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1. Da ortografia
1.1. Introdução
Um primeiro conceito que se nos afigura importante elucidar prende-se com o termo
ortografia. De acordo com o ortografista Duarte Nunes de Leão, a “ortografia é a
ciência de bem escrever qualquer linguagem: porque por ela sabemos com que
letras se hão-de escrever as palavras” (1983: 49). Assim, tal como explica M. H.
Mateus, é a “ «ciência de escrever dereitamente» (de orto, directo, e grafo, escrever)
” (2002: 92). Assim sendo, a ortografia assume-se como sendo a maneira correcta
de escrever as palavras. Deste modo, se encararmos apenas a palavra grafia,
vemos que este termo se apresenta como uma noção incompleta no âmbito da
ortografia, uma vez que, segundo Galisson & Coste, a definição de grafia abarca
apenas a “representação escrita dos sons de uma língua seja qual for o tipo de
representação adoptado [e] não implica necessariamente a referência à noção de
norma” (1983: 363).
Uma outra acepção da palavra grafia poderá relacionar-se com “a maneira própria
de cada pessoa escrever à mão; caligrafia” (Dicionário da Língua Portuguesa,
2008). Por isso, no dizer de M. Alves, a ortografia “é o estudo da figuração exacta
dos sons, ou da escrita correcta das palavras [e cuja] diferença entre a pronúncia e
a grafia, entre a língua falada (…) e a língua escrita (…) provoca dificuldades graves
aos que escrevem” (1994: 1). Esta ideia de correcção aparece então associada ao
conceito de norma ou de regras implícitas na realização escrita da língua, sendo
necessário, de acordo com J. H.
Carvalho, que “exista um conjunto de regras que comandem as equivalentes a
observar entre as palavras orais e as palavras escritas e que sejam aceites pelos
membros da comunidade” (1986: 72). Nesta perspectiva, a ortografia poderá
também designar a parte da gramática que ensina a bem escrever, pelo que se
engloba no conjunto de normas que regulam a utilização dos diferentes sinais
gráficos (Estrela et al., 2005).
Dito de outro modo, e evocando as palavras de I. Silva (2005: 32): “a ortografia é
uma técnica gráfica, vinculada por um «Acordo» normativo, ou seja, é uma arte
que consiste em desenhar num espaço concreto os grafemas definidos para o
registo escrito de um dada língua, seguindo-se um conjunto de regras
combinatórias e de usos, ambos codificados.”
COMPETÊNCIA ORTOGRÁFICA
“na capacidade do sujeito escrever as palavras, de acordo com as normas estabelecidas pela
comunidade a que pertence. Essas normas seguem como princípio de base o princípio alfabético,
ou seja, a unidade tomada como base para a representação escrita é o fonema. Todavia, tal
princípio é actualizado ou levado à prática tendo em conta, designadamente, factores e regras
contextuais, morfológicos e etimológicos.”
3. Do erro ortográfico
3.1. Considerações sobre as dificuldades da ortografia portuguesa e suas
implicações na aprendizagem
I. Horta & M. Martins (2004) num estudo longitudinal abrangendo quarenta e três
crianças que frequentavam o 3º ano em 1998/1999 e o 4º ano em 1999/2000, tendo
por base uma tarefa de ditado e uma posterior entrevista, verificaram que o número
de erros cometidos pelas crianças diminui com o ano de escolaridade. Quanto à
qualidade dos erros, as autoras concluíram que “o tipo de erros dados pelos alunos
com melhor desempenho ortográfico difere qualitativamente do tipo de erros dados
pelos alunos com pior desempenho, tendendo para uma especialização” (Idem:
221). Os primeiros dão exclusivamente erros “Ortográficos de uso” (aqueles que
conservam a forma sonora da palavra, mas cuja grafia é incorrecta) e erros
“Fonéticos de Tipo 1” (aqueles em que a correspondência grafema/fonema seria
possível noutros contextos, mas que no contexto da palavra em causa, altera a sua
forma sonora), ao passo que os segundos dão erros enquadráveis nas diversas
categorias de erros (Idem). Quanto à capacidade de explicitação (consciência
ortográfica) que os alunos demonstram para explicar a ortografia correcta ou
incorrecta das palavras foi verificado que “os alunos com pior desempenho
ortográfico dão mais respostas não justificando ou não referindo o erro, do que os
alunos com melhor desempenho ortográfico” (Idem: 221).
E. Meireles & J. Correa (2005), com o intuito de examinar as diferenças em
complexidade entre as regularidades contextuais e morfossintácticas da língua
portuguesa, realizaram um estudo com crianças entre os oito e onze anos de idade,
frequentando as 2ª e a 4ª séries do ensino fundamental brasileiro, partindo de um
ditado com frases lacunares. Este estudo pretendeu, por um lado, observar as
dificuldades subjacentes a regras morfossintácticas decorrentes do uso dos sufixos
eza (utilizado na
Fala-se (e escreve-se….), hoje, muito mais do que há dez anos. Ora, se se fala muito mais,
dizem-se muito mais asneiras; dizem-se muito mais coisas certas, mas pode acontecer que se
as digam muito mais mal ditas; dizem-se, por fim, muito mais coisas certas, e bem expressas.
Estas estão, porém (nem admira), em minoria. Eis a tragédia.
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