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Educação Literária

Letras em dia, Português, 12 .° ano

Eça de Queirós, Os Maias

Lê atentamente o excerto de Os Maias.

Todo o caminho, até ao Ramalhete, Carlos foi pensando em seu pai e


nesse passado, assim rememorado e estranhamente ressurgido [...]. E isto
trazia conjuntamente outra ideia, que nesses últimos dias já o atravessara,
pertinaz e torturante, dando-lhe, no meio da sua radiante felicidade, um
5 sombrio arrepio de dor... Carlos pensava no avô.
Estava agora decidido que Maria Eduarda e ele partiriam para Itália,
nos fins de outubro.
[...] Tudo isto era fácil, considerado quase legítimo pelo seu coração, e
enchia a sua vida de esplendor... Somente havia nisto um espinho – o avô!
10 Sim, o avô! Ele partia com Maria, ele entrava na ventura absoluta; mas ia
destruir de uma vez e para sempre a alegria de Afonso, e a nobre paz que lhe
tornava tão bela a velhice. Homem de outras eras, austero e puro, como uma
dessas fortes almas que nunca desfaleceram – o avô, nesta franca, viril,
rasgada solução de um amor indominável, só veria libertinagem! [...] Para
15 Afonso haveria apenas um homem que leva a mulher de outro, leva a filha de
outro, dispersa uma família, apaga um lar, e se atola para sempre na
concubinagem: todas as subtilezas da paixão, por mais finas, por mais fortes,
quebrar-se-iam, como bolas de sabão, contra as três ou quatro ideias
fundamentais de Dever, de Justiça, de Sociedade, de Família, duras como
20 blocos de mármore, sobre que assentara a sua vida quase durante um
século... E seria para ele como o horror de uma fatalidade! Já a mulher de seu
filho fugira com um homem, deixando atrás de si um cadáver; seu neto agora
fugia também, arrebatando a família de outro – e a história da sua casa
tornava-se assim uma repetição de adultérios, de fugas, de dispersões, sob o
bruto aguilhão da carne!...

QUEIRÓS, Eça de, 2016. Os Maias.


Porto: Porto Editora (Capítulo XIV, pp. 465-466)

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Letras em dia, Português, 12 .° ano

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Apresenta as tuas respostas aos itens que se seguem de forma bem estruturada.

1 Refere a importância do excerto no contexto da ação da obra.

2 Descreve o estado de espírito de Carlos, apresentando as razões que o fundamentam.

3 Explicita o valor da comparação «duras como blocos de mármore» (l. 19) na caracterização de
Afonso.

4 Refere os indícios do desenlace trágico do amor de Carlos e Maria Eduarda presentes no excerto.

5 Apresenta uma explicação para o recurso a frases exclamativas.


Sugestões de resolução
Letras em dia, Português, 12 .° ano

Educação Literária

Eça de Queirós,
Os Maias, p. 37
1. O excerto corresponde a um momento em que
Carlos fica sozinho no Ramalhete, pois o avô partira
para Santa Olávia e Ega para Sintra. Numa saída
noturna, Carlos encontra Alencar que se propõe a
apresentar-lhe o Sr. Guimarães, amigo de seu pai,
Pedro, mas Carlos recusa. Guimarães será quem,
mais tarde na ação, revelará que Carlos e Maria
Eduarda são irmãos. Sem o saber, ao recusar ser
apresentado ao Sr. Guimarães, Carlos está a adiar o
desfecho trágico do seu amor. Neste momento da
ação, Carlos e Maria Eduarda já têm uma relação
íntima. Depois do encontro com Alencar, Carlos
regressa a casa e reflete sobre o desgosto que dará
ao seu avô, se fugir com Maria Eduarda, como
deseja.

2. Carlos está dividido e angustiado (ll. 4-5). Por um


lado, sente-se muito feliz, quando pensa em Maria
Eduarda e na vida a dois que poderão iniciar (l. 6).
Por outro, sofre ao pensar no que essa fuga
significará para o avô, homem de outras eras e de
uma moral severa (ll. 8-10). Considera que o
sentimento que o une a Maria Eduarda é uma
«ventura absoluta» (l. 10), um «amor indominável»
(l. 14), mas a sua angústia decorre do facto de
também ter consciência de que o seu amor representa
uma transgressão e de que, na perspetiva do avô, ele
não passará de uma «libertinagem» (l. 14), de uma
«concubinagem» (l. 16) e do «horror de uma
fatalidade» (l. 21), perceção que o impede de desfrutar
plenamente da sua felicidade.

3. A comparação intensifica a moralidade austera e


a rigidez de Afonso, para quem o Dever, a Justiça, a
Sociedade e a Família eram pilares inquebráveis da
conduta. A comparação destes valores da
personagem com a dureza do mármore realça a sua
solidez e a sua constância moral.

4. Constituem indícios trágicos a recordação de


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Pedro da Maia, de quem Carlos se lembra


«estranhamente» (l. 2) e cuja história amorosa
terminou de forma funesta, como acontecerá com a
do(s) filho(s), e a similitude pressentida por Carlos
entre a sua possível fuga com Maria Eduarda e a
fuga de sua mãe, entrevista segundo a perspetiva
do avô.

5. No excerto, o recurso a frases exclamativas


corresponde à exploração do discurso indireto livre,
por parte do narrador, a fim de revelar os
pensamentos e emoções de Carlos.

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