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INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS - IBET

LUCAS BELTRÃO DE MELO

QUESTIONÁRIO ACERCA DO SEMINÁRIO IV – INTERPRETAÇÃO,


VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA

Maceió, Alagoas, 02 de maio de 2024

1
1. Que significa afirmar que uma norma “N” é válida? Diferençar: (i) validade, (ii)
vigência; (iii) eficácia jurídica; (iv) eficácia técnica e (v) eficácia social.
Responda, fundamentadamente, o que entende acerca da validade, vigência e
eficácia jurídica da norma introdutora e da norma introduzida (Considere em sua
resposta a problemática da ADC 84)

Validade, vigência e eficácia são conceitos que, apesar de distintos, causam


alguma confusão no estudo, interpretação e aplicação do direito. Para uma correta e
bem delineada compreensão do fenômeno jurídico, é premente que se faça uma clara
distinção conceitual entre tais vocábulos.
A começar pela própria validade, tem-se que a afirmação de ser uma
determinada norma jurídica válida significa que ela mantém uma “relação de
pertinencialidade” com o sistema jurídico que a compôs. Esse vínculo de pertinência
está representado no fato de que a norma foi posta por meio de texto legal produzido
por algum agente competente, dentro de um regular procedimento estabelecido para
essa finalidade. Nessa mesma linha de pensamento, considerar como válida a norma
corresponde a também anuir que ela inegavelmente existe – a noção de validade se
confunde com a de existência.1
Por seu turno, a noção de vigência está atrelada com a aptidão de produzir
efeitos. Uma norma vigente é aquela posta no sistema jurídico com a propriedade de
regular condutas sempre que verificada, faticamente, os elementos previstos em seu
antecedente. Paulo de Barros Carvalho distingue uma vigência plena e uma outra
parcial – a primeira, representa a propriedade de produzir efeitos para eventos
passasdos e futuros, enquanto a parcial limita-se a uma produção voltada para o
passado (quando for revogada) ou apenas ao futuro (quando estiver no início de sua
vigência).2
Já a eficácia não se confunde com vigência, não obstante certa parcela
doutrinária que converge os conceitos. Enquanto a vigêncai remonta à aptidão de
produzir efeitos, a eficácia está atrelada justamente a tais efeitos. Uma determinada
norma pode ter a propriedade abstrata de regular condutas (vigência), mas não
produzir efetivamente tais regulações (eficácia).
A eficácia pode ser vista a partir de 3 (três) espécies: técnica, jurídica e social.
A eficácia técnica é uma qualidade atrelada à própria norma jurídica, relativa à sua
possibilidade de irradiar efeitos no mundo do direito, sem que hajam condicionantes ou
obstáculos para sua aplicação. Já a eficácia jurídica é uma qualidade inerente não à
norma, mas ao fato jurídico e compreende a propriedade “de propagar os efeitos que

1
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 8ª ed. São Paulo:
Noeses, 2021, fls. 460-461.
2
Idem, fls. 461-462.

2
lhes são próprios na ordem jurídica, em decorrência da causalidade normativa”.3
Finalmente, a eficácia social remete ao grau de acatamento coletivo da norma
– tal como a eficácia jurídica, é uma qualidade que pertence à norma, mas,
diferentemente desta, é um conceito mais ligado à Sociologia Jurídica do que à
Dogmática Jurídica. Está ligada com a produção das consequências esperadas pela
norma jurídica dentro da sociedade na qual ela foi erigida.4

Realizadas essas considerações gerais acerca da validade, vigência e eficácia,


é possível transpor tais entendimentos ao âmbito específico das normas introdutoras e
introduzidas, o que será feito à luz do Decreto n. 11.322/2022, responsável pela
redução das alíquotas de PIS e COFINS, mas logo revogado pelo Decreto n.
11.374/2023.
A validade da norma introdutora e da introduzida é basicamente a mesma.
Como a característica da validade se confunde com a própria existência da norma
jurídica, uma vez que se tenha o ingresso do texto normativo no ordenamento, torna-
se imediatamente possível verificar a validade da norma em sua natureza dúplice. No
caso em análise, tanto a norma introdutora (o Decreto), como as normas introduzidas
(o conteúdo normativo do Decreto), passam a dotar de validade no mesmo momento
de ingresso no sistema jurídico. Inclusive, a própria relação de pertinencialidade é a
mesma tanto para a norma introdutora quanto para a introduzida: a competência do
agente e a legitimidade do procedimento configuram requisitos idênticos para ambas.
A situação se modifica em relação à vigência. Como bem alerta Paulo de
Barros Carvalho, a norma introdutora tem sua vigência no mesmo instante da
validade, são simultâneas. O mesmo pode vir a ocorrer com as normas introduzidas,
mas não é uma correlação necessária. É possível que a vigência de tais normas fique
adiada no tempo, cabendo à norma introdutora indicar quando seria isso (vacatio
legis).5
No caso do Decreto n. 11.322/2022, a vigência das normas introdutora e
introduzidas não se confundem. Enquanto a primeira teve a vigência na exata data da
entrada do Decreto no ordenamento, em 30/12/2022, as normas introduzidas teriam
sua vigência dois dias depois, em 01/01/2023, segundo art. 2º, do mesmo Decreto
(determinação esta que faz parte da estrutura da norma introdutora).
Já no tocante à eficácia jurídica, a questão adquire uma maior complexidade.
Quanto à norma introdutora, por ser concreta e geral, há o cumprimento total de seus
efeitos jurídicos de imediato, logo que entra no sistema6. Ou seja, o Decreto n.
11.322/2022 teve sua eficácia jurídica no momento em que ingressou no

3
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico.14ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 766-770.
4
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 8ª ed. São Paulo:
Noeses, 2021, fls. 470-471.
5
Idem, fls. 463.
6
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico.14ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 759-760.

3
ordenamento, em 30/12/2022.
Contudo, o mesmo não se pode dizer das normas introduzidas pelo referido
diploma. Como visto, a vigência dela ficou protraída para o dia 01/01/2023, mas no dia
em questão sobreveio o novo Decreto n. 11.374/2022, que revogou por completo o
conteúdo do seu antecessor. Numa análise perfunctória, seria possível concluir que as
normas introduzidas não contaram com eficácia jurídica alguma, levando em conta a
revogação no exato dia do início de sua vigência. A grande questão aqui remete ao
princípio da anterioridade tributária e sua aplicação prática.
É sabido que o PIS e COFINS não se sujeitam à anterioridade anual, mas o
mesmo não se pode dizer acerca da anterioridade nonagesimal. O Decreto n.
11.374/2022 promoveu uma inequívoca majoração da carga tributária ao revogar o
Decreto n. 11.322/2022, responsável por reduzir alíquotas das contribuições sociais.
Dessa forma, o Decreto revogador somente poderia produzir efeitos – ou seja,
ter sua vigência e eficácia – 90 (noventa) dias depois de sua publicação. Nesse
ínterim, as normas jurídicas introduzidas pelo Decreto n. 11.322/2022 permanecem
vigentes e dotadas de eficácia jurídica, de modo que, sempre que concretizado o fato
gerador (fato jurídico) do PIS/COFINS no interregno da noventena, deve incidir a
alíquota reduzida.
Cabe aduzir que o STF discordou de tal posicionamento no âmbito da ADC n.
84, ao menos no âmbito cautelar. A Corte Suprema concluiu que o Decreto n.
11.374/2022 repristinou os efeitos do Decreto anterior ao n. 11.322/2022, não
chegando propriamente a majorar tributo e não violava a segurança jurídica e a não
surpresa, porque havia toda uma continuidade anterior ao Decreto n. 11.322/2022 com
as alíquotas aumentadas do PIS/COFINS.
É até plausível o reconhecimento da inconstitucionalidade do referido Decreto
n. 11.322/2022, mas os argumentos da cautelar do STF não se sustentam.
Nitidamente, houve uma majoração, ainda que por vias transversas da carga tributária,
e, aliado a isso, a partir do momento em que um determinado diploma jurídico passa a
viger, ainda que através da norma introdutora, passa a gerar a legítima expectativa de
sua aplicação pela população, não importando fato de ter sido revogado poucos dias
depois.
Logo, conclui-se que as normas introduzidas do Decreto revogado seriam
dotadas de vigência e eficácia jurídica até o decurso do prazo da anterioridade
nonagesimal.

2. Descreva o percurso gerador de sentido dos textos jurídicos explicando os


planos: (i) dos enunciados tomados no plano da expressão (S1); (ii) dos
conteúdos de significação dos enunciados prescritivos (S2); (iii) das
significações normativas (S3); (iv) das relações entre normas (S4). Estabeleça a
relação entre “fontes do direito”, “validade” e “hierarquia” das normas
jurídicas?

4
A interpretação do direito consiste num tema de nuclear relevância, na medida
em que a construção normativa decorre justamente dessa atividade hermenêutica.
Estabelecer, definir e explicar parâmetros interpretativos é de grande valia para essa
atividade de construção de sentido dos textos jurídicos, o que acaba demandando
uma maior atenção ao tema.
A doutrina tradicional costuma estabelecer alguns critérios autônomos de
interpretação, ora situando-os no campo sintático, ora representando-os numa
dimensão semântica e pragmática do direito. O Construtivismo Lógico-Semântico
encara com ceticismo a eficácia desses métodos tradicionais, porque encara a
atividade do intérprete sob outro enfoque, não no sentido de extrair um conteúdo ínsito
ao texto normativo, mas efetivamente de construir esse conteúdo, através de uma
atuação mais ativa, compreendendo num iter procedimental interpretativo atividade
que abarca o campo sintático, semântico e pragmático da aplicação do direito.
Para tanto, subdivide a atividade interpretativa em 4 (quatro) etapas, em 4
(quatro) planos de construção de sentido. Ressalte-se, desde já, que a análise desses
planos não deve ser feita de maneira estanque, eles não devem ser considerados
isoladamente. Pelo contrário, é natural e até recomendável que o intérprete promova
um entrecruzamento entre todos eles, retornando de um ao outro, na medida em que
se complementam.7
Feitas essas considerações iniciais, pode-se afirmar que o processo
interpretativo principia com a análise de um suporte físico. No caso do direito, esse
suporte é justamente os enunciados prescritivos contidos nos textos jurídicos que
conformam o ordenamento, na medida em que inexiste, no âmbito do direito, “situação
juridicamente considerada que não esteja reduzida à forma escrita”.8 É esse primeiro
contato do hermeneuta com o texto físico que demarca a primeira fase da
interpretação (S1), que se restringe a um aspecto sintático da aplicação do direito.
Ato contínuo, após esse contato com o texto jurídico, caracterizado
necessariamente num suporte físico, o intérprete passa para o plano seguinte, de
construção de significados e sentidos (S2). A partir de então, cabe atribuir valores aos
signos escritos, que compõem os enunciados prescritivos da lei ou de qualquer outro
suporte físico jurídico. Dentre as significações possíveis de cada palavra e/ou
expressão, cumpre apontar aquela que melhor se coaduna com a compreensão do
intérprete dentro do texto jurídico. Observe-se que essas significações não devem ser
feitas com enfoque genérico, elas devem ter necessariamente cunho jurídico.9
Ainda no campo S2, Aurora Tomazini de Carvalho explica que, a priori, “os
enunciados são compreendidos isoladamente; depois as proposições construídas
passam a ser associadas e o exegeta tem uma visão integrada do conjunto”. Não se

7
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico.14ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 260-261.
8
Idem, fls. 245-251.
9
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. São Paulo: Noeses,
2022, fls. 121-125.

5
trata aqui de já construir uma proposição jurídica nos moldes da norma jurídica (que
consubstancia uma proposição de juízo hipotético-condicional, ligada por um functor
deôntico), mas já se adentra num campo semântico da interpretação.10
Superado esse instante de construção de sentido (proposições), cabe ao
intérprete adentrar no plano seguinte, de efetiva delimitação normativa (S3). Aqui,
cabe ao hermeneuta contextualizar as proposições já formadas em sua mente para
gerar unidades jurídicas de sentido completo, as normas.11 Ou seja, nesse momento,
cabe promover uma concatenação das proposições obtidas na fase anterior e, através
delas, construir um sentido completo de norma jurídica, com hipótese e consequente.
No entanto, a atividade interpretativa não cessa com a consecução de uma
norma jurídica, dotada de sentido completo, porque a norma jurídica não
consubstancia um ente isolado. É nessa altura onde se adentra no derradeiro plano de
significação (S4), quando se busca sopesar essa norma dentro de um sistema jurídico
organizado, coeso e harmônico, regido por relações de coordenação e subordinação.
Toda norma necessariamente contará com uma relação de pertinência com o conjunto
do sistema jurídico e é nessa fase de interpretação que o exegeta verificará as
relações da norma por si erigida com as demais normas do conjunto, atentando para
relações horizontais e graduações hierárquicas.12

Com fulcro nas asserções sobre os planos de significação, pode-se concluir


que toda atividade interpretativa do Direito, no intuito de engendrar normas jurídicas,
deve necessariamente considerar que a proposição normativa faz parte de um todo,
de um sistema jurídico necessariamente organizado por meio de uma hierarquia
formal.
A validade de uma norma jurídica decorre justamente desse vínculo que ela
deve manter com o sistema jurídico sobre o qual foi integrada, no sentido de ser posta
por meio de agente legitimado e dentro de um procedimento específico para tanto.
Neste contexto, o estudo das fontes do direito serve como importante parâmetro para
análise dessa validade normativa.
É que uma norma jurídica válida deve ser retirada de um texto jurídico
igualmente válido. Neste contexto, a aferição da fonte do direito, enquanto atividade de
enunciação, é relevante como elemento de investigação dessa validade. O processo
de enunciação se traduz num procedimento específico, guiado pela manifestação
volitiva de agentes competentes e tudo isso é necessariamente regulado por textos
legais. Dessa forma, o estudo da fonte do direito permite atentar se determinado
enunciado passou por um procedimento legítimo e foi gestado por agentes com
competência legal e/ou constitucional para tanto. Em caso negativo, toda norma

10
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico.14ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 250-251.
11
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. São Paulo: Noeses,
2022, fls. 125.
12
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico.14ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 258-260.

6
resultante dessa atividade estará inevitavelmente enodoada de vício de validade.
De igual modo, assoma a relevância de se considerar a hierarquia normativa
para fins de aferição da validade. A hierarquia está contida na própria atividade de
enunciação (fonte do direito), porque ela deve se atentar para o sistema como um
todo, sobretudo em relação à competência do agente e à regularidade do
procedimento correlato. Ela também tem nítida relevância na própria composição da
norma jurídica, sobretudo no âmbito de significação do plano S4.
Como visto, a norma deve ser assuntada dentro de um contexto sistêmico, nas
relações de coordenação e subordinação que manterá com outras normas
congêneres. É por isso que a hierarquia é particularmente relevante na fase S4:

“É também neste plano que o intérprete, ao estabelecer relações de


subordinação, verifica a fundamentação jurídica das normas, detectando
vícios de constitucionalidade e de legalidade.”13

Destarte, a hierarquia deve necessariamente compor o estudo da validade das


normas jurídicas e a conferência da atividade de enunciação acaba entrando nessa
mesma análise, enquanto um dos elementos norteadores.

3. Há um sentido correto para os textos jurídicos? Faça uma crítica aos métodos
hermenêuticos tradicionais. É possível falar em interpretação teleológica e literal
no direito tributário? E em interpretação econômica? Justifique sua reposta.
(Vide anexos I, II e III)

Um dos elementos de maior complexidade do direito reside justamente nas


inevitáveis divergências que ocorrem quando de sua aplicação e estudo. Tais
discrepâncias decorrem justamente do amplo rol de possibilidades interpretativas que
podem ser construídas a partir dos textos jurídicos pelos intérpretes.
É exatamente por isso que Paulo de Barros Carvalho elenca, como princípio da
interpretação jurídica, a inesgotabilidade. Parte-se do pressuposto de que “toda a
interpretação é infinita”, na medida em que um determinado texto pode ser sempre
reinterpretado de acordo com as particularidades do intérprete e de sua época.14
Apesar disso, não há que se falar em ausência de limites interpretativos: eles
existem e começam, sob um ponto de vista sintático, a partir do próprio suporte físico
textual.15 Mas os limites não cessam nesta primeira etapa: são também verificáveis
sob um aspecto construtivo. Quer dizer que a própria cultura da época e a cultura
específica do intérprete servirão também como balizas para a atividade

13
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico.14ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 259.
14
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 8ª ed. São Paulo:
Noeses, 2021, fls. 472-473.
15
Idem.

7
hermenêutica.16
A partir de tais premissas, é possível desaguar na conclusão de que inexiste
um sentido correto, como se preestabelecido ou contido implicitamente no texto legal.
A subjetividade que inevitavelmente permeia a atividade de interpretação não permite
falar em adjetivos como certo ou errado. O que decerto haverá é interpretação mais ou
menos aceita pela doutrina e/ou jurisprudência, positivada ou não.17
Inclusive, esse seria um dos pontos de crítica, sob o viés construtivista, à
doutrina tradicional ligada à hermenêutica jurídica. Para essa parcela doutrinária, o
suporte físico da interpretação – é dizer, os textos jurídicos – seria dotado de um
significado contido em si. Caberia ao intérprete, através dos métodos de interpretação
clássicos, apenas retirar do texto esse significa implícito. Trata-se de um
posicionamento que tem grande influxo da filosofia anterior ao giro linguístico, quando
se predominava a compreensão de que todas as coisas tinham um singnificado
intrínseco, ontológico.18
O giro linguístico operou profunda modificação sobre esse paradigma filosófico
e refletiu também no âmbito da interpretação jurídica. Torna-se, então, pouco
proveitoso falar num sentido intrínseco do texto legal. O suporte físico não “esconde”
nele o conteúdo final da interpretação. Na verdade, esse sentido é construído pela
intelecção do hermeneuta, como um juízo erigido a partir do substrato material.
Decerto que o texto jurídico apresenta um conteúdo, mas ele não está plasmado no
próprio texto – sua definição é feita a partir da construção linguística e cultura do
intérprete. Logo, a definição do conteúdo está indissociável da atuação do exegeta.19

Bem se vê que os métodos de interpretação tradicionais, para a concepção do


Construtivismo Lógico-Semântico, são, em regra, insuficientes para o correto exercício
da atividade hermenêutica ou partem de premissas consideradas equivocadas, por
não atentarem para o real papel do intérprete na atividade de construir sentidos a
partir do texto jurídico.
Neste diapasão, a interpretação literal surge como o método interpretativo de
base para a doutrina tradicional. Ele cuida de retirar do texto uma interpretação a partir
tão somente de sua literalidade, a partir do sentido de seus signos.
É criticável a adoção desse método literal, na medida em que o suporte físico
fornece apenas o ponto de partida e define os limites da atividade interpretativa. Ainda
que se faça uma interpretação mais ligada aos signos indicados no texto, o que haverá
é um processo de construção linguística, relacionado ao horizonte cultural do
intérprete, até porque, mesmo que se atenha estritamente ao significado das palavras,

16
SOUZA, Priscila de & FAVACHO, Fernando Gomes. Intersubjetividade entre sistemas
jurídicos: a ‘Novilíngua’ no direito tributário brasileiro. In: Tributação: Democracia e
Liberdade. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 1044-10045.
17
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico.14ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 238.
18
Idem, fls. 225-228.
19
Ibidem.

8
é nítido que muitas delas são plurívocas e, a depender do contexto, seu significado
pode mudar.
Segundo Aurora Tomazini de Carvalho20, inexiste um sentido literal no texto
legal:

“Toda interpretação, até mesmo aquela que se diz ser literal, pressupõe
um processo gerador de sentido, delimitado pelo contexto, onde influem
valorações condicionadas às vi vências culturais do intérprete.”

De igual modo, revela-se insuficiente a interpretação dita por teleológica. Trata-


se do método que busca retirar sentido do texto legal a partir de uma concepção
finalística. Ou seja, busca-se interpretar o texto jurídico com base numa análise de
qual seria o seu objetivo, o seu escopo – basicamente, o que a lei desejava regular e
quais aspirações detinha no momento de sua edição.
Apesar de conter um refinamento interpretativo maior em relação ao método
literal, a interpretação teleológica também sofre de suas limitações. Seu foco são os
planos semântico e pragmático do direito, olvidando o plano sintático, o que já revela
uma restrição interpretativa. Ademais, o texto legal não tem uma “vontade” própria,
não faz por si só um exercício de valoração de suas finalidades. A definição do que
seria a finalidade da lei é, ao fim e ao cabo, uma construção interpretativa do
exegeta.21
Por fim, é igualmente descabida a adoção de interpretação econômica no
direito, sobretudo no âmbito tributário, como elemento balizador da determinação do
fato gerador de determinado tributo. O direito constitui um ramo científico dotado de
autonomia e de particularidades que lhes são inerentes. A construção de uma
interpretação jurídica deve ser feita de acordo com critérios estritamente jurídicos, sem
a influência de outros ramos do saber. Decerto que pode existir uma relação de
interdisciplinariedade, mas os conceitos que permeiam a construção do direito devem
emanar exclusivamente do direito.22
Tampouco se nega que um determinado fato social pode ensejar diferentes
esferas de investigação e análise científica. Logo, um determinado acontecimento
pode ensejar um fato jurídico e um fato econômico, o que ocorre com frequência no
âmbito do direito tributário. Mas isso não quer dizer que a economia, enquanto ciência
dotada de metodologia própria, deva influir na construção de sentidos jurídicos,
porque, repita-se, cabe ao direito, em sua autonomia científica, construir seus próprios
conceitos e sentidos.

20
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico.14ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 267.
21
Idem, fls. 270-271.
22
CARVALHO, Paulo de Barros. O absurdo da interpretação econômica do “fato gerador”
– Direito e sua autonomia – O paradoxo da interdisciplinaridade. Revista de Direito
Tributário, n. 97.

9
4. Compete ao legislativo a positivação de interpretações? Existe lei puramente
interpretativa? Tem aplicabilidade o art. 106, I, do CTN ao dispor que a lei
tributária interpretativa se aplica ao fato pretérito? Como confrontar este
dispositivo do CTN com o princípio da irretroatividade? (Vide anexos IV, V e VI).

Como visto anteriormente, deve-se rechaçar qualquer tipo de atividade


interpretativa que tenha por mote alguma espécie de uniformização de conteúdos, tal
como supõe a hermenêutica tradicional. Inexiste um sentido unívoco e intrínseco
dentro dos textos normativos. Pelo contrário, o sentido desses textos, a aferição das
normas jurídicas, é atividade que demanda uma participação ativa e construtiva do
intérprete, que definirá o sentido do texto jurídico a partir dos limites do próprio texto e
do contexto sociocultural em que o próprio intérprete está inserido.
Contudo, não há como negar a existência de leis que têm por objetivo balizar a
atividade interpretativa, trazendo parâmetros para a conferência de sentido a outros
enunciados prescritivos. Como bem leciona Aurora Tomazini de Carvalho, isso em
nada desabona a atividade construtora do intérprete:

“Algumas vezes o direito prescreve como devem ser construídos os


conteúdos de significação de seus enunciados, utilizando-se da forma
metalinguística (sem desvirtuar sua função prescritiva) ao dispor que tais
e quais termos, expressões ou sentenças devem ser entendidos desta e
daquela maneira – é o que chamamos de dirigismo hermenêutico. Mas,
mesmo nestes casos, temos que interpretar, isto é, construir o sentido e
dizer que é ‘desta e da quela maneira’.”23

Logo, ainda que o legislativo possa positivar meios e parâmetros para


interpretação, essa relevante atividade é feita apenas pelo operador do direito, na
medida em que é ele quem, em última instância, construirá o sentido de proposições
normativas a partir dos enunciados prescritivos. Ou seja, o fato de o legislativo
positivar alguma linha interpretativa não esvazia a própria interpretação feita no âmbito
jurídico e judicial. Aliás, o próprio Judiciário pode promover o controle jurisdicional
dessas leis através de atividade hermenêutica.
Atente-se que a jurisprudência constitucional do STF é favorável à existência
de leis interpretativas. Por exemplo, no julgamento da ADI n. 605-3/DF, o Min. Celso
de Mello consignou que “é plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro,
o reconhecimento das leis intrepretativas, que configuram instrumento juridicamente
idôneo de vinculação da denominada interpretação autêntica”.
O doutrinador Paulo de Barros Carvalho com acerto salienta que, no caso do
direito brasileiro, são raras as situações de lei puramente interpretativa. Segundo seu
magistério, esse tipo de ato não tem por escopo criar novas regras de conduta, de

23
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico.14ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, fls. 240.

10
maneira que não inovam o ordenamento, mas apenas esclarecem “dúvidas levantadas
pelos termos da linguagem da lei interpretada”. Na prática nacional, o que se vê é
diplomas que se dizem interpretativos, mas que operam modificações no
ordenamento. Isso, por óbvio, não exclui a possibilidade abstrata de existência de leis
puramente interpretativas.24
A partir do exposto, torna-se plausível a existência de enunciados com fulcro
estritamente interpretativo no âmbito do direito tributário. O próprio CTN, no art. 106, I,
prevê a possibilidade desse tipo de enunciado prescritivo e ainda os dota de eficácia
retroativa. Contudo, essa previsão deve ser necessariamente coadunada com o
princípio da irretroatividade tributária.
Quer dizer que as situações jurídicas já consolidadas em relação ao
contribuinte não podem ser modificadas livremente pela retroação da lei interpretativa.
Qualquer interpretação que, porventura, sirva para majorar ou onerar, direta ou
indiretamente, a carga tributária do sujeito passivo não pode retroagir, sob risco de
atentar contra a própria segurança jurídica.

5. Dada a seguinte lei fictícia, responder às questões que seguem:


Lei ordinária federal n. 10.007, de 10/10/2016 (DOU de 01/11/2016)
Art. 1º Esta taxa de licenciamento de veículo tem como fato gerador a
propriedade de veículo automotor com registro de domicílio no
território nacional.
Art. 2º A base de cálculo dessa taxa é o valor venal do veículo.
Parágrafo único. A alíquota é de 1%.
Art. 3º Contribuinte é o proprietário do veículo.
Art. 4º Dá-se a incidência dessa taxa no primeiro dia do quarto mês de
cada exercício, devendo o contribuinte que se encontrar na situação
descrita pelo art. 1º dessa lei, desde logo, informar até o décimo dia
deste mesmo mês, em formulário próprio (FORMGFA043), o valor
venal, o tipo, a marca, o ano e a cilindrada do respectivo veículo.
Art. 5º A importância devida, a título de taxa, deve ser recolhida até o
décimo dia do mês subsequente, sob pena de multa de 10% sobre o
valor do tributo devido.
Art. 6º Diante da não emissão do formulário (FORMGFA043) na data
aprazada, poderá, a autoridade fiscal competente lavrar Auto de
Infração e Imposição de Multa, em decorrência da não observância
dessa obrigação, impondo multa de 50% sobre o valor do tributo
devido.
Art. 7º. Esta lei entra em vigor no primeiro dia do exercício seguinte ao
de sua publicação.

24
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. São Paulo: Noeses,
2022, fls. 97-98.

11
Em 01/06/2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em ação direta de
inconstitucionalidade (com efeito erga omnes), pela inconstitucionalidade
desta lei federal. Identificar nas datas abaixo fixadas, segundo os critérios
indicados, a situação jurídica da regra que instituiu o tributo, justificando
cada uma das situações:

Critérios\datas 11/10/2016 01/11/2016 01/02/2017 01/04/2017 01/07/2019


É válida Sim Sim Sim Sim Não

É vigente Não Não Sim Sim Não

Incide Não Não Não Sim Não

Apresenta
eficácia Não Nao Sim Sim Não
jurídica

No que tange à validade, tem-se que é a partir da promulgação do ato


normativo que se inaugura o vínculo de pertencimento entre ele e o ordenamento
como um todo. Isto porque é através da promulgação que se tem “a declaração oficial
de que a Lei existe, é autêntica e está pronta para produzir efeitos”, servindo, na
prática, como uma forma de comunicaçã pública de que o ato legal foi engendrado
“com determinado conteúdo e pelo procedimento constitucionalmente previsto, sendo,
portanto, válida”25. Noutra banda, o momento final dessa validade é a data em que o
STF declarou a inconstitucionalidade da lei e, por conseguinte, sua nulidade e
consequente retirada do ordenamento.
Não seria de todo desarrazoado cogitar na inexistência de validade desde a
data inicial da promulgação, com base na posterior declaração de
inconstitucionalidade. Os efeitos desse tipo de decisão são profundos, sua eficácia,
em regra, ex tunc, o que retroagiria para inumar a validade da lei desde sua inserção
no sistema. Contudo, como não é raro que haja modulação de efeitos – sobretudo na
seara fiscal – e para melhor atender à didática da matéria, opta-se por não levar em
consideração os potenciais efeitos do controle de constitucionalidade, apenas o
considerando como o ato de retirada da lei do ordenamento.
Por seu turno, a vigência, enquanto aptidão para produzir efeitos, só se inicia
após o período de vacatio legis indicado no art. 7º e depois da consideração da
anterioridade anual e nonagesimal. Logo, a partir dos parâmetros indicados, tem-se
que a vigência não se verificaria durante as datas de 2016, mas em 01/02/2017 já se
observaria, porque passados todos os obstáculos para sua incidência. Essa vigência

25
CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm,
2012, fls. 1068.

12
vai até 01/06/2017, quando o STF declarou a inconstitucionalidade da Lei.
Cabe apenas fazer um adendo breve sobre a norma introdutora: sua vigência é
imediata e ocorre a partir da própria promulgação da Lei, que é o exato momento em
que o ato normativo adquire sua validade. As considerações acima têm como mote tão
somente as normas introduzidas.
A incidência da lei está em muito atrelada à eficácia técnica, porque remete à
possibilidade de aplicação sem que haja qualquer entrave ou obstáculo para tanto.
Atente-se que o art. 4º especificamente indica que a incidência só ocorrerá “no
primeiro dia do quarto mês de cada exercício”. Dessa forma, durante as datas de 2016
não haverá incidência, por conta da vacatio legis e da anterioridade tributária; na
primeira data de 2017, tampouco haverá incidência, com base na própria dicção legal.
Ela só existirá em 01/04/2017, já que este é o primeiro dia do quarto mês, enquanto na
data posteriormente indicada pelo quesito, já ocorrera a retirada da norma do sistema
jurídico.
Por fim, em relação à eficácia jurídica, tem-se uma situação semelhante à
incidência. Esse tipo de eficácia está atrelada ao fato jurídico, enquanto aptidão de
irradiar efeitos sempre que o fato social previsto na lei ocorra no mundo fenomênico.
No caso, apenas a partir de 01/02/2017 haverá eficácia jurídica (levando em conta
apenas as datas indicadas no quesito), porque somente após a vacatio legis e a
consideração da anterioridade tributária é que os fatos sociais poderiam ser
juridicizados. De igual modo, essa eficácia cessará na data em houver a declaração da
inconstitucionalidade.

6. Uma lei inconstitucional (produzida materialmente em desacordo com a


Constituição Federal – porém ainda não submetida ao controle de
constitucionalidade) é válida? O vício de inconstitucionalidade pode ser sanado
por emenda constitucional posterior? (Vide anexos VII, VIII e IX)

Ao longo dos quesitos anteriores, já se teve a oportunidade de explicar que a


validade representa uma relação de pertinencialidade entre determinado texto jurídico
(ou a norma dele construída) com o sistema no qual inserido.
Indo além do que delimitado anteriormente, cabe dizer que a concepção de
validade abre margem para visões divergentes: uma que a considera a partir de sua
relação com o meio de produção em que posta – ou seja, se produzida por agente
competente e dentro de procedimento legítimo –, em que a validade equivale à
existência e outra concepção que entende a validade como um atributo da norma, em
consonância com o que estipula a norma de competência.26
Levando em consideração o posicionamento elencado anteriormente, vincula-
se à primeira concepção de validade, que parte de um viés normativista do direito.
Logo, para fins de verificação da validade de uma lei, basta atinar para o meio de sua

26
FIGUEIREDO, Marina Vieira de. Lançamento Tributário: Revisão e seus Efeitos. 2ª ed.
São Paulo: Noeses, 2014, fls. 22-26.

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inserção no sistema jurídico. Se entrou mediante processo legislativo regido por
agentes competentes, a lei existirá e será válida. É uma questão até relevante para
fins de eficácia da norma: a identidade entre validade e existência lhe garante um
atributo necessário para que já possa produzir seus efeitos sem maiores óbices do
sistema.
A partir dessa concepção, pode-se concluir que uma lei inconstitucional, a
partir do momento em que inserida no sistema jurídico, produzirá efeitos até ser alvo
de controle de constitucionalidade. Todo o corpo social deverá atender aos ditames do
referido texto legal até que haja uma declaração formal de inconstitucionalidade,
culminando no reconhecimento da nulidade legal.
Ainda com base nesse ponto de vista da validade sob um aspecto normativo,
pode-se afirmar que, com a superveniência de emenda constitucional, seria possível a
convalidação da lei inconstitucional. Isto, claro, no caso dessa emenda ensejar um
escorreito vínculo de pertinência, até então inexistente, entre a lei (norma) e o
ordenamento (sistema) ao qual faz parte.
Cabe, contudo, esclarecer que o STF não comunga desse entendimento. Para
a Suprema Corte, inexiste constitucionalidade superveniente. Uma lei que porventura
nasça inconstitucional jamais se recuperará dessa pecha, ainda que haja alguma
emenda posterior que a fundamente. Seria, então, preciso invalidar esse diploma
normativo para que outra lei fosse editada com base na emenda então vigente.

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