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A escola e a divisão social do trabalho

• O que é a escola nas relações


capitalistas?
• Qual sua funcionalidade oculta?
• Que papeis cabe a escola?
A educação para além do capital

Mészáros, István. A educação para além do


capital. 2. ed. São Paulo : Boitempo. 2008
• “limita as visões do homem. Na situação em que a divisão
do trabalho é levada até à perfeição, todo homem tem
apenas uma operação simples para realizar; a isso se
limita toda a sua atenção, e poucas ideias passam pela
sua cabeça, com exceção daquelas que com ela têm
ligação imediata. Quando a mente é empregada numa
diversidade de assuntos, ela é de certa forma ampliada e
aumentada, e devido a isso geralmente se reconhece que
um artista do campo tem uma variedade de pensamentos
bastante superior a de um citadino. Aquele talvez seja
simultaneamente um carpinteiro e um marceneiro, e sua
atenção certamente deve estar voltada para vários
objetos, de diferentes tipos. Este talvez seja apenas um
marceneiro; esse tipo específico de trabalho ocupa todos
os seus pensamentos, e como ele não teve a
oportunidade de comparar vários objetos sua visão das
coisas que não estejam relacionadas com seu trabalho
jamais será tão ampla como a do artista”.
Deverá ser esse o caso sobretudo quando toda a
atenção de uma pessoa é dedicada a uma dentre
dezessete partes de um alfinete ou a uma dentre
oitenta partes de um botão, de tão dividida que
está a fabricação de tais produtos [...] Essas são
as desvantagens de um espírito comercial. As
mentes dos homens ficam limitadas, tornam-se
incapazes de se elevar. A educação é desprezada,
ou no mínimo negligenciada, e o espírito heroico é
quase totalmente extinto. Corrigir esses defeitos
deveria ser assunto digno de uma séria atenção.
[...] Quando o rapaz se torna adulto, não tem
ideias de como possa se divertir. Portanto,
quando estiver fora de seu trabalho é provável
que se entregue à embriaguez e à intemperança.
Consequentemente, concluímos, nos locais de
comércio da Inglaterra os comerciantes
geralmente se encontram nesse estado
desprezível; o que recebem do trabalho de
metade da semana é suficiente para seu sustento,
e devido à ignorância eles não sc divertem senão
na, intemperança e na libertinagem.'''
(Adam Smith apud Mészáros p. 28 a 30)
o crescimento do número dos pobres [...]
nada mais é do que o relaxamento da
disciplina e a corrupção dos hábitos; a virtude
e a diligência são como companheiros
constantes de um lado, assim como o vício e
a ociosidade estão do outro. Portanto, o
primeiro passo no sentido de fazer os pobres
trabalhar [...] deve ser a restrição da sua
libertinagem mediante d aplicação estrita das
leis estipuladas [por Henrique VIII e outros]
contra ela. (John Locke apud Mészáros p. 49
- 50)
Os filhos das pessoas trabalhadoras são um
corriqueiro fardo para a paróquia, e normalmente são
mantidas na ociosidade, de forma que geralmente
também se perde o que produziriam para a população
até eles completarem doze ou catorze anos de idade.
Para esse problema, a solução mais eficaz que somos
capazes de conceber, e que portanto humildemente
propomos, e a de que, na acima mencionada lei a ser
decretada, seja determinado, além disso, que se criem
escolas profissionalizantes em todas as paróquias, as
quais os filhos de todos, na medida das necessidades
da paróquia, entre quatro e treze anos de idade ...
devem ser obrigados a freqüentar. (John Locke apud
Mészáros p. 41 - 48)
Outra vantagem de se levar as crianças a
uma escola profissional é que, desta forma,
elas seriam obrigadas a ir à igreja todos os
domingos, juntamente com os seus
professores ou professoras e teriam alguma
compreensão da religião; ao passo que
agora, sendo criadas, em geral, no ócio e
sem rédeas, elas são totalmente alheias
tanto à religião e à moralidade como o são
para a diligência (John Locke apud
Mészáros, p. 42)
Aqui a questão crucial, sob o domínio do capital, é
assegurar que cada indivíduo adote como suas
próprias as metas de reprodução objetivamente
possíveis do sistema. Em outras palavras, no
sentido verdadeiramente amplo do termo
educação, trata-se de uma questão de
"internalização" pelos indivíduos - tal como
indicado no segundo parágrafo desta seção - da
legitimidade da posição que lhes foi atribuída na
hierarquia social, juntamente com suas
expectativas "adequadas" e as formas de conduta
"certas", mais ou menos explicitamente
estipuladas nesse terreno. (MÉSZÁROS, p. 44)
Enquanto a internalização conseguir fazer o seu
bom trabalho, assegurando os parâmetros
reprodutivos gerais do sistema do capital, a
brutalidade e a violência podem ser relegadas a
um segundo plano (embora de modo nenhum
sejam permanentemente abandonadas) posto
que são modalidades dispendiosas de imposição
de valores, como de fato aconteceu no decurso
do desenvolvimento capitalista moderno.[...] As
instituições formais de educação certamente são
urna parte importante do sistema global de
internalização. (MÉSZÁROS, p. 44)
Mas apenas uma parte. Quer os indivíduos
participem ou não - por mais ou menos
tempo, mas sempre em um número de anos
bastante limitado - das instituições formais de
educação, eles devem ser induzidos a uma
aceitação ativa (ou mais ou menos resignada)
dos princípios reprodutivos orientadores
dominantes na própria sociedade, adequados
a sua posição na ordem social, e de acordo
com as tarefas reprodutivas que lhes foram
atribuídas. (MÉSZÁROS, p. 44)
• A educação institucionalizada, especialmente nos últimos
150 anos, serviu - no seu todo — ao propósito de não só
fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à
máquina produtiva em expansão do sistema do capital,
como também gerar e transmitir um quadro de valores
que legitima os interesses dominantes, como se não
pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da
sociedade, seja na forma "internalizada" (isto é, pelos
indivíduos devidamente "educados" e aceitos) ou através
de uma dominação estrutural e uma subordinação
hierárquica e implacavelmente impostas. A própria
História teve de ser totalmente adulterada, e de fato
freqüente e grosseiramente falsificada para esse
propósito. (MÉSZÁROS, 35-36)
Marx e Pedagogia Moderna
Mario Alighieri Manacorda
Campinas, 2007

Escola e não-escola na história

Escola e não-escola na história Partimos do


princípio de que, na sociedade dividida em
classes, isto é, na sociedade em que o trabalho
está dividido e em que essa divisão se apresenta,
essencialmente, como divisão entre trabalho
manual e trabalho mental, ou como divisão entre
campo e cidade, o ensino e o trabalho aparecem
também divididos, como dois termos até
antagônicos. (p. 119)
• A escola – mas é óbvio que o emprego desta
palavra é anacrônico quando aplicado a épocas
mais antigas e sobrepõe novos sentidos para
instituições marcadamente diferentes das que
modernamente recebem esse nome –
enquanto estrutura específica de formação de
um determinado tipo de “homem dividido”,
nasce historicamente no interior das classes
possuidoras, como estrutura destinada
exclusivamente à sua formação; não existe para
as demais classes. (p.119)
• Apenas as classes possuidoras têm essa instituição
específica que chamamos escola e que – como veremos –
apenas há pouco tempo, ou seja, aproximadamente a
partir do início da Revolução Industrial, começa a tornar-se,
em perspectiva, uma coisa de toda a sociedade. Tem-se
falado muito, e ainda se fala a toda hora, da oposição entre
a escola do trabalho e a escola do doutor, entre escola
desinteressada e escola profissional – e, nesse contexto, é
oportuno e tem sentido o discurso sobre duas culturas –
mas, na realidade, por milênios, a oposição tem-se dado
não entre escola e escola, mas sim entre escola e não-
escola. Ou, para usar uma expressão quase marxiana, a
escola se coloca frente ao trabalho como não-trabalho e o
trabalho se coloca frente à escola como não-escola. (p.119)
• Apenas as classes possuidoras, dizíamos,
conheceram uma instituição específica para o
cuidado e a educação das jovens gerações; as
classes produtivas não a conheceram, isto é,
nunca existiu para elas um local que fosse
exclusivo das crianças e dos jovens. (119)
• Apenas com a moderna Revolução Industrial,
surge o fato verdadeiramente novo do
estruturar-se também a formação do produtor
como “escola” ou lugar dos jovens, de cuja
organização se ocupam não mais
determinadas classes, mas toda a sociedade
civil, por meio do Estado (123)
• O característico, nesse processo, é que a estrutura educativa,
consolidada em milênios, se estende das classes privilegiadas
(e se degrada) às classes subalternas, levando-lhes seu tipo
de organização, suas tradições e seus métodos. E isso não
ocorre apenas pelo fato da força de inércia própria de todas
as estruturas existentes, ou pelo fato de que a classe
dominante tende a destruir as estruturas ou instituições
típicas das classes subalternas (como faz concretamente com
a prática artesanal) para impor suas próprias estruturas;
corresponde, porém, à inevitável e objetiva necessidade de
expandir as aquisições, antes exclusivas ou sagradas, da
ciência, que, quanto mais se converte de especulativa em
operativa, tanto mais tem necessidade de expandir-se e de
entrar difusamente no processo produtivo. (124)
Foi nesse nível metodológico-histórico que se
pôde produzir a separação entre a escola do
doutor e a escola do trabalhador: a primeira
acentuadamente livresca e desinteressada; a
segunda acentuadamente profissional e prática;
mas ambas, definitivamente, escolas. (124)
A escola, daquela estrutura reservada aos jovens das classes
privilegiadas, converteu-se, cada vez mais, numa escola aberta
também aos jovens das classes subalternas. A velha aprendizagem
artesanal desapareceu, e o vazio por ela deixado foi ocupado pelo
ensino elementar e técnico-profissional e pelo novo aprendizado
do trabalho, representado pelas escolas de fábrica. Mas a antiga
discriminação de classe continua a manifestar-se, mais ou menos
acentuada nos vários países, com duas linhas de fratura: uma,
“horizontal”, entre os que deixam precocemente as estruturas
escolares para ingressar nas estruturas de trabalho, e os que
naquelas permanecem ulteriormente para adquirir a ciência; a
outra, “vertical”, entre os que estudam na escola desinteressada da
cultura, e os que estudam na escola profissional da técnica. A
tendência atual é do deslocamento para cima da divisão horizontal:
dos três anos de escolaridade obrigatória de um século atrás,
passou-se aos oito anos de hoje.
• Semelhante – e igualmente contraditória – é a tendência
objetiva de tornar menos clara a fratura vertical entre
cultura e profissão. A atual fase do progresso tecnológico
tende a reunificar a ciência e o trabalho: apoiada na
cibernética e na automação, exige cada vez menos
operários e cada vez mais técnicos e pesquisadores de
alto nível; exige, ao mesmo tempo, conhecimentos
específicos para cada uma das estruturas – disciplinas,
aparelhamentos – e capacidade de integrar mais
estruturas ou de dominar as relações que as unem (130)
• Os desequilíbrios entre os indivíduos e as
classes são também desequilíbrios entre os
povos, alguns dos quais hoje se encontram em
condições de exploração, de sujeição, de
“alienação”, análogas àquelas em que se
encontravam os indivíduos e as classes no
interior da sociedade industrial há um século
(131).

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