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DIREITO PENAL - PARTE GERAL

AULA 01

PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

Um dos principais equívocos, uma das principais falhas que os alunos cometem quando
começam a estudar direito penal é eles deixarem o estudo da parte principiológica de lado, ou
estudarem apenas decorando os conceitos e os nomes de alguns princípios constantes na
Constituição federal de 1988. Isto é uma falha porque quem conhece com um nível de
profundidade razoável os princípios que norteiam o direito penal sejam estes princípios
decorrentes de uma evolução histórica, doutrinária ou jurisprudencial, sejam eles taxativamente
expressos no texto da Constituição federal de 88, quem conhece esses princípios acaba tendo
uma facilidade gigantesca de entender todos os demais, ou pelo menos a grande maioria dos
institutos da parte geral do direito penal. O ideal é que você conheça a essência, e a razão de
ser, primeiramente dos princípios que são decorrentes de uma evolução doutrinária, que são
decorrentes de uma evolução histórica do direito penal, e depois que você conheça, inclusive
com detalhes, os princípios que em razão dessa evolução histórica, foram colocados dentro do
artigo quinto da Constituição federal de 1988. É por isso que não tem como compreendermos os
principais princípios norteadores do direito penal sem conhecermos um pouco a evolução
histórica do direito penal desde a Roma, passando pela Renascença, passando pelo Iluminismo
até chegar aos dias atuais. A base de toda a ideia desses princípios, salvo raras exceções como
é o caso de alguns princípios pontuais, na regra geral todos os princípios que nós utilizamos no
nosso país hoje para nortearmos o direito penal, estejam esses princípios escritos ou não,
implícitos ou explícitos, entre ou derivados do texto da Constituição de 1988, são frutos de uma
evolução histórica do direito penal no mundo, ou pelo menos no mundo ocidental.
Aqui não é uma aula de história do direito penal, nós vamos inclusive dar saltos gigantes na
cronologia da evolução do direito penal, mas precisamos focar no surgimento e consolidação
histórica desses princípios

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A CONSOLIDAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ELEMENTARES DO


DIREITO PENAL

Como quase tudo o que é de base do direito penal brasileiro hoje nós vamos ter que retroceder
para a fase da República romana, onde houve o grande Salto evolutivo do direito penal e
consequentemente foi onde se iniciou a formação de toda base principiológica que utilizamos no
momento em que vivemos.
Para começarmos essa análise dos princípios vamos retroceder especificamente ao primeiro
código escrito de leis romanas. Nós temos ao longo da evolução do direito penal no mundo o
surgimento de regras consuetudinárias como base do direito penal. Regras consuetudinárias são
regras passadas através da tradição oral baseadas muitas vezes nos costumes e nas práticas
corriqueiras de um determinado povo, ou de uma determinada civilização. Com o passar do
tempo e com o desenvolvimento da história da humanidade essas regras penais que eram orais,
que eram transmitidas pela tradição oral, acabaram virando regras escritas. Pegando
especificamente o direito Romano que é a base do direito ocidental como um todo e por
consequência a base primária do direito penal brasileiro hoje, em Roma o primeiro código de leis
escrito, a primeira vez que alguém teve a preocupação de transformar toda uma legislação que
era transmitida oralmente em uma compilação, em uma codificação escrita de leis como nós
conhecemos hoje aconteceu durante a República romana em meados de 450 o 455 A.C; e
derivou da criação do primeiro Conselho Legislativo da República Romana, conselho este que era
chamado de decenvirato, porque era uma comissão de 10 legisladores, embora o nome
legislador hoje em dia tem uma conotação diferente, naquela época esses 10 legisladores, esse
decenvirato correspondia na verdade a junção de 10 pessoas que teriam em tese um grande
conhecimento das tradições orais direito Romano, que tinham um grande conhecimento de como

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os costumes eram aplicados ao direito Romano transmitido por tradição oral, e que receberiam o
encargo de transformar tudo aquilo ali em um conjunto de leis escritas.
Ao longo da história da República romana existiram mais de 200 reuniões de pessoas que se
dedicarão a criar códigos escritos de leis ou a fazer compilações de tradições orais e transformar
em leis escritas. O primeiro decenvirato ficou mais conhecido porque nos legou o primeiro
conjunto de leis romanas escritas semelhante ao que hoje seria uma codificação de leis aqui no
Brasil. A coisa mais parecida que poderíamos usar como analogia para um representante do
decenvirato seria a figura aqui no Brasil do rábula. Em uma época em que o poder judiciário não
estava presente em todas as cidades do interior, em uma época onde não se tinha juiz na cidade,
muitas vezes não se tinha advogados em cidades pequenas espalhadas pelo interior do Brasil,
existiam pessoas que eram reconhecidas pelo seus pares dentro da sociedade como pessoas
instruídas, ponderadas, justas no sentido de equidade, que conheciam as tradições do direito e
que eram chamadas para resolver questões que hoje seriam levadas à apreciação do poder
judiciário. Nos anos 40, 50, quando uma pessoa tinha, por exemplo, uma disputa por Terra, onde
começava e onde terminava o limite de Terra de cada um, quando se fazia um negócio e se tinha
dúvida sobre quem devia a quem, situações que hoje seriam submetidas à apreciação do poder
judiciário, como não tinha juiz, como não tinha delegado e nem sequer advogado na cidadezinha
naquela época chamavam os rábulas e pediam para ele intervir, as partes reconheciam nele uma
pessoa ponderada, que tinha uma excelente noção de justiça no sentido de equidade, e pediam
para ele resolver o litígio, e o que ele dizia equivalia a época a uma decisão judicial; não tinha
força coercitiva que uma decisão judicial tem hoje, mas era aceita pela sociedade na época como
algo que deveria ser cumprido.
Fazendo uma analogia grosso modo essas primeiras 10 pessoas que foram compor o primeiro
decenvirato Romano eram mais ou menos os rábulas da época, eram pessoas que gozavam de
um bom respeito dentro da República romana, não eram necessariamente pessoas ricas. o
primeiro decenvirato era composto por 7 patrícios e 3 plebeus; o patriciado corresponderia à
classe mas elevada em termos econômicos de Roma, a Plebe corresponderia ao que seria a
classe média da sociedade Brasileira atual. Então se tinha 7 patrícios e 3 plebeus que por terem
esse bom conhecimento das tradições em tese foram convocados para escrever o primeiro
código escrito de leis romanas.
Porém, ao invés de sentarem e passarem o “pente fino” em todas as tradições orais jurídicas de
Roma, pelos preferiram fazer um serviço mais fácil, eles preferiram olhar naquele mundo antigo
ocidental; quando se fala em mundo antigo a ocidental está se falando da península itálica, do
norte da África, da região da Grécia, da região do Cáucaso, aquela área onde as primeiras
grandes civilizações da antiguidade estavam se consolidando; eles olharam para aquilo ali se
perguntaram quem era que já tem o sistema escritos de lei, qual povo com o qual os romanos
conviviam que já tinham um conjunto de leis escritas, alguém se tocou que os atenienses já
tinham feito esse trabalho de criar uma codificação. Nós estamos ali no ano 450 mais ou menos
A.C dentro da República romana. 150 anos antes na cidade estado de Atenas um legislador
chamado Sólon já tinha criado uma codificação de leis, já tinha transformado o que antes eram
regras orais, em leis escritas, aí o decenvirato resolveu fazer o que hoje nós chamamos de
plágio. Não se fala em Grécia como um todo porque a Grécia nesta época não era um estado
unificado, ela vivia uma profunda descentralização política com diversas cidades-estados
autônomas entre si: Atenas, Sparta, Tebas, Creta, Coríntio, Lebos eram só algumas dessas
cidades-estados, mas Atenas era economicamente a mais desenvolvida, ao passo que Sparta
era militarmente a mais desenvolvida. Sendo assim, Atenas já tinha dado passos maiores do que
Roma na codificação de leis.
Sendo assim, os romanos foram para lá, pegaram o trabalho que Sólon tinha feito no século VI
A.C e criaram a famosa Lei das XII Tábuas; eles transformaram, as ideias de legislação
ateniense, copiaram e fizeram uma adaptação à realidade romana e trouxeram o primeiro código
escrito de leis efetivamente posto da história de Roma que é a Lei das XII Tábuas. Todo mundo
diz que no mundo ocidental antigo o primeiro código escrito é Romano, mas na verdade não é
porque o primeiro código escrito é ateniense, derivado do período de Sólon. Mas, como o latim
acabou se tornando a língua da antiguidade, acabou-se se consolidando que a Lei das XII
Tábuas seria o primeiro código escrito de leis do mundo ocidental.

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A partir do surgimento da Lei das XII Tábuas surge a divisão entre “crimina pública” (delitos
públicos) e “delicta privada” (delitos ou obrigações privadas). Talvez uma das maiores
contribuições para o direito atual, direito penal e direito como um todo, que temo hoje no mundo
ocidental e no Brasil especificamente, seja que a Lei das XII Tábuas pela primeira vez em Roma
trouxe a divisão entre o conceito de “crimina pública” e “delicta privada”. É aí que começa a surgir
a diferenciação entre o direito penal e o direito civil. Quando começou a existir essa
especialização entre os ramos do direito, primeiros ramos que surgiram foram o direito penal e o
direito civil. Os atenienses não faziam essa separação, na codificação de Sólon tudo era tratado
como de interesse público, de interesse da cidade-estado, na Lei das XII Tábuas passou a se ter
essa diferenciação do que seriam as condutas, as situações, os delitos públicos ou a crime na
pública que dá origem ao direito penal Romano, e o que seriam os delitos ou obrigações privadas
e dariam origem ao que hoje nós chamamos de direito civil. O direito constitucional foi um dos
últimos ramos a surgir, o conceito de direito constitucional só surgiu na Renascença, até porque a
ideia de Constituição só surge com a magna carta de João sem Terra no final da idade média.
Com essa questão dos delitos públicos surge a noção que algumas condutas que atingem o
interesse de toda a coletividade. A Lei das XII Tábuas cria a noção que existem certas situações
que atingem o interesse da sociedade como um todo e por isso devem ser punidos com penas
públicas, ou seja, a punição é tutela é exclusiva do Estado. A partir desta ideia surgem 2
conceitos elementares que vão acabar se tornando princípios norteadores do direito penal: surge
o conceito ou a ideia dos tipos penais, a ideia de definir quais condutas ofendem a coletividade
como um todo e que por isso devem ser colocada sobre esse âmbito de tutela do que hoje nós
chamamos de direito penal, até porque para que o direito penal pense em se manifestar no caso
concreto, a primeira coisa que deve acontecer é o indivíduo praticar uma conduta tipificada como
crime. O direito penal só vai fazer qualquer análise quanto a sua possibilidade de atuação ou não
se e somente se o indivíduo praticar uma conduta tipificada em lei como crime, então essa ideia
de que era necessário criar o que hoje nós chamamos de tipos penais, essa é a ideia que era
necessário se definir, quais as condutas acabavam atingindo o interesse de toda a coletividade e
que por isso deveriam ser submetidos à penas públicas no sentido de que só poderiam ser
aplicadas pelo estado, surge com a Lei das XII Tábuas. Essa ideia do que por penal, surge daí,
da mesma forma que a ideia do IUS puniendi, da tutela exclusiva do estado para fins de punição
no âmbito penal. A grande maioria dos ordenamentos jurídicos ocidentais da atualidade
resguardam o ius puniendi, obviamente no âmbito penal, como tutela exclusiva do estado. Não se
tem no mundo ocidental contemporâneo uma justiça penal privada, se tem até outros ramos de
justiça privada mas não no âmbito penal. A punição penal sempre é tutela exclusiva do ente
estatal. É a ideia do ius puniendi exclusivo do estado e isto vem de Roma, vem da república
romana do conceito dos delitos públicos, condutas que precisavam ser definidas em lei e que ao
serem definidas eram indicadas como condutas que atingiam a coletividade como um todo e por
isso deveriam ser punidas exclusivamente pelo representante dessa coletividade que era o
estado, o governo; naquela época não existia essa diferença iluminista entre estado e governo,
naquela época era uma coisa só o que hoje é chamado de ente administrativo.
Da mesma forma surge o conceito que daria origem é o direito civil, a ideia da Delicta Privata, dos
delitos ou obrigações privadas, que seriam condutas que não produzem necessariamente efeitos
para a coletividade, exaurindo se no interesse das partes envolvidas e devendo, portanto, serem
por elas solucionadas com a “fiscalização do estado” para evitar abusos. Este conceito evolui
para o jus civilis, para o direito civil. É a ideia de que se uma pessoa tem uma ovelha e deseja
vender esta ovelha, isto é uma situação que só interessa às partes envolvidas. Se alguém furta o
mover ilha aí a coletividade como um todo está sendo atingida, daí o direito penal vai agir e o
estado vai punir. No entanto, se há um negócio entre duas pessoas para compra e venda de uma
ovelha em tese o estado não deve se intrometer, o Estado apenas deve estabelecer regras
prévias de como este negócio será feito, e é aí que surge toda a ideia do direito civil.

Voltando para este ideia do surgimento do direito penal a partir da Lei das XII Tábuas, voltando
para a ideia de que era necessário especificar quais as condutas, ou o que nós chamamos hoje
de tipos penais que ofendiam toda a coletividade e que por isso deveriam ser punidos pelo
estado, deveriam resguardar ius puniendi, a tutela exclusiva do estado de punir os crimes, a partir

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desta base é que surgem princípios que utilizamos até hoje, e princípios que são extremamente
cobrados na sua prova. Por exemplo, o princípio da fragmentariedade das normas penais.

- PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE DAS NORMAS PENAIS: nem todas as relações


sociais, nem todos os bens jurídicos estarão colocados sob a alçada de proteção do direito penal.
Pelo princípio da fragmentariedade das normas penais cabe ao legislador, ao estado, ao ente
administrativo estabelecer quais situações específicas ofendem a coletividade como um todo e
consequentemente deve ser submetidas à tutela do direito penal. Essa ideia da fragmentariedade
que vem lá da Lei das XII Tábuas é baseado no seguinte raciocínio: nem tudo o que acontece
dentro da sociedade deve ser submetido à tutela do direito penal. A maioria dos conflitos sociais
se exaurem entre as próprias partes, e nem produzem efeitos para a coletividade como um todo.
Logo, não precisam ser tratados pelo que hoje nós chamamos de direito penal. Quando se fala
em princípio da fragmentariedade está se falando de uma modernização dessa ideia romana,
está se falando que cabe ao nosso legislador hoje, e hoje o legislador penal brasileiro é exclusivo
é o Congresso Nacional, cabe ao Congresso Nacional dizer qual ou quais condutas são tão
relevantes ao ponto de ofenderem a coletividade como um todo, e cabe a esse legislador criar os
tipos penais incriminadores dizendo que determinada coisa é crime, que determinada coisa está
previsto em lei como fato típico e consequentemente esta submetida à tutela penal.
Quando se fala em princípio da fragmentariedade estamos falando que nem todos os bens
jurídicos serão tutelados pelo direito penal, apenas aqueles bens jurídicos que foram
efetivamente destacados, daí a ideia da fragmentariedade, eles foram destacadas pelo legislador,
e consequentemente ao serem destacados viraram tipos penais.
É mais ou menos o seguinte: imagine que todos os bens jurídicos, todas as relações sociais,
todas as possibilidades de conflitos e interações dentro de uma sociedade pudessem ser
representados por um círculo. a fragmentariedade hoje é feita pelo Congresso Nacional. E daí o
Congresso Nacional começa a repartir o círculo, dizendo que determinado problema diz respeito
ao casamento, e se questiona se as regras para casar interessam especificamente, ofendem a
coletividade como um todo, ou se é um interesse específico das partes que querem casar.
Constatando que é um interesse específico das partes que querem casar, coloca este problema
sob a tutela do direito civil. Depois do legislador olha e percebe que tem uma questão de duração
de contrato de trabalho temporário, e precisa saber quais as regras, quanto que se paga, e se
questiona se esse contrato de trabalho é algo tão sério que atinge a coletividade como um todo e
chega a conclusão que não, que é algo que atinge às partes envolvidas no contrato, então coloca
isso sob o âmbito do direito do trabalho. Depois percebe que há uma discussão sobre o valor
mínimo para licitação, para tomada de preço, e se questiona se isso é algo que coloca em risco a
sociedade como um todo e chega à conclusão que não, então coloca isso sob o âmbito do direito
administrativo, e assim sucessivamente. até que que chega uma hora que alguém diz que há um
conflito de homicídio, e o legislador se questiona se o fato de existir um homicídio dentro da
sociedade é algo tão grave que coloca a sociedade em risco como um todo e chega à conclusão
que sim, porque se é permitido que uma pessoa mate a outra se gera um nível de insegurança e
de barbárie que mais cedo ou mais tarde atinge todos os indivíduos daquela coletividade. Nesse
caso, pega se essa conduta específica de um homem matar o outro e submete à tutela do direito
penal. Nós estamos gerando uma fragmentariedade, pois estamos pagando situações específicas
que o nosso legislador julga e imagina que são tão graves e tão sérias que podem colocar em
risco iminente à sociedade que submetem essas situações a tutela do direito penal. Cria fatos
típicos incriminadores e diz que ius puniendi é exclusivo do estado.
Nós temos no Brasil uma teoria muito famosa que é a teoria tridimensional do direito, e foi
introduzida no Brasil pelo professor Miguel Reale, e essa teoria vem do direito alemão pós
Segunda Guerra Mundial e aqui no Brasil por meados de 1962 acabou se consolidando pelos
ensinamentos do professor Miguel Reale. A teoria tridimensional do direito não só explica a
formação das normas jurídicas, mas também nos dá uma visão clara do que seria o princípio da
fragmentariedade. O professor Miguel Reale sempre dizia que primeiro se tinha um fato que
acontecia dentro determinada coletividade, esse fato seria valorado, ou seja, será analisado
primeiro pela sociedade e depois até mesmo pelos legisladores que representam essa sociedade,
é a chamada valoração do fato dentro da teoria tridimensional do direito de Miguel Reale; a

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valoração de primeira instância ou valoração de primeiro plano, que é a percepção que as
pessoas comuns têm sobre os fatos, e a chamada valoração de segundo plano ou valoração
legislativa, que é a análise que os legisladores acabam fazendo sobre aquele fato. Esse valor
pode ser positivo ou pode ser um valor negativo. O valor ou a valoração positiva é quando se
entende que o fato é algo bom e que deve ser estimulado a se repetir; o valor ou a valoração
negativa é quando se entende que o fato é algo ruim que deve ser combatido. Dependendo do
nível de valoração deste fato, é criado uma norma jurídica; norma jurídica esta para coibir que o
fato ocorra novamente ou para estimular a sua repetição, daí o nome teoria tridimensional do
direito ou teoria do fato, valor e norma segundo o professor Miguel Reale. Acontece um fato
dentro da sociedade, este fato é valorado primeiramente pelas pessoas comuns e em um
segundo momento pelo legislador e ele pode dar origem a uma norma jurídica, norma jurídica
esta que vai estimular a repetição do fato ou coibi-lo.
Segundo o professor Miguel Reale, quando acontece um fato e este fato é valorado, quem
primeiro dá o valor são as pessoas comuns; o fato repercute primeiro no meio da sociedade para
depois chegar, quando ganha uma relevância muito grande entre as pessoas comuns, no
legislador. Nem tudo o que acontece na sociedade acaba sendo discutido pelos legisladores, mas
tudo o que é discutido pelos legisladores antes foi discutido dentro da sociedade. Como diria
Frans Post, não há nada que os políticos discutam que homem comum não tenha discutido antes,
embora muito das coisas que os homens comuns discutem os políticos sequer sabem que
existem.
A ideia é que existe um fato e as pessoas comuns vão valorar e pode ser que o valor pare ali,
pode ser que o fato acabe se exaurindo no meio da discussão social. Fazendo uma analogia bem
grosseira, a discussão do paredão do BBB. Isto é um fato, mas vai morrer no meio da sociedade
e nunca vai chegar ao legislador, mas existem fatos que ganham uma repercussão tão grande na
sociedade que o legislador vai se manifestar sobre ele criando leis. Se o valor dado pelo
legislador é um valor positivo, ele cria leis estimulando o fato; se é um valor negativo, ele cria a lei
coibindo o fato. A origem da criação das leis, a ideia elementar da fragmentariedade, da teoria
tridimensional do direito deixa Claro que para algo ser discutido pelo legislador, de alguma forma
ele já está causando impacto, discussão ou debate dentro da sociedade. O que o legislador tem
que ter cuidado é de não adentrar no que se chama de direito penal de emergência. O legislador
não pode querer ter a mesma velocidade e volatilidade para criar leis como existem nas
discussões sociais. Mas o valor inicial sempre será dado pela sociedade. Na hora que o
legislador faz a lei ele vai escolher qual ramo do ordenamento jurídico vai tutelar aquele fato. Isso
é a fragmentariedade. Na hora que ele escolhe que aquele fato que foi valorado deve ser tratado
pelo direito penal, ele está exercendo a fragmentariedade penal.
A segunda ideia é que as pessoas sempre dizem que o direito penal sempre chega atrasado e
está certo. O direito comum todo sempre chega atrasado, E o professor Miguel Reale deixa isto
bem claro; primeiro tem um fato, depois a valoração social para só então ser criada a lei.
Um terceiro detalhe é que as pessoas costumam dizer que as normas penais são normas de
valoração negativa, isso significa dizer que dentro dessa sistemática da fragmentariedade,
quando algo é colocado sob a tutela do direito penal, é porque o valor dado pela sociedade e pelo
legislador foi negativo. O legislador entende que aquele fato é algo ruim e nefasto, é algo que ele
deseja que não se repita na sociedade, e para isso ele cria uma norma penal incriminadora. Daí o
fato das normas penais serem normas de valoração negativa. Elas partem da premissa que
aquele fato é algo ruim, pois recebeu um valor negativo para o legislador e da sociedade e
consequentemente o direito penal vai punir quem praticar aquele fato como forma de coibir a
repetição do fato. A origem de criação da norma é um valor negativo dado ao fato. Por exemplo, a
primeira vez que alguém matou outrem é um fato, a sociedade entendeu que é ruim depois o
legislador também entendeu que é ruim, criou-se uma lei dizendo que matar alguém é crime. Na
hora que se diz que matar alguém é crime, o que eu quero é que as pessoas para não serem
punidas não matem: norma de valoração negativa. Essa é a ideia da fragmentariedade, essa é a
essência por trás do princípio da fragmentariedade, e como consequência do princípio da
fragmentariedade passamos a ter outro princípio, que é o princípio da excepcionalidade da
aplicação do direito penal.

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- PRINCÍPIO DA EXCEPCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL:

O princípio da excepcionalidade é a ideia pela qual o direito penal não deve tutelar todas as
relações sociais, é a ideia segundo a qual o direito penal só deve tratar dos bens jurídicos, mas
elementares, mas indissociáveis ao harmonioso convívio da coletividade. a ideia da
excepcionalidade é a ideia que o direito penal é último ratio, é última linha de defesa; que o direito
penal só deve ser usado quando for impossível tutelar a situação por outro ramo do ordenamento
jurídico. Poucas pessoas percebem que o princípio da excepcionalidade é consequência da
fragmentariedade. Essa “escolha” se eu vou tutelar a situação pelo direito penal, civil, tributário,
não ocorre depois do fato ser praticado, ela ocorre antes quando a lei penal é criada. É óbvio que
o direito penal não vai tratar a maioria das relações sociais. Tem que se partir da premissa que a
maioria das relações, que a maioria dos conflitos, a maioria das interações sociais serão tratados
por outros ramos do ordenamento jurídico. Apenas aqueles mais fundamentais, mas
indissociáveis ao harmonioso convívio da coletividade é que serão, dentro dessa lógica da
fragmentariedade, colocados sob a tutela penal. Então, o uso do direito penal é sempre
excepcional. A regra não é o direito penal está tutelando, a regra não é que os bens jurídicos
sejam colocados sob a alçada e tutela do direito penal, a regra é que na hora que essa
fragmentariedade seja feita, o direito civil, o direito do trabalho, o direito administrativo, tributário,
que os demais ramos que são derivados do ius civilis trate. O direito civil Romano deu muitos
filhos, o direito penal Romano cresceu e se consolidou sem se subdividir. O direito penal não
tutela regra, ele tutela o que é excepcional, o que foge à normalidade, por isso que o legislador na
hora que faz essa fragmentariedade já dá ao direito penal essa noção de excepcionalidade. Dizer
que o princípio da excepcionalidade vigora no direito penal é dizer que na hora que a
fragmentariedade foi feita o legislador colocou poucas situações sob a tutela penal.
Além da fragmentariedade e da excepcionalidade, um outro princípio que também pode ser
derivado dessa criação do conceito de crime público e crime privado ou direito público penal e
direito civil é a ideia da lesividade.

PRINCÍPIO DA LESIVIDADE:

É o princípio segundo o qual o direito penal só vai intervir quando a conduta do indivíduo
extrapolar o âmbito pessoal e puder atingir ou produzir efeitos para a coletividade como um todo.
Pelo princípio da lesividade o direito penal só deve tutelar aquelas situações que extrapolem o
âmbito pessoal e interpessoal e que possam produzir direta ou indiretamente efeitos para a
coletividade como um todo, isso é uma consequência da Lei das XII Tábuas.
O direito penal para os romanos foi criado para aquelas situações que ofendiam a coletividade
como um todo e até hoje parte-se da premissa que se o direito penal está atuando de uma forma
ou de outra a coletividade está sendo atingida.
Depois de criar esses conceitos, esses 3 primeiros princípios, ou que hoje seriam os princípios do
direito penal, nós também podemos perceber na República romana, o surgimento de institutos
que até hoje são muito próprios ao direito penal e ao processo penal, como por exemplo o
conceito de júri popular, que hoje seria chamado de tribunal do júri, o conceito de recursos contra
decisões dos magistrados, que na época eram chamados genericamente de apelação, hoje cada
recurso tem o seu nome, em decorrência de algumas leis como a Lex Valeria e Lex Porcia.
Na verdade, o conceito de devido processo legal, que é um conceito híbrido, o direito ao devido
processo legal é um princípio que tanto tange o direito penal quanto o direito processual penal.
Quando se fala que todos têm direito ao devido processo, todos têm direito a recurso, todos têm
direito a regras previamente estabelecidas de como poderão ser punidos pelo direito penal, isso é
um princípio que atinge tanto o direito penal quanto o direito processual penal e tem origem em
Roma.
Por volta de 509 A.C surgiu em Roma a chamada Lex Valeria. A Lex Valeria se chama assim,
porque segundo o historiador Romano Cícero, a Lex Valeria teria sido criada por um legislador
chamado Públio Valério. A Lex Valeria estabelecia que condenados a morte ou a flagelação
podiam apelar de suas condenações ao “povo” representados pelos Tribunos da Plebe, e isso
tem até o nome lá em Roma era o chamado “provocatio ad populum”. Traduzindo essa ideia do

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que seria o “provocatio ad populum”: se o estado Romano, o ente administrativo Romano que era
quem detinha o ius puniendi exclusivo no âmbito penal, condenasse alguém à morte ou à
flagelação, existiam várias formas de punição em Roma, mas diferentemente do que acontece
hoje a prisão não era uma delas; esse conceito de se punir tirando a Liberdade, é um conceito
medieval; a ideia de claustro, de penitenciária, vem do direito canônico; pensar em punir alguém
tirando a Liberdade como reprimenda penal, não é da Idade Antiga, mas da Idade Média, mais
especificamente dos primórdios da formação do direito canônico, Santo Agostinho, São Tomás de
Aquino, o tratado de Latrão já tratavam sobre isso. Em Roma, as punições penais ou eram de
escravidão, permanente ou temporária, ou de suplício, dos quais o flagelo é uma forma de
suplício, que é punição corporal, e a forma mais grave de suplício era a flagelação, onde se
espancava o indivíduo até quase levá lo à morte, e também a polícia não com a pena de morte.
Normalmente os crimes em Roma que eram punidos com a pena de morte, eles eram punidos
em “praça pública”, pois era muito mais um recado que Roma dava a sociedade do que
propriamente uma forma comum de aplicação de reprimendas penais.
Chegou determinado momento que a sociedade romana entendeu que você permitir que alguém
seja flagelado, fosse açoitado até próximo à morte, ou até mesmo fosse executado com base
exclusivamente na vontade de um pretor, de um juiz, sem que esse indivíduo tivesse a quem
apelar, significava dar poder demais ao juiz. Quem tem poder de vida ou morte, quem tem poder
de flagelo ou sobre os outros, tem poder sobre toda a coletividade. Foi o que pensaram os
romanos no século V A.C, e chegaram a conclusão que era necessário criar uma possibilidade de
desse condenado a essas penas mais graves e severas pedir socorro a alguém, apelar no
sentido de recorrer daquela situação. Mas, os romanos entendiam que não adiantava recorrer a
quem condenou; os romanos entenderam naquela época que se o magistrado, o pretor, condena
alguém a morte, se o condenado for pedir ao próprio juiz para reverter não vai adiantar, então os
romanos criaram a ideia de que era necessário criar algo que hoje seria um tribunal de apelação,
algo seria o recurso, algo que hoje seria uma possibilidade de questionamento da decisão
judicial, e aí criou-se a figura dos tribunos da Plebe, criou-se a figura da possibilidade de se
apelar ao “povo”; que durante uns 5 séculos, mais ou menos variava muito na forma, mas em
tese sempre que se tinha uma pessoa condenada à morte, que se tinha uma pessoa condenada
ao flagelo e ao suplício, essa pessoa antes da execução poderia apelar, pedir que os tribunos da
Plebe, que levassem a sua apelação, o senhor pedido de reconsideração a alguém que não
aquele juiz e, normalmente, esse pedido era apresentado ou a um grupo de outros tribunos ou as
pessoas comuns propriamente ditas; isso variava de região para região, de época para época.
Vamos fazer uma referência, sem se adentrar no momento dessa referência em questões de
cunho religioso, é apenas uma referência que acho válido para fixar a ideia que foi em Roma que
surgiu o conceito de apelação e de devido processo legal, e até esse conceito do que hoje seria a
Defensoria pública a figura do tribuno da Plebe. Independentemente da sua fé, pois aqui é uma
aula e estamos nos referindo à história e não a religião, vamos partir da premissa que as
passagens referentes a prisão, ao julgamento, e a crucificação de Jesus Cristo presentes na
bíblia e relatado pelos evangelistas sejam fatos históricos; na hora que Jesus foi condenado ao
suplício e depois foi condenado a morte, as pessoas que estavam no entorno de Jesus naquela
época apelaram, pediram que a condenação dele à morte fosse submetida a provocatio ad
popolum, e que na galiléia da aquela época a execução da provocatio ad popolum acontecia
levando-se o condenado em praça pública e se perguntando as pessoas comuns, ao povo lá
presente se aquele indivíduo deveria ter a pena trocada ou não, se deveria ser executado ou não,
e a partir daí, dependendo do tipo de Evangelista que você segue da versão da bíblia que você
segue, a ideia é que Jesus foi apresentado à praça pública junto com uma outra pessoa que seria
Barrabas, e se questionou quem deveria ser libertado, segundo a versão da bíblia que se tem
hoje, deu-se essa possibilidade de escolha; se formos ser muito pragmáticos em relação a
história é ao direito penal Romano, muito provavelmente não foi dada essa possibilidade de
escolha e sim se questionou no mesmo momento se Jesus e outro condenado teriam direito a
essa mudança da decisão com base na vontade popular, e aí, ao se indagar se era pra ser
perdoado ou não Jesus, segundo a história as pessoas preferiram a condenação. Essa ideia de
se levarem as pessoas a recorrerem perante a Plebe era comum e cotidiano em Roma, então
não acontecia para uma só pessoa, mas em um determinado momento do dia para todas os

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condenados que seriam executados naquele dia. É tanto que essa a tradição do provocativo ad
popolum se chegou ao ponto de se tornar tão forte que foi levada para as arenas romanas, para
os coliseus romanos na luta dos gladiadores. A execução dos gladiadores derrotados era
questionado ao público, quando o Gladiador estava ferido, estava no chão que o outro poderia
executa-lo, se questionava em alguns momentos ao público, se o público desejava a morte do
Gladiador ou não. Era uma forma de apelação, de recurso, de tão forte que essa ideia ficou em
Roma, e a partir da e desse conceito criado pela Lex Valeria não só surgiu o conceito de tribunal
do júri, não só surgiu a ideia da soberania da decisão, das pessoas que hoje seria soberania dos
veredictos do conselho de sentença, mas surge a ideia da possibilidade de apelação, surgiu a
ideia da possibilidade de um recurso, surgiu a ideia de uma limitação para que uma pessoa, que
na época era um magistrado, o pretor, que uma pessoa só não tivesse esse poder supremo de
aplicar a tutela penal. É a partir da Lex Valeria que surge a ideia que era necessário no âmbito
penal criar meios de limitar a atuação do juiz, ideia essa que acaba se consolidando com toda
evolução histórica do direito penal.
Depois, surgem as chamadas Lex Porcia, sendo 03 ao todo, Essas Lex Porcia proibiram a
execuções sumárias, porque era comum em Roma o indivíduo ser condenado, ser levada à praça
pública para se questionar se ele deveria ser executado ou não, e no mesmo dia se as pessoas
entendessem que sim, no mesmo dia ele seria executado. A Lex Porcia criou a ideia que o
julgamento não deve acontecer no calor da emoção. A Lex Porcia deu ao direito penal essa ideia
elementar que o indivíduo não deve nem julgar e nem aplicar a pena no calor da emoção. Um
professor de direito da faculdade de direito do Recife da UFPE, Professor João Maurício leitão
Adeodato, dizia que o direito penal deve ser aplicado pelos mansos de espírito, pelos que estão
em paz, pelos que não tem sentimento de desforra. Segundo ele, o direito penal não deve ser
aplicado na emoção, porque muitas vezes as suas consequências são irreversíveis.
Quando a segunda Lex Porcia proíbe a execução sumária, ela cria a ideia de que era necessário
entre a condenação, o recurso e a execução você tem um tempo para que as pessoas pudessem
refletir. É por isso que muitos dizem que a Lex Porcia traz a ideia do rito técnico e não passional
para o direito penal. A Lex Porcia reforçou essa ideia do tribuno da Plebe, e pela primeira vez
criou a ideia que é a pena de morte sempre deveria ser excepcional. Os romanos por volta do
século III A.C já tinham a ideia de que o estado com a morte significava o estado se equiparar ao
agressor; Se o estado pune com a morte ele está dizendo que ele é incapaz de aplicar uma pena
efetiva. Então, a partir da Lex Porcia as penas de morte puderam ser convertidas em exílio ou
perdimento da cidadania.
Da junção de todas essas leis da República romana, da junção de todos esses institutos jurídicos
que foram criados em Roma, surge somando tudo isso o princípio da reserva legal e e o princípio
do devido processo legal. Essa ideia de que não há crime sem uma tipificação expressa, essa
ideia de que você só pode ser punido se você praticou uma conduta que está submetida a tutela
do direito penal, a ideia de que todos devem ser processados como manda a lei, e sem paixões e
sem emoções, que hoje nós chamamos de princípio da reserva legal e princípio do devido
processo legal são frutos dessa evolução do direito penal em Roma, mas o direito penal continua
evoluindo.

RENASCIMENTO E ILUMINISMO: O SEGUNDO “GRANDE SALTO” EVOLUTIVO DO DIREITO


PENAL

Quando se fala em Renascimento, está se falando da transição da idade média para idade
Moderna, que aconteceu, mais ou menos, entre os séculos XIII e XVI, a depender da região da
Europa. Da mesma forma que no final do século XVI e início do século XVII veio o Iluminismo.
Esse segundo grande Salto aconteceu principalmente porque durante a Renascença e o
Iluminismo passamos a ter a figura dos doutrinadores como conhecemos hoje. Talvez um dos
maiores Marcos do Renascimento, talvez um dos maiores Marcos da história mundial, foi a
invenção da prensa de tipos móveis de Gutenberg, que barateou muito a impressão de livros e
consequentemente facilitou muito a difusão do conhecimento.
Hugo Grotius, holandês, é considerado o pai do direito Internacional público, e deu várias
contribuições a formação principiológica no direito penal no mundo ocidental, principalmente pela

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sua obra “De Iuri Belli ac Pacis”, do direito da guerra e da paz, esse livro é quem Lega no
renascimento pela primeira vez a ideia da pena como retribuição de um crime. Quem primeiro
consolidou, pensando na ideia de doutrinador que temos hoje, que o direito penal sempre deve
ter uma natureza retributiva, que é o que se chama de princípio retributivo da pena, foi Hugo
Grotius.

- PRINCÍPIO RETRIBUTIVO DA PENA: é o princípio segundo a qual se avalia a extensão do


dano que a conduta do indivíduo produziu para a coletividade, para poder o legislador mensurar o
grau da reprimenda penal.
Na antiguidade, era muito comum, a ideia da Lei de Talião, a Lex Talions (Quando se fala em lei
de talião muitas pessoas acham que era uma lei escrita feita por alguém chamado Talião. Porém,
não era nenhuma lei escrita e nem feita por alguém chamado Talião. A lei de talião vem de um
conceito de “Lex: Lei; Talions: na mesma medida/na mesma proporção”). A maioria dos povos
antigos, até mesmo os romanos antes da codificação da Lei das XII Tábuas, eles tinham a ideia
de que a punição penal deveria ser feita na exata medida da ofensa pessoal. Se o indivíduo bate
em você e você fica cego, ele deveria perder um olho; se o indivíduo mata o seu filho, um filho
dele deverá ser morto; se o indivíduo corta um braço seu, o braço dele deverá ser cortado. Na
antiguidade cria-se o conceito de que a punição deve ser proporcional a ofensa pessoal.
Hugo Grotius cria a base principiológica segundo a qual a pena é uma retribuição não a ofensa
pessoal, mas a ofensa a toda a sociedade. Ele acreditava que quando um crime acontece produz
efeitos para toda a coletividade como um todo. Então, você deve mensurar as consequências
para a coletividade para saber o tamanho da reprimida que o legislador deve criar. Embora o
nome princípio da insignificância ou criminalidade de bagatela só vem a ser consolidado mesmo
nos anos 60, do Século XX, aqui no Brasil a primeira vez que alguém falou em princípio da
insignificância foi em 1979, embora pareça ser algo recente, ela já existia com Hugo Grotius. Não
com esse nome e não explicada desta forma. no entanto, Hugo Grotius dizia que o indivíduo
deveria olhar para os efeitos de um crime perante a sociedade, até mesmo para saber que se
uma determinada conduta não produz efeitos para a sociedade ela não deve ser tratada como
crime. A ideia do princípio da insignificância que temos hoje é esta. Se a conduta não produz
efeitos relevantes para a coletividade, se pela visão da coletividade a conduta pequena, o dano é
inexistente, pra que aplicar o direito penal? Hugo Grotius dizia que o indivíduo não deve usar o
direito penal levando em consideração apenas os efeitos para a vítima. Hugo Grotius dizia que o
direito penal nunca pode ser confundido com vingança privada, ele não existe para satisfazer o
desejo de desforrar da vítima, mas fornecer uma proteção à coletividade como um todo, essa é a
ideia da pena como natureza retributiva e proporcional. O princípio da proporcionalidade é usada
por Hugo Grotius para passar a seguinte mensagem: aconteceu o crime? olhe a extensão do
dano, olha o tamanho do dano deste crime para a sociedade, para só então estabelecer a pena; e
se este crime não produziu efeitos para a sociedade, talvez seja a hora de observar se ele não
deve deixar de ser considerado como crime. Essa ideia da proporcionalidade da pena que
usamos até hoje vem dos estudos dele.
Depois, aí dando um Salto do renascimento e entrando no período de transição entre o
renascimento e o período iluminista (estamos dando saltos históricos e destacando somente os
principais, porque o que interessa são as ideias que mais influenciaram os princípios que usamos
no Brasil hoje. Você ver que de Hugo Grotius, renascentista dos Países Baixos do Século XVI, eu
estou pulando para o século XVII na Inglaterra e depois na França)
Observando outros doutrinadores que contribuíram para os princípios nós não podemos deixar de
destacar John Locke e Thomas Hobbes.
John Locke com sua obra “ensaio acerca do entendimento humano” então mas Hobbes com
“Leviatã” consolidam a ideia que o direito penal precisa funcionar também como um mecanismo
de controle social. A ideia de John Locke mesmo sem eles terem Combinado acaba se
complementando com a ideia de Thomas Hobbes, porque John Locke entendia que o direito
penal precisava funcionar como mecanismo de controle da sociedade, das pessoas comuns, e
Thomas Hobbes achava que além do direito penal funcionar como mecanismo de controle da
sociedade, das pessoas comuns, ele deveria ter regras que limitariam o jus puniendi, deveria ter
regras que limitariam a possibilidade daqueles que usam o poder estatal de abusar deste poder

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estatal. O direito penal deveria funcionar como mecanismo de controle das pessoas comuns, mas
também deveria funcionar como mecanismo de controle naqueles que controlam o estado. já
existia a ideia, em Thomas Hobbes principalmente, de que se você permite que alguém acumule
poder, não só no âmbito penal, e que suas decisões não sejam questionadas, chega uma hora
que essa pessoa se torna um Leviatã, vai chegar 1 hora que não se consegue mais controlar esta
pessoa, e toda lógica do direito enquanto regras de definição de atuação social deixam de ter
sentido; você substituiu o direito pelo arbítrio; se você observar, isso aconteceu em maior ou
menor medida com os estados absolutistas, você pega Luís XIV, dentro da dinastia dos bourbons
que a dinastia absolutista francesa, chegou ao ponto de ter tanta certeza seu poder estava acima
de todas as regras e leis, que perante o que hoje seria o Senado francês, na época o conselho
dos Nobres, Luís XIV quando questionado por um nobre, o nobre disse que “aquilo não era
interesse do Estado”, e Luiz XIV respondeu que “Eu sou o Estado”.
O que Thomas Hobbes alertava é que se você não cria regras jurídicas, entre elas regras penais,
para controlar as pessoas comuns, estas pessoas tendem a barbárie; para controlar o estado e
os seus governantes, esses governantes tendem ao absolutismo. Segundo Thomas Hobbes,
segundo o Leviatã, o direito penal tem função primeiro de controlar as pessoas para que elas não
tentem a barbárie. Segundo Thomas Hobbes a criação de regras penais está acima dos
governantes e julgadores, está acima das pessoas, e os próprios governantes a elas estão
submetidos, sob pena de se criar um Leviatã. se você admite que algumas pessoas não se
submetem as regras penais por controlar um estado, por serem governantes, você está dizendo
que essas pessoas terão poder absoluto, e quando essas pessoas passarem a exercer este
poder absoluto, dificilmente este será controlado.
Inclusive, quando se pega obras de Thomas Hobbes ele diz taxativamente que “os homens
tendem a viver em condição de permanente conflito” (Bellem omnia omnes- a guerra de todos
contra todos – segundo Hobbes). Segundo ele, o ser humano tem a tendência natural de viver em
conflito, só não torna este conflito algo incontrolável porque o direito penal vai manter um rígido
controle sobre a sociedade. O direito penal vai garantir que nós abdiquemos da nossa Liberdade
parcialmente para poder viver em coletividade. Aplicação da Liberdade tem que ser parcial, não
pode ser total, porque se for total nós viramos escravos.
Ainda com base nas ideias de Thomas Hobbes e John Locke cria se o conceito que o direito
penal tem uma função intimidatória para que o pacto social seja respeitado. É o princípio da
coercitividade.

- PRINCÍPIO DA COERCITIVIDADE: é o princípio segundo a qual o direito penal é eficiente na


medida em que ele consegue controlar a sociedade sem que ele precise punir os membros da
sociedade. A força do direito penal não estaria quando ele aplica a pena; a força do direito penal
estaria quando as pessoas não cometem crime por temer esta pena. Para John Locke, para
Thomas Hobbes e até para Rousseau o direito penal exerce a sua função de controle social
quando ele coloca na cabeça das pessoas comuns o seguinte raciocínio: “por mais que você
queira cometer um crime, não cometa, pois, se você cometer, você será punido”. Quando isso é
eficiente para a maioria das pessoas, o direito penal estará sendo eficiente. A eficiência do direito
penal não está na quantidade de pessoas que ele pune, mas na quantidade de pessoas que lhe
demove de cometer um crime simplesmente por sua existência. Essa é a regra básica do
princípio da coercitividade, é a ideia elementar por trás desse princípio. É preciso punir alguém
significa dizer que o direito penal não foi eficiente na sua vocação de mecanismo de controle
social. Se eu tenho uma coletividade com 1 milhão de pessoas e 500 mil estão presas significa
dizer que esse direito penal não serve de nada.
As modernas correntes interpretativas do direito penal que dizem que quando você está olhando
para a quantidade de pessoas que estão presas em um país você está olhando para a
quantidade de vezes que o direito penal falhou. Agora quando você consegue perceber que a
sociedade vive relativamente em paz sem a necessidade de ter que estar punindo muitas
pessoas, significa que o direito penal está maduro nesses países e consequentemente direito
penal é eficiente na sua vocação de coercitividade, da cor receptividade está satisfeito no caso
concreto.

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Dando mais um passo nós vamos chegar em outro doutrinador influenciou demais os princípios
que nós seguimos hoje: René Descartes, francês, e uma obra que é também indispensável aos
operadores do direito que só as Regras para a direção do espírito que, inclusive, foi publicada
postumamente. Nesse livro, René Descartes apresenta a ideia de que as regras de convívio
social, incluindo o direito penal, elas têm que estar adequadas ao momento histórico em que
estão sendo aplicadas. René Descartes não sabia mas ele estava criando as bases do princípio
da adequação das normas penais, ou conceito de crimes de plásticos que nós temos hoje, e da
não retroatividade. Se você quer entender o princípio da adequação social e o princípio da não
retroatividade, entenda o raciocínio de René Descartes.

- Princípio da Adequação Social:


O raciocínio de René Descartes era que a norma penal tem que ser reflexo do momento histórico
que a coletividade vive; a norma penal tem que ser um retrato do momento em que a sociedade
vive. Por exemplo, a sociedade Brasileira de hoje não é a mesma de 30 anos atrás. René
Descartes nos dá a ideia de que o direito penal precisa se adequar aos novos tempos, de que na
medida que a sociedade vai evoluindo e vai se modificando o direito penal vai se modificando
para se adequar às novas realidades sociais. por exemplo, na Dinamarca é comum que os pais
entrem em restaurante para comer e deixem crianças no carrinho na frente do restaurante e,
enquanto aqui no Brasil poderia ser abandono de incapaz dependendo da situação, lá isto não é
crime. O direito penal não pode ser uma regra imutável, mas tem que ser uma regra adequada à
realidade da sociedade que ele pretende tutelar. Se a realidade dessa sociedade muda, o direito
penal também tem que mudar.
- Princípio da não retroatividade: é a ideia que não se pode pegar uma lei de hoje para tutelar um
crime de ontem. Se o indivíduo cometeu um crime em uma realidade jurídica anterior, e esta
realidade jurídica mudou significa que a sociedade mudou. Então, não se pode pegar uma
conduta de hoje e jogar para ontem. Nós tivemos, por exemplo, alteração na lei de racismo, da
Lei nº○ 7.716/89, nós passamos a ter no artigo 20-A da Lei de Racismo a possibilidade de você
tipificar como crime de racismo, por exemplo, uma piada que leva em consideração questões
raciais, ligadas à xenofobia. Antigamente, era como um se fazer piadas com portugueses sempre
no tom pejorativo. a lei de hoje não vai retroagir para este fato. A ideia é que a lei vai tutelar a
realidade da sociedade doravante, ou seja, daqui pra frente.
Dando mais um passo a gente chega em Charles-Louis de Secondat, francês, conhecido como
Barão de La Brède e de Montesquieu. O Barão de Montesquieu mas seus livros “cartas persas” e
“o espírito das leis” propõe a necessidade da separação e Harmonia entre os poderes, consolida
a ideia do sistema acusatório no processo penal e defende também a ideia da moderação e
personalização das penas. Para o Barão de Montesquieu as penas precisam ser adequadas não
só à extensão do crime para a sociedade, como dizia Grotius, mas para Montesquieu as penas
têm que ser adequadas a realidade do próprio condenado. Essa ideia da personalização e da
individualização das penas, esses princípios, que, inclusive, estão na Constituição federal de
1988, da individualização e da personalização da pena eles derivam do Barão de Montesquieu.
Para o Barão de Montesquieu o que estimula o crime é a certeza da impunidade, não a
quantidade da pena. Para ele, como a certeza da impunidade estimula o crime, o indivíduo tem
que ser punido, mas levando em considerações suas características pessoais.

- Principio da personalização e individualização da pena: cabe ao juiz escolher, dentre as


possibilidades de pena criadas pelo legislador qual seria a mais adequada para aquele indivíduo.
Não se pode achar que a mesma pena terá eficiência para todos os condenados. Pelo princípio
da personalização e individualização da pena temos que partir da premissa que só será punido
quem cometer crime e na hora de aplicar a pena cabe ao julgador mensurar tempo e a
modalidade mais adequada para aquele indivíduo. Por exemplo, o indivíduo que é réu primário
menor de 21 anos, e o indivíduo que é reincidente e maior de 21 anos, que já cometeu crime foi
punido várias vezes, eles têm que ter penas diferentes, por tempos diferentes e de formas de
aplicação diferente, porque se não eu vou estar criando injustiça. Então essa ideia de se
adequada entre as penas previstas na lei, a quantidade, a qualidade da pena e as características
do indivíduo que o Barão de Montesquieu nos criou foi que deu origem ao que hoje nós

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chamamos de individualização e personalização da pena. O Barão de Montesquieu também diz
que a pena tem que ter natureza educativa, ressocializadora; ela não deve ser só uma punição,
mas sim um meio de ressocialização do indivíduo.
Pela visão doutrinária contemporânea, a aplicação da sanção penal da pena tem 3 naturezas:
preventiva, retributiva e ressocializadora. À luz da lógica, da sistemática do direito penal brasileiro
hoje, a pena no sentido de consequência do cometimento de um crime, no sentido de sanção
penal, ela tem uma vertente tripla, tem natureza tripla: ela tem uma função preventiva de
mecanismo de controle social, ela tem uma função retributiva, como retribuição do mal causado à
coletividade, mas ela também tem que ter uma função ressocializadora. Se ele não aproveitar
essas condições e voltar a delinquir deve ser punido de forma mais gravosa, mas ele tem que ter
uma oportunidade de ressocializar. Essa vertente tripla que a pena tem hoje no Brasil em muita
derivado das ideias de Montesquieu.
Para fechar a criação histórica destes princípios, chegamos Ao Marquês de Beccaria, ao Cesare
Bonesana, italiano, que é considerado o grande enciclopedista penal. O Marquês de beccaria
talvez se tornou um grande enciclopedista penal por causa do seu famoso livro dos delitos e das
penas. O conceito de enciclopédia vendo o iluminismo de 2 franceses Diderot e D’Alembert, os
quais têm um método de terem juntado o conhecimento humano da época que estavam
dispersos em vários livros em um condensado. Beccaria é um grande enciclopedista penal
porque ele acabou pegando as ideias de diversos pensadores renascentistas e iluministas e
acabou condensando em princípios. Nesse livro dele dos delitos e das penas ele condensa os
principais princípios que foram criados ao longo da evolução do direito penal e, a partir dessa
condensação, dessa reunião enciclopédica desses princípios, você acaba tendo os
ordenamentos constitucionais do século XX copiando esses princípios.
As constituições brasileiras republicanas, da Proclamação da República para frente, até a de
1988, elas quando tratam de princípios aplicados ao direito penal e ao processo penal
reproduzem as ideias que foram condensadas por Beccaria.
Alguns dos princípios que brecaria condensou no livro dos delitos e das penas, a ideia não é dele
mas ele condensou:
- Princípio da intervenção mínima: quanto menos o direito penal intervir na tutela da coletividade,
melhor. O direito penal só tutela de bens jurídicos mais importantes.
- Princípio da reserva legal: não há crime se ele é anterior que o defina.
- Princípio da proporcionalidade das penas: as penas devem ser proporcionais aos maus
causados à coletividade.
- Princípio da necessidade (excepcionalidade) do direito penal: quando vai ter a
fragmentariedade, este deve ter a preocupação de deixar a maioria dos conflitos sociais sob a
tutela de outros ramos do ordenamento jurídico que não o direito penal, pois este só deve ter
aplicação excepcional.
- Princípio da humanidade das penas (vedação à tortura): não se deve torturar e nem aplicar
pena de suplício.
- Princípio da não retroatividade das normas penais em prejuízo do réu: não se pode pegar uma
lei de hoje para tutelar um fato do passado.
- Princípio da adequação social: as leis têm que serem modificadas para se adequar às novas
realidades sociais.
- Princípio do contraditório e da ampla defesa: princípio que vem lá de Roma dos tribunos das
plebes, princípio segundo a qual tem que se gerar mecanismos para que o indivíduo questione
decisões judiciais para que ele não seja submetido ao arbítrio.
- Princípio do sistema acusatório pleno: não se pode deixar nas mãos de uma única pessoa a
função de acusar, julgar e punir.
- Natureza tripla da pena – retribuição, prevenção e reeducação;
Toda essa evolução doutrinária de princípios criaram a base do pensamento do direito penal
brasileiro hoje. A forma que nós pensamos os princípios norteadores do direito penal brasileiro
hoje é fruto dessa evolução histórica e dessa condensação enciclopédica feita por Beccaria.

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AULA 02

PERGUNTA: qual seria a maior finalidade dos princípios do direito penal?


O Mestre Pinto Ferreira dizia, mais ou menos, o seguinte: “os princípios constitucionais estão
para qualquer ramo do ordenamento jurídico assim como um trilho está para uma locomotiva”. Ao
explicar esta analogia ele dizia que a locomotiva tinha força capaz de arrastar toneladas, mas a
atuação da locomotiva está delimitada pelos trilhos, são os trilhos que dizem até onde a
locomotiva pode ou não ir; por mais força que a locomotiva tenha, por mais capacidade de
deslocar o peso que ela tenha, ela só irá até onde os trilhos permitam. Os trilhos balizam,
demarcam, delimitam a atuação desta locomotiva, que é uma máquina forte e capaz de deslocar
milhares de toneladas. Fazendo o mesmo raciocínio ele dizia que os princípios constitucionais
funcionam para o direito, ele não especificava o direito penal, mas nós faremos essa
especificação, os princípios constitucionais funcionam para o direito penal como se fossem
trilhos, pois são eles que estabelecem para nós operadores do direito penal os limites da nossa
atuação. Quando nós tivermos dúvidas de até onde nós podemos ou não ir na aplicação da tutela
penal, quando nós tivermos dúvidas de como na prática, na vida real, um instituto jurídico penal
deve ser aplicado, nós vamos ter que esclarecer essas dúvidas, nós vamos ter que reconhecer
esses limites, nós vamos ter que buscar esse balizamento da aplicação prática e concreta das
normas penais nos princípios constitucionais. o que o artigo quinto da Constituição federal de 88
deu ao direito penal foi uma série de balizas. O direito penal se mal aplicado ele pode descambar
muito rapidamente para o arbítrio. O nosso legislador constitucional sabia disso e justamente por
causa dessa realidade é que ele traz dentro do artigo quinto uma série de limites, uma série de
balizamentos, uma série de referências para que nós operadores do direito penal saibamos até
onde podemos ou não ir na aplicação prática e concreta do direito.
Fazendo referência a um grande jurista, doutor João Maurício leitão Adeodato, o qual costuma
dizer o seguinte: “o direito penal na letra da lei é algo frio, é algo insípido, é algo que quando
transmutado, transpassado para a vida real ele precisa ganhar contornos e limites, e esses limites
nos serão dados pelos princípios constitucionais”.
Então, de uma forma mais rasteira e simplória, todos esses princípios que estudaremos
doravante eles nada mais são do que delimitações de até onde o direito penal pode ir na hora
que tiver manifestando no contexto da sociedade como um todo, e na vida do indivíduo de forma
particularizada. Quem tem a possibilidade de se valer do direito penal, tem uma “ferramenta muito
forte” de controle social, e justamente por isso sem esses limites seria muito fácil chegar ao
arbítrio, se seria muito fácil se chegar a uma situação aonde muito mais do que uma proteção da
sociedade você poderia ter uma intimidação da sociedade, e justamente para evitar tal realidade
é que o texto constitucional nos lega esse conjunto de balizamento, que porque por falta de um
nome melhor se convencionou chamar princípios constitucionais norteadores do direito penal.

PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE
Quando nós falamos em princípio da legalidade, nós precisamos especificar porque existem 2
regras diferentes no artigo quinto da Constituição que são denominadas pela doutrina de princípio
da legalidade. É por isso que se convencionou falar ilegalidade lato sensu ilegalidade estrito
sensu.
- Em sentido lato ou legalidade ampla: é uma regra aplicável a todos os ramos do ordenamento
jurídico brasileiro, incluindo o direito penal. A legalidade lato sensu está expressa no inciso II, do
artigo quinto, da Constituição federal, que nos diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei. É a ideia é elementar que ao cidadão comum, ao
indivíduo, ao particular só é possível exigir uma limitação da sua Liberdade por força do que está
taxativamente previsto em lei. Com base nessa ideia da legalidade lato sensu é que surgiu aquela
premissa que “ao homem comum é dado fazer tudo aquilo que a lei taxativamente permite, e tudo
aquilo que a lei taxativamente não proíba. Ou seja, a nossa Liberdade de agir é a regra. Nós
somos livres para agir, pensar e nos expressarmos como regra geral, como presunção funcional.
Agora, essa Liberdade não é de natureza absoluta. A partir do momento que o ser humano aceita
conviver em sociedade ele precisa abdicar de parte dessa Liberdade. Dizer que a Liberdade do
indivíduo é a regra presumida pela Constituição, não significa dizer que a Constituição nos dá

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Liberdade absoluta. Significa dizer que o tolhimento, a abdicação de parte de nossa Liberdade só
vai acontecer exclusivamente por força do que esteja definido em lei. Nós somos livres como
regra, e tudo aquilo que vem tolher a nossa Liberdade, seja a Liberdade de ir e vir, seja a
Liberdade de contratar, seja a Liberdade de pensar, de se expressar, de se reunir, dentre
quaisquer outras formas de manifestação da Liberdade humana. Qualquer tolhimento a esta
Liberdade só pode ser derivado daquilo que está previsto em lei.
De uma outra forma, como consequência desse princípio da legalidade lato sensu, nós podemos
afirmar que a Constituição diz que nós indivíduos não estamos submetidos à vontade de outros
indivíduos, nós estamos submetidos apenas aquilo que a lei taxativamente estabelece. Então,
quem vai dizer o que eu posso ou não fazer, não é um outro indivíduo; quem vai dizer o que eu
posso ou não fazer é a letra da lei. Só que essa legalidade lato sensu como regra para todos os
ramos do ordenamento jurídico não será o nosso foco de análise, nós vamos agora nos
debruçarmos sobre a legalidade em sentido estrito, a legalidade penal, a legalidade específica.
OBS.: o termo legalidade genérica se refere à legalidade em sentido lato, se refere ao inciso II, do
artigo quinto da Constituição. A legalidade específica corresponde a legalidade em sentido estrito
ou legalidade penal.
- Em sentido estrito ou penal: o inciso XXXIX, do artigo quinto da Constituição, nos diz que não há
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Dessa ideia da
legalidade em sentido estrito e, principalmente, dessa previsão constitucional de que não há
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, nós temos 2 outros
princípios que são derivados. o princípio da legalidade a partir dele derivam 2 outros princípios: o
princípio da reserva legal e o princípio da anterioridade das normas penais incriminadoras.
Quando você está se referindo ao inciso XXXIX de uma forma completa, você está se referindo a
princípio da legalidade penal. A partir do esmiuçamento desse princípio final nós teremos 2
princípios derivados:
º Princípio da Reserva Legal diz que apenas leis penais em sentido estrito, emanadas do devido
processo legislativo previstos na CF/88, que satisfaçam os requisitos da validade podem tipificar
crimes ou instituir penas; quando você fala em princípio da reserva legal o que você está falando
é o seguinte: eu só posso tipificar, eu só posso reconhecer, eu só posso considerar que uma
determinada conduta seja reconhecida como crime, ou até mesmo como contravenção, se e
somente se tal conduta estiver prevista taxativamente na letra da Lei. Quando se fala em reserva
legal nós estamos falando nessa primeira parte do inciso XXXIX, que diz que não há crime sem
lei que o defina, percebam que eu retirei o “sem lei anterior”, isso é reserva legal. Posso imputar a
alguém a prática de um crime se a sua ação ou omissão estiver tipificada na letra da lei. E aqui
vale a pena abrirmos mais um parênteses, é óbvio que para o reconhecimento total em pleno de
um crime, nós vamos nos valer da chamada vertente ou teoria tripartite ou tripartida, e nos diz
que crime é um fato típico, antijurídico ou ilícito e culpável. é óbvio eu não vou analisar apenas
uma tipificação em sentido formal, é o que para reconhecer o crime eu vou ter que analisar todos
elementos constitutivos do fato típico; depois que eu analisar esses elementos constitutivos do
fato típico, eu vou ter que analisar ilicitude ou antijuridicidade; depois eu vou ter que observar a
culpabilidade. Mas para que eu possa fazer qualquer análise jurídico penal, a minha primeira
missão é observar se eu posso tipificar o crime. O direito penal só vai em tese se manifestar na
vida de alguém, ou no mínimo todas as demais análises penais para fingir de identificação se
houve ou não crime só vão acontecer se num primeiro instante, num primeiro momento eu tiver
como olhar para a conduta do agente, para sua ação ou omissão e identificar que aquilo
corresponde a um tipo penal, identificar que aquela conduta corresponde a algo que está previsto
na letra da lei como crime. Eu não estou dizendo que todas as vezes que um indivíduo praticar
uma conduta que a lei define como crime ao final o instituto jurídico do crime estará reconhecido.
Mas eu estou afirmando que eu só irei fazer qualquer análise jurídico penal eu consegui
satisfazer um primeiro requisito básico elementar: olhar para a conduta do indivíduo e identificar
que aquela conduta está tipificada em lei como o crime. Se eu consigo satisfazer esse requisito,
eu trago o direito penal para analisar a situação. se eu não consigo satisfazer esse requisito
prévio e elementar o direito penal não tem o que fazer naquele caso concreto.
Imagine a primeira situação hipotética: suponha que eu saque uma arma e atire contra quem está
gravando esta aula, eu saquei uma pistola, apontei para ela e deflagrei disparo, Ela Foi alvejada e

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tombou em óbito. Você só tem conhecimento da história nestes exatos limites e termos que eu
acabei de falar. Eu cometi crime? É possível trazermos o direito penal para analisar essa
situação? Sim, é possível porque a conduta de matar alguém corresponde a uma tipificação do
ordenamento jurídico penal, está no artigo 121 do código penal. Então, se a minha conduta for de
matar alguém, a minha conduta corresponde a um fato típico, a minha conduta está definida em
lei como crime, consequentemente o direito penal vai analisar de forma mais ampla tudo o que
aconteceu para o final dizer se eu cometi crime ou não. Vamos imaginar que quando o direito
penal venha fazer esta análise o direito penal descubra que quem gravava esta aula avançou em
direção a mim para me matar e a única forma que eu tive naquele contexto de preservar a minha
vida foi sacar a minha arma e atirar nela, eu pratiquei uma conduta tipificada em lei como crime,
mas ao final da análise penal, eu não incorro em crime porque eu agi amparado por uma
excludente de ilicitude. O segundo substrato caracterizador do crime, a ilicitude, foi excluída em
decorrência de eu estar agindo amparado pela legítima defesa. Quando eu observei inicialmente
a conduta, uma pessoa matou a outra, eu tive a certeza aquela conduta estava tipificada em lei
como crime. Essa é a ideia inicial sobre a reserva legal.
Agora imagine a seguinte situação hipotética: imagine que alguém diz que Giovane está
gravando aula com uma camisa preta de botão. O direito penal vai vir fazer uma análise em
relação a esta situação? por óbvio que não, porque esta conduta de gravar aula com camisa
preta de botão não corresponde a nenhum crime previsto na lei Brasileira, não goza de nenhuma
tipificação. Então, sermos capazes de tipificar ou não uma conduta é a primeira e mais elementar
das coisas que nós temos que fazer para sabermos se o direito penal vai ou não atuar no caso
concreto; Se os institutos jurídicos penais serão ou não trazidos para analisar de forma mais
ampla a situação, e em decorrência desse princípio da reserva legal eu só vou poder fazer esse
exercício tipificação com base em condutas previstas em lei, leis federais emanadas do
Congresso Nacional diante do devido processo legislativo. A única fonte de tipificação de crimes
são leis federais. Não é possível tipificar crimes com base em leis estaduais ou municipais. A
única fonte de norma tipificadora de condutas no âmbito penal são leis federais, e essas leis
federais obrigatoriamente tem que ter passado pelo devido processo legislativo perante a Câmara
e o Senado; somente o Congresso Nacional pode elaborar leis de cunho penal.
Se a presidência da República deseja que algo vire crime no Brasil, ela que mande um projeto de
lei para o Congresso Nacional. Esse projeto de lei vai passar pela Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara, do Senado, e vai ser votado exatamente como manda a Constituição. Mas a
Lei incriminadora do âmbito penal, a lei que diz o que é crime no Brasil tem que vim do
Congresso Nacional, isso é consequência da taxatividade. Uma portaria e uma medida provisória
não podem tipificar crimes. Quando a gente fala que em decorrência do princípio da reserva legal,
a tipificação de crime deriva de lei, nós estamos falando em lei penal em sentido estrito. uma
portaria pode até ser um complemento de uma norma penal em branco; uma medida provisória
pode até ter consequências despenalizadoras; mas, nunca algo que não seja lei penal em sentido
estrito pode ser usada para tipificar crimes. É isso que nos diz o princípio da reserva legal.
E ainda como consequência do princípio da reserva legal nós temos que observar se a lei que
está sendo usada para fins de tipificação é uma lei que satisfaz o requisito da validade. Quando
nós estamos falando em reserva legal, nós estamos falando em satisfazer a validade da norma.
Quando nós formos falar daqui a pouco em anterioridade da norma penal nós vamos ter que falar
em vigência.
OBS.: quando você fala em validade de uma norma jurídica, e aqui eu vou restringir ao âmbito
penal, quando você fala da validade de uma norma penal incriminadora, o que você está dizendo
é que aquela lei foi feita, publicada, exatamente como manda o devido processo legislativo
previsto no texto da Constituição federal de 1988. Depois da lei ser publicada, ela pode ou não
entrar em vigor imediatamente. Quando se fala em vigência se fala da validade temporal de uma
norma, quando eu digo que uma norma penal está vigente eu estou dizendo que ela é válida no
âmbito temporal; eu estou dizendo que ela está sendo considerada como aplicável naquele
determinado momento. Se uma norma penal é publicada e ela não traz nenhuma referência sobre
o início da sua vigência, se a norma penal é publicada e é silente sobre o início da sua vigência,
ela vai cair naquela regra geral prevista na lei de introdução às normas do direito brasileiro. Agora
o que normalmente acontece no âmbito penal é o seguinte: ou a lei penal é publicada e vem

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escrito assim “essa lei entra em vigor no momento da sua publicação” e aí a publicação da norma
passa a ser o momento inicial da sua vigência, ou então pode acontecer da publicação da lei
estabelecer uma vacatio legis, olha acontecer de vir escrito assim “essa lei entra em vigor 180
dias após a publicação”, “essa lei entra em vigor 30 dias após a publicação”, “essa lei entra em
vigor x dias após a publicação”. Vacatio legis é o lapso temporal que pode existir entre a
publicação da lei penal no diário oficial e o momento que ela passa efetivamente a produzir os
seus efeitos. Quando você diz que uma norma eu estou em vacatio legis você está dizendo que
Ela Foi publicada, mas ainda não iniciou a sua vigência, ainda não iniciou efetivamente a sua
produção de efeitos. Normas penais em vacatio legis elas não podem ser usadas como meios
incriminadores; eu não posso usar uma norma penal que esteja em vacatio legis para enquadrar
alguém na prática de um crime porque a lei penal não basta ser válida, ela precisa ser vigente. E
essa necessidade da Lei ser vigente no momento da prática da conduta quem vai nos dar é o
princípio da anterioridade das normas penais incriminadoras. se a norma penal já foi publicada e
ela está em vacatio legis, ela ainda não goza de vigência, essa norma não pode ser utilizada para
tutela de crimes, ela não pode ser utilizada para imputar a alguém a prática de um crime. Uma
norma penal ainda que válida se não for vigente ela não será usada para reconhecer crimes ou
estabelecer penas.
Existe um debate, uma discussão doutrinária, se normas penais em vacatio legis poderiam ser
utilizadas para beneficiar o réu. Embora o tema seja polêmico e controverso, o entendimento
majoritário é no sentido de que se eu tenho uma norma penal que de alguma forma beneficie o
indivíduo ainda que ela esteja em vacatio legis a sua aplicação deve ser imediata. O direito penal
traz “remédios” muito amargos para a sociedade e para a própria pessoa que ele está sendo
submetida. Então, se eu tenho uma nova lei que estabelece algo mais brando, e menos gravoso,
é porque o nosso legislador entende que o remédio anterior era amargo demais. Então, para
beneficiar o réu não faz sentido, não teria razão de ser, de você ter que aguardar o cumprimento
da vacatio legis. Por isso que parte da doutrina entende de forma majoritária que é norma penal
em vacatio legis que beneficia o réu pode ter aplicação imediata. Agora normas penais que
estabeleçam crimes, que estabeleçam penas, quando em vacatio legis ainda não podem ser
utilizadas. Então, quando nós falamos em vigência, nós estamos falando justamente nessa
possibilidade de aplicação da lei como fins de tipificação.
Se a norma penal é válida ela foi feita exatamente como a Constituição manda. Se ela é vigente
significa que ela já está efetivamente produzindo seus efeitos. E o que seria uma norma eficaz? o
que seria essa eficácia das normas penais? A eficácia da norma penal diz respeito aos seus
efeitos práticos perante à sociedade. Quando você analisa se uma norma penal é eficaz ou não,
você está analisando se ela efetivamente consegue produzir efeitos no contexto social.
Infelizmente, nós temos alguns dispositivos do código penal, e também alguns dispositivos da
legislação extravagante, quem são válidos, vigentes, mas que são ineficazes; não conseguem
produzir efeitos concretos e práticos no âmbito da sociedade. Antigamente se dizia que existiam
leis penais para Inglês ver, era uma expressão muito utilizado no passado, era uma lei válida,
vigente, mas que a aplicação prática era nula, ou muito pequena que não consegue atingir os
seus reais objetivos. Quando nós estamos falando de reserva legal e de anterioridade das
normas penais o que nos interessa é, respectivamente, validade e vigência. A eficácia da lei não
impacta em nenhum desses 2 princípios. Feita essa diferença entre validade, vigência e eficácia,
agora nós podemos destacar especificamente o princípio da anterioridade das normas penais
incriminadoras.

º Anterioridade das normas penais incriminadoras: princípio que nos diz que apenas leis penais
que satisfaçam o requisito da vigência prévia podem ser utilizadas para incriminar condutas. A lei
penal não vai retroagir em prejuízo do réu. a lei penal ela só será utilizada para fins de tipificação,
ela só será utilizada para dizer que o que o indivíduo fez corresponde à crime previsto em lei se e
somente se ela estiver em vigor no momento em que a conduta for praticada. Existe uma regra
elementar da aplicação da lei penal no tempo que ela regra do Tempus Regit Actum, ou a regra
segundo a qual os atos são regidos pela lei em vigor no momento em que eles foram praticados,
no momento em que a ação ou omissão foram desempenhadas. Se uma determinada conduta é
praticada hoje, ela só poderá ser reconhecida como crime se e somente se a lei tipificadora

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estiver em vigor hoje. Quando você tem uma norma que define um crime e essa norma goza de
validade, você satisfez a reserva legal; quando essa norma está em vigor antes da prática da
conduta nela tipificada, esta norma satisfaz o princípio da anterioridade das normas penais
incriminadoras.
Quando o inciso XXXIX nos diz que não há crime sem lei que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal ele está se referindo ao princípio da reserva legal; quando ele diz que não há
crime sem lei anterior que o defina ele está se referindo ao princípio da anterioridade das normas
penais incriminadoras.

PERGUNTA: medidas provisórias podem tratar de matéria penal incriminadora?


Não. Isso é consolidado à luz do Supremo Tribunal Federal. Medidas provisórias não podem
versar sobre matéria penal incriminadora. Se a presidência da República publica a medida
provisória e esta está tipificando crimes, ou estabelecendo penas, esta medida provisória eivada
de vício insanável de origem ou, em bom português, ela não vale de nada; ela está se dedicando
a algo a qual não é possível à luz da Constituição federal de 88. Ainda que esta medida provisória
a posteriori seja convertido em lei, os atos praticados na sua vigência não serão convalidados.
Uma medida provisória que trate de matéria penal e, sentido estrito, uma medida provisória que
defina o que é crime ou estabeleça as respectivas penas, ela é inconstitucional desde a sua
origem, depois ela goza de vício insanável de origem mesmo que essa medida provisória lá na
frente seja convertida em lei pelo Congresso Nacional, as condutas praticadas na vigência dessa
medida provisória não serão convalidadas.

ATENÇÃO: e se a medida provisória for descriminalizadora? E se a medida provisória for


despenalizadora? E se ao invés de reconhecer crime, embora trate de matéria penal, ela está
descarcerizando, reduzindo uma pena, descriminalizando uma determinada conduta, seria
possível?
Nós tivemos tais situações pouquíssimas vezes na história do Brasil. De forma mais recente, a
mais emblemática de todas aconteceu ainda durante o governo do Fernando Henrique Cardoso,
aonde ele estabeleceu uma medida provisória que na prática essa medida provisória estabeleceu
um prazo em que crimes relacionados a porte ilegal de arma de fogo não poderiam ser
caracterizados. Era uma medida provisória versando sobre matéria intrinsecamente penal, e ao
versar sobre matéria intrinsecamente penal eu estava descriminalizando, ou pelo menos estava
estabelecendo um lapso temporal onde determinada conduta não seria caracterizada como
crime. O STF à época reconheceu que como se tratava de uma medida provisória
descriminalizadora, seria possível reconhecer a sua validade e vigência.

PERGUNTA: normas penais em branco ofendem o princípio da reserva legal?


Entende-se que toda a lei penal em sentido estrito tem 2 premissas:
01ª Premissa: chamada de premissa de definição.
02ª Premissa: chamada de premissa de reprimenda.
Se você pegar, por exemplo, Guilherme de Souza Nucci e Rogério Grecco, eles falam muito
sobre isso: quando uma norma penal é criada, ela tem uma norma penal em sentido estrito,
caracterização de crime, ela tem uma primeira premissa que seria a definição da conduta como
crime, e ela tem uma segunda premissa que é o estabelecimento da reprimenda, que é o
estabelecimento da pena. Por exemplo, artigo 121 do código penal brasileiro, lá está escrito que
matar alguém tem pena de reclusão de 6 a 20 anos. Matar alguém seria a primeira premissa, a
premissa de definição; há quem chama de premissa primária, primeira premissa, premissa de
definição, tanto faz pois os termos são sinônimos; é a definição propriamente dita da conduta, é a
indicação na lei de qual conduta ela considera como crime. A segunda premissa é a pena, é o
que a doutrina chama de premissa de reprimenda.
A norma penal em branco é aquela que é a primeira premissa, ou seja, a definição da conduta
enquanto crime, carece de complementação por uma outra norma. Quando você está diante de
uma norma penal em branco, você está diante de uma lei penal em sentido estrito, onde para que
você seja capaz de compreender a exata definição da conduta como o crime, você tem que fazer
uma consulta a uma outra norma jurídica. Talvez o exemplo mais clássico que a doutrina nos dá

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sobre uma norma penal em branco seja o artigo 33 da lei de drogas; para você saber se o
indivíduo está ou não efetivamente incorrendo em tráfico de drogas você precisa saber se a
substância que corresponde a qualquer um dos verbos nucleares do tipo penal de tráfico de
drogas corresponde ou não a drogas ilícitas no direito brasileiro. Se alguém disser que Geovane
foi capturado vendendo uma substância X, Geovane pode responder pelo crime de tráfico de
drogas? Depende, eu vou precisar ir lá numa portaria da Anvisa, portaria 344/94 do Ministério da
Saúde/Anvisa, vou ter que ir nos anexos desta portaria para ver se a substância x corresponde ou
não a droga ilícita no Brasil. Se a substância corresponde a droga ilícita Geovane incorreu em
tráfico; se não corresponder, não há crime por parte dele.
Então, o artigo 33 da lei de drogas caracteriza-se inequivocamente como uma norma penal em
branco porque eu só conseguirei estabelecer a exata definição do crime, se eu fizer uma consulta
a outro dispositivo normativo. No caso do nosso exemplo, a portaria 344/94 do Ministério da
Saúde/Anvisa.
O STF já se manifestou inúmeras vezes que a existência de normas penais em branco não
ofende o princípio da reserva legal, não ofende o princípio da legalidade em sentido estrito, na
verdade não ofende nenhum dos princípios constitucionais norteadores do direito penal. Então já
fica a resposta da pergunta pra vocês: segundo o Supremo Tribunal Federal, a existência de
normas penais em branco não ofende o princípio da reserva legal, nem nenhum outro princípio
fundamental.

PERGUNTA: norma penal em branco às avessas (invertidas ou incompletas) ofendem o princípio


da reserva legal?
Norma penal em branco às avessas, ou normas penais invertidas, são aquelas em que este
primeiro preceito, este preceito de definição está perfeito, o que falta é o segundo preceito, o que
falta é a pena. Quando você está dentro de uma norma penal às avessas você tem naquela
norma penal a exata definição do crime, mas para você saber qual a pena aplicada a esse crime
você precisará consultar um outro dispositivo normativo. O exemplo mais clássico que a doutrina
nos dá sobre norma penal às avessas é o genocídio. A definição do que é genocídio consta
taxativamente em lei, agora para nós sabermos quais as penas deverão ser aplicadas caso
algum indivíduo incorra em crime de genocídio, nós precisaremos fazer uma consulta às penas
do crime de homicídio constantes no código penal brasileiro.
Quando você precisa complementar em uma lei penal a definição do crime consultando um outro
dispositivo normativo, você está diante de uma norma penal em branco; quando o que você
precisa fazer é saber qual a pena decorrente daquele crime consultando um outro dispositivo
normativo, você está diante de uma norma penal em branco às avessas, ou como é mais
conhecida uma norma penal invertida.
Assim como a norma penal em branco, a norma penal em branco às avessas também não
ofendem nenhum princípio constitucional.

PERGUNTA: qual a diferença entre o princípio da taxatividade e o princípio da legalidade em


sentido estrito?
O princípio da legalidade em sentido estrito diz que eu só vou tipificar uma conduta se e somente
se ela estiver prevista em lei como crime e esta lei estiver em vigor antes da prática da conduta.
O princípio da taxatividade diz respeito ao conteúdo da definição do crime, o princípio da
taxatividade diz que a lei penal deve ser feita de forma simples e direta que até o mais comum
dos homens seja capaz de ler a lei penal e entender o que é crime. De acordo com o princípio da
taxatividade, o legislador ao fazer uma lei penal deve ter a preocupação de fazer a lei penal de
forma mais fácil possível de ser compreendida e mais taxativa possível; quanto mais precisa,
específica e delimitada for a definição do crime melhor, é isso que nos diz o princípio da
taxatividade.
Eu não vou entrar em discussões doutrinárias, porque para o nosso objetivo isso é inócuo. Mas
eu só preciso dizer que muito hoje se crítica, principalmente as leis penais feitas nos últimos 5, 10
anos, que essas leis estariam indo de encontro ao princípio da taxatividade. Efetivamente nós
temos leis penais isso é um muito mais uma declaração de boas intenções, uma carta de
intenções, do que uma definição propriamente dita do que é crime. vou dar um exemplo esse

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exemplo é baseado na minha percepção enquanto professor, já externando vênia à percepção
dos contrários. Nós tivemos a alteração na lei de racismo, na Lei 7716/89 e, se eu não me
engano, no artigo 20-A da Lei de Racismo, nós passamos a ter a possibilidade do magistrado
analisar se uma determinada conduta caracterizaria ou não instigação ao preconceito. Isso pra
mim, fere o princípio da taxatividade. Você não pode deixar à luz na interpretação e uma pessoa
o reconhecimento ou não de uma conduta como crime. O ideal é que a lei penal seja o mais
específico possível, a mais taxativa possível para que ao olharmos para a letra da lei, a gente
seja capaz entender o que é ou que não é crime. A taxatividade é plenamente respeitada, por
exemplo, no crime de furto. O que é furto? subtrair coisa móvel alheia. Se eu pegar o que é dos
outros é furto. O que é roubo? Subtrair coisa móvel alheia com emprego de violência ou grave
ameaça, ou depois de ter reduzido à impossibilidade e a chance de defesa da vítima. O que é
homicídio? matar alguém. Esses crimes mais clássicos do código penal satisfazem muito bem o
princípio da taxatividade. Já alguns dispositivos mais recentes, como, por exemplo, o crime de
stalking ou percepção. Se você analisar o artigo de stalking, você vai ver que tem muitas
condutas lá que não definem especificamente o que é crime. Quando se fala em princípio da
taxatividade se fala que o legislador tem que ter o máximo de preocupação possível de tentar ser
o mais específico possível na definição para as condutas tidas como criminosas. Infelizmente isso
nem sempre acontece, principalmente, nos últimos anos. Mas, eu acredito e esse tipo de
discussão não será apresentado na sua prova.
Mas fica aí a diferenciação pra vocês. Princípio da legalidade em sentido estrito: não há crime
sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. O princípio da taxatividade é
a ideia segundo a qual a lei incriminadora deve ser a mais específica possível. Visto isso,
passaremos para o próximo princípio constitucional:

PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE: está previsto no artigo quinto, inciso XL, e diz que a lei
penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Como eu falei para vocês, a aplicação da lei
penal no tempo se norteia pela ideia do Tempus Regit Actum: os atos são regidos pela lei em
vigor no momento em que eles foram praticados. Se eu praticar um crime hoje eu serei tutelado
pela lei vigente hoje. Se eu praticar este mesmo crime daqui a 10 anos, eu serei tutelado pela lei
vigente daqui a 10 anos. Ora, como a regra é o Tempus Regit Actum, por regra, a lei penal não
retroage, não volta a passar. só se admite a retroatividade de normas penais se isso for beneficiar
o réu. A Constituição diz taxativamente que a lei penal só tutelará fatos anteriores a sua vigência,
a lei penal só vai tutelar fatos do passado, se isso gerar benefício para o réu.

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ou da não culpabilidade antecipada): está


previsto no artigo quinto, inciso LVII, e diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória. Pelo princípio da presunção de Inocência eu só
posso declarar que alguém é efetivamente responsável pela prática de um crime após assistir
contra ele sentença Irrecorrível, sentença condenatória transitada em julgado. Algumas
discussões surgem à luz da jurisprudência como consequência desse princípio da presunção de
Inocência. A maioria delas são discussões de natureza processual às quais não me cabe me
debruçar, mas eu só vou citar algumas a título de exemplo: se fala da possibilidade do início do
cumprimento da pena após condenação em segunda instância; será que seria possível se iniciar
o efetivo cumprimento da pena após a confirmação em segunda instância de sentença
condenatória? À luz da jurisprudência atual do STF a resposta é não. O STF entende que não é
possível o início daquilo que era chamado de execução provisória da pena ou do efetivo
cumprimento da pena após a sentença condenatória ser confirmada em grau recursal. Segundo o
STF isto fere a presunção de Inocência. mas isso é uma discussão muito mais processual do que
do âmbito penal. Outra coisa que se questiona muito como consequência do princípio da
presunção de Inocência: seria possível abstrair a Liberdade do indivíduo antes de existir sentença
transitada em julgado? O entendimento é que sim desde que o indivíduo se enquadre em
hipóteses de prisão preventiva ou prisão temporária. existem situações no âmbito do processo
penal autorizadora já a decretação de prisão preventiva ou prisão temporária. Ainda que ele seja
presumidamente inocente, se ele se enquadra em alguma dessas situações ele poderia ter a sua
Liberdade à título cautelar tolhida, mas aí também é uma discussão muito mais no âmbito

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processual. O que nos interessa aqui para fins penais é a seguinte ideia: você sua perderá o seu
status de inocente e sofrerá à amplitude todas as consequências de perder o seu status de
inocente somente quando houver contra você sentença condenatória irrecorrível, sentença
condenatória transitada em julgado.

PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO PLENA AOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS: está


previsto no artigo quinto, inciso XLI, e diz que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais. É um princípio que diz que todas as leis, incluindo as leis
penais, devem ter a preocupação de proteger qualquer atentado à liberdades fundamentais. Os
direitos liberdades fundamentais precisam ser protegidos com todos os ramos de ordenamento
jurídico.

OBS.: Nós podemos perceber que existem alguns debates sociais, alguns questionamentos
sociais se esses princípios que falamos até agora estão sendo mitigados. Percebam, essas
discussões que existem em redes sociais, esses casos concretos que geram tantos debates,
tanta repercussão em sede doutrinária, eles não vão influenciar na sua prova. Não adianta você
estar se debruçando sobre isso aqui. Para o seu objetivo você tem tratado o direito penal puro e
perfeito. Eu costumo dizer que o que nós estudamos aqui é o fantástico mundo de Bobby, é o
direito penal em tese, direito penal teórico, é o direito penal puro e perfeito que é o que você vai
precisar na hora da sua prova. Então, não adianta você querer tá trazendo análises específicas
caso concreto, porque não é este o objeto de análise que você precisa. Nós temos que ser
pragmáticos. Nós temos um objetivo a alcançar, e para alcançarmos esse objetivo, nós temos
que saber o direito penal em tese.

PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL (OU intranscendência): existe uma discussão


doutrinária se responsabilidade pessoal e intranscedência seriam a mesma coisa, eu recomendo
que vocês adotem a tese de que sim, de que são termos sinônimos. O princípio da
responsabilidade social deriva do inciso XLV, do artigo quinto da Constituição, e diz que nenhuma
pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação
do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido. Quem poderá ser punido pela prática
de um crime? o indivíduo que praticou efetivamente a conduta tipificado em lei. Somente aquele
ou aqueles que praticaram as ações ou omissões que a lei reconhece como crime é que podem
sofrer as consequências jurídico penais. Se estou eu e Vi lado a lado e eu saco uma arma e mata
uma pessoa e ela não fez nada, não sabia que eu podia fazer isto, não tem envolvimento
nenhum, apenas eu serei punido, e não é possível estender essa a punição a nenhuma outra
pessoa. A pena não passará da pessoa do condenado. Só quem pode sofrer as consequências
penais da prática de um crime é aquele que foi condenado em sentença irrecorrível, em sentença
transitada em julgado. É por isso que a morte do agente delituoso é causa extintiva da
punibilidade. Quando você vai para o código penal, lá para o artigo 107 do código penal e você
pega as causas extintivas da punibilidade, a primeira delas é a morte do agente. Se o indivíduo
que cometeu um crime morreu, acabou; O direito penal para de agir, Depois a punibilidade estará
extinta e o direito penal não tem mais o que fazer, porque somente aquele que cometeu o crime é
que pode ser punido. A pena não transcende, não passa da pessoa do condenado. Se esse
indivíduo morreu não há quem se reunido. Essa decretação de perdimento de bens, essa questão
de reparação do dano extensível aos sucessores, isto é matéria de natureza civil; São
consequências extrapenais. O princípio da intrancedência ou princípio da responsabilidade
pessoal faz referência as consequências penais do crime, a efetiva aplicação da pena. Eventuais
efeitos extrapenais podem sim ser extensíveis e estendidos aos herdeiros e aos sucessores, por
força expressa da Constituição federal.

PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA: está previsto no inciso XLVI, do artigo quinto,


que diz que a lei regulará a individualização da pena e adotará entre outras as seguintes:
privação ou restrição da Liberdade; perda de bens; multa; prestação social alternativa; suspensão

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ou interdição de direitos. O princípio da individualização da pena é baseado no seguinte
raciocínio: quando a pena vai ser aplicada ao agente, ela deve ter 3 naturezas: retributiva,
preventiva, e ressocializadora. Hoje, é posicionamento amplamente majoritário na doutrina que a
aplicação da pena como consequência de um crime deve atender à vertente preventiva, atender
à vertente retributiva, mas também deve atender a uma vertente ressocializadora. É por isso que
na hora que o magistrado vai aplicar a pena, o magistrado tem que individualizar essa pena.
Entre as possibilidades de punições possíveis, estou me referindo à qualidade e quantidade de
pena, o magistrado tem dentre aquelas que lhes são possíveis para o caso concreto e permitidos
por lei, ele tem que mensurar qual a mais adequada, tomando como base a realidade do
condenado para atingir a esses três objetivos. Então, eu tenho João e José que cometeram o
mesmo crime, a pena deles não terá que ser obrigatoriamente a mesma; o juiz vai mensurar
dentre as possibilidades que a lei lhe dar para aquele caso concreto qual seria a qualidade e a
quantidade de pena mais adequada e para um para o outro, sempre tendo este norte de que a
pena deve ter uma função preventiva, retributiva, mas, principalmente, deve ter uma função
ressocializadora. Concomitantemente com o princípio da individualização da pena, nós temos o
princípio da humanidade das penas.

PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS: previsto no artigo quinto, inciso XLVII diz que não
haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; de
caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento; cruéis. Quando você está tratando da
vedação às penas previstas na Constituição, você tem que tá ligado que existem 2 tipos de
vedações: existem as chamadas vedações absolutas e a vedação relativa. Quando você está
falando de penas perpétuas, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, a vedação é de
natureza absoluta; a grande pegadinha está em relação a pena de morte. Muitas pessoas acham
que o Brasil veda de forma absoluta a pena de morte, mas isso não é verdade. por força da
Constituição federal, a vedação a pena de morte é de natureza relativa, porque o próprio
dispositivo constitucional tem o “salvo”. O Brasil não admite pena de morte, salvo (...), ou seja,
excepcionalmente seria admitido em casos de guerra declarada nos termos do artigo 84, inciso
XIX. O artigo 84 da Constituição estabelece as competências privativas do presidente da
República; quando você pega o artigo 84 está lá “compete privativamente ao presidente da
República”, o inciso XIX diz “declarar guerra em caso de agressão estrangeira, desde que
devidamente autorizado pelo Congresso Nacional ou ratificado pelo mesmo quando ocorrer no
intervalo das sessões legislativas, e nas mesmas condições decretar total ou parcialmente a
mobilização nacional”.
Em uma situação hipotética e excepcionalíssima onde o presidente da República declarasse
guerra, em caso de agressão estrangeira pois o Brasil não faz guerra preventiva, somente
retributiva, somente se for atacado primeiro, se a nossa soberania de alguma forma, se a nossa
integridade territorial ou se as nossas instituições forem agredidas primeiro por uma nação
beligerante, o presidente pode declarar guerra. Se houver uma guerra declarada no Brasil nós
passamos a ter a possibilidade de pena de morte. Existe pena de morte no Brasil de forma
excepcional: apenas em casos de guerra declarada. A vedação a pena de morte é de natureza
relativa. Agora a vedação a penas perpétuas, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, a
vedação é de natureza absoluta.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (OU Criminalidade de Bagatela): de todos os princípios


norteadores do direito penal, inequivocamente é o mais comum, mais cotidiano, mais corriqueiro
e recorrente sendo tanto suscitado quanto aplicada pelo STJ e o STF. O princípio da
insignificância não tem previsão normativa, ele é supralegal; é uma criação jurisprudencial aqui
no Brasil (eu falo aqui no Brasil porque se você recorrer lá aos estudos dos consultos alemães
dos anos 50, do pós Segunda Guerra Mundial, se você for para a nova escola do direito italiano
da década de 60, se você for para a universidade de Coimbra mas eu não sei tenta você vai
encontrar muitos professores, muitos doutrinadores já falando na ideia da insignificância. Em
maior ou menor medida com muita semelhança ao que nós temos no Brasil hoje). Mas
efetivamente a primeira vez que alguém falou em insignificância no Brasil foi no STF lá no final
dos anos 70; em 1979, surgiu pela primeira vez o que hoje seria a base da ideia do que seja o

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princípio da insignificância. Então se convenciona dizer que embora a insignificância não seja
uma invenção Brasileira, não sejam a criação do Supremo Tribunal Federal, a introdução da
ideia, a sua gênese se deu no Brasil por uma decisão do supremo de 1979. Então, a
insignificância é uma hipótese supralegal, é um entendimento do Supremo Tribunal Federal que
de tão repetido acabou se incorporando efetivamente no dia a dia do nosso direito penal. E ele é
baseado numa premissa muito lógica e muito direta, a premissa é: se o direito penal é a última
ratio, é a última linha de defesa, é a última opção de tutela dos conflitos sociais, por óbvio o
direito penal não deve ser utilizado para coisas ínfimas, para coisas pequenas. A base
principiológica em torno da insignificância é de que o direito penal não deve ser utilizado se as
situações que estão sendo analisadas produzem para a coletividade consequências ínfimas,
consequências muito reles.
É por isso que o reconhecimento do princípio da insignificância produz como consequência
básica a atipicidade material da conduta. O STF diz que a insignificância parte da premissa que o
direito penal não vai ser usado para coisas ínfimas, para coisas ou situações que não produzam
efeitos consideráveis à coletividade. Consequentemente, se há o reconhecimento da
insignificância, não há crime.

PERGUNTA: o reconhecimento da insignificância isenta a pena? o reconhecimento da


insignificância atenua a pena? Não. Conhecimento da insignificância exclui o crime, porque gera
a obrigatoriedade de reconhecermos a atipicidade material da conduta.
Isso fica muito claro num julgado de 2011 (nós estamos pegando não necessariamente nesse
ponto os mais recentes, nós estamos pegando os mais didáticos. Como insignificância é algo já
muito consolidado no STJ e no STF, os ministros hoje quando julgam não se dão mais ao
trabalho de falar sobre insignificância. Então é muito mais fácil nós utilizarmos julgados de 2009,
de 2010 e 2011 quando se existia ainda uma preocupação parte do STF de definir a
insignificância, é mais fácil compreendermos a ideia usando julgados daquela época.) eu trouxe
pra vocês aqui uma definição dada pela excelentíssima ministra Cármen Lúcia do STF quando
ela emitiu seu voto no julgamento do HC 108946, publicado no dia 07/12/2011, e num dos trechos
lá do seu voto a excelentíssima senhora ministra Cármen Lúcia diz, ao se referir o princípio da
insignificância, “princípio que estabelece a necessidade de uma “análise materialmente valorativa
das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão
grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado”. A ministra Cármen Lúcia foi
uma das primeiras a deixar claro que quando nós estamos observando a ocorrência ou não do
princípio da insignificância, nós estamos observando a extensão dos efeitos da conduta. Se a
conduta produziu consequências relevantes, o direito penal pode ser chamado para atuar; mas se
a conduta produz consequências ínfimas para a coletividade principalmente e para o próprio bem
jurídico tutelado pela norma, não faz sentido aplicar o direito penal.
Ainda existiu desde 2009, 2010, a preocupação por parte de muitos ministros do Supremo
Tribunal Federal de deixar claro que o reconhecimento da insignificância demanda da análise
casuística, ou seja, demanda da análise no caso concreto e da identificação de 4 vetores. Para
que a insignificância possa ser reconhecida deve-se observar caso a caso, e em cada casuística,
ou seja, em cada caso concreto analisado, deve-se observar a presença cumulativa de 4 vetores:
mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade da ação, reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica produzida. É a famosa
sigla MARI. Segundo o STF, se faltar algum desses vetores a insignificância não pode ser
reconhecida.
Como exemplo, tem-se um julgado relatado pelas Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber,
que foi julgado no dia 8/042021, e publicado no DJe no dia 5/05/2021. É um agravo regimental
em um recurso em habeas corpus nº 172825, julgada pela primeira turma do STF, e num dos
trechos ao se referir ao princípio da insignificância ela diz “a jurisprudência deste Supremo
Tribunal Federal é no sentido de que a aplicação do princípio da insignificância exige a satisfação
dos vetores de (a) mínimo ofensividade da conduta do agente, (b) ausência de periculosidade
social da ação, (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d)
inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84.412, Rel. Min. Celso de Mello). E ela cita
aqui um relato do excelentíssimo Senhor Ministro Celso de Mello como precedente. Esse Habeas

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Corpus 84.412 foi o primeiro julgado do supremo onde surgiram esses 4 vetores exatamente
nesta sequência. Nós não temos uma regra para cada um desses vetores, a análise é casuística,
nós temos por óbvio situações que de pleno impedem a insignificância. Por exemplo, o emprego
de violência ou grave ameaça. Se você está diante de uma situação onde há emprego e violência
ou grave ameaça não há que se discutir insignificância, porque se tem violência ou grave ameaça
tem periculosidade, tem ofensividade, então os vetores já estão eliminados. Outra hipótese: se
você estiver diante de atentado completo à liberdade, é óbvio que não vai ter insignificância,
porque a liberdade é bem de proteção constitucional. Então nós temos algumas situações que
por serem mais extremadas, nós temos situações que por serem mais gravosas à luz de qualquer
pessoa, que deixam claro que a insignificância não se manifesta. Mas, nós não temos uma regra
que lhe diga o que é cada um desses vetores, porque a análise é casuística. O que normalmente
é questionado em prova é se você sabe decorado esses 4 vetores, porque a especificação de
cada um deles demanda de caso a caso. Por exemplo, a inexpressividade da lesão jurídica
provocada. Imagine que eu estou lhe relatando o furto de 50 reais. Eu posso dizer que a lesão a
inexpressiva? Depende. Imagine que a vítima é uma pessoa que ganha cem mil reais por mês,
essa lesão é inexpressiva para ele. mas suponha que eu estou me referindo a um pai de família
que está desempregado, quem não tem mais seguro-desemprego para receber, que fez um bico
ao longo do dia de hoje de servente de pedreiro, que ganhou 50 reais e vai comprar comida para
levar para dentro de casa, porque os filhos estão em casa com fome, e alguém lhe furta esses 50
reais, essa lesão é expressiva para ele. Então não tem como estabelecer uma regra elementar do
que seria a ausência de periculosidade, do que seria mínima ofensividade, do que seria
principalmente o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e principalmente a
inexpressividade da lesão jurídica produzida. Não se tem uma regra que vale para todas as
situações. A violência doméstica e familiar contra a mulher por si só já elide a possibilidade de
reconhecimento da insignificância. As questões ligadas ao tráfico ilícito de entorpecentes já elide
a possibilidade de reconhecimento da insignificância. Essas são questões extremadas, mas na
regra, tirando essas situações extremadas, caberá ao julgador observar casuística por casuística.
Cabe ao julgador na busca da verdade real entender se esses 4 vetores se manifestam à luz das
particularidades do caso concreto. Agora, em se entendendo que a insignificância é manifesta, o
direito penal não será mais aplicado. Em reconhecendo que a insignificância será manifesta, nós
teremos atipicidade material da conduta.

ATENÇÃO: a consequência elementar do reconhecimento da insignificância é a atipicidade


material da conduta. No HC 102080, julgado em 2010 pela segunda turma, e que teve como
relatora a excelentíssima senhora ministra Ellen Gracie, e numa das passagens do seu relato ela
diz “considero, na linha do pensamento jurisprudencial mais atualizado que, não ocorrendo
ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, por ser mínima (ou nenhuma) a lesão, há de
ser reconhecida a excludente de atipicidade representada pela aplicação do princípio da
insignificância. o comportamento passa a ser considerado irrelevante sob a perspectiva do direito
penal diante da ausência de ofensa ao bem jurídico protegido. como já analisou o ministro Celso
de Mello, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do
agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84.412/SP). no presente
caso, considero que tais vetores se fazem simultaneamente presentes. consoante o critério da
tipicidade material (e não apenas formal), excluem se os fatos e comportamentos reconhecidos
como de bagatela, nos quais tem perfeita aplicação ao princípio da insignificância. o critério da
tipicidade material deverá levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente
atingido no caso concreto. não há que se ponderar o aspecto subjetivo para a configuração do
princípio da insignificância.
Uma outra questão e talvez seja a questão mais atual que se discute sobre o princípio da
insignificância é se a contumácia ou reiteração delitiva afastariam a possibilidade do
reconhecimento da insignificância. Eu não estou falando para vocês em reincidência, eu estou
falando em contumácia ou reiteração delitiva. O que é ser reincidente? O que caracteriza a
reincidência a luz do artigo 63 do código penal? Eu digo que alguém reincidente se ele volta a
cometer crime depois de existir contra ele sentença condenatória transitada em julgado. Mas, o

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fato de você ser reincidente não significa que você age com reiteração delitiva. A reiteração
delitiva é aquele indivíduo que se dedica a prática de crime como meio de vida. Existem pessoas
que fazem da prática de pequenos delitos algo corriqueiro e contumaz. Eu me recordo certa feita
que uma pessoa me questionou sobre o seguinte caso: o indivíduo foi capturado em flagrante
pelo furto de Duas Barras de chocolate e a insignificância não foi reconhecida. O indivíduo era
contumaz em adentrar certos estabelecimentos comerciais e realizar pequenos furtos. Então
existiam mais de 80 registros de pequenos furtos por parte deste indivíduo. Ele transformava a
prática de pequenos crimes em meio de vida, e aí numa dessas ele acabou sendo processado e
a tese da insignificância não foi aceita. Esse indivíduo era réu primário; embora
comprovadamente ele tivesse se envolvido em mais de 80 pequenos furtos, ele nunca tinha sido
condenado em sentença irrecorrível em nenhum deles. Por isso que não se discute a questão da
reincidência. O fato de você ser reincidente por si só não impede o reconhecimento da
insignificância. Discussão é se essas pessoas que são contumazes na prática de pequenos
delitos, que isoladamente o delito seria insignificante, mas esses delitos repetidos de forma
corriqueira e contumaz, se isso impediria o reconhecimento da insignificância. O posicionamento
do STF é que sim. Então, muito cuidado: a reincidência por si só não impede insignificância, mas
a contumácia delitiva impede.
À título de exemplo eu trago o agravo regimental no habeas corpus nº 198550, julgado pela
segunda turma do STF que teve como relator o Excelentíssimo senhor ministro Nunes Marques,
foi julgado em 4/10/2021 e publicado no DJE em 2/12/2021, e aí o Excelentíssimo senhor ministro
Nunes Marques diz “na presença desses 4 vetores, o princípio da insignificância em si virá para
afastar, no plano material, a própria tipicidade da conduta diante da ausência de lesão ou perigo
de lesão ao bem jurídico tutelado. A insignificância, princípio de que afasta a tipicidade da
conduta, especialmente nos crimes patrimonialismo, não deve ser tida como regra geral, a se
observar unicamente o valor da coisa objeto do delito. Deve ser aplicada, segundo penso, apenas
quando estiver demonstrado nos autos a presença cumulativa dos 4 vetores de objetivos que
venho de referir. A contumácia ou reiteração delitiva, a multirreincidência, a reincidência
específica são exemplos de elementos aptos a indicar a reprovabilidade do comportamento, fator
hábil a afastar a aplicação do princípio da insignificância.
Percebam que não é a reincidência por si, é a multirreincidência, é a reiteração, é o indivíduo
estar tornando aquela prática pequenos crimes como meio de vida. O indivíduo está se
dedicando é uma vida de crimes ainda que isoladamente eles sejam ínfimos, isso sim impede a
insignificância, é entendimento do STF.

AULA 03

LEI PENAL NO TEMPO

TEMPO DO CRIME – TEORIA DA ATIVIDADE


Art. 4º do CP -considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro
seja o momento do resultado.
Para fins de reconhecimento do tipo do crime, o código penal brasileiro e toda a sistemática do
ordenamento jurídico penal brasileiro adotou a chamada Teoria da Atividade que é baseada na
premissa muito simples e direta: aplica-se a lei penal em vigor ao tempo do crime, e considera-se
como tempo do crime o momento da ação ou omissão ainda que outro seja o momento do
resultado. Dentro de toda a lógica do sistema penal brasileiro, quando nós estamos tratando da
aplicação da lei penal no tempo, nós estamos nos perguntando basicamente o seguinte: “qual a
lei penal deve ser aplicada na tutela de um determinado fato criminoso?” e a lógica será será
baseada na premissa do Tempus Regit Actun, os atos são regidos pela lei em vigor no momento
em que eles foram praticados, inclusive, isso é consequência de toda a lógica e de toda a
sistemática de direitos fundamentais previstos no artigo quinto da Constituição federal de 1988.
Então, a premissa fundamental é que se um ato é praticado em um determinado momento eu irei
aplicar a lei penal em vigor naquele momento, e é por isso que nós precisamos sermos capazes
de estabelecer qual é o tempo do crime e para fins de estabelecimento do tempo do crime o
código adota a chamada teoria da atividade que me diz de forma muito pragmática que

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considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão ainda que outro seja o momento
do resultado. Por causa desses 2 raciocínios nós já podemos tirar 2 informações elementares: A
primeira é que quando eu preciso saber qual lei vai tutelar uma determinada situação, em regra
geral, a primeira coisa que eu preciso estabelecer é o tempo do crime, qual o momento em que o
código penal reconhece que houve efetivamente a ocorrência do crime; como eu disse este
reconhecimento se dá com base na teoria da atividade, eu vou olhar qual foi o momento da ação
ou da omissão do indivíduo e esse momento da efetiva prática da ação ou da omissão será
considerado como tempo do crime, a teoria da atividade. Estabelecido o tempo do crime, eu
aplico a regra do Tempus Regit Actum: os atos são regidos pela lei em vigor no momento em que
eles foram praticados.
De vez em quando as pessoas caem em pegadinhas quando estão tratando, por exemplo, de
situações limites. Vamos imaginar uma situação hipotética em que um indivíduo que tenha hoje
17 anos 11 meses e 29 dias, sacou hoje uma arma de fogo e com animus necandi, com notória
intenção de matar, ele deflagrou disparos em direção a um desafeto. Suponha que esse desafeto
foi atingido, foi socorrido ao hospital, e lá chegando ao hospital, 10 dias depois, em consequência
dos tiros dos quais foi alvejado, vem a óbito. E aí surge a dúvida de se nessa situação se aplica a
tutela penal? Nessa situação eu posso dizer que teve um crime? Nessa situação como eu devo
tratar aquele indivíduo que deflagrou disparos? Perceba, se eu estou tratando do tempo do crime,
eu tenho que me ater a conduta em si, ou mais especificamente eu tenho que me ater ao
momento da conduta, ao momento da efetiva prática da ação ou da omissão. Qual é a conduta
caracterizadora desse crime? é o indivíduo pegar uma arma de fogo e deflagrar disparos em
relação ao desafeto. Quando esta ação foi praticada este indivíduo era menor de 18 anos. Se
quando o indivíduo deflagrou disparos ele tinha 17 anos 11 meses e 29 dias. 10 dias depois no
momento do óbito da vítima ele já era maior de idade, mas isto não importa, pois na regra geral
tem que se olhar o momento da conduta. Se no momento da conduta ele não tinha 18 anos ele
era penalmente inimputável; ele não pode ser submetido a tutela penal; eu sequer posso falar
que aquele indivíduo praticou o crime. Tecnicamente o que ele fez foi um ato infracional que é
regido pelo estatuto da criança e do adolescente. Então, essa lógica elementar em torno do
tempo do crime nos vai ser muito útil justamente quando nós estivermos tratando com situações
limites.
Imagine um indivíduo adulto, maior de 18 anos, suponha que ele deseja matar um desafeto e
hoje pega uma faca e enfia no peito deste desafeto. Ele já é adulto e penalmente imputável. Hoje,
o tipo penal de homicídio nos termos do artigo sempre 121 do código penal que define o crime na
modalidade simples como matar alguém, tem pena de 6 a 20 anos. ele enfiou a faca no feito do 3
afeto com ânimos necandi, com intenção de matar, o desafeto foi ferido e socorrido a um hospital.
passou 25 dias lutando para não morrer, mas, veio à óbito em consequência da facada. Suponha
ainda que neste período que a vítima esteve hospitalizada, houve uma mudança legislativa; essa
mudança legislativa foi publicada e entrou em vigor, e essa mudança legislativa estabelece que a
pena do homicídio simples não será mais de 6 a 20 anos, mas que será de 20 a 30 anos. Eu
passo a ter uma nova lei penal aumentando a pena daquele crime. Nesse caso qual a lei penal
que será aplicável nesta situação. Ora, a lei penal vigente no momento do crime à época do
crime: Tempus Regit Actum, os atos são regidos pela lei em vigor no momento em que foram
praticados. Logo, o que me resta saber qual é o tempo do crime. O tempo do crime é o tempo da
ação ou da omissão ainda que outro seja o momento do resultado. Quando é que a ação ou a
omissão foi praticada? No exato momento que o indivíduo deu uma facada no peito do outro. a
morte da vítima em consequência dessa facada é resultado, que em regra não é válido para
caracterizar o tempo do crime. O que me interessa é o momento da efetiva prática da conduta.
No momento da prática da conduta, o crime por ele praticado tinha pena de 6 a 20 anos; ainda
que quando a vítima venha a óbito apenas seja maior para aquele crime, no momento do
processo e julgamento desta conduta a tutela será pela lei vigente à época que ele deu a facada.
Mas é óbvio que vão lhe pedir que você saiba as minúcias, as particularidades, as eventuais
excepcionalidades, o que nós chamamos aqui de temas relevantes.

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TEMAS RELEVANTES
1. Lei nova que possa beneficiar o agente durante o período de vacation legis – possibilidade
de aplicação:
O primeiro tema relevante sobre a aplicação da lei penal no tempo que eu trouxe diz respeito a
uma lei nova que possa beneficiar o agente durante o período de vacation legis.
Vacation legis é o período que pode existir entre o momento da aplicação de uma lei penal e o
momento que ela efetivamente passa a produzir efeitos. Se uma lei penal é publicada hoje, e no
final da lei está escrito “esta lei entra em vigor no momento da sua publicação”, não a vacation
legis. Se essa lei penal é publicada e ela não faz nenhuma referência ao momento de início de
sua vigência, nós vamos aplicar a regra geral previsto na lei de introdução as normas do direito
brasileiro; ou pode acontecer da própria lei estabelecer o lapso temporal da sua vacation legis.
Se eu tenho uma norma penal que é benéfica ao réu e esta norma penal está em vacation legis,
eu poderia ou não aplicá-la em benefício do réu neste período de vacation? lembrando que, eu só
vou fazer essa pergunta tratando de norma penal benéfica. Normas penais que possam gerar
qualquer tipo de prejuízo para os indivíduos são irretroativas. A regra que está lá no artigo quinto
da Constituição federal de 1988 é da irretroatividade de normas penais: a lei penal não retroagirá,
salvo para beneficiar o réu. Por regra, a lei penal não volta ao passado, só se admite
excepcionalmente a retroatividade se essa lei penal vier a beneficiar o indivíduo. Então, eu estou
tratando aqui de uma lei nova de âmbito penal que é benéfica, que gerar algum tipo de benefício
ao réu, ao agente delituoso, ao investigado, àquele que efetivamente incorreu em conduta
criminosa. Se essa nova benéfica está em vacation legis, eu posso utilizá-la para beneficiar o réu
ou eu preciso aguardá-la entrar efetivamente em vigor para só então aplicar o benefício? A
doutrina se subdivide em 2 grandes Correntes;
01ª corrente imediatista: estabelece que mesmo que a norma penal esteja em vacation legis, ela
pode ser usada de forma imediata para gerar benefícios ao indivíduo. A lei penal benéfica ainda
que em vacation legis, para esta corrente, deve ter aplicação imediata. O raciocínio que esta
corrente faz é o seguinte: eles partem do pressuposto de que se eu tenho uma lei penal que
agora traz algum tipo de benefício para o réu é porque o nosso legislador considerou que “o
remédio penal que anteriormente era aplicado era amargo demais”. Imagine a seguinte situação
hipotética: que você tenha um crime X cuja pena seja de 10 a 20 anos, e aí o legislador entende
que este crime merece uma reprimenda menor, ao invés da pena ser de 10 a 20, passaria a ser
de 2 a 5 anos. Faz uma lei penal reduzindo a pena desse crime, só que essa lei tem vacation
legis; essa lei hipoteticamente tem 180 dias de vacation legis. Para a corrente imediatista não
faria o menor sentido você ter que aguardar estes 180 dias da vacation legis, ou acordar o prazo
que for, ter que esperar o início da vigência desta lei para só então poder suscitar esse benefício
da redução de pena.
02ª corrente legalista: para esta corrente é necessário aguardar a efetiva vigência da lei para só
então aplicar o benefício. Para os defensores da corrente legalista, nem a Constituição e nem o
código penal fazem essa diferença entre leis penais benéficas ou não estando elas em vacation
legis; você não tem respaldo normativo, você não tem respaldo e nem na Constituição e nem no
código penal e em nenhuma outra legislação para aplicar uma norma penal em vacation legis
ainda que em benefício do réu.

Por toda a lógica da jurisprudência brasileira, por toda a sistemática que nos tribunais superiores,
tanto o STF quanto o STJ, adotam, muito provavelmente, situação dessa natureza que até então
é uma mera hipótese jurídica, seria solucionado à luz da corrente imediatista. Se nós analisarmos
a forma de posicionamento, se nós analisarmos a vertente de reflexão tanto da maioria dos
Ministros do STJ quanto do STF, no que trata a aplicação de leis penais, no que trata a tutela
penal sobre atos do dia a dia, no que trata essas mudanças no sistema penal, inclusive, para fins
de descriminalização de redução de pena, eu acredito que caso uma situação como essa
surgisse de fato o posicionamento dos nossos tribunais superiores seria a favor da corrente
imediatista, seria a favor da aplicação da lei penal benéfica ainda que esta esteja em vacation
legis. Hoje também a maioria na doutrina a corrente imediatista.
2. Aplicação da lei penal em crimes permanentes e continuados:

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Sobre isso nós temos uma súmula do STF, a súmula 711 no Supremo Tribunal Federal que diz
que: a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua
vigência ela anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Essa regra que nos foi
inserida pela súmula 711 do STF, ela foge à lógica geral da aplicação da lei penal no tempo; ela
trata especificamente dos casos de crimes permanentes ele crimes continuados.
Crimes permanentes por definições são aqueles em que a consumação do delito ocorre em um
determinado momento e essa consumação se alarga ao longo de um determinado lapso temporal
que está ligado efetivamente a execução do crime. Quando você está tratando de um crime
permanente, você está tratando de crimes que tem um momento consumativo estabelecido, mas
essa consumação é elástica, pois se estende ao longo do tempo enquanto durar uma
determinada prática delitiva, uma determinada conduta delituosa. o exemplo mais clássico que
nós temos na doutrina de crime permanente é o delito de extorsão mediante sequestro, que está
tipificado no artigo 159 do Código Penal Brasileiro. O crime de extorsão mediante sequestro se
consuma, de acordo com o STF, quando a vítima é arrebatada, quando a vítima é capturada (o
que é basicamente extorsão mediante sequestro? é o meliante capturado vítima, tolher a
Liberdade da vítima e exigir deu uma vantagem patrimonial a título de resgate. Por exemplo, eu
capturou Vi e a levo para um cativeiro e começo a ligar para os seus pais dizendo que o só a
soltarei se eles me pagarem X mil reais. Esse crime, segundo o STF, se consuma no momento
do arrebatamento da vítima, pelo tempo que durar o cativeiro da vítima essa consumação está se
prostraindo; pelo tempo que durar o cativeiro da vítima essa consumação está se estendendo.
Daí a natureza de crime permanente, no que diz respeito à extorsão mediante sequestro. Eu
capturei Vi e o crime se consumou, se eu a mantiver no cativeiro por uma semana, a
permanência delituosa se estende ao longo desta semana; se eu a mantiver em cativeiro durante
2 anos, a permanência delituosa se estende ao longo desses 2 anos. É tanto que trazendo uma
aplicação processual penal, a captura em flagrante delito em crimes permanente pode acontecer
a qualquer tempo enquanto durar a permanência. Eu capturei Vi hoje, daqui a 2 anos a polícia
descobre onde eu a estou mantendo em cativeiro. A polícia pode lá em meio capturar em
flagrante delito, porque a consumação está se estendendo ao longo da prática da conduta
delituosa, é isso que caracteriza o crime permanente.
Outro exemplo clássico na doutrina de crime permanente é o delito de tráfico de drogas na
modalidade transportar. Por exemplo, suponha que eu vá lá para o interior de Pernambuco, para
uma região que, infelizmente ainda é conhecida como polígono da maconha, e compre 500 kg de
maconha prensada, embalada, e eu escondo ela dentro de um carro e saio do interior de
Pernambuco em direção à São Paulo conduzindo esse veículo levando 500 kg de maconha. eu
estou incorrendo no crime de tráfico de drogas na modalidade transportar drogas ilícitas conforme
previsto no artigo 33 da lei de drogas. É um crime permanente. enquanto essa droga estiver
comigo, enquanto eu estiver transportando essa droga, a permanência delituosa se estenderá. O
crime se consumou no exato momento em que eu peguei a droga e coloquei dentro do carro,
durante o período em que a droga está com o indivíduo a consumação está se estendendo daí a
natureza de crime permanente.
Já o crime continuado é uma ficção jurídica previsto no próprio código penal no artigo 71 do CP,
onde o indivíduo está praticando a mesma conduta, o mesmo crime em um contexto onde fica
claro que os crimes estão interligados entre si. Para que eu tenha a figura do crime continuado é
preciso que o indivíduo esteja praticando crimes de mesma espécie: o mesmo crime; ele está
praticando o crime em sequência, repetidas vezes, no contexto onde fica claro que o segundo
crime é diretamente interligado ao primeiro, e assim sucessivamente.
Imagine que o indivíduo é responsável por cuidar das finanças de uma empresa, ele é o gerente
financeiro da empresa, é ele quem acessa as contas e quem faz as transações, dentre outras
atividades. Suponha que ele corriqueiramente faça pequenos saques na conta dessa empresa,
Coloque o dinheiro no bolso e gaste; e ele faz isso inúmeras vezes. Todas as vezes que ele
pratique essa conduta ele incorre em crime de furto, mais especificamente isso seria um furto
qualificado, porque entende-se que há um abuso de confiança. Suponha que ele tenha feito isso
200 vezes ao longo do período em que trabalhou na empresa; eu teria 200 furtos qualificados; só
que é o mesmo crime, praticado dentro do mesmo modus operandi, ele está praticando a mesma
conduta, nos mesmo contexto, contra a mesma vítima. Então, nesta situação, em caso de

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condenação, é perfeitamente possível o juiz reconhecer a figura do crime continuado. A lei diz
que nesta situação o juiz vai fazer a dosimetria, o cálculo da pena por cada crime, e depois vai
observar: se as penas forem idênticas, ele toma uma delas; se forem distintas, ele toma a maior
dentre elas e, em qualquer um dos casos, vai exasperar de 1/6 a 2/3. Basicamente a figura do
crime continuado vai dizer que ao invés do indivíduo responder por 200 crimes de furto
qualificado, o juiz vai considerar que houve um único furto e vai exasperar, vai aumentar a pena
deste furto. É uma ficção jurídica, é uma abstração que o código nos dá, que é obviamente é
válida e aplicada quase todos os dias a luz da jurisprudência Brasileira.
Cuidado: só terá a possibilidade de reconhecimento de crime continuado se for o mesmo crime.
Por exemplo, furto, furto, furto. pode ser um furto simples, um furto qualificado, uma tentativa de
furto, mas furto, furto, furto; ou roubo, roubo, roubo; ou homicídio, homicídio, homicídio. Se tiver
um roubo e uma extorsão não dá crime continuado, pois são crimes de mesmo gênero, mas não
da mesma espécie. Um homicídio e um aborto não é possível continuidade delitiva, pois são
crimes de mesmo gênero, mas não da mesma espécie. Misturou crimes já não dá continuidade
delitiva.
Quer ver outro exemplo de crime continuado? Pega o caso do estelionatário. Ano passado eu
tomei ciência de um fato de um indivíduo que conseguiu fazer umas fotos de uma casa de praia
que estava pra vender, se passando por um corretor, alegando que mostraria essas fotos para
eventuais compradores. No entanto, ele pegou essas fotos e vídeos e começou a anunciar nessa
casa para alugar em período de veraneio em determinado site. A casa não era dele, ele não
podia fazer isso, ele não tinha procuração do proprietário para fazer isso; ele deu um golpe. ele
alugou a mesma casa que não era dele para umas 8 ou 9 pessoas. a grande arma do
estelionatário é a pala, então ele disse que como havia muito golpe no mundo as pessoas que
estavam alugando só precisavam pagar no momento 50% do valor do aluguel, o restante
pagariam quando chegassem a casa. não tinha que foi alugado, as famílias chegaram
encontraram a casa fechada, tentaram contato com ele mas não conseguiram e o dono da casa
ao ficar sabendo informou que a casa não estava para alugar, mas sim para vender; foram 9
crimes de estelionato praticados. é o mesmo crime, praticado dentro do mesmo modus operandi,
a mesma forma de agir e o mesmo contexto. Ele será punido por esses nove estelionatos? Não.
Há de ser reconhecida a figura do crime continuado, o juiz vai calcular a pena de cada um desses
crimes, vai pegar uma das penas se forem idênticas, vai pegar a maior dentre as penas se forem
distintas e vai aumentar de 1/6 a 2/3, conforme regra do artigo 71 do código penal. Então,
basicamente essa é a ideia de crime permanente e crime continuado.
A Súmula 711 do STF, me diz que se eu tiver tratando de crimes permanentes e continuados, eu
vou me utilizar da Lei Penal vigente ao fim da permanência ou ao fim da continuidade delitiva
para tutelar a situação, ainda que esta lei penal seja mais gravosa do que uma eventual lei
vigente no início da prática das condutas. O que a súmula 711 nos diz é que se eu tiver tratando
de crime permanente e/ou crime continuado eu vou olhar a lei penal em vigor quando terminar a
permanência ou quando terminar a continuidade delitiva. É uma exceção à regra do tempo do
crime. O tempo do crime é o tempo da conduta, da ação ou da omissão. Na regra geral, eu olho
para o momento que o indivíduo praticou a primeira conduta; este é o tempo do crime. Já nos
crimes permanentes e continuados, não me interessa o início da permanência ou da
continuidade. Em crimes permanentes ou continuados eu vou olhar qual a lei penal vigente
quando findou, quando cessou, quando terminou a permanência ou a continuidade delitiva.
Vamos imaginar que neste exemplo real que eu lhe dei do estelionatário, quando ele praticou a
primeira conduta caracterizadora do estelionato a pena para estelionato era uma, só que nesse
período que ele estava aplicando os golpes, a lei mudou e a pena foi aumentada; quando ele
praticou a última conduta a pena já era maior. Eu tenho 9 estelionatos que caracterizaram o crime
continuado. Hipoteticamente quando praticou o primeiro estelionato, a pena do estelionato era
menor; quando ele praticou o nono estelionato a pena era maior. Qual lei eu uso? a do último ato.
Pela súmula 711 do STF, em crimes permanentes ou continuados, eu olho a lei penal vigente ao
término da permanência ou da continuidade delitiva. Isso inclusive vale para reconhecimento da
menor ou maioridade penal se estivermos em situações limites em crimes permanentes ou
continuados.

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Suponha que um rapaz de 17 anos, 11 meses e 20 dias de vida, menor, capturou Vi e a levou
para o cativeiro, e permaneceu com ela em cativeiro exigindo o resgate a sua família por 60 dias;
60 dias depois dele ter capturado a vítima, a polícia encontrou o cativeiro, liberou a vítima e o
capturou. Nesta situação, ele responde como menor de idade à título de ato infracional, ou ele
responde como adulto a título de crime? Quando ele começou a praticar a conduta, capturar
vítima, levar para cativeiro e exige resgate ele era menor de idade; quando o cativeiro findou, que
a vítima foi liberada, e que ele foi capturado ele já era adulto, e aí crime ou ato infracional? Ora, a
conduta por ele praticada caracteriza crime permanente. A permanência delituosa se estende
pelo tempo que durar o cativeiro. Logo, quando ele atingiu a idade adulta, ele ainda mantinha a
vítima em cativeiro. Ao término da permanência ele era maior de idade. Então, ele responde por
crime, porque em crimes permanentes ou continuados toda análise jurídica penal que eu faço é a
luz da realidade vigente ao término da permanência ou da continuidade delitiva.
Esse caso, por exemplo, de golpes na internet, de estelionatos e de outros crimes praticados na
internet; vamos imaginar que um rapaz de 17 anos e 6 meses, desenrolado em rede social, em
quebrar segurança de site, de roteador, enfim, esses caras que usam a inteligência da internet
para o mal, começou a praticar furtos pela internet, furto eletrônico como se chama hoje; praticou
300 furtos entre 17 e 19 anos, oportunidade é que foi descoberto e capturado; vai ser
reconhecido em seu favor a figura do crime continuado. Quando ele praticou o primeiro, era
menor de idade; quando praticou o último já era adulto. Ato infracional ou crime? Crime.
Tratando-se de situações caracterizadores de crimes permanentes ou continuados, por força da
súmula 711 do STF, toda análise jurídico penal que eu vou fazer e a luz da realidade vigente é o
término da permanência ou da continuidade delitiva.
É bom que se diga que existem questionamentos doutrinários quanto a constitucionalidade da
aplicação desta regra em relação aos crimes continuados. Todavia, o STF, desde o julgamento
da AP 470 (Processo do Mensalão), firmou posicionamento em relação à constitucionalidade;
À título de exemplo eu trago um trecho do relato do excelentíssimo senhor ministro Joaquim
Barbosa, ex ministro do STF, que foi o relator do processo do mensalão, e esse seu relato foi
publicado no diário da justiça eletrônico em 10/10/2013, e ele fala justamente sobre a validade e
constitucionalidade da súmula 711. Eu trouxe só um trecho onde o ministro diz que “A lei penal
mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à
cessação da continuidade ou da permanência. o próprio embargante reconhece que a causa
dessa decisão foi a “existência de 5 crimes de corrupção ativa, praticados em continuidade
delitiva e parcialmente na vigência da nova lei”. Portanto, está bem compreendido o fundamento
do acórdão, que, aliás, está bem ancorado na súmula 711 desta Corte (A lei penal mais grave
aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a vigência é anterior a cessão da
continuidade ou da permanência). Esta também é a inteligência do art.71 do código penal que
trata da regra a ser aplicada, pelo órgão julgador, da ficção jurídica da continuidade delitiva.”
3. Aplicação da lei penal em crimes habituais
crimes habituais só aqueles crimes onde a sua caracterização, o seu reconhecimento demanda
da necessidade de demonstração de uma tendência, de uma vocação, de uma intenção do
agente delituoso e repetir aquela conduta. Em transformar aquela conduta em algo comum e
corriqueiro na sua vida. Crimes habituais, inclusive, são classificados como crimes
unissubsistentes, ou seja, são crimes que não admitem tentativa. Crimes habituais só estarão
caracterizados quando forem reconhecidos como consumados. Eu não tenho como seccionar em
crime habituais o itercriminis a ponto de reconhecer tentativa, porque o que caracteriza um crime
habitual é a necessidade prevista em lei da efetiva demonstração que o indivíduo queria e
desejava repetir aquela conduta diversas vezes; que ele queria transformar aquela conduta que a
lei tipifica como crime em algo comum e corriqueiro na sua vida. Um exemplo clássico de crime
habitual é a manutenção de casa de prostituição. Imagine que eu alugo um espaço pra fazer uma
única festa e nesse espaço eu vou favorecer a prática de prostituição. Imagine só que eu alugo
uma chácara, reúno amigos e convido várias mulheres que se dedicam à prostituição e crio todas
as condições para que lá aconteça a prática de prostituição. Mas, o meu objetivo é fazer isso uma
única vez, fazer para a despedida de solteiro de um amigo. Eu responderia pelo delito de
manutenção de casa de prostituição? Não, porque esse crime presume habitualidade; esse crime
só estaria caracterizado se ficasse comprovado que a minha tendencia natural era todo dia, ou

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todo final de semana repetir a mesma conduta, que eu estava mantendo aquele local querendo
repetidamente que lá houvesse a prática de prostituição. Se o meu objetivo é fazer uma festa,
ainda que neste local haja prática de prostituição, ainda que neste local e neste dia único eu
esteja criando as condições para que a prostituição aconteça, o meu fato é atípico. Eu não
responderei por manutenção de casa de prostituição porque eu não consigo demonstrar esta
habitualidade. Esta é a essência do crime habitual.
Quer ver outro exemplo: exercício ilegal da medicina. Imagine que um estudante de medicina tira
um plantão (ele não poderia) para ajudar um colega que quer ir a uma festa; ele tem um colega
que é médico formado, e o chamou pedindo um favor de só naquele dia ele ficar no plantão dele
para que ele pudesse ir para a festa, e o estudante de medicina fica no plantão. Ele comete
crime? Não, porque não há como se demonstrar a habitualidade. Ele está praticando a conduta
de forma esporádica e eventual. Eu não tenho elementos nesse número exemplo para dizer que
aquele indivíduo desejava, queria repetir aqueles plantões; que ele queria tornar esses plantões
algo comum e cotidiano na sua vida. Agora, vamos imaginar que em uma interceptação
telefônica, numa interceptação de dados ou alguma coisa desse tipo, a polícia que está
investigando esse indivíduo descobre que ele combinou com um colega médico que toda semana
ele mesmo sendo estudante de medicina vai tirar aquele plantão em troca de um pagamento
parte do médico. Aí nesse caso a habitualidade está demonstrada e estando demonstrada a
habitualidade há de ser caracterizado o crime de exercício ilegal da medicina.
Qual é a lei penal aplicável ao crime habitual tratando de tempo do crime? É quando ele praticou
a primeira conduta caracterizadora da habitualidade? É quando ele praticou a última conduta
caracterizadora da habitualidade? Eu trato exatamente como a Súmula 711 fala para crimes
permanentes e continuados? Bom, qual é o posicionamento da maioria dos doutrinadores e
também o posicionamento majoritário, ele não é uníssono, mas é majoritário no STJ, no STF não
há julgados recente sobre o tema nos últimos 15 anos. O STJ ao analisar um caso relativo à
manutenção de Casa de Prostituição adotou a seguinte tese, ou o seguinte posicionamento: a lei
penal aplicável em crimes habituais é aquela que esteja em vigor no momento que for
caracterizada a habitualidade delitiva. No momento em que ficar claro para a autoridade policial,
que for “descoberto” o crime estando caracterizado a habitualidade.
Então vamos imaginar o seguinte: que esse indivíduo está desempenhando exercício ilegal da
medicina. A polícia foi notificada por algumas pessoas, começou a investigar e hoje se descobriu
que aquela pessoa estava se passando por médico. Ao longo da investigação, chegou-se a
conclusão que antes da descoberta ele já tinha tirado 10 plantões, e depois da descoberta como
a polícia ainda não tinha o capturado ele conseguiu tirar mais 10 plantões. Qual será a lei penal
aplicada? qual será o tempo do crime? É quando ele praticou o primeiro ou o último? Nenhum
dos 2. é quando a habitualidade foi efetivamente descoberta; quando ficou claro e patente para a
autoridade pública a existência do crime a efetiva caracterização da habitualidade; esse é o
tempo do crime. Descobriram hoje a prática da conduta habitual, hoje o crime está manifesto. A
lei penal de quando ele começou era uma, a lei penal de quando ele terminou era outra. Qual é a
lei penal hoje? É essa. Então, é essa que vai ser aplicada. É essa a ideia sobre crime habitual no
que diz respeito a aplicação da Lei penal no tempo. Não é uma analogia direta com a súmula
711. Eu diria para você que é quase um meio termo jurisprudencial em relação à súmula 711. O
que entende a maioria do STJ e também o que entende a maioria da doutrina é que você deve
observar a lei penal em vigor na hora que ficar patente, na hora que ficar caracterizado para a
autoridade, pode ser o delegado de polícia que está investigando, pode ser o Ministério público,
às vezes o Ministério público faz diligências por si mesmo sem precisar da autoridade policial,
enfim; na hora que fica caracterizada para autoridade pública a efetiva caracterização da
habitualidade delitiva. Este é o momento de caracterização do tempo do crime para crimes
habituais, e consequentemente a lei penal vigente nesse momento é a que deve ser aplicada.
4. Abolitio Criminis:
Por conceito, eu teria abolitio criminis quando uma lei nova deixa de considerar como crime fato
que anteriormente era tipificado. O exemplo clássico de abolitio criminis foi o que aconteceu com
o adultério. O adultério era crime, estava tipificado no código penal, mas veio uma nova lei em
2005 dizendo que o adultério deixou de ser crime, isso é abolitio criminis. Em se tratando de
abolitio criminis eu tenho um entendimento do legislador que uma conduta que antes era

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tipificada agora não deve estar mais sob a tutela do direito penal. A figura do abolitio criminis diz
respeito à própria necessidade que o direito penal tem de perceber as mudanças das relações
sociais, de perceber as novas necessidades de tutela ou não do direito penal a luz da realidade
histórica; aquela ideia da fragmentariedade que o direito penal tem; as sociedades mudam, as
relações sociais, a história muda, e consequentemente o direito penal tem que se adaptar aos
novos tempos, e isso pode gerar a necessidade de que certas condutas que antes eram tidas
como relevantes a ponto de serem caracterizadas como crimes deixem de ser, e na hora que isso
acontecer você vai ter abolitio criminis.
Inclusive, o artigo segundo do código penal trata especificamente sobre isso. o artigo segundo do
código penal diz “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime,
cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Conforme o
parágrafo único deste artigo, a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se
aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
Desse disposto do artigo segundo do código penal, nós já podemos tirar 3 regras básicas:
Houve abolitio criminis, esse abolitio criminis vai beneficiar o indivíduo independentemente do
momento da persecução penal que ele esteja. Se eu tiver o advento de uma nova lei que
extingue o crime, essa nova lei vai beneficiar o indivíduo independentemente do momento da
persecução penal que ele esteja. Se ele estiver respondendo a inquérito quando houver a abolitio
criminis, o delegado vai fazer um relatório de conclusão de inquérito e pugnar pelo arquivamento.
Se em procedimento de instrução e julgamento, o juiz dentro da própria ação penal vai declarar
que o crime não mais existe.
Inclusive, tinha uma discussão sobre qual seria a natureza jurídica do abolitio criminis; se uma lei
nova que deixa de considerar um fato como crime deveria ser considerada como o quê; em que
pese eu saber que há uma divergência doutrinária, eu peço para vocês que não entrem nessa
divergência. Pensando na realidade da prova temos que usar o que está na letra da lei, e o artigo
107 do código penal brasileiro considera essa hipótese como causa extintiva da punibilidade. Se
houve abolitio criminis você tem uma causa extintiva da punibilidade por força do que está
taxativamente previsto no artigo 107 do código penal. Eu sei que alguns ou treinadores falam que
seria a causa extintiva da tipicidade, e eu até entendo os motivos que os levam a defender esta
tese, mas, com todo respeito, para nós não serve, pois eu tenho uma previsão expressa no artigo
107 do código penal de que é uma causa extintiva da punibilidade, então essa é a natureza
jurídica que eu devo reconhecer.
Eu tendo a figura da abolitio criminis, não importa a fase da persecução que eu esteja, o indivíduo
sempre será beneficiado, até mesmo se a sentença tiver transitado em julgado. A lei nova sempre
vai retroagir para beneficiar o réu ainda que o caso tenha sido decidido em sentença irrecorrível,
e o maior de todos os benefícios é a extinção do crime. Então não importa se a sentença
transitou em julgado, não importa se está em fase de execução penal.
Se o fato ainda não foi objeto de sentença condenatória, se o indivíduo ainda não está cumprindo
pena, terá competência jurisdicional para reconhecer a extinção do crime o juiz sentenciante; se
não tiver ação penal estiver somente na fase do inquérito, o delegado pede o arquivamento do
inquérito; se tem processo, se o processo está em trâmite, cabe ao juiz que preside o feito
reconhecer abolitio criminis. Agora se o indivíduo já está em fase de execução de pena, a
competência é do juízo das execuções penais; cabe a juízo das execuções penais, quando o
indivíduo já está no sistema prisional a aplicação de qualquer lei mais benéfica, e o maior de
todos os benefícios como eu disse é a extinção do crime.
5. Revogação de dispositivo normativo sempre irá representar abolitio criminis?
Um segundo detalhe que nós precisamos destacar aqui sobre abolitio criminis é o seguinte: será
que todas as vezes que eu tiver a revogação de um dispositivo normativo eu estarei diante da
extinção do crime? A resposta de cara é não. O STF reconhece que algumas vezes o legislador
pode revogar dispositivo normativo, mas manter a conduta sendo tipificada como crime por um
outro dispositivo normativo, e a isso a nossa jurisprudência dá o nome de aplicação do princípio
da continuidade fático normativa ou continuidade normativo típica. O exemplo mais clássico que
nós temos na doutrina disso diz respeito às alterações que o código penal sofreu lá pelos idos de
2009 no que diz respeito aos crimes sexuais. Anteriormente nós tínhamos 2 tipos penais
separados em 2 artigos: nós tínhamos o crime de estupro tipificado no artigo 213 do código penal

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e nós tínhamos o crime de atentado violento ao pudor tipificado no artigo 214. O artigo 213 do
código penal definia estupro como a conduta de constranger com emprego de violência grave
ameaça a prática da conjunção carnal; e o antigo crime de atentado violento ao pudor era
constranger com violência ou grave ameaça à prática de ato libidinoso diverso da conjunção
carnal. Então você tinha 2 crimes diferentes: artigo 213 estupro e artigo 214 atentado violento ao
pudor.
Com a reforma do código penal o artigo 214 foi revogado e o artigo 213 teve a sua redação
alterada. O artigo 213 hoje tem uma redação mais ou menos assim: constranger mediante
violência ou grave ameaça a praticar ou permitir que consigo se pratique conjunção carnal ou
outro ato libidinoso. Se você perceber a redação do artigo 213 é uma junção das redações que
antes estavam previstas no artigo 213 e 214. Só que quando houve a revogação do artigo 214,
choveu de processo no STJ onde as defesas alegavam que essa revogação do artigo tipificador
do atentado violento ao pudor caracterizaria abolitio criminis, e quem estava preso, ou sendo
processado, ou sendo investigado pelo atentado violento ao pudor teria direito ao reconhecimento
da causa extintiva da punibilidade. E a partir daí, o STJ e depois o STF continua lidarão a ideia do
princípio da continuidade fático normativa. Eles consolidaram a ideia de que pese tenha existido a
revogação do artigo 214, a conduta caracterizada como crime neste artigo foi inserida no artigo
213; a conduta que antes era chamada de atentado violento ao pudor continuou sendo prevista
na legislação penal como crime agora sob a rubrica do estupro.
Houve uma fusão dos antigos crimes de estupro ele atentado violento ao pudor em um só agora
sob o título de estupro e ambas as condutas previstas no artigo 213. Antigamente o artigo 213 era
crime de conduta única: constranger com violência ou grave ameaça a conjunção carnal; agora é
crime de conteúdo variado, é crime de ação múltipla. O indivíduo pode incorrer no estupro porque
constrangeu com violência ou grave ameaça a conjunção carnal ou porque constrangeu com
violência ou grave ameaça a qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal. O tipo
penal de atentado violento ao pudor foi revogado, mas o crime que era previsto neste tipo penal
continuou existindo agora com o título de estupro. Essa é a ideia por trás da aplicação do
princípio da continuidade fático normativa ou continuidade fático normativa.
Mais recentemente essa discussão voltou a acontecer, voltou-se a suscitar se a revogação de um
artigo de lei, ou a revogação de uma lei como um todo representaria necessariamente abolitio
criminis. Nós tivemos a revogação da antiga lei de segurança nacional, que é uma lei do início
dos anos 80, essa lei de segurança nacional foi revogada ao mesmo tempo que foram
introduzidos no código penal novos crimes sob a rubrica de crimes contra o estado democrático
de direito. Se você pega a parte final do código penal, 359 e a Sopa de Letras que virou o artigo
359 do código penal, você tem os “crimes contra o estado democrático de direito” de forma
genérica e os seus subtítulos. Quando veio essa revogação da lei de segurança nacional,
inclusive porque o caso mais emblemático envolvia um ex parlamentar, quando veio essa
revogação começou a se questionar novamente, se a revogação de uma lei, se a revogação de
um dispositivo normativo representaria ou não necessariamente abolitio criminis. Mais uma vez, a
jurisprudência se manifestou, Só que dessa vez quem se manifestou foi o STF. Na época do
atentado violento ao pudor quem se manifestou primeiro foi o STJ, agora com a revogação da lei
de segurança nacional quem se manifestou foi o STF, e o Supremo Tribunal Federal reforçou a
ideia de que o fato da lei de segurança nacional ter sido revogada não caracterizaria abolitio
criminis necessariamente. Todas as condutas que antes eram previstas na lei de segurança
nacional e que agora passaram a ser previstas ainda que outra rubrica, ainda que com outro título
no código penal continuam valendo, então seria a aplicação do princípio da continuidade fático
normativa.
Inclusive sobre isso eu trouxe um julgado relativamente recente, petição 9844, foi uma petição
feita pela Procuradoria Geral da República e que está afeta ao gabinete do excelentíssimo senhor
ministro Alexandre de Moraes que relatou o caso e que depois foi submetido ao Pleno do STF
para julgamento no dia 27/06/2022 e a publicação foi um dia 18/08/2022, e é justamente esse
caso dessa petição 9844 faz referência ao caso deste parlamentar, ou de um ex parlamentar, que
foi enquadrado na lei de segurança nacional e quando esta foi revogada, passaria em tese a
responder por esses novos crimes do código penal brasileiro. E aí num dos trechos o
excelentíssimo senhor ministro Alexandre de Moraes diz que não houve abolitio criminis, que a

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revogação dos dispositivos da lei de segurança nacional não caracterizam necessariamente
abolitio criminis, pois é a evolução legislativa produzida pelo Congresso Nacional em defesa da
democracia e de suas instituições efetuou o fenômeno jurídico conhecido como continuidade
normativo típica, estabelecendo na nova lei as elementares dos tipos penais utilizados pelo
Ministério público no momento do oferecimento da denúncia; mantendo, dessa forma, as
condutas descritas no campo da ilicitude penal.
Se eu tenho abolitio criminis, necessariamente eu tenho o maior benefício que um indivíduo pode
gozar, e esse benefício lhe será aplicado independentemente de existir ou não sentença
condenatória transitada em julgado. Mas, eu tenho que ter o cuidado para na hora que houver
uma revogação de um dispositivo normativo eu observar e verificar se aquela conduta que era
considerada no dispositivo revogado como crime ela não continua sendo prevista como crime em
um outro dispositivo. No caso do adultério é patente: revogar o artigo que tipificava adultério
como crime, e eu não tenho em nenhum outro local da lei penal a tipificação de adultério, então
houve sim abolitio criminis em relação a adultério. Agora existem certas situações como foi esse
o meu exemplo do atentado violento ao pudor ou de crimes previstos na antiga lei de segurança
nacional, existem certas situações onde o legislador por uma opção dele, por um exercício de
fragmentariedade primária dele, ele revoga o dispositivo normativo, mas ele mantém a conduta,
ainda que com uma outra rubrica, ainda que com palavras diferentes, ele mantenha a conduta
tipificada como crime em outro dispositivo normativo. Neste caso, a persecução penal não sofre
abalo. Neste caso, apenas vai ser feito um eventual aditamento de uma denúncia, uma alteração
de artigo de lei, uma mutatio ou emendatio libelli se tiver na fase de sentença, mas o processo de
aplicação do direito penal naquele caso concreto não vai ser interrompido. Ele vai continuar
acontecendo porque não houve causa extintiva da punibilidade. Essa é a segunda coisa.
E a terceira eu até já falei na aula de hoje, mas eu faço questão de repetir: em estando
caracterizado efetivamente abolitio criminis, em estando caracterizado que a lei penal não mais
considera aquele fato como crime, se a norma abolicionista está em vacation legis a sua
aplicação, conforme a maioria da doutrina, deve ser imediata. Se os benefícios devem ter
aplicação imediata ainda que a lei que os traga esteja em Vacation Legis é óbvio que o maior de
todos os benefícios que a extinção do crime também terá aplicação imediata.
6. Possibilidade de retroatividade de jurisprudência em benefício do agente delituoso:
Lei penal benéfica vai retroagir. Mas será que a jurisprudência é benéfica retroage? Nós vivemos
atualmente uma fase do direito penal e também do processo final, mas vamos estancar no direito
penal, onde a jurisprudência, os precedentes dos tribunais influenciam muito, inclusive, para fins
de tipificação de crime. É um fato que a jurisprudência e os precedentes dos tribunais superiores
têm influenciada para fins de tipificação de crime. Um exemplo bem pragmático disso é, por
exemplo, no que se refere ao período anterior à alteração da lei de racismo. A antiga injúria racial
hoje é tipificada como crime de racismo na lei específica, na Lei 7716/23, mas antes houve um
período em que por decisão do Supremo Tribunal Federal a conduta de injúria racial que era
tipificada no código penal no artigo 141, §3º, do Código Penal foi equiparado a crime de racismo
e recebeu todo o tratamento penal dos crimes de racismo da Lei 7716. Hoje isso acabou, essa
analogia feita pela jurisprudência não se aplica mais porque houve efetivamente uma alteração
da lei. Então, nós tivemos com a mudança feita na lei de racismo o acréscimo da figura da injúria
racial que antes estava no código penal agora foi acrescido na lei 7716, caracteriza crime de
racismo, art., 2-A da Lei de Racismo. Então hoje não tem mais discussão, mas houve um período
em que essa equiparação da injúria racial com o crime de racismo deriva de jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. Então, é fato que os precedentes dos tribunais superiores, é fato que
a jurisprudência tem sim influência no âmbito do direito penal, seja para fins de reconhecimento
do crime, seja para fins de desnaturação de crime. E aí vem a pergunta: a jurisprudência é
benéfica retroage? A jurisprudência maléfica não retroage; a jurisprudência maléfica, em tese,
não tem como retroagir. Mas e a jurisprudência benéfica? eu digo em tese porque nós tivemos
alguns casos mundo e na prática houve retroatividade de jurisprudência maléfica, mas esses
casos não serão objetos de arguição em prova, então não nos cabe discutir. Será que se eu
passo a ter uma jurisprudência, que de alguma forma beneficia o réu, ela vai retroagir? Eu posso
ter retroatividade de jurisprudência em benefício do réu da mesma forma que eu tenho
retroatividade de lei penal benéfica? Só para variar a jurisprudência vai se dividir em 2 Correntes.

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Nós temos uma corrente majoritária aqui inclusive é baseada nos posicionamentos do STJ que
versa sobre a impossibilidade. Na regra geral, tanto o STJ quanto o STF, quanto a maioria dos
doutrinadores, entendem que jurisprudência não retroage, nem para o bem nem para o mal.
Estamos falando irretroatividade de jurisprudência benéfica, mas eu vou até ampliar a
informação. O posicionamento hoje majoritário é que jurisprudência não retroage, nem para o
bem e nem para o mal. Retroatividade de jurisprudência benéfica já foi discutida no STJ inclusive
recentemente e o posicionamento é que não cabe retroatividade de jurisprudência em regra ainda
que em benefício do réu. Essa é a corrente majoritária a corrente que eu recomendo que seja
adotada por vocês. A segunda corrente defende que sim, que jurisprudência por influenciar hoje
diretamente o direito penal poderia retroagir quando benéfica, mas isso é um posicionamento
minoritário. Agora ambos os posicionamentos, ambas as Correntes, admitem que em se tratando
de súmulas vinculantes, e essas só podem emanar do STF, que beneficiem o indivíduo podem
retroagir. Isso ficou bem claro quando o STF admitiu a retroatividade da súmula vinculante
número 24, e esta é aquela que diz que só será caracterizado crime material contra a ordem
tributária prevista no artigo primeiro, inciso I ao IV, da Lei 8137/90 quando houver o exaurimento
do procedimento administrativo fiscal de cobrança. A Súmula a vinculante nº 24 deixa claro que
eu só posso caracterizar crime material contra a ordem tributária lá da Lei 8137/90, no seu artigo
primeiro, inciso I ao IV, quando houver a instauração e exaurimento do processo administrativo
fiscal de cobrança. Quando essa súmula 24 foi editada pelo STF surgiu a discussão: ela só se
aplicaria aos fatos posteriores à publicação da súmula vinculante ou elas poderiam ser utilizadas
para condutas anteriores a publicação dessa súmula? Como se trata de uma súmula que
beneficia o réu, o entendimento é que ela retroage. Agora tenha muito cuidado: eu não estou
falando de súmula, eu estou falando de súmula vinculante. Nós temos súmulas e nós temos um
patamar acima das súmulas que são as súmulas vinculantes. Nós estamos falando
especificamente de súmulas vinculantes. Você tem as decisões dos tribunais superiores; algumas
dessas decisões viram súmulas, e poucas situações viram súmulas vinculantes. Eu tenho 3
patamares: jurisprudência, jurisprudência sumulada e súmula vinculante. Jurisprudência e
jurisprudência sumulada não retroage ainda que em benefício do réu. Essa é a corrente
majoritária, esse é o posicionamento do STJ e do STF e aquele que eu recomendo que seja
seguido por vocês. Agora esse topo, as súmulas vinculantes, se a súmula vinculante só pode ser
do supremo, pelo fato de entender que elas passaram por todo um controle concentrado de
constitucionalidade; súmulas vinculantes que beneficiam o réu elas podem sim retroagir e
abraçarem fatos anteriores a sua publicação. Isso ficou muito claro quando o STF aplicou a
súmula vinculante número 24 para fatos geradores anteriores a publicação desta referida súmula
vinculante.

LEIS TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS


Correlacionado à lei penal no tempo, eu tenho outro assunto que precisa sendo tratado com
particularidade agora com vocês que são as leis temporárias e excepcionais.
As leis temporárias e excepcionais fogem a toda as regras e nós discutimos agora. por isso que
eu digo que lei temporária e ler excepcional é um assunto conexo mas que tem que ser tratado
de forma particularizada até porque as regras que nós estudamos até agora não são válidas para
leis temporárias e leis excepcionais.
O artigo terceiro do código penal diz que a lei é excepcional ou temporária, embora decorrido o
período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato
praticado durante a sua vigência.
Por definição, leis temporárias e leis excepcionais são leis feitas para regerem momentos de
anormalidade jurídica social. Esse inclusive é o conceito clássico do mestre Nelson Hungria;
quando você vai para os tratados de direito penal de Nelson Hungria, e ele vai definir leis
temporárias e excepcionais ele fala isso, que uma lei temporária e/ou excepcional são leis
editadas não só no âmbito penal, são leis editadas, são leis colocadas em vigor para regerem
momentos que fogem à normalidade, para regerem momentos excepcionais, para regerem
momentos que são completamente diferentes daquilo que acontece no dia a dia da sociedade
Brasileira. Este é o ponto em comum entre uma lei temporária e uma lei excepcional. Elas têm a

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mesma essência; são leis editadas, publicadas e entram em vigor para regerem momentos de
anormalidade jurídica social.
Qual é a sutileza de diferença entre elas? Vamos imaginar que nós tenhamos esse momento de
anormalidade, este momento que foge ao que é comum na sociedade. Se eu sei por quanto
tempo especificamente essa anormalidade vai durar, eu crio uma lei temporária. A lei temporária
traz prevista no próprio texto da lei o dia de início e o dia de término da sua vigência. Quando eu
consigo estabelecer o escopo temporal, um lapso temporal que aquela anormalidade vai existir,
eu criei uma lei temporária. Se eu não tenho como saber quanto tempo vai durar esta
anormalidade, eu faço uma lei excepcional. A lei excepcional tem dia de entrar em vigor, e
permanecerá em vigor pelo tempo que durar a excepcionalidade que a motivou.
Vamos para exemplos práticos: vamos pegar a última vez que nós tivemos leis excepcionais de
âmbito penal. Nós, a partir de 1942, século passado, nós tivemos a publicação de algumas leis
penais que foram feitas pelo fato do Brasil está envolvido na Segunda Guerra Mundial. Em 1939
começa oficialmente a Segunda Guerra Mundial com a invasão das tropas da Alemanha nazistas
sobre o território da Polônia. O Brasil fica na política de neutralidade de 1939 a 1941, o então
presidente da República Getúlio Vargas tem uma ditadura implantada no Brasil, a ditadura do
estado novo que começou em 1937 e Vargas tinha uma certa simpatia ou similaridade nem tanto
com o nazismo, mas mais com o fascismo de Mussolini na Itália. mas ao mesmo tempo o brasil
não podia abrir mão das relações comerciais que tinham com os Estados Unidos. Então de uma
forma bem rasteira o Brasil passou um tempo em cima do muro. Só que começaram a acontecer,
dentre outras coisas, torpedeamento de navios brasileiros na nossa Costa, em alto mar, na Costa
no continente africano, levando a um clima social que passou a exigir que o Brasil assumisse um
lado na guerra. Ao mesmo tempo houve uma forte pressão dos Estados Unidos para que o Brasil
declarasse guerra aos países do eixo e se tornasse aliado deles; Os Americanos inclusive tinham
interesse estratégico ou fora do comum em ter uma base aérea no nordeste brasileiro, e
efetivamente tiveram na cidade de Natal no Rio Grande do Norte, que era o chamado trampolim
da Vitória, e aí a soma de tudo isso fez com que oficialmente em 1942 Vargas declara-se guerra
aos países do eixo (Alemanha, Itália, Japão e os seus aliados) ao ponto de que em 1944 o Brasil
enviou contingentes militares para lutarem no teatro de operações da Itália; o Brasil enviou a
força Expedicionária Brasileira, 25.411 combatentes da força Expedicionária Brasileira, mas 400
inclusive morreram em combate ou desapareceram; os mortos brasileiros em combate estão
sepultados no cemitério militar de Pistoia na Itália, e o Brasil enviou a FAB, o que ficou conhecido
posteriormente como FAB, na verdade era o primeiro GAC, o primeiro grupo de aviação de caça,
e o primeiro ELO, primeira esquadrilha de ligação e observação. Então, o Brasil mandou
efetivamente soldados, combatentes lutarem na Itália em 1944 na Segunda Guerra Mundial; e o
Brasil terminou a guerra do lado dos vencedores. É tanto que propuseram ao governo brasileiro
que as tropas do exército brasileiro fossem força de ocupação na Áustria, mas o governo Vargas
não aceitou e trouxe os expedicionários de volta pra casa. Nesse período em que o Brasil
declarou guerra ele se envolveu no maior conflito da história recente da humanidade. Na hora
que o Brasil entrou em guerra era normal que se admitisse a criação de uma série de leis,
inclusive leis penais, para tutelar uma situação que era completamente anômala na nossa
sociedade. Uma guerra da dimensão da Segunda Guerra Mundial o Brasil nunca tinha vivido. A
maior guerra que o Brasil se envolveu antes da Segunda Guerra Mundial foi a guerra do Paraguai
que nem no nosso território foi basicamente. Não tinha como saber quanto tempo a guerra ia
durar. Então foram feitas leis penais de cunho excepcional. Por exemplo, em determinadas áreas
do litoral brasileiro era crime deixar luzes acesas durante a noite em edificações litorâneas. Nesse
período que o Brasil esteve envolvido na Segunda Guerra Mundial foram criadas leis
excepcionais de âmbito penal; leis excepcionais porque o Brasil não sabia quanto tempo a guerra
ia durar. Enquanto o status de guerra durou, essas leis estiveram em vigor. Em 1945 com o
retorno da Força Expedicionária para o Brasil e a deposição de Getúlio Vargas, o início de um
novo governo, a condição de guerra foi revogada e consequentemente as leis excepcionais foram
revogadas; que a lei excepcional se mantém vigente pelo período que durar a excepcionalidade
que a motivou.
Vou lhe dá um exemplo de lei temporária: a lei geral da Copa do Mundo. Quando o Brasil sediou
a copa do Mundo, o Brasil teve que se adequar a uma série de regras e exigências feitas pela

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própria FIFA. Sediar a Copa do Mundo é algo que foge à normalidade de qualquer país. E foi
criada uma lei chamada de lei geral da Copa do Mundo para reger essa situação anormal, só que
neste caso era possível saber o dia que começar e o dia que terminava. Então a parte penal da
lei geral da Copa do Mundo teve a sua vigência estabelecida na própria norma. Tinha um crime
na lei geral da Copa do Mundo que era marketing de guerrilha de emboscada: fazer propaganda
de produtos que não eram licenciados pela FIFA em áreas próximas aos estádios de futebol; isso
era tipificado como crime na Lei geral da Copa do Mundo, mas só durante o período em que a
FIFA assumia a tutela da Copa do Mundo no Brasil. Então a lei geral da Copa do Mundo foi uma
lei temporária.
Características elementares: elas são auto-revogáveis e são ultra-ativas. Na regra geral, uma lei
está em vigor até que venha outra e a revogue: lex posterior derogat priori: a lei posterior revoga
a lei anterior quando tratar do mesmo tema. Mas leis excepcionais e temporárias não seguem
essa regra; lazer excepcionais e temporárias são auto-revogáveis no seguinte sentido: além é
excepcional estará automaticamente revogada quando cessar a excepcionalidade que a motivou,
e ela é temporária estará automaticamente revogada quando cessar o período de vigência
previsto na própria lei. No exemplo que eu dei das leis da Segunda Guerra Mundial, a lei era
excepcional e estaria em vigor enquanto o Brasil estivesse em guerra; terminou o status de
guerra do Brasil, a lei se auto revogou; a lei geral da Copa do Mundo é uma lei temporária,
porque estava previsto que é a parte final dessa lei só estaria em vigor até 31/12/2014, chegando
nessa data a lei foi revogada automaticamente. Daí o fato delas serem auto revogáveis. E elas
também são consideradas como ultra ativas, pois por força de lei, por força do que está previsto
no artigo terceiro do código penal o crime praticado na vigência de uma lei temporária ou de uma
lei excepcional sempre será julgado pelo que diz essa lei mesmo que ela não esteja mais em
vigor. A ultratividade de normas excepcionais ou temporárias é baseada na seguinte premissa:
imagine que hoje eu cometa um crime na vigência de uma lei temporária mas só descubram que
eu cometi esse crime no ano que vem e neste ano a lei temporária não está mais em vigor, eu
poderia ser julgado e processado pelo artigo terceiro do código penal; mesmo que a lei
temporária ou excepcional não esteja mais em vigor, no momento em que o indivíduo é
submetido à persecução penal, se ficar claro que ele cometeu o crime na vigência da lei
temporária ou excepcional ele pode ser julgado pelo crise essa lei ainda que ela não esteja mais
em vigência. É a ideia da ultratividade.
Há quem questione ou não a constitucionalidade desta ultratividade. Sobre lei excepcional nós
não temos nenhuma recente; sobre a lei temporária a mais recente foi a lei geral da Copa do
Mundo. Em relação à lei geral da Copa do Mundo o STJ considerou que a ultratividade era válida.
Muitos doutrinadores defendem a tese de que como em tese leis excepcionais e leis temporárias
podem ter um período de vigência muito curto, se o indivíduo não pudesse ser punido
posteriormente essas leis entrariam em descrédito; independentemente de existir essa
divergência doutrinária, eu recomendo que neste caso, como nós não temos um posicionamento
jurisprudencial assertivo e definitivo, eu recomendo que você use para a sua prova o que está na
letra da lei. Se a sua prova perguntar se um crime praticado na vigência de uma lei excepcional
ou de uma lei temporária pode ser punido em momento posterior ainda que a lei não esteja mais
em vigor, eu recomendo que você responda que sim, porque é isso que taxativamente está
previsto no artigo terceiro do código penal.

AULA 04

LEI PENAL NO ESPAÇO

Na onde hoje nós vamos tratar da lei penal no espaço, ou como algumas pessoas gostam de
chamar, nós vamos tratar da aplicação territorial da lei penal Brasileira. Tanto faz lei penal no
espaço ou aplicação territorial da lei penal Brasileira, pois os termos são sinônimas e referem-se
aos mesmos institutos jurídicos. Para nós começamos a tratar deste tema nós já precisamos
conhecer a regra geral, porque quando nós estamos pensando na lei penal Brasileira em relação
ao espaço o que nós estamos pensando basicamente é: quais locais se o indivíduo cometer um
crime, em tese, ele estará sujeito ao ordenamento jurídico penal do nosso país. Quando eu estou

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estudo lei penal no espaço o que eu quero eu quero descobrir basicamente é isso: em quais
locais se o indivíduo vier a cometer um crime, em quais locais esse crime será tutelado pelas
regras previstas na lei penal Brasileira.
Para fins de estabelecimento de quais são esses locais onde tem validade a nossa lei penal o
nosso ordenamento jurídico segue uma regra geral a qual é baseado no Princípio da
Territorialidade Temperada, que está previsto no artigo quinto do código penal brasileiro. Diz a
letra da lei que aplica-se a lei Brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito
Internacional, ao crime cometido no território nacional.
Na regra geral nós vamos aplicar a tutela do nosso ordenamento penal a todas as pessoas que
estejam dentro daquilo que nós consideramos como o território brasileiro; na regra geral não
importa a nacionalidade das pessoas envolvidas na conduta delituosa, não importa se são
brasileiros ou estrangeiros, se são estrangeiros no Brasil ou se são turistas, nada disso importa.
Em regra, na hora que qualquer pessoa adentra o nosso território essa pessoa passa a estar
sujeita as nossas leis penais. Pelo mesmo raciocínio, em regra, na hora que qualquer indivíduo
sai do território brasileiro ele deixa de estar sujeito a nossa legislação penal. É aquela história: eu
sou Brasileira nato e estou dentro do Brasil, a lei penal aplica-se a minha pessoa; se porventura
eu resolvo fazer uma viagem de férias e vou passar 30 dias em Portugal, enquanto eu estiver em
terras lusitanas, na regra geral eu passo a estar sujeito a lei penal portuguesa; se eu resolvo
esticar as minhas férias e vou passar 30 dias na Inglaterra, em que pese eu ser brasileiro, em
regra geral eu estou sujeita a lei penal inglesa e assim sucessivamente. Essa é a ideia elementar,
mas por que é que nós chamamos de princípio da territorialidade temperada ou mitigada? porque
a essa regra geral nós temos exceções previstas no próprio ordenamento jurídico previstos no
artigo sétimo do código penal.
Em regra, entrou no território brasileiro está sujeito à nossa lei penal; saiu do território brasileiro,
deixa de estar a ela submetido. Só que vão existir situações em que mesmo o indivíduo estando
fora do território brasileiro, ele ainda assim pode estar sujeito ao nosso ordenamento penal.
Existem situações em que a lei penal Brasileira pode ser aplicada além das nossas Fronteiras,
além do nosso território; a estas situações excepcionais, dar-se o nome de extraterritorialidade. A
extraterritorialidade pode ser de 3 tipos: incondicionada, condicionada hipercondicionada também
chamada de plus condicionada. Daqui pouco nós trataremos da extraterritorialidade, eu apenas
citei extraterritorialidade para vocês perceberem que em regra diz-se que a aplicação da lei penal
Brasileira em relação ao espaço segue o Princípio da Territorialidade Temperada; Princípio da
Territorialidade porque o que é usado como referência para se saber se nós aplicamos ou não a
lei penal Brasileira é se o indivíduo está ou não dentro do território brasileiro. Agora
excepcionalmente, daí o fato de ser territorialidade temperada, a nossa lei admite incluindo-se aí
acordos, tratados e regras de direito Internacional, que certas situações mesmo ocorridas fora do
nosso território estejam sujeitos a tutela da lei penal Brasileira.
Imagine a seguinte situação hipotética: suponha que um mexicano esteja de viagem pelo
nordeste brasileiro, quando este mexicano está visitando a Praia de Boa Viagem aqui em Recife,
ele se envolve em uma confusão com um dinamarquês. O mexicano pega uma Pedra joga no
dinamarquês, mas erra e acaba atingindo um argentino que ia passando pelo local naquela hora
e o argentino morre. Autor da conduta mexicana, a vítima que deveria ser atingida é um
dinamarquês, e a vítima real é Argentina. Eu tenho entre os envolvidos na situação, seja como
sujeição ativa ou passiva, eu tenho 3 nacionalidades diferentes, só que para fins de
estabelecimento de qual lei penal irá tutelar a situação pouco importa que um é mexicano, que
outro é dinamarquês e que outro é Argentino; interessa que a conduta foi praticada na Praia de
Boa Viagem, aqui na cidade do Recife, ou seja, interessa que a conduta foi praticada dentro do
território brasileiro, logo a lei penal aplicável a lei penal Brasileira.
Da mesma forma, eu sou brasileiro nato e resolvi que vou passar 30 dias de férias em Lisboa ou
Coimbra, mas eu acabo por me desentender com um espanhol que também está lá de férias, e
eu produzo uma lesão corporal nele. O sujeito ativo sou eu que sou brasileiro, e o sujeito passivo
é ele que é espanhol. Qual lei penal aplicável? é a minha pelo fato de eu ser brasileiro? Não. é a
do espanhol? também não. Em tese, a lei penal aplicável é a lei penal portuguesa, pois eu estou
dentro do território de Portugal. Essa é a premissa por trás da ideia da territorialidade. Aplica-se a

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lei penal do país aonde você está; se o indivíduo está dentro do Brasil, aplica se a lei penal
Brasileira. Quando esta territorialidade admite exceções dir-se-á que ela é temperada.
O mais importante neste momento é nós sermos capazes de reconhecer o que é que pode ser
considerado como território brasileiro. Se eu sei que nós aplicamos a lei penal brasileira aos
crimes cometidos no nosso território, surge a pergunta: o que é que eu posso considerar como o
território brasileiro?
E aí eu já chamou a atenção de vocês para um detalhe: nós temos por conceito doutrinário duas
caracterizações ou 2 tipos diferentes de território para fins de aplicação da lei penal. Tudo que eu
vou falar daqui pra frente diz respeito a aplicação territorial da lei penal. nós temos 2 tipos de
território: nós temos o chamado território físico, também conhecido como território propriamente
dito, e nós temos o território por convenção, Nelson Hungria chamava de territórios suposto.
- Território físico brasileiro, também chamado de território brasileiro propriamente dito: abrange
todas as terras emersas pertencentes a República federativa do Brasil, todas as águas internas e
o mar territorial e mais o espaço aéreo brasileiro. Terras emersas são as terras aonde cidades
estão construídas, são todas as terras acima do nível das águas. Todas as terras emersas, sejam
elas terras continentais ou Ilhas correspondem ao território físico brasileiro; essas Ilhas tanto
podem ser as oceânicas quanto às ilhas internas. Nós temos Ilhas lacustres, fluviais, fluvio
marítimas e oceânicas. Ilha lacustre é aquela que está dentro de um Lago; ilha fluvial está dentro
de um Rio; ilha fluvio marítima eu aquela banhada em um lado por um Rio e o outro lado pelo
mar; e as marítimas são aquelas que estão cercadas de mares por todos os lados.
Para ficar mais fácil vocês entenderem inicialmente essa ideia da área continental, incluindo as
ilhas, incluindo as águas que estão dentro dessa área continental deixa eu mostrar um gráfico
bem simples aqui. O que eu tenho em tela é a representação do território continental brasileiro,
eu não tenho todo o território do Brasil aqui. Eu tenho nesta imagem a representação do território
continental brasileiro com seus pontos extremos: eu tenho do Monte Caburaí (RR) ao Arroio Chuí
(RS), e da Ponta do Seixas (PB) a nascente do Rio Moa (AC). O Brasil é considerado um país
praticamente equidistante em relação aos seus pontos extremos, porque se pegarmos os 4
pontos extremos Brasil no sentido norte, sul, leste e Oeste a distância em linha reta é quase a
mesma, a diferença é de menos de 100 km. Tudo que estiver dentro desta área continental, está
dentro do território físico brasileiro. Qualquer coisa que acontecer dentro desta área continental
que está representado neste mapa em tela para vocês está, na regra geral, submetida a nossa lei
penal, e dentro desta área continental estão inclusas as chamadas águas internas. Águas
internas é qualquer curso ou acúmulo de água que esteja dentro dessa área continental, e que
por consequência compõem o território físico brasileiro para fins de aplicação da lei penal. Então
nós temos a área continental incluindo as águas internas, toda essa parte de terras emersas
dentro da área continental é território brasileiro, mas hoje também temos as ilhas, tanto as ilhas
internas quanto às oceânicas. Qualquer coisa que acontecer em uma ilha oceânica dessa, em
tese, está sujeito a nossa lei penal. Tanto as Ilhas internas, que já estão na área continental,
quantas ilhas oceânicas correspondem ao território brasileiro para fins de direito penal. Mas, da
área continental e das ilhas, também formam isso que nós chamamos de território físico o mar
territorial e o espaço aéreo nacional.
Quando nós estamos falando em mar territorial, nós estamos falando em uma área de 12 milhas
marítimas, contados a partir da linha de preamar, em linha reta tendo como referência o ponto do
litoral onde você se encontra. Linha de preamar é uma linha teórica traçada nas cartas náuticas
feitas pela marinha de guerra do Brasil, é como se fosse uma linha referencial que tenta equalizar
todos esses acidentes geográficos existem ao longo do litoral. Então, como litoral não é certinho,
como o litoral é todo cheio de irregularidades, para fins de estabelecimento de cartas náuticas,
para fins de estabelecimento de distância marítimas, traça-se uma linha de preamar, uma linha de
referência e a partir desta todos os conceitos como mar territorial, zona contígua, zona económica
exclusiva são medidas. Antigamente dizia- se que a linha de preamar era o ponto da maré mais
baixa que tinha sido medida lá no final do primeiro reinado ainda na época de Dom Pedro I, isso é
efetivamente um fato histórico. Mas este conceito hoje já é um pouco modificado, os mapas hoje
são feitos por aerofotogrametria.
Também contando desta linha de referência, desta linha de preamar, nós temos a chamada zona
contígua que tem ao todo 24 milhas náuticas; você conta a zona contígua também a partir da

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linha de preamar: ela tem 24 milhas náuticas ao todo, 12 milhas coincidentes com o mar
territorial, quando o mar territorial acaba mais 12 milhas. Mas, sempre a contagem a partir da
linha base. Dentro do mar territorial vigora a soberania completa da República federativa do
Brasil; tudo o que acontecer no mar territorial, na regra geral, está sujeito às leis e à tutela da
República federativa do Brasil, inclusive a tutela do direito penal. Dentro do mar territorial vale as
leis penais brasileiras, Vara legislação alfandegária Brasileira, vale a legislação sanitária
Brasileira, as regras de navegação do Brasil, dentre outras coisas.
Existem alguns países que permitem que um navio adentre o mar territorial e atraquem no Porto
comandado pelo Capitão do navio. No Brasil, se algum navio entrar no nosso mar territorial e
desejar se destinar a atracar em ponto brasileiro ele precisa fazer essa atracação através de um
serviço de praticagem. Existem profissionais que trabalham nos portos que são chamados de
práticos, que são profissionais responsáveis por irem até os navios e orientarem todo o processo
de atracamento, e também o processo que o navio tem que fazer quando vai zarpar e se afastar
do Porto, isso é uma norma administrativa da República federativa do Brasil. Qualquer
embarcação que adentra no nosso mar territorial, não está sujeita somente a nossa lei penal, ela
está sujeita a todo o restante do ordenamento jurídico brasileiro, ela está sujeita a todas as
demais regras: tributárias, alfandegárias, administrativas, sanitárias, civis, dentre outras.
Quando o navio está fora do mar territorial brasileiro, mas ainda dentro da zona contígua, ele está
sujeito a alguma tutela do nosso país. Por exemplo, tutela sanitária, tutela de fiscalização
alfandegária, tutela de controle de produtos que são considerados nocivos e perigosos para o
Brasil. Tem 2 exemplos que explicam bem o conceito da zona contígua: se você tiver curiosidade,
pesquisa na internet e você vai ver que o Brasil aposentou o seu único porta-aviões que depois
foi convertido em porta-helicóptero. O Brasil tem uma nau capitânia, que era um avião comando
da marinha de guerra Brasileira; esse navio acabou sendo aposentado e foi vendido para uma
empresa estrangeira; essa embarcação foi adquirida. /, a empresa quer adquirir essa embarcação
a levou para onde ela deveria ser desmontada. Quando acabou chegando lá descobriram que
havia um problema Sério com amianto que havia sido usado na construção dessa embarcação, e
nesse local onde essa embarcação ia ser desmontada uma determinada concentração de
amianto já era proibida. A empresa trouxe o navio rebocado de volta para o litoral brasileiro e
esse navio estava dentro da zona contígua; esse navio ficou a mais ou menos 20 milhas do litoral
do nordeste, só que da mesma forma que a nação estrangeira não quis receber o navio alegando
o vazamento de amianto, quando o navio voltou para o território brasileiro, mais especificamente
para a zona contígua, a marinha de guerra do Brasil foi acionada chegou lá e disse que não
queria eles lá pois eles estavam na zona contígua do Brasil e lá estavam sujeitos, por exemplo, à
tutela sanitária e administrativa do Brasil. Agora vem um detalhe: se a marinha de guerra do
Brasil chegasse lá e tivesse um marinheiro matando o outro, o Brasil não tinha nada a ver com
isso pois estava fora do mar territorial esse navio já não era mais de Bandeira Brasileira, mas
como tratava-se de uma questão sanitária, eu estava dentro da zona contígua, a tutela Brasileira
valia.
Outro exemplo: imagine só que uma embarcação está vindo para o Brasil e existe uma suspeita
por parte da Receita Federal que essa embarcação traz contrabando. Se essa embarcação entrar
na zona contígua ou chegar menos de 24 milhas do litoral brasileiro a Receita Federal já pode
intervir, porque a fiscalização aduaneira alfandegária do Brasil pode acontecer dentro dessa zona
contígua. Então, perceba que dentro das 12 milhas marítimas, dentro do mar territorial, a moral
do Brasil é absoluta. Quem entrar aqui, regra geral, no mar territorial brasileiro está sujeito a
nossa lei penal, civil, administrativo, tributário, o Brasil é quem manda. Agora saiu dessas 12
milhas marítimas, mas ainda dentro da zona contígua, o Brasil continua tendo tutela. No mar
Territorial tem tutela de tudo; terminou o mar territorial, mas ainda está dentro da zona contígua,
em que pese o Brasil não ter tutela penal, o Brasil tem tutela de outros ramos do ordenamento
jurídico, principalmente tutela sanitária, alfandegária, aduaneira e tributária.
Na época da pandemia se discutia muito a questão da possibilidade ou não de fiscalização de
navios de cruzeiros no Brasil. Quando voltou a ter cruzeiros, se questionava muito se os navios e
cruzeiros poderiam ser fiscalizados apenas dentro do mar territorial brasileiro ou se podiam
também ser fiscalizados na zona contígua. E aí o entendimento é que eles e também poderiam

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ser fiscalizados na zona contígua; se estivesse dentro dessas 24 milhas marítimas estava dentro
de uma área de tutela sanitária Brasileira.
Jogo de azar no Brasil, em tese, é proibido. Mas, navios de cruzeiros que operam no Brasil tem
cassino. Os navios que prestam este tipo de serviço de Cruzeiro são navios estrangeiros. Então
quando eles estão atracados no Porto, quando eles estão dentro do mar territorial brasileiro, o
cassino está fechado. Quando eles saem do mar territorial brasileiro, quando saem dessas 12
milhas, o cassino abre, porque essa proibição do jogo é uma proibição de âmbito penal;
caracteriza-se como tipo penal o funcionamento de cassino, você bancar o jogo, enfim, você
manter a estrutura do cassino aberta. Saiu do mar territorial brasileiro, o cassino abre porque não
há mais a tutela penal Brasileira se a embarcação estrangeira saiu do nosso mar territorial.
Então, o mar territorial a autoridade do Brasil é completa; zona contígua, terminou o mar
territorial, o que resta de zona contígua o Brasil tem autoridade limitada, parcial, a certos ramos
do direito. Mas nós ainda temos o conceito de zona econômica exclusiva, a qual também é
medida a partir dessa linha base, também é medida a partir dessa linha de preamar. A zona
econômica exclusiva (ZEE) tem 200 milhas marítimas a contar da linha de preamar. Tem gente
que diz que ela tem 188 milhas marítimas quando termina o mar territorial e está certo; tem gente
que diz que ela tem 176 milhas marítimas quando termina a zona contígua aí está certo também.
Só que o mais técnico de se dizer é a partir de onde nós medimos a zona económica exclusiva?
A partir da linha de preamar; e da linha de preamar a zona econômica exclusiva tem 200 milhas
marítimas.
A zona econômica exclusiva é uma área de soberania absoluta do Brasil para explorar os
recursos marítimos, tanto aqueles que estão no subsolo, quanto os que estão no leito, quanto os
que estão na água, bem como tem jurisdição sobre ilhas artificiais, investigação científica,
proteção e preservação do meio Marinho. por exemplo, é proibido qualquer tipo de pesca de
cetáceos (diversos tipos de baleia) dentro da zona econômica exclusiva do Brasil. Basicamente o
conceito de zona econômica exclusiva do brasil é que tudo o que for Riqueza do mar, dentro da
zona econômica exclusiva, só quem explora é o Brasil ou quem o Brasil autorizar. Qualquer coisa
que tenha valor econômico, estando dentro dessa faixa de 200 milhas marítimas, está dentro da
zona econômica exclusiva Brasileira só quem explora é o Brasil ou quem ele autoriza. Talvez o
exemplo histórico mais prático que ilustre o conceito de zona econômica exclusiva seja a famosa
guerra da lagosta entre Brasil e França.
Era muito comum que navios pesqueiros franceses, que pescavam lagosta, viessem para o litoral
brasileiro, principalmente o litoral nordestino, pescar lagosta durante o ano todo. Esses
pesqueiros saíam da França, vinham para cá e faziam pesca industrial de lagosta, e normalmente
eles vinham até a Capitania dos portos de Natal, de Recife e de Fortaleza, pediam autorização,
pagavam os impostos devidos e iam pescar. Isso era um negócio consolidado; existiam grandes
empresas na França nos anos 80, que trabalhavam, investiam e ganhavam dinheiro pescando
lagosta no nosso litoral. Lá pela primeira metade da década de 80, foi instituído pela primeira vez
no Brasil o período de defeso da pesca da lagosta, no qual é um período que não se pode pescar
lagosta, que é um período destinado à reprodução desses animais. e aí veio o período de defeso
da lagosta pela primeira, pescadores brasileiros ficaram revoltados porque não podiam mais
pescar, só que os franceses praticamente ignoraram esse período de defeso. Eles vieram para o
Brasil, chegaram na Capitania dos portos e o pessoal dizia que não podia pescar, eles para não
perderem a viagem, iam para 40, 50. 60, 70 milhas de distância do litoral e pescavam. E aí o
governo brasileiro mandou uma notificação ao governo francês indicando que qualquer navio
francês que fosse encontrado pescando dentro da zona econômica exclusiva Brasileira no
período de defeso da lagosta seria apreendido. o governo francês disse que se apreendessem
navios franceses a marinha de guerra francesa vinha liberar o navio. e daí começou o impasse
diplomático. O então presidente da época, o João Batista Figueiredo, foi notificado que a marinha
de guerra do Brasil começou a fazer patrulhamento e encontrou 2 pesqueiros de lagosta e esses
receberam uma ordem de abandonarem o território brasileiro e simplesmente ignoraram a ordem.
comunicaram isso ao presidente e este disse para capturar 2 navios. Só que a notícia se
espalhou, esses 2 navios foram capturados, inclusive um deles chegou a ser alvejados com
disparos de metralhadora na marinha de guerra do Brasil, e quando essa notícia chegou na
França foi despachado uma flotilha francesa em direção ao litoral nordestino para tentar garantir

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que esses navios que tinham sido capturados fossem liberados e que os pesqueiros franceses
continuassem pescando, e aí ficou nesse impasse, e aí a esse impasse deu-se o nome de guerra
da lagosta. A própria ONU veio a intervir e chegou se à conclusão de que era direito do Brasil
restringir qualquer atividade econômica dentro da sua zona econômica exclusiva.
Ainda tem a ideia da plataforma continental Brasileira, no Brasil ela tem aproximadamente 350
milhas marítimas. Na plataforma continental por tratados internacionais o Brasil tem soberania
para exploração e aproveitamento dos seus recursos minerais naturais, não vivos do leito e
subsolo, mais espécies sedentárias. Então tudo o que estiver na plataforma continental, no leito
do oceano e abaixo do oceano que não seja peixe, e não seja turismo, dentro dessa área de 350
milhas marítimas, está na plataforma continental Brasileira é de exploração exclusiva Brasil. Essa
é a diferença básica entre mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva, e plataforma
continental.
Eu fiz essa diferença geográfica para você não misturar mais o conceito, e aí basta você pensar
que mar territorial interessa ao direito penal, o que acontecer dentro do mar territorial brasileiro,
em regra, está sujeito a nossa lei penal; zona contígua é uma área onde o Brasil tem tutela
sanitária, tributária e fiscalização aduaneira. Zona econômica exclusiva é uma área onde o Brasil
tem a tutela da exploração econômica do que está na água, do que está no nível da água, o que
seria a exploração do turismo por exemplo, e do que está no subsolo; e plataforma continental, o
Brasil tem tutela de exploração econômica do leito e do subsolo.
O que vai nos interessar é o mar territorial porque dentro deste conceito de território propriamente
dito nós temos a área continental; ilhas, tanto as oceânicas quanto as que ficam dentro dessa
área continental, ilhas lacustres, fluviais; o mar territorial brasileiro, essa faixa de 12 milhas
marítimas; e além disso o espaço aéreo nacional.
O espaço aéreo nacional corresponde a tudo que esteja acima do nosso território continental, das
nossas ilhas oceânicas e do nosso mar territorial. O espaço aéreo brasileiro é tudo que esteja
acima dessa área continental aqui representada, das nossas ilhas e do nosso mar territorial.
Daqui a pouco eu vou falar um pouco mais pra vocês sobre o conceito de espaço aéreo, mas eu
já adianto que a legislação Brasileira para fins de estabelecimento do espaço aéreo nacional
adota o conceito da soberania sobre a coluna atmosférica. Tudo o que esteja acima da nossa
área continental, das nossas ilhas oceânicas e do nosso mar territorial está dentro do espaço
aéreo brasileiro até o limite da gravidade. enquanto existir uma força de atração gravitacional que
vale aproximadamente módulo de 10 metros por segundo por segundo; enquanto estiver
gravidade e está acima do nosso território é espaço aéreo brasileiro e, em regra, está sujeito a lei
penal Brasileira. Junte tudo isso; área continental incluindo as águas internas e as ilhas internas,
ilhas oceânicas, mar territorial e espaço aéreo brasileiro, você tem o conceito de território físico, e
nesse território físico vale a lei penal Brasileira.

OBSERVAÇÃO:
1. A maioria dos conceitos relativos ao mar brasileiro deriva da Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, promulgada no Brasil pelo Decreto Nº 99.165 de 12 de Março
1990 e Lei 8.617/93. Você não precisa conhecer essa lei até porque ela é específica demais, mas
eu recomendo que você conheça alguns detalhes a título complementar, que são detalhes eu vou
falar agora pra você. mas adianto que esses conceitos de mar territorial, zona contígua, zona
econômica exclusiva e plataforma continental, principalmente as ideia de que o que acontece no
mar territorial Brasileira está sujeito a nossa Lei penal não é invenção da cabeça de quem quer
que seja, é fruto de uma convenção Internacional, tem uma convenção Capitaniada das Nações
Unidas; e lembre-se que aplica-se a lei penal Brasileira sem prejuízo de regras ou tratados de
direito internacionais, e esta convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar virou lei no
Brasil com a publicação da Lei 8.617/93.

No artigo primeiro da Lei 8.617/93 diz que o mar territorial brasileiro compreende uma faixa de 12
milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular,
tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.
Conforme o artigo segundo, a soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo

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sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo. Ou seja, tudo o que está acima do mar territorial
brasileiro é considerado espaço aéreo brasileiro e está sujeito a nossa Lei Penal.

Mas, grande questão que pode aparecer para você com um certo nível de dificuldade, uma certa
tendência a ter uma pegadinha diz respeito à questão da passagem inocente de embarcações.
Antes de explicar isso para vocês eu gostaria de dar 2 exemplos, o primeiro sobre a aplicação
direta no conceito de mar territorial, e o segundo que vai me permitir explicar o que é passagem
inocente. O primeiro exemplo é real. Nós tivemos, isso tem mais de 20 anos, um fato ocorrido
com um navio de Bandeira chinesa que estava vindo em direção ao Porto de Suape, que é o
principal Porto aqui de Pernambuco já estava mais ou menos 8 milhas marítimas do Porto.
Quando já estava chegando perto do Porto de Suape, o comandante da embarcação descobriu 3
clandestinos na embarcação, e o comandante chinês teve a ideia de jogar os 3 clandestinos no
mar a 8 milhas marítimas do litoral, um morreu afogado e 2 conseguiram escapar. Quando os 2
que escaparam contaram a história para a polícia, esta foi atrás do comandante do navio, o navio
já estava atracado no Porto de Suape, já tinha terminado de fazer o carregamento de açúcar e
estava próximo à zarpar. a polícia federal prendeu o comandante da embarcação e esse foi
processado no Brasil e julgado e condenado por homicídio consumado e por 2 tentativas de
homicídio; ele respondeu em concursos de crimes por 3 homicídios, um consumado e 2 tentados.
Isso foi possível porque este navio Mercante da China quando o ato foi praticado ele estava
dentro do mar territorial brasileiro, e na regra o que acontece dentro do mar territorial brasileiro
está sujeito a nossa lei penal. Essa é a regra. Se você conseguiu gravar a regra fica fácil de
entender o que é o direito de passagem inocente.

Imagine que uma embarcação saia de Portugal com destino em Montevidéu no Uruguai, e
quando ele está navegando ele acaba entrando no mar territorial brasileiro. ele não vem para o
Brasil, apenas como rota de navegação ele acaba navegando por dentro do mar territorial
brasileiro. Neste caso, este navio goza do chamado direito de passagem inocente, que está
previsto no artigo terceiro Lei 8.617/93. se esta embarcação não tem Porto de origem ou Porto de
destino no Brasil, ela sai de um país e vai para o outro e não vem para o Brasil, ela pode passar
por dentro do nosso mar territorial sem pedir autorização prévia e não está sujeito a lei Brasileira,
inclusive a lei penal Brasileira. Se essa embarcação estrangeira está apenas utilizando o mar
territorial brasileiro para passar ela não estará sujeita a tutela da legislação Brasileira. Aquele
exemplo do cassino: o navio sai de Portugal com destino ao Uruguai, e vamos supor que esses
países permitam o cassino, na hora que esse navio entrar no mar territorial brasileiro ele não
precisa fechar o cassino, porque ele está em passagem inocente.

O artigo terceiro Lei 8.617/93 diz que é reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o
direito de passagem inocente no mar territorial brasileiro. Conforme o parágrafo primeiro, a
passagem será considerada inocente desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à
segurança do Brasil, devendo ser contínua e rápida. nos termos do parágrafo segundo, a
passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear, mas apenas na medida em que tais
procedimentos constituam incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivo de
força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim prestar auxílio a pessoas a navios ou aeronaves
em perigo ou em dificuldade grave.

Imagine que vem uma tempestade é completamente desaconselhável o navio continuar


navegando porque ele poderia ser destroçado pela tempestade. No Brasil para e espera a
tempestade passar, ele continua com o direito de passagem inocente. O motor da embarcação
quebrou e ele está parado até que se conserte, ele continua com direito de passagem inocente.

A ideia do direito de passagem inocente é de que se uma embarcação estrangeira não tem nem
Porto de destino e nem Porto de origem no Brasil, só está passando por nosso mar territorial, ela
não se sujeita a nossa legislação, nem mesmo a lei penal Brasileira. Se um navio sai do Uruguai
para Portugal só passando, ele não vai parar no Brasil, e acontece um crime a bordo, no Brasil
não tem nada a ver com isso, pois ele está exercendo o direito de passagem inocente.

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ESPAÇO AÉREO BRASILEIRO: para fins de estabelecimento do espaço aéreo brasileiro o Brasil
adota o princípio da soberania mediante a coluna atmosférica, que este é previsto no código
brasileiro de aeronáutica, Lei 7.565/86, e no artigo 11 prevê que o Brasil exerce completa e
exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território em mar territorial. O que está
acima do nosso território continental, das nossas ilhas oceânicas e do nosso mar territorial é
espaço aéreo brasileiro. Na regra geral, o que acontece no espaço aéreo brasileiro está sujeito a
nossa lei penal.

TEMA CONTROVERSO? Existe passagem inocente de aeronaves no espaço aéreo brasileiro?


Em que pese o tema ser controverso, o que eu recomendo que você siga é que não existe
passagem inocente de aeronaves no espaço aéreo brasileiro porque o Brasil é signatário de
diversos tratados internacionais que regem aviação comercial. Desde que terminou a Segunda
Guerra Mundial, vem tendo acordos e tratados internacionais que regem aviação Internacional, e
um dos mais famosos é o tratado e a convenção de Roma de 1956. Todos esses tratados nos
quais o Brasil é signatário e que quase todos os países do mundo são signatários estabelecem
que a entrada de qualquer aeronave no espaço aéreo de qualquer país, e eu vou falar do Brasil; a
entrada de uma aeronave estrangeira no espaço aéreo brasileiro tem que estar previamente
autorizada antes da decolagem. Então se tem uma aeronave que está em Buenos Aires e vai
para Madrid na Espanha, para sobrevoar o espaço aéreo brasileiro antes dela decolar o seu
plano de voo tem que estar autorizado. Quando ela dentro do território brasileiro ela tem que se
comunicar com o controle do espaço aéreo brasileiro, e enquanto ela estiver no espaço aéreo
brasileiro ela está sujeita às ordens desse controle de voo, quem está submetida à tutela
Brasileira e isto é regra Internacional de diversos tratados; consequentemente, enquanto esta
aeronave esteja sobrevoando o Brasil, ainda que ela não tenha partido do Brasil e ainda que não
venha para o Brasil ela estaria sujeita a nossa lei penal. É tanto que no Brasil nós temos a lei do
abate. Tecnicamente, em tese, é possível que a força aérea Brasileira cumprindo uma série de
protocolos abata, derrube aeronaves que estejam sobrevoando o nosso espaço aéreo sem
atender as devidas solicitações. Logo, se isso é possível é porque não há direito de passagem
inocente de aeronaves no espaço aéreo brasileiro.
Visto isso agora nós podemos tratar da segunda modalidade de território que nós temos para fins
da aplicação da lei penal, é o chamado território brasileiro por extensão, ou território suposto,
território por convenção, ou ainda território por abstração jurídica; todos esses termos são
sinônimos.

TERRITÓRIO BRASILEIRO POR EXTENSÃO OU POR ABSTRAÇÃO JURÍDICA: basicamente


quando alguém fala em prova em território brasileiro suposto está falando em embarcações e
aeronaves. Como é que nós tutelamos crimes praticados a bordo de embarcações e aeronaves?
A resposta está no artigo quinto do código penal brasileiro.
Quando nós vamos tratar de crimes praticados a bordo de embarcações e aeronaves, ou seja,
quando nós vamos tratar do conceito de território suposto, basicamente quando a gente precisa
saber quando é que eu aplico ou não a lei penal Brasileira a crimes dentro de aviões e de
aeronaves, eu tenho que fazer algumas particularizações na análise. Então nós vamos primeiro
analisar o que acontece com as embarcações, depois a gente analisa o que acontece com as
aeronaves.

º EMBARCAÇÕES: a primeira coisa quando você estiver analisando uma questão referente a
aplicação da lei penal Brasileira a crimes praticados dentro de embarcações, a primeira pergunta
que você deve fazer é: essa embarcação é pública ou ela é uma embarcação privada ou
Mercante? Você já tem que encontrar essa informação, senão você não consegue fazer a
análise. A regra para crimes praticados a bordo de embarcações públicas é diferente daquela
para crimes praticados a bordo de embarcações mercantes ou privadas.
O que é que doravante você vai entender por embarcação pública para fins de aplicação da lei
penal no espaço? Você vai considerar como embarcação pública todas as embarcações que
pertençam formalmente a um determinado governo, embarcações públicas brasileiras,
embarcações que pertencem ao governo brasileiro ou que estejam a serviço deste governo.

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Então, por exemplo, uma belonave (termo técnico para navio de guerra); navio de guerra
brasileiro é embarcação pública, ela pertence ao governo da República federativa do Brasil. Mas
também entra neste conceito de embarcação pública embarcações privadas que estejam de
alguma forma a serviço de um governo. Exemplo: suponha que o governo brasileiro precise fazer
o reparo de um cabo de fibra ótica que liga o Brasil à Europa, e o governo brasileiro não tem uma
embarcação com tecnologia suficiente para fazer isso, aí o governo brasileiro contrata uma
empresa estrangeira, contrata uma empresa particular, e aluga um barco privado para trabalhar
para o governo; essa embarcação, embora privada de origem, como está formalmente a serviço
do governo brasileiro é considerada como embarcação pública para fins de aplicação da lei penal.
quando eu falar em embarcações públicas, eu estou falando de embarcações que pertencem
formalmente a um governo o que estão formalmente a serviço desse governo. Quando nós
falarmos em embarcações privadas ou mercantis, nós estamos falando dos demais navios;
daqueles navios que pertencem a empresas de turismos, empresas de pesca, daqueles navios
que pertencem a empresas que fazem transporte de carga, Neves que pertençam a cidadãos
comuns, para que nas embarcações particulares; tudo o que não for enquadrado no conceito de
embarcação pública, residualmente, será considerado como embarcação privada ou Mercante.
Como normalmente as provas usam os termos como sinônimos, eu sei que no direito marítimo as
expressões não são sinônimas, mas para fins de direito penal você pode considerar como
sinônimas, privadas ou mercantes, então nós vamos considerar aqui somente aqui normalmente
cai nas provas que é a expressão embarcações mercantes.
Feita essa primeira diferença, você vai se fazer uma segunda pergunta: essa embarcação pública
é Brasileira ou estrangeira? Essa embarcação pública pertence ou estar a serviço do governo
brasileiro, ou ela pertence ao estar a serviço de um outro país? Se ela pertencer ao governo
brasileiro, ela é uma embarcação pública Brasileira; se ela pertencer ao governo de qualquer
outro país, é uma embarcação pública estrangeira. A mesma coisa para as embarcações
privadas ou mercantes. Se essa embarcação privada o Mercante pertence a uma pessoa jurídica
ou a uma pessoa física Brasileira, ela é Brasileira; se ela pertence a uma pessoa jurídica ou uma
pessoa física de outro país, ela é estrangeira. E por que é que de cara nós temos que fazer essa
diferenciação? para podermos agora memorizar as regras de aplicação da lei penal. A começar
pelas embarcações públicas.
Um crime praticado a bordo de embarcação pública brasileira sempre estará sujeito a nossa lei
penal independentemente de onde a embarcação esteja, desde que ela esteja flutuando. Imagine
que um navio de guerra brasileiro é convidada para participar de uma exposição em um Porto da
Austrália, da embarcação um crime é praticado, a lei penal aplicável é a lei penal Brasileira.
Qualquer crime ocorrido a bordo de uma embarcação Brasileira onde quer que ele esteja está
sujeita a nossa lei penal. Pela regra da reciprocidade, qualquer crime acontecido dentro de uma
embarcação pública estrangeira, ainda que esta embarcação esteja no Brasil, no mar territorial
brasileiro, está sujeito a lei penal do país a qual a embarcação pertence. Por exemplo, suponha
que um navio da Marinha de guerra da Suécia está atracado no Porto do Recife e aberto para
exposições, durante este período acontece um crime a bordo das embarcações, a lei penal
aplicável será a da Suécia.
- Embarcações Mercantes Brasileiras: qualquer barco, navio privado brasileiro estará sujeito a
nossa lei penal quando ele estiver dentro do mar territorial brasileiro ou em águas internacionais;
qualquer embarcação privada ou Mercante do Brasil, pertencente a pessoa jurídica ou pessoa
física Brasileira, estará sujeito a nossa lei penal quando estiver dentro do mar territorial brasileiro
em águas internacionais. Águas Internacionais são as áreas de mares e oceanos que não
pertencem a ninguém. Cuidado: não confundam o conceito de águas Internacionais com águas
estrangeiras. Águas estrangeiras pertencem a algum outro país; as águas internacionais não
pertencem a país nenhum. Suponha que um navio Mercante brasileiro saia do Porto de
Paranaguá interessa um Porto na Inglaterra; enquanto esse navio brasileiro estiver no nosso mar
territorial, ele estará sujeito a nossa lei penal; quando ele estiver em águas internacionais, no
meio do Oceano Atlântico, ele estará sujeito a nossa lei penal; agora se ele estiver no mar
territorial de outro país, aí vale a lei do outro país. Embarcações privadas ou mercantes
Brasileiras correspondem a uma extensão do nosso território para a aplicação da lei penal
Brasileira quando dentro do nosso mar territorial ou em águas internacionais.

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- Embarcações Mercantes Estrangeiras: estão sujeitos a nossa lei penal quando estiverem no
mar territorial brasileiro, salvo a questão do direito de passagem inocente. Se a embarcação
estrangeira tiver Porto de destino ou Porto de origem no Brasil, ela está vindo ou voltando do
Brasil, se ela está dentro do mar territorial brasileiro, ela está sujeita a nossa lei penal. Foi o
exemplo do navio chinês, o qual vinha para o Porto de Suape, eu estava dentro do mar territorial
brasileiro, era um navio Mercante estrangeiro dentro do mar territorial brasileiro, então estava
sujeita a nossa lei penal Brasileira.

º AERONAVES: Se você captou isso agora fica mais fácil de você entender a aplicação da lei
penal a crimes praticados em aeronaves. Você vai fazer exatamente a mesma pergunta: essa
aeronave é pública ou essa aeronave é privada ou comercial? Aeronave pública é a que pertence
a algum governo ou que está formalmente a serviço de algum governo. Por exemplo, uma
aeronave da força aérea Brasileira é uma aeronave pública Brasileira. Aeronaves privadas ou
comerciais são os demais aviões, tanto o avião particular, quanto táxi aéreo, quanto aviação de
garimpo, quanto aviação comercial propriamente dita, são as empresas aéreas. Respondida a
primeira pergunta, vem a segunda pergunta: essa aeronave pública é Brasileira ou estrangeira?
essa aeronave privada ou comercial é Brasileira ou estrangeira?
Respondida essas 2 perguntas, você aplica a regra: crimes praticados a bordo de aeronaves
públicas brasileiras estão sujeitos a nossa lei penal onde quer que a aeronave esteja voando ou
se ela tiver pousada no território brasileiro. Crimes praticados a bordo de aeronaves públicas
brasileiras estão sujeitos às nossa lei penal quando esta aeronave estiver em voo em qualquer
lugar do mundo ou quando ela estiver pousada no território brasileiro. Imagine a aeronave da
força aérea Brasileira, aeronave pública Brasileira, sobrevoando o espaço aéreo dos Estados
Unidos. Enquanto esta aeronave está voando sobre os Estados Unidos acontece um crime a
bordo, a lei penal aplicada é a nossa. Qualquer crime praticado a bordo de aeronaves públicas
brasileiras em voo em qualquer lugar do mundo estão sujeitos a nossa lei penal; Da mesma
forma se esta aeronave estiver pousada no território brasileiro. Uma aeronave pública brasileira
pousada no estrangeiro não é território brasileiro para fins de aplicação da lei penal Brasileira.
Imagine que uma aeronave da força aérea Brasileira só em São Paulo em missão oficial com
destino aos Estados Unidos. enquanto ele estiver voando, qualquer crime praticado dentro da
aeronave está sujeito a lei Brasileira; mas vamos supor que ela pouse em Washington e,
enquanto ela está pousada, o governo americano descobre que um dos pilotos está carregando
drogas nessa aeronave, a lei penal aplicável neste caso será dos Estados Unidos, porque esta
aeronave embora pública está em pouso nos Estados Unidos.
Pela regra da reciprocidade, fica fácil nós sabermos como aplicar a lei penal Brasileira se o crime
for a bordo de aeronaves públicas estrangeiras. Aeronaves públicas estrangeiras estão sujeitos a
nossa lei penal quando elas estiverem em pouso no território brasileiro. Se uma aeronave pública
estrangeira está voando sobre o território brasileiro, a lei penal aplicável é a do país a qual ela
pertence. Ela só estaria sujeita a lei Brasileira quando em pouso no nosso território. Para, por
exemplo, uma aeronave militar estrangeira entrar no espaço aéreo brasileiro ela tem que ter
autorização. se ela não tiver, isso é considerado violação de território.
Aeronaves privadas brasileiras estão sujeitas a nossa lei penal quando estiverem sobrevoando o
espaço aéreo brasileiro, em pouso no território brasileiro, sobrevoando o espaço aéreo
Internacional. Lembrando que espaço aéreo Internacional é diferente de espaço aéreo
estrangeiro. Espaço aéreo Internacional não pertence a ninguém. Aeronave privada brasileira em
espaço aéreo estrangeiro está sujeito a lei do país onde ela está.
Aeronaves privadas estrangeiras estão sujeitos a lei penal Brasileira quando entrarem no espaço
aéreo brasileiro ou em pouso no território brasileiro. Imagine que eu pego um voo da gol,
empresa privada Brasileira, de Brasília para Orlando. Quando esse avião da gol está
sobrevoando o espaço aéreo Internacional, eu cometo o crime a bordo, é uma aeronave privada
Brasileira em espaço aéreo Internacional, eu serei julgado pela lei penal Brasileira; mas se eu
deixar para cometer este crime quando esta aeronave já sobrevoando a cidade de Orlando, se
preparando para pousar, eu já estou no espaço aéreo dos Estados Unidos, então a lei penal
aplicável é a dos Estados Unidos. Suponha que um canadense embarque na aeronave da air
Canadá no território dele, quando esta aeronave está sobrevoando o espaço aéreo brasileiro, um

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crime é praticado a bordo, aeronave privada estrangeira do espaço aéreo brasileiro, a lei penal
aplicável é a do Brasil.
Aeronaves públicas brasileiras estão sujeitas a nossa lei penal onde quer que elas estejam
voando, se dentro ou fora do Brasil, e quando estiver em pousadas no Brasil.
Aeronaves públicas estrangeiras só estão sujeitas a nossa lei penal se estiver em pousadas no
Brasil.
Aeronaves privadas brasileiras estão sujeitas a nossa lei penal quando em voo em espaço aéreo
brasileiro, em pouso no território brasileiro, ou em vou em espaço aéreo Internacional.
Aeronaves privadas estrangeiras estão sujeitas a nossa lei penal quando em voo no em espaço
aéreo brasileiro ou em pouso no território brasileiro.
Basicamente é isso que diz o parágrafo primeiro e parágrafo segundo do artigo quinto do código
penal.
O parágrafo primeiro do artigo quinto do código penal diz que para os efeitos penais, consideram-
se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza
pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves
e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem,
respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
O parágrafo segundo do artigo quinto do código penal diz que é também aplicável a lei brasileira
aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade
privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo
correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

EXTRATERRITORIALIDADE:
São aquelas situações em que mesmo crime tendo sido praticado fora do território Brasileiro, seja
território físico ou território por convenção, ainda assim ela estaria sujeito a nossa lei penal.
Doutrinariamente falando existem 3 modalidades de extraterritorialidade: incondicionada,
condicionada e hipercondicionada ou pluscondicionada. Em tese, a extraterritorialidade
incondicionada é aquela que não precisa ser te fazer nenhuma outra situação a não ser o crime
está listado entre os autorizadores de extraterritorialidade, ou seja, em tese, aquelas hipóteses
em que onde um determinado crime fosse cometido ele estaria sujeito a lei brasileira. Já a
extraterritorialidade condicionada e hipercondicionada diriam respeito as hipóteses em que o
crime praticado fora do Brasil estaria sujeito a lei Brasileira desde que satisfeito uma série de
outras condições.
Essas regras de extraterritorialidade do código penal são muito mais uma carta de intenções do
que regras concretas e válidas. Primeiro, mesmo as hipóteses de extraterritorialidade
incondicionada, para terem efetividade elas dependem da boa vontade de nações estrangeiras;
muitos países não reconhecem a tutela de extraterritorialidade incondicionada do Brasil.
Segundo, hipóteses de extraterritorialidade condicionada e hipercondicionada para que você se
possa reconhecer presumiria que você conhecesse muito de leis de outros países, o que não lhe
é razoável de lhe ser exigido.
Pensando na realidade das provas, eu recomendo que você decore as hipóteses de
extraterritorialidade condicionada. Mesmo que a aplicação prática hoje seja muito difícil de
acontecer, o que normalmente vou lhe perguntar sobre extraterritorialidade 4 hipóteses previstas
em lei de extraterritorialidade incondicionada. Ninguém tem como colocar situações de
extraterritorialidade condicionada ou hipercondicionada para que você identifique porque
demandaria que você conhecesse uma série de tratados internacionais e a lei de outros países, o
que não lhe é razoável de lhe ser exigido.
- Extraterritorialidade Incondicionada: As hipóteses de extraterritorialidade estão previstas no
artigo sétimo do código penal, tanto a incondicionada, condicionada e hipercondicionada ou
pluscondicionada. Vamos começar observando a extraterritorialidade incondicionada, que como
eu disse, seriam as hipóteses em que, em tese, esses crimes aqui listados sendo praticadas
estariam sujeitos à lei brasileira independente de qualquer outra condição.
Nos termos do antigo sétimo, ficam sujeitos à lei Brasileira, embora cometidos no estrangeiro os
crimes:
º contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;

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º contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de
Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída
pelo Poder Público;
º contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
º de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;
Conforme o parágrafo primeiro, nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira,
ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
Eu peço que vocês decorem essas hipóteses, se lhe for ser cobrado alguma questão
extraterritorialidade será o decoreba da extraterritorialidade incondicionada. Em tese, na letra da
lei, ocorrendo qualquer uma dessas hipóteses qualquer lugar do mundo a lei penal aplicada é a
do Brasil.
Mas porque eu falei que isso é uma redação teórica e que na prática não teria efetividade? vamos
pegar, por exemplo, o crime de genocídio. Imagine que um brasileiro ou alguém que seja
domiciliado no Brasil seja acusado de prática de crime de genocídio em qualquer lugar do mundo.
Vamos supor que se descobre que durante a guerra da Ucrânia houve prática de crime de
genocídio tem brasileiro envolvido, a lei brasileira aqui diz que ele vai ser julgado pelo que diz a
legislação penal Brasileira. Mas é óbvio que dentro do cenário Internacional que nós temos um
crime de genocídio seria julgado por tribunais internacionais. Nós tivemos, talvez o maior
exemplo de um tribunal internacional para julgar crime de genocídio o tribunal de Nuremberg, no
pós Segunda Guerra Mundial que que foi instituído para processar e julgar os criminosos da
Alemanha nazista responsáveis pelo holocausto judeu e de outras nacionalidades. Então esta
ideia, desde a época do tribunal de Nuremberg, que inclusive foi detalhado muita precisão nos
livros de Hannah Arendt; se desde aquela época o crime de genocídio já tem um respaldo, a
visão, a percepção e a tutela de organismos internacionais, de tribunais internacionais, imagine
hoje? então a prática de um crime de genocídio hoje ainda que por um brasileiro dificilmente
estaria sujeito a tutela e jurisdição Brasileira, ele estaria sujeito a tutela jurisdição Internacional.
Imagine que o presidente da República federativa do Brasi está em visita a outro país e lá ele é
vítima de crime contra a vida ou a sua Liberdade. Em tese, a pessoa que praticou este crime
deveria ser mandada para o Brasil submetida a lei penal Brasileira, mas isso vai depender do que
diz a lei do outro país, pois se o outro país não quiser mandar vai ficar por isso mesmo. Mesma
coisa crimes contra o patrimônio e a fé pública.
Nós tivemos um crime praticado em detrimento do patrimônio de uma empresa pública Brasileira,
e esse crime delapidou parte do patrimônio dessa empresa petrolífica brasileira (eu falo empresa
pública, mas, se não me engano, é uma sociedade de economia mista) e parte desta dilapidação
patrimonial aconteceu nos Estados Unidos envolvendo uma questão de compra e venda de
refinarias. Quando se atestou o crime, em tese, a única lei penal aplicável era a lei Brasileira.
Porém um grupo de investidores norte-americanos ingressou na justiça norte-americana, foi
caracterizado prática de crime no território norte-americano, embora a empresa fosse Brasileira,
e foi feito um acordo e reconheceu-se o crime e a necessidade de indenização e de punição, que
foi convertido em punição pecuniária. Então, embora a lei Brasileira diga que aplica-se a tutela da
nossa legislação, foi aplicada a tutela da legislação norte-americana. Então isso aqui é muito
mais uma carta teórica, é muito mais uma “mensagem”. Mas, na prática, mesmo os casos de
extraterritorialidade incondicionada dependeriam de outras condições, dependeriam
principalmente do que diz a legislação do país aonde esses crimes aconteceram. Mas o que eu
vejo cair em prova é pergunta que presumo decoreba artigo sétimo, inciso I.
- Extraterritorialidade Condicionada: preciso 2 dias que ficam sujeitos à lei Brasileira embora
cometidos no estrangeiro os crimes:
º que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; por exemplo, tráfico internacional
de pessoas e de drogas.
º praticados por brasileiro;
º praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada,
quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.
Conforme o parágrafo segundo, nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do
concurso das seguintes condições:
º entrar o agente no território nacional;

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º ser o fato punível também no país em que foi praticado;
º estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
º não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
º não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a
punibilidade, segundo a lei mais favorável.
Então as hipóteses de extraterritorialidade condicionada demandam de uma série de informações
que dependem da legislação estrangeira, que dificilmente você vai ser cobrado sobre a
extraterritorialidade condicionada ou até mesmo a hipercondicionada.
- Extraterritorialidade Hipercondicionada: Conforme o parágrafo terceiro, a lei brasileira aplica-se
também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as
condições previstas no parágrafo anterior:
º não foi pedida ou foi negada a extradição;
º houve requisição do Ministro da Justiça.
Ocorre o o mesmo problema porque você vai depender da boa vontade de outro país e vai
depender de conhecer a legislação estrangeira, o que não lhe é razoável. O que podem lhe
cobrar sobre extraterritorialidade está no artigo sétimo. Se você puder decorar o artigo sétimo
todo pra mim está perfeito. mas eu vou partir da premissa que você não consegue decorar o
artigo sétimo todo, então decore pelo menos o inciso I e suas alíneas, ou seja, decore as
hipóteses de extraterritorialidade incondicionada.

AULA 05

TEORIA GERAL DO CRIME

Quando nós vamos caracterizar um crime hoje é notório, pacífico e uníssono em toda a nossa
doutrina que esta caracterização deve ser feita com base no conceito analítico tripartite ou
tripartido do crime. O reconhecimento do que hoje é um crime para fins de aplicação do direito
penal brasileiro demanda de uma análise do conceito ou da teoria analítica tripartite do crime. O
STJ e o STF abraçaram a ideia do conceito analítico tripartite e é esse que deve ser usado e
obviamente seguir com vocês.
Basicamente o que o conceito analítico tripartite de crime nos diz é que para nós termos um crime
nós temos que ter 3 elementos indissociáveis: o fato típico, antijurídico ou ilícito, culpável.
Basicamente o crime é um fato típico, antijurídico e culpável.
Quando nós estamos analisando esses 3 elementos constitutivos e indissociáveis ao
reconhecimento do crime, nós temos que analisá-los de forma progressiva e aplicando a
chamada teoria da indiciariedade (ou ratio cognoscendi). Essa teoria diz que quem acusa deve se
preocupar em demonstrar os elementos constituintes do fato típico; quem acusa outrem da
prática do crime tem por obrigação demonstrar a existência do fato típico com todos os seus
elementos. Estando demonstrado por quem acusa a existência de fato típico, estará
caracterizada indícios de existência de antijuridicidade e, reconhecida antijuridicidade, estará
caracterizada ou presumida também a culpabilidade. Com base na teoria da indiciariedade, se
ficar comprovado e demonstrado no caso concreto por parte de quem exerce o pleito, o múnus
acusatório, a existência do fato típico presume-se que esse fato é também antijurídico ou ilícito e
também é culpável. Neste momento caso se pretenda desnaturar a antijuridicidade ou a
culpabilidade, passa a ser ônus da defesa, demonstrar e provar processualmente que nós
estaríamos diante de algum excludente de ilicitude ou de algum excludente de culpabilidade. Eu
já adianto pra vocês que você só consegue demonstrar a existência do fato típico se você
demonstrar todos os seus elementos constitutivos.
Com base na Teoria da Indiciariedade para reconhecermos a existência de um crime é
necessária a efetiva demonstração da existência do fato típico. Estando comprovado e
caracterizado por meios de provas e de análises admissíveis no direito brasileiro fato típico existiu
presume-se também que há antijuridicidade e culpabilidade. Caso alguém pretenda desnaturar o
crime excluindo a antijuridicidade ou excluindo a culpabilidade, caberá a quem pretende
desnaturar o crime, ou seja, a defesa demonstrar que naquele caso concreto nós estamos diante
de alguma das hipóteses de exclusão da ilicitude ou exclusão da culpabilidade.

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Suponha que eu estou gravando esta aula e Vi começa a discutir comigo, me ofendendo, puxa
uma faca e avança para me matar, a única forma que eu tenho de não morrer é sacar a minha
pistola e dá um tiro nela, e ela tomba em óbito; eu sou capturado em flagrante delito e o Ministério
público resolve mover uma ação penal pública contra a minha pessoa, resolve oferecer denúncia
contra mim. Caberá ao Ministério público provar que eu pratiquei um crime; para que o Ministério
público consiga demonstrar que eu pratiquei um crime ele vai ter que se valer do conceito
analítico de crime: crime é um fato típico, antijurídico ou ilícito e culpável, só que o Ministério
público na hora que me denuncia ele só tem obrigação de demonstrar que houve um fato típico.
O Ministério público vai demonstrar que eu pratiquei uma conduta, que eu atirei em Vi, que por
causa do disparo que eu efetuei, ela morreu, que esse resultado matar alguém está previsto em
lei como crime, que eu agi por vontade, que eu agi por dolo, e que isso é relevante para o direito.
Se o Ministério público provar isso, presume-se que a minha conduta é ilícita e também que ela é
culpável. Presume-se porque pela lógica seguida pelo direito penal brasileiro, demonstrado por
parte de quem acusa o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade devem ser presumidas, nós damos
o nome de teoria da iniciariedade (ou ratio cognoscendi). Legitima defesa é uma hipótese de
exclusão da ilicitude; nós temos ao todo, válido para o direito penal brasileiro, 6 situações que
excluem a ilicitude da conduta. Além das 4 excludentes de ilicitude taxativamente previstas no
artigo 23 do código penal, estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever
legal e exercício regular de direito, nós também temos excludente de ilicitude no artigo 218-C, §2º
do Código Penal, e excludente de ilicitude em uma causa supralegal que é o chamado
consentimento do ofendido em relação a bens jurídicos disponíveis. Neste exemplo eu estou
agindo amparado na legítima defesa, mas quem vai dizer isso não é o Ministério público. O
Ministério público não precisa provar que a minha conduta ilícita, porque no processo penal não
carecem de provas, dentre outras coisas, as presunções jurídicas. Na Teoria geral do processo
penal nós estudamos que algumas coisas não precisam ser provadas: as verdades sabidas (água
molha e fogo queima, por exemplo); os fatos impossíveis (o homem estava na lua e voltou hoje);
os fatos irrelevantes a elucidação do feito (o rapaz andou na rua pisando em uma poça de água);
presunções jurídicas (tudo o que a lei presume ou que a lógica do ordenamento penal presume
não precisa ser provado). Então, eu não tenho que provar as verdades sabidas, os fatos
notoriamente impossíveis, os fatos irrelevantes a elucidação do feito, e as presunções jurídicas.
Se eu estou dizendo para você que a sistemática adotada pelo ordenamento penal brasileiro para
observar os elementos do crime é a Teoria da Indiciariedade, e se eu estou dizendo que, com
base na teoria da indiciariedade, estando comprovada a existência do fato típico presume-se a
antijuridicidade e a culpabilidade, eu não posso exigir que o Ministério público prove que a minha
conduta é antijurídica ou que eu estou resguardado de culpabilidade, existe está presumido e as
presunções jurídicas não precisam ser provadas. Então se o Ministério público demonstrou a
existência do fato típico e eu entendo que eu agi amparado por uma excludente de ilicitude passa
a ser ônus da defesa provar que os elementos constitutivos desta excludente de ilicitude, no meu
exemplo legitima defesa, estão presente no caso concreto. Caberá a mim excepcionalmente dizer
que a regra é que a ilicitude está presumida, mas nesse caso excepcionalmente eu agi amparado
na legítima defesa que exclui a ilicitude, e eu vou ter que provar que a excludente da ilicitude
efetivamente aconteceu.
O ônus da prova cabe a quem alega e não necessariamente a quem é acusa. se o Ministério
público está alegando que eu cometi um crime ele tem que provar o fato típico. Se ele provou o
fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade estão presumidas. Mas se eu quero desnaturar
antijuridicidade, ou se eu quero desnaturar a culpabilidade, alegando que eu agi amparado em
uma hipótese ou de excludente de ilicitude ou de excludente de culpabilidade, passa a ser
obrigação minha demonstrar a existência desta excludente. No meu exemplo eu vou demonstrar
que todos os elementos caracterizadores da legitima defesa estão presentes no caso concreto e
aí provar que agi amparado pela excludente de ilicitude da legitima defesa. Essa é a ideia da
teoria da indiciariedade, é justamente por isso que a nossa preocupação neste momento é
reconhecer quais são os elementos constitutivos do fato típico, porque provado fato típico, em
tese, o restante do crime se constitui. Nelson Hungria que pra mim não é só o maior doutrinador
de toda a história do direito penal como um dos maiores visionários do direito penal brasileiro,
quase tudo o que nós estudamos na parte geral do direito penal, pelo menos até o artigo 28 no

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código penal é fruto dos estudos do mestre Nelson Hungria nos anos 40 e 50; Nelson Hungria, ao
falar dos elementos do fato típico, ele já tinha a ideia da teoria tripartite, embora na época dele o
que valesse era a teoria bipartite, ele falava que o crime ele tem uma complexidade e uma
Constituição abstrata, porque de fato eu só provo alguns dos seus elementos, eu só provo o fato
típico, e o restante da sua Constituição é abstrata porque eu presumo que ela existe. Nelson
Hungria não sabia, mas ele estava antecipando lá nos anos 50 a teoria da indiciariedade. Eu
provo o fato típico, constitui-se por presunção, por abstração, a ilicitude e a culpabilidade; e quem
quiser desnaturar a ilicitude e a culpabilidade que se vire para demonstrar que há excludente ou
de ilicitude ou de culpabilidade.
- Elementos constitutivos do fato típico:
Existem conflitos doutrinários sobre quanto e quais são os elementos constitutivos do fato típico.
Tem doutrinador que fala que fato típico tem 4 elementos, tem doutrinador que fala que tem 5, e
outros que falam que tem 6. Nós vamos nos pautar pelo que entendo o STJ e o STF. Se eu tenho
uma divergência entre a doutrina, embora eu saiba que já existe uma doutrina majoritária, eu vou
ter que superar essa divergência me valendo da jurisprudência. As colocações que eu farei
doravante são respaldadas por entendimento consolidado tanto no STJ quanto no STF, e é o
entendimento que eu recomendo que seja seguido por vocês para fins de prova.
O fato típico é composto de 6 elementos, conforme a jurisprudência:
º conduta;
º resultado;
º nexo causal;
º previsão normativa (tipo em sentido estrito)
º elemento subjetivo;
º relevância jurídica e social;
Nós só poderemos reconhecer a existência do fato típico se nós tivermos a presença cumulativa
e indissociável desses 6 elementos; Se faltou um, não tem fato típico. A ausência de qualquer um
deles desnatura o fato típico e consequentemente desnatura, impede, a possibilidade de
reconhecimento do crime.
º Conduta: a conduta pode ser comissiva ou omissiva (ação ou omissão), ou seja, eu posso
praticar um crime porque eu agi, eu desempenhei uma ação, oportunidade em que eu terei uma
conduta comissiva, ou a minha conduta pode ser omissiva quando deixar de fazer alguma coisa.
Os crimes cuja condutas são comissivas, baseados em uma ação, são muito fáceis de serem
reconhecidos. Por exemplo homicídio, eu dei um tiro em alguém; por exemplo, lesão corporal, eu
dei um murro em alguém para feri-la. Então as condutas comissivas são facilmente reconhecidas.
O grande cuidado que eu recomendo que você tenha diz respeito a conduta omissiva, porque
quando eu falo em omissão, eu estou dizendo que o indivíduo deixou de fazer alguma coisa em
uma determinada situação. Só que para fins de direito penal nem toda omissão é relevante. Nem
sempre quando eu me omiti, essa omissão pode ser utilizada como forma de caracterização de
conduta e isto decorre do que está previsto no próprio código penal no artigo 13, §2º do CP, que
diz: a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o
resultado. Para que você possa pensar em arguir uma conduta omissiva como elemento
caracterizador de fato típico, para que você possa pensar que uma omissão seja relevante e
possa ser utilizada para caracterizar crime no âmbito penal é indispensável por força de lei você
aferir se antes de se omitir o indivíduo tinha esse binômio “dever/poder agir”. A omissão só será
penalmente relevante se ela for precedida da obrigação do indivíduo fazer alguma coisa e a
possibilidade do indivíduo fazer alguma coisa. Se não houver a presença desse binômio
“dever/poder”, a omissão não poderá ser arguida como caracterizador do fato típico. Se o
indivíduo não estava diante de uma situação em que ele tinha obrigação de agir e onde lhe era
minimamente razoável agir, a sua omissão não será penalmente relevante.
Imagine a seguinte situação hipotética: eu apresentei um amigo pra Vi, quando é daqui a 10
meses Vi aparece pra mim com um filho no braço me dizendo que o meu amigo a engravidou e
sumiu. E ela diz que quem vai sustentar o filho dela sou eu, porque fui eu quem apresentei ela a
ele. E eu digo que não vou sustentar, dou as costas e vou embora. Eu estou me omitindo? Sim.
Esta omissão é relevante para o direito penal? Como diz o artigo 13, §2º, do código penal, a
omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. Eu

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tenho obrigação de sustentar o filho dos outros? Não. Juridicamente a minha obrigação de
sustentar o meu filho. Quem tem a obrigação de sujeitar a criança quem fez, excepcionalmente
essa obrigação pode ser estendida aos avós dependendo de uma situação específica que
deveria ser debatida no âmbito do direito civil. Nesse caso eu não tenho dever prévio de agir,
consequentemente a minha omissão não é penalmente relevante, ou seja, essa minha omissão
não pode ser utilizada para caracterizar a conduta do fato típico.
Imagine que dois policiais militares recém saídos do curso de formação e aperfeiçoamento de
praça, curso de formação de soldado, cada um desses policiais está armado com uma Tauros 9
mm. Os dois passam em frente a um banco e se deparam com 15 homens fortemente armados
praticando o crime de roubo contra um estabelecimento bancário. Os policiais estão vendo
ocorrência, estão presenciando o roubo ao banco, mas eles se afastam do local e solicitam ajuda
do 190. Eles se omitiram? Sim. Essa omissão pode caracterizar crime de prevaricação, por
exemplo? Essa omissão é penalmente relevante? Não. Eles tinham o dever de agir, porque o
código de processo penal diz que em flagrante delito qualquer do povo pode e as autoridades
policiais e seus agentes devem efetuar prisão. O dever de agir eles têm, mas será que é razoável
se exigir que 2 policiais militares recém formados armados apenas com pistolas pessoais 9 mm
enfrentem 15 homens fortemente armados praticando o roubo? É óbvio que não. Então, em que
pese nesse contexto existir o dever de agir, não existe a possibilidade de agir. Logo, em que pese
eles terem se omitido, a omissão não é penalmente relevante, porque segundo o §2º, do artigo
13, a omissão só será penalmente relevante o omitente devia e podia agir.
Em regra, o dever de agir está previsto em lei. Mas, o próprio parágrafo segundo do artigo 13
estabelece situações em que o indivíduo mesmo não tendo o dever jurídico prévio de agir ele
pode assumir por causa de uma conduta, de uma atuação ou de uma circunstância antecedente
esta obrigação. A letra da lei do artigo 13, parágrafo segundo, diz que o dever de agir incumbe a
quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; de outra forma, assumiu a
responsabilidade de impedir o resultado; com o seu comportamento anterior, criou o risco da
ocorrência do resultado. A alínea ‘b’ e ‘c’ é o que a doutrina clássica chamava de dever de agir
residual, ou o dever de agir casuístico, enquanto a alínea ‘a’ é chamada de dever de agir
originário.
Imagine que eu estou em uma piscina e aparece uma mãe com o seu filho de 3 anos dizendo que
está precisando ir ao banheiro e não queria deixar o filho sozinho e me pede para olhá-lo na
piscina enquanto ela vai ao banheiro. Eu digo que ela pode ir ao banheiro porque eu vou olhar a
criança. na hora que eu digo isto a ela, na hora que eu aceito tomar conta daquela criança, eu
trouxe para mim o dever jurídico de cuidado que originariamente eu não tinha, eu me tornei
garantidor daquela criança. O menino está brincando na piscina, ao invés de eu estar cuidando
dele, passa um conhecido meu, eu me viro e fico conversando com a pessoa, menino acaba indo
para o fundo e acaba sendo sugada pelo sistema de escoamento da piscina e morre afogado. Eu
me omiti? Sim, eu deveria estar tomando conta da criança, mas me virei para conversar com
alguém. A minha omissão é penalmente relevante? Sim, porque o binômio dever e poder agir
está presente. Eu podia e era razoável tomar conta daquela criança e eu devia. Apesar da lei não
dizer que eu precisava cuidar, era o dever residual ou casuístico. Ao analisarmos o caso concreto
fica claro que a minha conduta de aceitar cuidar daquela criança eu trouxe para mim um dever
que originariamente eu não tinha, eu me tornei garantidor daquela criança. Então, se eu me omito
neste caso, essa minha omissão é penalmente relevante. Eu tenho um dever de agir que eu
assumi por causa da casuísta e me era possível tomar conta daquela criança. Estando presente o
binômio dever/poder a minha omissão é penalmente relevante. Essa é a ideia do crime omissivo.
Na hora que você pega essa ideia do crime omissivo, na hora que você entende a relevância da
omissão, na hora que você percebe como alguém mesmo sem uma obrigação jurídica prévia
prevista em lei também pode se tornar garantidor, eu vou aprofundar um pouco mais destacando
para vocês uma diferença conceitual que sempre cai em provas, que é a diferença entre o crime
omissivo próprio e impróprio. Algumas pessoas ao se referirem ao crime omissivo próprio usam a
expressão crime omissivo puro ou ainda crime omissivo perfeito; o crime omissivo impróprio
também pode ser chamado de impuro ou imperfeito.
Eu estarei diante do crime omissivo próprio quando a omissão por si mesma já está prevista em
lei como crime. O crime omissivo próprio é aquele aonde a simples omissão do indivíduo já está

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prevista em lei como crime, ainda que dessa omissão não resulte resultado naturalístico para a
vítima ou para o bem jurídico. No crime omissivo próprio, o fato do indivíduo se omitir já é
considerado como crime pela lei, ainda que dessa omissão não resulte em nenhum dano
concreto ao bem jurídico tutelado e protegido pela norma. Talvez o exemplo mais clássico do
crime omissivo próprio seja o delito de omissão de Socorro, o qual é caracterizado pelo indivíduo
deixar de prestar Socorro quando for possível fazê-lo sem risco pessoal. Então imagina que eu
vou andando na rua e me deparo uma criança de tenra infância sozinha parada no meio da faixa
de rolamento de uma avenida, eu estou vendo que o sinal vai abrir e aquela criança pode ser
atropelada. Eu estou diante de uma situação em que alguém está precisando de ajuda, eu posso
retirar a criança sem risco pessoal, mas eu dou as costas e vou embora. Eu tenho o dever de agir
e a possibilidade de agir, mas eu me omito e vou embora. Um outro transeunte quando percebe a
criança e percebe que eu estou indo embora vai lá e socorre a criança e ela escapa ilesa. Não
houve nenhum dano para criança, mas eu cometi crime. Eu deixei de prestar socorro aquela
criança quando me era possível fazê-lo sem risco pessoal. O “simples” fato de eu ter deixado de
prestar socorro, o “simples” fato de eu ter me omitido já está previsto em lei como crime,
independentemente de qualquer dano à vítima. Ao me omitir, eu já incorri no fato típico. É isso
que caracteriza um crime omissivo próprio. Os crimes omissivos próprios normalmente estão
tipificados em lei com a expressão “deixar de”.
No crime omissivo impróprio você não responde pela omissão em si, você responde pelas
consequências da omissão caso essas consequências estejam tipificadas em lei como crime.
Vamos pegar o mesmo exemplo de eu estar na piscina, chegar uma mulher e me pedir para
tomar conta do filho dela na piscina para ela ir ao banheiro, eu me viro e vou conversar com
alguém que está passando na hora. Se nada acontecer com a criança, essa minha omissão
corresponde a algum crime? Não. Mas, no exemplo que eu dei, pelo fato de eu ter me omitido, a
criança morreu afogada. Nesse caso, a minha omissão gerou o resultado morte da criança e este
resultado está previsto na lei como crime. Neste caso, a minha omissão acarretou na prática do
crime de homicídio, eu incorri no homicídio culposo e nesta situação o meu crime é um crime
omissivo impróprio, porque nesse caso se eu tivesse me omitido, mas não tivesse nenhuma
consequência naturalística não haveria crime. No crime omissivo improprio você responde pelas
consequências ter se omitido se e somente se essas consequências estiverem previstas em lei
como crime.
No estatuto do desarmamento civil, Lei 10.826/03, existe um crime chamado de omissão de
cautela e o artigo que tipifica omissão de cautela começa dizendo assim “deixar de adotar as
cautelas necessárias para que pessoas menores ou incapazes a qualquer título tenham acesso a
arma de fogo de sua Posse ou propriedade.” só pelo verbo nuclear do tipo “deixar de adotar
cautelas necessárias” você já sabe que em si é um crime omissivo próprio. Por exemplo, eu
chego em casa e deixo a minha pistola em cima da mesa, a minha filha pega a pistola, tira uma
foto e posta no Instagram, eu cometi crime porque eu deixei de adotar as cautelas necessárias
para que ela não tivesse acesso a arma.
Agora vamos imaginar que eu estou montando um móvel, uma estante, eu tenho que a deixá-la
presa para que não corra o risco dela cair por cima da minha filha. Mas eu digo que vou deixá-la
solta, vou sair para trabalhar e quando voltar eu termino de montar a estante. É uma omissão da
minha parte, mas o fato de eu ter deixado a estante solta não é tipo penal; a minha omissão não
está prevista em lei como crime. Agora, se eu deixei a estante solta e ela cai em cima da minha
filha a deixando ferida, eu incorri em lesão corporal. Nesse caso, o meu crime é omissivo
impróprio. Eu não vou responder por ter me omitido, eu vou responder pelas consequências da
minha omissão, consequências estas que estão previstas em lei como crime.
O crime comissivo por omissão nada mais é que uma especificidade de crime omissivo impróprio.
O crime comissivo por omissão é uma forma que a doutrina achou para se referir a uma situação
específica que, de modo geral, é uma omissão imprópria. Eu estarei diante de um crime
comissivo por omissão todas as vezes que o indivíduo usa uma conduta omissiva como meio de
execução de um crime doloso originariamente pretendido. Imagine que eu sou médico eu estou
trabalhando na emergência de um hospital público, eu tenho o dever jurídico de atender todo
mundo que chega lá, agência neste dia está tranquila e sem ninguém para ser atendido, de
repente para uma viatura na porta da emergência e chega um meliante alvejado a bala, e eu

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constato que ele está com a laceração de femural, a qual produz forte hemorragia, e se esta não
for contida o paciente vem a óbito de forma relativamente rápida. Então, é algo que tem que ser
atendido na hora. Mas, quando eu olho para o braço dele eu vejo uma tatuagem de palhaço, a
qual significa matador de policial, recebo a informação de que foi ele quem estuprou uma criança
de 1 ano e meio, que foi ele quem bateu uma enfermeira do hospital para roubar o seu celular,
mas eu o coloco para dentro do consultório e o vejo se esvaindo em sangue, gritando por ajuda,
mas, hipoteticamente, eu quero que ele morra; eu sei que se eu não fizer a intervenção médica
ele vai morrer. Eu tenho o dever jurídico de ajuda-lo, mas eu quero que ele morra. Aí eu cruzo os
braços ao lado da maca e fico puxando assunto para o tempo passar; eu estou me omitindo
conscientemente até que ele venha a óbito. Repare que a minha omissão foi pensada. A minha
omissão foi a forma de execução que eu encontrei para alcançar um resultado delituoso
previamente pretendido. Eu tenho dolo direto de querer que ele morra, e para alcançar esse
resultado doloso o que eu queria o meio de execução foi uma omissão. Nesse caso eu respondo
pelo resultado morte, eu respondo por homicídio doloso, situação inclusive é um crime agravado
por que o indivíduo estava numa situação calamitosa, então eu vou incorrer no agravante do
artigo 61 do código penal brasileiro, eu vou responder por homicídio doloso; é um crime
comissivo por omissão. A omissão foi o meio de execução do crime doloso previamente
pretendido. É uma forma de omissão imprópria. Se você reparar, o crime omissivo impróprio é um
conjunto maior, onde dentro dele estão inseridos os crimes comissivos por omissão, é uma
especificação da omissão imprópria porque na omissão imprópria eu respondo pelas
consequências da minha omissão, nesse caso aqui eu vou responder pelas consequências da
minha omissão o paciente ter vindo a óbito.
º Resultado: para que nós tenhamos o fato típico, o segundo elemento que nós precisamos ter é
o resultado. Este resultado se subdivide em 2 modalidades: ele pode ser um resultado material,
que alguns doutrinadores chamam de naturalístico, ou um resultado formal, que também é
chamado de resultado normativo. O resultado é a consequência do crime, ou pelo menos a
consequência da conduta para ser mais específico. Quando eu estou falando em resultado
quanto elemento constitutivo do fato típico, eu estou falando na consequência da minha conduta.
E aí já vem uma colocação que muitas pessoas repetem, tem pessoas que dizem que existe
crime sem resultado. Porém, não existe. Todo crime tem resultado por força do que está previsto
na letra da lei, por força do que está previsto no artigo 13 do código penal, que diz taxativamente
que o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu
causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Todo
crime tem que ter resultado, até porque o resultado é elemento constitutivo do fato típico. Todo o
crime tentado tem resultado, senão não seria crime. Existem 2 tipos de resultado o resultado
formal e o resultado naturalístico. Todo crime tem resultado formal e alguns crimes, além do
resultado formal, também tem resultado naturalístico chamado de resultado material.
Ao tratar dos princípios norteadores do direito penal, eu expliquei pra vocês a teoria
tridimensional do direito que foi introduzida no Brasil através dos estudos do professor Miguel
Reale, e ao explicarmos a teoria tridimensional do direito eu expliquei pra vocês a ideia do fato,
do valor e da norma. A base principiológica da teoria tridimensional do direito é que ocorre um
fato dentro da sociedade, esse fato é valorado pela sociedade, e a partir desse valor é criado uma
norma. Se o valor for positivo, a norma vai estimular a repetição do fato. Se o valor for negativo, a
norma vai proibir, coibir, tentar fazer com que o fato não se repita. Se o valor não é positivo, nem
negativo, e é considerado irrelevante ou desprezível não há criação de norma. É por isso que as
normas penais são por essência normas de valoração negativa, porque quando eu digo que
alguma coisa é crime é porque a sociedade acha aquilo ruim. Quando uma norma penal é criada,
a sua intentio legis é que o fato não ocorra. (toda lei quer produzir um efeito dentro da sociedade,
toda norma jurídica incluindo as normas penais, mas não exclusivamente as normas penais, a
isso nós chamamos de intentio legis, a intenção do legislador e a intenção da lei). A intentio legis
lato sensu de uma norma penal é preservar o bem jurídico; a intentio legis estrito sensu de uma
norma penal é evitar que uma conduta seja praticada. Então o nosso legislador diz no artigo 121
do código penal brasileiro, crime de homicídio: “matar alguém, tem pena reclusão de 6 a 20
anos”. A intenção do legislador em sentido lato é proteger a vida humana, e a intentio legis estrito
sensu é que você nunca pratique nenhuma conduta atentória à vida. Na hora que a lei diz que

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matar alguém é crime, o que a lei quer é que você nunca desempenhe atos que sequer possam
colocar em risco a vida humana, essa é a intentio legis em sentido estrito. É exatamente dessa
ideia da intentio legis em sentido estrito que surge o chamado resultado formal. A lei penal é
criada para que você não pratique atos que coloquem em risco o bem jurídico protegido. Se você
pratica atos que colocam em risco esse bem jurídico, ainda que o bem jurídico materialmente não
seja atingido, você já gerou um resultado que ofende a lei, você já gerou uma consequência que
ofende a intentio legis, você já gerou a consequência que ofende a intenção do legislador, você
gerou um resultado formal também chamado de normativo. O resultado é formal ou normativo
porque ele está caracterizado todas as vezes que o indivíduo age contrário ao que a lei deseja. A
norma penal quando tipifica o homicídio como crime ela deseja que você nunca pratique atos que
possam colocar em risco a vida de ninguém. Se você pratica esses atos, ainda que você não
consiga matar a vítima, você já ofendeu a intenção da norma, você já ofendeu a intentio legis em
sentido estrito, você já gerou um resultado que é o resultado formal ou normativo. Então todas as
vezes que o indivíduo praticou uma conduta, em todas as vezes que o indivíduo desempenha
alguma ação ou omissão que possa efetivamente ir de encontro a intenção do legislador, que
possa de alguma forma colocar em risco bem jurídico lato sensu que aquela norma penal
pretende proteger, pretende resguardar, ele já produziu o resultado, que é o resultado de ofensa
a intentio legis, a intenção estrito sensu da norma, ele gerou o chamado resultado formal ou
normativo. Todo crime tem resultado formal. Se a conduta é tutelada no âmbito penal, o resultado
formal está caracterizado. Imagine que eu peguei o código penal e abri no artigo 155 e vi que
está tipificado o crime de furto: subtrair coisa móvel alheia, tem pena de reclusão de 1 a 4 anos;
qual o resultado formal aqui? Se subtrair coisa móvel alheia é crime de furto é porque a intentio
legis em sentido estrito, o que o legislador quer é que você nunca pratique atos tendentes pegar o
que não é seu. Se você pratica atos para pegar o que não é seu você já ofendeu a norma,
resultado formal. Se você conseguir efetivamente pegar o bem, além do resultado formal, você
também tem o resultado material.
O resultado material ou naturalístico é a ofensa propriamente dita ao bem jurídico. Quando você
efetivamente consegue ofender o bem jurídico, você tem um resultado material ou naturalístico.
Suponha que eu estou com raiva da minha amiga Vi e resolvi que vou matá-la. Saco a minha
arma, aponto pra ela, ciclo o gatilho três vezes. Flagrei disparos contra ela 3 vezes, mas eu errei
os disparos e ela não foi atingida. Populares chegaram e eu fui preso em flagrante. O meu crime
é o de tentativa de homicídio, eu vou me correr no artigo 121 cominado com o artigo 14, II, do CP;
inclusive isso é uma tentativa branca ou incruenta, pois eu não consegui efetivamente lesioná-la.
Tem resultado formal, na hora que eu deflagro disparos contra ela eu estou ofendendo a intenção
da lei, então o resultado formal está caracterizado. Houve algum dano a ela? Não. então só tem
resultado formal. Agora imagine que ela tivesse sido atingida, mas socorrida por populares ao
hospital e lá os médicos salvaram a vida dela. Continua sendo crime tentado, pois eu pratiquei
atos executórios e o crime só não se consumou por circunstâncias alheias à minha vontade. E
neste caso é uma tentativa vermelha chamada de cruenta, pois em que pese ela não ter morrido
ela foi lesionada. Nesse caso, além do resultado formal tem o resultado material. O resultado
formal se caracterizou quando eu ciclei o gatilho, quando eu efetuei os disparos, e o resultado
material naturalístico se caracterizou quando ela foi atingida. Não houve consumação, pois ela
não morreu.
Os crimes de mera conduta, por exemplo, reingresso de estrangeiro expulso tem resultado? Tem.
O crime de reingresso de estrangeiro expulso, que é o exemplo mais clássico que a doutrina nos
dá de crime de mera conduta, tem resultado formal e material. O resultado material quando o
estrangeiro expulso pratica atos para voltar para ao território brasileiro; quando ele entrar no
território, eles violou o território, então tem resultado formal e material.
No direito penal e no processo penal tem frases que o pessoal repete muito e acaba tendo sidas
como verdadeiras, por exemplo no processo penal eu escuto muito que para livrar o flagrante
basta fugir por 24 horas, e há pessoas que dizem que basta fugir por 48. Porém, esse prazo não
existe. A apresentação espontânea do indivíduo já impede a captura em flagrante delito; ou em
certos crimes, por exemplo, acidentes de trânsito com vítima, se o responsável presta Socorro já
não pode ser capturado em flagrante delito. O direito penal também é lotado de lendas e uma
delas é de que os crimes vagos são crimes que não tem resultado. Todo crime tem resultado

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formal, e alguns têm resultado formal e material. Crime vago ao contrário do que muita gente
pensa não tem nada a ver com o resultado. O crime vago por conceito é aquele crime que só tem
sujeito passivo constante ou formal. As pessoas confundem o conceito de sujeito formal com o
conceito de resultado formal, que são 2 coisas completamente diferentes. Se é crime,
independente do nome que você dê, tem que ter resultado, nem que seja resultado formal. E
outra, por conceito, crime vago não tem nada a ver com o resultado. Por conceito, crime vago tem
a ver com o sujeito passivo do delito. Existem 2 tipos de sujeito passivo: sujeito passivo constante
ou formal, e o sujeito passivo material. Crime vago ele só tem sujeito passivo constante ou formal.
Por exemplo, crimes ambientais, em que o indivíduo matou mico-leão-dourado da cara preta, ele
cometeu o crime previsto no artigo 29 da lei dos crimes ambientais, Lei 9.605, atentar contra
animais da fauna Silvestre é crime ambiental, e como é animal ameaçado de extinção ainda tem
uma agravante genérica para esse crime. Quem é o sujeito passivo material desse crime?
Ninguém. Um animal, um ser irracional não é nem sujeito ativo e nem passivo no âmbito penal,
ele não tem personalidade jurídica penal, então ele não pode ser vítima. Eu não posso dizer que
a vítima do crime é um mico-leão-dourado. Não tem sujeito passivo material. Ele só tem uma
ofensa ao interesse coletivo e difuso de preservação do meio ambiente. É isso que nós
chamamos de crime vago.

AULA 06

º Nexo de Causalidade: o código penal e toda a lógica, toda a sistemática do direito penal
brasileiro entende que para que haja nexo de causalidade, enquanto elemento constitutivo e
indissociável do fato típico, é indispensável que exista uma relação direta de causa e efeito entre
a conduta e o resultado produzido. Eu só terei o nexo de causalidade se e somente se for
possível estabelecer uma relação direta de causa e efeito entre a conduta e o resultado. O nexo
causal estará caracterizado a conduta praticada pelo indivíduo diretamente gerou o resultado
delituoso. Seja esse resultado formal, seja esse resultado formal e material. Inclusive, o nosso
código penal ao falar em nexo de causalidade, e ele fala isso no caput do artigo 13, quando ele
diz que considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Quando
nosso código traz essa expressão na parte final do artigo 13, ele deixa claro que ele adota a
chamada teoria da equivalência dos antecedentes causais. Para fins de reconhecimento e
estabelecimento do nexo de causalidade, o código penal brasileiro e toda a sistemática penal
Brasileira adotam a teoria da equivalência dos antecedentes causais, que de uma forma bem
simples nos diz que para haja nexo de causalidade a conduta do agente, a ação ou omissão do
indivíduo, diretamente tem que ter gerado o resultado delituoso, seja esse resultado formal ou
formal e material. Qualquer coisa que quebre, que cause a ruptura nesse nexo de causalidade
impede que o indivíduo responda de forma plena pelo resultado. Suponha que eu quero matar Vi,
eu pego uma arma de fogo encosto na cabeça dela, ciclo o gatilho, deflagrou o tiro e ela morre.
Existe nexo causal? Obvio. A teoria da equivalência dos antecedentes causais foi satisfeita? Sim.
Existe uma relação direta de causa e efeito entre a minha conduta e o resultado morte dela? Sim.
Vi morreu porque eu encostei uma arma na cabeça dela e deflagrei disparo. Quando eu aciono o
gatilho eu tenho um resultado formal, quando ela morre eu tenho o resultado material ou
naturalístico. Os resultados produzidos são consequências diretas dos meus atos, da minha
conduta. Então o nexo causal está satisfeito.
Vamos imaginar que eu quero matar Vi, mas eu não estou próximo a ela. Eu só com a minha
arma, aponto em direção a ela e efetuo o disparo mas eu erro, eu estou diante de um crime
tentado, de uma tentativa de homicídio. Tem resultado? tem o resultado formal. Existe um nexo
de causalidade? Sim. A vida de Vi só foi exposta a risco, o que caracteriza o resultado formal,
porque eu efetuei o disparo. Então o disparo por mim efetuado diretamente produziu o resultado
formal. Qual foi o resultado formal? a exposição do bem jurídico vida humana a uma situação de
risco. Há um nexo de causalidade inequívoco. Normalmente, quando as questões falam sobre
nexo de causalidade elas usam crimes consumados. Eu não eu estou dizendo que só haja nexo
causal em crimes consumados. Qualquer crime tem que ter nexo de causalidade e eu acabei de
dar um exemplo de um nexo de causalidade em um crime tentado. Agora o mais comum é que as
questões se utilizem de crimes consumados até para não ter questionamentos, que você consiga

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responder a questão sem maiores dificuldades. Então ela diz assim: João desejando lesionar
Pedro com a intenção de legionário pega um pedaço de pau e bate nas costas da vítima. Há nexo
de causalidade? Sim. A conduta do sujeito do crime foi pegar um pedaço de pau e bater nas
costas da vítima. O resultado, inclusive material, foi a vítima sair lesionada. É uma lesão corporal
consumada. Neste caso o nexo de causalidade está perfeito, pois a vítima só foi lesionada
porque o sujeito ativo bateu nela. A relação direta entre a conduta e o resultado está
caracterizado. Então, por óbvio, nós temos o nexo de causalidade.
Quando as pessoas começam a analisar a teoria da equivalência dos antecedentes causais
podem ter a tendência a começar a fazer aquilo que a doutrina chama de regressão ad infinitum.
Imagine que você começa a pensar assim: Geovane encostou a arma na cabeça de Vi, ciclou o
gatilho, efetuou disparo e Vi morreu. O nexo causal é que Geovane atirou em Vi e ela morreu. A
conduta é Geovane ter atirado. O resultado é a morte da vítima. O nexo causal entre conduta e
resultado está perfeito. Então Geovane ter atirado é causa da morte de Vi que é o resultado. Mas,
se Geovane não tivesse comprado a arma ele não teria atirado. Logo, comprar a arma é causa de
Geovane ter atirado, que é causa do resultado morte de Vi. Mas, se Geovane não tivesse
trabalhado ele não teria dinheiro para comprar a arma que matou Vi. Logo, Geovane trabalhar é
causa de ter comprado a arma que é causa de ter atirado, que é causa de Vi ter morrido. Se a
gente começa a fazer essa regressão qualquer coisa pode ser causa, e é por causa disso que
dentro da sistemática do ordenamento penal brasileiro você sempre diz que causa é tudo aquilo
que diretamente gera o resultado. Sempre que você estivesse utilizando da equivalência dos
antecedentes causais para estabelecer o nexo de causalidade enquanto elemento do fato típico,
você vai ter que se ater a chamada relação de primeiro nível ou relação de primeiro parâmetro,
como diz o Mestre Bittencourt. Vamos imaginar que nós temos um círculo e dentro deste círculo
temos Geovane e Vi; Geovane está atirando em Vi e ela morre. O que a matou foi o tiro de
Geovane. Aqui, a conduta, a causa gerou o resultado dentro do primeiro nível. Mas eu tenho um
segundo círculo que é o segundo nível que é Geovane comprando a arma. Eu tenho um terceiro
círculo que é Geovane trabalhando para ganhar dinheiro e comprar a arma, e assim
sucessivamente. O grande bizu da teoria da equivalência dos antecedentes causais é que você
deve olhar somente para o primeiro nível da relação. É por isso que eu sempre friso que a
relação tem que ser direta. O que o indivíduo fez, a sua ação ou omissão, tem que ter gerado
diretamente o resultado. O fato de eu ter comprado uma arma antes não satisfaz o nexo causal,
pois é mero ato preparatório para o crime em apreço.
Podem acontecer rupturas neste nexo de causalidade e você vai ter que observar caso a caso
como essa ruptura aconteceu. Eu quero matar Vi, mas dessa vez eu não quero matá-la quando
disparos de arma de fogo, dessa vez eu vou matá-la com uma faca e deflagrou vários golpes na
sua barriga. Vi tomba sangrando em agonia da morte e eu vou embora com a certeza que ela vai
morrer. Porém, neste momento vai passando ambulância do Samu, a vê ferida, a coloca dentro
da ambulância e sai para o hospital. No caminho para o hospital esta ambulância se envolve em
um acidente, bate em um caminhão, pega fogo e Vi vem a óbito, não das facadas que eu
deflagrei, mas do acidente automobilístico. Eu queria matar Vi ao final de toda a história ela
morreu, mas perceba que houve uma quebra dentro desse exemplo do nexo causal, houve uma
ruptura dessa relação direta entre a minha conduta esfaquear Vi e o resultado morte da vítima. O
que efetivamente produziu a morte não foram as furadas de faca que eu dei na barriga dela,
foram os golpes que eu desferi no corpo dela, o que efetivamente produziu o resultado foi o
acidente da ambulância. A relação direta entre a causa e a morte foi o acidente da ambulância. O
que diretamente matou Vi foi o acidente da ambulância. Neste contexto há uma ruptura do nexo
de causalidade e consequentemente o agente delituoso não pode responder pelo resultado
morte, ele só vai responder pelos atos que ele já praticou. Se o sujeito ativo esfaqueou a vítima e
a vítima foi socorrida com vida, ele vai responder só até aí, porque daí pra frente o nexo de
causalidade está rompido. Então, neste exemplo, o sujeito ativo, quem esfaqueou, responderá
por tentativa de homicídio. Embora efetivamente a vítima tenha morrido, ele só responderá por
tentativa de homicídio porque houve uma ruptura no nexo de causalidade, por que a teoria da
equivalência dos antecedentes causais não foi satisfeita até o final do desenrolar da história. Que
matou a vítima não foi a facada, mas o acidente da ambulância.
01º nível: O acidente gerou a morte da vítima

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02º nível: a vítima foi colocada na acidentou porque o sujeito ativo a esfaqueou.
Para nós estabelecermos a responsabilidade pelo resultado final eu só posso olhar o primeiro
nível da relação causa e efeito entre conduta e resultado. O que matou foi o acidente da
ambulância. Nesse contexto do acidente da ambulância o sujeito ativo não está envolvido. Então
ele não pode responder pela morte. Se eu tivesse a esfaqueado e ela fosse socorrida para o
hospital e chegando lá ela vem a óbito, eu responderia pelo homicídio consumado porque a
relação é direta, ela morreu das facadas que eu dei.
Vamos imaginar que eu chegue para roubar Vi, meu ânimos é patrimonial, armado com um
canivete, a minha conduta se amolda ao teor do artigo 157 código penal. Vi Está numa parada de
ônibus e eu abordo, ela assustada consegue se desvencilhar de mim e corre e ao sair correndo
ela atravessa uma avenida sem olhar o fluxo de trânsito, oportunidade em que é atropelada por
um coletivo e vem a óbito. Eu comecei a roubando e ao final ela morreu, existe no código penal
brasileiro uma modalidade qualificada para o roubo que gera o resultado morte, artigo 157,
parágrafo terceiro, do código penal, é o que se chama de latrocínio. Neste caso eu não respondo
pelo latrocínio, porque no latrocínio se presume que no contexto do roubo a vítima venha a
morrer. Neste caso o que produziu o resultado morte da vítima não foi diretamente a minha
violência, a vítima morreu atropelada. O que gerou o resultado morte da vítima foi o
atropelamento. Em relação ao questionamento de que ela só foi atrapalhada porque correu de
mim, é a mesma questão dos níveis; ela ter fugido de mim está no segundo nível. Olhando para o
primeiro nível que é o que me interessa para estabelecer o nexo de causalidade, ela morreu do
atropelamento. O resultado morte dela não foi consequência direta da minha conduta, indireta;
mas, o nexo de causalidade é uma relação direta entre conduta e resultado. A morte de Vi não foi
uma consequência direta do meu ato, foi indireta. O nexo causal presume a consequência direta,
então eu não respondo pela morte dela, eu não respondo pelo latrocínio, eu respondo pelos atos
já praticados. O meu ato foi o de abordar Vi com emprego de violência grave ameaça para levar o
patrimônio. Eu não consegui pegar nenhum bem dela, eu respondo por tentativa de roubo. O que
a matou não foi a violência que eu empreguei no roubo, foi o atropelamento. Então o nexo causal
foi interrompido. Se eu tivesse conseguido pegar algum bem dela eu responderia pelo roubo
consumado. Eu não respondo pelo resultado morte.
Imagine que eu estou querendo roubar Vi, eu estou com um punhal na mão, punhal no pescoço
dela e mando ela passar o celular pra mim. Ela se assusta, faz menção em reagir e eu enfio o
punhal em seu pescoço, e ela sangra até a morte. Eu estou praticando um crime de roubo, me
utilizei de violência no contexto do roubo e dessa violência a vítima. Nesse caso eu respondo por
latrocínio, pois o nexo causal está mantido. A relação direta entre a conduta e o resultado está
satisfeita. Vi morreu no contexto do roubo porque eu enfiei um punhal em seu pescoço, ela
morreu em consequência direta dos meus atos.
Então todas as vezes que o nexo causal for rompido, o indivíduo só responde pelo que fez antes
do rompimento do nexo causal. É o que a lei diz de que só responde pelos atos já praticados. Se
o nexo causal foi rompido, o agente delituoso só responde pelo que ele fez até o momento da
ruptura. Dali pra frente ele já não responde. É assim que funciona a teoria da equivalência dos
antecedentes causais. E é daí que vêm as causas que quebram o nexo causal, e essas causas
que quebram o nexo causal (Teoria das concausas) são de 3 modalidades: preexistente,
concomitante e superveniente.
Quando você diz que há uma ruptura do nexo de causalidade por uma causa pré-existente você
está dizendo que é algo que já existia antes da conduta do agente ser praticado.
Quando você diz que há uma ruptura do nexo de causalidade por uma causa concomitante você
está dizendo que é algo que aconteceu no mesmo momento da conduta do agente delituoso.
Quando você diz que há uma ruptura do nexo de causalidade por uma causa superveniente você
está falando em algo que aconteceu depois da conduta do agente ter sido praticada.
Vamos imaginar que eu quero matar Vi e dou um tiro no peito dela. Ela é socorrida ao hospital,
fica internada, os médicos conseguem estancar a hemorragia e os danos tiro que eu dei. Daqui a
1 hora ela vem a óbito. Aí o corpo dela é levado para necropsia e é submetido ao exame de corpo
delito, é submetida ao exame cronotanatoscópico, que é o exame feito para estabelecer o tempo
aproximado da morte e a causa da morte. e quando é feito este exame os médicos descobrem
que alguns minutos antes de eu ter atirado em Vi, sem que eu soubesse, ela nutrindo intenções

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suicidas tinha tomado um poderoso veneno de efeito retardado. Antes de eu a encontrar ela já
estava querendo morrer. Os médicos sabiam do tiro e não do veneno, então conseguiram impedir
que o tiro matasse mas não que o veneno. Eu vou responder pelo fato dela ter morrido? Perceba
que eu quero a matar e ela morreu, mas eu não vou responder pelo fato dela ter morrido, porque
o que a matou não foi o tiro que eu dei, o que a matou foi o veneno. O que eu tenho neste caso é
uma causa preexistente. O nexo causal acabou de ser rompido por uma causa preexistente. A
causa já existia antes da minha conduta. Quando o efeito retardado do veneno se manifestou ela
morreu. Eu atirei para matar, mas a ruptura do nexo causal aconteceu porque ela não morreu do
tiro, ela morreu do veneno. E esse veneno que manifestou seus efeitos posteriormente gerando
resultado morte tinha sido consumido antes da minha conduta. Então, é uma causa preexistente.
Uma causa absolutamente independente é aquela que se manifesta sem nenhuma influência dos
atos do sujeito ativo. Uma causa relativamente independente é aquela que se manifesta por
influência dos atos do sujeito ativo. Nesse exemplo do veneno, quando ela tomou veneno ela não
havia tido nenhum contato comigo, então é uma causa absolutamente independente preexistente
que por si só produziu o resultado. Um exemplo da ambulância em que eu atiro em Vi, ela é
socorrida pela ambulância, e só está na ambulância porque eu atirei nela então a causa
relativamente independente. No entanto, em ambos os casos o nexo de causalidade será
rompido, seja por uma causa absolutamente ou relativamente independente. E ao romperem o
nexo de causalidade o indivíduo só responde pelo que tinha feito antes desse rompimento. Se o
nexo causal é rompido seja por uma causa absolutamente, seja por uma causa relativamente
independente, se o nexo causal está rompido o indivíduo só responde pelos atos já praticados até
o momento da quebra do nexo de causalidade.
Vamos imaginar que eu quero matar Vi, ela está do lado de fora do empresarial onde funciona o
Jus21 no Recife, eu estou com a arma apontada para ela e atiro nela. No mesmo momento que
eu efetuo o disparo e ela é alvejada, a marquise da avenida cai na cabeça dela e ela morreu. Ela
é levada ao IML para ser submetida ao exame de corpo delito, quando está fazendo o exame, os
médicos peritos chegam à conclusão que em que pese o meu disparo ter atingido Vi, o que é
efetivamente a matou foi a marquise ter caído na cabeça dela. Ocorreu neste caso uma causa
concomitante, mas o que a matou não foi o meu tiro foi a marquise ter caído na cabeça dela. Esta
causa que é absolutamente independente é concomitante aos meus atos, pois está acontecendo
no mesmo momento da minha ação executória e foi ela que produziu o resultado morte. Houve
uma quebra do nexo causal porque o que a matou não foi o tiro, mas a marquise que caiu na
cabeça dela. Neste caso, eu só respondo pela tentativa de homicídio. Mas supondo que a perícia
dissesse que ela morreu efetivamente dos tiros, que a marquise só produziu lesões leves, eu
responderia pelo homicídio consumado, pois o nexo de causalidade não estará rompido. Quando
você tem essas causas concomitantes você tem que olhar para a perícia para saber qual é a
resposta da questão.
A questão de ser que eu efetuei o disparo, o disparo atingiu a vítima no mesmo momento a
marquise caiu na cabeça dela e a perícia não conseguiu concluir o que efetivamente produziu o
resultado morte, a perícia foi inconclusiva, aí neste caso a solução não é penal, mas processual
penal, pois eu estou diante de uma dúvida razoável, e no processo penal nós aprendemos como
regra elementar que indubio pro reu, em existindo dúvida, nós devemos buscar a solução jurídica
entre as possíveis para o caso concreto que seja mais favorável ao réu. Neste caso, a solução
jurídica possível mais favorável é que o réu responda apenas por tentativa de homicídio. Se
existe dúvida sobre a quebra ou não do nexo de causalidade eu uso a regra do in dubio pro réu.
Nós temos ainda as chamadas causas supervenientes, que são aquelas que vem depois da
conduta sujeito ativo, que é o exemplo da ambulância. Eu atiro em Vi, ela é colocada na
ambulância e está sendo socorrida para o hospital, no meio do caminho, superveniente, depois
de eu ter atirado nela, a ambulância se acidenta e ela vem a óbito. É uma causa superveniente
quebra o nexo causal. Se quebrou o nexo causal eu só respondo pelo que eu fiz antes da quebra.
º Previsão normativa ou tipo em sentido estrito: esta conduta que gerou o resultado dentro do
nexo de causalidade ela tem que estar prevista em lei como crime, até em respeito ao princípio
da legalidade penal ou legalidade em sentido estrito. Como diz o artigo quinto, XXXIX da
Constituição Federal, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal. Esta regra também está repetida no artigo primeiro do código penal. Então esta

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conduta que gera um resultado dentro de uma relação direta de causa e efeito, satisfeito o nexo
de causalidade, precisa obrigatoriamente estar previsto em lei como crime.
Imagine que eu pego os meus óculos e resolvo que vou quebrá-lo. Existe uma conduta? Sim, é
uma conduta comissiva. Existe um resultado? Sim, os óculos estão quebrados. Existe o nexo de
causalidade? Sim, os óculos só quebraram porque eu os joguei no chão. Agora a minha conduta
de quebrar os meus óculos está previsto em lei como crime? Está tipificado formalmente em
sentido estrito? Não. O mais próximo disso é o artigo 163 do código penal que tipifica o crime de
dano, o qual é danificar patrimônio alheio. A lei Penal não tipifica a conduta de danificar o próprio
patrimônio.
Certa feita uma pessoa me procurou afirmando que tinha levado ao conhecimento de um
delegado o fato de que a sua filha de 15 anos havia praticado relações sexuais com o namorado
de 19 anos em sua cama e pediu providências, no entanto o delegado disse que nada poderia
fazer. é óbvio que o delegado não tinha o que fazer por ausência de previsão normativa, uma vez
que o artigo 217-A, caput, tipifica a conduta de ter ou praticar conjunção carnal ou outro ato
libidinoso com menor de 14 anos. Se o indivíduo está praticando o ato sexual com sentido, fora
do contexto de prostituição, com alguém que tem de 14 anos pra cima, não há tipo em sentido
estrito, não há crime tipificado na lei penal Brasileira. Logo, não há fato típico, e não havendo fato
típico, não há nada que o delegado possa fazer.
º Elemento subjetivo: para você ter fato tipo, a conduta que gerou o resultado, dentro do nexo
de causalidade, conduta esta prevista em lei como crime tem que ter sido praticada dolosa por
regra ou culposamente quando a lei prevê modalidade culposa para o crime. Se no caso concreto
não houver dolo ou culpa, não haverá crime. Existe um instituto chamado de culpa exclusiva da
vítima que são situações em que o indivíduo pratica uma conduta, gera um resultado, tem nexo
de causalidade, aquela conduta está prevista em lei como crime, mas você não tem carregada a
essa conduta nem o dolo e nem a culpa. Logo, não tem crime. É o caso do motorista do ônibus
está guiando corretamente o coletivo, mas alguém pula na frente dele e morre atropelada. fica
claro que o motorista não agiu nem com dolo e nem com culpa. Logo, o motorista de ônibus não
cometeu crime. É um instituto chamado genericamente de culpa exclusiva da vítima.
º Relevância jurídica social: que basicamente é a arguição se seria cabível ou não no caso
concreto do princípio da insignificância. Essa arguição da relevância jurídica social é o sexto
elemento constitutivo do fato típico. Se foi reconhecida insignificância, se foi reconhecida a
aplicação da criminalidade de bagatela, você não tem o elemento do fato típico, você gera a
atipicidade material da conduta. Se o sexto elemento constitutivo do fato típico não existe, que é
atipicidade material da conduta, logo não tem crime. Para que haja o reconhecimento do fato
típico não pode ser possível a aplicação da insignificância. Se os vetores ao reconhecimento da
insignificância estão presentes, se entende-se que a insignificância se manifestou naquele caso,
eu não terei o sexto elemento do fato típico, a conduta será atípica e consequentemente não será
crime.

AULA 07

CRIMES TENTADOS E CONSUMADOS

O conceito de tentativa e o conceito de consumação são conceitos muito fáceis e conhecidos,


fáceis no sentido de que são conceitos muito comuns. Algumas vezes alguns alunos acabam
tendo a falsa percepção de que a única coisa que precisam saber sobre tentativa e consumação
é a definição normativa do artigo 14 do código penal, e aí eu já chamo a atenção de vocês para o
risco, não caiam nessa esparrela; em que pese a conceituação elementar do que é um crime
consumado, do que um crime tentando, se é algo comum e corriqueiro, existem muitos detalhes,
muitas nuances, existem algumas particularidades e especificidades que precisam ser
conhecidas por você, e é justamente essas especificidades que nós vamos tratar na aula de hoje.
Mas, por uma questão didática, vamos começar observando o que diz a letra da lei.
O artigo 14, inciso I, do código penal estabelece que diz-se o crime consumado, quando nele se
reúnem todos os elementos de sua definição legal. O inciso II estabelece que diz-se o
crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à

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vontade do agente. E o parágrafo único estabelece que salvo disposição em contrário, pune-se a
tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. Então
nós já podemos perceber que a natureza jurídica da tentativa é de figurar como uma causa de
redução de pena, que há de ser arguida na terceira fase da dosimetria da pena.

CONSUMAÇÃO:
Vamos nos ater primeiro ao que diz o código penal acerca do crime consumado. Quando a letra
da lei começa a dizer que o é crime consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de
sua definição legal fica claro que o código penal não nos ajuda nem um pouco a saber qual é o
momento, ou quais são os momentos, consumativos dos crimes. Ele diz que o crime é
consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal, ou seja, ele parte
da premissa que você saiba qual é a definição normativa de todos os crimes. Para questões
referentes à parte geral do direito penal não precisam você esquentar a cabeça com o momento
do consumativo dos crimes, até porque nós não temos uma regra única que estabeleça quando o
crime se consuma ou não. A maioria dos crimes tem particularidades quanto a sua consumação,
é por isso que normalmente se estuda o momento consumativo de cada crime na medida em que
se está estudando o crime em si. Não existe uma regra única que diga que “satisfeito esse
requisito todos os crimes serão considerados consumados”; isso não existe porque cada crime,
dependendo das suas particularidades, dependendo das suas nuances, poderá ter momento
consumativo específico. Eu vou dar só alguns exemplos ilustrativos aqui pra vocês, mas como eu
disse: o estudo específico da consumação demanda do estudo específico do crime na parte
especial do código penal. Mas vamos dar alguns exemplos aqui e chamar a atenção para aqueles
crimes mais comuns, mais recorrentes e vamos destacar o momento consumativo deles, a
começar pelo delito capital histórico, que é o crime de homicídio.
Homicídio está tipificado ao teor do artigo 121 do código penal brasileiro e está lá escrito que
homicídio é matar alguém, com pena de reclusão de 6 a 20 anos na modalidade simples. Quando
é que o crime de homicídio restará consumado? Quando eu faço essa pergunta eu tenho certeza
absoluta que muitas pessoas dizem que o crime de homicídio está consumado quando a vítima
morrer. Essa resposta está correta, mas é tecnicamente imprecisa. Na medicina legal, nós
aprendemos que existem várias modalidades distintas disso que genericamente nós chamamos
de morte. Você em medicina legal aprende, por exemplo, que existe a morte cardíaca quando
cessarem definitivamente as sístoles e diástase do músculo cardíaco. Abrindo um parêntese, nós
tecnicamente temos uma mania de dizer que o coração bate, mas na verdade ele tecnicamente
pulsa, e o que promove essa pulsação é o movimento de contração e distensão do músculo
cardíaco. O nosso coração é um músculo e é composto de válvulas que se abrem e fecham para
a passagem do sangue, e desse movimento de contração e distensão, desse movimento de
sístole e diástole resulta a pulsação do coração e em consequência da pulsação do coração,
resulta todo o processo de circulação sanguínea. Então na hora que você tenha falência completa
e definitiva do músculo cardíaco, ou seja, na hora que o músculo cardíaco cessa definitivamente
a sua pulsação você tem aquilo que nós chamamos de morte cardíaca. A morte cardíaca leva à
falência total e completa do restante do organismo. Se o coração parar de pulsar, o organismo vai
entrar em falência completa. Leva quanto tempo? Isso depende de pessoa para pessoa, de
situação para a situação, mas cessada a pulsação, cessa a circulação, cessada a circulação,
cessa a oxigenação, transporte de nutrientes, transporte de adenosina trifosfato, glicose que é
oxidada nas mitocôndrias para produzir adenosina que é a matriz energética das células, e por aí
vai. Então nós temos em medicina legal a morte cardíaca. A morte cardíaca produz a falência
total do corpo? Produz. Nós temos uma segunda modalidade de morte estudada em medicina
legal: a morte pulmonar, também conhecida como morte respiratória. Quando é que nós teremos
a morte pulmonar ou respiratória? Quando o pulmão da vítima perder de forma completa e
irreversível a capacidade de fazer a troca do sangue venoso pelo sangue arterial. Por conceito, e
é um conceito que eu estou indo buscar lá em medicina legal, a morte pulmonar estará
caracterizada no momento que o órgão pulmão perder de forma plena e irreversível a capacidade
de promover a troca do sangue venoso pelo sangue arterial. O nosso pulmão tem ramificações,
que numa comparação esdrúxula para fins didáticos, parecem esponjas, é o que nós chamamos
em medicina legal de alvéolos pulmonares; nesses alvéolos pulmonares ocorrem efetivamente a

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troca gasosa, a troca do oxigênio e do gás carbônico. O sangue irriga esses alvéolos, e quando o
sangue irriga esses alvéolos ele vem carregado de CO2, vem carregado de gás carbônico, ele é
chamado de sangue venoso porque ele retorna pelas veias ao pulmão. Ao chegar aos alvéolos
pulmonares, o CO2 como é uma molécula mais densa é expulsa da corrente sanguínea, e é
expulsa através desses alvéolos pulmonares, e em ato contínuo o oxigênio é introduzido na
corrente sanguínea, se prende ao ferro da hemoglobina e é levado para as células. No momento
que sai o gás carbônico da nossa corrente sanguínea e no pulmão entra o oxigênio e se prende
ao ferro da hemoglobina há uma troca do sangue venoso rico em gás carbônico pelo sangue
arterial rico em oxigênio que começa a ser distribuído pelas artérias, e daí o nome de sangue
arterial. E lá em medicina legal nós aprendemos que esse oxigênio é levado para as células,
entra nas células por permeabilidade seletiva da membrana plasmática, e este oxigênio dentro da
célula participa da matriz energética da célula. Cada célula do nosso corpo produz energia. Por
exemplo, você pega uma célula e nessa célula vai ter glicose, essa glicose é submetida à
presença do oxigênio e passa por um processo bioquímico chamado de oxirredução. Em
consequência você vai ter a produção de ATP, você vai ter a produção de CO2 e de radical livre
de hidrogênio. Esse radical livre de hidrogênio se une ao oxigênio e vira água, o CO2 sai pra
corrente sanguínea também por permeabilidade seletiva da membrana plasmática, esse CO2 é
levado até os pulmões, até os alvéolos pulmonares, é expulso e entra o oxigênio, e o ciclo
recomeça. Tudo isso só é possível por causa do funcionamento dos pulmões. Quando os
pulmões param de funcionar cessa a troca gasosa, e você vai ter efeitos imediatos dessa
cessação. Primeiro que a matriz energética das células não funciona mais; segundo, sem o
ingresso de oxigênio na corrente sanguínea, a quantidade de hidrogênio e de CO2 aumenta
muito, e aí esse hidrogênio se combina com CO2 e vira H3CO2 que é ácido, é um processo
chamado de acidose celular aumentada. Todas as vezes que você diminui a entrada de oxigênio,
você aumenta a quantidade de ácido dentro das células e circulando na corrente sanguínea, é
por isso que as pessoas que começam a ter problema de falta de ar, as pessoas que têm asma,
as pessoas que não conseguem fazer as trocas gasosas no nível que deveriam fazer, acabam
não conseguindo fazer quase nada porque não conseguem produzir energia, e começam a
debilitar muito rapidamente porque o nível de acidose celular aumenta muito. Então,
consequentemente se o pulmão para de funcionar você tem a falência completa do restante do
organismo e a isso nós damos o nome de morte pulmonar. Existe uma terceira modalidade de
morte estudada na medicina legal que interessa muito ao momento consumativo do homicídio,
que é a chamada morte encefálica ou morte cerebral. O termo técnico é morte encefálica, porque
morte cerebral é imprecisa. no dia a dia as pessoas usam morte encefálica e morte cerebral como
sinônimos, então para fins de prova vocês podem utilizar. Mas. se puderem. se valham do termo
técnico. Quando é que nós teremos a morte encefálica? quando as nossas células nervosas, que
são os neurônios, perderem a capacidade de realizarem sinapses neuroniais; sinapses neuroniais
nada mais é do que a Transmissão de impulso nervoso de neurônio para neurônio, que nos
permite ter memórias, reflexão, atenção. Um neurônio nunca toca o outro, o impulso nervoso
entra no neurônio, segue pela membrana plasmática, chega no axônio, lá tem uma área
conhecida como bainha de mielina e lá esse impulso elétrico é potencializado, ao final do axônio
existem vacúolos que se abrem, liberam neurotransmissores, esse impulso elétrico passa por
esses neurotransmissores, entram no próximo neurônio, sem um neurônio tocar o outro, os
neurotransmissores ficam entre eles, e esse processo se reinicia milhões e milhões de vezes a
cada milésimo de segundo, a isso nós damos o nome de sinapses neuroniais. Quando o cérebro
da vítima perde a capacidade definitiva de realizar essas sinapses nós temos a morte encefálica.
A morte encefálica com o tempo também vai produzir a falência do restante do organismo, só que
diferentemente da morte cardíaca e da morte respiratória que produz a falência do organismo em
minutos, a morte encefálica pode levar até anos para produzir a falência total do organismo,
principalmente se o paciente for mantido diante de sistemas de suporte a vida artificial. O que
isso interessa ao direito penal? Isso interessa por um detalhe de ordem técnica que influencia na
aferição do momento consumativo do crime de homicídio. Nós temos no Brasil a lei de
transplante, a qual diz taxativamente que é permitido o transplante de órgãos de pacientes que
tenham tido morte encefálica, ainda que o coração desse paciente esteja pulsando, ainda que o
pulmão desse paciente esteja funcionando mesmo que sem suporte artificial a vida. Segundo a lei

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de transplante é possível se tirar o coração, as córneas, os rins, enfim, é possível se tirar órgãos
e tecidos daquele paciente para fins de transplante, satisfeito todos os protocolos estabelecidos
pelo CFM, feitas todas as medidas de aferição para efetivamente caracterizar a morte encefálica.
Usando a ideia da tipicidade conglobante, usando a ideia tão defendida pelo mestre Zaffaroni, de
que nós temos que olhar o direito penal dentro de um contexto mais amplo, de tudo o que é
norma permissiva ou proibitiva do restante do ordenamento jurídico. Se nós temos uma lei que
autoriza tirar o coração, tirar o pulmão, tirar as córneas, tirar órgãos e tecidos para fins de
transplante com a aferição da morte encefálica, é porque o direito brasileiro considera que a vida
humana cessa com a morte encefálica. o direito brasileiro parte da premissa que a vida humana,
que é objeto de proteção do direito penal e do crime de homicídio de forma específica, ela cessa
com a morte encefálica, e é por isso que nós devemos considerar de forma muito precisa e muito
técnica que o crime de homicídio estará consumado a partir da morte encefálica do paciente. O
momento consumativo do crime de homicídio, até em respeito ao restante da legislação, f
ativamente principalmente em respeito à lei de transplante, dar-se-á com a morte encefálica da
vítima, porque você pode se deparar com a seguinte questão: imagine que apareça para você
que João com animus necandi, com notória intenção de matar, deflagra disparo de arma de fogo
contra a cabeça de José; José é levado ao hospital e lá chegando, conforme os protocolos
estabelecidos pelo conselho federal de medicina, é a ferida a sua morte encefálica. Em que pese
o coração da vítima ainda pulsar, em que pese o pulmão da vítima ainda funcionar, nós
estaríamos diante de um homicídio consumado ou tentado? Nós estaríamos diante de um
homicídio consumado, porque a aferição do momento consumativo do crime de homicídio deve
ser feita com base na morte encefálica da vítima.
O crime de furto está tipificado ao teor do artigo 155 do código penal, o qual é subtrair coisa
móvel alheia. Quando é que o crime de surto Há de Ser considerado consumado? Quem nos dá
essa resposta é a jurisprudência. Tanto o STJ quanto o STF possuem entendimento consolidado
que o crime de furto terá sua consumação aferida com base na chamada teoria da apreensão. A
teoria da apreensão nos diz que o furto se consuma com a inversão da Posse em relação res
furtiva; o furto se consuma com a inversão da Posse em relação ao bem objeto do crime, ainda
que o agente delituoso não consiga ter a Posse Mansa e pacífica, ainda que o agente delituoso
consiga evadir-se do local da subtração. O furto se consuma na hora que o meliante pega o bem
da vítima e traz para a sua alçada de Posse, mesmo que ele não consiga fulgar, ainda que ele
não tenha Posse Mansa e pacífica o fundo estará consumado. Imagine que eu chegasse aqui no
estúdio e me deparasse com o celular de Vi que ela deixou em cima de uma bancada aqui no
estúdio, eu aproveito que ela não está na sala para furtar o celular dela, mas aqui nos estúdios
tem sistema de monitoramento e que eu vejo tudo o que acontece nele pelo meu celular, e aí o
pessoal da segurança vê pelo sistema de monitoramento que eu peguei o celular dela. Quando
eu saio do estúdio que vou chegando na porta do elevador, os seguranças me capturam. Eu
incorri em furto tentado ou consumado? Eu incorri em furto consumado. Eu não tive a Posse
Mansa e pacífica do bem, eu sequer consegui fugir do local da subtração, mas eu peguei o bem,
eu inverti a Posse do bem, eu trouxe para mim a Posse do objeto do furto, logo este fruto estará
consumado. Hoje o que o STJ e o STF diz é que a existência de sistema de câmeras, a
existência de sistemas de monitoramento, seja por imagens ou por sensores de Barreiras, seja
pela presença física de seguranças, nada disso é impeditivo a consumação do furto nem do
roubo; Tudo isso é considerado um mero instrumento de proteção e produção de provas. Hoje o
furto será considerado consumado quando houver a inversão da Posse, pouco importa se tem
Câmera ou se não tem, se teve Posse Mansa e pacífica ou não, se o indivíduo conseguiu fulgar
ou não. Mas é perfeitamente possível se ter a tentativa de furto. Suponha que eu sei que Júnior
comprou pratos novos pra sua bateria e eu sei que essa bateria está na casa dele; aí eu vou até
a casa de Júnior, pulo o muro da casa dele, arrombo a porta da casa dele, entro na casa e no
quarto que ele guarda a bateria, quando eu vou pagando os pratos da bateria alguém chega, eu
me assusto e vou embora. Qual é o meu crime? Furto tentado. Na verdade isso é uma tentativa
de furto qualificado, pois eu tenho 2 elementos de qualificação desse furto: o primeiro sou eu ter
pulado o muro, que é o emprego de Escalada; o segundo sou eu ter arrombado a porta, a
destruição ou inutilização de obstáculo a subtração da coisa. Eu incorri numa tentativa porque eu
iniciei a execução, mas não consegui efetivamente pegar o bem por circunstâncias alheias a

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minha vontade. Agora se eu tivesse efetivamente pegado os pratos da bateria, e quando eu estou
saindo da casa Júnior me captura, continua sendo furto consumado. Se eu peguei e não
consegui sair, se eu peguei, levei e vendi, se eu peguei e consegui te a posse mansa e pacífica,
eu pegando o bem, invertendo a Posse do bem, teoria da apreensão, o furto se consumou. Agora
se eu não consegui, se eu iniciei a execução, mas não consegui colocar a mão no bem aí é
tentativa de furto. E, com base na mesma teoria, o STJ e o STF também fazem a aferição, na
regra geral, do momento consumativo do crime de roubo (art. 157, CP). Roubo em regra é
subtrair coisa móvel alheia com emprego de violência ou grave ameaça, depois de ter reduzido a
impossibilidade e a chance de defesa da vítima, pelo menos o roubo próprio que está no caput do
artigo 157. O roubo, em regra, também tem o seu momento consumativo aferido com base na
teoria da apreensão. Quando é que o roubo estará consumado? Quando o meliante subtrair o
bem. Imagine que Vi está na parada do ônibus, e eu emprego de violência e grave ameaça para
que ela passe para mim o seu celular, e isso é roubo. No momento em que ela me entrega e eu
pego o celular, eu, no contexto do roubo, inverti a posse do bem, e o crime de roubo está
consumado. Na regra geral, o momento consumativo do roubo é aferido com base na mesma
lógica e no mesmo raciocínio, teoria da apreensão, do momento consumativa do crime de furto.
Na regra geral, o roubo se consuma também com a subtração do bem. Agora se é roubo a
subtração desse bem vai acontecer com emprego de violência ou grave ameaça, ou depois de ter
reduzido a impossibilidade ou a chance do crime de roubo é quando nós estamos tratando do
roubo impróprio e quando nós estamos tratando do latrocínio, que é o roubo qualificado pelo
resultado morte da vítima.
O roubo impróprio está tipificado no parágrafo primeiro, do artigo 157. O roubo impróprio
acontece quando o indivíduo subtrai o bem sem violência ou grave ameaça e, após a subtração
do bem, ele passa a empregar de violência ou grave ameaça para garantir a detenção do bem, a
sua fuga ou a sua impunidade em relação ao crime. Por exemplo, Vi deixou seu celular em cima
da bancada. Eu peguei o celular dela e coloquei no bolso. Quando eu estou saindo daqui da sala,
um segurança aparece para me prender. Para que eu não seja preso, eu dou um murro no
segurança para fugir, isso é roubo impróprio. O emprego da violência ou da grave ameaça
ocorreu a posteriori, depois do bem já ter sido subtraído, e foi empregado para garantir a
detenção do bem, a sua fuga ou a sua impunidade em relação ao crime. O roubo impróprio
começa como se fosse um furto, mas para poder ficar com o bem, para poder fugir e não ficar
preso, eu tenho que depois de já ter pego o bem me valer de violência ou de grave ameaça; e aí
neste caso deixa de ser considerado furto e passa a ser considerado o roubo impróprio. Quando
é que o roubo impróprio estará consumado? Segundo tanto o STJ quanto o STF, o roubo
impróprio se consuma no momento do emprego da violência ou da grave ameaça. o roubo normal
que nós estamos acostumados se consuma quando o meliante pega o bem, já o roubo impróprio
se consuma no momento em que o indivíduo já tendo subtraído o bem se vale do emprego da
violência ou da grave ameaça. O roubo impróprio não admite modalidade tentada. Nos crimes
que não admitem tentativa são chamados de crimes unissubsistentes.
Um outro exemplo de crime que se fala muito do momento consumativo é o delito de extorsão,
que está previsto no artigo 158 do código penal. Na extorsão o meliante está constrangendo a
vítima, está exigindo da vítima uma vantagem patrimonial mediante o emprego de violência ou de
grave ameaça. Na extorsão o agente delituoso não tem como ter acesso ao bem a não ser se a
vítima lhe entregar. O exemplo clássico de extorsão é o golpe do falso sequestro. Imagine que eu
sei que os pais de Vi são pessoas muito crédulas e preocupadas com ela, e a vejo com o celular
desligado para acompanhar a gravação de uma aula e decido que é o momento certo de aplicar
um golpe nos pais dela. Então eu ligo para os pais dela e digo que capturamos ela e que se eles
não fizerem um Pix de 10 mil reais agora vamos matar ela, isto é extorsão, é o famoso golpe do
falso sequestro. Eu estou incorrendo em uma situação em que eu só consigo aquele dinheiro se a
vítima transferir pra mim, pois eu não consigo pegar o dinheiro tendo em vista que ele não está
fisicamente no local que eu consiga pegar, por isso que eu estou intimidando e constrangendo
com violência e grave ameaça. A extorsão se consuma no momento do efetivo emprego da
violência ou grave ameaça. A estação restará consumada no momento em que a vítima é
efetivamente constrangida, intimidada, forçada pelo emprego da violência ou da grave ameaça.
Se a vítima vai ceder ou não a intimidação, se vai entregar ou não o que o meliante quer, é uma

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discussão a título de exaurimento, mas na hora que o constrangimento aconteceu o crime de
extorsão se consumou. Quer ver um outro exemplo? eu sei que Júnior está com um dinheiro
depositado no banco, e eu sei que ele pode fazer um pix pra mim, eu só consigo pegar o dinheiro
se ele pegar o celular, abrir o aplicativo do banco e transferir o dinheiro pra mim. Aí o que é que
eu faço? eu encosto júnior na parede, coloco a arma na cabeça dele e digo Pra ele fazer a
transferência pra mim. Isso é extorsão, eu estou constrangendo com violência ou grave ameaça
para que ele me passe um bem patrimonial que eu só vou conseguir ter se ele me entregar.
Quando é que esse crime se consumou? no momento que eu o intimidei. Se ele vai ceder ou não
a minha exigência isso não impacta na consumação. A consumação da extorsão já aconteceu no
momento em que eu o constrangi.
Agora cuidado pois existe um crime chamado de extorsão mediante sequestro, que está no artigo
159 do código penal. A extorsão mediante sequestro acontece quando o agente delituoso captura
a vítima, mantém a vítima em seu poder e passa a exigir de terceira pessoa diferente daquela
que foi capturada uma vantagem patrimonial a título de resgate. A extorsão mediante sequestro
se consome, de acordo com o STF, no momento do arrebatamento da vítima. A extorsão do
artigo 158 se consuma no momento em que o meliante faz a exigência da vantagem a vítima o
emprego de violência e grave ameaça; extorsão mediante sequestro, artigo 159, se consuma no
momento que o agente delituoso arrebata a vítima e mantém a vítima em seu poder.
Outro crime que as pessoas costumam perguntar o momento consumativo é o crime de
estelionato, artigo171 do CP. O estelionato é você obter indevida vantagem à custa de prejuízo
alheio. No estelionato você ludibria, no estelionato você engana, você utiliza de artifício ardil para
iludir a vítima e conseguir dessa vítima uma vantagem indevida à custa de prejuízo alheio. O
crime de estelionato em regra se consuma no momento da efetiva obtenção da vantagem
indevida. Um conhecido meu resolveu que queria passar um tempo na praia com a família, e que
ia alugar uma casa de praia por 20 dias, o preço estava dentro da razoabilidade, e a pessoa que
estava alugando e disse que ele deveria pagar 50% do valor do aluguel para garantir e no dia que
ele chegar na casa ele faz o pix dos outros 50%. Quando ele chegou na casa, ele se deparou
com o fato de que a casa estava à venda e o proprietário não estava alugando. O que aconteceu
foi que uma pessoa que sabia que a casa estava a venda se fez passar por um corretor de um
comprador, fez as fotos da casa para mandar para o referido comprador, mas ele colocou essas
fotos na internet como se a casa fosse dele para alugar e pegar o dinheiro do pessoal. Qual foi o
crime? Estelionato. Esse estelionato se consumou no momento em que a vítima depositou em
50% do valor do aluguel, ou seja, no momento em que o agente delituoso conseguiu efetivamente
obter a vantagem patrimonial.
Às vezes no mesmo crime você tem momentos consumativos distintos. É o que acontece com os
crimes de ações múltiplas, também chamados de crimes de conteúdo variado. Crimes de ações
múltiplas são aqueles em que o texto normativo, o tipo penal, descreve mais de uma conduta
caracterizadora do crime. Talvez o exemplo mais clássico que a doutrina nos dê de crime de ação
múltipla é o delito de estupro, tipificado ao teor do artigo 213 do código penal. se você pegar a
letra da lei você vai ver que a definição do crime de estupro é constranger com violência ou grave
ameaça a praticar ou permitir que consigo se pratique conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
Conjunção carnal é a penetração do pênis na vagina; outro ato libidinoso é qualquer outro ato de
natureza sexual que não seja a penetração do pênis na vagina. Estupro é crime de ação múltipla,
eu tenho 2 condutas diferentes aonde a prática de qualquer uma delas caracteriza o estupro. Eu
tenho constranger com violência ou grave ameaça a praticar ou permitir consigo se praticar
conjunção carnal, e tenho o constranger com violência ou grave ameaça a praticar ou permitir
consigo se pratique outro ato libidinoso, ambas condutas caracterizadoras do crime de estupro.
mas quando eu falo que crimes de ações múltiplas podem ter momentos consumativos distintos,
eu gosto sempre de dar o exemplo da corrupção passiva.
Corrupção passiva é crime tipificado ao teor do artigo 317 do código penal brasileiro. Corrupção
passiva é o crime praticado por funcionário público que solicita, recebe, ou aceita promessa de
vantagem indevida. Se você olhar a letra da lei, estará previsto que solicitar ou receber, para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. Perceba que o crime de
corrupção passiva tem 3 verbos nucleares diferentes, ou seja, tem 3 condutas distintas

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caracterizadoras do crime. Eu tenho uma conduta de solicitar vantagem indevida, a de receber
vantagem indevida, e a de aceitar promessa de tal vantagem. São 3 condutas diferentes que a
prática de qualquer uma delas por funcionário público já caracterizará corrupção passiva. E no
crime de corrupção passiva você tem 3 momentos consumativos distintos. Quando é que a
corrupção passiva se consuma? Depende de qual verbo caracterizador da corrupção. Corrupção
passiva na modalidade solicitar vantagem indevida se consuma no exato momento que a
solicitação é feita. Na hora que o funcionário público solicitar a vantagem indevida o crime já se
consumou, a corrupção passiva na modalidade receber vantagens indevidas se consuma na hora
que o funcionário público pegar, colocar a mão na vantagem. A corrupção passiva na modalidade
aceitar promessa de vantagem se consuma na hora que o funcionário público acatar essa
promessa. São 3 de verbos nucleares diferentes com 3 momentos consumativos diferentes em
relação ao mesmo crime. Usando um exemplo caricato para fins didáticos, sem menosprezar o
trabalho de ninguém, imagine que eu estou guiando o meu veículo e eu estou errado por estar
sem habilitação, e o veículo está sem licenciamento, e eu sou parado pela fiscalização do
BPTRAN, batalhão de trânsito, aí o agente de trânsito, policial, funcionário público, se aproxima
de mim e diz que eu estou todo errado e diz para eu deixar 50 reais e ir embora. Qual é o crime
dele? corrupção passiva na modalidade solicitar vantagem indevida. Nesse caso, essa corrupção
passiva se consumou na hora que ele abriu a boca e pediu. Se eu vou ceder ou não isso não
importa. Se ele pediu a vantagem indevida em razão das funções a corrupção passiva estava
consumada, porque o verbo nuclear caracterizador da corrupção passiva neste caso é o solicitar.
Mas suponha que, eu estou guiando o meu veículo e eu estou errado por estar sem habilitação, e
o veículo está sem licenciamento, ao avistar a fiscalização do trânsito, eu pego 50 reais e coloco
na minha mão. Quando eu sou parado na fiscalização e o agente de trânsito se aproxima, antes
mesmo de falar alguma coisa, eu digo que eu sei que eu estou errado, mas que eu estou indo
para casa e ele podia pegar 50 reais e me liberar. O policial não disse nada, pegou o dinheiro,
colocou no bolso e me liberou. Isso também é corrupção passiva, neste caso na modalidade
receber vantagem indevida. Esse crime se consumou na hora que o funcionário público pegou o
dinheiro. Mas imagine outro exemplo em que eu estou guiando o meu veículo e eu estou errado
por estar sem habilitação, o veículo está sem licenciamento, e eu estou sem dinheiro, quando eu
sou parado pela fiscalização do trânsito eu digo que eu sei que eu estou errado, mas que eu
moro bem perto de onde a fiscalização está, peço para me liberar, pois eu estou indo para casa
neste momento e em casa eu tenho um dinheiro guardado que posso pegá-lo e entregá-lo para
eles caso eles me liberassem, e o policial me libera. Neste caso o primeiro e corrupção passiva
na modalidade aceitar promessa de vantagem indevida. Esse crime se consumou na hora que ele
aceitou a promessa. Então perceba que o mesmo crime pode ter mais de um momento
consumativo, basta que ele seja um crime de ação múltipla, basta que ele tenha mais de um
verbo nuclear do tipo, mais de uma conduta caracterizadora do crime. É por isso que cada crime
tem suas particularidades quanto ao momento da consumação.

TENTATIVA

O inciso II estabelece que diz-se o crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma
por circunstâncias alheias à vontade do agente. Para que eu tenha tentativa o ato executório
efetivamente tem que ter se iniciado. A tentativa presume que o indivíduo efetivamente colocou
em prática a sua intenção delituosa, o se dolo, mas que a consumação não veio por algo que
fugiu ao seu controle. por exemplo, eu quero matar Vi, saco uma arma e atiro nela. Ela é
alvejada, mas as pessoas a socorrem ao hospital e ela não morre. Qual é o meu crime? tentativa
de homicídio, porque eu efetivamente iniciei a prática dos atos executórios, mas o crime não se
consumou por algo estranho a minha vontade.
Quando nós vamos analisar o crime tentado e consumado é muito importante que você não
observe apenas a conduta praticada pelo agente, você tem que observar também a intenção
delituosa, porque crime tentado presume o dolo, o crime tentado só vai acontecer se a conduta
for dolosa. Crime culposo não admite tentativa, pois do crime culposo é um crime que eu não
desejo o resultado, mas dei causa a ele porque foi imperito, imprudente ou negligente. Se você
for para o artigo 18, inciso II, do código penal, você encontrará a definição do crime culposo. Diz-

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se que o crime é culposo quando o indivíduo não quer resultado, mas deu causa a ele porque foi
imperito, imprudente ou negligente. Como seria possível tentar o que eu não quero? Se o
conceito de culpa presume que você não deseja o resultado, é incompatível eu tentar o que eu
não desejo. Não existe tentativa em crime culposo. Para que você tenha tentativa, o que eu
preciso ter como elemento subjetivo é o dolo; esse dolo pode ser direto ou eventual; existe
tentativa praticá-la com dolo eventual, o STJ e o STF reconhece isso sem sombra de dúvidas,
mas não existe tentativa em crime culposo. E por que não existe tentativa em crime culposo?
porque a tentativa presume que eu quero, que eu busco um determinado resultado delituoso, que
eu estou agindo com dolo; querer, buscar, almejar, ou, no mínimo, assumir o risco de gerar o
resultado é elemento de caracterização de crime doloso. Então na tentativa, com dolo, eu busco o
resultado, iniciam a prática dos atos executórios para buscar esse resultado, mas esse resultado
não vem por circunstâncias alheias à minha vontade.
Mas não se fala em tentativa em culpa imprópria? Pessoal, culpa imprópria é uma expressão que
se refere ao erro de tipo, mais especificamente a figura da descriminante putativa do parágrafo
primeiro, do artigo 20. Não confunda a expressão culpa imprópria que é sinônimo erro de tipo,
mais especificamente na modalidade descriminante putativa, com o elemento subjetivo do crime
culposo. Quando você for analisar tentativa e consumação, lembre-se que tão importante quanto
o que o agente fez é o que o agente queria fazer. Por exemplo, João atirou em Pedro e atingiu o
braço de Pedro que saiu ferido. Qual o crime de João? Eu não sei, porque você só está me
dando a conduta. Para que se possa fazer uma análise, principalmente em relação à
consumação e tentativa, não basta a conduta. Eu tenho que saber qual é a intenção do agente
delituoso. Imagine que você tenha me dito que João queria matar Pedro, atirou e atingiu o braço
da vítima que saiu ferido, neste caso se tem a tentativa de homicídio. Mas se você me diz que
João queria lesionar Pedro, atirou e atingiu o braço da vítima que saiu ferido, neste caso se tem
lesão corporal consumada. Perceba que a mesma conduta pode ser tanto uma tentativa de
homicídio como lesão corporal consumada, o que alterou a tipificação foi a intenção do agente.
Se o animus do agente é necandi, se a intenção do agente é matar, mas ele atirou, atingiu o
braço e a vítima só saiu ferida, terá a tentativa de homicídio. Se a intenção do agente era só
lesionar, ele atirou e lesionou, terá a lesão corporal consumada. Então sempre que você for
analisar o crime tentado, se lembra que a tentativa presume o dolo, seja direto ou eventual. Na
tentativa o indivíduo quer e deseja o resultado delituoso, inicia a prática dos atos executórios para
alcançar esse resultado, que não vem por circunstâncias alheias a sua vontade. E você só pode
dizer tentativa de quê se você souber qual o crime originariamente pretendido. Também não
existe tentativa em Contravenções penais. A lei das Contravenções penais em seu artigo 4º diz
que não é punível a tentativa em contravenção. Também existem alguns crimes dolosos que
pelas suas características de reconhecimento também não admitem tentativa, são os crimes
unissubsistentes, mas aí tem que olhar caso a caso.
Crime doloso admite tentativa em regra, em certas situações não admite pelas características do
crime; crimes culposos e Contravenções penais não admitem tentativa. Reconhecida a tentativa,
a consequência jurídica é a que está no parágrafo único. Parágrafo único diz que salvo por
disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado,
diminuída de 1 a 2/3. A natureza jurídica do instituto da tentativa é de ser uma causa de redução
de pena a ser arguida na terceira fase da dosimetria da pena. Só que dentro deste patamar de
redução de 1/3 a 2/3, nós temos que aplicar uma regra que é estabelecida pelo STJ e que
também é homologada pelo Conselho Nacional de Justiça. O STJ diz que para o magistrado no
caso concreto mensurar uma maior ou menor redução de pena decorrente da tentativa, ou seja,
mensurar esse critério de redução de no mínimo 1/3 e no máximo 2/3, para o juiz estabelecer um
parâmetro objetivo dessa redução, o STJ consolidou e posteriormente o CNJ passou a
recomendar a todos os juízes do país que é o critério para juiz mensurar uma maior ou menor
redução de pena decorrente da tentativa deve ser o Iter criminis percorrido pelo agente delituoso.
Quanto mais perto de consumar o crime, menor será a redução de pena; quanto mais longe de
consumar o crime, maior será a redução da pena. Essa relação é inversamente proporcional.
Exemplo1: João atira em Pedro para matar, e Pedro fica ferido sendo socorrido ao hospital e
ficando lá por 50 dias, mas não morreu. Neste caso, João responde por tentativa de homicídio.

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Exemplo 2: Caio atira em José para matar, mas os tiros disparados por Caio não chegaram a
atingir José. Neste caso, Caio responde por tentativa de homicídio.
Em ambos os casos, há tentativa de homicídio, como eu falei anteriormente para vocês, a
natureza jurídica da tentativa é a de ser uma causa de redução de pena que o juiz vai arguir na
terceira fase da dosimetria da pena. O juiz vai reduzir a pena de 1/3 a 2/3. O Superior Tribunal de
Justiça nos diz que o critério que deve ser utilizado pelo magistrado para promover a maior ou a
menor redução de pena decorrente da tentativa é uma relação inversamente proporcional ao iter
criminis percorrido. Quanto mais perto de consumar, quanto mais danos foi gerado a vítima,
menor será a redução; quanto menos risco, quanto menos perigo, quanto menos dano o crime
tentado produziu a vítima, maior será a redução. No exemplo 01 a conduta de João feriu a vítima,
gerou mais dano à vítima, então neste exemplo a redução de pena ficará próxima a 1/3. A relação
é inversamente proporcional. Quanto mais danos e quanto mais riscos, menor será a redução de
pena. Por óbvio, no segundo exemplo a redução de pena tende a se aproximar do máximo
possível, a redução tende a ficar próxima de 2/3.

MUITO CUIDADO COM OS SEGUINTES TEMAS:

1- Qual a diferença entre tentativa perfeita (crime falho) e imperfeita?


Para que você faça essa diferenciação a primeira coisa que você tem que estabelecer no caso
concreto é: quais os atos executórios que o indivíduo pretendia praticar? Por conceito, tentativa
perfeita é aquela que o indivíduo pratica todos os atos executórios previamente pretendidos. Se
eu estou diante de uma tentativa perfeita eu presumo que toda a fase de execução chegou ao
fim, eu presumo que todos os atos de execução dolosamente pretendidos foram efetivamente
praticados, mas a consumação não aconteceu por circunstâncias alheias à vontade do agente. A
exemplo de tentativa perfeita: imagine que eu quero matar Vi e eu resolvo que vou matá-la
deflagrando todos os disparos possíveis de uma pistola Taurus ts9, só que de todos os disparos
que eu deflagrei só 2 a atingiram, e atingiram em áreas não letais e ela não morreu. Qual o meu
crime? tentativa de homicídio, porque eu pratiquei ato para matá-la, mas ela não morreu por
circunstâncias alheias a minha vontade. Porém, por conceito, essa minha tentativa será
caracterizada como uma tentativa perfeita ou crime falho, porque fica claro pela análise do caso
concreto que eu pretendia praticar como ato executório deflagrar todos os disparos e eu fiz isso.
A tentativa imperfeita, por sua vez, antigamente era chamada pelos doutrinadores de quase
crime, e nela o agente delituoso não consegue, ou circunstâncias alheias à sua vontade, praticar
todos os atos executórios previamente pretendidos. A exemplo de tentativa imperfeita: imagine
que eu quero matar Vi, com a minha pistola Taurus ts9 e alimentei o carregador da pistola com 17
munições, e eu quero matá-la efetuando 17 disparos. Eu aponto a arma para ela, efetuou o
primeiro disparo, efetuo o segundo disparo, quando vou efetuar o terceiro disparo a arma da pane
de dupla alimentação, a munição que foi deflagrada não sai o cartucho e a outra não consegue
subir. Numa situação de normalidade uma pane de dupla alimentação é fácil de resolver, mas
numa situação como essa não é fácil de resolver. Dos 2 disparos que eu consegui efetuar
nenhum atingiu ela. Eu queria matá-la mas não consegui, crime tentado. Perceba que o exemplo
nos diz que eu queria matar Vi efetuando todos os disparos possíveis das munições constantes
no carregador da arma. Mas eu só consegui efetuar 2 dos 17. Eu não consegui praticar todos os
atos executórios por circunstâncias alheias a minha vontade. Isso caracteriza a tentativa
imperfeita também chamada de quase crime. A diferença entre tentativa perfeita e imperfeita é
apenas conceitual, e não faz diferença na hora de calcular a pena.
2- Qual a diferença entre tentativa branca (incruenta) e tentativa vermelha (cruenta)
Na medicina legal nós aprendemos que uma laceração, que é uma ferida cruenta, é uma ferida
que gera um certo risco a integridade física da vítima. Uma ferida cruenta é aquela que não é
superficial. Já em medicina legal uma ferida incruenta é uma ferida que não gera preocupação
maior, não faz com que você tenha um risco real à vítima. Imagine que eu estou saindo aqui do
estúdio e na saída eu termino ralando o braço na maçaneta da porta e o meu braço ficou
vermelho. é uma laceração? Sim, mas é uma laceração incruenta. Mas supondo que eu batesse
o meu braço num ferro de construção que terminou por atravessar o meu braço, é óbvio que eu
terei que ir ao hospital, isso seria uma laceração cruenta. Por analogia, no direito penal,

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convencionou-se dizer que a tentativa branca ou incruenta é aquela que o indivíduo pratica os
atos executórios, total ou parcialmente, e não consegue gerar dano relevante à vítima, não gera
dano relevante ao bem jurídico protegido pela norma penal. Na tentativa branca não há um risco
material caracterizado, não há uma lesão caracterizada, à vítima. Diferentemente do que
acontece na tentativa vermelha também chamada de cruenta, na tentativa vermelha em que pese
o crime não se consumar, há dano concreto, efetivo e relevante ao bem jurídico. Eu quero matar
Vi, saco a minha arma e atirou nela, mas todos os disparos que eu efetuei, eu errei. É uma
tentativa de homicídio e vai ser classificada como tentativa branca, porque eu não gerei com o
meu crime tentado mudando concreto e relevante a vítima. Mas suponha que eu quero matar Vi,
saco a minha arma e atirou nela, ela é alvejada e socorrida ao hospital, tem que passar por
cirurgia mas não morre, neste caso será tentativa de homicídio classificada em tentativa vermelha
ou cruenta. A conceituação de tentativa perfeita e imperfeita não é excludente da caracterização
da tentativa branca e tentativa vermelha, por que quando eu falo em tentativa perfeita e imperfeita
eu estou falando sobre os atos executórios praticados; qual é estou classificando em tentativa
branca e tentativa vermelha eu estou mensurando a extensão do dano produzido ao bem jurídico.
O crime é tentado das 2 formas, a classificação vai depender de existido ou não dano concreto,
de ter existido ou não dano razoável. Eu pratiquei uma conduta e desempenhei os atos
executórios total ou parcialmente de um crime, mas eu não consegui atingir a vítima, não
consegui produzir nenhuma lesão à vítima, tentativa branca. Eu pratiquei os atos executórios total
ou parcialmente, não consegui consumar o crime, mas a vítima foi atingida, tentativa vermelha.

AULA 08

DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

No final da aula passada, eu ia começar a falar pra vocês sobre as famosas pontes de ouro,
como diria o Mestre Nelson Hungria, ou mais especificamente sobre 2 institutos jurídicos que
estão previstas ao teor do artigo 15 do Código Penal Brasileiro, que são a desistência voluntária e
o arrependimento eficaz. Vamos observar o que diz a letra da lei, vamos observar o que diz o
artigo 15 do código penal, mas já adianto para vocês que o nosso legislador não foi muito feliz ao
fazer a redação do artigo 15.
Diz o artigo 15 do código penal que o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na
execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
Desistência voluntária: abstrato o direito penal neste momento e pense na vida cotidiana. Você
desiste do que? Você desiste de dar continuidade a alguma coisa ou daquilo que você ainda não
fez. Quando eu estou desistindo eu desisto ou de praticar algo que eu ainda não fiz ou, no
máximo, eu desisto de dar continuidade ao que eu estou fazendo. Eu lhe pergunto: você pode
desistir daquilo que você já fez? Você pode desistir do que já passou? Você pode desistir dos
atos que já praticou? Não, se você já fez você não pode desistir, você pode se arrepender. Eu
desisto daquilo que eu não fiz ou, no máximo, do que eu estou fazendo. Por exemplo, imagina
que você assim como eu senta pra assistir um filme na Netflix, mas no processo de escolha de
qual filme assistir, acaba desistindo e indo fazer outra coisa. você tinha o animus de assistir, você
tinha a intenção de sentar e assistir, mas no processo de escolha eu desisti de assistir, porque
você vê existe daquilo que ainda não fez ou, no máximo, daquilo que está fazendo. Imagine que
você vai pedir a sua namorada em casamento, vai numa loja comprar o anel, leva ela pra jantar,
está em todos os atos, todos os procedimentos pra você pedir ela em casamento. Mas, no
momento que você vai pegar o anel para pedi-la em casamento, você reflete e pensa que é
melhor não fazer isso e vai embora. Neste caso, você desistiu de dar continuidade a algo que
estava fazendo. Na nossa vida real, eu desisto daquilo que eu ainda não fiz ou, no máximo, de
dar continuidade ao que eu estou fazendo.
Arrependimento eficaz: eu me arrependo do que já passou; eu me arrependo do que eu já fiz. Por
exemplo, imagine que você vai para a balada conhece um indivíduo, fica com ele, posta fotos
com ele no Instagram, mas no outro dia, no momento que você está sóbria, você analisa a
pessoa que você ficou e se arrepende de ter ficado com ela. Você pode desistir e ter ficado com
ela? Você pode desistir de ter postado as fotos? Não, você pode se arrepender, porque você se

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arrepende do que já fez, e desiste do que ainda não fez ou, no máximo, de dar continuidade ao
que está fazendo.
Agora vamos trazer isso para o artigo 15 do código penal para compreendermos o que é
desistência voluntária e o que é arrependimento eficaz. Eu desisto do que eu estou fazendo ou do
que eu ainda não fiz. Consequentemente, quando você estiver analisando o instituto jurídico da
desistência voluntária, você está analisando a seguinte situação: um indivíduo iniciou a prática de
atos executórios, Mas antes de findar a execução, por vontade própria, ele interrompe a prática
desses atos, ele desiste de dar continuidade à prática desses atos e consegue com isso impedir a
consumação. Quem age amparado pelo instituto da desistência voluntária é porque começou a
praticar o crime, efetivamente deu início à execução do crime, mas antes de chegar ao final dos
atos executórios, antes de terminar de fazer todos os atos caracterizadores da execução do
crime, esse meliante pare pensa melhor e por vontade própria, por voluntariedade, interrompe
essa execução e consegue com isso impedir a execução. Essa é a ideia da desistência
voluntária. Segundo o artigo 15 do código penal, quem incorrer na desistência voluntária receberá
um enorme benefício penal, a desistência voluntária elimina a tentativa do crime originariamente
pretendido, só respondendo o indivíduo pelos atos já praticados se, e somente se, esses atos
isolados forem crimes. Se eu iniciei a execução de um delito e por minha vontade eu interrompo a
execução e consigo com isso impedir a consumação do crime eu estarei diante da desistência
voluntária. Qual é o benefício que eu terei? A tentativa do delito originariamente pretendido estará
excluída, eu só responderei pelos atos já praticados se, e somente se, esses atos já praticados
forem considerados condutas delituosas. No crime tentado, eu estou praticando os atos
executórios e a consumação do crime não acontece por circunstâncias estranhas, por
circunstâncias alheias a minha vontade, já na desistência voluntária eu estou praticando atos de
execução do crime, mas eu voluntariamente interrompo essa execução, e ao interromper a
execução, isso consegue fazer com que a consumação não aconteça. Na desistência voluntária a
consumação não acontece porque eu não deixo, diferentemente do crime tentado que a
consumação não acontece por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Imagine que eu quero matar Beto com todas as minhas forças, eu saco uma arma e atiro em
Beto, ele é alvejado, é atingido, eu dou as costas e vou embora. Chega alguém, pega ele e leva
para o hospital, lá chegando os médicos salvam a vida dele. Qual é a situação que eu estou
inserido? tentativa de homicídio. Eu dei início à execução, pratiquei usados executórios, mas o
crime não se consumou por circunstâncias alheias à minha vontade. Mas, imagine que eu quero
matar Beto e eu resolvo matar ele com um tiro na cabeça, aí eu venho arrasto Beto para o meio
do Mato, local Ermo onde nada e nem ninguém me impediria de matá-lo, encosto a arma na
cabeça dele, só que quando eu vou apertar o gatilho eu penso melhor e digo que não vou fazer
isso. Então eu interrompo a execução e libera o beto. Eu iniciei a prática dos atos executórios, eu
poderia concluí-los, eu poderia levar o crime ao momento consumativo, eu tinha plenas condições
de dar continuidade ao crime, nada e nem ninguém neste contexto me impediria, mas por minha
vontade, por minha voluntariedade eu interrompi a execução e ao interromper, ao desistir de dar
continuidade aos atos executórios eu consegui com isso impedir a consumação. Eu desisto do
que eu não fiz ou do que eu estou fazendo. Eu desisti de continuar a execução do homicídio, e ao
desistir de continuar a execução do homicídio, eu impedir a consumação, desistência voluntária.
Qual é o grande benefício penal que eu terei? eu não responderei pela tentativa do delito
originariamente pretendido, neste caso eu não respondo pela tentativa de homicídio, eu
responderei somente pelos atos já praticados se estes forem considerados crime.
No arrependimento eficaz, todos os atos executórios originariamente pretendidos pelo agente
delituoso já foram praticados e, após a execução do crime, o indivíduo age por sua vontade em
sentido contrário ao que anteriormente tinha feito e consegue com isso impedir a consumação.
Na figura do arrependimento eficaz, finda a fase executória, quando o meliante termina de
praticar todos os atos executórios previamente pretendidos, ele age em sentido oposto, contrário
ao que anteriormente tinha feito e consegue com isso impedir a consumação do crime. Por
exemplo, eu quero matar Beto dando 2 tiros no peito dele, levo ele para o meio do Mato, jogo ele
numa cova rasa, aponto a arma para o peito e deflagro 2 disparos, ele é alvejado e fica na agonia
da morte sangrando, eu dou as costas e vou embora. Mas, quando eu já estou dentro do carro, e
ligo o rádio está tocando padre Marcelo Rossi, e eu interpreto isto como um sinal e digo que eu

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não vou deixar Beto morrer. Aí eu voluntariamente volto e pego o Beto, levo para o hospital,
entrego ele aos médicos e isso é fundamental para ele não morrer. Os médicos conseguem
salvar a vida dele e a perícia uma prova que ele só não morreu porque eu socorri o levei ao
hospital. Nesta situação, eu agente delituoso, já tinha findo a fase executória, já tinha praticado
todos os atos executórios previamente pretendidos. Eu podia ter deixado o crime se consumar,
mas eu me arrependi do que tinha feito e de forma eficaz eu consegui praticar atos que
impediram a consumação. Por isso que é eficaz, porque eu ajo em sentido contrário ao que
anteriormente tinha feito e consigo com isso impedir que o crime venha a se consumar. O grande
benefício que eu vou ter com o arrependimento eficaz é o mesmo da desistência voluntária. O
arrependimento eficaz também elimina a tentativa do crime originariamente pretendido, e eu só
responderei pelos atos já praticados. Neste exemplo, eu atirei para matar Beto, mas ele só não
morreu porque finda a execução eu voluntariamente eu socorri. Isto é arrependimento eficaz, eu
agi para matá-lo mas como houve o arrependimento eficaz, a tentativa do crime originariamente
pretendido, ou seja, a tentativa de homicídio está eliminada, eu só respondo pelos atos
executórios já praticados, neste caso só responderia por uma eventual lesão corporal.
Tanto na desistência voluntária quanto no arrependimento eficaz, o próprio agente delituoso por
sua vontade impede a consumação. Na desistência voluntária, ele impede a consumação porque
interrompeu a prática dos atos executórios. No Arrependimento eficaz, ele impede a consumação
porque finda a execução ele age em sentido contrário ao que anteriormente tinha feito e
consegue de forma eficaz evitar que o crime venha a se consumar. Desistência voluntária e
arrependimento eficaz tem o mesmo fim de impedir a consumação do crime por modos de agir
diferente. Na desistência voluntária pela interrupção voluntária, pela interrupção voluntária da
prática dos atos executórios; no arrependimento eficaz, pela adoção após a execução de
medidas eficazes que consigam impedir a consumação. A consequência jurídica tanto da
desistência voluntária quanto do arrependimento eficaz é a mesma: eliminar a tentativa e o
indivíduo só responder pelos atos já praticados. É possível nós demonstramos graficamente
dentro da lógica do Iter criminis o momento de manifestação da desistência voluntária e do
arrependimento eficaz.
Vou pegar um seguimento de reta com dois pontos referenciais. O primeiro ponto é o início da
execução, e o último ponto é a consumação; agora nós vamos pegar um ponto médio será o
término da execução. Em qual lapso temporal desse desenrolar do crime o arrependimento eficaz
e a desistência voluntária vão se manifestar? Eles se manifestam em momentos distintos, então
vamos começar pela desistência voluntária. Se eu tenho desistência voluntária, o indivíduo iniciou
a prática dos atos executórios, mas desistiu de dar continuidade a esses atos conseguindo
impedir a consumação. Logo, a desistência voluntária, graficamente demonstrada, se manifesta
depois da execução ter começado e antes do término da execução, e ela impede a consumação.
Há de se manifestar o instituto do arrependimento eficaz no lapso temporal em que se presume
que a execução terminou e a consumação ainda não aconteceu. Quem age em arrependimento
eficaz já tendo finda a fase executória adota atos em sentido contrário ao que anteriormente tinha
feito, adota atos eficazes que conseguem impedir a consumação. Logo, o momento de
manifestação do arrependimento eficaz do iter criminis nesse desenrolar do crime se manifesta
depois de terminada a execução e antes da consumação. Tanto a desistência voluntaria quanto o
arrependimento eficaz eliminam a tentativa e o indivíduo só responde pelos atos já praticados.

PERGUNTA: Se mesmo prestando socorro a vítima morrer, isso seria arrependimento eficaz?
Não seria, porque tanto a desistência voluntária quanto arrependimento eficaz impedem a
consumação do crime. Logo, eu não vou ter benefícios até porque o crime estará consumado.
Desistência voluntária e arrependimento eficaz são institutos jurídicos de eliminação da tentativa.
Se o crime se consumou eu não estou discutindo tentativa. Se o crime se consumou esqueça a
tentativa e, consequentemente, esqueça os institutos jurídicos inerentes à tentativa.

PERGUNTA: Imagine que você vai matar Beto, encosta a arma na cabeça dele, e ele começa a
suplicar pela vida e isso lhe comove, você interrompe a execução e libera ele isso seria
desistência voluntária?

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Sim seria. a súplica, o pedido da vítima ou de uma terceira pessoa que não tenha condições de
impedir a execução não desnatura a desistência voluntária, nem o arrependimento eficaz.
Professor mestre César Roberto Bitencourt dá um exemplo em um dos seus livros, que é o
seguinte: ele diz que o indivíduo entrou numa casa para matar um desafeto e deflagra 3 tiros
contra o desafeto que estava deitado no sofá. Deu-se por satisfeito e guardou a arma. Quando
ele ia saindo, ele percebe que na sala tem uma criança de 3 anos de idade filho da vítima que o
meliante não tinha visto inicialmente. Quando ele olha para o rosto da criança, a criança está
pedindo para ele não matar o pai dela, e aí o pistoleiro tem uma dor de consciência, pega a vítima
e a leva para o hospital, e com isso consegue salvar a vida dela. Isso seria arrependimento
eficaz? Sim. Essa súplica de uma terceira pessoa que não tenha reais condições de impedir a
consumação do crime não desnatura nem a desistência voluntária nem o arrependimento eficaz.
As condutas da desistência e do arrependimento têm que ser voluntárias, mas não precisa ser
necessariamente espontânea.
Agora cuidado, eu dou o primeiro tiro em Beto e erro, dou segundo tiro e também erro, quando eu
vou efetuar o terceiro tiro a polícia chega, ai eu paro de atirar e alega o desistência voluntária.
Neste caso, não é desistência voluntária é crime tentado. Eu parei de atirar porque a polícia
chegou, eles tinham condições de me impedir a consumação do crime.
Agora suponha que eu dou o primeiro tiro pra matar Beto, dou segundo tiro, quando eu vou
efetuar o terceiro a arma quebra e eu não consigo mais efetuar disparos, digo que não vou atirar
mais. Isso é desistência voluntária? Não, Isso é crime tentado, porque eu só não continuei
atirando por uma circunstância alheia a minha vontade.
Tem uma passagem no livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, que diz que Ezequiel chega
até Bentinho, o seu pretenso pai, e pede dinheiro a ele para fazer uma viagem para o Oriente
médio, e na cabeça de Bentinho por imaginar que ele era filho da traição ele poderia ser morto. Aí
no nosso exemplo Bentinho resolve dar veneno para Ezequiel; Bentinho resolve colocar veneno
na xícara que Ezequiel ia beber e entrega pra ele; quando Ezequiel está com a xícara na mão e
vai levar a xícara à boca, Bentinho tem uma dor na consciência, dá uma tapa na mão de Ezequiel
e a xícara de chá voa longe e Ezequiel não bebe. O que era que Bentinho queria? matarem
Ezequiel envenenado. Se você fosse advogado de Bentinho neste momento você alegaria em
favor dele arrependimento eficaz ou desistência voluntária? Se você respondeu desistência
voluntária você acertou. Por que desistência voluntária? ele colocou veneno no chá, entregou a
xícara com chá envenenado para Ezequiel, Ezequiel está levando a xícara para a boca, os atos
executórios estão sendo praticados, mas a execução não terminou ainda, a execução só
terminaria quando Ezequiel tomasse o chá envenenado, quando ele estava levando o chá a boca,
Bentinho bate na mão dele interrompendo a execução, e consegue com isso impedir a execução.
Isto é desistência voluntária. Agora, se Bentinho assiste impávido Ezequiel tomar o chá
envenenado e de repente Ezequiel começa a ter os efeitos do envenenamento, Bentinho se toca
da besteira que fez e da um antídoto a Ezequiel e este escapa da morte. Você alega o que em
favor de Bentinho? Arrependimento eficaz, porque o rapaz já tinha tomado o chá envenenado, a
fase executória já tinha findado, terminada a execução o agente delituoso busca meios eficazes e
consegue impedir a consumação.

ARREPENDIMENTO POSTERIOR

O instituto jurídico do arrependimento posterior está tipificado ao teor do artigo 16 do código


penal, e diz a letra da lei que nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa,
reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato
voluntário do agente, a pena será reduzida de 1 a 2/3.
O arrependimento posterior não é hipótese de eliminação da tentativa. O arrependimento
posterior é uma causa especial de redução de pena, que presume que o crime está consumado.
Na doutrina, o arrependimento posterior é chamado de ponte de prata.
No arrependimento posterior o agente delituoso já consumou o crime, e aí eu estava buscando
por sua voluntariedade minimizar o dano, reparar o dano, satisfazer o prejuízo que a vítima teve.
O arrependimento posterior só é possível, por letra de lei, nos crimes cometidos sem violência ou
grave ameaça a pessoa. Qualquer crime que haja efetivamente emprego de violência ou grave

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ameaça não admitirá o arrependimento posterior. Arrependimento só pode acontecer após a
consumação e até o momento anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa. A natureza
jurídica do arrependimento posterior é ser causa especial de redução de pena, que há de ser
arguida pelo juiz na terceira fase da dosimetria.
Vamos imaginar que eu vi que Beto está com dinheiro na carteira e deixa essa carteira em cima
da bancada e sai pra almoçar. Eu vendo que ninguém está por perto, me aproximo e abro a
carteira de Beto, tiro o dinheiro e vou embora. Eu pratiquei um crime do furto consumado. O furto
se consuma, com base na teoria da apreensão, no efetivo momento da apreensão da res furtiva.
Quando é no outro dia, eu chego aqui no trabalho e Beto está chorando porque o dinheiro seria
para presentear a sua filha, e eu fico com um peso na consciência e revelo para ele que foi eu
que furtei o valor, e devolvo. Em tese, isto é arrependimento posterior. eu cometi um crime sem
violência ou grave ameaça, e antes do recebimento da peça acusatória, eu devolvi o bem, eu
satisfiz o prejuízo que a vítima teve. Isso elimina o meu crime? Não. Isso me isenta de pena?
Não. Isso impede que eu seja processado? Não. Caso eu seja condenado por este furto, como eu
reparei o dano, restitui o bem depois da consumação e antes do início de uma eventual ação
penal, eu tenho direito, em caso de condenação, de uma redução de 1/3 a 2/3.
Certa feita, uma amiga me procurou e me pediu orientação sobre uma situação muito
particularizada. Resumindo a história, a filha dela quando tinha 19 anos de idade se envolveu no
furto de um celular de uma loja em determinado shopping. Quando ela chegou em casa, a mãe
viu e a filha disse que tinha Furtado. A mãe pegou o celular, foi na loja, chamou o gerente da loja
e contou o que aconteceu e que queria devolver o celular. o gerente disse que não aceitava a
devolução, e que como a menina já tinha levado o celular, agora teria que pagar o valor dele, e a
mãe dela pagou o valor do celular à vista. Algum tempo depois ela recebe uma notificação da
delegacia de polícia para que a filha comparecesse para prestar depoimento. O fato dela ter pago
o valor do celular não eliminava o crime. A filha incorreu em crime de furto consumado. esse
eventual pagamento, ainda que integral e à vista após a consumação do furto, no máximo poderia
ser arguido como arrependimento posterior, e este não elimina a pena. Arrependimento posterior
é causa especial de redução de pena de 1/3 a 2/3. É tanto que o Ministério público deu
continuidade quando o inquérito foi relatado pelo delegado foi proposta a suspensão condicional
do processo. Furto tem pena de 1 a 4 anos e, embora não seja da alçada de competência do
JECRIM, a lei 9.099/95 estabelece que se o crime tem pena mínima de até 1 ano é possível
algumas medidas despenalizadoras, dentre elas a suspensão condicional do processo, ainda que
o crime não seja de alçada de competência do Juizado. Como a suspensão condicional do
processo quando cumprida não gera reincidência, ela cumpriu e depois seguiu a vida dela.
Estelionato na modalidade emissão de cheque sem fundo é uma particularidade porque a
jurisprudência, notoriamente o STJ e o STF, entendem que no estelionato na modalidade
emissão dolosa de cheque sem fundo se o indivíduo faz o pagamento do valor integral do cheque
antes de iniciada a ação penal está eliminada a sua responsabilidade. Isso é uma particularidade
jurisprudencial que se aplica exclusivamente ao crime de estelionato na modalidade de emissão
dolosa de cheques sem fundo. Na regra, nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça,
se o indivíduo repara o dano, restitui o bem, paga o prejuízo que a vítima teve antes do início da
ação penal isso é hipótese de arrependimento posterior que é um mero atenuante especial de
pena a ser arguido na terceira fase da dosimetria.
Para que o arrependimento posterior seja reconhecido a reparação do dano tem que ser feita
integralmente. A reparação integral não precisa ser o mesmo bem, mas tem que ser bem de valor
equivalente. Por exemplo, imagine que eu furtei uma obra de arte da casa de Beto, um quadro
único que só tem ele no mundo, eu furtei e vendi para uma pessoa que sumiu no mundo. Mas eu
resolvo que vou incorrer em arrependimento posterior, eu resolvo que vou satisfazer o prejuízo
que Beto teve, sendo que eu não vou ter mais o quadro para devolver, mas aí faz-se uma
avaliação de quanto aquele quadro valia e se paga o valor integral do prejuízo eu produzi ao
subtrair o quadro. O valor sentimental não influencia para o arrependimento posterior, o que
influencia é o valor venal, mercadológico. Você não tem como mensurar, no âmbito penal, o valor
sentimental. Caso a vítima entenda por uma reparação por causa desse valor sentimental que
busque uma ação civil de perdas e danos. A vítima pode se recusar a receber o pagamento, e aí
cabe a quem quer fazer a reparação um depósito em juízo.

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Eu tenho a coleção completa do código penal comentado do mestre Nelson Hungria. Tem um
valor econômico? Tem. Mas o valor sentimental é inestimável. Mas, se alguém furta minha
coleção que livro de Nelson Hungria e vende para outra pessoa, e depois a pessoa vem e se
arrepende me diz que quer pagar o valor, vocês entendem que para mim o valor sentimental é
inestimável? Mas, para fins de mensuração de arrependimento posterior, o que vai ser arguido é
o valor mercadológico. A vítima pode se recusar a receber e aí cabe a defesa do agente delituoso
proceder com o depósito em juízo. Em sendo efetuado o depósito em juízo, em uma eventual
ação penal o termo de depósito é anexado como prova de que o agente buscou fazer a
reparação total do prejuízo produzido só não entregou o dinheiro na mão da vítima porque a
vítima não quis receber. Caso a vítima queira uma reparação pelo dano sentimental, ela pode
ingressar com uma ação de perdas e danos na esfera cível.
O arrependimento posterior quando praticado por um agente que esteja envolvido em um crime
no contexto de concurso de pessoas, quando o arrependimento posterior for feito por um único
agente do concurso de pessoas, se for integral, o benefício da redução de pena se aplica a todos
os envolvidos. Imagine que você tenha um crime praticado em concurso de 2 ou mais pessoas,
esse concurso pode ser à título de coautoria ou de participação, depois um deles resolve pagar o
prejuízo de forma integral que a vítima teve antes do início da ação penal, o benefício da redução
de pena decorrente do arrependimento posterior a todos os autores se estenderá. Imagine que eu
tenho alfa, bravo, e Charles e eles estão agindo em concurso de pessoas. Os 3 juntos praticaram
crime de furto em prejuízo de Delta, levando 12 mil reais de Delta e dividindo igualmente entre
eles. Alguns dias depois, alfa resolve agir em arrependimento posterior e paga o valor dos 12 mil
reais. Perceba que alfa tinha ficado somente com 4 mil, mas para que a alfa possa caracterizar o
arrependimento posterior, não basta ele devolver o quinhão que lhe coube na empreitada
criminosa, ou seja, ele tem que devolver o prejuízo total que a vítima teve. Alfa é beneficiado pelo
arrependimento posterior e, segundo a jurisprudência do STJ, esse benefício concedido a alfa se
estenderá a Bravo e Charles. Ocorrendo o arrependimento posterior promovido por um ou por
alguns dos agentes em crimes praticados em concurso a redução de pena a todos se estenderá.
O benefício da redução de pena de 1/3 a 2/3 se estenderá a todos os demais coautores e
partícipes e ainda que estes não tenham dado 1 centavo para reparação do dano, para reparação
do prejuízo.
A jurisprudência do STJ, tanto a quinta quanto à sexta turma, também entendem que o
arrependimento posterior pode ser reconhecido se a reparação do dano for feita por uma terceira
pessoa alheia a ocorrência do crime, desde que esta terceira pessoa não seja uma seguradora.
Vamos imaginar que eu furtei o celular de Beto e vendi e, ao chegar em casa, comentei com a
minha esposa. Ela, preocupada, no outro dia encontra com Beto e conta o que aconteceu e paga
o valor do celular a ele. Eu furtei, mas quem fez a reparação integral do dano foi a minha esposa,
ela fez em meu favor. Eu terei direito ao arrependimento posterior? Eu terei direito a esta redução
de pena decorrente do arrependimento posterior? Segundo o STJ, sim. O arrependimento pode
estar caracterizado ainda que a reparação do dano, a satisfação do prejuízo seja feita por terceiro
estranho ao crime, desde que em favor do agente delituoso. Agora suponha que Beto tem
seguro. Eu furtei o celular dele e a seguradora deu a ele o valor total do aparelho. Eu tenho
direito, neste caso, a arrependimento posterior? Não. Essa reparação do prejuízo feita por
terceiros pode caracterizar arrependimento posterior desde que essa reparação não seja feita
através de seguradora.

TENTATIVA INIDÔNEA

A tentativa inidônea é mais conhecida como Crime Impossível. O crime impossível está
disciplinado ao teor do artigo 17 do Código penal e diz que não se pune a tentativa quando, por
ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o
crime.
O Crime impossível corresponde àquelas situações em que o indivíduo por mais que ele queira,
por mais que busque e por mais que ele tente, ele não vai conseguir consumar o crime; ele não
vai conseguir consumar o crime, porque o objeto que ele pretende atingir é inatingível, ou porque
o meio que ele está usando de execução é completamente ineficaz. O exemplo mais clássico de

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crime impossível é matar quem já morreu. Imagine que Beto está deitado, eu chego pra matar ele
e vejo ele deitado na rede, eu acho que ele está dormindo mas, na verdade, ele está morto; ele
teve um infarto meia hora antes.
O exemplo clássico da doutrina, do livro de Magalhães Noronha, o meliante chega pra matar um
desafeto e encontra o desafeto deitado numa rede, enrolado, acha que o desafeto está dormindo
e atira nele. A perícia depois constata que quando o meliante atirou no desafeto, este já estava
morto; ele tinha morrido horas antes de um infarto. Eu vou responder? Não. É crime impossível,
porque eu tenho um objeto absolutamente impróprio, eu tenho um objeto que não pode ser
atingido pelo crime de homicídio. Para que eu mate alguém tem que ter gente viva. Se não está
viva eu não tenho como matar; impropriedade absoluta do objeto. Ou, eu posso incorrer no crime
impossível por ineficácia absoluta do meio empregado. Vamos imaginar que eu pego algo que eu
suponho ser veneno para matar Beto; abro a cápsula e coloco na bebida dele, ele ingere e não
acontece nada. Depois se faz uma perícia e descobre-se que aquilo que eu achava ser um
veneno poderoso não passa de Vitamina C. Eu queria mata-lo, mas usei algo que não tinha como
mata-lo; crime impossível por ineficácia absoluta do meio empregado.
Visualizar o crime impossível em uma questão é muito direta, porque você notoriamente vai estar
diante de uma situação aonde a consumação do crime não tem como acontecer, ou porque o
objeto não tem mais como ser atingido, por impropriedade absoluta do objeto, ou porque o meio
que você está se utilizando é absolutamente ineficaz e estando caracterizado o crime impossível
a tentativa tornar-se-á impunível. O crime impossível impede que o indivíduo seja
responsabilizado pela tentativa.
Eu só terei a figura do crime impossível se, e somente se, a impropriedade do objeto ou a
ineficácia do meio forem absolutas. Se a impropriedade do objeto ou a ineficácia do meio forem
relativas a tentativa será punível. Vamos imaginar que eu quero matar beto envenenado, eu
peguei uma cápsula que efetivamente tem veneno e coloquei no suco de Beto e ele ingere.
Porém, ele só não morre porque a quantidade de veneno que eu utilizei foi menor que a
necessária para matá-lo. Ele não morreu porque eu não coloquei a quantidade correta de veneno.
Eu responderei por tentativa de homicídio, porque a ineficácia do meio é relativa.

AULA 09

CRIMES DOLOSOS E CULPOSOS

Tanto faz você falar em dolo e culpa, ou em elemento subjetivo do tipo. Nós vamos encontrar a
definição de dolo e culpa ao teor do artigo 18 do Código Penal.
Art. 18 - Diz-se o crime:
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto
como crime, senão quando o pratica dolosamente.
Em que pese eu sempre gostar de começar a analisar os institutos jurídicos, quando eles estão
definidos em lei, pelo que está previsto no Código, fica óbvio que numa primeira leitura o nosso
artigo 18 não nos ajuda muito com a compreensão do que seria dolo e culpa. Então, vamos
recorrer a conceitos doutrinários, eu diria até conceitos empíricos, e depois, quando necessário,
nós retomamos a análise da letra da Lei.

CRIME DOLOSO

Todos nós temos uma ideia empírica de dolo na cabeça de que o crime é doloso porque o
indivíduo quis praticá-lo; porque o indivíduo tinha uma vontade delituosa e executou essa
vontade; o crime é doloso porque o indivíduo queria cometer a conduta e praticou os atos
executórios de um crime pretendido. Essa ideia empírica que nós temos não é errada, mas é
incompleta, porque eu não tenho uma espécie de dolo, eu tenho duas espécies de dolo.
Cuidado: eu não estou falando que eu só tenho duas classificações de dolo. Quando nós vamos
nos aprofundar na doutrina a depender do doutrinador que você esteja estudando, alguns deles

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conseguem encontrar até 23 classificações diferentes para o crime doloso, tem doutrinador até
que fala em dolo colorido, dolo de terceiro grau, só que para o nosso objetivo toda essa análise,
na verdade, são ramificações, são especializações de duas espécies básicas elementares de
dolo. Eu costumo dizer que qualquer outra classificação que seja feita acerca de crime doloso
essas classificações nada mais serão que ramificações, que especificações de duas espécies
básicas de dolo. E quais são as espécies básicas de dolo que existem? O dolo direto e o dolo
eventual.
Se eu tenho duas formas distintas de reconhecer o elemento subjetivo do dolo,
consequentemente eu tenho que ter duas conceituações diferentes. Então nós já vamos
começar, partindo da premissa que primeiro eu preciso entender o que o dolo direto e depois eu
preciso entender o que é dolo eventual.
Dolo direto: O dolo direto corresponde a esse conceito empírico que nós temos. Essa ideia que
eu acabei de externar e que todos vocês trazem na cabeça que o crime doloso é aquele em que
o indivíduo deseja, onde o indivíduo quer e busca o resultado delituoso, esse conceito
corresponde ao dolo direto. Eu gosto muito de uma definição de dolo direto dada pelo falecido
professor Damásio de Jesus, o qual dizia o seguinte: no dolo direto, fica claro que os atos
executados pelo agente delituoso foram orientados diretamente por uma vontade delituosa
previamente estabelecida. Segundo ele, no dolo direto, tudo que o indivíduo faz ou deixa de
fazer, todos os atos caracterizadores da execução, são praticados orientados por uma vontade
delituosa prévia. Eu quero cometer um crime e pratico atos condizentes com essa a minha
vontade. Basicamente, esta e a definição de dolo direto. Por exemplo, eu quero matar Beto, pego
uma faca e enfio no pescoço dele. Isso é dolo direto. O ato executório de pegar uma faca e enfiar
no pescoço dele foi orientado pela minha vontade de matá-lo. Eu tinha um animus necandi, uma
intenção de matar, e pratiquei atos de execução condizentes com essa minha vontade. Eu tenho
dolo direto. Está coadunado a intenção do agente com os seus atos; ele pratica atos direcionados
a alcançar um resultado previamente pretendido e isso caracteriza a figura do dolo direto.
Dolo eventual: A grande maioria de vocês já deve ter ouvido que o indivíduo que age em dolo
eventual, está assumindo um risco de produzir o resultado. O dolo eventual deriva da Teoria da
Assunção do risco, quem assume o risco de produzir um resultado age em dolo eventual. Todo
mundo já ouviu essa frase, mas, com todo respeito, essa frase é tecnicamente imprecisa, porque
à luz do que temos consolidado hoje na jurisprudência do STJ e do STF é um erro, um equívoco,
estabelecer que dolo eventual deriva meramente de uma situação onde o indivíduo assume o
risco. Assumir um risco é uma imprudência e, em regra, imprudência é elemento caracterizador
de crime culposo e não de dolo eventual. No artigo 18, inciso I, do CP, ele diz que o crime doloso
é aquele que o agente assume o risco de gerar o resultado, mas não é assumir qualquer risco.
Lembre-se que nós temos que fazer hoje uma análise conglobante dos institutos da parte geral
do direito penal, eu diria até que nós temos que fazer uma análise conglobante do direito pena.
Eu tenho que analisar as definições que estão no Código Penal, que muitas delas são definições
que vem lá dos anos 40, e tenho que ver se estão coadunadas com o restante da lógica da
sistemática penal e da nossa jurisprudência. Fazendo essa análise conglobante eu digo pra
vocês que hoje o conceito de dolo eventual vai além de simplesmente assumir o risco. Para que o
indivíduo esteja agindo em dolo eventual, é preciso que ele faça, como já disse o STJ, uma
assunção exacerbada de risco. É preciso que ele assuma um risco que vá muito além daquilo
que as pessoas comuns estão dispostas a aceitar no seu dia a dia.
Nelson Hungria já nos ensinava lá nos anos 50 do século passado que o homem médio
(expressão que Nelson Hungria usava para se referir ao ser humano que representa a média das
pessoas tuteladas pelo direito penal. Como dia o mestre Nelson Hungria, o homem médio não é o
mais inteligente e nem o mais nércio dos homens; não é o mais rico e nem o mais pobre; nem o
mais urbano, nem o mais rural; nem aquele mais desprovido de vaidade, nem o mais vaidoso; é o
ser de referência; é o cidadão comum; é aquela pessoa que nós encontramos na rua no dia a dia
para a qual o direito penal tem que ter regras de tutela) aceita assumir certos riscos no dia a dia.
Existe aquilo que Magalhães Noronha chamava de o limite de risco razoável da pessoa comum,
os quais são aquelas situações de risco que nós, consciente ou inconscientemente aceitamos no
nosso dia a dia. Eu costumo traduzir tudo isso em exemplos bem básicos do nosso cotidiano.
Você assume risco diariamente; você assume risco dentro de contexto que as demais pessoas

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julgam razoável. Todos nós temos um limite de tolerância a risco. Alguns um pouco mais, outros
um pouco menos. Quando nós fazemos a média, nós temos um limite de tolerância de risco do
homem médio, do homem comum, e esse limite de tolerância de risco do homem comum é a
diferença que o direito penal vai usar para separar se eu estou diante de um crime culposo por
imprudência ou se eu estou diante de um dolo eventual. Para ficar mais fácil, vamos pegar alguns
exemplos, e veja que o que eu vou dar de exemplo não é dizendo o que é certo ou errado, é
fazendo uma constatação sociológica, vou lhe dar exemplos que acontecem no nosso dia a dia.
Conduzir veículo automotor usando telefone celular é um risco. Todo mundo se fizer uma análise
fria vai dizer que quem está dirigindo não deve ficar com aparelho celular. O trânsito presume
total atenção. Se você está com a sua atenção desviada para o celular, você esta assumindo um
risco, mas repare que seja certo ou errado, que seja infração de trânsito ou que não seja, e neste
caso é uma infração de trânsito prevista no CTB, é uma situação corriqueira. Eu não estou
dizendo que é certo, eu estou fazendo uma constatação sociológica, é uma situação corriqueira,
é uma situação que você vê normalmente em qualquer contexto social brasileiro que você esteja
inserido. Você está dentro do risco que fica dentro do limite de risco considerado razoável pelas
pessoas comuns. É uma assunção de risco que o homem comum, que o homem médio, aceita
fazer no seu dia a dia. Então imagine que eu estou dirigindo e chega uma mensagem no meu
celular e eu desvio a minha atenção para olhar e, por estar olhando para o celular, eu acabo me
envolvendo em acidente de trânsito e acabo matando um motoqueiro. Eu vou incorrer em dolo
eventual? Não. Tecnicamente, esta minha conduta, embora eu tenha assumido um risco, ela está
dentro desse limite de risco permitido ou razoável pela maioria das pessoas. Então, ela seria uma
imprudência, e imprudência é elemento caracterizador de crime culposo. Eu não queria bater
neste motoqueiro, eu não queria produzir a morte desse motoqueiro; eu gerei um resultado que
não era pretendido porque eu agi com imprudência ao assumir um risco de estar dirigindo e
olhando o celular, mas como esse risco que eu assumi fica dentro da média de risco que as
pessoas comuns aceitam no seu dia a dia eu estarei diante do elemento da culpa e não do dolo
eventual. Tecnicamente, esse exemplo que eu dei caracterizaria homicídio culposo de trânsito
nos termos do artigo 302 do CTB.
Quer ver um outro exemplo, qualquer pessoa que tenha o mínimo de noção de instalação elétrica
de casa comum sabe que cada tomada da casa só é pra ter ligado um equipamento eletrônico.
Mas, eu tenho certeza que muitas pessoas ligam na tomada uma extensão e nesta terá 3 ou 4
coisas ligadas nesta extensão. Isso é um risco. É uma situação aonde você está assumindo um
risco de produzir um curto, um incêndio. Mas, a maioria das pessoas julga isso como normal.
Imagine que por causa disso você acabe gerando um curto-circuito e produza um incêndio e este
ocasione na morte de alguém. Você vai responder por dolo eventual? Será que você vai
responder por incêndio doloso com resultado morte a título de dolo eventual? Não, você vai
responder por incêndio culposo. Não há dolo eventual neste caso. Embora você tenha assumido
um risco, esse risco fiz dentro daquilo que Nelson Hungria chamava de limite de risco
considerado aceitável pelo homem médio. Você não extrapolou aquilo que o homem médio julga
como razoável. A sua conduta foi imprudente, e conduta imprudente é elemento caracterizador do
crime culposo.
Todo mundo já deve ter visto a seguinte frase: “Quem bebe e dirige está em dolo eventual”, “você
beber bebida alcoólica, consumir qualquer substância entorpecente e guiar veículo automotor,
você está assumindo um risco de gerar um resultado delituoso e o que você fizer, lhe será
imputado a título de dolo eventual. Com todo respeito, isto está errado, está tecnicamente
impreciso. Vamos imaginar a seguinte situação hipotética,( eu não estou fazendo juízo de valor,
não estou dizendo que é certo nem errado, também não estou mandando ninguém fazer ou
deixar de fazer, eu estou pedindo que você faça uma análise sociológica, que você se pergunte
se isso é normal de acontecer no contexto social), então imagine a seguinte situação: é uma
sexta-feira, você sai pra almoçar com os seus colegas de trabalho e consome duas cervejas,
pega o carro e volta pra trabalhar. Eu lhe pergunto: a pessoa que fez isso está bebendo e
dirigindo, concorda? Tecnicamente, ela está embriagada; essa embriaguez não é total, é parcial.
Inclusive, se ela sair daquele restaurante e soprar o bafômetro (o termo técnico é etilômetro),
muito provavelmente vai dar mais que 0.33 que já caracterizaria, inclusive, crime de embriaguez
ao volante. Então, eu tenho a realidade de uma pessoa que consumiu bebida alcoólica que sai do

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restaurante, pega o carro e volta dirigindo para o trabalho. Vocês concordam que essa situação é
uma Assunção de risco? Vocês concordam que quem faz isso está assumindo um risco? Sim. É
óbvio: se beber, não dirija; se for dirigir, não beba. É a regra elementar de segurança. Então, se o
indivíduo consome bebida alcoólica, nessa realidade que eu acabei de descrever para vocês e
logo em ato contínuo vai conduzir veículo automotor ele está assumindo um risco. Mas vamos
imaginar que ele, tranquilo e dentro do limite de velocidade, se envolve em um acidente de
trânsito comum, e desse acidente ele acaba derrubando um motoqueiro, o qual cai e quebra o
pescoço vindo a óbito. Será que esse motorista vai responder por homicídio doloso a título de
dolo eventual? Não, essa situação não é suficiente para caracterizar o dolo eventual. Essa
realidade, adaptada a realidade de cada região do país, é algo comum, é algo que você vê
acontecer com facilidade em seu entorno. Mesmo sendo uma conduta errada, mesmo sendo uma
assunção de risco, está dentro daquele limite de risco que o homem médio está disposto a
assumir no seu dia a dia, e se fica dentro desse limite, não caracteriza dolo eventual. Continua
sendo elemento caracterizador de imprudência e é elemento constitutivo do crime culposo. Nesta
situação que eu descrevi, apenas com base nos elementos do exemplo que eu lhe dei, nesta
situação o crime continua sendo culposo; ele continua tipificado no artigo 302 do CTB, mais
especificamente no parágrafo terceiro. O legislador entendeu que nos casos do homicídio de
trânsito, que é um homicídio culposo, se o condutor está sob efeito de álcool ou qualquer outra
substância psicoativa, a pena vai ser maior. Nos termos do artigo 302, §3º, a pena vai ser de
reclusão de 5 a 8 anos. Muitas pessoas dizem que não existe crime culposo qualificado, mas
existe sim e o artigo 302, §3º, do CTB é um exemplo disso.
A nossa jurisprudência, notoriamente a do STF, parte da premissa que a embriaguez para
caracterizar o dolo eventual tem que estar associada a outros elementos de exacerbação de
risco, é a chamada Teoria do Actio Libera in Causa, que foi introduzida no Brasil pelo mestre
Nárcelio de Queiroz. A Teoria do Actio Libera in Causa diz que a condição de embriaguez, a
condição de entorpecimento do indivíduo, só poderá ser arguida para caracterizar o dolo eventual
se, e somente se, estiver carreada de outros elementos de exacerbação de risco. É por isso que
quando você pensar em dolo eventual a ideia que vai ter que vir na sua cabeça é a seguinte: o
dolo eventual é aquele onde há uma Assunção exacerbada, uma Assunção exagerada do risco; o
dolo eventual é para quando o indivíduo não está nem aí para nenhuma consequência dos seus
atos; é quando ele vai muito além desse limite de risco permitido e admitido pelas pessoas
comuns. No dolo eventual ele é de tal forma irresponsável, ele assume tantos elementos de risco
que deixa claro que ele mesmo não desejando o resultado ele tem um total desprezo pelas
consequências dos seus atos.
Me lembro que certa feita me chegaram com uma questão que dizia assim: o indivíduo levou sua
namorada para um restaurante para pedi-la em noivado, dividiu uma garrafa de vinho com ela;
quando estavam terminando o jantar, pediram a conta e pegaram o carro. Quando estavam
voltando para casa, ele se envolveu num acidente de trânsito minha namorada saiu ferida deste
acidente. E aí veio a discussão se ele tinha consumido bebida alcoólica. Ele mesmo disse que
tinha dividido uma garrafa de vinho com ela. Mas será que eu posso dizer que esse indivíduo está
em dolo eventual? Não. Perceba que não passou pela cabeça dele gerar nenhum resultado. Ele
estava no noivado dele, ele estava planejando uma noite romântica. Na cabeça dele não havia
intenção delituosa nenhuma, mas ele assumiu o risco. Qual foi o risco que ele assumiu? Ele
assumiu o risco de conduzir um veículo depois de ter bebido vinho. É um risco que para as
pessoas comuns é razoável. Estou dentro do limite de risco considerado como razoável, isso é
crime culposo. Neste caso, a caracterização foi de lesão corporal de trânsito, nos termos do artigo
303 do CTB. Não tem dolo eventual, porque o dolo eventual não presume apenas assumir o
risco; o dolo eventual presume você extrapolar, você ir muito além daquilo que as pessoas
comuns aceitam no seu dia a dia.
Certa feita, num determinado local do interior do nordeste, estava tendo uma festa de formatura
de um curso superior, e essa festa estava acontecendo dentro de uma casa de eventos, a qual
era fechada e no seu teto havia uma malha de ferro para pendurar luz, caixa de som e
equipamento eletrônico. Nesse evento tinha um ritual que era o seguinte: chamava um formando
pelo nome, ele saia de uma porta, atravessava um corredor entre as mesas, subia ao palco e
cada formando tinha direito algumas músicas, ele dançava um pouco e isso se repetia para o

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próximo formando. Quando cada formando passava, comemoravam, pessoas que estouravam
champanhe, outras que estouravam serpentina. Só que, quando uma das pessoas que estavam
se formando iam passando, o tio dessa pessoa que estava armado com uma pistola .40 dentro do
estabelecimento, estava bebendo uísque desde o início da noite, resolveu sacar a arma e atirar
para cima em comemoração ao fato de uma pessoa da família dele está passando. deflagrou
diversos disparos em relação ao teto, mas como havia essa malha de ferro, algumas das
munições resvalaram e uma dessas acabou atingindo uma pessoa que estava nessa festa, e esta
pessoa veio a óbito. É claro que neste caso não é dolo direto, pois para ser ele teria que ter
apontado a arma para ela e atirado, mas ele sequer queria atingir alguém. Mas você concorda
que o indivíduo ir armado para uma festa de formatura, num local fechado, começar a beber,
sacar uma arma .40 pra cima num local fechado, cheio de malha de ferro, segurar e ciclar o
gatilho até acabar as munições que tem dentro, você concorda que isso vai muito além daquilo
que as pessoas comuns estão dispostas aceitar no seu dia a dia, que é algo que vai muito além
daquilo que as pessoas comuns aceitam como limite de risco permitido? Isso é dolo eventual.
Não restam dúvidas que numa situação como essa a pessoa vai responder por dolo eventual,
porque ela não assumiu o risco apenas, ela extrapolou limite de risco que as pessoas comuns
normalmente não extrapolariam.
Há alguns anos, em um estádio aqui em Pernambuco, eu estava vendo um clássico entre 2
grandes clubes de Pernambuco, e aí um torcedor de determinado clube que estava no ultimo
pavimento da arquibancada, de uma altura que se ele colocasse a mão no muro da arquibancada
ele conseguia ver a parte de fora do estádio. Esse torcedor viu que tinham torcedores de outro
clube embaixo, e ele resolveu dar um “susto” neles. Ele foi até o banheiro do estádio, arrancou o
vaso sanitário, voltou para o último pavimento, como ele não conseguia apoiar o vaso sanitário na
mureta e virar, ele colocou e empurrou; esse vaso sanitário despencou, ainda de uma altura de
30 a 40 m, bateu no chão, estilhaçou e os estilhaços acabou matando uma pessoa. Isso é dolo
eventual. Ele sabia que ia atingir alguém? Não. ele queria especificamente matar alguém? Não.
Muito provavelmente ele só queria dar um susto. Mas, quem vai no banheiro de um estádio de
futebol, arranca o vaso, sobe a arquibancada, coloca esse vaso no parapeito e empurra, sem
saber se vai bater ou não em alguém, está sendo de tal forma irresponsável, está fazendo uma
Assunção de risco que vai tão além daquilo que as pessoas comuns estão dispostas a assumir
no seu dia a dia, que vai responder a respeito dos seus atos a título de dolo eventual.
A embriaguez só vai caracterizar dolo eventual, pela Teoria do Actio Libera in Causa, que o STF
adota, se você tiver outros elementos de risco. imagine que eu vou pra uma balada e passo a
noite bebendo, ingerindo uma grande quantidade de álcool, saiu 5 horas da manhã de uma boate,
dando cavalo de pau, em altíssima velocidade, avançando o sinal vermelho, se envolveu num
acidente e matou alguém. isso é dolo eventual? Sim. Não é só o fato dele ter bebido, é a
quantidade da ingestão, é a direção ofensiva, é o fato dele estar avançando o sinal vermelho.
Você percebe que quando eu estou contando essa história você já tem a sensação de que está
extrapolando demais aquilo que as pessoas comuns fazem? Você tem a sensação do dolo
eventual.
Em uma prova, se você precisar caracterizar o dolo eventual, as informações que lhe serão
dadas são dessa natureza. São informações que você, num primeiro momento que observa, você
já diz que isso está extrapolando muito o que as pessoas comuns estão dispostas a fazer. Eu
costumo dizer que a diferença do dolo eventual para o simples fato de você estar agindo
culposamente é que no dolo eventual quando você escuta a história, quando você se depara com
a história, a primeira coisa que vem na sua cabeça é algo do tipo: “puta que pariu! Que cara
doido.”. Quando você tem essa expressão é porque você está diante do dolo eventual.
Eu sei que nesse momento vocês devem estar pensando no caso mais emblemático do Brasil,
esse caso tem uns 10 anos, onde se discute dolo direto, dolo eventual e crime culposo, que é o
caso da boate Kiss. Infelizmente nós não temos uma decisão definitiva sobre este caso, então eu
não posso dizer o que a justiça decidiu. Ao longo desta década, a grande discussão que existe
sobre o caso da boate Kiss é se haveria dolo eventual ou crime culposo. Em sendo reconhecido o
dolo eventual vai para o tribunal do júri, em sendo reconhecido o crime culposo não. A minha
opinião enquanto o professor, não é um juízo definitivo de valor, até porque quem deve dar um
juízo definitivo de valor é o poder judiciário, e até o presente momento que eu estou gravando

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esta aula o julgamento não aconteceu. Já teve julgamento, ele foi anulado, foi remarcado, mas
não aconteceu por causa da questão da pandemia, estaria remarcado, mas até o Presente
momento não aconteceu. O fato é o seguinte: para mim, analisando as situações que são
disponíveis através da imprensa e que foram divulgadas ao longo de todos estes anos sobre o
que aconteceu na boate Kiss, lá em Santa Maria no Rio Grande do Sul, eram tantos elementos
de risco juntos, era uma Assunção repetida de tantos riscos que, para mim, aquilo era dolo
eventual. É tanta coisa junta, é tanta situação perigosa, é tanta situação de risco caracteriza o
dolo eventual. Mas eu preciso lhe dizer que a decisão definitiva tem que ser dada pelo poder
judiciário.
O dolo eventual presume assumir um risco exagerado, diferentemente de quando você assume
um risco dentro do limite do homem médio, você está sendo imprudente e imprudência é
elemento caracterizador de crime culposo. Então nós já sabemos a diferença entre dolo direto e
dolo eventual. Então nós já conhecemos as 2 espécies básicas de crimes dolosos, agora eu
posso fazer uma especificação com vocês. É muito comum você se deparar com arguição sobre
o dolo de primeiro grau e o dolo de segundo grau. Algumas pessoas usam o termo mais
completo: dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau, mas você também pode se
deparar só com dolo de primeiro grau e dolo de segundo grau, e o dolo de segundo grau também
ser chamado de dolo de consequências necessárias.
Quando nós falamos em dolo de primeiro grau, nós estamos falando no conceito de dolo direto. A
conceituação que eu dei pra vocês sobre o dolo direto é o do dolo de primeiro grau. O dolo de
primeiro grau é quando a minha conduta está direcionada a um determinado resultado delituoso
previamente pretendido; é quando eu direciono a minha conduta para atingir o bem jurídico ou os
bens jurídicos previamente pretendidos. Eu quero matar Beto, dou um tiro nele, isso é dolo direto
de primeiro grau.
No dolo de consequências necessárias, embora o agente delituoso não deseje inicialmente
alcançar os efeitos colaterais decorrentes da sua a conduta principal, estes lhe são claramente
perceptíveis, delimitáveis e previsíveis e mesmo assim o agente continua na prática da conduta
originariamente pretendida, aceitando também produzir estes resultados colaterais. Imagine que
a minha intenção é matar Beto, quando eu chego próximo para mata-lo, a esposa dele percebe
que eu vou matar ele e aí ela toma frente e abraça ele. Eu mando ela sair da frente, mas ela não
sai; e eu digo que se ela não sair da frente o risco é dela. Perceba que eu quero matar Beto eu
não quero originariamente matar a esposa dele, o meu dolo é direto para ele, mas naquele
contexto eu estou vendo e é claro que existe um risco incomensurável de ao executar o crime
contra Beto eu também atingir a esposa dele. É um efeito colateral que me é previsível,
perceptível e delimitável. Eu estou vendo, eu estou com a arma apontada para Beto, a esposa
dele está na frente dele, eu vou atirar e a probabilidade de eu atingir os 2 é gigante, mas eu quero
tanto atingir Beto que eu aceito também produzir o efeito colateral que não era previamente
pretendido, ou seja, eu aceito que naquele contexto se o único jeito de matar Beto é atirar e
correr o risco de matar a esposa dele, pra mim está valendo. Eu atiro, atinjo Beto e a esposa,
ambos morrem. Em relação ao homicídio de Beto, é dolo direto de primeiro grau; em relação a
esposa dele, seria dolo direto de segundo grau, chamado de dolo de consequências necessárias.
O efeito colateral ficou claro para mim. Perceba que quando eu iniciei a empreitada delituosa, o
meu objetivo era de matar apenas Beto, mas quando eu me deparei com a efetiva execução do
meu dolo direto, eu percebi que aquela minha conduta, iria ou poderia gerar efeitos outros
originariamente não pretendidos. Mas esses efeitos são delimitados, eu estou vendo e consigo
delimitar o escopo dessas consequências, e mesmo assim eu dou continuidade à prática dos
meus atos. Nesse caso, todos esses efeitos colaterais que eu produzi, início eram imputados a
título de dolo direto de segundo grau.
É aquela história: eu sei que determinada pessoa é piloto de avião privado, e eu resolvo que vou
matá-lo. E para matá-lo eu resolvo que vou colocar uma bomba que vai ser detonada no avião.
Eu acho que esse piloto vai voar sozinho. Quando eu estou de longe observando este piloto ir em
direção ao avião que eu já coloquei a bomba, eu percebo que ele está levando passageiros. Eu
não imaginei que ele fosse levar passageiros, eu achei que ele fosse sozinho. Eu tenho como
abortar a situação? eu tenho, mas não aborto. Eu quero tanto que ele morra que eu faço também
assumir o risco das outras pessoas morrerem. É óbvio que a bomba vai explodir, o avião vai cair,

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o piloto e outras pessoas vão morrerem. Eu não desejava a morte dos passageiros, até porque
eu não sabia que os passageiros estariam naquele local, mas agora eu estou vendo. O dano
colateral é mensurável, o efeito colateral está delimitado para mim, mas eu quero tanto o efeito
primário que eu aceito o efeito secundário. Então a bomba explode, o piloto que eu queria matar
originariamente me será imputado a título de dolo direto de primeiro grau; e a morte dos
passageiros o que é um efeito colateral não originariamente pretendido, mas que me passou a
ser delimitado, específico e previsível me será imputado a título de dolo direto de segundo grau.
Existem pessoas que falam em dolo direto de terceiro grau, mas com todo o respeito isso é uma
tese doutrinária minoritária e não respaldada pela nossa jurisprudência. Mas eu vou citar por
desencargo de consciência. Quando se fala em dolo de terceiro grau, se fala em dolo da
consequência da consequência. Nesse exemplo do avião, é comum se dá o exemplo de: imagine
que eu quero matar o piloto do avião e eu acho que ele estará só, eu coloquei uma bomba dentro
do avião pra explodir quando ele for decolar, mas de repente eu vi que tem passageiros que vão
com ele; eu aceito que aqueles passageiros morram. A bomba explode quando o avião decola e
o piloto morre: dolo direto de primeiro grau; os passageiros morrem: dolo direto de segundo grau;
e os destroços do avião caem em cima de uma casa e matam uma criança nessa casa, a morte
dessa criança seria dolo direto de terceiro grau. Na verdade, esse dolo direto de terceiro grau
seria uma ramificação, uma especialização, você vai destrinchar o dolo de segundo grau. Está
errado? Não, mas a dizer mais do mesmo. Para a realidade que nós temos hoje na nossa
jurisprudência e inequivocamente para a realidade que nós temos hoje na doutrina majoritária, a
diferença hoje que se faz hoje é dolo de primeiro grau e dolo de segundo grau. O dolo de terceiro
grau é citado mas não é majoritário, mas se você dizer o que é, é a consequência da
consequência. Ele delimitou que aqueles passageiros também iam morrer, mas além da
consequência da morte daqueles passageiros, ainda teve alguém que morreu em Terra dos
destroços do avião.
Se dá muito também o exemplo da mulher que está grávida. Eu quero matar o piloto do avião,
mas não sei que ele vai levar passageiros, depois eu descubro. E entre esses passageiros tem
uma mulher grávida e eu não sei disso. Então, a morte do piloto é dolo de primeiro grau; a morte
dos passageiros é dolo de segundo grau, e a morte do bebê na barriga da mãe, que eu sequer
sabia que estava lá, é dolo de terceiro grau. Eu respeito quem dá esse exemplo, mas eu acho
que ele seria a imputação objetiva, e o direito penal brasileiro não se segue pela imputação
objetiva. Mas o fato é que para a realidade de provas o que vocês precisam ser capazes de
diferenciar é o dolo de primeiro grau e o dolo de segundo grau, ou dolo de consequências
necessárias.
É muito comum quando eu falo em dolo de segundo grau as pessoas me perguntarem se é a
mesma coisa de dolo eventual. Não é. O dolo de segundo grau é diferente de dolo eventual.
Embora eles pareçam, eles têm uma sutileza de diferença, porque no dolo eventual eu não
consigo delimitar quais as reais consequências dos meus atos, eu não sou capaz de precisar
antecipadamente quais os reais efeitos da minha conduta, o que eu tenho é uma assunção
exacerbada de risco; No dolo eventual, a minha conduta de tal forma exacerbada e irresponsável
que o que derivar dela me será imputado dolosamente. Já no dolo direto de segundo grau,
consigo delimitar os efeitos colaterais da minha conduta. O indivíduo que bebe a noite toda, sai
dirigindo em altíssima velocidade, avançando o sinal vermelho, tanto pode se envolver num
acidente quanto pode chegar em casa bem, pode dar sorte de não bater em nada, pode produzir
só um dano patrimonial, ou uma lesão corporal, ou um homicídio. Então, ele não consegue
delimitar. Existe um risco em abstrato, que é um risco tão grande que lhe será imputado a título
de dolo eventual, se esse risco virar algo concreto. já o dolo direto de segundo grau não, ele é
delimitável; no dolo direto de segundo grau eu sei quais são as consequências possíveis dos
meus atos, porque elas são efeitos colaterais. No dolo direto de segundo grau, no exemplo de
Beto, eu estou vendo que se eu atirar em Beto eu também posso matar a esposa dele, e ainda
assim eu atiro. A consequência no dolo de segundo grau é perceptível, delimitável e previsível.
Essa é a diferença. No dolo de segundo grau eu estou vendo a consequência e só existe o dolo
de segundo grau, e por isso que é de consequências necessárias, porque eu tenho o dolo de
primeiro grau. Não tem como existir dolo de segundo grau autonomamente. O dolo de segundo
grau é uma consequência necessária do dolo de primeiro grau. Então eu tenho uma intenção

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deleitosa: dolo de primeiro grau; ao colocar em prática essa minha intenção delituosa, ao colocar
em prática esse meu dolo de primeiro grau, eu me deparo com consequências, com efeitos
colaterais que são visíveis, delimitáveis. eu sei que se eu continuar com meu dolo de primeiro
grau, eu tenho uma possibilidade gigante de gerar esses efeitos colaterais e ainda assim eu
continuo. Todos esses efeitos colaterais que me foram gerados, me serão imputados a título de
dolo de segundo grau. Diferente do dolo eventual, em que eu não consigo estabelecer o escopo
do que pode acontecer. No dólar eventual eu estou assumindo o risco de gerar resultados. Quais
resultados? aqueles que vierem.
É por isso que a jurisprudência sempre bate na tecla de que o dolo eventual é casuístico, porque
você tem que analisar todos os elementos da assunção de risco. Já o dolo de segundo grau é
delimitável; no dolo de segundo grau você teve o dolo de primeiro grau e fica claro que o
indivíduo sabia quais eram os efeitos colaterais que podia gerar. Por isso que o dolo de segundo
grau sempre presume que haja antes na conduta do indivíduo essa delimitação, lhe torna visível
e perceptível esses efeitos colaterais.
A doutrina discute muito se é possível a tentativa em dolo eventual. A jurisprudência tanto do STF
quanto do STJ, reconhecem que como a análise do dolo eventual é casuístico, é possível
tentativa em dolo eventual. Alguns doutrinadores discordam desse posicionamento. Alguns
doutrinadores dizem que não caberia tentativa em dolo eventual. Mas, com todo o respeito, eu
não recomendo que vocês vão por essa Seara. Eu recomendo que vocês sigam o entendimento
consolidado no Supremo Tribunal Federal que é possível a luz do caso concreto, em tese,
tentativa em sede de dolo eventual. Inclusive, só a título de exemplo, eu trouxe 2 jurisprudências
que não são as mais recentes, mas são as mais didáticas.

STF – HC 165200 AgR


Órgão Julgador: Primeira Turma
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO
Julgamento: 29/04/2019
Publicação: 14/05/2019
“... A jurisprudência do STF ao analisar caso análogo, consignou orientação no sentido de que
não há incompatibilidade na conjugação do dolo eventual e da tentativa (HC 114.223, Rel. Min
Teori Zavascki). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.”
STF- HC 114223
Órgão julgador: Segunda Turma
Relator(a): Min. Teori Zavascki
Julgamento: 27/10/2015
Publicação: 12/11/2015

“... Ementa: PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO. TRANCAMENTO


DA AÇÃO PENAL. A ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. IMPUTAÇÃO
ALTERNATIVA. FALTA DE DISCRIÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 14, II, DO CÓDIGO
PENAL. INCOMPATIBILIDADE ENTRE DÓLAR EVENTUAL E TENTATIVA. INOCORRÊNCIA.
HABEAS CORPUS DENEGADO.”

Então é possível, a luz da jurisprudência, dolo eventual em sede de tentativa. O STJ analisou o
exemplo de um indivíduo e efetuou disparos de arma de a esmo, como forma de se exibir em um
local densamente cheio de pessoas, e algum desses disparos alvejaram uma criança, e essa
criança ficou entre a vida e a morte, e ele foi acusado de tentativa de homicídio da morte da
criança. Alegação foi quem não tinha mirado diretamente na criança, ele não tinha tido a intenção
prévia de matar a criança, de atingir a criança, mas foi reconhecido o dolo eventual. A conduta foi
de tal forma irresponsável que o dolo eventual estava caracterizado, e aí foi dolo eventual em
tentativa de homicídio. A criança não morreu por causa do Socorro médico. Tentativa de
homicídio em sede de dolo eventual. É possível. Depende, claro, de uma série de
particularidades do caso concreto, mas se a pergunta for: é possível tentativa em sede de dolo
eventual? Eu recomendo que você diga que sim, porque esse é o posicionamento tanto do STF
quanto do STJ.

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CRIME CULPOSO

Basicamente todos nós temos um conceito empírico de culpa. O crime culposo seria aquele crime
que o indivíduo não pretende produzir; é o crime do indivíduo deu causa sem querer. Isto não
está errado, mas está tecnicamente incompleto. O correto seria você dizer que crime culposo é
aquele que o indivíduo não quer o resultado, não deseja o resultado, mas acaba dando causa a
esse resultado por que foi imperito, imprudente, negligente.
De uma forma mais didática nós poderíamos definir o crime culposo como sendo uma conduta
humana voluntária que produz um resultado involuntário, não desejado previamente pelo agente,
decorrente de uma violação de um dever de cuidado objetivo.
Uma conduta humana voluntária: eu pratiquei um ato porque eu quis. Para que eu tenha qualquer
crime, eu tenho que ter voluntariedade no meu ato. No crime doloso e no crime culposo eu pratico
um ato porque eu quero. No crime doloso eu pratico um ato para alcançar um resultado, ou
assumindo um risco exagerado nas hipóteses de dolo eventual; já no crime culposo eu pratico um
ato involuntário; eu faço alguma coisa, ação ou omissão, porque eu quis, mas eu gero um
resultado que não era pretendido. No crime culposo, eu agi, mas dei causa a um resultado que eu
não queria, não desejava, não almejava, não buscava, e eu dei causa a esse resultado porque eu
não cumpri com o dever objetivo de cuidado, ou seja, porque eu fui imprudente, imperito ou
negligente.
Basicamente se você tem crime culposo você vai dizer 2 coisas: o indivíduo não queria gerar o
resultado e obrigatoriamente houve imperícia, imprudência ou negligência. Se você não conseguir
reconhecer nenhum desses 3 elementos, não haverá crime culposo. Para que o crime seja
culposo, não basta que o indivíduo não queira o resultado. É preciso que esse resultado seja
decorrente da inobservância de um dever objetivo de cuidado, ou seja, de uma imprudência,
imperícia ou negligência.
O parágrafo único do artigo 18 do código penal diz que salvo os casos expressos em lei, ninguém
pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. Todo o crime
previsto no código presume-se doloso; a lei não precisa dizer que o crime é doloso, ele é
presumido. O dolo é o elemento subjetivo do tipo presumido, ou seja, você pega a tipificação do
artigo 121 “matar alguém: pena de reclusão de 6 a 20 anos”, o dolo é presumido. A regra é que
os crimes previstos na legislação Brasileira sejam punidos quando praticados dolosamente. Para
que se admita um crime na modalidade culposa, é uma excepcionalidade que obrigatoriamente
tem que estar previsto em lei. Só será possível imputar um crime a alguém a título culposo se, e
somente se, a letra da lei prever essa possibilidade. A legislação penal não precisa dizer que uma
conduta é dolosa. Se a legislação penal não fizer referência ao elemento subjetivo do tipo, ele
sempre será doloroso. Mas, só será possível a imputação de um crime a título culposo, se a letra
da lei prever essa modalidade.
Nós temos os crimes contra a vida no código penal: homicídio: artigo 121; induzimento, instigação
ou auxílio ao suicídio ou a automutilação: artigo 122; infanticídio: artigo 123; e aborto nas suas
modalidades: artigo 124: autoaborto; artigo 125: aborto sem consentimento da gestante; artigo
126: aborto com consentimento da gestante; artigo 127: as hipóteses de agravamento de pena e
qualificação do aborto; o artigo 128 diz respeito as hipóteses em que o aborto não é crime, sendo
necessário para salvar a vida da gestante, e o aborto humanitário em caso de gravidez resultante
de estupro. De todos os crimes contra a vida, o único que admite elemento subjetivo culposo é o
homicídio, porque é o único que tem no artigo 121 a previsão para homicídio culposo. todos os
outros ou são dolosos, ou não são crime. Se a conduta é culposa, mas a lei não prevê
modalidade culposa para o crime, não há elemento subjetivo do tipo; e não existindo elemento
subjetivo do tipo não há fato típico, não há crime.
Imagine o caso de uma mulher que está grávida e ela quer interromper a gestação, e ela adquire
voluntariamente uma substância entorpecente que produz efeitos abortivos, toma e perde o bebê.
Qual é o crime dela? autoaborto, nos termos do artigo 124. A lei não precisa dizer, presume-se
dolo. A conduta dela é dolosa. Ela queria abortar e tomou remédio para abortar, isso é dolo direto
de primeiro grau. Ela praticou atos condizentes com sua vontade de interromper a gestação. Mas
vamos imaginar o caso de uma mulher que está grávida que não deseja abortar, mas por ser
muito vaidosa acha que está ganhando peso muito rápido na gestação, e começa a tomar alguns

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inibidores de apetite. Ela só está tomando inibidores de apetite porque não quer engordar tão
rapidamente, e ela não sabe que esses inibidores podem ter efeitos abortivos. Ela está tomando
esses inibidores de apetite sem acompanhamento médico. Isso é uma imprudência da parte dela.
Ela toma um remédio para não engordar, mas termina perdendo a criança. ela responde por
crime? Não. Eu posso imputar o crime de aborto a ela? Não. Notoriamente a sua conduta foi
culposa, e não há previsão para aborto na modalidade culposa na nossa legislação. Então, o que
o parágrafo único do artigo 18 me diz é que a lei não precisa me dizer que o crime é doloso, o
dolo é presumido, mas a lei precisa me dizer quando o crime for culposo. Eu só posso reconhecer
um crime carreado à conduta ao elemento subjetivo da culpa se a lei fizer previsão expressa.
Imagine que eu estou com raiva de Beto, e para descarregar a raiva eu vou bater na moto dele. A
moto dele está estacionada ao lado do meu carro e, intencionalmente quando eu for sair com
meu carro, eu vou bater na moto dele para ela cair quebrar. Isto é crime de dano da minha parte,
nos termos do artigo 163 do Código Penal. Por que é dano? porque eu estou danificando
patrimônio alheio e eu estou agindo dolosamente. Isso é dolo direto: eu quero bater na moto de
Beto; eu quero que a mão dele seja danificada; eu quero lhe produzir um dano patrimonial; eu
manobrei meu carro para intencionalmente bater na moto dele. A minha conduta de manobrar o
carro e bater na moto dele está direcionada e condicionada ao meu animus, ao meu dolo de
produzir meu dano patrimonial; dolo direto.
Vamos imaginar que eu estou manobrando o meu carro e conversando com alguém ao mesmo
tempo, e por imprudência eu acabo na moto de Beto, ela cai e amassa. Eu vou responder por
crime de dano? Não. A minha conduta é culposa, e a lei Brasileira não prevê a modalidade
culposa para o crime de Dano. Eu até posso ser suscitado para reparar Beto civilmente, mas isso
é direito civil não é crime. Se eu não tive a intenção e eu gerei o dano por imprudência, isso é
elemento de culpa e a lei não prevê modalidade culposa para dano. Na verdade, de todos os
crimes contra o patrimônio, o único que pode ser praticado culposamente é a receptação. Todos
os outros crimes patrimoniais ou são dolosos ou não são reconhecidos como crime.
Para que você tenha crime culposo, partindo da premissa que há previsão normativa, é
indispensável que o indivíduo gerou um resultado que ele não queria, mas que esse resultado foi
gerado ou por uma imperícia, ou por uma imprudência ou por uma negligência. Se não tiver um
desses 3 elementos, não tem culpa.
º Imperícia: conceitualmente diz-se que a imperícia decorre de uma inaptidão, de uma falta de
habilidade para realizar uma conduta, profissão, arte ou ofício. Isso, inclusive, é um conceito
clássico do STF. O crime será culposo por imperícia, presumindo na situação que a lei prevê
modalidade culposa para o delito em espécie, não tivesse a previsão acabou a minha análise, ou
é doloso ou não é crime; o crime será culposo por imperícia quando ficar claro que o indivíduo
produziu um resultado porque ele praticou uma conduta a qual lhe faltava a habilidade, a
destreza, a técnica necessária. A conduta imperita é uma conduta positiva, ou seja, é uma
conduta baseada em uma ação. Eu estou agindo, eu estou fazendo alguma coisa dentro de um
contexto onde me falta a técnica, a habilidade, a destreza para praticar aquela conduta. o imperito
é aquele que não tem o conhecimento, a técnica ou a habilidade necessária para desempenhar
aquela conduta específica naquele caso concreto. Quando nós falamos em habilidade, técnica e
conhecimento não é necessariamente o conhecimento formal, é o conhecimento prático de está
fazendo alguma coisa para a qual ele não tem o domínio prático total do que ele faz.
Por exemplo, Beto tem a habilidade de montar e desmontar estúdio. então às vezes eu peço para
que ele desmonte o estúdio de um andar e Monte em sala que está outro andar. Beto é capaz de
vim no estúdio sozinho, desmontar este estúdio, levar e montar em outra sala. Beto fez Curso
superior de montagem e desmontagem de estúdio? Não, isso nem existe. Mas ele tem habilidade
e técnica. Vamos imaginar que um dia eu estou sozinho e resolvo que vou montar um estúdio
desse para gravar, e aí eu faço uma ligação errada. Pela falta do conhecimento técnico, eu faço
uma besteira e produzo um incêndio. Eu vou responder pelo incêndio culposo, porque existe
modalidade culposa para o crime de incêndio. E neste caso se eu vou responder culposamente
por esse incêndio, eu tenho que dizer que a minha culpa é decorrente de imperícia, imprudência
ou negligência. Nesse caso, eu não queria o incêndio, mas eu o gerei, porque ao montar o
estúdio, ao praticar uma conduta positiva eu estou agindo num contexto onde me falta técnica.
Então a culpa neste caso seria derivada de imperícia.

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Vamos imaginar que as pessoas que estavam na autoescola tiraram carteira de habilitação A e B,
ou seja, para moto e carro, mas só estão acostumadas a andar de carro, ou só estão
acostumadas a andar de moto. Eu, por exemplo, era acostumado a andar com um tipo de moto
mais leve, quando peguei uma outra moto mais pesada para pilotar, em uma curva, a moto foi
para um lado e eu para o outro. Se neste caso eu tivesse ferido alguém, eu responderia pela
lesão corporal culposa, pois me faltava a perícia, a técnica necessária para aquele caso
específico.
O imperito é aquele que desempenha uma conduta positiva, que está agindo em um contexto
onde lhe falta algum elemento de técnica, destreza ou habilidade.
º Imprudência: a imprudência ocorre quando há um comportamento sem a devida cautela, isto é,
há uma atividade positiva e descuidada. Normalmente, o imprudente tem habilidade, tem o
domínio técnico, mas se sente tão confiante que começa a assumir riscos, começa a deixar de
lado os cuidados e as cautelas necessárias que anteriormente ele tinha. O imprudente é aquele
que normalmente domina o que faz, tem habilidade para a prática da conduta, mas que não adota
os cuidados, as cautelas necessárias, os recursos necessários de cuidado para impedir que a
sua conduta gere qualquer resultado.
Eu estou manobrando o carro e eu estou olhando para o celular. Eu manobro o carro todos os
dias aqui no estacionamento, mas pelo fato de eu estar olhando para o celular, eu estou sendo
imprudente, descuidado, e termino batendo em Beto e ele saiu ferido. Eu queria feri-lo? Não. Eu
vou responder por lesão corporal de trânsito: lesionar culposamente na condução de veículo
automotor. Nesse caso, o elemento de reconhecimento da conduta culposa é a imprudência.
Tanto a imperícia quanto a imprudência são condutas positivas em que o indivíduo está agindo.
Na imperícia ele está agindo sem a técnica necessária; na imprudência ele está agindo sem o
cuidado, sem se cercar das cautelas necessárias. Diferentemente do que ocorre com a
negligência, uma vez que ela é uma conduta negativa.
º Negligência: a negligência está configurada quando a gente assume a atitude passiva, por
descuido ou desatenção, diante de uma situação que demanda ação. Há, portanto, conduta
culposa omissiva. Na negligência, o indivíduo tem uma obrigação de agir, mas ele não age por
descuido. Ele deveria fazer alguma coisa, mas por descuido ele não faz, e essa sua omissão
impensada é que gera o resultado culposo. Ao passo que a imperícia e a imprudência são
condutas positivas, baseadas em uma ação, em fazer alguma coisa, a negligência ao seu turno é
uma conduta negativa, baseada em uma omissão, em que o indivíduo deveria ter agido, mas por
descuido e descaso, ele não agiu.
Como exemplo tem-se o exemplo do mestre Nelson Hungria, em que o médico plantonista do
hospital, no qual o turno é sempre muito tranquilo, nunca chega nada grave. O médico está na
sala falando ao telefone com a sua namorada, alguém chega na porta batendo e o diz que tem
um paciente para ele atender, e ele diz que já vai. Fala mais 5 minutos com a namora e vai.
Quando chega lá, ele se repara com a criança em estado extremamente grave. Quando ele vai
tentar socorrer a criança, esses 5 minutos que ele demorou foram fatais para a criança. Ele não
sabia que era uma criança em estado grave, ele não tinha consciência da gravidade do fato. Ele
não foi na hora não por maldade, mas por uma desídia. Isso é elemento caracterizador da
negligência. A negligência presume que você não fez o que deveria, na hora que deveria, mas
sem maldade.
Beto tem a obrigação de desligar todos os equipamentos do estúdio quando ele larga. Mas vai
que algum deles sai desatento daqui e esquece de desligar a corrente elétrica e dá um super
aquecimento pega fogo. Beto vai responder pelo incêndio culposo e o elemento caracterizador da
culpa é a negligência. Ele deixou de cumprir com seu dever jurídico, mas não teve maldade da
parte dele. Ele não fez isso por ruindade, ele fez isso por desídia, por negligência. Nesse caso, a
culpa será caracterizada pela negligência.
Imperícia e imprudência são condutas positivas; na imperícia eu estou agindo sem a técnica
necessária; na imprudência eu estou agindo sem as cautelas necessárias para o caso concreto.
Na negligência, eu tenho uma conduta negativa, eu não estou agindo na hora que eu deveria
agir, ou eu não ajo em hora nenhuma, mas por uma preguiça, uma desídia, uma desatenção, ou
uma falta de cuidado.

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Se eu tenho qualquer uma dessas 3 situações gerando um resultado delituoso dentro do lembrete
de risco permitido pelas pessoas, e desde que essa situação esteja prevista em lei enquanto
conduta culposa criminosa. Eu tenho o crime culposo.
É muito comum você se deparar com questões onde você é indagado seria capaz de diferenciar
um crime culposo numa situação de culpa inconsciente, chamada por alguns doutrinadores de
culpa própria, e numa situação de culpa consciente, chamada por alguns doutrinadores de culpa
imprópria.
Na culpa inconsciente o sujeito ativo do delito não consegue visualizar previamente que a sua
conduta pode gerar um resultado delituoso. Na culpa inconsciente, o resultado é previsível, mas o
indivíduo não é capaz de perceber. O exemplo mais claro talvez seja esse do médico. o médico
está dando plantão no hospital que nunca chega ninguém, e quando chega sempre são casos
extremamente leves. Ele está na sala de Descanso conversando ao telefone com a sua
namorada; alguém simplesmente bater na porta dizendo que tem um paciente se ele pode ir. Na
cabeça dele não é nada grave. Em que pese ele tem a obrigação de se levantar imediatamente,
ele retarda um pouco por desídia. Chegando lá, é uma criança que vem a óbito. Isso é um crime
culposo, culpa por negligência. Neste caso, a culpa será caracterizada como culpa inconsciente.
A questão da consciência ou inconsciência é em relação aos efeitos da conduta. Ele não
imaginava, não lhe era razoável presumir que uma demora de 5 minutos pudesse gerar o
resultado morte de uma criança. Então na culpa inconsciente, o indivíduo não consegue prever,
não consegue delimitar, não consegue antevê um resultado que é previsível. Ele não tem,
fazendo uma análise de razoabilidade à luz do homem médio, como imaginar que a sua conduta
poderia gerar aquele resultado delituoso.
Eu estou manobrando o meu carro olhando para o celular, eu nem vi Beto chegar perto. Eu estou
manobrando o meu carro desatento, isto é imprudência, e sem querer eu bati em Beto. O crime é
culposo por imprudência, lesão corporal de trânsito, e a culpa é inconsciente. Eu não vi que ao
manobrar o carro eu poderia atingir alguém.
A culpa consciente ocorre quando o sujeito ativo do delito consegue visualizar previamente que a
sua conduta pode gerar um resultado delituoso, mas ele segue adiante e prática tal conduta por
acreditar, sinceramente, que esse resultado não vai se manifestar. Na culpa consciente o
indivíduo até vê o risco, mas ele tem certeza absoluta e inequívoca de que é capaz de evitar esse
risco. Na culpa consciente ele consegue prever o resultado, mas ele só dá continuidade à prática
dos atos porque na cabeça dele ele consegue, tem a certeza absoluta e inequívoca, que aquele
ato é tão improvável que ele vai conseguir evitá-lo. Normalmente, quando você se depara com
questões versando sobre culpa consciente, a questão lhe dá mais ou menos o seguinte contexto:
João, professor de autoescola há muitos anos, motorista extremamente habilidoso e acostumado
a guiar veículo, estava com a sua namorada no carro testando um novo carro motor turbo.
Mesmo sabendo que o limite de velocidade para aquela área era de 80 km/h, ele resolve
empregar velocidade superior a permitida para testar a essa estabilidade do veículo. Ao atingir a
velocidade superior a permitida, a sua namorada o questiona se não seria melhor ir mais devagar
para não perder o controle do carro, ele responde que não, pois o carro é estável e que ele sabe
o que está fazendo. Mas, por algum motivo ele perde o controle do veículo e se envolve em um
acidente e a namorada sai lesionada. Ele queria lesionar a namorada? Não. Ele está dentro do
limite de risco que as pessoas comuns aceitam? Sim, então o crime é culposo; é culpa por
imprudência, e, neste caso, é culpa consciente. Ele tinha consciência do risco. a namorada o
alertou do risco, mas ele se julga tão habilidoso que, embora o risco lhe seja consciente, ele se
acha plenamente capaz de evitar o risco. Mas no caso concreto não deu. Culpa consciente. É a
mesma coisa da pessoa que está dirigindo um carro e o sinal fica amarelo e ele está bem perto
de passar. Ele sabe que tem que parar, pois se não é imprudência. Mas, na cabeça dele, ele
acha que dá pra passar. Mas não deu, e acaba colidindo com alguém. Isso é culpa consciente,
pois ele está vendo o risco, mas tem certeza absoluta que vai evitá-lo.
E qual a diferença da culpa consciente para o dolo eventual? É sempre o limite do risco permitido.
É errado avançar o sinal amarelo? Sim. Mas você concorda que a regra das pessoas aceitam
fazer isso? Então continua dentro do estrato da culpa. Agora se eu antevi o risco é culpa
consciente. No dolo eventual eu tenho que extrapolar. eu só vou discutir dolo eventual se eu
extrapolar o limite do risco que as pessoas comuns estão dispostas a assumir. Dirigir dentro do

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limite de velocidade é o que se espera; dirigir acima do limite de velocidade é um risco, é uma
imprudência. Mas é algo que as pessoas comuns fazem? É. Então continua dentro do escopo do
crime culposo. Aí vem esse exemplo da namorada, que alertou acerca do fato do namorado está
acima do limite da velocidade, e ele diz que o carro é estável e ele consegue controlar. Ele tem
consciência do risco, não controlou e gerou um resultado culposo, é culpa consciente.
Culpa exclusiva da Vítima: você vai ter culpa exclusiva da vítima quando você não puder
reconhecer o fato típico porque você não consegue nem caracterizar o dolo e nem a culpa
enquanto elemento subjetivo carreado à conduta. E se há culpa exclusiva da vítima, não é crime.
Você estará diante deste instituto jurídico que a doutrina denomina de culpa exclusiva da vítima
todas as vezes que você se deparar com o caso concreto onde o fato típico não tiver como ser
reconhecido, porque você nem tem dolo e nem tem culpa carreado a conduta do agente. Imagine
que o indivíduo é motorista de ônibus há mais de 20 anos. Ele assumiu o posto de serviço às
8:00 da manhã, e são 8:40; ele está descansado, no começo da jornada, dormiu bem na noite
anterior, não consumiu nenhum tipo de bebida alcoólica ou nenhum tipo de entorpecente, ele está
guiando o ônibus dentro do limite de velocidade, na faixa exclusiva para coletivos, com direção
defensiva, “tudo como manda o figurino”. De repente, um motoqueiro para desviar do trânsito, em
vária faixa do coletivo na frente do ônibus. Quando o motorista do ônibus vê o motoqueiro ele
aciona o freio, mas não dá tempo parar, e passa por cima do motoqueiro e este morre. Perceba
que eu tenho um motorista que atropelou e matou um motoqueiro. Será que esse motorista
cometeu o crime? Tem conduta? Tem, ele estava guiando o veículo e acabou atropelando. Tem
resultado? Tem. Tem nexo causal? Tem, o piloto da moto morreu porque foi atropelado pelo
ônibus guiado pelo motorista. Tem previsão normativa? Tem. Porém, não tem elemento subjetivo.
Para ter fato típico, que é o primeiro substrato do crime, tem que ter dolo ou culpa. Eu não tenho
dolo neste caso. Quais são as 2 espécies de dolo? dolo direto e dolo eventual. o motorista de
ônibus queria atropelar e matar o motoqueiro? Não. Então não é dolo direto. O motorista de
ônibus teve alguma Assunção exacerbada de risco? Não. Então não é dolo eventual. Sendo
assim, não é dolo. Também não é crime culposo, pois para ser crime culposo não basta não
querer o resultado, é condição indispensável que você gere um resultado por imperícia,
imprudência ou negligência. Se não houver imperícia, imprudência ou negligência, não há crime
culposo. Ele é motorista há mais de 20 anos, então ele sabe dirigir, então eu já descarto a
imperícia. O motorista estava descansado, dentro do limite permitido, na faixa exclusiva de ônibus
com direção defensiva, então eu já descarto a imprudência. Quando ele viu o motoqueiro ele
freou, ele fez o que precisava mas não deu tempo parar, então eu excluo a negligência. Sendo
assim eu não tenho imperícia, imprudência ou negligência, ou seja, eu não tenho culpa. Em que
pese eu ter conduta, resultado, nexo causal e previsão normativa, eu não tenho elemento
subjetivo do tipo. Se eu não tenho elemento subjetivo do tipo, eu não tenho fato típico. se eu não
tenho fato típico, eu não tenho crime. Então, nesse contexto, este motorista de ônibus não
incorreu em crime. O instituto jurídico a ser reconhecido e caracterizado é o instituto da culpa
exclusiva da vítima.

AULA 10

TEORIA GERAL DO ERRO

ERRO DE TIPO: discriminado ao teor do caput artigo 20 do código penal. Por conceito,
convenciona-se dizer que o erro de tipo é o erro que recai sobre qualquer elemento previsto em
lei para o reconhecimento da conduta delituosa, incluindo os dados secundários da norma penal.
Basicamente, quando você pensar sobre erro de tipo, a primeira associação de ideias que você
tem que fazer é a seguinte: age em erro de tipo o indivíduo que por falha, por equívoco na
interpretação da realidade, por equívoco na interpretação do caso concreto onde ele está
inserido, ele não consegue perceber que o que faz ou deixa de fazer, que a sua conduta, pode
ser ação ou omissão, corresponde, se enquadra, se adequa a uma definição normativa de crime.
O erro de tipo se manifesta em um contexto onde o indivíduo pratica o ato, desempenha uma
ação ou omissão, mas ele não imagina, não consegue enxergar, no sentido de percepção, ele
não consegue perceber, ele não consegue discernir que aquela sua conduta se enquadra,

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corresponde a uma determinada situação que pode ser objeto de tutela penal; ou, de uma forma
mais rasteira ainda, o erro de tipo acontece nas situações em que o indivíduo tem certeza que o
que ele está fazendo não será objeto de tutela penal, ele está agindo por acreditar que o que ele
faz não é nada que traga o direito penal, ele acha que o que ele faz não corresponde a nenhum
crime, ele acha que o que ele faz é um indiferente penal quando de fato não é.
Imagine a seguinte situação hipotética: suponha que você vá até um determinado aeroporto, que
você está em Recife pegando um vou em direção à Brasília; na hora de embarcar o pessoal da
companhia aérea informou que não há mais espaço no bagageiro da aeronave e você terá que
despachar a sua mala. A sua mala é pequena, de cor preta e sem nenhum sinal de identificação
mais específico, é uma mala comum igual a outras dezenas que estão naquela aeronave. Ao
desembarcar no aeroporto de Brasília, a primeira mala preta que você vê passando na esteira
você acredita ser a sua e a pega. Você pega aquela mala tendo a certeza que é sua. O que é que
o direito penal tem a ver pelo fato de eu estar pegando a minha mala na esteira do aeroporto?
Nada. O direito penal não tem nada a ver com isso. Se você está pegando a sua própria mala na
esteira do aeroporto, isso é um indiferente penal. O direito penal não vai se manifestar, não vai
tutelar esta situação. Só que quando você chega no hotel e vai abrir a mala você percebe que o
conteúdo da mala não é seu, e você olha na etiqueta da mala e só então você se toca que você
pegou a mala de outro passageiro. Tecnicamente falando, você subtraiu coisa móvel alheia. Se
aquela mala não é sua mas sim de outro passageiro, e você a pegou, você pegou o que não lhe
pertencia, você subtraiu algo que não era seu, você subtraiu coisa móvel alheia, e subtrair coisa
móvel alheia corresponde a definição normativa do crime de furto, definição esta constante é o
teor do caput do artigo 155 do código penal. Mas perceba que você pegou a mala do outro sem
saber, você pegou a mala do outro passageiro acreditando que era sua, você não imaginou que
estava incorrendo num crime. Esse raciocínio ainda que empírico enquadra-se inequivocamente
na conceituação de erro de tipo. Essa é a essência do erro de tipo. Você ao fazer esse raciocínio,
acabou de raciocinar em cima da definição normativa do erro de tipo. O indivíduo pega a mala
que não lhe pertence achando que é a sua própria bagagem, e por achar que é a sua própria
bagagem, ele tem certeza que o direito penal não vai fazer nada com ele, porque pegar o que lhe
pertence é um indiferente penal. A partir do momento que ele pega algo que não lhe pertence,
que pega algo que pertence a outra pessoa, tecnicamente está se enquadrando em uma
definição normativa de crime. No nosso exemplo, está se quadrando nos termos do caput do
artigo 155 do código penal. Mas você também consegue perceber que ele agiu em erro de tipo.
Tenho um exemplo de uma aluna minha, em que na época Ela Foi minha aluna ela já devia ter
perto de 50 anos, e que me narrou que por volta dos seus 46, 47 anos ela pegou o carro do seu
pai que era um fusca branco, saiu de casa e foi até um shopping center. Quando estacionou o
carro no shopping, ela desceu do carro falando ao telefone não se atentou para o local onde ela
tinha estacionado o carro. Quando foi na hora de voltar pra casa, ela ficou parada na porta se
perguntando aonde que ela tinha deixado o carro. Quando Ela Foi procurar no estacionamento do
shopping o primeiro fusca branco que ela viu, ela acreditou que era o dela, pegou a chave e abriu
o carro. Antigamente, não existe a chave codificada, então a chave de um fusca abria o de
qualquer outro. Ela entrou no carro, deu a partida, quando ela passou da cancela do
estacionamento, Ela Foi fazer o seguinte movimento: colocar a bolsa dela que estava no banco
da frente no banco de trás; quando ela faz esse movimento é que ela percebe que algumas
coisas que estavam no banco de trás não são delas. Então ela para e olha melhor e só então
percebe o carro não é o dela. Ela pegou o fusca de uma outra pessoa achando que era o dela.
Então ela entrou novamente no estacionamento do shopping e o primeiro motoqueiro empresa de
segurança que fica rodando no estacionamento que ela viu, ela fez sinal e disse que “roubou” o
carro. Em resumo ela pegou um carro que não era dela acreditando sinceramente que estava
saindo com o próprio veículo; a mesma cor, o mesmo formato, as mesmas características
aparentes, a chave abriu e ligou o carro. Se ela tivesse ido embora com o carro da família dela o
que o direito penal tinha a ver com isso? Nada, pois tratava-se de um indiferente penal. Mas
neste caso ela pegou um veículo que pertencia a outra pessoa, ela subtraiu coisa móvel alheia.
Ela pegou achando que era dela, até a chave ligou. Você está diante do instituto jurídico do erro
de tipo. Essa é a essência. No erro de tipo o indivíduo não consegue perceber que o seu ato,

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ação ou omissão, naquele contexto corresponde a algo que é passível de tutela penal. Ele acha
que o que está fazendo não é crime. Essa é a ideia essencial e elementar de erro de tipo.
Outro exemplo, este que não envolve o crime de furto, é o exemplo clássico da doutrina sobre
violação de domicílio. Aquela hipótese do indivíduo que sai pra farrear a noite, consome bebida
alcoólica em quantidade excessiva, volta bêbado para casa, chega na rua onde mora, rua é esta
em quem tem uma Vila de casa idênticas, com a mesma cor, com o mesmo modelo de porta, o
mesmo tudo, e ele acaba ingressando na casa do vizinho achando que estava ingressando na
sua própria casa, se deita no sofá e dorme. Quando o vizinho percebe, o indivíduo está dentro da
casa dele. Tecnicamente falando, ele violou domicílio alheio. Tecnicamente falando ele ingressou
na casa dos outros sem autorização do legítimo proprietário ou morador, isso é violação de
domicílio. Mas, entrou na casa dos outros porque achava que estava entrando na sua própria
casa. Nessa circunstância, nós temos inequivocamente o erro de tipo. Não seria melhor dizer que
ele ingressou porque estava bêbado? Não. Na regra geral, a embriaguez, não elimina a
responsabilidade penal. Em regra, essa situação que eu descrevi caracteriza a embriaguez
voluntária. Ele consumiu bebida alcoólica porque ele quis, e por força do que está previsto no
artigo 28 do código penal, a embriaguez em regra não elimina a responsabilidade penal. Apenas,
e passa a ser uma causa excepcional, se essa embriaguez fosse completa e proveniente de caso
fortuito ou força maior, a responsabilidade estaria eliminada. Mas não é o caso do meu exemplo.
Então nesta situação o que eu tenho é o erro de tipo.
Todas as vezes que eu estou em busca de caracterizar o erro de tipo, eu estou em busca de algo
que porventura beneficie aquele que pode ser penalmente responsabilizado, e para nós
buscarmos as consequências do erro de tipo, nós precisamos estar atentos a uma classificação
que é doutrinária, mas também respaldada pela jurisprudência. Convenciona-se dizer que nós
temos 2 grandes modalidades de erro de tipo: inevitável, também chamado de invencível, ou para
alguns também chamado de escusável (palavra que está em desuso). Inevitável, invencível, e
escusável são sinônimos. Nós temos também a modalidade de erro de tipo que pode ser
classificada como evitável, vencível ou inescusável (palavra que está em desuso).
Quando eu estarei diante do erro de tipo inevitável? Quando o homem médio, o homem comum,
aquele ser teórico de referência (o conceito de homem médio é um conceito que foi muito
consolidado pelos ensinamentos do mestre Nelson Hungria. O homem médio, homem no sentido
de ser humano, englobando gênero masculino e feminino, é aquele ser teórico, é aquele ser de
referência para o direito penal. O homem médio nem é o mais intelectualizado dos homens, nem
o mais néscio, nenhum mais sem cultura, nem o mais urbano nem o mais rural; o homem médio é
uma referência. Existe dentro da sociedade uma espécie de equilíbrio entre as pessoas comuns
no que diz respeito à percepção, no que diz respeito ao conceito de certo e errado, no que diz
respeito ao conceito de justo e injusto.) Então quando você está tratando em tese jurídica de um
erro, inclusive o de tipo, isso vai valer para outras modalidades, então eu estou generalizando,
quando você está tratando em direito penal de um erro inevitável, você está tratando de uma
situação que as pessoas comuns quando submetidas a aquela situação acabariam incorrendo em
erro. O erro inevitável é aquele erro que as pessoas comuns usando o nível de atenção que é
considerado como razoável para o homem médio, razoável para a média da coletividade, ainda
assim a pessoa acabaria cometendo aquela falha, ainda assim a pessoa acabaria cometendo
aquele equívoco.
(Para fins de prova, dificilmente vão lhe pedir para conceituar um erro evitável ou inevitável. Na
verdade, para fins de prova, dificilmente vão lhe pedir para que indique no caso concreto se o
erro é evitável ou inevitável, o que é óbvio que você pegando uma situação e trocando nuances,
fazendo alterações às vezes em detalhes você pode modificar a modalidade do erro. Mas, como
é sempre bom nós pecarmos pelo excesso, eu vou lhe dar um exemplo também clássico da
doutrina que já foi objeto de provas inclusive no que se encontraria em erro inevitável). Imagine a
seguinte situação hipotética: suponha que um indivíduo, maior e capaz, resolve sair para se
divertir; resolve que vai numa noite de sexta-feira, meia-noite, a uma boate onde só pode entrar
de pessoas que tenham mais de 18 anos, porque ele está afim de conhecer uma moça lá,
namorar, e se for o caso, de até praticar ato sexual. Então esse indivíduo vai até a boate, na
entrada da boate está escrito bem grande que é proibida a entrada de menores de 18 anos, todas
as pessoas que entram na boate obrigatoriamente têm que apresentar um documento oficial de

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identidade comprovando ter 18 anos de idade ou mais. Então, ele está tranquilo por achar que ali
só tem pessoas adultas. Ele entra na boate, de repente conhece uma moça, alta, de compleição
física avantajada e desenvolvida, bem articulada, maquiada, reproduzida, sentada no bar
tomando uísque, e aí ele se aproxima, começam a conversar e os 2 dançam em se beijam, e ao
final da noite terminam a noite num quarto de motel e ele pratica o ato sexual consentido com ela.
Só que, no dia seguinte, quando ele acorda, a moça já tem tomado banho, está sem maquiagem,
e ele começa a achar que ela aparenta ser bem mais jovem do que o que aparentava ser na noite
anterior, e ao perguntar a idade dela ela diz que tem 13 anos e 11 meses de vida. Em que pese
ter uma compleição física desenvolvida ela é menor de 14. O rapaz pergunta como ela conseguiu
entrar na boate tendo em vista que ela é menor de idade e só podia entrar apresentando o
documento de identidade. Ela respondeu que apresentou o documento de identidade da irmã
dela que tem 19 anos e é fisicamente muito parecida com ela. Ela fraudou o ingresso dela na
boate se utilizando de documentos de terceiros. O rapaz acabou de descobrir que praticou um ato
sexual por menor de 14 anos e tecnicamente esta conduta corresponde ao crime de estupro de
vulnerável nos termos previstos no cabo do artigo 217-A do código penal brasileiro: ter ou praticar
conjunção carnal ou outro ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. A conduta que ele
praticou corresponde à definição normativa de estupro de vulnerável. Ele achava que a moça
tinha mais de 18 anos, ele acreditava sinceramente que todo mundo que estava naquela boate
tinha mais 18 anos. Ele se enquadra em erro de tipo. O instituto jurídico a ser manifesto em
benefício desse indivíduo é o erro de tipo. Agora esse erro de tipo pode ser classificado como
inevitável ou evitável? O erro inevitável é aquele em que as pessoas comuns, que o homem
médio, se valendo da razoabilidade que se espera de todo mundo acabaria cometendo. Qualquer
um de nós, pessoas comuns, dentro de uma boate, sabendo que tem que apresentar identidade,
encontrando a noite uma pessoa de compleição física que pode aparentar ter 18 anos ou mais
acreditaria sinceramente que estava praticando o ato sexual com algum adulto. Aquele erro é
inevitável. Doutrinariamente, esse exemplo que eu acabei de criar para vocês, é um exemplo de
erro inevitável. As pessoas comuns incorreriam nesse erro. Qualquer um naquela boate acharia
que todos eram adultos. Então, esse é um erro de tipo inevitável, também chamado de invencível
ou escusável.
Qual é a consequência jurídica do reconhecimento do erro de tipo inevitável? O erro de tipo
inevitável elimina o dolo e a culpa e consequentemente elimina o crime. Se você está diante de
uma situação caracterizadora de erro de tipo inevitável a consequência jurídica é a eliminação do
dolo e da culpa, e se eu elimino o dolo e a culpa, por finalística, eu elimino o crime. Para que eu
tenha um crime, dentro da teoria tripartite, eu tenho que ter tipicidade, antijuridicidade e
culpabilidade, e para que eu tenha tipicidade eu tenho que ter elementos constitutivos desse fato
típico: conduta, resultado, nexo de causalidade, previsão normativa chamado de tipo em sentido
estrito, elemento subjetivo que é o dolo ou a culpa e relevância jurídica social. Ora, o dolo e a
culpa, dentro da vertente tripartite, são partes constitutivas do tipo, e o tipo é o primeiro substrato
constitutivo do crime. Se eu elimino o dolo e a culpa, eu elimino ao final o crime. É por isso que
tanto faz você dizer que o erro de tipo quando inevitável elimina o dolo e a culpa, ou você dizer
que o erro de tipo quando inevitável elimina o crime, você está falando a mesma coisa.
O erro de tipo evitável é aquele erro que o homem médio, o homem comum, com um pouco de
atenção do que se espera de todas as pessoas não teria incorrido. O erro de tipo quando
caracterizado como evitável parte da premissa de que naquela situação concreta o homem
comum com o mínimo de atenção, o mínimo de cautela e zelo que se espera das pessoas
comuns não teria incorrido no erro. O melhor exemplo que eu posso lhe dar sobre erro de tipo
evitável é o exemplo da esteira do aeroporto, porque se espera de todo mundo que pegue a mala
olhar a etiqueta. Espera-se que as pessoas comuns, principalmente aquelas que têm a bagagem
igual a das demais, ao tirar a mala da esteira confiram a etiqueta e se assim não fazem e
incorrem em erro de tipo esse erro de tipo é classificado em evitável. O erro de tipo quando
evitável elimina o dolo restando a possibilidade de responsabilização a título de culpa, mas
apenas se o crime admitir elemento subjetivo culposo. Então quando você está diante do erro de
tipo evitável, o dolo estará eliminado, mas terá que se observar o caso concreto para ver se é
possível o indivíduo responder pela sua conduta a título culposo, mas para isso é preciso que o
crime tenha previsão normativa de ser praticado na modalidade culposa. Se o crime só é doloso e

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não tem previsão em lei para a conduta culposa, acabou e a vida dele está resolvida. Neste
exemplo da mala seria tecnicamente um furto, subtrair coisa móvel alheia, o erro de tipo está
sendo classificado como evitável, elimina-se o dolo, mas não tem como praticar furto culposo,
não existe furto na modalidade culposa, então no final das contas também não haverá crime.
Mas vamos supor que você incorra em erro de tipo e acabe cometendo o crime de receptação.
Você deveria ter tido um cuidado maior, mas acabou não tendo e comprou produto proveniente
de roubo. Nesse caso, o erro de tipo se evitável, elimina o dolo mas você responderia por
receptação culposa, por que a lei prevê modalidade culposa para o crime de receptação.
Pensando na realidade da prova o que pode lhe ser arguido é a conceituação porque para você
fazer efetivamente essa caracterização do erro inevitável e evitável, principalmente do evitável, é
precisa de uma série de sutilezas, uma série de elementos do caso concreto. O que eu
recomendo é que você memorize essa ideia: o erro de tipo evitável exclui o dolo, o dolo
automaticamente está excluído, e aí restará a observação no caso concreto para ver se é
possível ou não o indivíduo responder a título culposo, mas tem que ver se a lei prevê
modalidade culposa para aquele tipo penal.

DESCRIMINANTES PUTATIVAS

- Definição normativa: nos termos do artigo 20, §1º, do CP, é isento de pena quem, por erro
plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a
ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como
crime culposo.
Basicamente nós estamos diante das figuras das descriminantes putativas todas as vezes que o
indivíduo por um erro, por uma falha, até porque descriminante é uma modalidade de erro de tipo,
de um equívoco na interpretação da realidade onde está inserido ele supõe equivocadamente
que pode se valer de uma excludente de ilicitude, quando de fato essa excludente de ilicitude não
existe; quando de fato essa excludente de ilicitude não é manifesta na casuística, não é manifesta
no caso concreto.
Nós estaremos diante na figura das descriminantes putativas todas as vezes que um indivíduo
por falha, equívoco, erro, na percepção da realidade supõe equivocadamente está diante de uma
situação que o permitiria, que o autorizaria a se valer de alguma das excludentes de ilicitude,
quando de fato essa situação autorizadora da excludente de ilicitude não existe.
Vamos pegar alguns exemplos de descriminante putativa e dos exemplos nós voltamos para a
conceituação. Vamos pegar um exemplo acontecido com pessoas que foram nossas alunas.
Desta feita, acontecido com o irmão de uma ex-aluna nossa. Esse fato ocorreu em Belém do
Pará. O indivíduo tinha acabado de passar no concurso para a polícia militar do estado do Pará,
tinha terminado recentemente o curso de soldado e estava em período de estágio de rua. Um
amigo dele de infância, vendo ele chegar em casa à noite resolve fazer uma “brincadeira” se
escondendo atrás de um Mato que ficava na frente da casa do policial para lhe dar um susto.
Quando o policial está entrando em casa este amigo sai de trás do Mato com um pedaço de
madeira na mão gritando que ele vai morrer. O policial sem ver direito de quem se tratava sacou
a arma e deflagrou alguns disparos. Existia uma agressão real? Não. Existia era uma brincadeira.
O amigo ia agredir de fato? Não, ele queria só dar um susto. Se fosse uma situação de agressão
real, aquele policial que estava se defendendo, que estava reagindo, ele estaria agindo em tese
amparado por uma excludente de ilicitude, excludente de ilicitude da legítima defesa. Naquela
situação qualquer pessoa acreditaria que se tratava de uma situação real. Naquele contexto era
razoável qualquer pessoa achar que se tratava de uma agressão real e por isso supôs poder se
valer da excludente da ilicitude da legítima defesa, mas não era uma agressão real. Então aquele
que reagiu se enquadra na figura da descriminante putativa, ou como algumas pessoas preferem
chamar descriminante putativa especificamente uma legítima defesa putativa. Se fosse uma
agressão real seria legitima defesa, mas não era, descriminante putativa.
Beto, funcionário aqui da empresa, tem um canal no YouTube chamado “arrete não”. No dia do
fato, Beto não estava presente pois eu estava no aniversário da sua filha, então o cunhado dele e
mais alguns amigos resolveram gravar uma pegadinha para o canal. Eles se vestiram de La Casa
de Papel e resolveram ir até o Cotel, estabelecimento prisional, e a pegadinha era eles fazendo

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de conta que iam invadir o estabelecimento prisional. A probabilidade de isto dá em problema é
gigante. É óbvio que os policiais reagiram e usaram a força para conter. Era uma invasão real?
Não. Se fosse uma invasão real os policiais estariam agindo acobertados excludente de ilicitude
do estrito cumprimento do dever legal. Não era uma invasão real, mas os policiais achavam que
era, então neste caso eles estavam acobertados pela descriminante putativa, seria o estrito
cumprimento do dever legal putativo.
Tem outro canal de pegadinha em que os atores se vestem como se tivessem acabado de sair do
estabelecimento prisional, colocando inclusive uma tornozeleira falsa e fazem a pegadinha
simulando que vão abordar alguém na rua. Em um dia, gravando esta pegadinha, tinha um
policial civil encostado na frente do seu carro e quando eles se aproximaram, ele já tirou a arma e
colocou na cabeça de um rendendo-o. Se fossem meliantes abordando este policial, ele estaria
agindo em legítima defesa. Não era, mas qualquer pessoa na situação acharia que era. Logo, é
uma situação caracterizadora de descriminante putativa.
Se você observar no livro de Aníbal Bruno, ele dá um exemplo que caiu diversas vezes em
provas. Ele fala de 2 desafetos que se cruzam, João e José, e João diz para José que a próxima
vez que cruzar com ele vai mata-lo, e por causa da ameaça José passa a andar armado.
Algumas semanas depois João tem uma constrição de espírito e resolve que não vai matar mais
ninguém, que vai pedir desculpa a José e vai presenteá-lo com uma bíblia. Ele coloca a bíblia
pequena no bolso do paletó e vai em direção a José. Quando João se aproxima de José, grita
dizendo que tem algo para ele e vai colocando a mão no bolso do paletó, José acha que ele vai
sacar uma arma para lhe matar, saca primeiro e atira em João matando o João, e só depois
descobre que João foi lá para fazer as pazes e lhe dar uma bíblia de presente. Se fosse uma
agressão real, teria legítima defesa. Mas não era, foi uma falha de José ao interpretar a realidade
e achar que eu estava diante de algo que lhe autorizaria agir amparado pela excludente de
ilicitude, quando de fato não existia. Neste caso, nós temos a figura da descriminante putativa.
Para nós observarmos a consequência da descriminante putativa, nós temos que classificá-la
usando o mesmo critério do erro de tipo. A descriminante putativa pode ser classificada em
inevitável ou evitável. A terminologia de sinônimos também vale: inevitável, invencível ou
escusável; evitável, vencível, inescusável. A terminologia mais comum é evitável e inevitável. Se
a descriminante putativa for inevitável, ou seja, o homem comum naquela situação acharia
realmente tratar-se de algo que lhe permitiria agir amparado por uma excludente de ilicitude, essa
descriminante putativa inevitável isenta o agente de pena. Foi o que foi declarado pela justiça em
relação as policiais penais do Cotel. Qualquer policial penal de serviço ali, qualquer pessoa na
verdade reagiria por acreditar que se tratava de invasão ao Cotel e não de uma pegadinha. Então
é uma ação caracterizadora de descriminante putativa de natureza inevitável e a consequência é
a isenção de pena. Como hoje nós temos uma conceituação de crime sempre baseada no
conceito analítico tripartite: crime é um fato típico, antijurídico e culpável; quando você isenta a
pena, ao final você isenta o crime. Mas não vou entrar nesta discussão pois não é momento
oportuno. Eu prefiro que vocês memorizem o que está na letra da lei, pois é assim que ele será
arguido em prova: descriminante putativa quando caracterizada como inevitável ela isenta a pena
do agente.
A descriminante putativa quando evitável ela permite que o indivíduo responda pelo crime
praticado na modalidade culposa caso seja possível a tipificação do delito com base neste
elemento subjetivo. Se não existir, ele não responde por nada. Por exemplo, vamos supor neste
caso do Cotel, os policiais tenham visto as câmeras, mas eles preferiram por excesso agir, seria
uma descriminante putativa evitável. Eu teria que olhar se eles geraram algum tipo de dano, de
lesão corporal as pessoas pra ver se eles poderiam responder ou não culposamente. Se não
tiver, eles não respondem por nada.
Existe outra modalidade de erro que está no parágrafo segundo do artigo 20 que é outra
especificidade de erro de tipo que é o erro produzido por terceiros ou erro induzido por terceiros.
Quando é que eu estarei diante do erro de tipo na modalidade de erro produzido por terceiros ou
erro induzido por terceiros? Eu terei isso quando uma terceira pessoa, outrem que não o
indivíduo, usa aquele indivíduo para praticar um crime no seu lugar. Induz, leva aquele indivíduo
a praticar um crime sem que ele perceba que está fazendo. Mais uma vez recorrendo a doutrina
clássica, nós poderíamos citar o Mestre Magalhães Noronha. Magalhães Noronha quando falava

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de erro induzido, erro produzido por terceiros, ele usava a analogia com a marionete. Ele fazia
essa referência porque exatamente isso que acontece. Uma pessoa se vale de outra, induzindo,
enganando, levando essa outra pessoa a erro para que essa outra pessoa pratique uma conduta
criminosa no seu lugar. Para ficar muito simples de nós visualizarmos, eu vou citar aqui como
exemplo um fato que ganhou uma grande repercussão na imprensa Brasileira e nas redes sociais
que foi o caso de duas brasileiras que estavam em viagem de férias pela Europa, estavam com
passagem de ida e volta, hotéis reservados, elas tinham planejado uma viagem de 30 dias por
vários países europeus, mas o que era um sonho terminou se tornando um grande pesadelo
porque alguém trocou a etiqueta da mala delas no aeroporto de Guarulhos, inclusive, tem vídeo
do indivíduo trocando as etiquetas. Elas despacharam as malas normais, com roupas,
maquiagem, sandália, essas coisas normais de qualquer pessoa, e aí pegaram a etiqueta da
mala delas e colocaram em outra mala cheia de drogas ilícitas. Ao desembarcarem na Alemanha,
a polícia da Alemanha tinha identificado aquela mala, estava com o nome dela, foi lá e prendeu
as 2 e elas passaram um bom tempo presas. Isso é erro produzido por terceiros. Elas já estavam
entrando em um país com drogas, mas elas não estavam, elas estavam sendo usadas como
marionete, alguém as induziu a produzir uma conduta criminosa sem que elas sequer
imaginassem o que estavam fazendo. Isso é erro produzido por terceiros. Nesse caso, responde
o terceiro que induziu a erro. Nesse caso por óbvio, embora elas tenham ficado presas na
Alemanha, se fosse no Brasil elas não teriam responsabilidade penal. Em ficando comprovado
que elas não tinham nada a ver com isso, a responsabilidade é de quem trocou as etiquetas, de
quem colocou a droga na bagagem delas.
Eu conheço um outro caso em que o indivíduo chegou a ficar de 4 a 5 dias preso numa prisão na
Etiópia. Ele tem um sonho de conhecer o Vietnã e como não havia vou direto ele fez algumas
cotações para saber por qual destino ficaria mais barato chegar até lá, então ele comprou uma
passagem saindo de Guarulhos para a capital da Etiópia por uma empresa Etíope, de lá ele iria
para a Indonésia, também pela empresa Etiópe, e de lá ele iria para o Vietnã por outra empresa
aérea. Sabe Deus como, alguém conseguiu embarcar com droga em bagagem de mão e alguém
conseguiu colocar a droga na bagagem de mão dele. Erro produzido por terceiro. Se fosse aqui
no Brasil seria erro produzido por terceiro, quem iria responder seria quem colocou a droga lá.
Nelson Hungria fala do exemplo do médico que deseja a morte de um desafeto que está
internado no hospital. O médico quer que o inimigo dele que está internado morra, e aí o médico
pega e troca ampola da medicação que a enfermeira tem que dar em determinado horário. O
médico substitui a medicação por um poderoso veneno, de mesma embalagem, no mesmo
formato, com a mesma cor. A enfermeira sem saber, pega o veneno coloca na seringa e injeta na
veia do paciente e ele morre. Caso a enfermeira agiu como uma marionete, a enfermeira agiu em
uma situação de erro produzida por terceiro. Quem vai responder por essa morte? O médico, pois
a enfermeira não tem responsabilidade em relação a isso. Aquele que age iludido, enganado,
aquele que age manipulado em um erro produzido por terceiros, esse erro obviamente elimina a
sua responsabilidade penal e o crime recai ao terceiro que induziu ao erro, desde que o indivíduo
não saiba que está sendo manipulado. O erro produzido por terceiro presume que o indivíduo em
momento nenhum percebeu o erro, porque na hora que ele passa a perceber, se ele continuar o
seu ato, aí ele passa a ter responsabilidade penal. Se, por exemplo, neste caso da enfermeira se
ela tivesse percebido que a ampola tinha sido trocada e mesmo assim continuasse aí ela
responderia pelo crime. Para ser erro produzido por terceiros é preciso que em nenhum momento
antes do fim da execução a pessoa tenha percebido que foi manipulada. Neste caso, apenas o
manipulador, aquele que mexe a marionete como falava Magalhães Noronha, o terceiro que
induziu a erro é quem responde pelo crime.

ERRO SOBRE A PESSOA

Nós temos ainda a figura do erro sobre a pessoa. Quando nós estamos falando de erro sobre a
pessoa, nós estamos falando basicamente em uma situação onde o agente delituoso pratica a
conduta contra um indivíduo alfa acreditando que na verdade está atingindo o indivíduo beta. No
erro sobre a pessoa, ou erro quanto a pessoa, delituoso se confunde, o agente delituoso falha na
identificação da vítima que ele pretende atingir. O erro quanto a pessoa presume dolo, presume

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que o indivíduo está agindo com a real intenção de atingir uma determinada vítima só que ele
falha ao identificar a vítima. No erro quanto à pessoa a falha está na identificação da vítima que
se pretende atingir.
Vou dar um exemplo clássico da doutrina que está no livro do professor César Roberto
Bittencourt, que é o exemplo dos irmãos gêmeos. Eu tenho um problema com João e desejo me
vingar matando-o, mas João tem um irmão gêmeo chamado José e eu não sei, eu nunca soube
que João tem um irmão gêmeo. O meu problema é com João, eu quero matar João. Então, eu
vou em busca de João para matá-lo. eu vou em busca de João com animus necandi, com dolo,
com intenção efetivamente de produzir o resultado morte da vítima. Chego em terminado local e
vejo José, irmão gêmeo de João, acho que é João e termino matando José achando que estou
matando o João. Isto é erro quanto à pessoa. Eu queria atingir João, mas eu achei que José era
João. Eu matei um irmão achando que estava matando outro. Erro quanto à pessoa. É isto que
está no parágrafo terceiro do artigo 20 do código penal.
Qual a consequência jurídica do erro quanto à pessoa? No erro quanto à pessoa eu transfiro para
a vítima real, vítima que efetivamente foi atingida, todas as características que o crime teria caso
a vítima originariamente pretendida fosse atingida. Sejam essas características benéficas ou
maléficas.
Suponha que o indivíduo deseja matar a própria esposa, e resolve que vai se esconder dentro de
casa, no escuro, e vai esperar a esposa voltar do trabalho para assim que ela abrir a porta ele
atirar nela. Então ele fica escondido dentro de casa, até que ele ver uma mulher 10 horas da noite
abrindo a porta de casa, acha que a sua esposa, saca a arma e atira. No entanto, não era sua
esposa, mas sim a sua filha que estava voltando da faculdade. Ele matou a filha achando que
estava matando a esposa. Isso é erro quanto à pessoa. Ele falhou na identificação da vítima
originariamente pretendida. Ele tinha o dolo de matar a esposa. Ao identificar o vulto de mulher
que entrava em casa como sendo a esposa dele, ele foi lá e executou seu dolo, mas ele se
confundiu na identificação da vítima e terminou matando a sua filha achando que estava matando
a sua esposa. Erro quanto a pessoa em que transfere se para vítima real todas as características
que o crime teria se a vítima originariamente pretendida tivesse sido atingida.
Eu me lembro de uma questão que usava no instituto do erro quando a pessoa e falava de uma
mãe em estado puerperal. Falava de uma mãe que tinha acabado de dar a luz, que estava em
estado puerperal ainda, foi até o berçário para matar o seu filho recém-nascido. Quando chegou
lá, ela se confundiu e acabou matando o filho de uma outra mulher achando que estava matando
o seu próprio filho, e o questionamento era se ela deveria responder pelo crime de homicídio ou
pelo crime de infanticídio. E a questão dizia que ela deveria responder pelo crime de infanticídio
eu na época muitas pessoas questionaram o porquê disto, eu nem visto aqui o artigo 123 do
código penal diz que o infanticídio é a mãe em estado puerperal matar o próprio filho durante o
parto ou após. Efetivamente neste caso a tipificação correta é de infanticídio, porque
notoriamente nós estamos diante do instituto do erro quanto à pessoa, e a consequência jurídica
é que eu transfiro para a pessoa real todas as características, sejam elas favoráveis ou
desfavoráveis ao réu, todas as características que o crime teria caso a vítima originariamente
pretendida fosse atingida. Se essa mãe estado puerperal tivesse matado o próprio filho seria
infanticídio. Por erro quanto a pessoa ela acabou matando o filho de outra mulher, então ela
responde também pelo delito de infanticídio.

ERRO DE PROIBIÇÃO

O erro de proibição está disciplinado ao teor do artigo 21 do código penal. O erro de proibição
tecnicamente é uma falha do indivíduo quanto aos limites permissivos da norma. No erro de
proibição o indivíduo sabe e o que ele faz em regra corresponde a algo que terá tutela penal,
corresponde à uma definição normativa de crime. Embora saiba que a sua conduta, em regra,
corresponde a descrição de um crime, ele acha que naquela situação específica, ele está diante
de uma exceção autorizada por lei.
No erro de tipo o indivíduo pratica uma conduta a cabeça o que ele acha que está fazendo é um
indiferente penal, ele acha que o que ele faz não corresponde a uma definição normativa de
crime. Já no erro de proibição não. No erro de proibição, o indivíduo pratica uma conduta

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sabendo que, regra geral, aquela conduta corresponde à crime, mas ele acha que naquela
situação específica ele estaria diante de uma exceção, deu uma excepcionalidade que o
permitiria praticar a conduta sem incorrer em crime. É tanto que no direito italiano quando você
pega essa figura do erro de proibição, os italianos ao se referirem ao erro de proibição falam em
erro de excepcionalidade. Alguns doutrinadores portugueses também, principalmente aqueles da
escola de Coimbra, ao se referirem ao erro de proibição usam o termo erro de excepcionalidade.
No erro de proibição eu sei que o que eu estou fazendo, na geral, é crime. Eu suponho está
diante de uma situação excepcional, uma situação que foge à regra da lei que me permitiria agir
sem incorrer em crime, sem ser responsabilizado penalmente embora a minha conduta na regra
seja crime.
A título de exemplo, sem fazer juízo de valor, você tem dúvidas que bater nos outros é crime?
Acredito que não. Tenho certeza absoluta que qualquer um de vocês sabem que não se deve
bater nos outros, porque se você bate em alguém o direito penal vai tutelar, que existe o crime de
lesão corporal tipificado no caput do artigo 129 do código penal brasileiro, ofender com violência
ou grave ameaça a saúde ou a integridade física de outrem. Todo mundo sabe que bater nos
outros é crime, e todo mundo sabe que além de não devermos bater em ninguém, não devemos
muito menos bater em uma criança. Se bater em um adulto é lesão corporal, imagine bater em
uma criança. Imagine você que é pai ou que é mãe e está com seu filho de 9 anos de idade, você
está andando com ele no shopping, o menino para em frente a uma loja querendo um brinquedo
e você diz que não vai comprar e ele se joga no chão fazendo escândalo e lhe desrespeitando, e
o jeito que você encontra (sem fazer juízo de valor) para ele parar é dar umas tapas nele. Nesse
caso, você bateu no seu filho para ele respeitar e para educá-lo. Eu lhe pergunto: você cometeu
crime? Se você me respondeu que não tem crime neste caso você acabou de incorrer em erro de
proibição. Você me disse no começo que qualquer pessoa sabe que bater nos outros é crime, e
se você bater nos outros o direito penal vai bater na sua porta, principalmente se a vítima for uma
criança. Qualquer um sabe que bater numa criança é objeto de tutela penal. Quando você fala
que não é qualquer criança, mas sim a sua, o que você está batendo para educá-la, quando você
fala isso você está pensando que se encontra numa situação excepcional que naquele caso lhe
permitiria bater na criança sem incorrer em crime. No entanto, esta excepcionalidade não existe.
Nós temos a chamada lei menino Bernardo (ou lei da palmada), lei de número 13.010/14 que
alterou o estatuto da criança e do adolescente. Em decorrência das alterações instituídas no ECA
pela lei menino Bernardo nós passamos a ter no ECA a previsão primeiramente do artigo 18-A, o
qual diz que a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de
castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina,
educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos
responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer
pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los. Conforme o parágrafo
único, para fins desta lei, considera-se castigo físico a ação de natureza disciplinar ou punitiva
aplicada com o uso da força física sobre a criança ou adolescente que resulte em sofrimento
físico ou lesão; tratamento cruel ou degradante é a conduta ou a forma cruel de tratamento em
relação à criança ou adolescente que humilhe ou ameace gravemente ou ridicularize.
Tecnicamente falando você não pode usar força física contra o seu filho ou filha que de alguma
forma lhe cause sofrimento físico ainda que transitória. O pai que bate no filho ou filha ainda que
para educá-lo não está acobertado por lei. Por força da lei menino Bernardo a única forma de
educação que você pode ter com seu filho com sua filha conversar, pois a lei não permite a
aplicação de castigo físico, a lei não permite a aplicação sequer de ameaça de castigo físico. Na
regra geral, eu diria que mais de 90% das pessoas comuns tem o conceito de que bater nos
outros errado, mas o pai que bate no filho está educando. Nesse exemplo do shopping em que o
pai bateu no filho ele incorreu em lesão corporal. Ele agiu sabendo que bater nos outros é errado,
mas achando que quando ele bate no próprio filho ele está diante de uma situação permissiva.
Imagine outra situação hipotética. Imagine que o indivíduo resida em um país onde o tráfico de
drogas é crime, onde aqueles que compram e vendem droga em larga escala podem ser punidos
e responsabilizados, mas no país de origem dele se ele estiver vendendo apenas ou comprando
apenas um cigarro de maconha não haveria tipo penal, seria uma situação excepcional e
permitida por lei. Ele resolve vir para o Brasil passar 5 dias de férias, não está habituado com a

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população Brasileira e nem com a legislação Brasileira, e ele compra e repassa um cigarro de
maconha, achando que, embora saiba que no Brasil o tráfico de drogas é crime, aqui é igual ao
país de origem dele que a compra e venda de um cigarro de maconha é possível, excepcional e
não se enquadraria no conceito de tráfico. No entanto, se enquadra. Então, nesta situação nós
também estaríamos diante da figura do erro de proibição.
Erro de tipo: eu acho que tudo o que eu estou fazendo é um indiferente penal.
Erro de proibição: eu sei que na regra geral minha conduta é crime, mas eu acho que eu estou
diante de uma situação excepcional aonde é a prática daquela conduta não produziria
responsabilidade penal.
A descriminante putativa não é a mesma coisa que o erro de proibição. Na descriminante putativa
você acha que pode se valer de uma excludente de ilicitude, quando de fato essa situação não
existe. No erro de proibição você acha que está diante de uma circunstância completamente
excepcional onde na regra geral seu ato é criminoso mas naquela situação específica o direito
penal não vai tutelá-lo quando na verdade vai.
Nos termos do artigo 21 do código penal, o desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a
ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de 1/6 a 1/3.
Traduzindo: O agente sabe que a conduta que está praticando está descrita na lei como crime,
mas se equivoca porque acredita estar diante de uma circunstância autorizadora da prática da
conduta. Sendo o erro de proibição evitável temos um mero redutor de pena. Já o erro de
proibição inevitável isenta a pena do agente.
No exemplo do pai é um erro de proibição inevitável e o pai que faz isso é isento de pena; Já o
erro de proibição evitável, é o caso do estrangeiro que compra e vende 1 cigarro de maconha, é
um mero redutor de pena a ser arguido na terceira fase da dosimetria.

AULA 11

ERRO DE EXECUÇÃO (Aberratio ictus)

Nos termos do artigo 73 do código penal, quando, por acidente ou erro no uso dos meios de
execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa,
responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no §3º do
artigo 20 deste código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia
ofender, aplica se a regra do artigo 70 deste código.
Nós não temos como fazer uma conceituação única no erro de execução, porque na realidade
existem 2 modalidades de erro de execução. Existe o erro de execução de resultado único o
mono resultado, e existe o erro de execução de resultado duplo ou de Poli resultado.

- ERRO DE EXECUÇÃO DE RESULTADO ÚNICO: acontecerá todas as vezes que o indivíduo


identificar corretamente a vítima que ele deseja atingir, mas na hora de colocar o crime em
prática, ele erra e falha ao praticar os atos executórios e acaba atingindo pessoa diversa daquela
que ele pretendia. No erro quanto a pessoa a minha falha está na identificação da pretensa
vítima, diferentemente do que acontece no erro de execução de resultado único. Nessa
modalidade de erro de execução, eu não tenho nenhuma dúvida quanto a identidade da vítima
que eu quero atingir, a minha falha é na hora que eu coloco o crime em prática. Ao desempenhar
os atos executórios eu acabo errando a prática desses atos.
Aqui no estúdio eu estou gravando esta aula com Kelvin e com Júnior. Eles são fisicamente
bastante diferentes e eu conheço bastante a fisionomia dos dois. Então, neste contexto, eu sou
perfeitamente capaz de delimitar quem é Kelvin e quem é Júnior. Imagine que eu estou com raiva
de Kelvin e quero matá-lo, então eu saco a minha arma, aponto em direção a ele, ciclo o gatilho
mas erro o disparo e acabo atingindo o Júnior que morreu no lugar de Kelvin. Isso é erro de
execução. Eu sei quem é a vítima, mas o meu problema está na hora de praticar os atos
executórios.
Cuidado com essa expressão que a doutrina usa de erro na execução de resultado único, para
você não achar que eu errei a vítima e gerei exclusivamente uma outra vítima, que essa vítima
diversa daquela que eu queria só pode ser uma pessoa. Imaginemos uma variação desse

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exemplo que eu lhe dei. Suponha que Kelvin está lanchando em uma das salas do JUS21 e
próximo a ele estão 3 outros funcionários. Eu tenho um problema com Kelvin, quero matá-lo,
aponta a arma para ele e deflagro 3 disparos, mas erro os 3 disparos. Eu não pretendo matar os
demais, eu só quero matar Kelvin, mas atingi os outros 3. Isso continua sendo o erro na execução
de resultado único, em que pese eu ter 3 vítimas. Então cuidado para essa expressão que a
doutrina usa resultado único não lhe induza a erro, não existe não quer dizer que é apenas
possível ter uma outra vida, isso quer dizer que eu não atingi a vítima que eu queria no começo,
mas atingir outra ou outras pessoas por falhar na execução. Código nos diz que a consequência
jurídica será a mesma do §3º do artigo 20, ou seja, a consequência jurídica para o erro de
execução de resultado único é exatamente a mesma consequência jurídica do erro quanto à
pessoa. Se eu tenho erro de execução de resultado único, eu transferirei para a vítima ou as
vítimas reais todas as características, vantajosas ou não para o réu, crime teria caso a vítima
originariamente pretendida tivesse sido atingida.
Vamos imaginar que o pretenda matar Kelvin por uma dívida de R$ 2,00. Notoriamente isso é
homicídio qualificado pela futilidade artigo 121, §,2º, II, do CP. Eu apontei a arma para Kelvin,
efetuei o disparo, errei o tiro e atingi Júnior. Nesse caso, eu vou responder pela morte de Júnior
por homicídio qualificado pelo motivo fútil. Se eu tivesse atingido o Kelvin que era a pessoa que
eu queria eu responderia com essa qualificadora, mas por erro na execução eu atingi Junior.
Transfere-se para a vítima real, Junior, todas as características que o crime teria caso a vítima
originariamente pretendida tivesse sido atingida.
Em que pese a consequência do erro quanto pessoa e do erro de execução ser a mesma, eles
são distintos na sua caracterização. Eu falhei na hora de identificar a vítima, isto é erro quanto à
pessoa; Eu falhei na hora de executar o crime, isto é erro de execução.
No exemplo que eu dei em que Kelvin está lanchando em uma sala e 3 outros funcionários estão
perto dele, em que eu quero matá-lo, mas erros disparos e atingiu as 3 outras pessoas matando-
as, se o motivo de querer matar Kelvin seja por dívida de R$ 2,00, eu responderei por 3
homicídios qualificados pelo motivo fútil. Se eu tenho mais de uma vítima nesta modalidade de
resultado único, para todas as vítimas serão transferidas as características que o crime teria se
eu tivesse atingido Kelvin quer a vítima originariamente pretendida.

- ERRO DE EXECUÇÃO DE RESULTADO DUPLO: é o que está disciplinado na parte final do


artigo 73 do código penal, o qual diz que no caso de ser também atingida a pessoa que o agente
pretendia ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste código. Mais especificamente aplica-se a
regra do concurso formal perfeito de crimes.
Suponha que eu quero matar Kelvin, então saco a minha arma e deflagro 2 disparos em sua
direção. Um dos disparos atingiu Kelvin e o outro disparo atingiu Júnior. Eu não queria atingir
Júnior, eu não pratiquei atos executórios destinados a atingir Júnior. Eu falhei ao executar e eu
falhei porque além de atingir a vítima que eu desejava, eu atingi uma outra pessoa que eu não
queria. Nesse caso, eu tenho erro na execução de resultado duplo.
A consequência jurídica do erro de execução de resultado duplo é que eu vou responder em
concurso formal perfeito de crimes, em que o juiz vai calcular a pena de cada crime e depois vai
observar: se as penas forem idênticas, ele tomará uma delas; se as penas forem distintas, ele
tomará a maior dentre elas. Em qualquer um dos dois casos ele exaspera, ele aumenta essa
pena, de 1/6 até a metade.
Imagine que João está agindo com animus necandi, com intenção de matar Pedro. Então João
deflagra 3 disparos de arma de fogo em direção à Pedro. Desses 3 disparos que são efetuados, 1
atinge Pedro, mas João erra os outros 2 disparos e acaba atingindo José e Lucas que não tinham
nada a ver com a história e só estavam passando ali naquele momento. Perceba que a notória
intenção de matar de João é em relação a Pedro e ele deflagrou a título de execução de crime 3
disparos de arma de fogo, para os atingir o Pedro mas os outros 2 atingiram José e Lucas sem
pretensão. Imagine que como consequência jurídica deste ato Pedro ficou ferido, enquanto José
e Lucas morreram. Neste caso eu tenho inequivocamente erro na execução de resultado duplo. A
parte final do artigo 73 do código penal nos diz que temos que aplicar a regra do concurso formal
perfeito de crimes. Sendo assim, o juiz vai fazer a dosimetria individualizada da pena de cada
crime. Os crimes que eu tenho neste caso são: uma tentativa de homicídio doloso, onde a vítima

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foi Pedro, e 2 homicídios consumados (doloso ou culposo) em que a vítima foi José e Lucas.
Suponha que o juiz, para a tentativa de homicídio, aplicou uma pena de 6 anos; para o homicídio
consumado de José ele aplicou uma pena de 9 anos, e de Lucas uma pena de 12 anos. E daí ele
aplica a regra do concurso formal perfeito de crimes, em que se as penas forem idênticas, ele
tomará uma delas; se as penas forem distintas, ele tomará a maior dentre ela, e em qualquer um
dos dois casos ele aumenta essa pena de 1/6 até a metade. Neste caso, nós temos penas
distintas, então ele vai pegar a maior dentre elas que é a pena de 12 anos. Sendo assim, ele vai
pegar a pena de 12 anos e vai aumentar de 1/6 até a metade. Suponha que o juiz entende que a
exasperação neste caso tem que ser de 1/3. 1/3 de 12 anos equivale a 4 anos. Então, isso
implica dizer que a pena final seria a maior dentre elas, 12 anos + o resultado da exasperação
sentenciada pelo juiz, o que vai totalizar 16 anos de pena privativa de Liberdade.
Para que eu tenha erro na execução de resultado duplo é condição indispensável que o indivíduo
não tivesse intenção originária de atingir todas as vítimas. Imagine a seguinte situação hipotética:
imagine que eu estou com raiva de Kelvin e de Júnior e resolvo que vou matá-los no mesmo
momento. Saco uma arma e atiro em direção aos 2, os 2 são atingidos e os 2 morrem. Isto não é
erro na execução. Isso é concurso formal imperfeito de crimes, porque os desígnios são
autônomos. Eu queria que na mesma conduta, na mesma hora, com o mesmo modo de
execução matar os 2. Nesse caso, o juiz simplesmente soma as penas. No concurso formal
imperfeito de crime aplica-se a regra do cúmulo material de penas, em que as penas serão
somadas.
Para que você tenha uma execução de resultado duplo, é indispensável que o indivíduo tenha
praticado uma conduta em relação a uma determinada vítima e, além de atingir a vítima, ele
tenha atingido também outras pessoas sem que originariamente ele tenha pretendido atingi-las.
Ele falha na execução porque ele age contra um mas acaba atingindo quem queria e outra ou
outras pessoas. Esses crimes produzidos contra outras pessoas podem ser imputados a título
culposo ou doloso, possa ser que ele responda por dolo eventual em que seria necessária uma
análise muito aprofundada do caso concreto; mas é indispensável para ser erro na execução de
resultado duplo que o indivíduo não tivesse a intenção originária de atingir as demais vítimas.

RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO (aberratio criminis ou aberratio delicti)

Nos termos do artigo 74, do Código Penal, fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente
ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por
culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-
se a regra do art. 70 deste Código.
Para que eu tenha resultado diverso do pretendido, eu presumo que a primeira conduta do
agente não objetivava atingir pessoa; a primeira conduta do agente objetivava atingir coisa. No
resultado diverso do pretendido, o indivíduo pratica uma conduta com animus de atingir coisa
(todos os outros elementos que não pessoas, sejam coisas inanimadas ou seres irracionais) e
não pessoa. No resultado diverso do pretendido, a minha conduta destina-se a atingir coisa, res,
e não pessoa. Ao falhar na execução do crime, eu acabo atingindo pessoa ou coisa + pessoa.
Vamos aos exemplos do mestre Nelson dia em que o indivíduo estava em uma loja, foi mal
atendido se sentindo destratado e, ao sair da loja, resolve pegar uma pedra para danificar a
vitrine da loja. Ele quer praticar um crime de dano que está tipificado ao teor do artigo 163 de
código penal. O crime de dano é um crime praticado contra coisa, res, bens, objetos, e não contra
pessoas. Na hora que ele joga a Pedra, ao invés de atingir a vidraça acaba atingindo um
transeunte que estava passando no momento; ele erra o lance e acaba atingindo uma pessoa.
Isso é resultado diverso do pretendido. Nesse caso, ele vai responder por eventuais
consequências geradas para essa pessoa a título culposo. Se a pessoa atingida ficou ferida, ele
responderá por lesão corporal culposa; se essa pessoa veio a óbito, ele responderá por homicídio
culposo. Isso é uma das formas de reconhecimento de resultado diverso do pretendido. A
segunda forma seria: eu jogo a Pedra na vidraça, eu estou agindo dolosamente para atingir a
vidraça, a Pedra quebra a vidraça e a Pedra continua se deslocando e acaba atingindo a perna
de um vendedor que estava no interior da loja e esse vendedor sai ferido. Isso também é
resultado diverso do pretendido, porque neste caso eu atingi a coisa que originariamente eu

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desejava e acabei atingindo também uma pessoa. Nesta situação eu responderia pelo crime de
dano e pela lesão corporal culposa a título de concurso formal perfeito de crimes.
Quando eu estou diante do erro de execução, eu pratico a conduta já querendo atingir pessoa.
Quando eu estou tratando do resultado diverso do pretendido, o meu primeiro ato é para atingir
obrigatoriamente coisa, bens, ou seja, todos os demais elementos que não sejam pessoas
naturais. Ao executar o crime, eu falho e acabo atingindo pessoa, respondendo por esta conduta
a título culposo; ou, eu atinjo a coisa que eu queria e também uma pessoa, em que eu
responderia por ambos os crimes, o segundo sempre culposo, a título de concurso formal perfeito
de crimes.
Vamos supor que o indivíduo está praticando caça ilegal, armado de arma de fogo caçando sem
a devida autorização. Isto é crime ambiental previsto na lei 9605/98, salvo engano artigo 29 da lei
dos crimes ambientais. Então, suponha que eu estou caçando sem a devida autorização e
resolvo que vou matar um animal silvestre. Ao ver o animal, eu aponto a arma para ele e deflagro
disparo. Ao deflagrar o disparo, o disparo atinge o animal, mas alguns estilhaços também acabam
atingindo uma pessoa que estava próximo ao local e eu sequer a vi. Isso também é resultado do
diverso do pretendido, porque a minha primeira conduta foi para atingir coisa, mas além de atingir
coisa que eu queria e também atingi uma pessoa que eu não desejava. Neste caso, eu terei um
crime ambiental doloso e uma lesão corporal culposa, e eu vou responder aos crimes a título de
concurso formal perfeito de crimes. Ou então eu estou caçando, vislumbrei o animal que eu
pretendo atingir, atirei nele mas errei o tiro, o projétil continuou o seu rumo e acabou atingindo
pessoa que estava do outro lado e que eu nem imaginei que poderia atingir. Isso também é
resultado diverso do pretendido. Se essa pessoa morreu, eu respondo pela morte dela a título
culposo.
Então, para você identificar o resultado diverso do pretendido é simples: o indivíduo está
praticando uma primeira conduta objetivando atingir coisa. Ele errou e atingiu pessoa. Resultado
diverso do pretendido. Ele responde por aquilo que acontecer com a pessoa a título de crime
culposo. Se ele atingiu a coisa o que ele queria e a pessoa, ele responde pelos 2 crimes a título
de concurso formal perfeito, e sempre a consequência gerada para pessoa lhe será imputada
culposamente.
Imagine que você joga uma Pedra na vitrine, quebra a vitrine, mas a Pedra também acaba
quebrando uma televisão que está dentro da loja e que eu não imaginei acertar. Isso é resultado
diverso do pretendido? Não. Isso é crime único de dano, ainda que eu tenha 2 objetos que foram
destruídos. Eu só terei o instituto do resultado diverso do pretendido todas as vezes que o
indivíduo pratica uma primeira conduta objetivando atingir res, coisa, e erra e atinge pessoa; ou,
atinge a coisa e também uma pessoa.
- Erro quanto à causa geradora do resultado (Aberractio causae)
Diferentemente de todas as outras modalidades de erro, o erro quanto à causa geradora do
resultado não tem previsão normativa. É um entendimento extremamente consolidado na doutrina
e também na jurisprudência.
O erro quanto à causa geradora do resultado ocorre quando o agente delituoso tiver uma
intenção, vontade de atingir um determinado resultado através de uma causa e, ao final de todo o
processo delituoso, consegue efetivamente atingir o resultado pretendido, mas por outras
consequências que originariamente o agente não tinha imaginado.
Imagine que eu quero matar Kelvin, dei um tiro nele, ele cai fica imóvel ao chão, eu tenho certeza
que ele morreu, então eu pego o corpo dele e jogo no Rio para ocultar o cadáver. Futuramente
quando descobrem o corpo dele e ele é submetido à perícia cronotanatoscópica descobrem que
ele não morreu do tiro que eu efetuei. Na verdade, quando eu o joguei no Rio ele estava
inconsciente e ele acabou morrendo afogado. Eu queria matá-lo de tiro, e ele morreu, mas não do
tiro, ele morreu do afogamento. Isso é erro quanto à causa geradora do resultado.
No erro quanto à causa geradora do resultado eu atinjo o meu objetivo delituoso previamente
pretendido, mas eu desejava atingir por um caminho, uma causa, e eu acabo atingindo este
resultado por outro caminho, por outra causa que não me era necessariamente pretendida.
Inclusive, para que eu tenha aberratio causae, necessariamente eu tenho que ter dolo.
Eu me lembro do caso de um indivíduo que foi condenado por ter matado a própria esposa, ele
atirou 2 vezes na cabeça da esposa e depois para simular um acidente, colocou a mulher dentro

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do carro e acelerou, com ele fora do carro, e o carro entrou na represa em São Paulo. Quando
resgataram o corpo, a perícia constatou que ela tinha levado 2 tiros na cabeça, mas quando o
carro foi jogado na represa ela estava viva e acordou, mas não conseguiu se soltar do carro e
morreu por afogamento. Aberratio Causae.
A doutrina e a jurisprudência tratam essa situação entendendo que neste caso a consequência
jurídica é que o agente delituoso responde pelo crime com base no dolo geral, ou seja, no animus
inicial do agente. Em existindo aberratio causae, nós devemos analisar o crime sob o prisma do
dolo inicial. É por isso que o aberratio causae só pode se manifestar se o crime for doloso.
Se eu Mato de tiro, é homicídio simples. Se eu Mato afogado, é homicídio qualificado. O
afogamento é uma forma de asfixia mecânica, e se eu Mato por asfixia, eu me enquadro na
hipótese de homicídio qualificado do artigo 121, §2º, inciso III. Então, se eu atiro em Kelvin, jogo o
corpo dele no rio e ele morreu não dos tiros, mas sim de afogamento, eu respondo pelo homicídio
simples.
Se eu atiro em uma pessoa e jogo o corpo dela no rio e ela morre não dos tiros, mas sim de
afogamento, eu não respondo pela ocultação de cadáver. A ocultação de cadáver não pode ser
caracterizada neste caso porque não tem objeto. Para ocultação de cadáver existir é preciso
existir o cadáver. E, se ao jogar o corpo da pessoa no rio, ela não estava morta e morreu de
afogamento posteriormente, eu não tinha cadáver.
AULA 12
Na aula de hoje nós vamos começar a conversar com vocês acerca dos excludentes de ilicitude
ou excludentes de antijuridicidade. Tanto faz você chamar de excludente ilicitude ou excludente
de antijuridicidade, os termos aqui podem ser tidos como sinônimos. Eu chamo de excludente de
ilicitude porque é a forma mais comum, mas corriqueira desses institutos serem tratados pelas
provas e também pela jurisprudência tanto do STJ quanto do STF.
Para nós começarmos a tratar desse tema eu gostaria de relembrar com vocês 2 detalhes acerca
da teoria geral do crime. O primeiro deles é que hoje para nós conceituarmos analiticamente o
que é um crime obrigatoriamente por força de ser esse o entendimento dos tribunais superiores e
também da doutrina majoritária nós temos que adotar a vertente tripartite ou tripartida. O
conceito, o reconhecimento analítico de crime hoje no direito penal brasileiro deve ser aferido
com base na teoria tripartite que me diz que um crime é composto de 3 substratos sequenciais: é
um fato típico, esse fato típico tem que gozar de ilicitude ou antijuridicidade e ele também há de
ser culpável, ou seja para que nós termos um crime, eu tenho que ter um fato típico, ilícito e
culpável. Um segundo detalhe da teoria geral do crime que eu já quero começar aula de hoje
relembrando a vocês é o seguinte: essa transição, ou essa correlação entre os elementos
constitutivos do crime, ou seja, essa correlação entre os elementos constitutivos do crime, ou
seja, essa correlação entre o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade ela sempre deve ser feita
com base em uma teoria chamada de teoria da indiciariedade também conhecida como Teoria da
ratio cognoscendi.
O ordenamento jurídico brasileiro quando estabelece a correlação entre cada um dos substratos
do crime: um fato típico, ilícito e culpável, você obrigatoriamente deve se valer, deve se utilizar
das regras da teoria da indiciariedade, também conhecida classicamente como teoria da ratio
cognoscendi. Essa teoria diz que a quem acusa outrem da prática de um crime cabe provar o fato
típico com seus elementos constitutivos. Para que você possa exercer o múnus acusatório, ou em
bom português para que você possa apontar o dedo para alguém e dizer que se alguém cometeu
um crime, você tem o encargo de provar no sentido de demonstrar concretamente a existência de
um fato típico e seus elementos constitutivos. Após a demonstração da existência de um fato
típico, nós passamos a presumir indícios de ilicitude e, não sendo desnaturada essa ilicitude, nós
vamos também presumir indícios de culpabilidade. Essa é a lógica por trás da teoria da
indiciariedade.
Suponha que beto cometeu um crime. Pela teoria analítica tripartite, crime é um fato típico, ilícito
ou antijurídico e culpável. Se eu estou dizendo que Beto cometeu um crime, eu tenho o encargo
de demonstrar o fato típico, e para que eu possa demonstrar o fato típico, eu tenho que
demonstrar a existência dos seus elementos constitutivos. Para que eu tenha um fato típico,
segundo a jurisprudência consolidada do STJ e do STF e também segundo a doutrina
amplamente majoritária, para que eu tenha fato típico eu preciso ter 6 elementos constitutivos e

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indissociáveis. O reconhecimento hoje dentro da teoria analítica tripartite do fato típico presume a
identificação de 6 elementos que lhes são indissociáveis. Para que eu tenha um fato típico eu
preciso ter uma conduta, resultado, nexo causal entre essa conduta e o resultado, a quem chame
de relação de causalidade, previsão normativa, que é aquilo que alguns doutrinadores, como é o
caso do mestre Guilherme de Souza Nucci, chama de tipo em sentido estrito; eu tenho que ter o
elemento subjetivo, esse elemento subjetivo é o dolo ou a culpa; e nós temos que ter a relevância
jurídica social.
A conduta pode ser uma ação ou omissão; a minha conduta pode ser baseada em fazer alguma
coisa ou deixar de fazer alguma coisa. Essa conduta tem que gerar obrigatoriamente um
resultado; lembrem-se do artigo 13 do código penal, em que fala “o resultado do qual depende a
existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa”. Algumas pessoas dizem que
existem crimes sem resultado, mas não existe. Todo crime tem resultado. Lembrando que
existem 2 modalidades de resultado: existe um resultado formal também chamado de normativo
que está presente em qualquer crime e, além do resultado formal, o delito pode ter também o
resultado material conhecido como naturalístico, mas tem que ter pelo menos o resultado formal.
Então eu tenho que ter uma conduta, um resultado e entre essa conduta e esse resultado deve
existir uma relação direta de causa e efeito. A essa relação direta de causa e efeito nós damos o
nome de nexo causal. O reconhecimento do nexo causal, à luz do direito penal brasileiro, é feito
com base na teoria da equivalência dos antecedentes causais. Segundo a teoria da equivalência
dos antecedentes causais, a conduta tem que diretamente ter gerado o resultado. Se houver
qualquer quebra nessa relação direta de causa e efeito o indivíduo não responde pelo resultado.
É o que acontece quando você tem as chamadas concausas: concausas supervenientes,
concomitantes ou antecedentes. As concausas é aquilo que quebra a relação entre a conduta e o
resultado, que quebra o nexo causal e impede que o indivíduo responda pelo resultado
naturalístico caso ele exista. Além de conduta, resultado e nexo causal, nós temos que ter
previsão normativa. Aquela conduta tem que estar taxativamente, formalmente descrita em lei
como crime. Esta conduta tem que ter sido praticada ou com dolo ou com culpa, eu tenho que ter
o chamado elemento subjetivo do tipo. É tanto que existem situações que excluem o elemento
subjetivo do tipo e consequentemente excluem o crime, um dos exemplos que nós já estudamos
em aulas anteriores é o instituto da culpa exclusiva da vítima, em que são situações onde o
indivíduo agiu sem dolo e sem culpa e, se não tem dolo e não tem culpa consequentemente não
tem crime. Outra situação que nós também já estudamos neste módulo: o erro essencial de tipo
inevitável ou invencível. Quando eu tenho o erro essencial de tipo inevitável, eu excluo o dolo e a
culpa e, consequentemente, eu excluo o crime, porque para ter fato típico tem que ter elemento
subjetivo. Por fim, tem que ter relevância jurídica social. Se não existir essa relevância eu caio no
princípio da insignificância ou criminalidade de bagatela. Se eu excluo essa relevância jurídica
social, se eu digo que uma conduta é insignificante não haverá crime em decorrência da teoria da
criminalidade de bagatela ou do princípio da insignificância. Então, para que eu tenha um fato
típico, eu que estou acusando tenho que demonstrar a existência desses 6 elementos
constitutivos e que são cumulativos; eles precisam estar presentes juntos porque a ausência de
um desses elementos desnatura o fato típico e, consequentemente, exclui a possibilidade de
reconhecimento de crime. Mas, se eu demonstro que o fato típico existe, com base na teoria da
indiciariedade ou ratio cognoscendi presume-se que a ilicitude está manifesta e é aí é o detalhe
para você entender o que me diz a teoria da indiciariedade. O fato típico está demonstrado por
quem acusa? Está. Quem está exercendo esse ônus primário da acusação demonstrou
casuisticamente os 6 elementos constitutivos do fato típico? Sim. Então, se o fato típico está
demonstrado presume-se a existência da ilicitude. E aí passa a ser encargo da defesa acusado
demonstrar se for possível a manifestação de alguma situação que exclua essa ilicitude, e essas
situações que excluem a ilicitude é justamente o que vamos tratar na aula de hoje.
Se eu estou acusando o Beto de ter cometido um crime, eu demonstro o fato típico. Se eu
demonstrar o fato típico o meu trabalho acabou, porque estará presumida a ilicitude. Caberá a
defesa do réu, caso seja possível, mostrar que a ilicitude está excluída por algum dos
excludentes previstos em lei ou jurisprudência. Se a defesa não conseguir demonstrar a
existência de alguma excludente de ilicitude estará presumida a culpabilidade. Também passa a
ser encargo da defesa, se possível, demonstrar a existência de algum excludente de

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culpabilidade. É como ensina o mestre César Roberto Bitencourt que disse ao se referir da teoria
da indiciariedade: a demonstração do fato típico é objetiva no sentido de que eu tenho que
demonstrar que os elementos do fato típico estão presentes; já a exclusão da ilicitude e da
culpabilidade é negativa porque passa a ser encargo da defesa demonstrar a existência de uma
situação excepcional que eliminaria a ilicitude, já que a ilicitude é presumida; e, não sendo
possível eliminar a ilicitude, encontrar uma situação excepcional que eliminaria a culpabilidade.
Não sendo possível o crime está caracterizado. Tem um outro detalhe que é dos ensinamentos
do mestre Eugênio Pacelli que diz o seguinte: a teoria da indiciariedade fala que comprovado o
fato típico a ilicitude e a culpabilidade são juridicamente presumidas, e você não precisa provar
presunções jurídicas. A acusação não precisa se preocupar em provar nem a ilicitude e nem a
culpabilidade porque se elas são presumidas nós não temos a obrigação de provar as
presunções jurídicas. Caberia a quem porventura queira eliminar a ilicitude, caberia a quem
queira eliminar a culpabilidade demonstrar a existência ou de uma excludente de ilicitude ou de
uma excludente de culpabilidade. É a lógica por trás da teoria da indiciariedade.
Imagine a seguinte situação hipotética: eu estou quieto, sem perturbar com ninguém, gravando
essa aula e, de repente, Beto parte pra cima de mim pra me matar. Beto se revolta com alguma
coisa que eu disse, pega uma foice e avança em cima de mim para torar minha cabeça. Para não
ser morto por Beto eu saco a minha arma, atiro nele e ele morre. O Ministério público, como se
trata de homicídio a ação é penal pública incondicionada, oferece uma denúncia em meu
desfavor me acusando da prática de homicídio. O que é que o Ministério público tem que
demonstrar na denúncia? O Ministério público tem que demonstrar a existência de um fato típico.
Teve conduta? Teve. Eu saquei uma arma e atirei em Beto. Teve resultado? Teve. Beto morreu?
Tem nexo causal? Tem. Beto só morreu por causa do tiro que eu dei nele? Tenho previsão
normativa? Tem. Matar alguém tem pena de reclusão de 6 a 20 anos previsto no caput do artigo
121 do código penal. Tem elemento subjetivo? Tem. Dolo. Eu atirei nele de caso pensado,
dolosamente. Tem relevância jurídica social? Tem. Uma pessoa morreu. O Ministério público é
capaz de demonstrar nesta situação os elementos do fato típico. Feito isso, pela teoria da
indiciariedade, está presumida a ilicitude dos meus atos. Aí a bronca deixa de ser do Ministério
público. Se a teoria da indiciariedade me diz que o fato típico estando provado presume-se
ilicitude e depois culpabilidade, e se na teoria geral do processo penal nós aprendemos que as
presunções jurídicas não carecem de serem provadas, o Ministério público não vai se preocupar
em demonstrar ilicitude e nem culpabilidade, isso é uma presunção. Caberá a mim dizer que tem
fato típico, mas eu estou amparado por uma situação excepcional que exclui a ilicitude, eu estou
amparado pela excludente da ilicitude da legítima defesa. Se eu, defesa, demonstro a existência
dessa excludente eu matei a caracterização do crime. O primeiro substrato está caracterizado por
quem acusou, e aí o ônus passou a ser da defesa. A defesa, ao ser arguida, consegue
demonstrar que eu só realizei o fato típico porque estava em uma situação que exclui a ilicitude.
Em tese, eu estaria agindo em legítima defesa. Demonstrada a legítima defesa, a ilicitude está
excluída; e, ao excluir a ilicitude, exclui-se o segundo substrato do crime e, em última análise,
exclui-se o crime. Essa a lógica por trás da teoria da indiciariedade.
Imagine que o indivíduo é oligofrênico, é notoriamente uma pessoa que não tem o controle das
suas faculdades mentais, e no momento que ele estava completamente transtornado por causa
da doença mental ele pegou uma faca, enfiou no pescoço de uma pessoa, e a matou. O
Ministério público entendeu por acusá-lo do crime de homicídio. Então o Ministério público
demonstra o fato típico. Se o fato típico está provado, pela teoria da indiciariedade, estará
presumida a ilicitude. Se a defesa não consegue demonstrar nada que exclua a ilicitude, pela
teoria da indiciariedade, estará presumida a culpabilidade. Será questionado se a defesa não
consegue demonstrar nada que exclua a culpabilidade. Se a defesa demonstrar que o indivíduo é
doente mental que estava completamente fora de si no momento do ato por causa desta
patologia, é caso do caput do artigo 26 do Código Penal, ele é inimputável. A inimputabilidade por
doença mental do caput do artigo 26 do código penal é excludente de culpabilidade. Neste caso,
eu tenho como demonstrar uma situação excepcional que exclui a culpabilidade. Ao excluir a
culpabilidade, eu excluo o terceiro substrato do crime, e eu excluo o crime. Se o Ministério público
acusa alguém e demonstra o fato típico, presume-se a ilicitude e a culpabilidade, a defesa não

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tem nem excludente de ilicitude e nem excludente de culpabilidade, o Ministério público consegue
caracterizar o crime só demonstrando o fato típico.
O fato típico é o que tem que ser provado pela acusação. Estando provados os elementos do fato
típico, pela teoria da indiciariedade ou da ratio cognoscendi, estará presumida a ilicitude. Se a
defesa não conseguir excluir a ilicitude, estará presumida a culpabilidade. Se a defesa não
conseguir excluir a culpabilidade, estará caracterizado analiticamente o crime, e aí você passa
para a fase da reprimenda penal, porque tendo o crime consequentemente há de se discutir a
pena. Essa é a sistemática por trás da teoria da indiciariedade.
- Modalidades de excludentes:
º Supralegal: são aqueles que embora não previstos na letra da lei são reconhecidos e tidos
como válidos pela jurisprudência. Todo e qualquer instituto supralegal não está escrito na letra da
lei, não está taxativamente normatizado, mas ele é reconhecido e aplicado pela jurisprudência
dos tribunais superiores. É o que acontece com o princípio da insignificância. O princípio da
insignificância não está taxativamente escrito em nenhuma norma jurídica Brasileira, ele não é
normatizado, mas é reconhecido pela jurisprudência e usado no dia a dia. Então, sempre que
alguém lhe falar em institutos, em causas supralegais ele estará se referindo a alguma coisa que,
embora não previsto taxativamente na letra da lei, é tido como válido e aplicável pela
jurisprudência. E nós temos uma causa supralegal de exclusão da ilicitude que é o consentimento
do ofendido em relação a bens jurídicos disponíveis. Qual a lógica por trás desse instituto
consentimento do ofendido em relação a bens jurídicos disponíveis? Existem certas situações
onde o grande interessado na preservação do bem jurídico é o próprio titular dele, e se esse
titular resolve ofender esse bem jurídico ninguém tem nada a ver com isso. Eu recebi um vídeo
de um rapaz que comprou um determinado veículo 0KM em uma concessionária de um
determinado Estado. Nos 6 primeiros meses que ele comprou o veículo, esse veículo ficou quase
4 meses parado na oficina da concessionária. Ele disse a concessionária que não queria mais
esse carro e que queria outro, mas a concessionária ficou enrolando. Teve um momento que
esse indivíduo ficou tão revoltado, que ele parou o carro num dia de sábado, do lado oposto da
rua da concessionária, desceu e começou a quebrar o carro dele todinho, ia falar num megafone
que as pessoas não deveriam comprar este carro. Esse indivíduo pode ser responsabilizado
penalmente? Quem é o maior interessado em preservar o próprio patrimônio? O dono. Se o dono
que é o maior interessado resolveu quebrar o próprio carro, ele está dispondo como bem entende
de algo que lhe é possível. Eu cito esse exemplo porque o indivíduo quebrou o próprio carro com
pedradas e não com fogo. Se ele tivesse tocado fogo no próprio carro já mudava, porque ele
incorreria em crime de incêndio e incêndio é crime de perigo abstrato, e não existe causa
supralegal de exclusão de ilicitude de consentimento do ofendido em crimes de perigo abstrato.
Imagine que ele não tivesse força suficiente, que fosse uma pessoa idosa, e chama alguém para
lhe ajudar a quebrar o carro, e a pessoa quebra o carro dele porque ele mesmo pediu? Tem fato
típico? Sim, mas neste caso eu tenho uma excludente de ilicitude supralegal. O dono do carro
consentiu que o seu bem disponível fosse destruído. Quem, porventura, venha numa situação
dessa, atendendo ao pedido do proprietário do veículo, quebrar o carro, não incorreria em crime
por causa da causa supralegal de exclusão de ilicitude. E qual seria a causa? O consentimento
do ofendido em relação a bens jurídicos disponíveis.
Imagine que eu procuro um tatuador pedindo para que ele tatue o meu braço completo com o
nome de uma pessoa que eu estou apaixonado. Um mês depois, o relacionamento acaba e eu
digo que o tatuador cometer uma lesão corporal em mim. Perceba que fato típico tem, mas ele
não cometeu crime porque existe uma situação que exclui a ilicitude da conduta que é uma causa
supralegal. A minha integridade física superficial é um bem disponível. Eu consenti a ofensa a um
bem jurídico disponível e quem fez a tatuagem agiu amparado por uma excludente de ilicitude
supralegal: consentimento do ofendido em relação a bens jurídicos disponíveis.
Imagine um casal que no ato sexual gosta de práticas sadomasoquista. Tem lesão corporal? Em
tese, não. Se for uma ofensa a integridade física superficial na hora do ato sexual entre pessoas
capazes de consentir, o que você tem é um consentimento do ofendido em relação a bens
jurídicos disponíveis. Sendo assim, não tem crime por exclusão de ilicitude que é uma causa
supralegal de exclusão de ilicitude. Mas perceba que você tem que estar dentro da chamada
razoabilidade do homem médio. O que seria essa razoabilidade do homem médio: uma coisa é

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por um fetiche sexual uma pessoa pedir para que o outro bata na hora do ato, outra coisa seria se
um chegasse para o outro e pedisse pra levar uma facada. A tapa, o murro, o beliscão, que só
venha a ofender a integridade física superficial obviamente encontra-se dentro daquela
razoabilidade do homem comum do bem jurídico disponível. Agora se uma pessoa pede uma
facada, pede pra que lhe seja dado veneno, pede pra arrancar a cabeça dela fora, isso não seria
razoável à luz do homem médio e nem seria bem disponível, é por isso que sempre que você
está analisando essa causa supralegal de exclusão de ilicitude do consentimento do ofendido em
relação a bens jurídicos disponíveis você tem que analisar as particularidades do caso concreto.
Essa ideia do bem ser disponível é sempre arguida a luz do bom senso, da lógica e da
razoabilidade do homem comum.
Para que eu tenha essa causa supralegal eu tenho que observar algumas características
especificas do ofendido, da pessoa que está consentindo. O ofendido deve ter total e completo
discernimento sobre a extensão e consequências do seu consentimento e deve estar no pleno
exercício das suas capacidades e vontades. Vamos pegar o exemplo do tatuador. Suponha que
eu chegue no tatuador e peço pra ele tatuar o meu curso e enquanto ele me tatuou eu pego no
sono, e ao acordar percebo que ele tatuou não só o meu pulso, mas o meu antebraço todo. Neste
caso, ele responderá por lesão corporal. O tatuador não pode alegar o consentimento do
ofendido, porque eu não tinha o total e completo discernimento sobre a extensão do que ele
estava fazendo. Eu consenti que ele tatuasse o meu pulso e não o meu antebraço. A mesma
coisa é o indivíduo que vai praticar o ato sexual com outra pessoa, pergunta se pode bater no
rosto da outra pessoa, e a pessoa diz que sim, mas a pessoa ao invés de dar o tapa sufoca a
pessoa até que ela apague e desmaie. Neste caso, já não cairia no instituto do consentimento do
ofendido, porque extrapolou o conhecimento do ofendido sobre a extensão e consequências do
seu consentimento. O consentimento do ofendido só será válido se ele estiver no pleno exercício
das suas capacidades e vontades. O indivíduo tem que ser capaz de consentir. De acordo tanto
com a jurisprudência quanto com a doutrina, você não vai arguir esse pleno exercício com base
na idade. É óbvio que se você estiver tratando de menores impúberes, de crianças em tenra
infância, estes não têm condição de consentir nada. Mas vamos imaginar que estamos tratando
de uma pessoa que tenha 14 anos que está praticando ato sexual consentido com um adulto e
pede para levar uns tapas na hora do ato sexual. É possível que ela tenha plena capacidade de
consentir? Sim. Se a lei presume que ela tem plena capacidade de praticar o ato sexual, não tem
crime. Essa arguição foi na capacidade e vontade para consentir tem que ser feita
casuisticamente. Por exemplo, vamos supor que você esteja tratando de uma pessoa que está
completamente entorpecida. Uma pessoa embriagada, entorpecida, nada que ela consinta vai ter
validade, pois ela não está no pleno exercício de suas capacidades cognitivas. A pessoa chega e
encontra alguém que está completamente embriagada e essa pessoa que está completamente
embriagada diz que quer que ela faça uma tatuagem nela e o indivíduo faz há sim crime de lesão
corporal, in porque é óbvio que uma pessoa completamente embriagada não tem capacidade de
consentir nada. A mesma lógica seria em relação a alguém oligofrênico, alguém em surto
psicótico, alguém em um momento de profunda depressão emocional, existe uma série de
situações e aí a necessidade de se fazer uma análise casuística, existe uma série de situações
que deixam claro que o indivíduo não estava na sua plena capacidade de consentir e se ele não
tem essa plena capacidade de consentir o seu consentimento não é válido e consequentemente
não existirá essa excludente de ilicitude.
O que normalmente eu vejo em provas quando se quer arguir essa causa supralegal de
excludente de ilicitude são crimes patrimoniais. Um exemplo que, inclusive, eu já vi cair variações
dele em provas é o seguinte: o indivíduo recebeu de presente uma camisa, ou então um perfume
muito caro da ex-namorada e levou pra casa. A atual namorada, ao chegar na casa dele, o
questiona sobre o perfume e ele diz que ganhou da sua ex-namorada. A sua atual namorada diz
que não gostou disso e que vai quebrar o perfume e ele diz que ela pode quebrar. Dias depois o
relacionamento acaba e ele a acusa de crime de dano. É óbvio que existe a excludente de
ilicitude. O patrimônio é um bem jurídico disponível; ele é uma pessoa capaz de consentir a
ofensa a esse bem jurídico disponível, houve o consentimento, ele sabia que ela ia quebrar e ele
deixou. Então, esse consentimento do ofendido há de ser reconhecido como causa supralegal de
exclusão de ilicitude.

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º Normativas: são 5 excludentes normativos que temos no Brasil hoje. Um excludente normativo
precisa estar taxativamente previsto em lei. No artigo 23 do código penal, nós temos
taxativamente previsto 4 excludentes previstos: estado de necessidade, legítima defesa, estrito
cumprimento do dever legal e exercício regular do direito. No artigo 218-C do código penal nós
também temos uma excludente de ilicitude. Então nós temos, normativamente falando, 5
hipóteses de exclusão de ilicitude taxativamente previstas em lei.
- Estado de necessidade: nos termos do artigo 24 do código penal, considera-se em estado de
necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade,
nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não
era razoável exigir-se. Conforme o parágrafo primeiro, não pode alegar estado de necessidade
quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. O parágrafo segundo diz que embora seja
razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de 1 a 2/3.
Para que você tenha o estado de necessidade, você precisa estar diante de um perigo atual e
esse perigo atual não pode ser decorrente diretamente de agressão humana. O perigo atual é o
perigo manifesto, é o perigo que já tem concretude, é o perigo perceptível sensorialmente, ou
seja, dos sentidos, da visão, do olfato, do paladar, da audição. O perigo atual é aquele perigo que
existe. O perigo para ser atual não precisa necessariamente ter atingido o indivíduo, basta que
ele seja concreto. Por exemplo, vamos imaginar que eu estou andando em uma rua, estou em
uma esquina e avisto na outra esquina um cão bravíssimo que se soltou e está vindo em minha
direção. Existe um espaço de 300 m entre mim e o animal. O perigo já me atingiu? Não, mas eu
estou vendo, ele é concreto, ele existe. Esse perigo atual não pode ser derivado de agressão
humana direta. O perigo atual que permite o reconhecimento no estado de necessidade é
derivado de qualquer outra circunstância, de qualquer outra situação que não agressão humana
direta. Agressão humana direta vai justificar a legitima defesa.
Suponha que eu estou aqui gravando esta aula e um dos ar-condicionado da sala começa a
pegar Fogo. As chamas ainda não me atingiram, mas eu estou vendo o ar-condicionado pegar
fogo. O perigo já é concreto, já é perceptível sensorialmente, é um perigo atual que não é
derivado de agressão humana direta.
Lembrando que nós temos a figura do perigo atual e do perigo iminente na legítima defesa.
Algumas pessoas questionam se seria possível estado de necessidade em situação de perigo
iminente. Com todo respeito aos doutrinadores que afirmam que sim, esse não é o entendimento
majoritário e tampouco é a posição aceita pelos nossos tribunais. Para fins de prova, o que eu
recomendo para vocês é: se você estiver analisando o estado de necessidade indique o estado
de necessidade Só é possível em situação de perigo atual.
Outro detalhe que eu jogo relevante chamar a atenção de vocês neste momento: este perigo
atual pode ser contra você ou contra quem quer que seja. Quem se vale do estado de
necessidade, pode usar o estado de necessidade na modalidade in persona ou ex persona. O
estado de necessidade na modalidade in persona é quando eu uso o estado de necessidade para
proteger os meus próprios bens jurídicos; o perigo se manifestou contra os meus bens jurídicos.
Eu vou, em tese, me valer do estado de necessidade para mim mesmo, proteger os meus bens
jurídicos. Mas, pode ser que a situação do estado de necessidade seja para proteger bem jurídico
de outrem. Nesse caso, eu posso me utilizar do estado de necessidade na modalidade ex
persona. Seja para preservar os meus bens jurídicos, seja para preservar bens jurídicos de
outrem, para que eu tenha estado de necessidade eu tenho que ter logo de cara situação de
perigo atual e esse perigo não pode ser decorrente de agressão humana direta.
Um outro elemento fundamental é que a situação de perigo não tenha sido provocada
voluntariamente por quem se vale do estado de necessidade. Quem gera situação de perigo por
sua vontade não pode se valer do estado de necessidade. Quando eu me refiro a quem gera a
situação de perigo por sua vontade eu estou me referindo a quem age com dolo, seja dolo direto
ou eventual. Se eu provoquei o perigo dolosamente, não importa se esse dólar direto ou eventual,
eu não posso me utilizar do estado de necessidade. Suponha que eu vejo um cão bravíssimo
preso na coleira e por ele estar preso na coleira eu começo a provocar ele. Chega um momento
em que o cachorro fica tão agoniado que quebra a coleira e avança em cima de mim. É uma
situação de perigo atual que não deriva de agressão humana direta. Ele está avançando em cima
de mim para me morder, eu mato o cachorro e alego o estado de necessidade? Não, eu vou

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responder pelo crime ambiental, nos termos do artigo 29 da Lei dos crimes ambientais. O
cachorro só avançou para cima de mim porque eu fui provocá-lo. Eu gerei dolosamente a
situação de perigo e, neste caso, foi um dolo direto. Se você gerar a situação de perigo
culposamente, decorrência de uma imprudência, imperícia ou negligência, você pode se valer do
estado de necessidade. Suponha que o ar-condicionado aqui da sala para de funcionar, eu não
tenho a perícia necessária, a técnica necessária nem a destreza para ajeitar o ar-condicionado,
mas eu resolvo fazer uma gambiarra na parte elétrica e, por causa dessa gambiarra, o ar
condicionado começa a pegar fogo e, único jeito que eu tenho de escapar do incêndio é invadir a
sala do vizinho. Eu gerei o perigo? gerei. Por dolo? Não, nem direto e nem eventual. Eu produzi o
incêndio, mas em consequência de uma conduta culposa. Eu fui mexer em algo que eu não tinha
a técnica necessária, fiz uma gambiarra, isso é imperícia. Se eu gero a situação de perigo
culposamente eu posso me valer sim do estado de necessidade desde que os demais elementos
estejam presentes. Agora se eu Gero a situação de perigo por dolo direto, eu queria gerar, ou por
dolo eventual, eu podia evitar e não evitei, o estado de necessidade ficará impedido de por mim
ser arguido.
Não pode se valer do estado de necessidade quem tem o dever jurídico de enfrentar o perigo,
desde que seja possível e razoável que essa pessoa enfrente o perigo. Existem pessoas que em
razão da profissão, no ofício que espontaneamente escolheram desempenhar, tem que enfrentar
situações de perigo. Um exemplo clássico é o do policial e o do bombeiro. Ninguém vai lhe
obrigar a ser policial. Na hora que você se tornar policial, você sabe que vai ter que enfrentar
situações de perigo. O mesmo ocorre para os bombeiros. Se você espontaneamente assume
uma profissão, um encargo, um ofício que traz carreado a essa profissão a necessidade de
enfrentar o perigo, em regra, você não pode alegar o estado de necessidade para se furtar de
cumprir essa obrigação. Em regra, porque tem que ser possível e razoável que o indivíduo
enfrente o perigo. Vou lhe dar um exemplo público e notório acontecido em Pernambuco: nós
temos 2 grandes problemas no litoral da cidade do Recife para quem quer entrar no mar. Eu já
alertologo que você não deve entrar no mar na orla de Boa Viagem, Jaboatão e Piedade. São 3
cidades emendadas: Jaboatão, Recife e Olinda. Primeiro por causa do ataque de tubarão e,
dependendo da área do litoral que você esteja, o mar aqui é muito covarde. Tem uma área aqui,
entre Recife e Jaboatão dos Guararapes, próximo ao hospital da aeronáutica, naquela área da
praia tem um movimento da maré que quando você entra ali, se você entrar no lugar errado a
maré lhe puxa e lhe leva pra alto mar, como se fosse um momento de volta da corrente marinha e
foi justamente ali que aconteceu o que eu vou relatar pra vocês. Tem obviamente Postos de salva
vida na Orla de Boa Viagem, Olinda e Jaboatão toda e nesse local por ser muito comum
afogamento tinha um posto de salva-vidas. Um turista, mesmo tendo aviso de alerta, placas em
todos os locais, ele entrou na água e quis nadar. Porém, ele começou a ser puxado por essa
corrente marinha. As pessoas começaram a acionar o bombeiro. O bombeiro conhecendo o local
começou a nadar por fora dessa corrente marinha, depois se fosse para o meio também seria
arrastado. O bombeiro então sai da água e aciona o jet-ski e resgata o turista, mas, por ele ter
engolido tanta água, não sobreviveu. A família do morto queria que o bombeiro fosse
responsabilizado porque ele começou a nadar e depois saiu da água. Com isso começou a ser
discussão para saber se o bombeiro poderia se valer do estado de necessidade. Nesse caso não
era possível e nem razoável que ele enfrentasse o perigo, porque se o bombeiro entrasse só com
a força dos seus braços naquela correnteza ele morreria também. O bombeiro praticou o
procedimento operacional padrão correto de recuar e solicitar reforços, e quando o reforço
chegou ele foi tentar salvar a vítima. Nesse caso, a tese em favor do bombeiro do estado de
necessidade foi aceita. O bombeiro não foi responsabilizado e a defesa alegou o estado de
necessidade. Em que pese ele ter o dever jurídico de enfrentar o perigo neste caso não era
possível e nem razoável exigir que ele cumprisse com esse dever. Então grave isso: não pode
alegar estado de necessidade quem, em regra, tem o dever jurídico de enfrentar o perigo. Dever
jurídico decorrente da profissão que desempenha, mas é preciso analisar casuisticamente se era
possível e razoável esse indivíduo enfrentar o perigo. Se não fosse possível nem razoável esse
indivíduo enfrentar o perigo, o estado de necessidade pode ser arguido.

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a) Inevitabilidade da conduta lesiva: diante da prova habilidade de dano, o agente não
tem outro meio de evitar o perigo ao bem jurídico próprio ou de terceiro anão ser praticando o fato
necessário.
Quando você está falando em estado de necessidade, você tem que arguir a inevitabilidade da
conduta lesiva. O que é isso? O estado de necessidade só é possível se ficar comprovada a
inevitabilidade da conduta lesiva, ou seja, o estado de necessidade tem que ser o último recurso
do indivíduo, tem que ser aquilo que o indivíduo fez por não ter outro meio de preservar o bem
jurídico. Quando se diz que o estado de necessidade presume a inevitabilidade da conduta lesiva
o que você está dizendo é que o indivíduo ou agia em estado de necessidade o bem jurídico seria
atingido. Imagine que você se depara com um carro estacionado em via pública, no sol quente,
todo fechado e quando você passa do lado você vê que tem uma criança dentro do carro
chorando. Alguém estacionou o carro em via pública que esqueceu a criança dentro do carro.
Você olha para todos os lados e não vê ninguém com a chave do carro então resolve quebrar o
vidro para salvar a criança. Isso é estado de necessidade ex persona. A conduta de quebrar o
vidro do carro seria um dano, mas você não cometeu crime por causa da excludente de ilicitude
do Estado de necessidade. A conduta era inevitável, porque quebrar o vidro do carro, danificar o
patrimônio era o único recurso que você tinha naquele momento para salvar aquela criança.
Agora suponha que o pai parou o carro conscientemente na sombra, em local seguro, e deixou o
filho dormindo no carro e deixou o vidro do carro 2 dedos aberto, estava vendo o carro,
atravessou a rua para comprar uma água de coco, em um ambiente completamente controlado.
Você passa do lado do carro e vê a criança dormindo. A criança não está em sofrimento, nem
acordou, o carro está estacionado em local seguro e na sombra. Você passa do lado e questiona
a criança no carro, mas o pai do outro lado da rua sinaliza que está ali, mas você diz que não
quer saber e quebra o vidro do carro e tira a criança. Isso é estado de necessidade? Não. A
conduta lesiva de danificar o patrimônio poderia ter sido evitada. Você não tinha um risco real.
Mesmo que a criança estivesse acordada e chorando era só você sinalizar para o pai que a
criança estava chorando, porque ele vinha e abriria o carro e tiraria a criança. Neste último
exemplo que eu dei, não haverá estado de necessidade porque a conduta não era inevitável você
tinha outras formas de agir que não produzir lesão a bem jurídico.
b) Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado: impõe a proporcionalidade entre a
gravidade do perigo e a gravidade da lesão causada.
Quando nós estamos em uma situação de estado de necessidade, nós estamos diante de uma
dicotomia de bens jurídicos, ou seja, um conflito entre 2 bens jurídicos. Eu vou ofender um bem
jurídico para preservar outro. Nesse exemplo do pai que esqueceu a criança dentro do carro do
Sol, eu vou preservar a integridade física, a vida da criança, mas para isso eu tenho que danificar
o patrimônio. Para preservar o bem jurídica vida da criança eu tive que ofender ou sacrificar outro
bem jurídico que no caso foi o patrimônio. Eu danifiquei o veículo para salvar a criança. Se eu
tenho o estado de necessidade eu tenho isso e a lei, o próprio artigo 24 do código penal diz que
para que o estado de necessidade possa ser reconhecido deve ser razoável o sacrifício do bem
atingido quando comparado ao bem jurídico a ser preservado. Mas é razoável para quem? Se
você parar pra pensar o conceito de razoabilidade é relativo e mutável, ele muda de pessoa pra
pessoa. Em que pese essa razoabilidade variar de pessoa para pessoa, dela ser individualizada,
o direito penal trabalha sempre com o homem médio, o homem comum, aquele ser teórico que
norteia o direito penal como bem ensinou o mestre Nelson Hungria. Então, quando nós
analisamos o estado de necessidade nós temos que observar essa dicotomia de bens jurídicos,
bem jurídico que foi ofendido e o bem jurídico que foi preservado, e eu tenho que me perguntar
se essa relação é razoável. Não é razoável para mim ou para você, é razoável para o homem
médio que serve de referência ao direito penal, é razoável para o bom senso comum pelo qual o
direito penal deve se pautar.
Imagine a seguinte situação hipotética: imagine que está tendo um incêndio e nesse incêndio eu
tenho que fazer uma escolha: ou eu salvo a minha sogra ou o meu animal de estimação. Vamos
supor que você seja intrigado da sua sogra e o seu animal de estimação seja o amor da sua vida.
Por isso, você deixa a sua sogra morrer queimada e salva o seu animal e você é acusado do
crime de omissão de socorro. Você alega estado de necessidade. É aceitável esse estado de
necessidade? Você, para salvar a vida de um ser irracional, sacrificou uma vida humana. Nesse

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caso, para você o razoável é salvar o cachorro. Porém, essa razoabilidade que usamos para
aferir o estado de necessidade não é individualizada. Para a lógica do direito penal, não é
razoável. O direito penal vai se perguntar o que estava em conflito: vida humana e vida irracional.
O que deve ter mais valor? A vida humana. Para o homem médio, para o ser de referência do
direito penal, o razoável seria salvar a sogra e deixar o animal morrer. Nesse caso, você fez a
escolha e não tem estado de necessidade. Nesse caso você comete crime, mas você terá um
benefício previsto no parágrafo segundo do artigo 24, o qual diz que embora seja razoável exigir-
se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. Quando
você desnatura, desconfigura, quando você não pode reconhecer o estado de necessidade
porque o indivíduo sacrificou um bem que na verdade deveria ter sido preservado o estado de
necessidade está eliminado e tem crime. Mas, se ele vier a ser punido por esse crime, ele poderá
ser beneficiado por uma redução de pena de 1/3 a 2/3.
Vou dar um exemplo clássico do livro de Nelson Hungria: tem um naufrágio e um dos náufragos
pega um baú cheio de joias que trazia consigo e entra num pequeno bote salva-vidas. O limite de
peso do bote já está no extremo. Qualquer peso a mais que colocar no bote ele vai naufragar e,
de repente, o rapaz que está no bote vê um outro naufrago se dirigindo em desespero para o
bote. O único jeito dele salvar o naufrago é se jogar o balde de joias no mar. Mas o que ele faz?
Ele rema o bote para longe do segundo naufrago, deixa ele morrer afogado para preservar o
ouro. Ele alega em sua defesa o estado de necessidade. Porém, não dá. Olha a dicotomia de
bens jurídicos. Para preservar patrimônio ele sacrificou vida humana e isso não é razoável. Nesse
caso, o estado de necessidade foi desconfigurado e ele vai responder por crime com a pena
reduzida como manda o parágrafo segundo do artigo 24 do Código Penal.
Quando você for mensurar a razoabilidade entre o bem preservado e o bem sacrificado você não
deve olhar quantidade, você deve olhar valor teórico dos bens. Eu vou lhe dar um outro exemplo
que também é do livro de Nelson Hungria que é o dos escaladores. Imagine que você tem 10
alpinistas, 10 pessoas escalando uma montanha e todas elas estão presas por uma corda de
segurança. Suponha que durante a escalada tem um abalo sísmico, um desmoronamento e uma
pedra bate nessa corda logo acima do primeiro alpinista e essa corda por causa do choque da
pedra e do peso das 10 pessoas começa a querer se romper. O primeiro alpinista só consegue se
salvar se cortar a corda embaixo dele. Se ele fizer isso ele se salva, mas 9 pessoas morrem. Ele
pode alegar estado de necessidade? Pode! O estado de necessidade está configurado em favor
do alpinista que escapou. Ele preservou vida humana a custa de vida humana. Isso é razoável?
É. Isso pode ser reconhecido como estado de necessidade? Pode. Não interessa que para
preservar uma vida, 9 morreram. O que interessa é que para preservar vida humana, vida
humana foi sacrificada. Agora se um indivíduo mata 9 pessoas para salvar um quadro, ainda que
seja a Monalisa de Leonado da Vinci, ainda que seja a obra mais importante da humanidade, se
ele sacrifica vida humana para preservar patrimônio não é estado de necessidade.

AULA 13

LEGÍTIMA DEFESA: termos do caput do artigo 25 do código penal, entende se em legítima


defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem. Conforme o parágrafo único, observados os requisitos
previstos no caput deste artigo, considera-se também e legítima defesa o agente de segurança
pública que repete agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de
crimes.
Quem está pretendendo se valer da excludente de ilicitude da legítima defesa é porque se
encontra diante de uma situação de perigo que é derivado, que é decorrente diretamente de
agressão humana. Essa agressão humana pode ser contra si ou contra terceiros, mas para que
você discuta a figura da legítima defesa você obrigatoriamente tem que estar diante de uma
situação de agressão humana contra os seus bens jurídicos ou contra bens jurídicos de terceiros.
Da mesma forma que eu falei na aula passada que o estado de necessidade tanto pode ser na
modalidade in persona quanto na modalidade ex persona, ou seja, eu posso me valer do estado
de necessidade para preservar os meus bens jurídicos (estado de necessidade in persona)
quanto para preservar bens jurídicos de terceiros (estado de necessidade ex persona), da mesma

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forma isto acontece no instituto da legítima defesa. Existe a legítima defesa in persona e existe a
legítima defesa ex persona. A legítima defesa in persona é quando eu me utilizo dessa
excludente para preservar os meus bens jurídicos que estão submetidos a uma agressão
humana. A legítima defesa ex persona é quando eu me utilizo da legítima defesa para proteger
bens jurídicos de terceiros. Mas, seja na modalidade legítima defesa in persona, seja na
modalidade legítima defesa ex persona, eu sempre preciso estar diante da figura de uma
agressão humana.
Se você olhar para o caso concreto e ficar em dúvida se é legítima defesa ou estado de
necessidade você deve observar a origem da situação de perigo, a origem da situação de risco.
Olhe de onde está emanando a situação de perigo, contra você ou terceiro, não importa, e use a
seguinte regra: se a situação de perigo for decorrente de agressão humana direta, você vai
pensar em se valer da legitima defesa; se a situação de risco ou de perigo for derivada de
quaisquer outras circunstâncias que não agressão humana direta, você vai pensar em se valer do
estado de necessidade.
Suponha que você está andando numa rua afastada do centro, já em zona rural, de repente você
passa embaixo de uma árvore e sem querer você acaba batendo num enxame de abelha. As
abelhas se agitaram e começaram a vir pra cima de você e você, no desespero, invadiu a
primeira casa que viu para tentar fugir das abelhas. Passada toda a situação você é acusado de
violação de domicílio. É obvio que você vai pensar em uma excludente de ilicitude. Você estava
diante de uma situação de risco, de perigo. Então, essa excludente é uma legítima defesa ou
estado de necessidade? O que você vai alegar em seu favor para desconfigurar o crime de
violação de domicílio? É obvio que você vai alegar que agiu amparado pelo estado de
necessidade. Observe a origem da situação de risco. Qual é a origem do perigo? é qualquer
coisa que não agressão humana direta. Quando a origem do perigo é qualquer coisa que não
agressão humana direta, você vai pensar no estado de necessidade. Volta para o exemplo que
eu dei na aula anterior de que você vê no estacionamento um carro estacionado no sol com uma
criança dentro em desespero, e, para que a criança não morra, você quebra o vidro do carro e tira
a criança de dentro e depois você é acusado de praticar crime de dano por ter destruído o vidro,
nos termos do artigo 163 do Código Penal. Você vai alegar o que em seu favor? Existia um bem
jurídico em risco, em perigo? sim, a vida da criança. Qual a origem desse perigo? é qualquer
coisa que não agressão humana direta. Não existe contra aquela criança agressão humana
direta, mas existe uma situação de perigo. então, você vai se valer do estado de necessidade ex
persona.
Agora você está andando em uma rua e um cão bravio se solta da coleira e avança pra cima de
você. Você, para não ser mordido por ele, saca a arma e atira nele o matando. Mas, depois, você
é acusado de Crime ambiental nos termos do artigo 29 da Lei nº 9605. Qual excludente de
ilicitude você vai arguir em seu favor? Você estava diante de uma situação de perigo? sim. Essa
situação de perigo deriva de agressão humana direta? Não, é uma situação de perigo que deriva
de qualquer outra coisa que não agressão humana direta. Então, você vai alegar em seu favor
estado de necessidade. Agora, se você vai andando na rua e cruza com um desafeto que puxa
uma foice e diz que você vai morrer naquele momento e avança em cima de você pra lhe matar.
Você, para não morrer, dá um tiro nele. Isso é legitima defesa ou é estado de necessidade? Olhe
para a origem do perigo. Agora eu tenho a figura da agressão humana direta. Tem uma pessoa,
um ser humano que quer me matar. Então, agressão humana direta eu vou repelir pela via da
Legitima defesa.
Imagine que você está em uma mesa de bar e um casal que está na mesa do lado começa a
discutir e o rapaz faz menção que vai bater nela e você intervém para impedir usando a força.
Depois, você vai alegar em seu favo legitima defesa ou estado de necessidade? Legitima defesa
de terceiros, ex persona. Aquela moça estava sendo submetida a uma agressão humana direta.
Se você está andando na rua e um desafeto seu vem andando trazendo preso na coleira um cão
bravio e, quando ele vê você, joga o cachorro pra cima de você e você saca uma arma e dá um
tiro no cachorro isso é legitima defesa ou estado de necessidade? Isso é legítima defesa. No
exemplo anterior, eu disse que o cão bravio se soltou e avançou pra cima de você. Neste caso, é
estado de necessidade. Neste último exemplo, eu estou falando que um desafeto, um inimigo,
traz o cão preso na coleira e usa o cão para me agredir. Nesse caso, eu tenho a figura da

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agressão humana direta, pois o cachorro está sendo usado como meio ofensivo. O meu desafeto
poderia estar me agredindo com uma pedra, uma arma de fogo, uma faca, uma foice, um pedaço
de tijolo, mas naquele contexto ele está trazendo o cão na coleira e está usando o cão como
arma. O cão está sendo o instrumento da agressão humana direta. Logo, eu estou repelindo essa
agressão humana direta. Então, eu vou pensar na alegação da legitima defesa.
A letra da lei, nos termos do artigo 25 do Código Penal, diz que quem age em legítima defesa
repela agressão, essa agressão é essencialmente uma agressão humana direta e essa agressão
tem que ser injusta. Devemos entender por agressão injusta a agressão descabida, não
motivada. Agressão injusta é qualquer situação em que com a conduta imediatamente anterior do
indivíduo ela não foi provocada. Por exemplo, eu estou aqui quieto, gravando esta aula pra vocês
e, de repente, alguém abre a porta do estúdio e diz que eu vou morrer neste momento e avança
para me matar, mas eu pego a minha arma e atiro nele. Para ser legitima defesa, eu tenho que
ter uma agressão humana. A agressão humana no exemplo está manifesta. Ela é injusta? Sim. O
que eu fiz de forma imediatamente anterior ao momento da agressão para essa pessoa vim me
agredir? Nada. Eu estou repelindo agressão humana injusta.
Suponha que eu estou gravando essa aula com meu patrão Beto e, no intervalo da gravação, eu
digo pra Beto que vou falar pra ele o que eu acho dele e eu profiro ofensas contra ele. Beto fica
irritado com as ofensas, puxa uma faca pra me matar, mas eu dou um tiro nele e depois alego
legitima defesa. No entanto, eu não posso me valer da legítima defesa. Mesmo que ele estivesse
vindo me agredir e sendo uma agressão humana, ela não era injusta. Beto me agrediu porque na
minha conduta imediatamente anterior eu o provoquei. Quem, com a sua conduta imediatamente
anterior, gera a situação de agressão humana não pode se valer da legítima defesa.
Imagine que eu chego aqui hoje, dou uma tapa na cara de Beto e cuspo na cara dele e Beto fica
possesso, revoltado. Eu vou pra minha casa e Beto vai pra casa dele. Quando Beto chega em
casa ele está tão revoltado que resolve voltar pra bater em mim. Quando ele volta pra me atacar,
pra eu não apanhar, eu dou um tiro nele. Isso é legítima defesa da minha parte? Sim, seria
legítima defesa da minha parte. Eu dei a Beto vontade de me agredir, mas a agressão não foi
imediatamente depois da minha provocação. Beto foi pra casa, saiu do contexto da minha ofensa
e foi embora para outro contexto. Na hora que ele volta, a minha provocação já é pretérita. E, se
a minha provocação já é pretérita, eu posso me valer da legítima defesa. Se eu estou aqui
provocando Beto e Beto avança pra cima de mim e eu atiro nele, eu não estou amparado pela
legítima defesa e nem por nenhuma excludente, porque com a minha conduta imediatamente
anterior eu gerei a agressão. Agora se eu provoco Beto, ele sai daqui e vai lá pra o ponto de
ônibus, 10 minutos depois ele volta pra se vingar, (não é pelo lapso temporal, mas sim porque ele
saiu do contexto da provocação) e eu, pra não ser atingido, reajo, eu estou nesse caso
acobertado em tese pela figura da legítima defesa. Então, se ligue: a agressão tem que ser
humana e injusta. Ela não pode ter sido produzida pela conduta imediatamente antecedente do
indivíduo. Essa agressão pode ser atual ou iminente.
Para que você tenha a figura da legítima defesa, essa legítima defesa é deriva de uma agressão
humana e injusta e essa agressão pode ser atual ou iminente. Eu já expliquei desde a aula
passada o que é uma agressão atual. Agressão atual, perigo atual ou situação de risco atual é
aquela agressão manifesta, que ela existe. Mas o que seria uma situação de agressão iminente?
A agressão iminente é aquela que está em vias de acontecer, que está prestes a acontecer, é
aquela que embora não tenha ganho concretude ainda, não esteja plenamente materializada,
qualquer pessoa se valendo do mínimo de bom senso, qualquer pessoa se valendo do mínimo de
razoabilidade é capaz de perceber que ela vai acontecer. Imagine que você resolver sacar um
dinheiro no caixa eletrônico às 11hrs da noite de um domingo. Quando você está saindo do caixa
eletrônico você percebe se aproximando dois homens numa moto e um deles puxando algo da
cintura. Eles não lhe abordaram ainda, mas você já saca a arma e aponta pra eles. Em tese, isso
é legítima defesa em uma situação de agressão iminente. Eles não anunciaram assalto, mas
qualquer pessoa que tenha o mínimo de bom senso e razoabilidade nesse contexto já consegue
antever que vai ser objeto de um assalto. É isso que chamamos de agressão iminente. É aquela
agressão que está em vias de se manifestar, em vias de acontecer, aquela agressão que
qualquer pessoa usando de bom-senso e razoabilidade consegue perceber que ela vai se
manifestar. “Ah, Geovane, mas pode ser um preconceito seu. Eles podem estar trazendo pra

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você uma mensagem religiosa.” Podem. Mas aí eu cairia na figura do erro de tipo na modalidade
discriminante putativa. Mas, se na hora que eu saco a arma pra eles e realmente fica
caracterizado que é um roubo, realmente fica caracterizado que é uma tentativa de assalto, eu
estou me valendo da legítima defesa.
Houve um caso de uma amiga minha aqui no Recife que 2 ou 3 horas da manhã, saiu de uma
festa, foi deixar as amigas em casa e voltando pra casa passou por um viaduto que tem aqui no
Recife que é ermo, sem casas por perto, e no meio do viaduto dois homens tomaram a frente do
carro dela e fizeram sinal pra ela parar. Ela, sem pensar duas vezes, se abaixou, acelerou o carro
e bateu nos dois. Um caiu do viaduto e o outro foi parar do outro lado com a perna atingida. Mais
na frente, na Avenida Agamenon Magalhães, ela encontrou um uma viatura da Polícia Militar e
relatou o ocorrido. Quando chegaram lá, os dois tinham tornozeleira eletrônicas e um estava
armado. Um já em óbito e o outro ferido. Ela não tinha visto a arma, não tinha visto as
tornozeleiras e não chegou a ser abordada para ter o assalto anunciado. Mas, quem, às 2 ou 3
horas da manhã, num lugar deserto e ermo, duas pessoas tomam a frente do carro, vai achar que
é pra pedir informação? É obvio que qualquer pessoa razoável imagina tratar-se de uma tentativa
de roubo. Pra ela, aquilo se caracterizava como um perigo iminente. Era uma agressão iminente.
Ela não tinha visto a arma, não tinha sido abordada ainda, mas ela estava diante de uma situação
que qualquer pessoa iria antever que se tratava de roubo. Isso é agressão iminente. É tanto que
sequer ela foi denunciada pelo Ministério Público. O Ministério Público reconheceu a
manifestação da legítima defesa, ela foi conduzida até a delegacia, ela não foi autuada em
flagrante porque o delegado também reconheceu a legítima defesa. Então, essa agressão
humana injusta que justifica a legítima defesa pode ser tanto atual quanto iminente. Mas, não
existe legítima defesa de agressão futura, nem de agressão pretérita. Beto chega hoje e dá um
murro em mim. Amanhã, eu vou aonde Beto está e dou um murro nele. Isso é legítima defesa?
Não. Isso é vingança e os dois respondem por lesão corporal. Eu acho que Beto está planejando
me matar, aí vou lá e atiro nele. Isso é legitima defesa? Não. Se você tem medo de ser agredido
e anda com uma faca, por exemplo, isso não é legitima defesa, porque você está projetando uma
agressão futura. A situação de agressão tem que estar, no mínimo, se encaminhando para ser
constituída, ela tem que ser razoável de ser presumida naquela situação.
Suponha uma situação de traição. Suponha que você acha que está sendo traindo pela sua
esposa, que ela está praticando desvio de função afetiva em relação a você. Aí, você a vê
conversando com o personal trainer dela e os dois estão rindo. Isso é perigo iminente ou perigo
futuro? Isso é perigo futuro, não quer dizer que dali vai evoluir pra mais nada. Existe um perigo,
mas isso não quer dizer que você está sendo traído, você pode projetar, mas não tem iminência.
Porém, suponha que a sua namorada diz que vai sair e você resolve segui-la e vê ela subindo na
garupa da moto do personal trainer dela. Você resolve continuar acompanhando e vê que os dois
entraram no motel e estão subindo para o quarto de mãos dadas. Isso é perigo futuro ou perigo
iminente? Isso é perigo iminente. Eles poderiam estar indo pra lá pra assistir ao filme, mas aí
seria discriminante putativa da sua parte. Mas, qualquer pessoa razoável vai imaginar que é
traição. Para que você possa se valer da legítima defesa, a situação de agressão tem que ser
atual ou iminente. Ela não pode nem ser pretérita, porque seria vingança, e nem futura, porque
você não tem como adivinhar.
Algumas pessoas por interpretação equivocada do dispositivo normativo acabam criando
verdadeiras lendas sobre a legítima defesa. Eu vou citar aqui as três lendas mais comuns e você
tem que estar ligado que elas estão erradas. A primeira lenda é que quem se vale da legitima
defesa tem que se valer do mesmo meio de repulsa que está sendo usado como meio de
agressão, ou seja, se você está vindo me agredir de mãos nuas, eu só posso reagir de mãos
nuas; se a pessoa está vindo me agredir com um pedaço de madeira, eu só posso reagir com um
pedaço de madeira. Isso está errado. Isso não tem fundamento. A lei não diz que o meio de
repulsa é moderado, a lei fala que “usando moderadamente dos meios necessários”. A lei que,
quem se vale da legítima defesa, por interpretação de mera língua portuguesa, vai usar os meios
necessários de repulsa de forma moderada. Quem se vale da legitima defesa, pode se valer dos
meios que tem a sua disposição para reagir. A lei não exige proporcionalidade entre meio de
agressão e mio de repulsa. Se Beto parte pra cima de mim de mãos nuas e eu estou armado eu
vou sacar a minha arma e vou reagir. O meio é desproporcional? É, mas a interpretação que

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tanto a doutrina quanto a jurisprudência nos dá desse conceito de meios necessários é os meios
que eu tenho a minha disposição. Se eu só posso me defender com essa caneca, eu vou me
defender com essa caneca. Se eu tenho uma faca, eu vou me defender com uma faca. Se eu
tenho uma arma de fogo, eu vou usar a arma de fogo, ainda que Beto esteja usando um pedaço
de tijolo. O errado não sou eu que me defendo, é ele que me agride. Você vai reagir com o meio
que lhe for mais adequado, mais eficiente pra reagir, até porque se defender com arma branca é
muito mais difícil que se defender com arma de fogo. Não precisa existir proporção entre o meio
de agressão e o meio de repulsa. O meio de repulsa é o meio que me for mais apto e mais
acessível, e o meio necessário. Mas, o uso desse meio necessário é que deve ser moderado. E o
que é que devemos entender por usar moderadamente esses meios de repulsa? Devemos
entender da seguinte forma: eu posso me valer da legítima defesa até o estrito limite de fazer
cessar a capacidade ofensiva do agressor. Uso moderado da legítima defesa significa que eu
posso me utilizar da legítima defesa até o estrito limite de fazer cessar a capacidade ofensiva do
agressor. É por isso que agora eu vou trazer a segunda lenda: as pessoas dizem que se você
estiver reagindo com arma de fogo e você deflagar um disparo será legítima defesa; se você
deflagra dois disparos, deixa de ser legítima defesa. Isso é lenda. A legítima defesa será
considerada moderada quando você se vale nela até o estrito limite de fazer cessar a capacidade
ofensiva do agressor. Dependendo do caso concreto, você pode deflagrar 3 ou 4 disparos e não
fazer cessar a capacidade ofensiva do agressor. Depende do contexto. Dependendo do nível de
adrenalina que o agressor esteja e do tipo de armamento que você esteja utilizando, o agressor
pode levar um tiro e não sentir na hora. Imagine um indivíduo drogado avançando pra cima de
você, você dá 1 tiro e ele não para, 2 e ele não para, 3 e ele continua avançando e só no 4 tiro
que ele cai e para. Isso é legitima defesa? É. É meio moderado? Sim. Eu posso me valer da
legítima defesa até o estrito limite de fazer cessar a capacidade ofensiva do agente agressor.
Quando cessar essa capacidade ofensiva, cessa o meu direto de legitima defesa. Agora claro
que pra tudo tem que ter um bom senso e uma razoabilidade. É sempre casuístico. Suponha que
Beto avança pra cima de mim pra tentar me matar e eu dou um tiro nele, o tiro pega nele e ele
cai. Quando eu chego perto dele, ele diz que ele perdeu e pede pra não matá-lo, mas eu chego
perto dele o mato. Deixou de ser legitima defesa. Tornou excesso punível, e como diz o artigo 23
do Código Penal: em qualquer hipótese de excludente de ilicitude, o indivíduo responde pelo
excesso seja doloso ou culposo. Nesse caso, eu não precisava efetuar o segundo disparo. Ele já
tinha tombado, a capacidade ofensiva já tinha cessado. Se eu chego e dou um tiro de execução,
eu não estou mais em legítima defesa e vou responder pelo crime de homicídio. Então, é isso que
significa usar moderadamente. A terceira lenda: eu só posso me valer de legitima defesa se for
pra proteger a minha vida e a minha integridade física. Deve existir uma proporcionalidade entre o
bem preservado e o bem ofendido na legítima defesa. Isso não existe. Aquela análise de
dicotomia que nós fazemos no estado de necessidade, não existe aqui na figura da legítima
defesa. A legitima defesa se destina a preservar diversos bens jurídicos, não só a vida ou a
integridade física. Eu posso, por exemplo, usar a legítima defesa para proteger patrimônio. Teve
um caso de um conhecido meu, que é CAC, na época existia a figura do porte de trânsito, ele
estava saindo do clube e indo pra casa, com a arma na cintura, obviamente não estava ostensiva,
era porte velado. Quando parou no sinal, os bandidos abordaram ele pra ele descer da moto.
Quando ele desceu da moto e os bandidos iam saindo com a moto, ele atirou no motoqueiro. O
ministério público denunciou por homicídio, mas a tese de legítima defesa foi aceita e nem
pronunciado ele foi. Ele atirou pra recuperar o patrimônio dele. Isso é legitima defesa. Então a
legítima defesa pode sim ser usada para proteger vida e integridade física, mas pode ser usada
para proteger patrimônio, inviolabilidade de domicílio. Teve um caso muito conhecido aqui em
Recife em que a família estava em casa e um vizinho louco de droga, 3 horas da manhã começou
a esmurrar a porta do cara e arrombou a porta completamente nu, e o dono da casa atirou nele e
matou. Isso é legítima defesa, pois ele estava defendendo a integridade do seu lar. Então, a
legitima defesa pode ser usada para defender a maioria dos bens jurídicos. Agora, claro que
existe a regra do bom senso. Imagine que eu estou lá na casa da minha mãe no Crato em que no
quintal tem um pomar. Na época do jambo, os meninos adoram subir no muro pra tirar jambo do
pé. Eu vou atirar num menino que está pegando jambo? Não vou. Não é razoável. Não existiria
legítima defesa por ausência de razoabilidade e não de proporcionalidade.

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A jurisprudência tanto do STJ quanto do STF entende que não cabe legítima defesa nas ofensas
a honra. Por exemplo, se Beto está aqui esculhambando comigo, praticando crime de injúria
contra mim, eu não posso bater nele alegando legítima defesa. Calunia, injuria e difamação não
admitem proteção pela via da legítima defesa. Não cabe legítima defesa nos crimes contra a
honra e não cabe um instituto jurídico extremamente nefasto, é proibido por força jurisprudencial,
que alguns chamavam antigamente de legítima defesa da honra. O que era o fatídico e nefasto
instituto da legítima defesa da honra? Antigamente, alguns homens matavam as suas mulheres e
diziam que matavam pra defender a honra. É o famoso caso de Doca Street. Doca Street foi
inocentado pela primeira vez alegando que matou a esposa dele porque ela queria o deixá-lo. O
STJ e o STF hoje veda de forma absoluta essa legítima defesa da honra.
Ainda que em sede de legítima defesa, nós temos que chamar a atenção para o parágrafo único
do artigo 25 do Código Penal, que é o que hoje é chamado de legítima defesa funcional. Diz a
letra da Lei que observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também
em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a
vítima mantida refém durante a prática de crimes. Isso aqui foi introduzido pelo pacote anticrime
e, pra mim, isso é uma redundância. Basicamente o que esse parágrafo único diz é que se você
tiver um agente de segurança pública que se depare com uma situação de ter alguém sendo
vítima de crime e ele precisa atirar pra salvar essa vítima, ele estaria agindo em legítima defesa,
ainda que não existisse esse parágrafo único, ainda assim seria legítima defesa, seria legítima
defesa ex persone.

ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL E EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

Quando falamos em estrito cumprimento do dever legal estamos falando basicamente o seguinte:
não pratica crime quem faz exatamente o que a Lei determina. Dever legal: a lei manda você
fazer alguma coisa. Se você faz exatamente o que a Lei manda, é uma excludente de ilicitude,
não há crime da sua parte. A doutrina clássica, Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Anibal
Bruno, Pontes de Miranda, quando se referiam a figura do estrito cumprimento do dever legal,
sempre usavam o exemplo do carrasco que nos países que tem pena de morte, executam a pena
de morte. Então, imagine só a pessoa que é responsável por acionar a cadeira elétrica. Está lá o
condenado, existe uma ordem judicial de execução, o cara coloca o condenado lá e liga a cadeira
elétrica. Ele está matando alguém. Os elementos do fato típico estariam caracterizados, mas ele
não comete crime porque ele está em estrito cumprimento do dever legal, ele está fazendo
exatamente o que a lei determina que seja feito. Diferentemente do exercício regular de direito.
No exercício regular de direito, você está exercendo um direito que a lei lhe autoriza. Dever legal
você é obrigado a cumprir. Direito você exerce se você quiser. Se eu faço exatamente aquilo que
a lei me permite fazer, não há crime da minha parte. Imagine que eu resolvo pintar a minha casa
de lilás. Existe algum crime da minha parte? Não. É um direito meu. A lei diz que é a minha
propriedade e eu posso pintar da cor que eu quiser. Se alguém vier me acusar de alguma coisa,
eu estou agindo em exercício regular de direito. É diferente, por exemplo, de um oficial de justiça
que recebe uma ordem de reintegração de posse e vai cumprir essa ordem. Ele está em estrito
cumprimento do dever legal.
Quando um policial saca uma arma e atira num meliante ele não está em exercício regular do
direito e nem em estrito cumprimento do dever legal, ele está agindo em legítima defesa.
Qualquer agente da segurança pública só pode empregar força letal em legítima defesa, própria
ou de terceiros. O emprego de alguns meios menos que letais podem se enquadrar em estrito
cumprimento do dever legal. Por exemplo, tem uma ordem judicial pra desocupar uma rua, está
tendo um protesto e a justiça determinou a desocupação da rua. Os policiais pra desocuparem a
rua vão precisar chegar de cacetete, de escudo, empurrando o pessoal. Isso é estrito
cumprimento do dever legal. É o emprego do meio menos que letal. Agora, pra um policial sacar
uma arma e atirarem alguém ele só pode fazer em legítima defesa, própria ou de terceiros.
Então, não comete crime que faz exatamente o que a lei determina que seja feito: estrito
cumprimento do dever legal; e, não comete crime que exerce um direito previsto em lei: exercício
regular de direito. Por exemplo, eu tenho uma propriedade rural e tenho a posse da arma de fogo
na minha propriedade rural, e a lei me garante o chamado porte estendido. Eu posso trazer

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comigo aquela arma em toda a extensão da minha propriedade. Na frente da cancela da
propriedade tem uma estrada que liga a cidade a um determinado distrito. Certa feita, eu estava
com o meu pessoal dentro da minha propriedade ajeitando a cancela de entrada e estava muito
quente, então eu estava sem camisa, mas com a arma na cintura. Passou uma guarnição da
Polícia Militar, me viram armado e pararam. Verificaram meu documento, viram que estava tudo
certo e foram embora. Eu estava em exercício regular de direito.

MODALIDADE ESPECÍFICA DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE

Prevista no parágrafo segundo do artigo 218-C, o qual típica o crime de divulgação de cena de
estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia. Diz o artigo
218-C do Código Penal: “Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda,
distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa
ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que
contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua
prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena - reclusão,
de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.”
Quem divulga cena de sexo, nudez ou pornografia, de alguém adulto ou capaz, sem autorização
da vítima já comete crime do artigo 218-C. Sabe aquele vídeo que você recebeu de um adulto
fazendo sexo com uma menina de 12 anos de idade e você está compartilhando? É crime da sua
parte. Sabe aqueles vídeos que faz apologia ao estupro? É crime.
Já que eu estou falando de excludente de ilicitude, o que me interessa é o parágrafo segundo, o
qual diz que “Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo
em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso
que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de
18 (dezoito) anos.”
Quando esse dispositivo foi introduzido, eu ministrei aulas no Brasil todo de atualizações para
Delegados e outras instituições. Então, como eu estava dando aula para pessoas que iam lidar
com isso no dia a dia, eu mostrava casos concretos. Eu tinha um arquivo onde eu tinha, por
exemplo, situações onde havia prints de WhatsApp onde o rapaz estava transmitindo imagens de
meninas de 11, 12 anos nuas. A gente manchava o rosto para não ser possível identificar a vítima
e eu usava isso como material didático. Eu estava mostrando aquelas cenas, eu estava com
aquele conteúdo, mas eu estava fazendo aquilo com fins acadêmicos. Essa era uma hipótese
que se enquadrava aqui nessa exclusão de ilicitude.

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