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CRISTOLOGIA

8ª SEMANA

QUINTA UNIDADE
O ANÚNCIO DE JESUS CRISTO NO PASSADO E NO PRESENTE DA IGREJA

a. Introdução

Como se desenvolveu a fé eclesial em Jesus Cristo, depois do Novo Testamento até


os nossos dias?

Será que a Igreja se manteve sempre fiel à fé professada pelo Novo Testamento?

A resposta a estas perguntas é importante, porque na modernidade não são poucos aque-
les que têm acusado a Igreja de ter-se desviado da fé neo-testamentária em Jesus Cristo.
Segundo esta acusação, a Igreja, utilizando o instrumental próprio da filosofia grega,
teria “helenizado” a fé em Jesus Cristo, falsificando-a. Por sua vez, a cristologia se con-
verteu, conforme estes críticos, numa reflexão especulativa e abstrata a respeito do divi-
no e do humano em Jesus Cristo.

Daí a necessidade de mostrar como a Igreja soube guardar fidelidade à fé do Novo Tes-
tamento em Jesus Cristo. É o que veremos no item 1 desta unidade 5. No item 2, abor-
daremos quatro questões cristológicas aprofundadas pela teologia contemporânea:

Que sentido tem a afirmação de que Jesus foi em tudo como nós exceto no pecado?

Qual teria sido a extensão do conhecimento no homem Jesus de Nazaré na etapa


terrestre de sua vida?

Será que o homem Jesus teve consciência, mesmo, da filiação divina?

E, finalmente, diante da universalidade da salvação de Jesus Cristo, será que ou-


tras religiões têm também significação salvífica?

b. Objetivos deste tema

a. Mostrar que a Igreja, nos principais concílios cristológicos, embora utilizando a me-
diação do universo cultural grego muito diverso do palestinense, soube ser fiel à inten-
cionalidade profunda da fé em Jesus Cristo tal como professada no Novo Testamento.

b. Reafirmar que Jesus Cristo participou realmente das limitações inerentes à história
humana. Ele não é um super-homem, mas um homem real, nosso irmão. E por isso, po-
demos segui-lo, guiados pelo Espírito.

Desenvolvimento do tema

Como já foi assinalado acima, vamos dividir o estudo do tema em dois itens.

5.1 A fé da Igreja em Jesus Cristo é a fé do Novo Testamento!

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Vamos fazer aqui um breve resumo da caminhada eclesial, procurando a explicitação da


fé em Jesus Cristo no mundo cultural helênico, com questionamentos e problemas muito
diferentes daqueles próprios do mundo cultural palestinense.

Na reflexão sobre esta caminhada, importa sobretudo perceber que o interesse da Igreja,
nos grandes concílios que abordaram a temática cristológica, era profundamente pasto-
ral. Com efeito, os padres conciliares queriam, acima de tudo, orientar e defender a fé
do povo cristão. Ora, a afirmação reiterada tanto da realidade divina como da realidade
humana de Jesus Cristo é necessária para salvaguardar a fé do Novo Testamento na me-
diação-salvação de Jesus Cristo.

Vejamos um gráfico simples:

Jesus Cristo

Condição humana Condição divina


Único Mediador

Jesus Cristo é Mediador-salvador porque ele é do nosso lado, nosso irmão, e, simultane-
amente, é do outro lado, pois é realmente divino. Qualquer diminuição ou mutilação do
humano ou do divino afeta a mediação-salvação de Jesus Cristo, destruindo a ponte (di-
ríamos utilizando uma imagem popular) entre Deus e os homens. Quer dizer, está em
jogo a mediação-salvação de Jesus Cristo confessada pelo Novo Testamento.

Na difícil abertura ao mundo cultural helênico, a mentalidade dualista a que nos referí-
amos na unidade 1 deste núcleo-temático atrapalhou consideravelmente a confissão de
fé em Jesus Cristo. Com efeito, em nome da defesa do divino, foi frequentemente em-
pobrecida ou mutilada a realidade humana de Jesus. Ou, no outro extremo, para defen-
der a realidade do homem Jesus, o divino foi negado ou desfigurado.

Como já assinalamos repetidamente, entre o divino e o humano em Jesus Cristo não


existe uma espécie de muro divisor. No homem Jesus, que “à nossa semelhança, foi
provado em tudo, sem, todavia pecar” (Hb 4,15), encontramos Deus mesmo. Não a pe-
sar de, mas por causa da encarnação real do Deus-amor na limitação do menino do Na-
tal, do rapaz da Galiléia e do homem adulto, pregador itinerante, morto na cruz e ressus-
citado; nesse Jesus, encontramos não só a revelação de Deus, mas Deus mesmo.

À medida que a fé em Jesus Cristo foi proclamada em ambientes influenciados pela


cultura grega, começaram a surgir equívocos e mal-entendidos. Assim, afirmar a condi-
ção divina de Jesus Cristo entrava em atrito com a visão filosófica da unicidade de Deus
(o problema ocorreu também em relação ao monoteísmo judaico). A muitos pareceu que
os cristãos confessavam dois deuses: Deus, o Pai, e Jesus Cristo, o Filho, ambos divi-
nos.

Veja bem, o problema estava na maneira de compreender a unicidade de Deus. Para o


pensamento filosófico, Deus é o primeiro princípio e nada tem de características pesso-
ais. A fé cristã só aceita um único Deus, criador e salvador. Então, qual é a diferença
entre o Deus único dos cristãos e o Deus único da filosofia?

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Aqui encontramos a grande novidade cristã:

No interior do Deus único, ocorre a realidade estupenda da relação amorosa e da


comunhão. O Deus cristão é, em si mesmo, comunhão de vida e de amor, é um
Deus-Trindade: Pai e Filho e Espírito Santo.

Você já pode concluir que estas duas maneiras tão diferentes de entender a unicidade de
Deus provocariam numeroso mal-entendidos e desvios da fé cristã. Muitos partiam da
afirmação filosófica: só existe um único princípio divino. E, como consequência, afir-
mavam que não podia existir Trindade real em Deus. O que o Novo Testamento fala a
respeito do Pai e do Filho e do Espírito Santo deve ser entendido, afirmavam, como
meras manifestações do único princípio divino, modos diversos de se comunicar o único
Deus (monarquianismo modalista. Monos = único, arché = princípio). Outros, partindo
do mesmo princípio, afirmavam: Jesus Cristo é apenas um homem muito santo, privile-
giado por Deus, mas não é divino em si, embora estivesse dotado por Deus de uma força
e de um dinamismo divinos (monarquianismo dinamístico).

A Igreja, guardando fidelidade à fé confessada no Novo Testamento, reafirmou que


Deus é, em si mesmo, Trindade. Assim, o Filho e o Espírito Santo não são meros modos
de expressão do único principio divino, o Pai.

O Filho é um sujeito divino diferente do Pai (a mesma coisa vale a respeito do Es-
pírito Santo).

O problema, contudo, não ficou resolvido, pois foram muitos aqueles que, embora acei-
tando que Jesus Cristo era um sujeito divino diferente do Pai, afirmavam que o caráter
divino de Jesus Cristo era subordinado ao Pai (subordinacionismo), quer dizer, o caráter
divino de Jesus Cristo seria de “segunda categoria”.

A subordinação de Jesus Cristo ao Pai foi defendida, sobretudo pelo arianismo (de Ario,
o seu fundador). Na realidade, Ario não aceitava a condição divina real de Jesus Cristo.
Este parecia divino, afirmava Ario, porque foi muito agraciado pelo Pai, mas não passa-
va de uma criatura.

No ano 325, o concílio de Nicéia declarou que o Filho é tão divino quanto o Pai
(consubstancial ao Pai); o Filho não é criado e não é subordinado.

O Filho, plenamente divino, fez-se homem verdadeiro. Mas, como se realiza a união do
divino e do humano em Jesus Cristo?

O concílio de Éfeso (a. 431) e, sobretudo o concílio de Calcedônia (a. 451) precisaram o
sentido da união do divino e do humano em Jesus Cristo. A seguir, você pode examinar
o conteúdo da declaração do concílio de Calcedônia:

“Um e o mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo é perfeito na divindade e perfeito na
humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, com alma racional e corpo, con-
substancial ao Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanida-
de, ‘sendo em tudo igual a nós, exceto no pecado’ (Hb 4,15); antes dos séculos, gerado
do Pai, segundo a divindade, e o mesmo, nos últimos dias, gerado da virgem Maria,
mãe de Deus, por nossa causa e por nossa salvação, segundo a nossa humanidade. Um

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e o mesmo Cristo, Filho, Senhor e Unigênito, deve ser confessado subsistindo em duas
naturezas de forma inconfundível, imutável, indivisa e inseparável. A diferença entre
as naturezas jamais fica suprimida por causa da união; antes, a propriedade de cada
natureza fica preservada, concorrendo ambas para formar uma só pessoa ou subsistên-
cia. Professamos a Jesus Cristo não em duas pessoas separadas e divididas, mas um e o
mesmo filho Unigênito, a Palavra de Deus, o Senhor Jesus Cristo, como os profetas
antes professaram acerca dele e o próprio Jesus Cristo nos ensinou e o credo de nossos
pais transmitiu” (D.148).

Como você pode perceber, o concílio afirma que só existe um único sujeito ou pessoa
em Jesus Cristo. É na pessoa do Filho que se unem o divino e o humano. Como se reali-
za a união da natureza divina e da natureza humana na pessoa do Filho? Responde o
concílio: a união realiza-se “de forma inconfundível, imutável, indivisa e inseparável”.
E acrescenta que a diferença entre a natureza divina e a natureza humana não é elimina-
da por causa da união. Ambas concorrem para formar a única pessoa que é Jesus Cristo.
Assim conforme a fé cristã, Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Só,
assim, Jesus Cristo pode ser o único Mediador-Salvador.

Você pode concluir que a intenção do concílio era defender a realidade da nossa salva-
ção, mediante Jesus Cristo. Ele é o Mediador-Salvador, porque é nosso irmão, homem
real, e, ao mesmo tempo, é plenamente divino. Ele e só Ele pode ser a Ponte entre Deus
e os seres humanos.

Para complementar e aprofundar este item, você pode consultar o nosso livro de refe-
rência, O encontro com Jesus Cristo vivo, às pp. 164-170.

5.2. A Cristologia, hoje: questões discutidas

Até onde foi o esvaziamento vivido por Jesus de Nazaré, na vida terrestre?

Certamente, você lembra bem do conteúdo teológico do hino cristológico de Fl 2,6-11


(ver neste texto–base, na 4ª unidade temática). “Existindo na condição divina”, Jesus
Cristo “esvaziou-se”, é claro, não da condição divina, mas da glória correspondente. E
assumiu a condição humana, mas de homem servidor. Ou como afirma o Prólogo ao IV
evangelho: “o Verbo se fez ‘sarx’” (limitação humana). De fato, ressalta Hb 4,15, Jesus
Cristo “foi provado em tudo como nós exceto no pecado”. Que significam estas afirma-
ções? A fé da Igreja confessa decididamente que ele é realmente humano. Mas, até que
ponto é humano? Esta pergunta é levantada, hoje, por não poucos cristãos. A questão é
colocada, sobretudo a respeito da afirmação de que ele não foi pecador bem como sobre
a extensão do seu conhecimento humano e da consciência da sua filiação divina.

5.2.1. Jesus é em tudo como nós exceto no pecado: Hb 4,15.


Mas, se ele não é pecador, perguntam muitos, como poderá ser realmente huma-
no?
A pergunta tem sentido, pois o pecado e a tendência para o mal são aspectos
constitutivos do ser humano que conhecemos. Vamos responder mediante duas aproxi-
mações.

Primeiramente, imaginemos uma ilha onde vivem três náufragos, desde crianças.
Imaginemos que na ilha há um carregamento grande de bebidas. Os três náufragos estão
acostumados a beber e a ficar embriagados. Para eles, a bebedeira é uma característica

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do ser humano. Imaginemos que uma quarta pessoa, que não bebe, chega nessa ilha.
Qual será a primeira reação dos três beberrões? Essa pessoa recém-chegada não é hu-
mana!

Entretanto, aos poucos, com a convivência, eles podem ir constatando que a pessoa que
não bebe é mais humana do que eles, precisamente porque não bebe. E poderão refor-
mular as características do humano. A bebedeira não faz parte constitutiva do ser huma-
no. Ao contrário, a bebedeira torna o ser humano menos humano.

Com Jesus de Nazaré, a nossa visão do ser humano entra em crise. Contemplando a
qualidade de vida dele, passamos a perceber que o pecado não faz parte constitutiva do
ser humano. Ao contrário, Jesus é mais humano do que nós precisamente porque não é
pecador! Mais ainda: vamos reconhecendo que, na medida em que vamos superando o
pecado e vivendo o caminho de Jesus, somos mais humanos.

Agora, a segunda aproximação: será que a bondade de uma vida é medida, sobretudo
pelas tentações e obstáculos que a pessoa deve enfrentar? Não estará medida, princi-
palmente, pela vivência do amor-serviço e da solidariedade concreta? Esta segunda
perspectiva é mais adequada, evangelicamente. De fato, a pessoa, mais pacificada inter-
namente e mais aberta ao serviço de Deus e dos irmãos e irmãs, terá mais energia para
viver esse amor-serviço e essa solidariedade.

Como vimos Jesus viveu uma vida totalmente centrada em Deus. E assim não pecou
nem poderia pecar, afirma a fé da Igreja. Toda a sua vida foi marcada pela negação do
pecado. Poder pecar é uma deficiência da liberdade e não uma perfeição. Os bem-
aventurados no céu não podem pecar e são plenamente livres.

Sim, é verdade que, neste ponto, Jesus é diferente de nós. Entretanto, convém lembrar
sempre que ele, embora sem pecado, foi feito por Deus “pecado por causa de nós”
(2Cor 5, 21; Rm 8,3), quer dizer, viveu as limitações inerentes à nossa condição huma-
na, marcada pelo pecado, pela fragilidade e pela morte.

5.2.2. O conhecimento do homem Jesus na sua vida terrestre

Os 3 níveis de conhecimento, conforme a cristologia clássica:

 O conhecimento beatífico, o conhecimento próprio da visão imediata de Deus;


 O conhecimento infuso, próprio dos anjos;
 O conhecimento adquirido, próprio de qualquer ser humano.

Uma reflexão teológica melhor fundamentada nos dados do Novo Testamento e mais
atenta aos resultados comprovados pelas ciências humanas levou a teologia, sobretudo a
partir dos estudos de K. Ranher, a apresentar de maneira diferente o conhecimento do
homem Jesus, na etapa terrestre de sua vida. Em resumo, duas ordens de conhecimento
são atribuídas a Jesus, em conformidade com os dados do Novo Testamento:

 O conhecimento adquirido, de acordo com a cultura de seu tempo e de seu país;


 O conhecimento infundido por Deus, necessário para realizar sua missão de revela-
dor e salvador.

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Qual seria a extensão deste conhecimento infundido por Deus? Jesus devia possuir o
conhecimento indispensável para realizar sua missão, mas lembremos que esta é vivida
na condição de servidor.

O conhecimento universal atribuído a Jesus, na sua vida terrestre, não se coaduna bem
com a existência do Jesus histórico, vivida na limitação humana e na condição de servi-
dor. Jesus não foi um super-homem, ele viveu um autêntico desenvolvimento humano.

5.2.3. A consciência da filiação divina no homem Jesus de Nazaré

A fé da Igreja afirma que o homem Jesus tinha consciência da sua união incomparavel-
mente única com o Pai. Com outras palavras, ele tinha consciência da sua filiação divi-
na, em sentido único. Mas, pode-se perguntar: até onde ia essa consciência?

Aqui também foi o teólogo K. Ranher quem melhor aprofundou esta questão. Para res-
ponder á pergunta anteriormente levantada, K. Ranher apresenta dois elementos antro-
pológicos.

Primeiro elemento: existem diferentes graus na consciência que alguém tem de si pró-
prio. Assim, há uma consciência atemática: a pessoa se auto-percebe espontaneamente
no que está fazendo, mas não de maneira reflexiva, não é objeto de reflexão. E há a
consciência temática: a consciência da pessoa é objeto de reflexão, está já tematizada. O
despertar da consciência, na criança, ocorre primeiro de maneira atemática.

Segundo elemento: existe um verdadeiro abismo entre aquilo que somos no mais pro-
fundo de nós mesmos e a capacidade que temos de refletir e comunicar aos outros quem
somos nós, qual é a nossa identidade pessoal.

Ora, uma vez que Jesus de Nazaré viveu uma existência verdadeiramente humana, apli-
cam-se a ele as características próprias de uma existência realmente histórica, e, assim,
podemos afirmar: a identidade profunda de Jesus é a filiação divina. Entretanto, a
consciência dessa filiação está submetida a um progressivo amadurecimento da reflexão
e da capacidade de tematização. No início, a realidade da filiação divina está presente
em Jesus de maneira não reflexiva e não temática. Lentamente, de maneira progressiva,
o homem Jesus vai tomando consciência reflexa da própria identidade, da filiação divi-
na. E vai sendo capaz de comunicar aos outros essa consciência. Como ser humano real,
essencialmente histórico, Jesus, como ocorre com cada um de nós, não chega a desen-
volver, na etapa terrestre de sua vida, uma consciência totalmente clara da própria iden-
tidade profunda.

Tudo isto pode parecer complicado. Na realidade, quer dizer o seguinte: Jesus, nosso
irmão, viveu uma existência realmente histórica, sujeita ao tempo e ao amadurecimento
em todos os níveis da sua vida, também, sem dúvida, no progressivo amadurecimento
da consciência da filiação divina. Jesus é verdadeiro homem, convém lembrar, não um
super-homem.

Para complementar e aprofundar estas três questões, você pode consultar o livro de refe-
rência, às pp. 171-178. A bibliografia você encontra à p. 180.

5.2.4. Jesus Cristo, único mediador da salvação e o diálogo inter-religioso.

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 A mediação salvífica de Jesus Cristo, segundo o Novo Testamento, é universal e


única: 1 Tm 2,4-5; At 4,12. Aqui surge a questão: será que outras religiões não têm
caráter salvífico? Vejamos, a seguir.

 Primeiramente, é necessário superar as perspectivas cristológica exclusiva (não


existem mediadores da salvação fora de Jesus Cristo) e eclesiocêntrica (“fora da
Igreja não há salvação”).

 Estas perspectivas são inaceitáveis, dada a vontade salvífica universal de Deus e a


eficácia também universal da redenção-reconciliação de Jesus Cristo (cf. 1 Tm 2,4-
5; Rm 5,). Acresce que a salvação dos não cristãos é vista numa perspectiva otimis-
ta pelo Vaticano II (cf. LG 16: GS 22; NA 2; AG 3,7,9,11; DH 3 e 4).

 No outro extremo, também inaceitável para a fé cristã, estão aqueles que defendem
o teocentrismo da salvação, sendo Jesus Cristo apenas um mediador entre outros
dessa salvação.

“Nesta questão, importa muito não renunciar à própria identidade da fé cristã: Jesus
Cristo é o Logos feito “sarx” (cf. Jo 1,14)! E, assim, a encarnação, vida, morte e res-
surreição de Jesus Cristo têm um caráter único e universal. Todavia, como um evento
datado no tempo e situado num espaço determinado pode ter um significado universal?
É o Espírito que torna universal esse evento que é Jesus Cristo. E trata-se sempre do
Espírito de Cristo, mesmo antes da encarnação. Sim, o Pai é fonte da nossa salvação.
Age no mundo criado e na história mediante o Verbo - oferecimento de verdade - e me-
diante o Espírito, capacitando para uma resposta de amor. O evento Jesus Cristo reali-
za plenamente o desígnio salvífico de Deus. O Espírito prepara esse evento no interior
do ser humano e o torna eficaz universalmente. Assim, quem vive o amor concreto e a
liberdade está vivendo a salvação cristã.

Esta perspectiva invalida o diálogo inter-religioso? Pelo contrário, é o fundamento


para um diálogo fecundo. Lembremos que existe uma unidade básica do gênero huma-
no, criado pelo amor de Deus e destinatário de uma salvação oferecida pelo amor uni-
versal desse mesmo Deus. É o Espírito de Deus quem atua em todo coração humano e
em todas as tradições religiosas. E, assim, o diálogo inter-religioso é uma necessidade.
A verdade cristã não é algo abstrato, mas é Jesus Cristo e, continuamente, somos cha-
mados a aprofundar na experiência do encontro com ele. Trata-se de um dinamismo
que nunca termina nesta nossa vida. Dada a limitação, a ambiguidade e a pecaminosi-
dade presentes na nossa existência atual, nunca possuímos de fato a plenitude da ver-
dade e da vida, embora Jesus Cristo seja essa plenitude. Até o término da história hu-
mana haverá um caminhar progressivo na compreensão da revelação de Deus em Jesus
Cristo. No diálogo inter-religioso, na escuta do que o Espírito nos comunica, a nossa fé
pode ser purificada, preconceitos podem ser superados, a fé cristã poder sair enrique-
cida”.

A. García Rubio, O encontro com Jesus Cristo vivo, pp. 178-179.

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