apenas estou vivo.

31
Juan Pablo

Não que me dê só solidão


Não que me seja muito ou pouco
Não que os humanos sejam ruins.
É que eu sou assim, uma explosão
De vida dentro do nada.

32
Diálogo dos Olhos

Falácia

Se o céu se pintar de amarelo


E todas as estrelas de azul;
Minha melancolia de luz
E toda alegria escurecer,
Que cor terá meu amor?

Os olhos teus?
Nossa dor?
Quantos traços de luz farão
Escuridão?

E quanta escuridão fará


Versos, poesia?
Quantos risos fáceis e
Falsos continuarão brilhando?
E quantas vezes mais o mundo
Uma falácia?

33
Juan Pablo

Feito uma fuga

Seus lábios,
lagos,
fados,
vida e
esplendor,
Suas estrelas cadentes do coração,
Seus mastros de alegria e ardor,
Tudo isso guardado em entrelinhas

Feito uma fuga.

34
Diálogo dos Olhos

Junto à minha pele

Junto à minha pele assistida


Por aquele dia,

Pelo luar,
Pela vida,

Estava sua imagem querida


Vestida pela tinta

Do sangue,
Da desilusão.

Entre os tropeços percebida


Sua imagem querida
É sempre decepção

Junto à luz resistida


De uma lua sofrida

Eu me casei com a solidão.

35
Juan Pablo

Meus olhos são lagos

Meus olhos são lagos


São verdes, vidros amados,
Estrelas que serão esquecidas.

Viver se começa na despedida


Então meus olhos são lagos
Que inundam o céu com o brilho
E transbordam na nuvem
As águas da dor do filho

Pois meus olhos são


Também um rio.

36
Diálogo dos Olhos

Ela era

Ela era uma passarela brilhante


Musa feita de passos num tapete estelar
Tinha o cheiro caro e os dedos dourados

E no pulso, o financeiro instante.


Sem outro tempo não via o sol,
Nem o soldado,
Nem a fome,

Nem a mulher negra na labuta incessante.


Viu apenas o menino,

O menino e seu coração,


Ali oferecendo sua única riqueza:
Uma côdea de pão.

37
Juan Pablo

No instante

No instante
Em que o amor se derramar
Nem o homem menos errante
Poderá acertar.

A volúpia não será limite,


A religião não será um muro,
A política não será uma cortina.

Palavras dadas ao grafite,


Flores lançadas ao escuro,
A névoa repentina.

E eu, escrevendo amor


Nos muros, nas cortinas,
Nos limites.

38
Diálogo dos Olhos

O contorno das sombras das horas

Meus olhos te borraram tanto que


Quando pus os óculos tive um espanto.

Tive um espanto em notar nos olhos teus


Os fios, o novelo, todo o enredo do meu sentimento.

Ponho os óculos e vejo-te,


Borrão indeterminado
Sem brilho.

Indago se acaso fora o vento que usurpou


Todas as suas estrelas íntimas capazes de brilhar,
E sem resposta, penso que talvez tenha sido a vida

A dar-te normas,
Contornos,
Sombras das horas.
Olhos apagados.

39
Juan Pablo

O instante, o momento valente e o enfrentamento do tempo

Fez-se o instante.
Fez-se o momento valente
Enfrentando o tempo.

Fez-se meu riso avizinhando-se do seu,


E enfrentando o momento valente,
O instante
E o tempo.

40
Diálogo dos Olhos

Quadrilhas

A vida rogou-me que nascesse para sofrer


Numa ânsia petrificada
Queimando o coração.
Quero sentir o prazer de ser amado,
Mas sigo emaranhado nas quadrilhas de Drummond.
Vejo a vida passar seca, sem insultos.
Ah, quero as lágrimas da explosão escura,
Quero as lágrimas dos que sofrem,
Porque uma dor agarra-se à outra,
E bailam juntas por amor,
As quadrilhas vermelhas no salão.
Tome meu coração e fique bêbado de dor!

41
Juan Pablo

Santiago Andrade

Onde penduraste
As estrelas
De teus olhos?

A que cuidados deixaste


Teus anjos brandos
Dos lábios?

A que ternura guardaste


Teu valente e sereno
Tão polido abraço?

Responda-me:
Em que lado da vida,
Em que avenida
Sem direito à despedida
Andam teus passos
Santiago Andrade?

42
Diálogo dos Olhos

Se eu me vestisse novamente de menino

Se eu me vestisse novamente
De menino não seria difícil
Esquecer a barba e meus
Cinquenta e tantos anos.

Se eu me vestisse novamente
De menino eu iria me despir
Do suor maldito e das dores
Envenenadas que guarnecem o sangue.

Se eu me vestisse novamente de menino


Alçaria ao rosto o riso da companhia
Dos pais. Cuspiria o desgosto dessa ausência.
Pendurada no varal dos meus dias.

Dias uniformes e sem sonhos.


Não há como transformar um pedaço
De madeira em espada se não tens uma
Roupa de menino.

Neste corpo fatigado


Não lhe caberia, e nem assim se vestiria
De forma que lavaria os venenos da solidão.

43
Juan Pablo

Se eu me vestisse novamente
De menino; eu diria que o tamanho do amor
Vai de uma ponta do dedo à outra
De plenos braços esticados,
Vestido de ignorância em pensar
Que o amor seja só isso, mas, às vezes, é.

O amor, às vezes, é tão pequeno que poderia


Caber numa roupa, numa roupa de menino.

E se a roupa veste a alma, e se eu me


Vestisse novamente de menino, adoeceria
Todos os relógios só para não me desvestir
De todos os risos que enterrei
Na hora extraviada de sentido.

44
Diálogo dos Olhos

Seu silêncio no mundo

Ah, coração,
De linguagem e prosa
Constituído,
Pulsando em dores
Monolúcidas
E orações.

Coração que grita,


Que fala até o pranto,
Que se derrama em canções
Entoadas pelas artérias.

Coração de espanto,
Desenhado pelo silêncio,
Que diz sem dizer,
Cujo canto é mudo.
Pulsa, vibra, coração!
Tu és um poema,
E o poema,
O mundo

45
Juan Pablo

Teu mundo inteiro inventaria

Não beberia tanta luz


De uma visita singela
Não guardaria o amor
Se tu não fosses como a Terra
E eu, girando em torno a ti,
Eu, Lua e fantasia
Teu mundo inteiro
Inventaria.

46
Diálogo dos Olhos

Trespassar

Não existiu horizontes


Nos seus passos suspensos
E nem segredos
Nos seus medos.

Não sucumbiu a inflamação


Da dor à força do riso festeiro
Que só nasce no nosso terreiro
Em pouco janeiro.

Não houve silêncio naquele encontro,


Nem socorro,
Nem pranto,
Tampouco a luz
Irradiando algum encanto.

Houve um pouco de ódio simplório


Do Deus morto
Que pôs na vida dele
Um destino torto.

Houve um pouco de treva


E de seu cheiro.
Não houve silêncio.

47
Parte II
Diálogo dos Olhos

A criação

Quanto mais perto seus olhos


Estiverem da luz, mais arderão
E queimarão como quem vive
Por muito na escuridão e de
Súbito dá-se à luz, arde.
O divino também pode ser
Um inferno.

51
Juan Pablo

A lua declarou-se minha

A lua declarou-se minha,


Mas antes que pudesse assim chamá-la,
Já não eras mais, era dia.
Quando a dor declarou-se minha,
Antes que pudesse dizer
Ela estava no meu colo,
No meu copo, minha vizinha,
Meu solo, minha poesia

52
Diálogo dos Olhos

Tradução da alma triste

O corpo enfermo
É a tradução
Da alma triste,
É como se a
Alma escarrasse dor!

53
Juan Pablo

Apelo ao Relógio

Eu tenho uma vida toda pela frente


E uma grande vida para trás.
Hoje sou um pouco menos em resultado
De ontem ter sido um pouco mais.
Hoje estou sozinho em virtude de
Ontem eu ter tido companhia.
Hoje eu sinto a saudade
O sangue e o tempo.

54
Diálogo dos Olhos

Eu busco alguém

Eu busco alguém que dívida sua biblioteca


De livros e de vida comigo; alguém que não fale
Em dinheiro e que não se importe com a simplicidade
Da minha casa e de meu coração.
Busco alguém que saiba dividir seu medo
E também seu riso. Uma pessoa que não veja o que posso
me tornar,
Mas que apoie quem eu sou em todos os dias.
Eu procurarei ser o mesmo para esta, num samba de rugas
E massas de tempo, chimarrão e volúpia pelada no cansaço
da pele.

55
Juan Pablo

Eu gosto do teu som


Poesia, poesia, poesia!
Gosto da tua rima
Alegria, alegria, alegria!
Gosto do teu alento
Amor, amor, amor.
Gosto da tua companhia
Poema, poema, poema.

56
Diálogo dos Olhos

Jardim Social

Que flor é essa,


Esmaecida e ligeira,
Quase uma libélula,
Que a política cheira?

Que flor é essa,


Que desce pelas campanhas,
Em pétalas de silêncio,
Em vozes tamanhas?

Essa flor, rajada de vermelho,


Cor de sangue,
Cor de marca nos joelhos
De tanto andar em vão.

Essa flor que o canário


Beija e olvida,
Fosse ela branca
Feito um voto
Que a urna engole, cospe, esquece.

57
Juan Pablo

Mas o mundo é tão grande

Mas o mundo é tão grande, né.


Parece que a solidão é maior.
O vazio ocupa tanto espaço,
Quanta decepção!
Mas o mundo é tão grande.
Olhai os campos, as cores!
Mas a tristeza é maior, é maior.
Mas o mundo é tão grande.
É grande, mas dá dó,
Não cabe amor tamanho.
E a tristeza é tão grande,
A solidão é tão grande
Não pelo tamanho do mundo,
Não pelo tamanho da tristeza,
Mas pelo tamanho do homem.

58
Diálogo dos Olhos

Medida

É tão desmedida
A maneira com que
Meço seus detalhes,
Que eles chegam
A falar comigo.

59
Juan Pablo

Nada se acaba de repente,


Mas de repente percebes
Que tudo aquilo
Não era nada.

60
Diálogo dos Olhos

Novamente, e agora José?

José como todos os outros


Também tem um amor
Platônico.
Mas diferente d'outros
O seu é Helena.
Helena o amou antes
De ser o amor real
De Carlos, e agora José?

61
Juan Pablo

Minha sustentação há de pendurar


Teu semblante
Nas estrelas sorridentes
Para que em cada
Atração minha pelo céu
Teu rosto nele eu veja.

62
Diálogo dos Olhos

O tempo come qualquer nome,


Engole mesmo sem fome.
Tua vida ele consome
Sem saber seu cognome.

63
Juan Pablo

O tempo é tão avesso ao nosso coração,


Vai pondo ataduras, unguentos
E é tão tolo, inevitavelmente vão
Se estamos fadados aos sentimentos.

64
Diálogo dos Olhos

Parecia ter chegado da guerra

Parecia ter chegado da guerra,


Mesmo sem nunca ter estado em uma.
Parecia sangrar, mesmo sem ferimentos.
Parecia estar morrendo mesmo
Com sua saúde intacta.
Ele morreu, mas não houve velório,
Tampouco seu enterro,
Noutro dia foi trabalhar.
Ressuscitado pelo vaivém dos ônibus,
Dor balançante de mil corações,
Porque ele, operário e poeta,
Não morria de amor?

65
Juan Pablo

No meio do caminho tinha uma pedra preciosa

No meio do caminho tinha uma pedra,


Uma pedra preciosa.
Tinha uma pedra preciosa no meio
Do dedo dela,
Vale mais que a minha casa,
Vale mais que a minha fome,
Vale mais que a minha vida.
Porque a pedra é preciosa.
Por que a pedra é preciosa?
E a vida? Vida minha, vida tua.
No meio do caminho tinha uma pedra,
Uma pedra preciosa.

66
Diálogo dos Olhos

Poeminha anatômico

Você pousou onde estava minha retina,


Lançou aos meus tímpanos algo suave
Num dia onde meu fígado estava doente.
Minha faringe se esforçando, minha cabeça
Doendo. Bem, o que seria de meu miocárdio
Se tu, com gentileza não houvesse pousado,
Nunca conheceria os guerreiros brancos
Que moram no meu maxilar.

67
Juan Pablo

Se até tu é
Tão triste,
O mar
A alvorada
Todas elas
Desta caminhada
As pessoas
Amadas
O sol
O poeta
A música
Imaginas
Toda poesia
Que fala
Anda e se cala
Em cada entristecer.

68
Diálogo dos Olhos

Quisera eu te ver de perto, menina


Ajustada à minha métrica ocular
Donde posso lhe beijar o riso, pequenina.
E cantar, beijar teus olhos, dançar.

Quisera eu te ver de perto, menina


Alçada no meu céu particular,
Amarela estrela dançarina
Que dança no céu e no meu olhar.

Quisera eu te ver de perto, menina


A vida é curta, é breve, mas não se atreve
A prender quiçá sua aparição repentina.

69
Juan Pablo

Relatos

Se não fosses D. Flora gastar os lábios


Carlos não teria bebido.
Carlos, se teus olhos fossem sábios
Tua dor não caberia

Se não fosses a partida de João,


Clara não se transformaria em pranto,
E, no entanto, se não fosses tua partida João,
Clara não conhecerias verdadeiro encanto.

Entremeados os lábios remendados


Corações costurados, fatos
Amados e detestados, seguem os fados.

Sem a medida destes atos


Ou das linhas dessa vida
Restam-nos apenas os relatos.
Num líquido.

70
Diálogo dos Olhos

Releitura do poema “Cantada” de Ferreira Gullar

Você é mais bonita que um desfile de estrelas


Você é mais bonita que um samba de dentes
Você é mais bonita que a folha de Drummond.
Que o amor
Que a música
Você é mais bonita que o céu sem nuvem
Num azul tão fiel.
Você é mais bonita que a aquarela
Mais bonita que o soneto de fidelidade
Que aquela roda de boemia do bar.
Que o sol.
Mais bonita que aquela água deitada na praia.
Olha,
Você é tão bonita quanto um jardim
E quase tão bonita
Quanto
Ter meu coração para te ver assim.

71
Juan Pablo

Reticências

Não é qualquer todavia


Que põe um porém na minha vida.
Eu sou muito mais do que um mas.
Eu sou um ponto que não acaba.

72
Diálogo dos Olhos

Retrato

A chuva, às vezes, cai como se dança


Para lá e para cá, fica tonta.
Beija, grita, desampara, mas é mansa.
A rua explica que ela é o que a gente conta.

A nuvem é sua aliança sem calma


Que nos lança junto dela o trovão.
Luz a clarear os olhos e água à alma.
O céu é tão profundo quanto um coração.

O homem, às vezes, é tão menino


Que dança na rua como uma casa.
Estático, sem lá, sem cá ser peregrino.

Mas um menino não para, tem lá,


E tem cá, menino cheio de asa.

73
Juan Pablo

Amor é ânsia que sucumbe à paz


De estar, ora sofrendo, ora sorrindo.
No estado de tecer o nunca mais.
Seu porto é estar sempre partindo.

É tanta partida, pouca chegada


Doendo na vida como uma chaga
Sangrando-a forte n'alma abalada.
Ferindo queixosa feito uma adaga.

Tecendo tristeza, fio de saudade.


Amor é a sã beleza do teu pranto
Embora amar seja uma tempestade.

A fim de ser, é o amor encanto


Devoção santa, dor e validade,
Pode também ser ponto, no entanto.

74
Diálogo dos Olhos

Tenho nuvens que se desenvolvem

Tenho nuvens que se desenvolvem


No seu olhar azul, sonhos que se transformam
Em pássaros que voam pro sul.

Pássaros brancos e brandos ao seu mar.


Tu chegaste velejando no meu sonho de andar
Por entre os amores do céu, de perto ver brilhar

Uma estrela que vem de vermelho.


Uma aquarela no céu, teus olhos no espelho.
Reflete do universo o seu abraço traduzido:

A aurora, o crepúsculo, a natureza, o conselho


"Seja-me na mulher que és o amor amanhecido".
Instaura-se nas cores dos meus olhos

Seu carinho reluzente,


Aos meus sonhos coloridos.

75
Juan Pablo

Teus passos foram se desenhando

Teus passos foram se desenhando nos meus olhos


Como a bruma se desenha no oceano
Eu não pude ver muito, mas era lindo o pouco
Desse desenho que entendi.
E teu abraço se desenhou no meu corpo
Como um passarinho se insere no céu

76
Diálogo dos Olhos

Vidinha triste

Regalou-se meu corpo nesta embarcação chorosa,


O colo de minha mãe.
Ah! os olhos úmidos dela

Quando pela primeira vez,


Esfregaram-se nesta existência tênue,
Pequenina,

Esta existência de mar.


O colo de minha mãe: barco alçado em velas brancas e
amarelas;

Barco em mastros e falhas saído dos lábios de meu pai.


E assim, singrando mares, caí na terra.
Caí na ferramenta da arte.
Caí na vida.

A Noite foi minha primeira mulher, a mais fiel.


Ancorei meus olhos nas palavras,
Ofeguei quando cresci,

Meu vigor ficou bêbado,


Meu ar pegou café e foi fumar.

77
Juan Pablo

Tropecei na poesia, nos livros.


Tossi. Escrevi.

78
Diálogo dos Olhos

O verso é lindo apesar de úmido.


O tempo é tonto e monocolor.
Vou calçar minhas chinelas e voltar a velejar.

Velejar até encontrar a melodia chorosa que me trouxe pra


cá.
Soluços suspendem as velas brancas e amarelas das bocas.
O mar dos olhos dá um adeus para nunca mais voltar a ver-
te: terra.

79
Juan Pablo

Aguou-se

Aguou-se no meu coração sua pétala


De carinho rebuscada e robusta
Beijou-me a alma seu riso em escala.

Seu condão de amor frouxo e risonho


Pincelou o céu com lua e estrela
Adornou o mundo com seu sonho.

Transformou-se no segredo da paz,


Abriu uma janela,
Guardou as dores numa gaveta fugaz,
E fez-se o símbolo da suavidade.

80
Diálogo dos Olhos

Bateis

Bateis no destino e na vontade,


Enterreis a lágrima dos olhos
Escondida em riso de claridade
Suscitando vossos filhos.

Que vos guarde os bons peitilhos


Das lâminas cardiais contra o peito,
Colheis da alegria o vosso brilho,
E mostreis ao vosso amor o seu respeito.

Derramais na saudade a sua revolta


Que cabes aos punhos a luta que deleito
Fazeis brilhar meu canto em vossa volta.

Num belo coração de menino


Cabes a vida e a morte com efeito,
E a arquitetura torta de nosso desatino.

81
Juan Pablo

Seu suspiro é o sulco do céu


Entranhado na sua beleza
De mármore que há de usar o véu.
Suspiro mágico de viveza.

Seus lábios coroados com o gosto,


Gosto das estrelas e do campo
Dos mares, do encanto
Do casamento a ti proposto.

Enlaçamento da terra e do céu


É a mulher de carne lua
Que transforma o coração em bailéu.

Os olhos translúcidos, uma vidraça


Que o vento sustenta o tremor cálido
Da dama composta de mágica graça.

82
Diálogo dos Olhos

O sabor do mato, o cheiro, o pouco


O brilho embotado, a vital simplicidade.
As falácias flutuantes no coração louco
Dos românticos tontos da falsidade.

Mas que a formosa dama a que escrevo


Dance nessa lua inédita como pluma
E reescreva o valor do café que me atrevo
Na cozinha desconhecida e vista como bruma.

E que de manhã pegue o jornal e leia


Atenta as palavras cheias do coração
Vazio que exprime o sangue da veia.

Que no domingo desfile nessa energia


Da corrente tênue da vida, triste e feliz.
E que nunca solitária, uma dama de eufonia.

83
Juan Pablo

É no vosso manto sacrossanto de amor


Que cultivo o sonho mútuo construído.
Sonho embrulhado de saudade e ardor,
Volúpias e do sentimento não destruído.

É na vossa pele que meu desejo dorme


Trabalhando os meus sentidos com explosão.
Suscitando da união um amor gladiforme
Onde todo o alento põe-se em concentração.

Nos vossos olhos vejo um espelho


Que me atrevo em olhar-me sempre.
E a ti dama, a teus pés posto-me de joelho.

Em segredo namoramos no verso


Os olhos alheios não levam deles o amor contido
Se todo o amar grandioso em nosso coração está imerso.

84
Diálogo dos Olhos

E triste, sepultado entre todas elas

Seus braços são agora invisíveis,


Fragmentos do pó da lembrança.
Relutâncias do desejo incabíveis,
Tristeza solitária e inconstância.

Minha saúde um mar vazio.


Tosse contundente e fala fraca.
Seu calor meu alimento mais frio.
Meu amor um soldado de ressaca.

Soldado sepultado entre estrelas


Lindas e cristalinas; soldado amargo
E triste sepultado entre todas, todas elas.

Seu amor agora é o remo d'outro lago


Outro passo, num mesmo céu desolado
Vibrante ao lado de meu coração vago.

85
Juan Pablo

Tu és a semente que o vento


Um dia irá beijar e transformar.
O segredo que a alma canta
Com os pássaros do tempo.

O suspiro do desejo afinado


Pelo acorde mágico do encanto.
A borboleta dourada do campo,
Do campo e canto todo enfeitado.

Enfeite dourado pela luz de vosso


Brilho; que escuridão poderia viver?
Com dourado adorno do tempo nosso.

E com enfeites de luz fez-se um varal


De sorrisos estendidos nas bocas.
Fez-se teu sorriso minha alegria usual.

86
Diálogo dos Olhos

Bebi o seu perfume como se fosse um fluxo


Deitei nos vossos olhos como se fosse criança
Comi a lua para ter brilho como vosso luxo
Quis encontrar a sua palavra e ter uma herança.

Caí no sorriso essencial e como homem apanhei


Da guerra confortável, labial e construtora.
Pelos ventos da volúpia só, eu solucei!
E da solidão abri a janela para ver seu afora.

À vista, sorri às estrelas de suas entranhas


E abri outras janelas, vi um mundo em seus
Cuidados, campos, flores, mares e montanhas.

Janela de calmaria e orvalho sendo demais


No intuito de chuva longa e duradoura
Daquelas que molha o mar como nunca mais.

87
Juan Pablo

O paradoxo de não sofrer

O que em teu consciente


Acolhe-me e me condena
Usurpa a presença contente
E crucifica a alma amena.

Flui no anjo o sangue cego


Que ignora a cor e o fogo,
Que já não queima: ego.
Carna no sistema o jogo.

Não queima e não vive, não ama.


Não sofre, não arde.
Não explode, não inflama.

Não queima, não conduz.


Não sobrevive, mas
Respira na falta de luz.

88
Diálogo dos Olhos

Tempo errado

Os vossos olhos úmidos, o seu pranto,


Semeiam os detalhes do tempo errado.
O bailar de seus dentes em tal encanto
Revelam teu tempo mais que dourado.

Tempo onde os rios e rosas e árvores


Eram frutos do sentimento acolhido
Pela natureza, beleza, água e amores.
Onde ilustre manjar era todo acontecido.

O encanto do tempo errado,


Mais que dourado, entra-me pela alma,
Festejando a luz destas Eras, o cálice do fado.

Flâmula, volúpias, sorriso,


A calma dos rios que meu olhar teceu,
Que pinta e dança, e faz do escuro teu, vivalma.

89
Juan Pablo

Onde estás minha amada?


Tropeço no soluço escarrado
De um amor doente na madrugada
Pela saudade do coração desgarrado.

Onde estás minha amada?


Que com seus seios tocava-me o peito
E apertava-me sonhando como namorada.
Pus-me guerreiro a morrer em teu leito.

Onde morreu minha amada?


Quem matou a namorada na madrugada?
Que a afastou de mim e trouxe o leito?

Onde morreu minha amada?


Quem por diabos é o nosso suspeito?
Que matou a namorada e trouxe o leito?

90
Diálogo dos Olhos

De tua formosura me hei despido


Que me fora despedido longe da ternura
De um amor quente e forte, agora delinquido.
Mas na próxima aurora há de ter a nossa cura.

Migalhas unidas do coração partido


Remontar-se-ão o amor permanecido
De cada fragmento não esquecido
Posto que amor não se é vencido.

Inda que a festa do enterro nos alcance


Velejemos funebremente sob o amor espalhado
Unindo fraquezas e angústias em nossa nuance.

Reconstruído o cabedal de alegria


Já não há mais marcha fria que nos perturbe
E sustente nossa separação por graça da tirania.

91
Juan Pablo

Se Camões desconhecesse o amor

A vida é fogo que arde e bem se vê


É ferida que dói e tanto se sente.
É um descontentamento descontente.
É dor que desatina e consente.

É um não querer forçado a viver


É um andar solitário a cantar
É nunca se contentar de sofrer
É um perder que se ganha em se cuidar.

É querer desprender-se da vontade


É cumprir o fado do triste vencedor
É ter com que nos mata de saudade.

Mas como causar pode seu calor


Nos corações humanos atenciosidade;
Se tão contrário a si é mesmo a dor?

92
Parte III
Diálogo dos Olhos

A mar

Amar deixou de ser um


Verbo para mim e
Tornou-se um artigo
Mais um substantivo
Sem concordância:
A mar.
Ou ainda,
Este
Quase perfeito:
Amargo.

95
Juan Pablo

A natureza dela

Debrucei-me nesses arbustos robustos do tempo...


Apalpei-me nas pedras graciosas...
Confortável à medida de angústia ou calmaria.
Passeando nessa singela passarela das Eras,
Eu vi a menina que bailava num vestido de anciã.

96
Diálogo dos Olhos

Mitológica

Observava o arcano da mais jovem anciã que


Minhas retinas atropelaram até hoje.
Não senti seu perfume ou ouvi sua voz...

Sua face, seus traços, fossem uma canção,


Perderam-me em imaginação
E vi na mulher, tranquila,
Tequila, música, sexo e amor.

Nada que seja tão triste assim:


Morte ou lágrima;
Eternas visitas momentâneas dela.

Ah! fosse ela parte da mitologia egípcia


E eu teria seus olhos traduzidos:
Heh e Hehet: o infinito;
Minha calma repaginada,
Nun e Naunet: o caos; o oceano primordial.

97
Juan Pablo

Filosofia

Foi-me tão bom ver de novo a natureza,


Lembrar que a pedra
Nunca foi tão dura
E que a água é o melhor ouro.

A criança guardiã da verdade,


Sem filosofia ou demasiada razão,
A ela digo que a verdade é que tão ela é,
Desconcerto sintático,
Semântico,
Mas imensa linguagem e grito.

A verdade que a ela dou,


A minha verdade cuidada:
Que tu és o desenho do encanto mitológico,
Divindade e luz sem religião,
Doçura sem doce,
Peculiaridade faminta...
Treva desequilibrada...
Um pouco de bebida e muita festa.

98
Diálogo dos Olhos

Você ficou me esperando ali,


Na esquina de cada verso.
Quando eu lhe encontrava
O poema acabava
E eu em ti estive imerso
Então descobri que nós moramos aqui.

99
Juan Pablo

A saudade é uma gaveta grande que vai


Guardando muita coisa quando a janela do
Tempo vai recebendo os ventos da vida.

Os meus olhos escreveram


Seu nome no céu,
Agora se vão a chorar.

100
Diálogo dos Olhos

Antítese da lembrança

Eu me lembro,
Lembro-me bem,
Do seu sexo.
Ah! o teu sexo!
Lembro do teu
Perfume, anjo do
Odor! Fragrância
Melancólica do
Inferno da lembrança.
Da minha lembrança.
Lembro de tudo.
Do riso
Solto, desencadeado
Afrouxado, feliz.
Eu me lembro da sua
Alva cor de horizonte.
Lembro-me da sua
Paixão, de sua nobreza,
De seu coração!
Mas, ah, diabos!
Hoje:
Quem és tu?
Eu não me lembro!

101
Juan Pablo

Castelo

Um senhor pergunta ao menino:


— Você conhece um castelo, uma mansão?
— Sim, senhor!
— Onde fica?
— Em minha casa, senhor!
— Mas como? Como caberia um castelo em sua casa?
Castelo para você não é uma construção enorme?
-—Não, senhor! Castelo, para mim, é a minha casa velha que
me protege da chuva.

102
Diálogo dos Olhos

Currículo Poético

Eu sei andar nas estrelas


E tropeçar nas nuvens.
Correr com luz
Nos labirintos.
Sei afinar os pássaros
De acordo com os
Acordes que vão nas
Tablaturas cristalinas
Dos olhos alheios.
Sei flutuar na nuance
Do descaso como folha
Que veste o vento com
Calma. Sei desenhar
Com os olhos
Sei sonhar com as pernas.

103
Juan Pablo

Desgosto:
Devo deixar de gostar de ti,
Pois quando de ti eu gosto
De mim viro desgosto
E eu não gosto disto.

104
Diálogo dos Olhos

Do berço à cama de terra

Você é uma criança que tropeça


No tempo e é chamado de 'tio',
Você é um jovem que tropeça no
Tempo e é chamado de 'pai', você
É um homem que tropeça no tempo
E é chamado de 'avô', você é um
Velho que tropeça na vida e cai
Na cova.

105
Juan Pablo

Espelho

Há luz, mas não clareia.


Há calma, mas não acalma.

Há virtude, mas não há saúde.


Há sede, mas não há vontade.

Há paz, mas não há veludo.

Há guerra, mas não há soldado.


Há ruas, mas não há caminho.

Há glória, mas não há luta.


Há cruz, mas não há Jesus.

Há sangue, mas não há corpo.


Há ferida, mas não há sulco.

Há flâmula, mas não há vento.


Há raiva, mas não há rochas.
Há um inferno, mas não há o diabo.

Há fracasso, mas há vida.

106
Diálogo dos Olhos

Há penitência, mas não há pecado.


Há pecado, mas não há penitência.

Há amor, mas não há amante.

Há coração, mas não há ocupação.


Há vida, mas há morte.

Há pedregulho, mas não há força.


Há remédio, mas não há tempo.

Há costume, mas há fuga.


Há casa, mas há partida.

Há olhar, mas há interferência.


Há mais, mas já não há.

Há poeta, mas já não há poesia.


Há poeira, mas não há cuidado.

Há segredo, mas não há parede.


Há quadro, mas não há pintura.

Há covardia, mas não há coragem.


Há tristeza, mas não há mais cura.

Há cura, mas não há mais espaço.


Há na palavra no espelho d'alma.

107
Juan Pablo

Eu não sei se é a cidade que está triste,


Ou este dia, ou esses dias.
Eu não sei se é a árvore que me encarou
Que de toda entristeceu-se
Ou se aquele poste rude que está triste.
Eu não sei se são as lacunas que estão tristes
Ou se é a falta de espaço.
Eu não sei se é a flor que está triste
Ou se é o jardim que entristeceu.
Eu não sei se é a oliveira que entristeceu
Ou se os ramos que pereceram.
Eu não sei se é o vento que entristeceu
Ou se as tempestades que choraram.
Eu não sei se é a fruta que entristeceu
Ou se a terra morreu.
Eu não sei se é o sangue que entristeceu,
Se o corpo que se fatigou
Ou se apenas estou triste.

108
Diálogo dos Olhos

Fidelidade

A fidelidade é o padre
Que diz aos cristãos que
Casados estão, porque de
Amor em amor,
Um amador
Nunca amou ninguém.

109
Juan Pablo

Humano

Não vivia mal;


Bebia Blue Label,
Fumava Marlboro,
Comia putas caras.
Não morreu mal;
Caixão d'ouro
Com detalhes
Todos em prata.
Não era de todo ruim;
Dava bom dia,
Dava boa noite.
Não era todo só a si;
Via a natureza,
Suspirava fundo.
Não queria só vagina;
Queria amor,
Queria ser poeta,
Queria encantar.
Não queria só dinheiro;
Queria mato,
Queria terra,
Queria cheiro,
Queria encanto.
De todo não era ruim.

110
Diálogo dos Olhos

De tudo que era ou seria


O mais que lhe falava
Alto e retumbante era o que queria.
Nem andava mal;
Calçava bons sapatos,
Roupava-se de boa marca.
De todo, não era rico;
Tinha Lacunas
E horas sóbrias,
Não tinha mulher,
Não tinha filhos.
Era doído;
Tinha caixa de lembranças,
Lutos pendurados no varal.
Sua semana agora era
Uma passarela de domingos.
Ardia-lhe as lacunas ou
As memórias pavorosas?
A inércia ou o turbilhão
De silêncio que as pessoas
Com boa vontade e riso
Nos lábios lhe davam?
Era tão miserável?
Mas como poderia?
Não vivia mal;
Bebia Blue Label,
Fumava Marlboro,
Comia putas caras.

111
Juan Pablo

Não morreu mal;


Caixão d'ouro
Com detalhes
Todos em prata.

112
Diálogo dos Olhos

Imaginação

Vê-se ali entre terra e


Chuva, um sofá
Esburacado.
Quanta besteira
De minha parte,
Assim dizer, um sofá.
Um menino
Cochichou-me aos ouvidos
Que és um lindo
Caminhão amarelo.

113
Juan Pablo

Manuel Bandeira

Poetizou os anúncios dos jornais


Enquanto
Passava
Esperava
Horas infernais.
Limpou a casa
Dançou tango argentino
Esperando, esperando por ela.
Abdicou-se da vida a esperar por ela.
E, quando velho, ela veio e soprou a bandeira do seu tempo.

114
Diálogo dos Olhos

Vinicius de Moraes

Moraes no estrito senso da cultura


Ou na alegria solta do riso popular?
Moraes na escada dourada ou de
Vez nas estrelas acesas de largo brilho?
Moraes nos sonhos inusitados ou
Nas transformações complexas?
Moraes onde amigo?
Onde queres morar?
Talvez onde Vinicius derrubou vivacidade?
Talvez onde Vinicius Moraes?
— Onde haja poesia de Vinicius de Moraes.

115
Juan Pablo

Disse que não gostava da escola,


Não gostava de estudar;
Chegou na esquina da vida
Sem dinheiro para levar
Moça alguma ao cinema,
Sem condições de guardar
Amor...
Chegou na esquina da vida
Sem vida para dar à morte.

116
Diálogo dos Olhos

a poesia é um órgão nu
não lhe ponha adornos
ou tantos pontos, roupa
ou tanta rima que canse,
bota alma
seu desejo, sua cara
seu costume, o brilho
de quem tu gostas, o sol
que cabe na sinceridade,
entre ser poeta e poetizar
há o espaço breve de se fazer
poesia e se fazer amor.

117
Juan Pablo

Você é a base,
É o teto
É o muro
É o mar
É o vento
É tudo que
Tá no verso
Que tá em você
Que tá no amor
Que tá no riso
Que tá em mim.

118
Diálogo dos Olhos

Para
Que
O
Coração
Não
Ficasse
Doce,
Eles
amargaram-se.

119
Juan Pablo

Se meu cérebro fosse mecânico;


Inda que meu cérebro fosse mecânico
Não faria poesia.
Se meu cérebro fosse mecânico,
A primeira coisa que não faria:
Poesia.

120
Diálogo dos Olhos

A chuva é o orvalho
Dos olhos dos deuses
Que por descuido
Lembram que são a
Semelhança dos homens...

121
Juan Pablo

Os olhos tocam as imagens;


Os ouvidos veem seus passos;
O tato cheira o seu sabor;
O nariz ouve a sua essência;
A boca mente como se não
Fosse apta à outra função!

122
Diálogo dos Olhos

Deitou-se nua na cama...


Chegou da rua fedendo sexo.
Seu marido deu-lhe mais amor
E morreu!
Ela, de tanto amor,
Fez-se só,
Fez-se falta

123
Juan Pablo

Vida vazia

Sala vazia
Corredor vazio
Cama vazia
Casa vazia
Coração cheio
Lembranças cheias
Cabeça cheia.
Ruas vazias
Praças vazias
Garrafas vazias
Histórias cheias
Coração cheio
Cabeça vazia
Vida vazia
Coração vazio
Garrafas vazias
Garrafas vazias
Garrafas vazias
Lembranças vazias
Histórias vazias
Coração vazio
Vida vazia.

124
Diálogo dos Olhos

Vindes a mim

Vede a água cristalina


Que banha o rosto
E lava a alma do sangue
Escorrido?
Sofrimento denegrido,
Vindes a mim mostrar
Se estás tudo perdido
Ou se é ato de pendurar...
Pendurar na memória
E desvestir os olhares,
Enquanto samba a
Lembrança sem música,
Com som de chuva
Ou ruído apenas.
Vinde a mim dizer
Que o rasgar da alma
Possa valer uma morte
Mais esperada e um
Desencontro mais explosivo,
Enquanto a lembrança
Continua pendurada e
Dançando, enquanto
A vida vai apenas sendo
Sobrevivida e não vivida.

125
Juan Pablo

A morte do amor

Hoje o amor acordou tão triste, decaído...


Vagou pelos corredores da veia, banhado
Por sangue.
Deleitou-se na cama, ardeu, ardeu
E morreu!
O amor era branco, lindo, puro, agora
É defunto.
O amor desenhou, pintou, e sorriu até
Que apodreceu.
O amor jurou, pediu, amou, esperou
E sucumbiu.
O amor fendeu a carne, postou-se alto
E caiu.
O amor desfilou pela calçada, sorriu
E caiu.
O amor tentou ser plano em seu auge
E caiu.
Sob goles de uísque, bocas estranhas
Com regalos
Coroados com a volúpia efêmera
De uma noite
Tão curta e turva, o amor sucumbe
Novamente.
Passe-lhe a mão nos olhos, os feche,
Relembre

126
Diálogo dos Olhos

O queimar juvenil e pacífico de um amor


De outrora.
O amor morreu! Enterre-o agora
No céu.
Ao passo que o amor adentra
Na terra,
O dinheiro e o poder assumem
O lugar
Nos corredores da veia, nos púlpitos,
Na cadeia,
Na sombra e água fresca.
Faltaram lágrimas para velar o amor,
Estavam
Todos trabalhando, pobre do amor!
‘Pobres’ do amor.
Que só teve alguns poetas sob sua guarda
Em sua morte.
Os poetas tentaram fazer o amor
Resistir.
Mas pobre do amor.

127
Juan Pablo

A superioridade é a
Subordinação do
Desejo de poder

128
Parte IV
Diálogo dos Olhos

Pensamentos, Rabiscos

Ser rico em um mundo onde muitas pessoas passam fome,


É o mesmo que guardar um tesouro sem ter a chave;
É o mesmo que possuir a luz a milhas e milhas da escuridão;
É o mesmo que ser amado sem amar; é o mesmo que ser
humano e não ser.

A riqueza produz o bem-estar de algumas pessoas,


Já a bondade pode dar conta de alimentar um mundo
Inteiro, se somada com outras bondades.

A vida haveria de ser melhor


Se as pessoas almejassem o bem
Coletivo com a mesma sede que
Almejam o poder ...

Amar é deixar o coração vulnerável a uma alegria imensa


Ou a uma dor vingativa.

131
Juan Pablo

Muita vez casa-me uma vontade,


De recordar o sabor do beijo
Que você nunca me deu...

Feliz seria eu, se me contaminasse,


Com o sorriso descontrolado,
Daquela criança.

Eu bebi na poesia o amor e o conhecimento


Necessário para ser amante,
Necessário para ser constante.
Eu bebi na poesia o sabor do sentimento.

O menino mergulhou a felicidade


Adentro de seu nobre coração,
E teve a vida à palma de sua mão.

Se todo hoje fosse como ontem,


Se todo amanhã fosse como hoje
Viveríamos sempre defasados?

Há quem reclame da casa feia,


Há quem almeje um teto esburacado que o molhe menos
Que o céu aberto sob sua cabeça.

132
Diálogo dos Olhos

Eu devo estar errado,


O paraíso é proutro lado,
Enquanto ando certo
Não o avisto por perto.

O silêncio chora,
Por não conseguir expressar.
Um mundo de palavras.

O teu amor me incomoda constantemente


O teu amor me aborrece demasiadamente,
O teu amor, o teu amor não me ama.

A pena, o papel, a tinta.


A musa, o desejo, o poeta.
A dor, a alegria, o canto.
Veja! Toda poesia no
Verso!

Você não pode mudar


A direção das gotas da chuva.
Você não pode mudar
A intensidade dos raios do sol.
Mas você pode modificar
A composição do meu olhar.

133
Juan Pablo

Hoje o céu amanheceu risonho


Feliz, encantador.
Quando paro e reparo melhor
Vejo teu rosto fazendo companhia
à estrela da manhã.

Você é a pintora
Que pincelou meu coração,
A escritora
Que escreveu em Minh ‘alma,
A bailarina
Que baila no meu olhar.
Você é a artista do meu amor.
O infinito do verbo nascer.

134
Diálogo dos Olhos

Entala em mim

Entala em mim uma vontade inofensiva,


Simples e pura,
Entala em mim uma vontade de
Descobrir com o paladar o caminho
Do seu rosto, os carreiros do teu corpo.
Cheirar o teu cabelo que o vento beija
Eu gostaria de tatear-te
Com a força de um amor sublime,
Daqueles que caminham pelo tempo.
A candura que vejo no
Teu olhar que me olha, casa com a que tenho
E dá vida a uma lembrança bonita,
A mais linda que não tenho.
As tuas pernas são macias, o tempo
Contou-me, a água me disse que adora
Banhar o teu corpo púrpuro e doce.
Os teus dedos podem tocar os meus
E fazer do tempo uma casa que pode
Nos levar para um rumo único, posso
Amar a sua mão, a tua singela mão.

135
Juan Pablo

Brincando de amor

Pela manhã digo-lhe: bom dia!


A ti e a distância entre nós...
Talvez, se estivéssemos a sós,
Tu me amarias.

Minha melodia do lembrar,


Meu amor sem me amar,
Me leva para brincar,
Brincar de nos amar...

Meu alento mais preciso


Meu amor mais indeciso,
Me leva para brincar,
Brincar de te amar.

Porque no mundo
O tempo é rouco
O pesar profundo
E o amor tão pouco.

136
Diálogo dos Olhos

Decorei o seu sorriso

Decorei o seu sorriso


Com alguns versos coloridos
Lancei ao vento.
E o vento sorriu pra mim!

Pendurei o seu riso


Nas paredes da memória
E o pensamento navegou
Pelo mar do bálsamo.

137
Juan Pablo

Desde tão cedo

Desde tão cedo


Aprendemos a sentir.
Tão cedo quando
Aprendemos a mentir.
Desde tão cedo
Aprendemos a amar.
Tão cedo quanto
Aprendemos a falar.
Quanto ao ódio...
O aprendemos...
Não tão cedo! Mas
Aprendemos a odiar...
Entre amar e odiar
Quanta tristeza, mas
Para que a tristeza fique
Basta dizer “fique tristeza”.
Para que ela vá embora
Basta dizer
“Tragam-me mais uísque”.

138
Diálogo dos Olhos

É ela

Você é a bela mais bela


De todas as belas que já vi.
É doce, é ela, donzela,
É pura, é acesa como vela,
É calma, valente, fera,
É gente, é ela, aquarela.
É viva, é quente, alva,
É linda, é serena, ela.
É mar, é terra, vento
E sustento de bom sorriso.
É risonha, charmosa,
É água, vaporosa.
Musa dum poeta,
A senhorita que deixa
Um coração em festa
Com seus detalhes e
Segredos de mulher.

139
Juan Pablo

Em alegria,
Canto pulando
Na tristeza,
Sorrio chorando
Estou assim
Começando a
Viver bem.
Não sei que é,
Sei que vem,
De longe ou
Perto,
Não sei quem é,
Sei que tem,
Alguma coisa para
Mim.
Sensível,
Amante invisível
De seu sonho
Distante.
Dedico-me
Ao amor amigo
Que vem,
De onde não sei,
Sei que vem.
Com força e
Carinho,
Rosa e espinho

140
Diálogo dos Olhos

Vem meu amor.


E, terno amor
Que seja eterno, e infinito
Enquanto perdurar,
E passar, e ser.
Em uma aurora constante
Nesse eterno amor
Sempre apaixonante
Infinito conforme for,
Uma vida toda para te amar,
O que vir depois a gente conversa.

141
Juan Pablo

Feijão com Arroz

Sorriu o arroz, alvo


E pelado
Quando se debruçou
Com seu lado nobre
De nunca brigar
Com feijão negro.
Ah! que relação de amor.
Feijão com arroz
Feijão com arroz.
E eu sem coração
Estou com fome.
Feijão com arroz.

142
Diálogo dos Olhos

Embalo-me em pensamento
E me perco no tempo
Não vendo a vida passar.

Embalo-me na vida
E vejo a mulher
Chegar, ficar e chorar.

Embalo-me na lágrima
Que vi cair e choro,
Choro por chorar.

Embalo-me no coro
Que me fazes cantar
Silenciosamente.

Embalo-me enquanto
Posso, até que a morte
Venha me embalar.

143
Juan Pablo

A chave do calor é agora

A voz pode estar tênue,


No momento,
No acaso. ao acaso,
Por acaso, eu posso
Dizer novamente o
Quanto amo.
Meu coração está
Resoluto para lhe
Afirmar que amo.
E amo quanto, ó
Quanto amo.
Viver do bálsamo
Do amor e por amor,
Enobrece.
As lágrimas da
Tristeza de outrora
Evaporam por conta
Do calor do amor
De agora.

144
Diálogo dos Olhos

Permita-me pousar meus olhos murchos


Em tua compaixão, minha bem amada.
Não sabes como me dói e corrói não
Saber se ainda vou ver sua elegância
Nua e crua de mulher depois
Que meu corpo se esgote por completo.
No embalo das tristes canções, das
Belas melodias, o coração se desalenta
Tanto que fica difícil evitar o pranto.
A distância é longa e deselegante,
A forma que acontece acaba não
Importando depois que se perece,
A vida não obedece, deforma a forma
Que tudo me acontece, entristece.
Como se ama nessa vida de curtas
Alegrias? As alegrias mais longas e
Duradouras, vivas e bonitas
São todas curtas como a vida.
Como se ama nessa vida de longas
Tristezas? As tristezas mais curtas
E pouco intensas ardem como o
Fogo que devora pouco a pouco a carne.
As tristezas são longas como a morte
E, a falar da carne, este é o tamanho
Da alegria e da vida. Eu medi minha
Alegria, fiz o que não podia, aprendi
Com um poeta que pobre é o que se pode medir.

145
Juan Pablo

Poema mais ou menos

O cigarro traga a minha vida,


E eu sopro os meus dias pelo ar.
Eu já comprei várias carteiras,
E até hoje ninguém me ensinou a dirigir.
Quanto mais dinheiro se vai,
Menos saúde me resta.
Quanto mais o tempo vai,
Menos eu tenho que aturar o mundo.
Quanto menos cigarros eu tenho,
Mais você tem que me aturar.
Quanto mais ruas eu passo sem olhar,
Mais você precisa me ouvir depressa.
Quanto menos eu escrevo e penso,
Mais eu preciso viver.
Quanto mais eu escrevo, menos preciso viver.
Onde estão os meus cigarros?

146
Diálogo dos Olhos

Quando eu me for

Quando eu me for haverá aqueles


Que regarão o meu corpo em pranto.
Há de nascer de mim uma estrela
Que se erguerá no céu toda vez
Que pensais em mim, pense-vos, peço.
Pintais-me no teu céu quando eu me
Flor, pintais-me no teu pensamento.
Haverá aqueles que falarão de mim
E ao longe eu estarei colhendo
Todo o carinho que tendes comigo.
Quando eu me flor, o meu silêncio
Gritará, o meu silêncio gritará alto
E forte, ficais atento, o vosso coração
Há de me ouvir. Meu ofício na vida
É construir uma estrada que me una
Ao vosso coração. Pelo tempo
Que me resta, permanecerei, mas
Eu também irei.

147
Juan Pablo

Quando o sono não vem

Quando o sono não vem,


Quando o sono não me concede
O ar de sua graça pelo anoitecer,
Pensamentos breves, ideias pequenas
Convidam mais e mais ideias e pensamentos
Para se deitarem comigo. Perfumes, odores,
Não se deitam junto de mim, devido
A necessidade quem tais têm
De estarem sempre livres ao ar.
Lembranças e rostos antigos
Turvos do passado,
Ah! Estes fazem questão
De me fazerem companhia
Até que o sono chegue.
A estas alturas ele já vem vindo,
Vem a pé, eu suponho, porém,
Creio que até o fim de minhas palavras
O sono deva chegar.
As faces do tédio trocam algumas
Palavras comigo, empolgam-se
E vão ficando até que algo me acuda e ocupe-me.
Fui até à janela, contemplei a chuva,
Procurei um passarinho, dois, três...
Enquanto espero meu amigo sono aparecer.

148
Diálogo dos Olhos

Em hora, perguntei-me se houve sono


Por parte do meu sono e ele adormentou-se
No caminho e esqueceu-se de mim.
Procurei lágrimas para chorar,
Sorrisos para esbanjar, procurei apressar o tempo.
Disse ao tempo, que outrora,
Quando me tinha nos braços
De uma doce criatura, ele corria sem cessar,
Mesmo lendo nos meus olhos
Que minha vontade era de que ele
Se assentasse.
Agora, quero que corra, ele decide se assentar.
Minhas chinelas já se cansaram
De meus pés, talvez o sono delas
Já tenha chegado,
E o meu onde está?
Será que parou para beber
Alguns tragos em um bar?
Encontrou alguém melhor
Para adormentar?
Ah! Sono meu, maldito!

149
Juan Pablo

Que os ventos leves e cuidadosos


Soprem o meu coração em direção
Do seu pensamento. Lá se estiver,
Cantarei canções de ninar, embalarei
Seus sonhos, amarei-te por dentro e
Jamais esquecerei que um dia estive lá.
Tua boca é casa dos meus lábios.
Só me falta que o teu pensamento
Seja a casa da Minh ‘alma.

150
Diálogo dos Olhos

Quem ama não quer morrer

Teu amor é a açucena


Plantada em meu interior.
Cresce cálida e amena!
Porque teu amor é sonhador.

Cresce cálida e astuta


A minha saudade colorida
Que pede tua figura resoluta.
Cresce com cor esta ferida.

Cálida ferida que se teve,


Mas amor pede dor e dá riso.
Amor e amizade no beijo breve.

Sangrar é preciso para colher


O amor semeado no solo do coração
Amado, mas quem ama não quer morrer.

(Letra musicada por Alexandre Leocádio e interpretado por


Carine Nunes no canal de vídeos do Alexandre no Youtube)

151
Juan Pablo

Que Saudade é Isso?

Agonizar em saudade
De uma vida que nunca lhe fora dada,
Parece-me recôndito e sofrido.
Ao passo que morder o mato e ter
Na língua o amargo da natureza,
São sofridos como saudade.
E é sofrido descobrir na amargura
Os traços de uma vida a mais,
A vida paralela, a vida que não
Tenho, tampouco você, parece-me
Mais aguçada e doce como lábios.
Ainda tenho saudade dos meus erros.
Acho que estou a ficar velho demais
Na casca de um jovem velho,
Que gosta de charutos e uísque...
Como Saudade, bebo uísque...
Não me lembro onde enfiei os
Malditos ou benditos óculos que
Não comprei.
Embarquei no momento de silêncio
Que uma vida a mais pode ter.
Respirei um pouco menos e vivi
A morte um pouco mais.
Pingos da saudade, a saudade

152
Diálogo dos Olhos

Daquela vida, daquele dia


Que nunca haverei de ter por
Estar amarrado a uma vida a mais.
Saudade dos meus olhos no nascimento
De minha mãe, que visão seria
Essa? Que poderia ter visto?
A imagem nua de um mundo cru.
Eu nasci pelado cheio de morte.
Morrerei fardado
Cheio de vida.
Quando se pode ter saudade
De tudo que não há,
Tudo pode ser.

153
Juan Pablo

Voa o pensamento,
Voa tão longe quando
Tu és ausente,
Voa pra você.
Receba em teu colo
O meu riso solitário
Que te espera nas
Manhãs tranquilas,
Nos dias turbulentos.
Voa o pensamento,
Eu me caso com você
Eu te espero
Voa o pensamento,
Ele desenha, te faz
Presente em meu
Consciente.
Voa o pensamento
Que se faz e se refaz...
Você permanece.
Voa o pensamento
Buscando o passarinho
Que me cedeu paz
Ao coração vazio.
Voa o pensamento,
Mas não sai do seu
Colo o meu riso,
Voa o pensamento, mas ele não sai de ti.

154
Diálogo dos Olhos

Uma despedida física

A música está tocando.


Consegues ouvir?
Ou estás tão distante a ponto
De não ouvir a canção
Em que meu coração
Está trabalhando,
Acompanhando a
Melodia da minha alma
Que acalma a minha
Esperança desesperada
E pouco alcançada
Pela minha força.
Eu tenho tanto medo,
Que você não me veja ser
Guardado pelo solo,
Eu tenho tanto medo
De não alcançar a tua mão
Por uma vez mais.
A música continua tocando.
Podes ouvir agora?
Estou caminhando no
Escuro, o teu coração
É vislumbrante,
Mas ainda não posso,
Ainda não posso vê-lo.

155
Juan Pablo

Ainda não pude alcançar


A tua música para então
Finalmente harmonizá-la
À minha.
Estou com medo.
Você pode me ajudar?
As flores estão tristes,
Entoando a minha música,
Embalando a minha música
Que toma um tom fúnebre.
As minhas pernas pereceram,
O meu coração desalentou-se.
A música parou.
Sentistes o meu chamado?
Ouvistes a minha lágrima?
Estrondosa, arrepiada.
A derradeira que escorreu
Vagarosa pelo meu semblante,
Que perlustrou minha face.
O cortejo fúnebre é ainda,
É ainda mais fúnebre.
O meu corpo está para cumprir
Sua última tarefa na Terra.
Ainda não notaste
Que ainda posso lhe ver?
Contudo, é só um
Instante, estou lhe vendo,

156
Diálogo dos Olhos

Estou lhe vendo ainda,


Mas é somente para
Dizer, para diz... para...
Respiro fundo e agora
Digo, vou dizer, só agora.
Para dizer que
Moldastes a minha vida
Muito bem,
Que deveras foi pelo
Teu desenho carismático
Que fui quem fui.
Por muito te amarei,
Por muito tempo,
Por muitas primaveras,
Por muitos outonos.
Por muitos invernos.
Por muitos verões,
Para sempre, por uma vida
Ou duas, quatro, sete...
Minha bem amada.
Para sempre te amarei,
Inda que eu não possa dizer,
Inda que eu não possa
Respirar.
Inda que não possa,
Eu te amarei
Para sempre.

157
Parte V
Diálogo dos Olhos

É triste Severina

É triste Severina,
Há tanto do que se morrer
E a gente quase nunca morre pela
Morte, e morre todo dia.
É triste Severina,
Tu tanto tentas te curar
E machuca-se com o remédio,
Vai amando, vai ardendo,
Vai chorando, vai vivendo.
É triste Severina
Tu jurar e perjurar
Amar e desmanchar
E viver correndo, sem alento,
Sem ninguém vendo.
É triste Severina
Que em um pedacinho azul do céu
Não se encontre num olhar de comparação.
A solidão é tão pequena, mas como cabe
No coração, na decisão, na informação.
É triste Severina
Que haja guerra, mas não haja soldado
Pruma vida tão inteira
Onde todo mundo jaz acabado.
É triste Severina

161
Juan Pablo

Que o amor sempre acabe


No final de si, numa brandura
Banal que nunca o leva ao final
Da vida, que de verdade nunca é
Derradeiro.
É triste Severina
Tua alma nunca alcançar a minha
E o mundo açoitar as nossas.
Diga-me, me diga, e agora Severina?

162
Diálogo dos Olhos

Mira o tempo

Mira como o tempo é


Vaidoso.
Todo mundo crê que é
Valioso,
Quando no fundo é tão
Vilão.
Já levou João
Levou Rosa e
Mimosa.
E não trouxe mais não.
Mira como o tempo é tão
Triste.
Se João não mais existe
E a memória não insiste
Porque o tempo é tão
Vilão.
Recolhe a amargura
E a dor de Rosa
Mas nunca a exaustão.

163
Juan Pablo

Para viver só no instante

A maior queda do poeta


É querer ser grande
Pois se o poeta só é grande
Se sofrer,
Quem é que vai querer
Subir a escada da dor.
Vale muito mais viver
No instante
Do que no olhar vago
Da Multidão.
Ser um homem tão pequeno,
Mas tão grande dentro
Do seu coração.
Pouco vale viver no tempo
Apenas pelo arroz
Ninguém consegue fazer
Amor
Nos olhos da multidão.
Escreve tua vida sem medo
Sem pensar muito no enredo
Sem pensar muito em ser grande
Para viver,
Para viver só no instante.

164
Diálogo dos Olhos

O choro do mundo

O choro do mundo é um vidro quebrando


É o sangue jorrando. Sim, é terrível.
O choro do mundo é o teu olhar triste, mulher,
São as crianças gritando, o coração se escondendo.
O choro do mundo é tão triste
O olhar humano tão pequeno
Que tem gente que não sabe que o mundo chora.

165
Juan Pablo

Olha o sorriso embotado

Olha o sorriso embotado das bocas


Encardidas estendido na rua
Funciona como um varal
Mais uma notícia para pendurar no jornal.
O manto negro é o seu amor
A injustiça sua dor, a desumanidade
Seu cobertor.
Canta criança, canta soluço.
Investe na dança seu pobre embuço.
Já que a esperança caiu tão bêbada
Nas entrelinhas do mundo;
Chora criança, choro profundo
De quem não inventa tristeza
E não enxerga beleza nas cores do mundo.
Olha o sorriso embotado das bocas
Encardidas estendido na rua
Funciona como um varal
Mais uma notícia para pendurar no jornal.
O seu amor é um manto negro.
O céu é sempre noite
Quando não há tostões no bolso.
Teu sorriso criança, vai entrando,
Vai entrando num verdadeiro calabouço.
Cala criança, desdobra esperança.
Tá estendida na rua a sua casinha

166
Diálogo dos Olhos

A dura calçada é nossa vizinha.


O poste tão mudo é só meu amigo,
O melhor, o único, o mais antigo.
Canta criança, canta soluço.
Investe na dança seu pobre embuço.
Chora criança, choro profundo
De quem não inventa tristeza
E não enxerga beleza nas cores do mundo.
Olha o sorriso embotado das bocas
Encardidas estendido na rua
Funciona como um varal
Mais uma notícia para pendurar no jornal.

167
Juan Pablo

Olhai estas lindas palavras


Ditas de quatro em quatro anos
O mundo sempre salvo no comercial
Que passa como tudo passa
E amanhã já é vendaval
Ninguém mais fala nada
Volta tudo ao normal.

168
Diálogo dos Olhos

A rosa que te dei


Era bonita
Mas ficou toda aflita
Ao te ver ainda mais.

O carinho que eu te dei


Era perfeito
Mas ficou insatisfeito
Quando outro lhe deu mais.

O sorriso que eu te dei


Era querido
Que ficou tão preenchido
Quando meu sorriso eu te dei.

Ficou plantado ao pé do ouvido


Quando meu coração eu te dei
O meu olhar distraído
Que te vê em tudo, até sem sentido.

É porque existe você


Que existe o poema
É porque não tem por quê,
Que existe o dilema.

169
Juan Pablo

Diálogo dos olhos I

Era só um tapete azul


No céu
Do próprio céu
Até eu descobrir
Que o Seu é muito mais
Agora lá em cima
Não há mais tapete
Azul, há o Seu
E não o céu.

Há quem conheça
Estrelas,
Que olhe pro céu e veja
Estrelas
Que desenhe no papel
Estrelas
Mas eu sempre que vejo o
Céu
Só vejo teus dentes
E nunca, as
Estrelas.

170
Diálogo dos Olhos

Tanto gosto te alivia


Como se a vida
Em cada dia
Parasse
Só para ouvir
Teu choro
Respirar.
Teu choro respira
Tão fundo que
Antes deste
Pesar tão profundo
Era de se esperar
Que cantasse
Para que o
Ouvido
Do gosto
Escutasse.

Se namoras uma
Poesia,
Saiba
Que o
Poeta
Casaria
Contigo
Se descomprometido
Fosse.

171
Juan Pablo

É porque a vida é sem graça


Que se bebe cachaça!
É porque não é só ternura
Que se lê literatura!
É porque não é só coração
Que existe a solidão!
É porque não é só direita
Que existe a esquerda!
É porque se bebe cachaça
Que se vive triste procurando graça.

Mar,
Ilha,
Teu nome é uma dádiva
Marília!
Que tu sempre convivas
Com
Mar,
Ilha,
Marília!

Espelho de água na rua


Gota da chuva
Pedaço do céu.
A saudade é uma luva
Um pedaço do véu
Espelho de mágoa na lua.

172
Diálogo dos Olhos

Aprendi que as pessoas


Agem conforme o
Que dizem ter aprendido,
Porque aprendi que as pessoas só
Apreendem superfícies
Enquanto observava o mundo
Que as pessoas prenderam.

Fala florzinha
Diz que é sozinha
Não guardeis medo de mim
Sou também sozinho
Não tenho nenhum amorzinho
Pra viver de amor em flor até o fim.
Teu olhar sibilino
Meu olhar peregrino
Nossos olhos de vidro
Engarrafados no livro.
Dar bom-dia é um enfeite
Ao dia de quem aceite
É ter deleite de quem
Nos respeite, viva tua voz,
Bom dia!

173
Juan Pablo

Fugi da estrela
Agredi a pedra
Beijei o espinho
Que pariu meu sangue.
Quando volvi à estrela
Era dela
A pedra
O espinho
E o sangue.
Fugi da estrela.

Sangrando de amor
Viu-me como uma janela
Pra guardar só pra ela
Toda compra de flor.

Quando sentiu
Agrediu
A razão e
A dor.

Quando à dor
Consentiu
Sentiu o coração
Manchado de amor.

174
Diálogo dos Olhos

Pensei que havia vida,


Só percebi que tinha
Quando perdi a minha,
Lidando com a ferida.

Deitei no meu problema e adormeci.

A minha poesia é a respiração


Dos meus olhos,
Efeito alto dos meus sonhos,
Observação do coração.
Amor, onde é que eu ponho
Esse meu jeito de dizer adeus?
Alto como um sonho
Triste como os olhos meus,
Amor, onde é que eu ponho
Esse meu jeito de dizer adeus?

175
Juan Pablo

O valor da Morte

A morte só tem muita valia porque se morre só uma vez:


— Bom dia, Severina, a senhora soube que o João morreu de
novo?
— Sim, acho que é a décima vez só nessa semana, não é?

“É triste Severina,
Há tanto do que se morrer
E a gente quase nunca morre pela
Morte, e morre todo dia.”

176
Diálogo dos Olhos

Filha minha
Não fiques tão tristinha
Um dia tu vais nascer
E de ti ireis fazer
Uma linda menininha
Toda contente em viver.
Quero que recebas flores
Do vosso namorado
Que desfrute em teus olhos as cores
De se amar e ser amado.
Filho meu
Teu pai tá tão cansado
Sozinho, desanimado
Que só a Filha conseguiu nascer
E que dela quis fazer
Um sonho que também serve pra você.
O que não volta
Vira
Revolta.

Vamos fazer de conta


Que a vida é só agora
E nunca mais
Que nunca jamais
E que ela não demora
Pra levar embora
As coisas que tanto faz.

177
Juan Pablo

Olhar de vidro
De tonto, de poeta
Olhar de santo
Olhar secreto
Olhar pronto
Da vida, do encanto
Da promessa
Do tecer o nunca mais
Olhar sempre em tanto
Canto, sem tanto no entanto
Olhar por olhar
E amar pra não morrer.

Eu sempre preciso do
Ponto pra não ficar tonto
De tanto beber poemas prontos

Fernando fora boa pessoa


Fora tanto
Que fora tantas.
Onde Vinicius Moraes?
Quero encontra-lo
Pra dizer que não existe
Rosa mais bonita que a
Do Guimarães, que os
Ramos que Graciliano com graça
Nos deu.

178
Diálogo dos Olhos

E por onde Andrade Carlos, Oswald,


Eu vos queria ver de novo
Engolir uísque
Fruto doce e Azevedo.

179
Juan Pablo

Releitura de "Lira do amor romântico de Drummond"

Atirei um limão n'água


Que caíra insatisfeito
Doendo-se todo da queda
Doendo-se todo do peito.

Atirei um limão n'água


Que só beijou o fundo
Porque é bem no fundo
Que dorme o amor do mundo.

Atirei um limão n'água


Que se chorou por inteiro
Queria ele tanto dar-me o azedo
Que, logo, o atirei ligeiro.

Atirei um limão n'água


Que falou para minha mão:
— Não devias ter me atirado,
Agora o medo azedará teu coração.

180
Diálogo dos Olhos

Atirei um limão n'água


Que perdeu a esperança,
Seu verde, sua vida
Só lhe restou de novo ser criança.
Atirei um limão n'água
Que não acreditava em Deus
Era tão científico-sistemático
Que de si parecia um Zeus.
Atirei um limão n'água
Que encontrou o amor,
Havia doutro lado do rio
Outra pessoa com dor.
Atirei um limão n'água
Que enfim assim me disse:
— Eu tenho família grande,
Mas e se teu amor surgisse?
Atirei um limão n'água
Que encostou o olhar na lua
Olhos de vagalume
Que iluminam a noite tua.
Atirei um limão n'água
Antes não tivesse atirado
Se o próprio limão
Me julgou mal-amado.

181
Juan Pablo

A porta do amor

Semeia no meu
Sangue tua vontade
De amor,
Eu não tenho medo.
Pendura no meu dedo
Teu segredo.
Faz de mim
Teu enredo,
Sem assim contar
Se é de comédia
Ou tragédia
Que se trata.
Se tua vontade
Me mata ou teu amor
Me desata, não importa!
Eu não tenho medo.
Pendura no meu dedo
Teu segredo
E abre logo esta porta.

182
Diálogo dos Olhos

A vida nasceu
Como uma planta linda
No meu olhar.
E morreu pobrezinha
Toda coitadinha
Como quem nunca
Saiu no jornal.
Será que tudo que
Existe entre nascer
E morrer é somente
O nome?

Teu amor
Era um vento
Que escutou o tempo
E deixou de ser amor.
Que ventania faz nessa cidade
Que ventania faz nessa idade.

Perguntou-me quem
Eu era e então respondi
Tudo que importava:

- 077 e alguns
Números mais.

183
Juan Pablo

Diálogo dos olhos II

No meu olhar
Eu tenho teu nome.
Do teu
Eu tenho a fome.

O teu me diz tanto


Que quero até casar
O sol que mora no meu
Com a lua que mora no teu

Para que não haja dia ou noite


Em que não possamos namorar,

Que de agora em diante


Já possamos escolher
O nome do menino e da menina
Que vamos amar até morrer.

Menino filho do sol,


Menina filha da lua,
Filhos do amor, filhos dos olhos.

184
Diálogo dos Olhos

Aquele que morreu,


Morreu hoje de novo
Para ter então de novo
A atenção do povo.
No entanto, tanta morte
Fez dele um sem sorte
E ainda lhe disseram:
“não vou cair nessa de novo!”
Então nem cortejo lhe fizeram
Quando pela última vez
Morrera de novo,
Sem a religião de Deus
Só com a religião do homem.

O comum puro
É lindo eu te asseguro.
Vamos nascer de novo
E contar pro povo
Que ninguém é dono
De nada, que não existe
Propriedade privada,
Que nós todos somos
Os donos do mundo.

185
Juan Pablo

Lívia Petry

Alivia Lívia
A tempestade que o mundo temia
Mar de sangue.
Arrepia Lívia
O medo que mar sente
De estar sempre presente
Na morte
Tu que escreves torna-te salva-vidas.
Vês como tu é querida?
Trabalhas a palavra linda.
Desenhas barquinhos de papel
Mais fortes que um quartel.
Alivia Lívia
O peso da âncora
Faz dela uma aurora
E da aurora uma aquarela.

186
Diálogo dos Olhos

Teu corpo
Roubou
Da minha
Canseira
O leito de
Sono.
Há flores ancoradas
No sul azul dos teus olhos.
Sábias flores que dormem
À luz das tuas retinas.
Há flores penduradas
No vão dos teus dedos.
Mas nunca é vão o cheiro
Que deixam em tua mão.
Há flores respirando
Nos teus lábios,
Lindas flores que folham
Suas palavras meninas.
Há um fruto no teu beijo,
Uma raiz no teu coração
Um caule no meu desejo
De ancorar em ti minha floração.

187
Juan Pablo

Salta susto
Forma pranto
Vem partida
Sofre escondido
Triste vida.
Salta moleque
Estanca a ferida
Cala tua chaga
E vá trabalhar.
Salta cólera
Forma solitude
Muito e amiúde
É proibido ser
Triste, não ser
Salta da cama
Atira no relógio
Maldiz tudo
Olhos pesados
Fundos, profundos
Tão magoado
Salta tua imagem
Vem a ferida
Revogar meus ais.
Salta o ponteiro
Ressuscitado
Revogar meu ar.

188
Seleção de poemas de
Jéssica Tassiana Bobroski*

* Jéssica Tassiana Bobroski é graduanda em letras pela


Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO)
Diálogo dos Olhos

Procurar

No fundo do espelho o que reflete em ti?


Os seus medos, os seus anseios, o brilho já pálido de sua íris
No fundo do espelho o que reflete em ti?
O medo que tudo vire cinzas, que as paredes desabem e o
peito que um dia te deu um abrigo, encontre outro acalento.
No fundo do espelho o que reflete em ti?
Tuas inconsequências, teu desalento
Tuas fissuras, pétreas nervuras,
Tua incontrolável aflição!
No fundo do espelho o que reflete em ti?
Um olhar ofegante,
Uma rosa desfolhada,
O opaco,
As faces desertas de beijos,
Um coração que sussurra
Sem forças
Para o grito.

191
Juan Pablo

Único

Você e eu somos adaptáveis


Ao veludo, a seda, aos nossos trapos,
As nossas faltas de paisagem
Com a trilha sonora do nosso silêncio
Que ecoa pelos espaços vazios da nossa pequena casa.

192
Diálogo dos Olhos

Força

Fingir não ver


Fingir não saber
Fingir não entender
As palavras roucas,
O riso escarninho,
As ausências...

193
Juan Pablo

Desencontros

Ando em círculos
Girando e Girando
Circo da vida
Caio no início
No ponto de partida.

194
Diálogo dos Olhos

Covardia

Um passo
O grito
Meus anúncios
Meus delírios
Uma buzina
O disparo
Sonhos, devaneios
Um passo
O grito
Coragem!
Não sustento minha travessia.

195
Juan Pablo

Intoxicação

Ouço...
Pedras,
Fagulhas,
Espinhos
Liquidifico,
Mastigo
Regurgito.
Pela manhã...
Língua amarga
Da boca saem...
Pedras, fagulhas e espinhos.

196
Diálogo dos Olhos

Nascer

Meu parto
Desabrocha suavemente em respirar
Suspirar, sorrir
Meu parto
Desabrocha em sangue, lágrimas e gritos.
Nasço e renasço
Como uma lagarta de vida breve
Pronta para voar!

197
Juan Pablo

Confidente

Mão direita
Pesada Trêmula
Trêmula confidente!
Da ponta de meus dedos
Grafite que
Desenha, rabisca, risca
O que há para gritar!

198
Diálogo dos Olhos

Meu sertão

Meu sertão é de asfalto!


Meu sertão de seca, meu sertão de aço!
Sertão de suor! Sertão de balaço!
Da insegurança! Da segurança!
Meu umbigo! Meu espaço!

199
Juan Pablo

A espera

O apito verde tocou!


O guardinha acenou
Que tá dado à largada
Pro menino sonhador!
A fumaça se espalhou,
Feito brisa de verão
E o menino,
O sonho,
A nuvem,
Voaram numa só direção.

200
Diálogo dos Olhos

Fugaz

Não há areia quente,


Água ardente!
Fugaz, tu hás de me amar!
Não há o que me bronzeie,
Ou faça doer
A dor que nem sequer sinto.
Não há nada que me aqueça,
Que me apeteça mais
Do que esse amor
Sem peias,
Sem freios
E sem remendos,
Do que esse amor sem prazo de validade,
Fugaz e cálido,
Como o sonho de uma noite de verão.

201
Juan Pablo

Súplica

Senhor, onde está você?


Meus caminhos já não têm mais volta,
As velas estão acesas
Suas chamas queimam
Minhas pegadas.
O fogo arde em mim,
Eu, que sempre carreguei
Os castiçais do pecado.
Senhor, onde está você?
Sou só!

202
Diálogo dos Olhos

Juan pelos amigos

Nas janelas da alma...


O vento sussurra tua poesia
Em meu coração
Abertas me trazem o ar que preciso
Tua poesia como borboleta
Dança sobre meu corpo
Beija meus lábios e aguça
Meu coração
Nas janelas da alma...
Tuas palavras entram, escrevem
Marcam minha pele
Com o que não sei dizer
Pelas janelas de minha alma...
Eu peço que você entre
E fique.
Cante tua poesia em mim
Encante
Ensina-me como dançar
Com as palavras.

(Jéssica Bobroski)

203
Juan Pablo

Poeta amigo
Por Rob Rodrigues
Imaginei muitas coisas
Tudo que vem demais pode ser ruim
Uma vida sem amizade, o que seria de mim?
Seria incerto ou crueldade?
Ou bastaria mesmo assim?
Há coisas que o tempo apaga
No tempo, a lembrança esmaga
Imagem de alegria e sossego
Que nem a morte cala
Nem distância, o desapego
Jogaria contra a alma
Um amigo na amizade
Um culto novo ou felicidade?
Do encontro ao coração, isso mesmo ou bastaria?
E se amor poderia... Enxergar com outros olhos
Me abandonaria? Me deixaria?
És pra mim, mais que um irmão!
Esse amigo tem um nome
Chama Juan Pablo, mas chamá-lo-ei irmão
Dois pobres jovens sem coração
Digerindo palavras, ao intuito de ser poeta,
Que nem o tempo veta, nem mesmo a paixão
Amores vem e vão.

204
Diálogo dos Olhos

Nem os amigos resistem a tanta pressão


Por isso Juan, agradeço
Pelos momentos de alegrias e brigas
Nossos estados de nostalgia, se misturam num só sermão
Munidos de muitas armas, caneta e papel na mão
Não esqueça quem te ama. Esse pobre poeta vacilão!

Por Ailon Mayer:


O que há por de trás das belas palavras de um poeta?
O que há por de trás do doce olhar de um poeta?
Talvez nada!
Talvez seja só um bêbado com um sóbrio amor.

Tem tudo.
Nome de artista, pose de artista, palavras de artista.
De artista não, de poeta.
Com as palavras me deixa maravilhada.
Tudo isso em um só. Em só um.
Em alguém especial, que tem os olhos fascinantes.
Eu gosto de ti baby, eu gosto muito de ti.

Janaína Senem

205
Irreversível
História que conta o primeiro contato que tivemos, Felipe
Soeiro e eu, grandes amigos hoje e parceiro que eu abracei
nas capas dos meus primeiros livros. Esta história é
inclusive contada por ele onde eu sou o rapaz cujos olhos se
escondem e o portador de alargadores negros:
Capítulo Um
Cinco
de Março
de Dois Mil
e Doze

Era o grande dia. O dia que iria transformar os dias


seguintes da minha vida tal qual eu já havia previsto. De
fato, era fácil acreditar nisso porque, como é dito, o caminho
através de uma universidade faz mudar tudo na vida de seu
passageiro. Eu sentia que dali em diante, não raras vezes,
eu poderia repetir para mim mesmo que eu estava num lugar
certo para mim, algo que por muito tempo não me ocorria.
Eu estava certo disso, da certeza dos tolos. Eu precisava de
uma revolução em minha vida, a qual no momento eu
frequentemente resumia numa espécie de existência das
mais estúpidas possíveis, visto nela os meus últimos
insucessos.
O grande dia chegou finalmente e eu não acompanhei
sua vinda. Já estava atrasado para me inscrever no curso
que elegi para mim na universidade, mas eu já tinha tudo
resolvido. Os papéis estavam em ordem, já os tinha
verificado duas ou quatro vezes no bolso da minha bolsa
antes de sair de casa, só havia uma única coisa capaz de me
fazer recusar aquele esperado dia como um verdadeiro dia
belo, o calor insuportável que fazia. Sim, detesto quando faz
calor e todos os benefícios do pacote verão.

209
Juan Pablo

Eu vestia uma camisa branca, raramente uso essa cor,


porém não iria arriscar chegar encharcado de suor na
universidade, jamais. No mais, usava um jeans acinzentado e
meus calçados e bolsa de couro de sempre. Eu estava
pronto. Ainda assim, confesso que certo desanimo me tomou
no instante em que percebi o sol em riste, mas a coragem me
retornou no instante seguinte quando bem me recordei dos
solitários – e curtos – cinco quarteirões que completavam o
caminho até a universidade.
Passavam quinze minutos depois das quatorze horas
quando cheguei lá, e foi fácil encontrar a sala na qual eu
deveria me apresentar para que eu fizesse minha inscrição.
Havia folhas penduradas por todas as paredes da
universidade com as coordenadas necessárias à inscrição
dos calouros. Já o que faltava era um pouco de instrução
para os monitores nas salas de aula. Mau presságio em
relação ao funcionamento da instituição? Claro que sim,
embora fosse naquele momento impossível de notá-lo, tão
pouco aceitá-lo como tal. Assim, cheguei à sala de inscrição
indicada para mim, a porta estava aberta e nela parei por um
instante, surpreso.
Havia muitas pessoas sentadas nas mesinhas daquela
sala, completamente alienadas do mundo, esperando que o
monitor as chamasse para fazer o que eu suspeitava ser a
dita inscrição. Passaram três minutos para que o monitor
percebesse a minha existência patética naquela porta até
que me ordenasse, de modo pouco cortês, para apanhar uma
folhinha que estava sobre a primeira das mesas à minha

210
frente, e mais outro minúsculo pedaço de papel marrom
claro.
Então, em prol da minha felicidade, a folhinha era um
comando para que organizássemos os documentos da
inscrição corretamente antes de entregá-los ao monitor, e,
em prol da minha tristeza, o minúsculo pedaço de papel
indesejavelmente marrom era a senha para a lista de espera.
Depois de reconhecê-lo, o detestei imediatamente. Havia
cerca de quarenta pessoas na sala, e meu número, o
vigésimo-sexto, não trazia bons presságios para o resto da
minha tarde naquela sala. Não posso ficar parado. Mas
enfim, se tratava do grande dia.
As dezenas de olhares sobre aquele alguém parado à
porta eram plenos de uma curiosidade eminente, que
transparecia nas faces de todos ali dentro, e para mim, a
descoberta dos rostos daqueles com os quais eu
provavelmente passaria os próximos quatro anos ainda não
me cativava.
Eu havia me afastado dessa expectativa nas semanas
anteriores, pois estava decidido de não mais me engajar em
amizades entre universitários, tal como havia feito em meu
curso anterior a esse. Eu esperava por uma revolução
solitária.
Assim sendo, meu instinto territorialista despertou
de imediato, e ele me dizia para que evitasse seguir para o
meio da sala. Os três minutos em silencio na porta foram
suficientes para chamar uma atenção desnecessária sobre
mim. Logo, verifiquei se não havia me esquecido de nada
sobre a mesa e depois segui pelo canto da sala, ao lado da

211
Juan Pablo

porta de entrada. Infelizmente, somente na metade do


caminho eu descobri que não havia mais naquele percurso
classes livres, nem sequer passagem para avançar na
próxima fileira de carteiras sem ter de retornar por todo o
caminho já feito, exceto pela passagem ao lado da última
classe ocupada lá longe.
Eu já estava inquieto. Pensei em apenas apoiar
minhas costas sobre a parede, esperançoso de que eu fosse
chamado logo, mas era evidente que não era o caso. Não
havia então outra opção senão atravessar aquele corredor
entre as fileiras de classes e ocupar o lugar livre lá no fundo
antes que alguém atrasado como eu chegasse e o fizesse em
meu lugar. Foi quando aconteceu o primeiro contato
imprevisto. Eu não sabia, mas no primeiro instante em que
entrei naquela sala de aula, algo, um não sei bem o que me
impulsionava a atravessar o caminho em direção daquele
rapaz cuja existência silenciosa ocupava a última classe da
fila que se estendia a minha direita.
Pois bem, então não só arremessado pelo recente
pensamento quanto ao último lugar livre naquele canto da
sala, mas também pelo não sei bem o quê que sentia, logo
me sentei ao lado daquele sujeito silenciosamente sentado no
fundo da sala. Evidentemente que naquele curto espaço de
tempo não tinha uma impressão concreta em minha mente
sobre ele, de fato eu mal pude perceber seu rosto – o lugar
nas pessoas mais revelador nelas para minhas leituras –
debaixo de seu boné cor vinho gasto, escurecido. Todas as
informações que tomava dele a princípio, na superfície, não
eram distintas da massa de expectativas que captava

212
inevitavelmente dos demais ao meu redor, todas capturadas
pela minha incontrolável visão periférica.
Foi inevitável que eu percebesse a cor de seus
cabelos, o corte de suas roupas, as diferentes estaturas, os
diferentes comportamentos daqueles aguardando ali dentro,
para onde eles olhavam, por fim a quantidade de homens e
de mulheres presentes: seis homens comigo contra trinta e
quatro mulheres. Trinta e cinco com mais outra que acabara
de entrar. E claro, como não notar o insuportável desleixo na
voz do monitor. E, sobretudo, o tal rapaz incógnito, sua
camisa polo branca, sua bermuda, da cor que menos gosto,
amarela, sentado lá poucos metros atrás de mim, todo
comprometido consigo mesmo debaixo de seu boné cor
vinho gasto escurecido. Já eram muitas estatísticas para a
percepção demasiadamente exagerada do meu ser.
Contudo, independente daquilo que
involuntariamente eu percebesse no mundo ao meu redor,
naquele momento, era a presença silenciosa daquele rapaz
que me recordava de outro mundo esquecido em mim. Foi
como se vestígios das desventuras deixadas nas páginas
passadas da minha vida, aquela que havia decidido esquecer
para viver a atual, surgissem do nada como fantasmas
antigos. Estava sentado ali a menos de cinco minutos, mas já
sabia que a vibração que sentia em uníssono naquela sala
oscilava entre mim e ele. Seu silencio parecia pretender
cobrir a minha presença inquieta, e de alguma forma
prazerosa eu não podia barrar aquilo.
Porém, dificilmente me deixo vencer. Não me cabe
bem o papel da vítima. Logo, como de hábito faço com tudo

213
Juan Pablo

o que tem a capacidade de me perturbar, tal como o estranho


humor silencioso vindo daquele rapaz, tomei sua existência
nula para mim.
Outro minuto sentado naquela cadeira e já era
insuportável o desejo de me mexer. A movimentação é
necessária para mim. A decoração ao redor era verdadeira
deprimente, não havia por onde desviar a atenção. Passado
certo tempo, o silencio na sala tornou-se maior que o silencio
vindo do rapaz sentado logo atrás a minha direita. Ele só era
esporadicamente perfurado pela voz indesejável do monitor
que parecia completamente descontente por estar ali
fazendo o que fazia descaradamente com tanto tédio.
Naquela altura, qualquer movimento que eu fizesse
produziria o som de uma indesejável bomba inesperada,
acompanhada de vários olhares assustados ou curiosos
novamente sobre mim. Mas esticar as pernas era
extremamente preciso. Logo, tomei as devidas precauções e
as estiquei com sucesso. Cinco minutos depois disso, a
minha carteira se tornou insuportavelmente pequena para as
minhas folhas de papel branco espalhadas sobre todo aquele
espaço. Provavelmente aquela não seria a sala onde eu iria
estudar, mas já me perguntava se todas as outras carteiras
da instituição eram iguais àquela maldita que ocupava.
E claro, as folhas brancas eram para, no caso de
ficar preso lá por, não sei bem quantas horas, ter algo para
me distrair, ainda que apenas com desenhos inusitados
naquele momento. Depois de dois ou três esboços, minha
visão periférica me informou dos olhos do rapaz de boné
logo ao lado, quase no momento em que ele os lançou sobre

214
mim e minha improvisada atividade sobre aquela mesa
ridícula. Senti um ar todo curioso sobre mim. Tentei ignorar
aquilo, mas fui traído pela minha própria percepção
exagerada.
Era eu o curioso a respeito das tatuagens em seus
braços e de seus alargadores de aço negro,
consideravelmente grandes em suas orelhas. Porém injusto
seria listá-lo como um tipo anarquista rebelde, pois o silencio
de seus lábios sérios relatavam nele algo a mais. Sua
existência sutil ao meu lado não podia me entregar nada
além daquilo por hora, embora intuísse que, apesar da
proposta de sua aparência turrona, ele também era
constituído de uma essência bem contrária àquela que
residia na superfície de sua indagável aparência.
Mas o que estaria debaixo de sua superfície quase
hostil? No que estaria pensando além do óbvio em comum
em todos naquela sala? Difícil seria decifrar pensamentos
desse tipo naquele instante, mas interessante era imaginar
por quais periferias suas ideias perambulavam. O jogo que
empreendi com o silencio vindo daquele rapaz me distraia da
lerdíssima chamada do monitor diante de todos, melhor não
poderia ser. As tatuagens dele estavam um tanto escondidas
debaixo das mangas de sua camisa polo. Nelas percebi
vermelho, preto e provavelmente azul também, no que
imaginava serem desenhos indígena-americanos. Ou não.
Seus brincos, sim eram alargadores, que lhe caíam muito
bem, aliás. Entretanto, seus olhos permaneciam impossíveis
de se ver debaixo de seu boné.

215
Juan Pablo

De repente, o número dezessete é chamado na sala,


e justamente o rapaz se levanta ao meu lado. Carregava com
ele apenas os seus papéis pisando firme em direção do
monitor. Então eu pude enxergá-lo melhor. Ele era magro,
talvez loiro, um pouco mais baixo que eu. Seu passo era
preciso, como a marcha das pessoas determinadas. Ele não
disse uma palavra ao monitor, aparentemente seus papéis
estavam certos, e depois de tê-los deixado suas impressões
digitais com a garota na mesa ao lado do monitor, deixou a
sala tranquilamente, sem olhar para trás, levando com ele
seu humor desconcertante.
Ele partiu, o jogo terminou, e eu voltei
imediatamente para meus desenhos sem mais distrações
inesperadas. E para minha surpresa, eu escutei o número
vinte e seis mais cedo do que eu esperava. Logo, o monitor
observava meus papéis tranquilamente, até o momento
quando ele tomou minhas três fotos tamanho dois por dois.
Eu sabia de seus três ou quatro milímetros a menos da
medida pedida, mas não havia hipótese de que eu fosse ao
centro da cidade para que o estúdio as corrigisse. Debaixo
do sol, impossível. Ele imediatamente protestou com a
mesma prepotência desnecessária de sempre em sua voz,
mas eu não lhe respondi uma única palavra, apenas o
encarei.
Foi quando ele pôde, creio pela primeira vez, ouvir o
som da própria voz, e assim, depois de ter constatado a
imbecilidade em que pretendia se estender, os
insignificantes milímetros das fotos, ele firmemente decidiu
desconsiderar tal problema e aceitou meus documentos.

216
Deixei minhas digitais com a garota ao seu lado e já estava
livre para retornar naquele prédio em uma semana para o
início do curso.
Entre todos aqueles que eu notei na sala de
inscrição, ninguém a meu ver fazia o tipo inclinado ao curso
de literatura. Em contrapartida o número de mulheres
inscritas não me surpreendeu. Mas, em relação a presença
do rapaz tatuado e de alargadores negros nas orelhas, de ar
anarquista rebelde, este sim foi a grande surpresa do dia.
Apesar do peso de seu silencio, nada em sua aparência
turrona me desagradava, ao contrário. As margens do senso
comum me interessam infindavelmente mais que seu centro.
Prefiro a marginalização a superfícies rasas, eu sempre
gostei do contraste inesperado nas coisas, e talvez ele
também preferisse.
Já caminhava para casa e a lembrança do rapaz
incógnito ainda me acompanhava, suspeitava que devido ao
estado de êxtase do fator boa surpresa. Só não esperava que
ela me acompanhasse por todo o restante daquela semana.
Talvez eu viesse a descobrir que pudesse dividir com ele
muitas coisas inesperadas em comum, passagens além da
perigosa superfície aonde geralmente meus diálogos vinham
definhando. Talvez fosse ele um dos caminhos para a
revolução em minha vida. Os atentos se deparam sempre
com caminhos assim, irreversíveis.
Felipe. S. Soeiro*
(*Felipe. S. Soeiro; acadêmico de letras, professor, pintor, escritor e grande

amigo que tive a honra de conhecer)

217
Juan Pablo

Juan Pablo Ramos Ribeiro estudou no


Colégio Estadual Mahatma Gandhi durante
todo o Ensino Fundamental e Médio.
Formou-se em 2010 e desde então vem se
dedicando às Letras. Durante sua vida
escolar, Juan foi um bom aluno, dedicado
aos estudos, principalmente na disciplina de
Língua Portuguesa. Segundo a Professora
Cristina Iubel, o aluno Juan sempre
demonstrou interesse pela Literatura, em especial, pela
poesia. Hoje, o autor Juan Pablo é motivo de orgulho para a
nossa escola. Professores e funcionários do Colégio Estadual
Mahatma Gandhi sentem-se honrados em fazer parte dessa
história de sucesso. Este é o verdadeiro legado de uma
escola, ver um ex-aluno se destacar profissionalmente e ter
sucesso na vida. Assim como o Juan Pablo, muitos ex-alunos
do Colégio Estadual Mahatma Gandhi estão por aí sendo
bons cidadãos, bons profissionais, bons pais e mães de
família, dando bons exemplos... Não há satisfação maior do
que saber que a escola fez a diferença na vida de seus
alunos. Desejamos ao autor Juan Pablo Ramos Ribeiro que
este seja o primeiro de muitos livros que virão. Sucesso
sempre!

Equipe Mahatma Gandhi

218
Kauã Luidi Ramos Ribeiro.
O irmão mais novo.
Ele perguntou, ele perguntou,
“Eu vou sair no livro?”

Carolinda Braz da luz Prestes.


O pilar da família Ribeiro.
A mulher que beijou o céu.

219

Você também pode gostar