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Friedrich Carl von Savigny


1779-1861

Os antepassados de Savigny eram cidadãos primeira instância - um modelo comum da


da classe alta de Lorraine, que mudaram para a organização judicial alemã na época. Também
Alemanha quando Lorraine se tornou um dis- trabalhou como terceiro reitor da universidade
trito da França. Os Savigny eram pessoas im- e foi professor particular de Direito do prínci-
portantes que ocupavam altos cargos públicos, pe herdeiro da Prússia.
escreviam livros notáveis e se associavam com Em 1814, escreveu Da vocação de nosso
nobres do Alto Reno. tempo para a legislação e a jurisprudência, tre-
Embora Friedrich Carl fosse órfão, foi bem chos do qual se seguem a esta nota. Vocação foi
cuidado e recebeu boa educação. Aos dezesseis urna resposta a um panfleto escrito por Thibault,
anos, estava pronto para a universidade e en- um jurista alemão então preeminente. A Ale-
trou em Marburg. Seguiu a moda corrente da manha acabara de livrar-se do jugo de Napoleão,
perambulação educacional e passou períodos e Thibault propunha limpar a honra alemã com
em várias universidades alemãs diferentes. Re- um novo código de leis para os estados geimâni-
tornou a Marburg para um diploma de doutor cos, que substituísse o imposto Código de Napo-
quando tinha vinte e um anos. leão. Savigny opôs-se a essa codificação. Nas
Permaneceu durante vários anos em Mar- duas décadas seguintes, foram muitas as obras
burg, fazendo conferências sobre assuntos legais. publicadas por Savigny. Ele fez uma história
Aos vinte e quatro anos, publicou seu primeiro em vários volumes do Direito Romano na Ida-
livro de importância - um tratado sobre posse. de Média e uma formidável obra sistemática so-
Foi aclamado por importantes juristas como bre Direito Romano moderno. Foi fundador de
um marco no pensamento jurídico. John Austin um periódico para a "escola histórica·· do Di-
disse dele: "De todos os livros sobre lei, o mais reito. Durante algum tempo, abandonou o ensi-
completo e perfeito." no para ser Grande Conselheiro da Prússia e rea-
Aos vinte e cinco anos. casou-se com uma lizou importantes reformas no direito comer-
irmã do poeta Brentano e viajou a Paris para cial e familiar.
pesquisar na Biblioteca Nacional francesa. Qua- Seus últimos anos foram marcados por re-
tro anos mais tarde. foi chamado à Universi- conhecimento e honra. Produziu escritos jurí-
dade da Baviera para lecionar Direito Romano. dicos até o dia de sua morte, aos oitenta c dois
Logo depois, foi chamado à Universidade de anos. Na geração precedente, Jcremy Bcntham
Berlim na condição de professor de Direito Ro- havia feito a ilustre defesa da codificação. Sa-
mano. Em Berlim organizou um tribunal de vigny, o adversário dos códigos, não menciona
apelações na faculdade, para rever decisões de Bcntham em vócaç·ào.
Friedrich Carl 1•011 S(l\·igny 289

DA VOCAÇÃO DO NOSSO e oralmente. Esse modo de fixação, entretan-


TEMPO PARA A LEGISLAÇÃO to, pressupõe um alto grau de abstração e, por
E A JURISPRUDÊNCIN conseguinte, não é praticável no tempo antigo
de que falamos. Pelo contrário, encontramos
II então atos simbólicos empregados de maneira
universal para a criação ou extinção de direitos
Origem do direito positivo e deveres; é sua palpabilidade que retém exter-
Nos tempos mais antigos aos quais se namente a lei numa forma fixa; e sua solenida-
estende a história autêntica, verifica-se que a de_ e peso correspondem à importância das pró-
lei já havia alcançado um caráter fixo, pecu- pnas relações legais, que já foram menciona-
liar ao povo, como sua língua, costumes e das como peculiar a esse período ... Esses atos
constituição. Mais ainda, esses fenômenos não formais podem ser considerados como a verda-
têm existência separada; são apenas as tendên- deira gramática da lei nesse período; e é impor-
cias e faculdades particulares de um povo, tante observar que a principal tarefa dos antigos
inseparavelmente unido, e apenas mostram a juristas romanos consistia na sua preservação e
nossos olhos a aparência de atributos distin- aplicação acurada. Nós, em tempos recentes,
tos. Aquilo que os une é a convicção comum com freqüência fizemos pouco caso deles co-
do povo, a consciência de uma necessidade mo sendo criação do barbarismo e da supersti-
interior, excluindo toda a noção de uma ori- ção, e nos orgulhamos de não os ter, sem consi-
gem acidental e arbitrária ... derar que também somos acossados em cada
Essa juventude das nações é pobre em passo por formalidades legais às quais, de fato,
só estão faltando as principais vantagens das an-
idéias, mas desfruta de uma clara percepção
de suas relações e circunstâncias, sente e põe tigas formalidades - a saber, sua palpabilidade e
em jogo o conjunto delas; enquanto nós, em a tendência popular em seu favor, enquanto as
nossas são consideradas por todos como algo
nossa complicada existência artificial, somos
arbitrário e, portanto, opressivo. Nessas obser-
dominados por nossas próprias riquezas, em
vações parciais dos tempos antigos parecemos
vez de desfrutarmos delas e de controlá-las.
aqueles viajantes que observam, com grande
Esse estado natural simples é particularmente
assombro, que na França as crianças pequenas,
observável na lei; e como, no caso de um indi-
e não apenas elas, mas até mesmo as pessoas
víduo, suas relações familiares e patrimônio
comuns, falam francês com perfeita fluência.
podem possuir um valor adicional aos seus
Mas essa ligação orgânica da lei com a es-
olhos pelo efeito da associação - assim, pelo
sência e o caráter do povo também é manifes-
mesmo princípio, é possível que as próprias
tada no avanço dos tempos; e aqui, mais uma vez,
regras da lei estejam entre os objetos da fé
pode ser comparada com a língua. Para a lei,
popular. Mas essas faculdades morais exigem
como para a língua, não existe qualquer mo-
alguma existência física para fixá-las. Tal é,
mento de absoluta suspensão; ela está sujeita
Para a língua, seu uso constante e ininterrup-
ao mesmo movimento e desenvolvimento de
to; tais são, para a constituição, os poderes
todas as outras tendências populares; e esse
Públicos e palpáveis - mas o que ocupa seu
próprio desenvolvimento permanece sob a
lugar em relação à lei? Em nossos tempos é
mesma lei da necessidade interior, como em
ocupado por regras, comunicadas por escrito
seus estágios mais antigos. O direito cresce

··------
~Li·
. 1. Traduzido por Abraham Hayward. publicado por
· ttlewood & Co .. Londres ( 183 1 ).
com o crescimento, se fortalece com a força do
povo, e por fim definha quando a nação perde
sua nacionalidade ...
290 Os Grandes Filó.rnfi>s do Dirl!ito

... Com o progresso da civilização, as ten- Ili


dências nacionais tornam-se cada vez mais
Disposições legislatin.1s
distintas, e aquilo que de outro modo teria
e doutrina
permanecido comum, torna-se próprio de cer-
tas classes; agora, os juristas tornam-se cada A legislação, propriamente dita, freqüente-
vez mais uma classe diferente; o direito aper- mente influencia porções segmentares do di-
feiçoa sua linguagem, toma uma direção cien- reito; mas as causas dessa influência variam
tífica e, tal como em tempos passados existia grandemente. Em primeiro lugar, o legislador,
na consciência da comunidade, agora se de- ao alterar a lei existente, pode ser movido por
senvolve nos juristas que, assim, neste depar- altas razões de Estado ... Que disposições dessa
tamento, representam a comunidade. Daqui espécie se tornam, com facilidade, uma corrup-
por diante, o direito é mais artificial e com- ção mortífera para o direito, e que deveriam ser
plexo, posto que tem uma vida dupla; primei- empregadas da forma mais econômica, deve
ro, como parte da existência agregada da co- impressionar a qualquer um que consulte a his-
munidade, que não cessa de ser; e, em segun- tória. Nelas, a parte técnica da lei só é vista por
do lugar, como um ramo distinto do conheci- causa da forma e da ligação com todo o direito
mento nas mãos dos juristas. Todos os fenô- restante, ligação que torna esse ramo da legisla-
menos posteriores podem ser explicados pela ção mais dificil do que em geral se supõe que
cooperação daqueles dois princípios de exis- seja. De caráter muito menos duvidoso é uma
tência; e pode-se entender agora como até segunda influência da legislação sobre o direi-
mesmo o todo desse imenso detalhe podia sur- to. Regras particulares podem, de fato, ser du-
gir de causas orgânicas, sem qualquer empre- vidosas e, por sua própria natureza, podem ter
go da vontade arbitrária ou intenção. No inte- limites variáveis e mal definidos, mas a apli-
resse da concisão, chamamos a ligação do di- cação do direito requer limites definidos com a
reito com a existência geral do povo, falando maior precisão possível. Aqui pode ser introdu-
tecnicamente, de elemento político; e a distin- zido um tipo de legislação que vem em ajuda
ta existência científica do direito, de elemen- do costume, remove essas dúvidas e incertezas
to técnico. e, desse modo, traz à luz e mantém pura a ver-
Em diferentes épocas, portanto, no seio do dadeira lei, a própria vontade do povo ...
mesmo povo, o direito será lei natural (num Mas esses tipos de influência parcial não se
sentido diferente de nossa lei da natureza), ou têm em mente quando, como em nossos tem-
culto, conforme prevalece um ou outro princí- pos, se fala da necessidade de um código. Nes-
pio, entre os quais é obviamente impossível se caso, é antes o seguinte que se quer dizer: -
uma linha de demarcação precisa ... Portanto, a A nação deve levantar todo seu sortimento de
síntese dessa teoria é que toda lei é formada leis e pô-lo por escrito, de modo que o livro
originalmente à maneira pela qual, numa lin- assim formado não seja, daqui por diante, uma
guagem usual, porém não correta de todo, se entre outras autoridades legais, mas sim que to-
diz que foi formado o direito consuetudinário; das as outras que estiveram em vigor até aqui
isto é, que primeiro desenvolveu-se por costu- deixem de vigorar. A primeira questão, portan-
me e crença popular, em seguida pela jurispru- to, é de onde devem vir os materiais para esse
dência - em toda parte, portanto, por poderes código? De acordo com uma teoria já mencio-
internos que operam em silêncio, não pela von- nada, foi sustentado por muitos que eles devem
tade arbitrária de um legislador. ser fornecidos pela lei universal da natureza,
Até agora, esse estado de coisas só foi des- sem referência a qualquer coisa existente. Mas
crito em termos históricos; se ele é louvável e aqueles que têm a ver com a execução de tais
desejável, a seqüência deste estudo mostrará ... planos, ou que de outro modo são familiariza-
Friedrích Carl nm Sm·ig11_1· 291

dos com a lei prática, não deram qualquer ênfa- vigor: em primeiro lugar, pela adoção escrupu-
se a essa teoria extravagante e totalmente in- losa de tudo que seja aplicável e, cm segundo
fundada; e se tem concordado com unanimidade lugar, pelo fato de serem preservadas e constan-
que a lei existente só deve ser formulada com temente consultadas. Acima de tudo, ele diz, o
as alterações e melhorias que sejam necessá- trabalho só deve ser empreendido cm tempos
rias por razões de conveniência ... Dessa manei- que em civilização e conhecimento superam o
ra, a substância de um código seria dupla; seria anterior, porque seria realmente lamentável se
composta em parte da lei existente e, em parte, as produções de tempos anteriores fossem
de novos dispositivos. No que diz respeito aos mutiladas pela ignorância do presente ... O direi-
últimos, é óbvio que sua ocorrência na ocasião to existente que não deve ser mudado, mas sim
de um código é uma questão acidental; eles conservado, deve ser compreendido por com-
podem ter sido propostos de forma individual pleto e expresso de forma conveniente. Aquilo
em algum outro momento ... Portanto, para não (a compreensão dele) diz respeito à substância;
confundir nossa investigação, colocaremos in- isto (a expressão) à forma.
teiramente de lado as novas leis e contemplare- No que diz respeito à substância, a parte
mos apenas os elementos essenciais do código. mais importante e mais dificil é a inteireza do
Nesse caso, devemos considerar o código como código ...
a exposição da lei existente agregada pelo pró- O código, então, como está planejado para
prio Estado ... ser a única autoridade-lei, deve conter de fato,
... Em todo caso, isso é totalmente técnico por previsão, uma decisão para cada caso que
e, como tal, pertence aos juristas; posto que, no possa surgir. Isto tem sido concebido, com fre-
que diz respeito à substância do código que es- qüência, como se fosse possível e vantajoso
tamos supondo, o elemento político do direito obter, por experiência, um perfeito conheci-
já mostrou seus efeitos há muito tempo e não mento dos casos particulares e depois decidir
há nada a fazer, a não ser discriminar e expor o cada um deles por um correspondente disposi-
resultado, que é a função peculiar da jurispru- tivo do código. Mas quem quer que tenha estu-
dência técnica. dado casos jurídicos com atenção, verá logo
Os requisitos de um código assim e as ex- que esse empreendimento deve falhar, porque
pectativas dele são de dois tipos. Com relação positivamente não há limites para as varieda-
à condição da própria lei, deve-se procurar o des das reais combinações de circunstâncias.
mais alto grau de precisão e, ao mesmo tempo, Em todos os novos códigos, de fato, desistiu-se
o mais alto grau de uniformidade na aplicação. de toda aparente tentativa de obter essa perfei-
Os limites de sua aplicação devem ser defini- ção material, sem, entretanto, pôr-se algo em
dos e regulados com mais clareza, visto que seu lugar. Mas, com certeza, há uma perfei-
uma lei nacional geral deve substituir um direi- ção de um tipo diferente, que pode ser ilustra-
to consuetudinário variado ... da por uma expressão técnica de geometria. A
Deve ser óbvio para todos que esse primeiro saber, em todo triângulo existem dados certos
beneficio depende da excelência da execução e, de cujas relações todo o resto deve ser necessa-
por conseguinte, em relação a isso, é tão possí- riamente deduzido; desse modo, dados dois la-
vel perder como ganhar. É bem merecedor de dos e o ângulo incluído, todo o triângulo esta-
consideração aquilo que Bacon, com a magnitu- rá dado. Da mesma maneira, toda parte de nos-
de de seu intelecto e de sua experiência, disse de sa lei tem pontos pelos quais o resto pode ser
um trabalho desse tipo. Ele acha que jamais dado; podem ser chamados de axiomas princi-
devemos entregar-nos a esse trabalho sem uma pais. Distinguir estes e deduzir deles a conexão
necessidade premente e, mesmo então, com par- interna, e o grau exato de afinidade que subsis-
ticular cuidado quanto às fontes jurídicas em te entre todas as regras e idéias jurídicas, está
292 Os Gra11dt's Filósofi1s do Direiw

entre os problemas mais dificeis da jurispru- prolixidade nos dizeres da lei pode ser muito
dência. De fato, é isso, cm especial. que dá a censurável, e também totalmente intolerá\ el,
nossos trabalhos o caráter científico. Então, se como em muitas das constituições de Justinia-
o código for formado num tempo que não está no e na maioria das novelas do Código de
à altura dessa arte, os seguintes males são ine- Teodósio; mas existe também uma prolixidade
vitáveis: a administração da justiça é regulada, inteligente e muito eficiente, perceptívcl cm
aparentemente, pelo código, mas na verdade muitas partes das Pandectas.
por alguma outra coisa, externa ao código, que Reunindo o que já foi dito no que diz res-
atua como a verdadeira autoridade dominante. peito aos requisitos de um código realmente
Esta falsa aparência, entretanto, produz os bom, está claro que serão encontradas pouquís-
efeitos mais desastrosos. Porque o código, por simas eras qualificadas para isso. As nações
sua novidade, sua ligação com as idéias predo- jovens, é verdade, têm a percepção mais clara
minantes da era e sua influência externa, atrai- de sua lei, mas seus códigos são imperfeitos em
rá de forma infalível toda a atenção para si, linguagem e habilidade lógica ... Por outro lado,
desviando-a da verdadeira autoridade-lei; de tal nas idades avançadas, quase tudo está faltando
modo que a última, abandonada nas trevas e na - conhecimento da matéria, bem como da lín-
obscuridade, não obterá qualquer ajuda das gua. Desse modo, resta apenas um período mé-
energias morais da nação, as únicas pelas quais dio, o qual (no que diz respeito ao direito não
pode atingir um estado satisfatório ... Se esse necessariamente em qualquer outro aspecto)
conhecimento imperfeito dos princípios forco- pode ser considerado o auge da civilização.
tejado com a meta anteriormente mencionada, Mas tal era não tem qualquer necessidade de
da inteireza material, decisões particulares des- um código; apenas iria compor um código para
percebidas pelos legisladores estarão constan- uma era posterior e menos afortunada, assim
temente se cruzando e contradizendo, o que como armazenamos provisões para o inverno.
aos poucos se tomará conhecido apenas pela Mas, raras vezes, uma era está disposta a ser
prática e, no caso de uma má administração da tão previdente para a posteridade.
justiça, nem mesmo por ela ...
Mas, além da substância, a forma do código IV
deve ser levada em consideração, porque o le-
Direito romano
gislador pode ter estudado plenamente a matéria
em que está trabalhando e, ainda assim, sua pro- ... Se, por conseguinte, considerarmos em
dução falhar em seu fim se, além disso, ele não primeiro lugar a obra jurídica de Justiniano,
tiver a arte da exposição. O que deve ser essa aquelas formas nas quais o direito romano foi
exposição é mais bem demonstrado por exem- transmitido para a moderna Europa, não podere-
plos de aplicação bem-sucedida e mal-sucedi- mos deixar de observar nelas uma temporada de
da do que por regras gerais. Em geral, se requer declínio. O núcleo desses códigos é uma compi-
que a linguagem da lei seja caracterizada, em lação das obras de uma era clássica, que agora
particular, pela concisão. Sem dúvida, a conci- devem ser consideradas perdidas e irrecuperá-
são pode ser de extrema eficiência, como está veis, e o próprio Justiniano não esconde isso ...
claro pelos exemplos dos decretos e éditos ro- ... Tudo depende da posse dos princípios
manos. Mas há também uma brevidade seca e capitais, e é essa própria posse que constitui a
inexpressiva, adotada por aquele que não com- grandeza dos juristas romanos. As idéias e axio-
preende o uso da língua como instrumento, e mas de sua ciência não parecem ter sido produ-
que permanece com total ineficácia; numerosos zidos de forma arbitrária; são verdadeiros seres
exemplos disso podem ser encontrados nas leis cuja existência e genealogia tornaram-se conhe-
e registros da Idade Média. Por outro lado, a cidas deles através de uma experiência longa e
Friedrich Carl 1·011 Sa1"ig11y 293

íntima. Por esta razão, todo seu modo de pro- ministrava ao desenvolvimento do velho - uma
cedimento possui uma certeza que não é encon- mistura judiciosa dos princípios adesivos e pro-
trada em nenhuma outra parte, exceto nas mate- gressistas. Esse espírito esteve também em
máticas; e pode-se dizer. sem exagero. que eles vigor na constituição e no direito; mas, na pri-
contam com suas idéias. Mas esse método não meira, foi extinto antes do fim da república,
é, de maneira alguma, peculiaridade exclusiva enquanto no último ainda pôde operar durante
de um ou de alguns grandes autores; pelo con- os séculos futuros, porque não existiam nele as
trário, é comum a todos, e, embora uma medi- mesmas causas de corrupção que existiam na
da muito diferente de aplicação oportuna seja a constituição. Como conseqüência, no direito, o
sina de cada um, ainda assim o método é uni- caráter romano geral estava fortemente marca-
versalmente o mesmo. De fato, se tivéssemos do - o estabelecido há longo tempo continuava
suas obras completas diante de nós, descobri- firme, sem permitir-se ser restringido por isso,
ríamos nelas muito menos individualidade do quando já não se harmonizava mais com uma
que em qualquer outra literatura; todos eles co- nova teoria popular predominante. Por essa
laboram, por assim dizer, numa mesma e única razão, a história do direito romano, retroceden-
grande obra; e a idéia na qual está baseada a do até a era clássica, apresenta em toda parte
compilação das Pandectas não deve, por conse- um desenvolvimento gradual, totalmente orgâ-
guinte, ser rejeitada de todo ... Sua teoria e prá- nico. Se uma nova forma é concebida, é ligada,
tica são as mesmas; sua teoria é concebida para de imediato, de maneira indissolúvel, a uma
aplicação imediata, e a prática é enobrecida de antiga e, desse modo, participa da maturidade
maneira uniforme pelo tratamento científico. e estabilidade da última ... Assim como foi obser-
Elas vêem em cada princípio um caso de apli- vado anteriormente, que a jurisprudência em seus
cação; em cada caso, a regra pela qual ele deve dias clássicos era comum aos juristas em geral,
ser decidido; e é incontestável a mestria na fa- da mesma maneira percebemos agora uma se-
cilidade com que passam da generalidade ao melhante comunidade entre as eras mais diferen-
particular e, de novo, de volta do particular ao ge- tes, e somos forçados a atribuir esse gênio jurí-
ral... Sua arte é, ao mesmo tempo, adaptada dico ao qual pode ser imputada a excelência do
para a percepção e comunicação da ciência, sem, direito romano não a uma era particular, mas sim
entretanto, perder a palpabilidade e vigor que, à nação em geral...
, em geral, são peculiares dos tempos antigos. ... o direito romano, tal como o direito con-
O estado altamente culto da jurisprudência suetudinário, formou-se quase que inteiramen-
entre os romanos no começo do terceiro sécu- te de dentro para fora; e sua história mais deta-
lo da era cristã é tão digno de nota que também lhada mostra o pouco, no todo, que a legislação
i devemos prestar alguma atenção à sua história. expressa o afetou, enquanto ele continuou vi-
t Seria muito errado considerar isso como a pura vo. Mesmo em relação ao que já foi dito sobre
! criação de uma era muitíssimo favorecida, des- a necessidade de um código, a história do direi-
i ligada da precedente. Pelo contrário, os materiais to romano é muito instrutiva. Enquanto a lei
t de sua ciência foram transmitidos aos juristas estava cm progressão ativa não se descobriu
1desse tempo, grande parte deles, inclusive, ser necessário código algum, nem mesmo na
l Provenientes da época da república. Mas não época cm que as circunstâncias eram as mais
: llpenas esses materiais, como também o pró- favoráveis para isso. Porque no tempo dos ju-
fPrio método admirável, tinham raízes na época ristas clássicos não teria havido qualquer difi-
:·da liberdade. O que, de fato, engrandeceu Ro- culdade para se conceber um excelente código.
; l?la foi o espírito político ágil e animado que E também os três juristas mais renomados -
'. sempre a fazia estar preparada para renovar as Papiniano, Ulpiano e Paulo - eram prae/ecri
!formas de sua Constituição, que o novo apenas praetorio. Estes, com certeza, não eram dcsti-
294 Os Grandes FilósofiJs do Dir<'it,•

tuídos nem de interesse pela lei, nem do poder reito romano. teria sido impossível uma forma-
para conseguir a formação de um código. se ção progressiva e imperturbada do direito ger-
houvessem julgado que fosse vantajoso ou ne- mânico ... A própria Roma. o Estado original,
cessário; no entanto, não encontramos qual- tendo permanecido como seu foco até a queda
quer vestígio de tal experiência. Mas, quando. do Império do Ocidente; enquanto as raças ger-
num período anterior, César, com a consciên- mânicas emigravam - ora conquistando, ora
cia de seu poder e da corrupção de sua era, sendo conquistadas ... As próprias mudanças na
decidiu ser absoluto em Roma. diga-se que ele Constituição no tempo de Augusto e Constan-
concebeu a criação de um código, em nosso tino não tiveram qualquer efeito imediato sobre
significado do termo. E quando, no século VI, o direito ... Na Alemanha, pelo contrário, tão
toda a vida intelectual estava morta, os destro- logo o sistema feudal foi estabelecido por com-
ços de tempos melhores foram recolhidos para pleto, não sobrou coisa alguma peculiar à ve-
suprir a demanda do momento ... É evidente que lha raça; e tudo, até mesmo as formalidades e
a idéia desse código, entretanto, foi sugerida os nomes, foi submetido a uma mudança radi-
apenas pela extrema decadência da lei ... cal, e toda essa revolução já estava decidida
quando o direito romano foi introduzido .
V ... Não somente há grande quantidade de
direito puramente romano nas próprias leis pro-
Direito civil na Alemanha
vinciais que só podem ser entendidas em seu
Até um periodo muito recente, um sistema contexto original romano, como até mesmo
uniforme de direito vigorava de um extremo ao naquelas partes em que suas decisões foram
outro da Alemanha sob o nome de direito co- deliberadamente ignoradas, ele com freqüên-
mum, mais ou menos modificado pelas leis cia decidiu a interpretação e a execução da lei
provinciais, mas em nenhuma parte sem vigên- recém-introduzida, de modo que a questão que
cia de todo. As principais fontes desse direito deveria ser resolvida por essa nova lei não pode
comum eram os livros de Justiniano ... O di- ser compreendida sem o direito romano ...
reito romano, dizia-se, despojou-nos de nossa Esse estado extremamente complicado das
nacionalidade, e a atenção exclusiva que nos- fontes do direito na Alemanha, resultante da li-
sos juristas prestavam a ele impediu nosso di- gação do direito comum (muito complicado em
reito nativo de alcançar uma condição igual- si) com as leis provinciais, deu origem às quei-
mente independente e científica. Queixas des- xas mais veementes ...
sa espécie possuem alto grau de falsidade e fal- Em primeiro lugar, dizem ser ocasionada
ta de fundamento a tal ponto que supõem ser por ele a excessiva duração dos processos judi-
acidental e arbitrário aquilo que jamais teria ciais em muitas regiões da Alemanha ... É, de
sucedido ou, em todo caso, jamais teria dura- fato, fazer um elogio muito grande aos juízes
do, sem alguma necessidade interna. Além dis- dessas regiões acreditar que tanto tempo assim
so, um desenvolvimento nacional exclusivo, é dedicado à ansiosa consideração de questões
como o dos antigos, não deve ser experimentado difíceis. Eles são auxiliados, nessas questões,
no curso que a natureza indicou para os moder- pelo primeiro compêndio ou manual que chega
nos. Como a religião das nações não é peculiar- às mãos ... Esse mal pode ser atribuído a formas
mente delas mesmas, e sua literatura é tão pouco de procedimento imperfeitas, e a reforma des-
livre das influências externas mais poderosas - tas é uma das necessidades mais prementes; as
pelo mesmo princípio, o fato de terem também fontes do direito não têm culpa disso ...
um sistema geral e estrangeiro de lei não pare- Em segundo lugar, queixam-se da grande
ce ser natural... Mas há um outro erro radical complexidade das leis provinciais; e essa quei-
nessa teoria. Mesmo sem o ingrediente do di- xa não está limitada às diferenças entre dife-
Friedrich Carl rnn Sa1·ig11_1· 295

rentes estados alemães; porque, com freqüên- lei; e mesmo que a uniformidade e a conve-
cia, até na mesma região, províncias e cidades niência pudessem ser alcançadas com a mu-
possuem sistemas peculiares ... dança, a vantagem não seria digna de ser men-
O argumento mais importante em favor da cionada em comparação com a desvantagem
uniformidade da lei é que nosso amor por nos- política a que acabamos de aludir. Aquilo que é
so país comum é aumentado por ela, mas en- construído assim pelas mãos dos homens dian-
fraquecido por uma multiplicidade de leis par- te de nossos olhos sempre ocupará, na opinião
ticulares ... popular, um lugar muito diferente daquilo que
O bem-estar de todo ser orgânico (e, por não tem uma origem tão simples e palpável; e
conseguinte, dos Estados) depende da manuten- quando nós, em nosso louvável zelo, lançamos
ção de um equilíbrio entre o todo e suas partes invectivas contra essa decisão como um pre-
- depende de cada um ter o que lhe é devido ... conceito cego, não devemos esquecer que toda
Uma animada afeição pelo todo só pode derivar a fé e todo sentimento por aquilo que não está
da participação completa em todas as relações em nosso nível, mas é mais exaltado que nós,
particulares; e só aquele que cuida bem de sua depende do mesmo tipo de espírito. Esta consi-
própria família é que será, de verdade, um bom deração pode bem levar-nos a duvidar da im-
cidadão. Por conseguinte, é erro supor que o propriedade da decisão.
bem-estar público ganharia nova vida com a
aniquilação de todas as relações individuais. Se VI
fosse possível gerar um espírito corporativo
Nossa vocação para a legislação
característico em cada classe, em cada cidade,
mais do que isto, até em cada aldeia, o bem-es- ... Bacon pedia que a era em que um códi-
tar público ganharia nova força com essa indivi- go fosse formado sobrepujasse eras precedentes
dualidade intensificada e multiplicada. Portan- em termos de inteligência ... Em tempos bem
to, quando a influência do direito no amor ao recentes, os oponentes do direito romano têm,
país é a questão, as leis particulares de provín- com freqüência, dado ênfase especial a argu-
cias e estados particulares não devem ser con- mentos como os seguintes: - A razão é igual-
sideradas como obstáculos. Nesse ponto de mente comum a todas as nações e eras, e como
·vista, a lei merece elogio na medida em que se temos, além disso, a experiência de tempos
hannoniza, ou é adaptada para se harmonizar, anteriores a que recorrer, tudo que fizermos deve
aos sentimentos e à consciência do povo; mere- infalivelmente ser melhor do que tudo que foi
ce censura se, como uma coisa arbitrária e in- feito antes. - Mas até mesmo essa opinião, de
compatível, deixa o povo sem participação. Es- que toda era tem uma vocação para tudo, é um
te será, com mais freqüência e mais facilidade, preconceito do tipo mais perigoso. Nas belas-
o caso com os diferentes sistemas de distritos artes somos obrigados a reconhecer o contrário;
particulares, embora, com certeza, nem toda por que relutamos em fazer a mesma confissão
lei nacional seja verdadeiramente popular. em relação ao governo e ao direito? ...
De fato, para essa finalidade política, ne- ... Se, em algum momento, uma tendência
nhum estado de direito parece mais favorável decidida e recomendável for distinguível no
do que aquele que outrora era geral na Alema- espírito público, ela pode ser preservada e con-
.nha: grande variedade e individualidade nos firmada pela legislação, mas não produzida por
P0rmenores, mas tendo o direito comum como ela; e onde ela falta por completo, toda tentati-
· fundação geral, sempre lembrando todas as va que venha a ser feita para estabelecer um
· Ilações germânicas de sua unidade indissolú- sistema exaustivo de legislação apenas aumen-
i\rel. O mais pernicioso, contudo, nesse ponto tará a incerteza existente e se somará às difi-
ide vista, é a leviana e caprichosa alteração da culdades da cura ...
296 Os Grandes Filósofós do Direi/o

Infelizmente, durante todo o século XVIII, pudesse ser composto. Longe de mim questio-
a Alemanha foi muito pobre em grandes juris- nar a força do velho idioma alemão: mas o fato
tas. Havia grande quantidade de homens labo- de que nem isso esteja apropriado agora para o
riosos, é verdade, pelos quais foram realizados propósito é para mim mais uma prova de que
trabalhos preparatórios muito valiosos. mas ra- estamos atrasados neste círculo de pensamento.
ras vezes se fez mais do que isso. Um espírito No momento em que nossa ciência se aperfei-
duplo é indispensável ao jurista; o histórico, çoar, veremos de quanto proveito será nossa
para apreender com presteza as peculiaridades língua, por seu frescor e vigor primitivo. Além
de cada era e de toda forma de lei; e o sistemá- disso, acredito que. nos últimos tempos, até
tico, para ver cada idéia e cada regra em viva li- decaímos neste aspecto ...
gação e cooperação com o todo, isto é, na única Sei que resposta pode ser dada a essas ra-
relação verdadeira e natural. Este duplo espíri- zões; mesmo admitindo-se todas elas, pode-se
to científico é encontrado poucas vezes entre dizer que os poderes da mente humana são ili-
os juristas do século XVIII; e, em particular, mitados e, com um esforço razoável, logo se
algumas especulações superficiais em filoso- poderia produzir, mesmo nesses tempos. uma
fia tiveram um efeito extremamente desfavorá- obra em que nenhuma dessas imperfeições se-
vel. Uma apreciação justa do tempo em que se ria identificável. Bem, qualquer um pode fazer
vive é muito difícil; contudo, a menos que to- a tentativa, nossa época não é uma época desa-
dos os sinais enganem, um espírito apossou-se tenta, e não existe perigo de que um verdadei-
de nossa ciência, capaz de elevá-la no futuro à ro sucesso deixe de ser notado ...
categoria de um sistema nacional. Pouco dessa
melhoria foi produzido por enquanto e, por esse V111
motivo, contesto nossa capacidade para a pro-
O que devemos.fà:::.er onde nêio
dução de um bom código ...
existe nenhum código
Então, se não temos de fato nada que seja
necessário para a formação de um bom código, ... Nos países em que prevalece o direito
não devemos acreditar que o verdadeiro em- comum, assim como cm todos os outros. um
preendimento nada mais seria que um desapon- bom estado de direito dependerá de três coisas;
tamento, o que, na pior das hipóteses, apenas primeiro, de disposições suficientes; segundo,
não nos faria avançar. Já se falou do grande pe- de um suficiente ministério da justiça; por últi-
rigo que, de forma inevitável, é iminente quan- mo, de boas formas de procedimento ...
do um estado de conhecimento muito imper- Com relação, em primeiro lugar, às dispo-
feito e superficial é fixado por autoridade posi- sições às quais até o código proposto tinha de
tiva; e esse perigo seria tão grande quanto a adaptar-se, o mesmo sistema combinado de di-
vastidão do empreendimento e de sua ligação reito comum e de lei provincial, que prevalecia
com o despertar do espírito de nacionalidade ... outrora cm toda a Alemanha, devia. cm minha
Não se pode negar que estão sendo feitos vigo- opinião, ser substituído pelo código. ou ser con-
rosos esforços, e é impossível dizer quanto servado onde o código não estivesse em vigor.
bem subtrairemos do futuro ao se confirmarem Considero que essas disposições sejam suficien-
as deficiências presentes ... tes, mais ainda, excelentes, desde que a juris-
Ainda resta uma questão importante a ser prudência faça o que deve fazer, e o que só po-
considerada - a língua. Pergunto a qualquer um de ser feito por meio dela. Porque. se conside-
que sabe o que é uma boa expressão apropria- rarmos nossa verdadeira condição, nos encon-
da, e que não considera a língua uma ferramen- tramos no meio de urna imensa quantidade de
ta comum, mas sim um instrumento científico. teorias e idéias jurídicas que foram transmiti-
se possuímos um idioma cm que um código das e multiplicadas de geração cm geração. No
Friedrich Carl 1·011 Sm·igm· 297

presente momento. não possuímos nem domi- como prática descuidada, exclusividade impo-
namos essa questão. mas somos controlados e lítica e mera apatia jurídica: mas, de maneira
dominados por ela. queiramos ou não. Essa é a mais especial. hesitar na aplicação do bisturi
base de todas as queixas do atual estado de nosso de dissecação ao nosso presente sistema. Ao
direito, que admito ser bem fundada: também é aplicá-lo. podemos atingir. de maneira inad-
a única causa para a demanda por códigos. Esta vertida. carne saudável e. desse modo. sermos
questão nos cerca de todos os lados, muitas acusados, perante a posteridade, da mais grave
vezes sem que saibamos disso. O povo pode de todas as responsabilidades. O espírito histó-
pensar que a aniquilou ao cortar todas as asso- rico também é a única proteção contra uma es-
ciações históricas e começar uma vida inteira- pécie de auto-ilusão que revive, de vez em quan-
mente nova. Mas tal empreendimento seria do, cm certos homens, bem como em eras e
construído sobre uma ilusão. Porque é impos- nações inteiras: a saber, acreditar que aquilo
sível aniquilar as impressões e o modo de pen- que é peculiar a nós é comum à natureza huma-
sar dos juristas que vivem agora - impossível na em geral ... Encontramos todos os dias pes-
mudar por completo a natureza das relações soas que julgam que suas opiniões e idéias jurí-
legais existentes: e sobre essa impossibilidade dicas são o produto da razão pura, por nenhu-
dupla baseia-se a ligação orgânica indissolúvel ma razão material a não ser porque são ignoran-
de gerações e eras; entre as quais só o desen- tes de sua origem. Quando perdemos de vista
volvimento, e não um fim absoluto e um co- nossa ligação individual com a grande totalida-
meço absoluto, é concebível. Em particular, a de do mundo e de sua história, vemos necessa-
alteração de uma ou múltiplas doutrinas jurídi- riamente nossos pensamentos numa falsa luz
cas não está fazendo absolutamente coisa algu- de universalidade e originalidade. Há apenas o
ma com relação a esse objetivo: porque, como senso histórico para nos proteger contra isso:
já foi observado antes, os modos de pensar, dirigi-lo para nós mesmos é, de fato, a mais
com as especulações e questões que podem difícil aplicação.
surgir, ainda serão influenciados pelo sistema Pode-se ficar tentado a admitir que essa fun-
preexistente: e a subserviência do passado para damentação histórica da questão na qual esta-
com o presente se manifestará até mesmo onde mos inevitavelmente envolvidos é necessária
o presente se opõe, de forma deliberada, ao em nossa presente posição. mas, ao mesmo tem-
passado. Como conseqüência, não há qualquer po, considerá-la um mal por causa de suas ener-
modo de se evitar essa influência dominante da gias absorventes. que podiam ser direcionadas
questão existente; ela nos será prejudicial en- para fins mais úteis. Esta seria uma visão
quanto a ela nos submetermos de maneira igno- melancólica. porque a sensação de um mal ine-
rante; mas será benéfica se lhe opusermos uma vitável seria excitada por ela: mas podemos
vívida energia criativa - se obtivermos domínio consolar-nos com a convicção de que é falsa.
sobre ela por meio de uma completa funda- Pelo contrário, essa necessidade deve ser consi-
mentação em história e, desse modo, nos apro- derada em si um grande bem. Na história de
priarmos de toda a riqueza intelectual das gera- todas as nações importantes, encontramos urna
ções precedentes ... transição da individualidade circunscrita. porém
Só quando tivermos aperfeiçoado nosso fresca e vigorosa, para a universalidade indefi-
conhecimento por meio de estudo zeloso e, de nida. A lei passa pelo mesmo, e nisso. do mes-
forma mais particular, tivermos aguçado nosso mo modo, pode-se perder no final a consciência
senso histórico e político, é que será possível da nacionalidade. Assim, acontece que. quando
Um julgamento sólido sobre a questão que nos antigas nações refletem sobre como muitas pe-
foi legada. Até lá, pode ser mais prudente fazer culiaridades de sua lei já desapareceram. elas
uma pausa antes de considerar a lei existente incidem facilmente no erro recém-mencionado.
298 Os Gmndes Filósofos do Direito

julgando que todo o resíduo de sua lei é umjus ... Uma livre comunicação entre as Facul-
quod natura/is ralio apud omnes homines cons- dades de Direito e os Tribunais de Justiça, que
tituir. É óbvio que, ao mesmo tempo, está perdi- foi proposta há pouco tempo. seria um exce-
da a vantagem peculiar pela qual a antiga lei se lente modo de realizar essa aproximação de
caracterizava. Falar de voltar a esse tempo pas- Teoria e Prática ... Essa ligação da prática com
sado seria uma proposta inútil e vã; mas uma uma vigorosa teoria em constante progresso é
questão totalmente diferente é ter em vista, de o único meio de se obter uma oferta permanen-
forma plena, suas excelências características e, te de homens de talento para a Banca. A situa-
desse modo, proteger nossas mentes contra a ção de juiz, é verdade, pode ser honrosa e res-
influência limitante do presente - o que, com peitável sem isto; além disso, ele pode estar
certeza, tanto é pratricável como salutar. A his- sempre se aperfeiçoando por meio de ocupa-
tória, mesmo na infãncia de um povo, é sempre ções não relacionadas com sua vocação, tais
uma nobre professora; mas, em tempos como o como aquelas a que a disposição do indivíduo
nosso, ela tem ainda um outro dever mais sagra- pode incliná-lo; mas será uma questão muito
do a cumprir. Porque só por meio dela se pode diferente se a própria vocação, a partir de sua
manter uma ligação viva com o estado primiti- ligação com o todo, assumir um caráter cientí-
vo do povo; e a perda dessa ligação deve tirar fico e se tornar um meio de aperfeiçoamento.
de todo povo a melhor parte de sua vida espiri- Tal estado de coisas, por si só, irá satisfazer
tual. Por conseguinte, de acordo com essa teo- todas as demandas. O juiz individual não ser-
ria, aquilo pelo que o direito comum e as leis virá mais como um mero instrumento, mas se-
provinciais devem tomar-se de fato úteis e irre- rá de uma vocação liberal e honrosa, e a admi-
preensíveis, é o estreito método histórico da ju- nistração da justiça estará real e cientificamen-
risprudência ... Seu objeto é traçar todo o siste- te completa ... Não se pode negar que o estado
ma estabelecido até sua raiz e, desse modo, des- de coisas mais desfavorável, nesse aspecto, é
cobrir um princípio orgânico pelo qual aquilo aquele em que o juiz está restrito à aplicação
que ainda tem vida possa ser separado daquilo mecânica de um texto dado, o qual não tem per-
que está morto e só pertence à história ... missão para interpretar; se isso for considerado
... Não é difícil dizer que os velhos juristas o ponto extremo num lado, o ponto extremo do
devem ser estudados, embora seja difícil tomar outro lado seria aquele em que o juiz teria de
isso óbvio sem um verdadeiro julgamento; eles encontrar a lei para cada caso; sendo excluído,
não devem apenas permanecer como letra mor- entretanto, todo discernimento arbitrário pela
ta nas escolas, senão que devem ser regenera- certeza resultante de um estrito método cientí-
dos; devemos ler e pensar em seu espírito, como fico. Mas pelo menos desse segundo ponto não
no espírito de quaisquer outros autores por quem é impossível aproximar-se; e, ao alcançá-lo, a
tenhamos completo apreço; devemos familiari- organização judicial mais antiga da Alemanha
zar-nos com seus modos de pensar e ficarmos seria revivida numa forma renovada.
tão completamente imbuídos deles a ponto de Supus anteriormente que três coisas sejam
redigir em seu estilo e com base em seus prin- necessárias: disposições legais, ministério da
cípios, e assim continuarmos, em seu verdadeiro justiça e formas de procedimento, todas em
espírito, a obra que foram impedidos de consu- boas condições. Foi mostrado como as dispo-
mar. Uma de minhas mais vivas convicções é sições devem ser baseadas numa ciência pro-
que isso é possível. O primeiro requisito é, sem funda e abrangente; também como, pelos mes-
dúvida, um sólido conhecimento de história ju- mos meios, o ministério da justiça pode setor-
rídica e (o que necessariamente resulta disto) o nar verdadeiramente apropriado para essa vo·
hábito fortalecido de ver toda idéia e toda dou- cação. Mas ambos serão insuficientes se a for·
trina em sua luz histórica adequada ... ma de procedimento for má. Nesse aspccto,
fi·icdrich Carl 1·011 Stll'igm· 299

111 uitas regiões da Alemanha necessitam de diferente: pelo contrário, a diferença diz respei-
uma reforma rápida e eficaz ... to à própria essência da coisa. Porque nesse
Por conseguinte. de acordo com essa visão. direito consuetudinário só constará aquilo que
nenhum código. é verdade. seria formado em foi decidido na prática. e isso será abrangido.
regiões onde prevalece o direito comum: mas sem dúvida nenhuma. de forma completa, agora
não se conclui. de maneira alguma. que a legis- que o legislador tem as decisões à sua frente: o
lação civil seria dispensada de todo. Indepen- código, pelo contrário. é obrigado a falar de
dentemente dos dispositivos legais com funda- todo tema - mesmo quando não há um motivo
mentos políticos (que não cabem aqui), ela imediato para esse fim. e nenhuma observação
paderia ser empregada com dois propósitos: a fornece a condição indispensável - apenas na
decisão de controvérsias (questões em disputa) expectativa de possíveis casos futuros.
e o registro de velhos costumes ... Na realidade, ... Se a jurisprudência for um dia geralmen-
·essas controvérsias não são muito más. Em pri- te difundida entre os juristas à maneira já men-
meiro lugar, não devemos considerar como cionada, possuiremos de novo, na profissão
;çontrovérsia todo caso que a ignorância ou a legal, um tema para o direito consuetudinário
,estupidez já investigou. Em segundo lugar, a le- vivo - e, como conseqüência, para um real
'gislação não necessita incomodar-se com con- aperfeiçoamento ... A questão histórica do direi-
trovérsias corno as que de fato existem nos li- to que agora nos cerca de todos os lados, será
.vros, mas que raras vezes aparecem na prática. então dominada e constituirá nossa riqueza .
-Deduzam-se essas duas descrições de casos, e Possuiremos então um verdadeiro direito nacio-
.muito ainda resta a ser feito ... Entretanto, é me- nal, e não lhe faltará uma poderosa linguagem
:lhor que essas controvérsias sejam decididas expressiva. Poderemos então entregar o direito
_talvez na forma de regulamentos provisórios ou romano à história, e teremos não uma débil imi-
instruções para os tribunais do que por dis- tação do sistema romano, mas um novo sistema
'posições regulares, posto que o anterior seria verdadeiramente nacional e nosso. Teremos
,menos provável de prejudicar a possibilidade chegado um ponto além do que a uma adminis-
:de um melhor fundamento na teoria. tração meramente segura e rápida da justiça:
O segundo objeto da legislação seria o regis- esse estado de perceptividade clara que, em ge-
.tro do direito consuetudinário, que poderia, ral, é peculiar ao direito das jovens nações, será
-dessa maneira, ser submetido a uma superinten- combinado com o auge do desenvolvimento
'. dência como a efetuada por meio de um édito científico. Então, futuros tempos degenerados
em Roma. Não se deve imaginar que o código, também podem ser prevenidos, e aí será o
que até agora foi objetado, seria afinal de contas momento de considerar se isso é feito melhor
:permitido dessa maneira, só que com um nome por códigos ou de alguma outra forma ...

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