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Escola Artística do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, Aveiro – ATC2

Apontamentos de apoio para o estudo da


Harmonia Tonal

1. Progressão harmónica

1.1. Sucessão de acordes ‘versus’ progressão harmónica

De acordo com Arnold Schönberg há uma diferença fundamental entre uma “sucessão de acordes” e
uma “progressão harmónica”. Enquanto a sucessão de acordes não tem um objetivo definido, a
progressão harmónica procura um objetivo claro, que normalmente consiste na função de estabelecer
ou de contrariar a tonalidade.

A partir dos dois esquemas seguintes podemos identificar as progressões harmónicas mais frequentes
no modo maior:

in Kostka & Payne (2003).

E no modo menor:

Ibidem.

1.2. A Segunda inversão cadencial

A segunda inversão cadencial pode ser interpretada como uma “fórmula harmónica” que consiste na
utilização do acorde do I grau (na segunda inversão) como preparação do acorde do V grau (no estado
fundamental) na cadência.

Material de apoio elaborado por Pedro Santos,


revisto em fevereiro de 2019.
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Mas na realidade ela resulta da figuração do acorde da dominante. No exemplo abaixo o Dó (intervalo
de 4ª a partir do baixo) funciona como um retardo do Si (3ª do acorde da dominante) e o Mi (intervalo
de 6ª a partir do baixo) como uma nota de passagem para o Ré (5ª do acorde da dominante). Por
conseguinte faz sentido cifrar a harmonia como V grau indicando a referida figuração de acordo com
os princípios do baixo cifrado.

2. O círculo das tonalidades (por quintas)

O gráfico seguinte é uma representação por quintas perfeitas das tonalidades maiores e menores: 12
tonalidades maiores (circunferência exterior) e 12 tonalidades menores (circunferência interior), num
total de 24 tonalidades. Os raios ligam as tonalidades relativas, ou seja, aquelas que partilham a mesma
armação de clave.

in Castérède, (1999)
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2.1. A relação entre as tonalidades: tonalidades próximas, afastadas, homónimas e enarmónicas


2.1.1. Tonalidades próximas

As tonalidades próximas são a tonalidade relativa e as tonalidades que, no círculo de quintas, se situam
uma 5P acima e abaixo da tonalidade principal incluindo as respetivas tonalidades relativas. Estas cinco
tonalidades possuem uma armação de clave que difere, no máximo, em uma alteração cromática
relativamente à tonalidade principal.

Ex.: as tonalidades próximas de DóM são: Lám, SolM, FáM, Mim e Rém.

As tonalidades próximas apresentam muitas notas comuns e partilham graus tonais, o que reforça a
relação tonal entre elas.

2.1.2. Modulação a tonalidades próximas

Modulação é uma mudança de tonalidade. Para ocorrer uma modulação é necessário estabelecer uma
nova tónica, isto realiza-se da seguinte forma: a) definição de uma nova sensível que cria a necessária
atração para a nova tónica; b) definição dos graus tonais da nova tonalidade.

A introdução da alteração fá# (sensível) na tonalidade de DóM estabelece um novo jogo de atrações
que dá origem a uma nova hierarquia tonal, ou seja, a uma nova tonalidade. Esta nova hierarquia tonal
resulta do trítono que é formado entre o Dó e o Fá# (que substitui o trítono Fá-Si de DóM). Esta nova
tonalidade (SolM) partilha seis notas com a tonalidade de DóM e ainda dois graus tonais, no entanto
estes adquirem novas funções tonais. O mesmo se verifica na modulação para FáM onde a alteração
Sib origina um novo intervalo de trítono com o Mi (sensível de Fá). Na imagem acima estão assinaladas
a vermelho as relações de atração entre as notas que formam o trítono (7º e 4º graus da escala) e a sua
resolução para as notas que pertencem ao acorde da Tónica (1º e 3º graus da escala).
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2.1.3. Tonalidades afastadas

As tonalidades afastadas são as que divergem em mais do que uma alteração cromática em relação à
tonalidade principal. Situam-se à distância de mais do que uma 5P no círculo de tonalidades. O grau de
afastamento ‘mede-se’ pelo número de 5P que separam as tonalidades. Ex.: FáM e SiM situam-se em
pontos opostos no círculo de tonalidades (distam seis 5P entre si).

2.1.4. Tonalidades homónimas

As tonalidades homónimas são aquelas que partilham a mesma tónica (e restantes graus tonais) mas
que diferem no modo. Apesar de não serem tonalidades próximas apresentam outro tipo de afinidade
entre si. Ex.: Dó modo maior e Dó modo menor.

2.1.5. Tonalidades enarmónicas

As tonalidades enarmónicas são as que apresentam enarmonia, ou seja, são notadas de maneira
diferente, mas soam iguais (no sistema temperado). Ex.: Fá# maior e Solb maior.

3.3. Acordes alterados

3.3.1. O acorde de Sexta Napolitana


O acorde de sexta napolitana, utilizado com maior frequência nas tonalidades menores, consiste na
utilização do acorde de II grau na primeira inversão (posição de 6ª) com a fundamental baixada meio-
tom, transformando assim o acorde diminuto num acorde maior. A fundamental do acorde do II grau,
que forma um intervalo de 6ª com o baixo, é conduzida melodicamente para a terceira do acorde do V
grau (formando um intervalo de terceira diminuta).

3.3.2. Acordes com função secundária: dominante secundária e sensível secundária


A dominante secundária é normalmente um acorde alterado que adquire a função de dominante de
um outro acorde que não corresponde ao I grau da tonalidade. No primeiro exemplo abaixo apresentado
(à esquerda) o acorde da tónica adquire a função de dominante do IV grau devido à utilização do Sib –
esta alteração cromática transforma-o num acorde de sétima da dominante. No exemplo seguinte (à
direita) o acorde do II grau transforma-se num acorde maior com a alteração Fá#, assumindo assim a
função de dominante do V grau (a nota Fá# é a sensível da dominante).
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Nota importante: o acorde com função de dominante secundária é sempre um acorde maior ou de
sétima da dominante e efetua uma progressão autêntica de quinta para o acorde seguinte (o
intervalo entre a nota fundamental dos dois acordes é assim de 4P ascendente ou de 5P descendente,
análogo ao intervalo entre a dominante e a tónica).

A sensível secundária resulta de um processo semelhante ao da dominante secundária, mas o acorde


transforma-se numa tríade diminuta ou num acorde de sétima com função de sensível (7ª diminuta ou
sétima da sensível). No exemplo seguinte o acorde de III grau transforma-se num acorde diminuto com
a alteração Dó#, adquirindo assim a função de sensível do IV grau (Dó# é a sensível da subdominante
Ré).

Nota importante: o acorde com a função de sensível secundária é sempre um acorde diminuto (com
ou sem sétima) e efetua uma progressão autêntica de segunda para o acorde seguinte (o intervalo
entre a nota fundamental dos dois acordes é de 2m ascendente, análogo ao intervalo entre a sensível e
a tónica).

3.3.3. Os acordes de Sexta Aumentada

Os acordes de sexta aumentada são acordes alterados que apresentam um intervalo de sexta
aumentada. Este intervalo resolve habitualmente para um intervalo de oitava perfeita sobre a dominante
da tonalidade – o intervalo de sexta aumentada funciona assim como uma dupla sensível da
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dominante. Os acordes de sexta aumentada possuem funções semelhantes aos acordes de dominante e
de sensível secundária, embora apresentem uma estrutura intervalar própria.

Nota: o acorde de sexta aumentada alemã é enarmónico do acorde de sétima da dominante, no entanto
apresentam princípios sintáticos diferentes ao nível da progressão harmónica e da condução melódica.

3.3.4. Mudança de modo (misturas)


Alguns acordes alterados resultam da mudança de modo, produzindo um interessante efeito expressivo.
Ex.: (DóM) I-V-I-iv-V-I (o IV grau de DóM é substituído pelo iv da tonalidade homónima menor).

4. Notas estranhas à harmonia (figuração melódica)

NP: Nota de Passagem; O: Ornato; R: Retardo; Ant: Antecipação; Ap: Appogiatura; Esc.: Escapada.

6. Referências

Castérède, J. (1999). Théorie de la Musique. Gérard Billaudot Éditeur. Paris.


Kostka, S. & Payne, D. (2003). Tonal Harmony. McGraw-Hill.
Schönberg, A. (1983). Structural Functions of Harmony. Faber & Faber. London.

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