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Dr.

Er ic Slywitch

Alimentação
sem carne
Um guia prático para montar
a sua dieta vegetariana com saúde

2a edição ampliada e revisada


Prefácio

Meu objetivo ao escrever este livro, publicado pela primeira vez em 2008, foi for-
necer informações consistentes, seguras e, sobretudo, imparciais sobre uma dieta sem
carne. Não importa por qual motivo o indivíduo se tornou vegetariano nem qual é a
linha que ele segue; o importante é que a opção pela dieta sem carne seja segura.
Este foi o primeiro livro brasileiro totalmente embasado em artigos científicos que
ensina a montar um cardápio combinando grupos alimentares, para qualquer tipo de
dieta vegetariana. Há também aqui as informações mais importantes sobre os prin-
cipais nutrientes em relação aos quais existem dúvidas na dieta vegetariana, além de
tabelas de valores nutricionais de centenas de alimentos.
Esta nova edição traz 50% a mais de conteúdo e diversas novidades. As tabelas
foram ampliadas e atualizadas, o que trouxe informações de valores nutricionais
de mais alimentos. Como exemplos, foram incluídos os germinados, assim como
o teor de vitamina D e ômega-3 de diversos alimentos. Uma adição marcante foi
a apresentação de tabelas com todos os aminoácidos essenciais dos alimentos
vegetais e animais. Isso permitiu o cálculo de diferentes dietas para verificar o que
ocorre com o teor final de aminoácidos e desmistificar a dieta vegetariana estrita
nesse contexto.
A forma de elaboração da dieta traz agora diversas sugestões diferentes, simples, sem
a necessidade de elaborar cálculos, para que você saiba facilmente pelo que trocar os
alimentos de origem animal em diferentes refeições, seja em lanches, café da manhã,
sopas, churrascos e massas.
O capítulo de ômega-3 traz uma inovação que é a mistura de óleos para que a pro-
porção de ômega-6 e ômega-3 fique equilibrada, seja qual for o óleo que você utiliza no
dia a dia. Além disso, mostra o teor dos ômegas 3 e 6 em centenas de alimentos, sejam
de fonte animal ou vegetal.
Após quase dez anos do lançamento da primeira edição, me sirvo dos meus anos
de experiência clínica diária de atendimento em consultório para fornecer ainda

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Prefácio

mais dicas sobre a alimentação vegetariana referente aos seus cuidados nutricionais,
assim como condutas referentes à correção de deficiências, que também são encon-
tradas na dieta onívora.
Com o objetivo de reunir dados consistentes, seguros e imparciais sobre o vegeta-
rianismo, este livro se mantém um grande aliado para leigos ou profissionais de saúde
como fonte de informações científicas seguras.
Boa leitura!

Dr. Eric Slywitch

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Introdução ao vegetarianismo

“Vegetariano” vem do latim vegetus, Compartilhamos o mesmo planeta


que significa “forte, robusto, vigoroso”. com outros seres, que possuem os mes-
Ser vegetariano significa ter como prin- mos direitos de usufruir desse local. Os
cípio não comer produtos que implica- animais são sencientes e, por essa razão,
ram na morte de qualquer ser do reino têm a capacidade de se defender da dor e
animal. Assim, se você parar de comer a habilidade de experimentar alegria. Nós,
todo tipo de carne (de boi, frango, porco, seres humanos, às vezes, não vemos isso
cabrito, peixes, frutos do mar) será consi- por falta de sensibilidade ou preferimos
derado vegetariano. não encarar o fato porque temos interes-
ses sobre o uso dos animais no dia a dia.
Além dessa questão, consideramos
nesse contexto os motivos religiosos, uma
Por que uma pessoa vez que o vegetarianismo faz parte dos
se torna vegetariana? princípios éticos de algumas religiões,
como o hinduísmo e o adventismo.
Existem três princípios básicos que Para se ter uma ideia, no Brasil, o prin-
podem fazer com que uma pessoa adote cipal motivo que leva as pessoas a se tor-
uma alimentação vegetariana: ética, narem vegetarianas é a questão ética. Isso
saúde e meio ambiente. se constitui como um juízo de valor, algo
que não deve ser contestado em atendi-
Motivos éticos mento médico ou nutricional.
Grande parte das pessoas torna-se vege-
tariana por considerar que os animais têm Motivos relacionados à saúde
o mesmo direito à vida e à proteção contra Uma alimentação sem carne traz
o sofrimento do que as pessoas, comple- benefícios ao organismo, o que já foi
tando seu ciclo de existência sem a interfe- demonstrado em inúmeras pesquisas
rência negativa das atitudes humanas. científicas; falo mais sobre isso adiante.

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Alimentação sem carne

Estudos internacionais apontam que Alimentação e a Agricultura (FAO, na


o cuidado com a saúde é a razão que sigla em inglês). A instituição também
leva a maior parte das pessoas a adotar estima que a pecuária emita mais gases
a alimentação vegetariana. No entanto, de potencial efeito estufa do que os
esse dado acaba sendo viciado, pois meios de transporte.
envolve grupos que são incentivados a Cerca de 80% do milho e da soja
seguir a dieta vegetariana para melho- plantados no Brasil são destinados à
rar a condição de saúde, e não como alimentação de animais. Isso torna
uma opção espontânea. No Brasil, esse a pecuária uma atividade ainda mais
não é o principal motivo de adesão ao devastadora, porque esses grãos são cul-
vegetarianismo. tivados em larga escala para alimentar
animais que, depois de alguns anos de
Motivos relacionados ao meio vida, terão sua carne comercializada.
ambiente Nesse processo, os animais sofrem uma
A consciência de que a criação indus- enorme perda de energia, pois parte das
trial de animais causa forte impacto quilocalorias consumidas se dissipa em
ambiental negativo, tanto localmente suas atividades metabólicas básicas, e o
quanto para o planeta, é uma razão cres- restante constitui seu organismo físico.
cente para a adoção do vegetarianismo. Em outras palavras, o uso de carne
A devastação de florestas, a deser- como fonte alimentar representa uma
tificação do solo, a poluição gerada ineficiência do ponto de vista da produ-
com consequente contaminação de ção de alimentos. Por outro lado, o cul-
mananciais aquíferos, a distribuição e a tivo de vegetais representa uma produti-
ocupação de terras sem planejamento, vidade muito maior e em espaço menor.
a menor criação de empregos, entre Não há interesse político em mostrar
outras práticas observadas atualmente, esses dados no Brasil. Nas eleições de
geram impactos na produção de carne. 2014, vimos que o maior patrocinador
Sabemos que manter a floresta intacta das campanhas políticas dos três princi-
favorece a formação de chuvas e que as pais presidenciáveis foi uma indústria da
alterações climáticas, que temos visto carne. A candidata reeleita, por exemplo,
com cada vez mais frequência, estão recebeu dessa empresa mais da metade
diretamente ligadas à forma que trata- dos valores que custearam sua campa-
mos o meio ambiente. nha. Da mesma forma, muitos canais de
Um dado que ilustra essa situação é televisão têm a indústria da carne entre
o de que o avanço da pecuária é respon- seus principais patrocinadores. Por isso,
sável por 70% da área desmatada da não espere informações a respeito dos
Floresta Amazônica, de acordo com a impactos negativos da pecuária na maio-
Organização das Nações Unidas para a ria das mídias.

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Introdução ao vegetarianismo

No site da Sociedade Vegetariana Lactovegetariano: não come carne


Brasileira (www.svb.org.br), é pos- nem ovo, mas ingere laticínios, como o
sível encontrar informações mais nome sugere. Grande parte desses indi-
detalhadas sobre o vegetarianismo víduos não consome ovos por não gostar
e sobre o impacto ecológico da do sabor, por nunca terem desenvolvido
criação de animais para o consumo o hábito de consumi-los ou por razões
humano. religiosas, já que o ovo (fecundado) seria
uma vida em potencial.
Ovovegetariano: não come carne,
leite e laticínios. Ingere ovo. São poucos
Tipos diferentes de dietas os indivíduos que seguem esse padrão
vegetarianas alimentar.
Vegetariano estrito: não come ne-
Além de não comer carne, algumas pes- nhum alimento derivado de animais
soas vão mais longe e deixam de consumir (ovos, laticínios, mel, etc.). Após os ovo-
leite e derivados, ovos e outros alimentos lactovegetarianos, o vegetariano estrito é
de origem animal, como o mel. Assim, exis- o mais comum de ser encontrado.
tem diferentes tipos de dietas vegetarianas. Vegano: adaptação do inglês “vegan”,
Todas elas têm dois pontos em comum: o termo indica quem vai além de adotar
utilizar alimentos do reino vegetal e jamais uma alimentação vegetariana estrita; é
ingerir carnes. Resumidamente temos os um indivíduo que também não utiliza
seguintes grupos: outros tipos de produtos oriundos de ou
Ovolactovegetariano: não come testados em animais, como lã, couro, seda,
carne, porém aceita o consumo de ovos pele, cosméticos ou cujos derivados sejam
e laticínios. Essa é a opção da maioria um dos componentes. Segundo a Vegan
dos vegetarianos que encontramos nos Society, instituição do Reino Unido que
estudos científicos e que chegam ao meu fornece informações e orientações sobre
consultório. vários aspectos dessa prática, “o vega-
nismo é um modo de viver que busca
excluir, na medida do possível e praticá-
vel, todas as formas de exploração e trata-
mento cruel de animais na alimentação,
vestuário ou qualquer outra finalidade”.
Em termos nutricionais, não faz diferença
a subclassificação vegano ou vegetariano
estrito. Assim, neste livro, chamo de vega-
nos os indivíduos que não se alimentam
de nenhum derivado animal.

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Alimentação sem carne

Outros grupos: há vegetarianos que nas os tipos de alimentos utilizados, e não


utilizam apenas alimentos crus (cru- a quantidade consumida. Assim, pode
dívoros). Outras correntes podem ser acontecer de um vegetariano estrito inge-
vegetarianas ou não, como a macrobió- rir mais cálcio que um lactovegetariano.
tica – nesse estilo de vida, os alimentos Da mesma forma, um vegetariano pode
crus raramente são utilizados, e alguns consumir mais proteína que um onívoro.
praticantes admitem a ingestão de car- É fácil observar isso no dia a dia: duas pes-
nes brancas (frango ou peixe) espora- soas onívoras não seguem o mesmo car-
dicamente, mas não utilizam laticínios. dápio e, portanto, não têm uma ingestão
Alguns vegetarianos usam apenas ali- similar de nutrientes.
mentos orgânicos ou integrais e evitam As dietas vegetarianas não têm um pro-
tudo o que é industrializado. Outros tocolo que leve seus praticantes a come-
não se preocupam tanto com os aspec- rem os mesmos alimentos e nas mesmas
tos de saúde e não fazem discriminação proporções. Assim, para profissionais
entre integrais e refinados. Também há de saúde, o importante, ao receber um
vegetarianos que consomem álcool e até paciente no consultório, é saber que o
mesmo fumam. Há os praticantes de ati- rótulo serve apenas para indicar o que
vidades físicas e os sedentários. pode ou não ser prescrito no seu cardápio.
Vale uma menção ao semivegetariano, Sem uma avaliação detalhada dos hábitos
que come carne (geralmente branca) alimentares e do metabolismo do indiví-
em menos de três refeições por semana. duo, é impossível saber se há alguma defi-
Esse indivíduo não é vegetariano, mas ciência ou excesso nutricional.
onívoro, ou seja, come qualquer tipo de Outro aspecto a ser ressaltado é que
alimento. A criação desse termo ganha muitos ovolactovegetarianos têm a
importância à medida que estudos cien- intenção de, em algum momento, se tor-
tíficos são feitos para avaliar a saúde de narem vegetarianos estritos. Entretanto,
pessoas que comem carne, de quem não isso está longe de ser uma regra. Não há
ingere proteína animal e dos que estão uma graduação de evolução do tipo de
em situação de ingestão intermediária dieta dentro do vegetarianismo, como
(semivegetarianos). se o ovolactovegetariano fosse um faixa
É importante salientar que o “rótulo” branca das artes marciais e o vegano, um
da dieta não é capaz de indicar o real faixa preta.
estado nutricional do indivíduo. Temos a O desejo de um vegetariano estrito
tendência de pensar, por exemplo, que um voltar a ser ovolactovegetariano, ou
lactovegetariano, pela presença de laticí- mesmo onívoro, costuma acontecer
nios na dieta, vai ingerir mais cálcio que quando o meio social se torna excessi-
um vegetariano estrito. Isso nem sempre vamente hostil, dificultando reuniões
é verdade, afinal esse “rótulo” nos diz ape- sociais ou mesmo a convivência har-

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Introdução ao vegetarianismo

moniosa no ambiente de trabalho ou a comer carne. No meu livro Virei vege-


familiar. Mas a maioria dos indivíduos tariano. E agora?, explico praticamente
nessa condição, especialmente se ado- todas as dificuldades que podem ocorrer
tou o vegetarianismo por motivos éticos, com o vegetariano e dou dicas para esca-
como vimos anteriormente, não volta par das saias justas.

DIETA E DIVERSIDADE

Existem diversos tipos de práticas dietéticas vegetarianas, assim como diferentes moti-
vos para uma pessoa aderir a esse tipo de alimentação. Da mesma maneira, há vege-
tarianos coerentes, incoerentes, agradáveis, desagradáveis, bom caráter, mau-caráter,
com saúde, doentes, empregados, desempregados, ricos, pobres...
Não discrimine o vegetariano como membro de um grupo de pessoas estereotipadas,
que têm os mesmos hábitos, pensamentos e atitudes. As pessoas são diferentes! A
diversidade de comportamento, crenças e atitudes está presente em toda a sociedade.
Isso é intrínseco à natureza humana.
Nesse ponto, a frase do Dalai Lama é muito pertinente: “Sentimento de superioridade
que resulta em depreciação é, afinal de contas, orgulho ou presunção, uma poderosa
mancha mental”.
Como seres humanos, diversas facetas do nosso desenvolvimento pessoal são tra-
balhadas. Algumas pessoas têm um desenvolvimento intelectual admirável, mas são
pobres no desenvolvimento afetivo, e vice-versa. Outras conseguem olhar para os ani-
mais e sentir a compaixão que as fazem transformar seus próprios hábitos e até colocar
em xeque seus relacionamentos pessoais. Outras têm mais dificuldade para fazer esse
tipo de transformação.
Nosso desenvolvimento pessoal não é como uma escola regular, em que a cada ano
devemos nos apossar de um conhecimento específico para chegar ao final do curso
com um leque de conhecimentos bem incorporados. Na vida, os desafios se apresentam
sem uma sequência predefinida, o que faz com que, por exemplo, pessoas de mesma
idade tenham atitudes diferentes com relação ao mesmo assunto. Há onívoros que
ignoram a dor dos animais que ingerem e são extremamente afetivos com outros seres
humanos. Há vegetarianos que são sensíveis à questão animal, mas totalmente insen-
síveis ao sofrimento humano.
Ser vegetariano contribui para reduzir o sofrimento animal, independentemente do moti-
vo que levou a pessoa a adotar esse estilo de vida, mas isso não faz dela um ser iluminado.

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Alimentação sem carne

A dieta vegetariana traz cula é duas vezes menor do que das


benefícios à saúde? onívoras.
• A redução da incidência de obe-
Existem muitos artigos científicos sidade, um problema mundial-
publicados a respeito da saúde dos vege- mente preocupante, é clara entre os
tarianos. O objetivo deste livro não é vegetarianos.
esgotar o assunto, mas, para matar a • As chances de desenvolver câncer
curiosidade, vou descrever, resumida- do intestino grosso ou de próstata
mente, alguns achados desses estudos. são, respectivamente, 88% e 54%
maiores para quem consome carne
• A alimentação vegetariana reduz vermelha ou branca.
em 31% as mortes por infarto em
homens, na comparação com aque- Nesse contexto de saúde, é impor-
les que comem carne. No caso das tante considerar dois pontos. O primeiro
mulheres vegetarianas, a diminui- é que os estudos científicos apontam um
ção é de 20%. padrão de alimentação melhor nos vege-
• O índice de mortalidade por tarianos, o que tende a levar aos resulta-
doença cardíaca é menor nos vege- dos positivos encontrados. Mas, como
tarianos em relação aos semivege- a indústria das porcarias vegetarianas já
tarianos (no estudo, considerados está presente no mercado de consumo, se
como consumidores de carne uma esse grupo adotar uma alimentação mais
vez por semana). industrializada, parte desse efeito prote-
• Os níveis sanguíneos de colesterol tor da dieta será perdido.
são, geralmente, 14% mais baixos em Uma alimentação vegetariana de qua-
ovolactovegetarianos e 35% menores lidade se dá, em boa parte, por meio de
em veganos do que nos onívoros. um cardápio constituído por alimentos
• A pressão arterial dos vegetarianos naturais e integrais. Uma dieta vege-
é menor que a dos onívoros, com tariana estrita que prioriza alimentos
redução de 5 a 10 mmHg. processados e refinados pode ser muito
• Os vegetarianos têm redução de até menos saudável do que uma dieta oní-
50% do risco de apresentar diver- vora composta, exclusivamente, por ali-
ticulite, doença que atinge, princi- mentos naturais e integrais.
palmente, o intestino grosso.
• O risco de apresentar diabetes é
50% menor nas pessoas que optam
por uma dieta vegetariana.
• A probabilidade de as mulheres
vegetarianas terem pedras na vesí-

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Introdução ao vegetarianismo

O segundo ponto é observar o impacto Os prebióticos são compostos


da presença de carne, ovos e laticínios em com propriedades semelhantes às
uma dieta onívora bem planejada e veri- das fibras, que auxiliam também
ficar que, mesmo assim, ela será menos na redução dos níveis de coleste-
saudável que a vegetariana com alimentos rol. Eles estimulam o crescimento
naturais e integrais. Em 2014, foi lançado de espécies benéficas de bactérias
o novo Guia alimentar para a população no intestino, como bifidobacté-
brasileira do Ministério da Saúde, que não rias e lactobacilos.
traz proporções sugeridas de ingestão de
grupos alimentares. Portanto, para esse Como em qualquer dieta, a adequa-
raciocínio, utilizamos o que era descrito ção nutricional dependerá da escolha dos
no guia anterior, que contempla as por- alimentos que fornecem esses nutrien-
ções. Considerando o uso de uma única tes. A posição da American Dietetic
porção de carne (máximo 100 g) e três de Association (ADA) desde 1993 é a
laticínios, vemos que 25% do valor caló- seguinte: “Dietas veganas e ovolactove-
rico total da dieta vem desses dois grupos getarianas bem planejadas são adequadas
alimentícios. Se o indivíduo trocá-los a todos os estágios do ciclo vital, inclusive
por alimentos de origem vegetal, ele já durante a gravidez e a lactação. Dietas
aumenta em 25%, pelo menos, a ingestão veganas e ovolactovegetarianas adequa-
de fitoquímicos – substâncias vegetais damente planejadas satisfazem as neces-
que protegem contra todas as doenças sidades nutricionais de bebês, crianças e
crônicas não transmissíveis. adolescentes e promovem o crescimento
normal”. Em 2003, a ADA, em conjunto
com a Associação de Nutricionistas do
Canadá, publicou um novo parecer, no
A dieta vegetariana é qual essas afirmações são mantidas. Nele,
adequada do ponto de vista está incluída a seguinte orientação: “Os
nutricional? profissionais da nutrição têm a respon-
sabilidade de apoiar e encorajar os que
Uma alimentação adequada é aquela demonstram interesse pelo consumo de
que fornece todos os nutrientes necessá- uma dieta vegetariana”.
rios para a manutenção da saúde, sem falta Frente a todos os benefícios vistos
nem excessos. Além disso, a dieta saudável na prevenção de doenças crônicas não
contempla a utilização de prebióticos e transmissíveis, seria no mínimo estranho
fitoquímicos, compostos benéficos pre- pensar que uma dieta capaz de promover
sentes naturalmente nos alimentos vege- resultados tão impactantes seria consi-
tais e que podem modular o funciona- derada deficiente. Vale lembrar que esse
mento do organismo. padrão alimentar deve ser seguido a vida

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Alimentação sem carne

toda, ou, pelo menos, por um período bas- nível. No capítulo sobre a vitamina B12,
tante prolongado para que esses ganhos exploro em detalhe esse aspecto.
sejam efetivados.

A dieta vegetariana é estrita


ou restrita?

Algumas pessoas pensam que, pelo


fato de utilizar menos grupos alimenta-
res, o cardápio vegetariano se torna mais
pobre. Isso não é verdade. Os alimentos Ao ingerir um nutriente,
usados para a obtenção dos nutrientes estou bem nutrido dele?
em uma dieta vegetariana estrita são
muito mais diversificados do que os inge- Desde a infância aprendemos que
ridos normalmente por onívoros. Isso sim, mas na prática não funciona dessa
demonstra que a dieta vegetariana estrita maneira. Vamos recordar o conceito de
não é restrita. No capítulo referente à ela- biodisponibilidade, porque falaremos
boração do cardápio, isso será exposto de bastante nisso daqui em diante:
forma bastante nítida.
Biodisponibilidade é a quanti-
dade de nutriente presente no ali-
mento e que está disponível para
Existem cuidados especiais absorção.
ao se adotar a dieta
vegetariana? Há uma forte integração do nutriente
com seu veículo (o alimento e seus fato-
Nas dietas ovolacto e lactovegetariana res antinutricionais) e com o organismo
bem planejadas, todos os nutrientes de que o recebe (processo digestivo, absor-
que necessitamos podem ser obtidos por ção, transporte e distribuição, utilização
meio dos alimentos. e perda do nutriente).
A vitamina B12 é o único nutriente que Portanto, é possível ingerir um nutri-
pode estar insuficiente em uma alimen- ente em quantidade até superior à reco-
tação vegetariana estrita, mesmo se bem mendação nutricional, mas apresentar
planejada. Isso não significa que o vege- deficiência dele. Isso é especialmente ver-
tariano estrito terá carência dessa subs- dade no caso do ferro e da vitamina B12.
tância e o onívoro apresentará um ótimo Confira mais nos respectivos capítulos.

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Introdução ao vegetarianismo

Como é o consumo são chamados de macronutrientes. São


de nutrientes na dieta eles: o carboidrato (4 kcal/g), a proteína,
vegetariana? animal ou vegetal (4 kcal/g) e a gordura
(9 kcal/g). Em geral, recomenda-se que
Para não ter mais dúvidas de que a aproximadamente 60% das quilocalorias
dieta vegetariana é adequada nutricio- da refeição sejam compostas de carboi-
nalmente, revisei mais de 250 trabalhos dratos, 15% de proteínas e 25% de gor-
científicos sobre a ingestão de nutrientes duras. Diversos autores consideram que
por vegetarianos e onívoros em diversos a dieta vegetariana é mais adequada para
países. A seguir, abordo informações atingir essa recomendação.
sobre os nutrientes analisados nesses A maioria dos estudos mostra que
estudos, com exceção daqueles para os os onívoros ingerem mais calorias que
quais dedico capítulos especiais neste os vegetarianos. É, provavelmente,
livro. Esses dados podem ser vistos como por esse motivo que há mais obesos no
uma fotografia de centenas de estudos grupo das pessoas que comem carne.
científicos e analisados com muito crité- No meu livro Emagreça sem dúvida,
rio pelo fato de não haver padronização temos uma conversa detalhada sobre
na dieta vegetariana. Assim, é possível obesidade. Pelo fato de ingerir mais
ingerir alimentos com composição de frutas, legumes e verduras, o consumo
nutrientes completamente diferentes de fibras entre os vegetarianos costuma
do que os estudos mostram, seja em uma ser maior. Essa pode ser uma das possí-
dieta onívora, seja em uma vegetariana. veis explicações para a menor ingestão
Outra consideração importante nesse de energia entre esse grupo, porque as
aspecto é que os nutrientes de atenção na fibras estimulam a saciedade e interfe-
dieta vegetariana (lembrando que tam- rem na absorção de gorduras.
bém há pontos de atenção na alimentação Por outro lado, também é possível
onívora) podem ser facilmente medidos para um vegetariano aumentar a inges-
por meio de exames laboratoriais, o que tão de nutrientes a ponto de ultrapassar
a torna muito segura. Portanto, se você a quantidade de calorias ingeridas por
tem dúvidas sobre o seu estado nutricio- um onívoro. Ou seja, o consumo de calo-
nal, basta dosar os elementos no sangue. rias ou o risco de obesidade depende das
Um profissional de saúde com conheci- escolhas dos alimentos e da quantidade, e
mento apurado na área pode fazer uma não do simples fato de adotar um deter-
avaliação com muita segurança. minado padrão alimentar.
Os vegetarianos ingerem, percentual-
Energia mente, mais carboidratos que os onívo-
Os nutrientes da alimentação que for- ros. Isso é benéfico e, até mesmo, mais
necem energia (calorias) ao indivíduo adequado à prática de atividades físicas,

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Alimentação sem carne

já que essa quantidade não é excessiva. Por ingerir somente alimentos de


Além disso, geralmente os carboidratos origem vegetal, os vegetarianos comem
ingeridos na dieta vegetariana são do tipo mais fibras que os onívoros – algumas
complexo (presentes em alimentos não vezes mais que o dobro. A dieta onívora
processados), cuja absorção é mais lenta e quase sempre está associada a um baixo
não eleva tanto o nível de açúcar do san- consumo de fibras e quase nunca atinge
gue (glicemia). Os carboidratos comple- o valor recomendado caso não se uti-
xos são, por esse motivo, recomendados lize alimentos integrais. Estes fornecem
aos diabéticos. Não é à toa que os estudos quantidade maior de fibras e de diversos
sobre diabetes e cuidados com a glicemia micronutrientes quando comparados
mostram, praticamente em sua totali- aos refinados.
dade, melhora da condição ao adotar uma
dieta vegetariana, especialmente a estrita. Micronutrientes
Diferentemente do que muitos pen- São nutrientes essenciais para a saúde,
sam, a dieta vegetariana não é pobre em mas de que o organismo precisa em quan-
gorduras (lipídios), apesar de os vegetaria- tidade reduzida, como vitaminas e mine-
nos ingerirem menos gorduras do que as rais. Ao contrário dos macronutrientes,
pessoas que comem carne. Na verdade, a não fornecem energia e, portanto, não
alimentação vegetariana apresenta menos engordam. As vitaminas e os minerais
gordura saturada e mais gordura do tipo têm diversas funções no organismo.
poli-insaturada do que a onívora. Abordo Como não conseguimos produzi-los, é
isso no capítulo sobre ômega-3 – que é preciso obtê-los pela alimentação.
um ácido graxo muito importante para a De forma geral, o que chama a atenção
saúde – e discorro a respeito da ingestão neste tópico é que os vegetarianos, quase
de proteínas vegetais no capítulo sobre sempre, ingerem vitaminas em quanti-
proteínas. dades significativamente maiores que
os onívoros. É o caso da vitamina C, E,
Fibras betacaroteno (precursora da vitamina A)
As fibras alimentares são compostos e ácido fólico (também chamada de B9).
de origem vegetal não absorvidos pelo Uma nítida vantagem já comprovada em
organismo. São muito importantes para diversos estudos é que o organismo dos
a saúde, porque têm o poder de regular o vegetarianos tem maior poder de neu-
trânsito intestinal e alterar a absorção de tralizar os radicais livres, compostos que,
alguns nutrientes (especialmente gordu- em excesso, são deletérios ao organismo,
ras) e compostos tóxicos ao organismo. implicados no surgimento e na progressão
As fibras também têm a capacidade de de diversas doenças e no envelhecimento.
modificar a flora intestinal e aumentar a Quanto às demais vitaminas, as quan-
saciedade. tidades ingeridas costumam ser variáveis,

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Introdução ao vegetarianismo

mas também dependem das escolhas A ingestão de sódio também deve ser
alimentares. É perfeitamente possível, controlada, já que seu excesso pode pro-
em qualquer tipo de dieta, ingerir mais vocar hipertensão em alguns indivíduos,
ou menos vitaminas que o necessário. além de perda de cálcio pela urina. A
Assim, os vegetarianos não apresentam Organização Mundial da Saúde (OMS)
risco de deficiência vitamínica maior recomenda ingestão de 2.000 mg de
que os onívoros, exceto, teoricamente, sódio por dia, o que equivale a menos de
em relação à vitamina B12 na dieta vege- 5 g ou uma colher de chá de sal de cozi-
tariana estrita. nha comum. No entanto, vegetarianos e
Já os minerais merecem considera- onívoros ingerem muito mais sódio do
ções especiais. O selênio, por exemplo, que necessitam. No Brasil, diferentes
é importantíssimo para o sistema antio- estudos mostram que as pessoas conso-
xidante do organismo. O sódio participa mem de 4.700 mg a 9.600 mg de sódio,
da manutenção do equilíbrio de água. O ou seja, mais do que o dobro do con-
iodo, por sua vez, é essencial para o fun- sumo diário recomendado. Somando o
cionamento da glândula tireoide. sal utilizado nas refeições ao dos produ-
Tanto vegetarianos quanto onívo- tos industrializados, esse número pode
ros devem priorizar a ingestão de selê- chegar a 12.000 mg/dia.
nio. Nos vegetais, o teor desse mineral Por outro lado, estudos realizados
depende da proporção encontrada no com índios (que não adicionam sal aos
solo. Por exemplo: os alimentos cultiva- alimentos) revelam uma ingestão diária
dos no Norte, no Sul e no litoral do Brasil menor que 500 mg de sódio, sem que
são ricos em selênio, o que não ocorre no isso acarrete nenhum distúrbio à saúde.
Sudeste e no Centro-Oeste. Portanto, não há problema algum se
Uma castanha-do-pará contém de você reduzir a ingestão de sódio abaixo
60 mcg a 87 mcg de selênio, o que é sufi- dos padrões recomendados pela OMS.
ciente para ultrapassar as necessidades Assim, a orientação da OMS não repre-
diárias (55 mcg) do adulto. Seus efei- senta uma meta para obter a quantidade
tos tóxicos ocorrem quando se excede a suficiente de sódio para cobrir as perdas
ingestão diária de 850 mcg por dia, ou corporais. A questão está totalmente
seja, quando comemos, cronicamente, relacionada ao nosso paladar, que já está
mais de dez castanhas por dia. viciado em alimentos salgados. Por isso,
temos dificuldade para sentir o sabor dos
alimentos com menos sal.
Por fim, os alimentos ricos em iodo
são aqueles cultivados próximos ao mar
ou provenientes dele (peixes e algas).
Os vegetarianos ou onívoros que

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Alimentação sem carne

comem algas apresentam alta ingestão Conclusões


de iodo. O pão também pode ser fonte
do nutriente, pois alguns estabiliza- A dieta vegetariana pode fornecer
dores de massa contêm iodo. Estudos todos os nutrientes necessários para
internacionais indicaram baixa inges- a saúde. Apesar de a ingestão calórica
tão de iodo por veganos que não con- dos vegetarianos, em geral, ser menor
somem sal iodado. No Brasil, teorica- do que a dos onívoros, a quantidade de
mente, não há motivo para preocupa- vitaminas e minerais consumida é igual
ção nesse sentido, já que é obrigatória, ou maior; além disso, estudos científicos
por lei, a adição de 15 mg a 45 mg de mostram que a qualidade dos alimentos
iodo para cada 1 kg de sal destinado ao utilizados pelos vegetarianos é melhor.
consumo humano. Isso significa que, Ao contrário do que muitos pen-
ao usar 5 g de sal (uma colher de chá) sam, um cardápio sem carne ou produ-
comum por dia, ingerimos de 75 mcg tos de origem animal não influencia na
a 225 mcg de iodo, alcançando com obtenção dos nutrientes; o que importa
facilidade a dose diária recomendada é a escolha dos alimentos consumidos.
de 150 mcg/dia. Lembre-se: o que você ingere é o que tor-
O alimento que não recebe iodo deve nará a dieta mais ou menos adequada, é
conter no rótulo a seguinte mensagem: o que fará a dieta vegetariana ser melhor
“Contém sal não iodado”. Essa medida ou pior do que uma onívora.
é adotada pelo fato de a deficiência de Se você busca uma alimentação atenta
iodo, mais comum em regiões distantes aos impactos éticos, ambientais e tam-
do litoral, causa bócio (“papo”), aumenta bém que melhore a saúde e a qualidade
a incidência de deficiência mental (cre- de vida, é fundamental optar por ali-
tinismo) em crianças, diminui a capaci- mentos naturais e integrais; os refina-
dade de concentração e de aprendizado, dos e industrializados são prejudiciais à
reduz a fertilidade, causa abortos, mal- saúde. Além disso, independentemente
formação congênita e parto prematuro e da orientação de sua dieta, prefira sempre
aumenta a mortalidade infantil. produtos orgânicos e não transgênicos.

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