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O QUANTUM INVISÍVEL

21/08/2005

Algo acontece quando mergulhamos no mundo do muito


pequeno, algo que distorce o significado das coisas,
transformando o certo em apenas provável

Marcelo Gleiser,
é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover
(EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Na semana passada escrevi sobre as máquinas quânticas, que têm


dimensões tão pequenas que vivem na fronteira entre o nosso
mundo, o mundo clássico, e o mundo quântico, dos átomos.
Imagino que vários leitores queiram saber mais sobre essa
fronteira, ou mesmo sobre o que é esse tal mundo quântico, com
sua fama de estar repleto de mistérios.

Começo afirmando que a fama é mesmo merecida. No mundo dos


átomos, efeitos estranhos, aparentemente mágicos, ocorrem com
freqüência. Aliás, são a regra e não a exceção. Por exemplo: no
nosso mundo, quando vemos uma bola de bilhar rolando sobre uma
mesa, podemos afirmar com confiança onde ela está e estará no
futuro. Entretanto, se a bola fosse um elétron ou um próton, não
poderíamos mais afirmar nada com certeza. No máximo,
poderíamos estimar a probabilidade de o elétron estar nessa ou
naquela posição em determinado momento. Algo acontece quando
mergulhamos no mundo do muito pequeno, algo que distorce o
significado das coisas, transformando o certo em apenas provável.

Em 1924, o francês Louis de Broglie propôs que todas entidades


materiais em movimento – você, eu, a bola na mesa, o elétron nos
átomos – podem ser consideradas ondas. Einstein tinha sugerido
algo semelhante com a luz: em 1905, conjeturou que ela pode ser
vista como uma onda ou uma partícula, que mais tarde foi chamada
de fóton. De Broglie ofereceu uma fórmula para calcular o
comprimento de onda de um determinado objeto. Antes, uma
explicação. Imagine ondas passando em sucessão, crista após
crista, como acontece quando uma pedra é jogada numa poça
d'água. A distância entre as cristas é chamada de comprimento de
onda. No caso da pedra caindo na poça, o comprimento de onda é
da ordem de centímetros.

Se tudo é onda, por que não vemos o mundo à nossa volta


ondulando? A resposta se encontra na fórmula proposta por De
Broglie. O que deve ser comparado é o tamanho do objeto com seu
comprimento de onda: se os dois forem semelhantes, efeitos
quânticos são importantes. Se o objeto for muito maior do que o seu
comprimento de onda, os efeitos quânticos são desprezíveis.

Todos os processos quânticos são controlados por uma constante


fundamental chamada "constante de Planck" (representada pela
letra h), que é extremamente pequena.

Por exemplo, o comprimento de onda (l) de um objeto é


proporcional à constante de Planck (h) e inversamente proporcional
ao produto de sua massa (m) por sua velocidade (V): l = h/ (mV). A
fórmula de de Broglie!

Está tudo aqui: como a constante h é pequena, para que um objeto


tenha efeitos quânticos mensuráveis, seu momento (o produto mV)
tem também de ser muito pequeno.

Por exemplo, uma gota d'água pingando de uma torneira tem um


comprimento de onda aproximado de um trilionésimo de trilionésimo
de metro (10-24 m).

Tomando seu tamanho como 0,1 mm, ou 10-4 m, o efeito acaba se


tornando desprezível.

Você, caro leitor, movendo-se em um carro a 60 km/h, tem um


comprimento de onda um trilionésimo de metro menor que isso.
(Não vale pôr velocidade zero, pois a fórmula não é aplicável para
corpos em repouso. Ondas têm de se mover.)

Toda a mágica quântica vem dessa chamada dualidade partícula-


onda. Infelizmente, os efeitos desaparecem no nosso mundo, ou
mesmo no mundo das bactérias, com milionésimos de metro.
Porém, no mundo dos átomos, a mágica jamais pára.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,


em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
Origem do texto: COLUNISTA DA FOLHA
Editoria: MAIS! Página: 9
Edição: São Paulo Aug 21, 2005
Seção: + CIÊNCIA; MICRO/MACRO
Observações: PÉ BIOGRÁFICO

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