Você está na página 1de 6

JBMEDE 2022;2(1):e22002

Revisão de Tema

Contraindicações e complicações do uso da ventilação não


invasiva no Departamento de Emergência: Revisão da Literatura

Lucas Certain1*
¹ Médico do SAMU 192 Regional Bragança, São Paulo, Brazil.
* Autor correspondente. Endereço de e-mail: lucas_certain@hotmail.com

RESUMO
Introdução: A VNI consiste em se pressurizar as vias aéreas com o uso de uma interface paciente-
ventilador externa. Compreendendo que a VNI é uma importante estratégia de suporte ventilatório, torna-
se relevante identificar possíveis contraindicações e complicações dessa técnica. Método: Foram
considerados artigos científicos publicados nos últimos 10 anos, utilizando fontes nacionais e
internacionais, com a seguinte estratégia de busca: (NIV OR non-invasive OR noninvasive OR artificial)
AND (ventilation OR respiration OR breathing) AND positive AND pressure AND emergency AND
(contraindication OR complication), em inglês e português. Resultados: Foram identificados 22 artigos
que responderam à estratégia de busca. Destes, 13 foram eliminados, restando 9 artigos para revisão.
Conclusões: A VNI pode levar a um colapso do sistema cardiovascular quando não realizada
adequadamente. Pacientes com estado mental alterado são considerados contraindicação à VNI, e
recomenda-se que esta não seja realizada em pacientes com Escala de Coma de Glasgow inferior a
10,34. Outros problemas relacionados à VNI são redução da salivação, escape de ar, falta de sincronia
entre o paciente e o aparelho de ventilação artificial, formação de úlceras por pressão relacionadas à
própria interface respiratória, além de distensão e desconforto gástrico.

Palavras-chave: Emergência; Ventilação Não-Invasiva; VNI; Complicações; Contraindicações.

Introdução divulgada, principalmente com a utilização para os


portadores de síndrome da apneia obstrutiva do sono.
A partir de meados da década de 2010, a VNI passou
Muitos pacientes se apresentam no
a ser utilizada no atendimento de vítimas em
Departamento de Emergência (DE) com desconforto
sofrimento respiratório nos cenários pré-hospitalar,
respiratório ou insuficiência respiratória, seja aguda
home care, sala de emergência, enfermaria e
ou crônica agudizada. Para auxílio desses doentes,
unidades de terapia intermediária e intensiva².
existem duas estratégias de suporte ventilatório,
Na sala de emergência, a VNI ainda
sendo que ambas, atualmente, utilizam pressão
é pouco empregada, porém o manejo adequado das
positiva nas vias aéreas. A diferença básica está na
vias aéreas e o conhecimento em terapia respiratória
invasibilidade ou não da traqueia, isto é, se é
são pilares do atendimento de médicos
colocada uma cânula com ou sem cuff além da
emergencistas. A prevalência de pacientes que
abertura da via aérea inferior do paciente1,2.
poderiam se beneficiar dessa técnica no DE é alta,
A Ventilação Não Invasiva (VNI)
entretanto, a falta de familiaridade, de treinamento, de
começou a ser utilizada na história da Medicina no
conhecimento e de equipamentos são os principais
século passado, entre os anos de 1930 a 1950,
fatores para a não utilização do método³.
mediante surto de poliomielite da época. Inicialmente
A VNI consiste em se pressurizar as
empregada como pressão negativa, os chamados
vias aéreas com o uso de uma interface paciente-
pulmões de aço, a técnica foi sendo aprimorada, até
ventilador externa, podendo-se aplicar um ou dois
que nos anos 1980, a VNI passou a ser mais

DOI: 10.54143/jbmede.v2i1.66
2763-776X © 2022 Associação Brasileira de Medicina de Emergencia (ABRAMEDE). This is an Open Acess
article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted
use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original article is properly cited (CC-BY).
Certain Contraindicações e complicações do uso da ventilação não invasiva no Departamento de Emergência: Revisão da Literatura

níveis pressóricos. Quando se utiliza dois níveis de ventilação invasiva. Neste cenário, estão agrupadas a
pressão, temos um nível de suporte na inspiração asma, a síndrome do desconforto respiratório agudo,
(IPAP – inspiratory positive airways pressure) e outro a pneumonia adquirida na comunidade, a falência
ao final da expiração (EPAP ou PEEP – expiratory respiratória pós extubação, o desmame ventilatório,
positive airways pressure). Quando se utiliza apenas os doentes sem indicação de intubação (paliativos),
um nível de pressão, é fornecida apenas a EPAP ou as bronquiectasias, a fibrose cística, as doenças
PEEP. Além de suporte pressórico, variadas frações intersticiais e as restritivas pulmonares1,2,4,5,7.
inspiradas de oxigênio (FiO2) são oferecidas para se Compreendendo que a VNI é uma
adequar a saturação arterial de oxigênio acima de importante estratégia de suporte ventilatório que deve
92%1,2. ser aprendida e difundida entre os médicos que
A escolha da interface é primordial para o seu atendem pacientes críticos no Departamento de
funcionamento, sendo que devem ser considerados o Emergência, torna-se relevante identificar possíveis
formato do rosto, o conforto do paciente e o tempo de contraindicações e complicações dessa técnica, pois
utilização do dispositivo. As interfaces disponíveis são assim será possível, por meio de evidências
a nasal, a oronasal, a total, além de peças bucais e científicas, orientar de forma mais assertiva a prática
capacetes, sendo a máscara oronasal a primeira médica.
escolha e mais comumente utilizada1, 2, 5. Este estudo tem como objetivo realizar uma
As indicações para o uso da VNI são revisão da literatura especializada, buscando
baseadas em critérios clínicos e laboratoriais, como a selecionar trabalhos nacionais e internacionais que
deterioração das trocas gasosas com saturação de abordem as contraindicações e complicações da VNI
oxigênio menor que 92%, a falência da bomba no Departamento de Emergência
respiratória com hipercapnia e acidose respiratória, a
dispneia com uso de musculatura acessória ou Método
respiração paradoxal, e a taquipneia com frequências
acima de 24 incursões por minuto1, 2, 4.
Trata-se de uma revisão narrativa de
Uma série de trabalhos demonstrou
literatura incluindo publicações científicas em
os benefícios do uso da VNI. Em termos de
periódicos. Foram considerados os artigos científicos
vantagens fisiopatológicas, destacam-se a abertura
publicados nos últimos 10 anos, compreendendo o
das vias aéreas e de alvéolos com redução de
período de 2010 a 2020, nos idiomas português e
atelectasias, a diminuição do esforço respiratório, a
inglês, utilizando como fontes de pesquisa as bases
melhora das trocas gasosas com correção da
de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval
hipoxemia e da hipercapnia, a redução do auto-
System Online (PUBMED / MEDLINE), Literatura
PEEP, a melhora da complacência pulmonar, e a
Latinoamericana e do Caribe em Ciências da Saúde
redução da pré e pós carga do ventrículo esquerdo.
(LILACS) e biblioteca digital Scientific Eletronic
Esses mecanismos proporcionam efeitos diretos na
Library Online (SciELO).
redução de internações e custos hospitalares,
As estratégias de busca utilizadas
menores índices de infecções nosocomias, de lesões
foram as seguintes: (NIV OR non-invasive OR
de estruturas da via aérea, de necessidade de
noninvasive OR artificial) AND (ventilation OR
intubação orotraqueal, e principalmente, redução de
respiration OR breathing) AND positive AND pressure
mortalidade1,2,4,5,6.
AND emergency AND (contraindication OR
Edema agudo de pulmão
complication), em inglês, e (não-invasiva OR “não
cardiogênico, doença pulmonar obstrutiva crônica
invasiva” OR artificial) AND (ventilação OR
(DPOC) exacerbada e pacientes imunossuprimidos
respiração) AND pressão AND positiva AND
que se apresentam com dispneia e hipoxemia são as
emergência AND (contra-indicação OR
situações que mais se beneficiam do uso da VNI.
contraindicação OR complicação). Vale ressaltar que
Essas etiologias demonstraram em estudos uma
estes termos foram testados a priori na plataforma
redução da necessidade de intubação orotraqueal
Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), para os
(46-56% no edema agudo de pulmão cardiogênico e
termos em português, e no Medical Subject Headings
60% no DPOC exacerbado) e de mortalidade (36%
(MeSH), para os termos em inglês.
no edema agudo de pulmão cardiogênico e 50% no
Após identificar os artigos científicos
DPOC exacerbado)1,2,4,5,6,7. Outras situações ainda
nas bases de dados mencionadas, foram avaliados
estão sendo pesquisadas, sendo que a VNI pode ter
os títulos e resumos dos trabalhos, de modo a
um papel desde que não postergue a indicação de

2 JBMEDE 2022;2(1):e22002
Certain Contraindicações e complicações do uso da ventilação não invasiva no Departamento de Emergência: Revisão da Literatura

selecionar os artigos que farão parte da amostra. Em gástrica. A conclusão dos autores foi que, se uma
seguida, os artigos que atenderem ao objetivo do inspeção radiográfica prévia do tórax tivesse sido
estudo foram inseridos em biblioteca eletrônica e realizada, a VNI não teria sido iniciada.
resumidos, incluindo seus autores, objetivos, Segundo Bein, Francksen e Steinfath (2011) 9,
características metodológicas, resultados e os dispositivos supraglóticos utilizados em vias
conclusões. aéreas, em contraste com os dispositivos de primeira
geração, como o LMA “clássico” e o tubo de laringe,
Resultados ofereciam um tubo de drenagem esofágico e / ou uma
pressão de vazamento orofaríngea aprimorada
durante a ventilação com pressão positiva, incluindo
A busca pelos artigos ocorreu no dia 27 de
as versões descartáveis desses dispositivos. Porém,
fevereiro de 2020. Após a utilização da estratégia em
os autores ressaltaram que, embora a falta de
inglês na base de dados PUBMED / MEDLINE, foram
proteção contra a aspiração ainda fosse considerada
identificados 22 artigos que responderam à estratégia
uma grande limitação, o valor terapêutico dos
de busca. Destes, 13 foram eliminados por destoarem
dispositivos de vias aéreas com um tubo de
significativamente do foco central do trabalho, e não
drenagem esofágico permanecia, naquela época,
discutirem as complicações e contraindicações
como padrão-ouro na realização de VNI com pressão
associadas à VNI. Após a busca na Scielo e na
positiva.
Lilacs, apenas um mesmo artigo foi identificado em
Segundo Oto, Imanaka e Nishimura (2011)10,
ambas as bases. Porém, o trabalho não foi incluído
a falta de umidade na cavidade da boca se mostra
na amostra visto que sua versão em inglês já havia
como uma complicação comum durante a VNI. Sendo
sido recuperada na busca anterior. Sendo assim, esta
assim, os autores mensuraram o que chamaram de
revisão contou com 9 artigos, que são apresentados
“secura oral” dos pacientes, e realizaram um estudo
na seção a seguir em ordem cronológica de
experimental para investigar fatores relacionados à
publicação.
umidificação durante a VNI. No estudo, os pacientes
foram divididos aleatoriamente em 2 grupos:
Discussão configurações média (grupo Med) e máxima (grupo
Max) do umidificador aquecido (HH). A umidade oral
Siddiqui et al. (2010)8, descreveram o caso de foi avaliada com a utilização de um dispositivo de
uma mulher fumante de 70 anos de idade, com verificação de umidade oral, e a sensação de secura
doença pulmonar obstrutiva crônica conhecida, oral foi avaliada com uma escala de classificação
recebida no setor de emergência com dificuldades numérica de 0 a 10 (NRS) às 0, 12 e 24 horas desde
respiratórias. A gasometria arterial mostrou o início da VNI, e às 12 e 24 horas após a suspensão
insuficiência respiratória com prenunciada acidose. da VNI. Experimentos foram realizado para avaliar os
Foi iniciada Ventilação Não-Invasiva (VNI) e, após 2 efeitos da pressão expiratória final positiva (PEEP),
horas, a paciente sofreu parada cardíaca. Foram da fração de oxigênio inspirado (F (I) O (2)) e do
realizados quatro minutos de ressuscitação vazamento de ar na umidade absoluta. Foram
cardiopulmonar antes do retorno da circulação avaliadas três configurações de HH: sem HH, HH na
espontânea. A radiografia de tórax mostrou uma configuração média e HH na configuração máxima. A
massa grande e repleta de ar, ocupando a maior temperatura na câmara de saída foi de 31°C a 32°C
parte do hemitórax esquerdo. Imagens transversais para o ajuste médio de HH e 38°C a 41°C para o
posteriores confirmaram um grande defeito ajuste máximo de HH. No estudo clínico, 12 pacientes
diafragmático com hérnia de todo o estômago e cólon foram designados para o grupo Med e 11 para o
no tórax. A paciente foi ventilada durante a noite na grupo Max. Como resultados, no grupo Med, a
unidade de terapia intensiva, e o estômago foi umidade oral diminuiu e o NRS aumentou
descomprimido com uma sonda nasogástrica. A significativamente em 12 e 24 horas em comparação
hipótese dos autores sugeriu que a ventilação com com a avaliação basal. No grupo Max, nem a
pressão positiva hiperinflou o estômago, aumentou a umidade oral nem o NRS mudaram ao longo do
pressão intratorácica e reduziu o enchimento período do estudo, enquanto no estudo de bancada,
ventricular, levando ao colapso cardiorrespiratório. elevado F (I) O (2), elevado PEEP e escape de ar
Ainda, a ressuscitação cardiopulmonar pode ter diminuíram a umidade absoluta para as duas
comprimido o estômago, melhorando o débito configurações de HH. Porém, os autores afirmaram
cardíaco, mas aumentando o risco de ruptura que não está claro até que ponto esses fatores

3 JBMEDE 2022;2(1):e22002
Certain Contraindicações e complicações do uso da ventilação não invasiva no Departamento de Emergência: Revisão da Literatura

afetaram a secura oral dos pacientes porque as faixas VNI, como demonstrado por uma taxa de sobrevida
de F (I) O (2) e PEEP eram estreitas. Por fim, de 83%. Por fim, afirmaram que o resultado positivo
concluíram que a secura oral era um problema foi confirmado por uma observação subsequente de
comum nos pacientes avaliados, e que a três anos, que demonstrou uma taxa de sobrevida
configuração HH afetou significativamente a global de 54%, e que esses achados sugeriam
umidificação e a secura oral durante a VNI. claramente o tratamento com VNI de pacientes idosos
Passarini et al. (2012)11, conduziram um mesmo na presença de uma ordem de não intubar.
estudo que analisou a insuficiência respiratória aguda Suzuki e Takasaki (2014)13, iniciaram o artigo
causada por edema agudo de pulmão, bem como a afirmando que a atelectasia pós-operatória deve ser
exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica, evitada em pacientes cirúrgicos com função pulmonar
tratada com VNI, para identificar os fatores comprometida. Segundo os autores, a terapia de alto
associados ao sucesso ou falha desse procedimento fluxo nasal (NHF) é capaz de fornecer oxigênio
em urgência e emergência. No estudo foram incluídos aquecido e umidificado por uma cânula nasal. Com
pacientes de ambos os sexos, com idades maiores do base nestas informações, descreveram o caso de um
que 18 anos, que utilizavam VNI devido à homem de 67 anos de idade com perfuração do
insuficiência respiratória aguda secundária ao edema aparelho digestivo superior, que foi submetido a uma
pulmonar agudo ou exacerbação crônica da doença cirurgia laparoscópica de emergência. A cirurgia
pulmonar obstrutiva. Os autores utilizaram pressões proposta foi concluída sem intercorrências. Porém, no
expiratórias entre 5 e 8 cmH2O, e pressões pós-operatório, o paciente apresentou atelectasia
inspiratórias entre 10 e 12 cmH2O. Um total de 152 maciça do lobo inferior esquerdo com dessaturação
pacientes foram incluídos no estudo, e os resultados para níveis abaixo de 90%. Após a restauração da
demonstraram que o tempo médio de VNI foi de 6 oxigenação normal por sucção traqueal e drenagem
horas (intervalo de 1 a 32 horas) para pacientes com postural, foi realizada VNI com pressão positiva
doença pulmonar obstrutiva crônica (n = 60) e 5 horas contínua nas vias aéreas (CPAP) de 8 cm H2O, para
(intervalo de 2 a 32 horas) para pacientes com edema evitar atelectasias repetidas. Quinze horas após a
agudo de pulmão (n = 92). A maioria dos pacientes cessação da VNI, o paciente desenvolveu recorrência
progrediu com sucesso, no entanto, foram de atelectasias maciças. A sucção broncoscópica
observados escores reduzidos do APACHE II e removeu uma placa mucosa da árvore
menor saturação periférica de oxigênio. Com base traqueobrônquica e a terapia com NHF a 40 L / min
nestes e em outros resultados, os autores afirmaram foi realizada posteriormente, fornecendo um baixo
que a VNI pode ser utilizada em serviços de nível de CPAP, ao invés da VNI. A conclusão dos
emergência em casos de insuficiência respiratória autores foi que o suporte respiratório com a terapia
aguda causada por edema agudo de pulmão, e com NHF estabilizou melhor o paciente do que a VNI,
exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica, fazendo com que a sua reabilitação respiratória
mas pacientes com variáveis relacionadas a uma continuasse sem intercorrências. Além disso, a
porcentagem maior de intubação endotraqueal devem terapia com NHF forneceu gás umidificado ideal, o
ser monitorados especialmente. que melhorou a qualidade da secreção brônquica, em
Em seu estudo, Riario-Sforza e comparação à VNI.
colaboradores (2012)12 afirmaram que a eficácia da Mosier et al. (2015)14, buscaram avaliar as
VNI no tratamento de pacientes com insuficiência chances de uma complicação após falha na VNI em
respiratória aguda (IRA) já havia sido demonstrada comparação com pacientes intubados principalmente
por sua capacidade de diminuir a recorrência à na UTI. Tratou-se de um estudo de centro único que
intubação endotraqueal (ETI), a ocorrência de incluiu 235 pacientes, sendo 125 pacientes intubados
infecções pulmonares associadas à ETI e a após falha na VNI, contra 110 pacientes intubados
mortalidade relacionada. Todavia, os autores citaram sem VNI. Os dados relacionados à intubação foram
uma questão específica relacionada ao resultado da coletados prospectivamente por meio de um
VNI em pacientes encaminhados ao Departamento de programa de melhoria contínua da qualidade (CQI), e
Emergência devido à IRA que recebem uma ordem extraídos retrospectivamente do prontuário médico de
de não intubar (DNI) devido a condições muito críticas todos os pacientes intubados. Foi utilizado um ajuste
ou idade avançada. Segundo os pesquisadores, de propensão para os fatores que afetariam a decisão
dados recentes à época haviam demonstrado que de usar inicialmente a VNI, e a análise de regressão
pacientes idosos (idade média de 81 anos) com IRA multivariada ajustada foi realizada para avaliar as
sob DNI poderiam ser tratados com sucesso pela chances de uma complicação composta

4 JBMEDE 2022;2(1):e22002
Certain Contraindicações e complicações do uso da ventilação não invasiva no Departamento de Emergência: Revisão da Literatura

(dessaturação, hipotensão ou aspiração) com (alimentação artificial, se necessário) e


intubação após falha na VNI em comparação com a condicionamento de gás medicinal. Apesar desses
intubação primária. Como resultados, uma análise de problemas, o escape de ar representa a maior
regressão multivariada ajustada à propensão revelou ameaça durante o apoio à VNI. De fato, para que se
que as chances de uma complicação composta de possa obter um resultado positivo, o gerenciamento
intubação em pacientes que falham na VNI foram da “solução de problemas da VNI” parece ser crucial.
duas vezes maiores quando corrigidas pela presença Problemas comuns como o escape de ar, assincronia
de pneumonia ou síndrome do desconforto paciente-ventilador, úlceras por pressão relacionadas
respiratório agudo, e ajustadas para fatores à interface, desconforto e distensão gástrica devem
conhecidos por aumentar as complicações da ser prontamente detectados e solucionados. A análise
intubação (total de tentativas e experiência do desses problemas revela uma falta de prática
operador). Quando ocorreu uma complicação baseada em evidências, resultando em intervenções
composta, as chances de morte não ajustadas na UTI clínicas ao lado do leito baseadas apenas no
foram de quase duas vezes mais com a VNI. Em consenso de especialistas ou nas opiniões locais.
conclusão, após o controle de possíveis fatores de Dessa forma, para melhorar essa lacuna de
confusão, os autores afirmaram que a análise por conhecimento, os autores recomendam a realização
eles realizada, ajustada à propensão, demonstra uma de ensaios clínicos randomizados controlados e
chance maior de uma complicação composta com multicêntricos para que se possa obter conhecimento
intubação após falha na VNI. Além disso, a presença adequado para alcançar o melhor resultado do
de uma complicação composta durante a intubação paciente sob VNI.
está associada a um aumento da chance de morte na
UTI. Conclusão
Para Allison e Winters (2016)15, a VNI
melhora a oxigenação e a ventilação, evita a Foi possível identificar que a VNI com
intubação endotraqueal e diminui a taxa de pressão positiva pode insuflar o estômago, aumentar
mortalidade em pacientes selecionados com a pressão interna e reduzir o enchimento ventricular,
insuficiência respiratória aguda. Porém, embora a VNI que podem em conjunto levar a um colapso do
seja comumente utilizada para exacerbações agudas sistema cardiovascular. Sendo assim, uma inspeção
de doença pulmonar obstrutiva crônica e edema radiográfica prévia do tórax é importante para tomada
pulmonar cardiogênico agudo, existem da decisão de implantar ou não a VNI. A secura oral
contraindicações emergentes para seu uso no foi citada como um problema comum dos indivíduos
departamento de emergência. Por exemplo, o estado submetidos à VNI, que por sua vez pode ser resolvida
mental alterado é frequentemente mencionado como por meio da terapia de alto fluxo nasal, que fornece
uma contraindicação absoluta ou relativa à VNI. gás umidificado, e melhora a qualidade da secreção
Recomenda-se que a VNI não seja utilizada usada brônquica, quando comparada à VNI. Pacientes que
em pacientes com uma pontuação na Escala de apresentem variáveis que se relacionem a uma maior
Coma de Glasgow inferior a 10,34. chance de necessidade de intubação endotraqueal
Bambi e colaboradores (2017)16, relataram precisam de monitoração especial.
que a VNI se trata de uma técnica de suporte Comentou-se que a terapia de alto fluxo nasal
respiratório bem reconhecida para pacientes afetados é capaz de estabilizar os pacientes de forma mais
por insuficiência respiratória aguda (IRA). Porém, efetiva do que a VNI, permitindo reabilitar a função
deve-se manter uma forte adesão aos protocolos que respiratória sem maiores complicações, embora
definem os critérios de seleção dos pacientes, apresente maiores chances de complicação quando é
contraindicações relativas ou absolutas, além de realizada após uma falha da VNI, aumento a
operadores altamente qualificados e experientes, mortalidade dos pacientes em UTI.
visto que todos esses fatores podem afetar o Foi verificado que pacientes com estado
desempenho da VNI, incluindo as taxas de mental alterado são considerados contraindicação
mortalidade. Para os autores, o resultado positivo do absoluta ou relativa à VNI. Ainda, é recomendado que
suporte respiratório da VNI depende da condição esta não seja realizada em pacientes com Escala de
clínica do paciente, confiança dos funcionários com a Coma de Glasgow inferior a 10,34. Outros problemas
tecnologia NIV, escolha e gerenciamento da interface relacionados à VNI são o escape de ar, falta de
mais adequada disponível, prevenção de sincronia entre o paciente e o aparelho de ventilação
complicações nessa interface, avaliação nutricional artificial, formação de úlceras por pressão

5 JBMEDE 2022;2(1):e22002
Certain Contraindicações e complicações do uso da ventilação não invasiva no Departamento de Emergência: Revisão da Literatura

relacionadas à própria interface respiratória, além de 10. OTO, J.; IMANAKA, H.; NISHIMURA, M.
distensão e desconforto gástrico. Clinical factors affecting inspired gas
Por fim, buscando preencher algumas falhas humidification and oral dryness during
em relação à VNI, sugere-se a realização de novos noninvasive ventilation. Journal of Critical
estudos, multicêntricos e controlados, no intuito de se Care, v. 26, n. 5, p. 535.e9-535.e15, 2011.
obter conhecimento adequado sobre a terapia VNI, 11. PASSARINI, J. N. DE S. et al. Use of non-
suas indicações e contraindicações, no sentido de se invasive ventilation in acute pulmonary edema
obter os melhores resultados para o paciente. and chronic obstructive pulmonary disease
exacerbation in emergency medicine:
Referências predictors of failure. Revista Brasileira De
Terapia Intensiva, v. 24, n. 3, p. 278–283,
2012.
1. CARVALHO, C. R. R. DE; TOUFEN JUNIOR,
12. RIARIO-SFORZA, G. G. et al. Role of
C.; FRANCA, S. A. Ventilação mecânica:
noninvasive ventilation in elderly patients with
princípios, análise gráfica e modalidades
hypercapnic respiratory failure. La Clinica
ventilatórias. Jornal Brasileiro de
Terapeutica, v. 163, n. 1, p. e47-52, 2012.
Pneumologia, v. 33, n. suppl 2, p. 54–70,
13. SUZUKI, Y.; TAKASAKI, Y. Respiratory
2007.
support with nasal high-flow therapy helps to
2. FERREIRA, S. et al. Ventilação não invasiva.
prevent recurrence of postoperative
Revista Portuguesa de Pneumologia, v. 15, n.
atelectasis: a case report. Journal of Intensive
4, p. 655–667, 2009.
Care, v. 2, n. 1, p. 3, 2014.
3. MORTARI, D. M. et al. Prevalência de
14. MOSIER, J. M. et al. Failed noninvasive
pacientes com indicação para uso de
positive-pressure ventilation is associated
ventilação mecânica não-invasiva em uma
with an increased risk of intubation-related
unidade de emergência. Revista da
complications. Annals of Intensive Care, v. 5,
Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba,
p. 4, 2015.
v. 12, n. 1, p. 13–16, 2010.
15. ALLISON, M. G.; WINTERS, M. E.
4. CRUZ, M. R.; ZAMORA, V. E. C. Ventilação
Noninvasive Ventilation for the Emergency
mecânica não invasiva. Brazilian Journal of
Physician. Emergency Medicine Clinics of
Health and Biomedical Sciences, v. 12, n. 76,
North America, v. 34, n. 1, p. 51–62, 2016.
p. 92–101, 2013.
16. BAMBI, S. et al. Noninvasive ventilation: open
5. SCHETTINO, G. P. P. et al. Ventilação
issues for nursing research. Acta Bio-Medica:
mecânica não invasiva com pressão positiva.
Atenei Parmensis, v. 88, n. 1S, p. 32–39,
Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 33, n. 2,
2017.
p. 92–105, 2007.
6. RAHAL, L.; GARRIDO, A. G.; CRUZ JR, R. J.
Ventilação não-invasiva: quando utilizar? Informações sobre o Artigo
Revista da Associação Médica Brasileira, v.
51, n. 5, p. 245–246, 2005. Recebido: 21/02/2022
7. BARBAS, C. S. V. et al. Recomendações Aceito: 29/03/2022
brasileiras de ventilação mecânica 2013. Conflitos de interesse: nenhum.
Parte I. Revista Brasileira de Terapia Agências financiadoras: nenhuma.
Intensiva, v. 26, n. 2, p. 89–121, 2014.
8. SIDDIQUI, F. M. et al. An unusual
contraindication to the use of non-invasive
ventilation in A&E. Emergency medicine
journal: EMJ, v. 27, n. 8, p. 615, 2010.
9. BEIN, B.; FRANCKSEN, H.; STEINFATH, M.
Supraglottic airway devices. Anasthesiologie,
Intensivmedizin, Notfallmedizin,
Schmerztherapie: AINS, v. 46, n. 9, p. 598–
607, 2011.

6 JBMEDE 2022;2(1):e22002

Você também pode gostar