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DISTÚRBIOS DO LABIRINTO:

Fonte: Otorrinolaringologia baseada em Sinais e Sintomas – Ricardo Ferreira Bento

1. Introdução:
O equilíbrio do corpo é determinado pelos órgãos: vestibular, visual e proprioceptivo.
Tontura é uma ilusão de movimento com diversas características como vertigem,
desequilíbrio, flutuação etc.
Vertigem é a sensação de movimento oscilatório ou giratório do próprio corpo ou do
entorno em relação ao corpo.
Podem variar desde quadros benignos e autolimitados até quadros graves como AVE.
É a principal manifestação das vestibulopatias.
Nem sempre sua origem é no labirinto (pode ser neurológico, visual, cervical,
somatossensorial, clínico sistêmico).
Na história clínica o paciente tem dificuldade em relatar seus sintomas.
Anamnese é fundamental para tentar diagnosticar a origem dos sintomas.

2. Tipos de tontura:
a) Vertigem:
Sensação de rotação do corpo ou do ambiente.
Inicio súbito e em surtos.
Fatores desencadeantes.
Desvio de marcha, náuseas e vômitos.
Geralmente são distúrbios vestibulares periféricos ou de quadros centrais cerebrais.

Diferenças entre vertigem de origem central e periférica


Causa Náusea/Vômito Desequilíbrio Hipoacusia Oscilopsia Sintomas Compensação
Neurológicos
Periférica Severo Suave Comum Suave Raro Rápida
Central Moderado Severo Raro Severo Comum Devagar

b) Pré-sincope:
(não envolve alterações no labirinto porque a síncope só envolve alterações cardíacas
ou neurológicas)
Sensação de desmaio eminente.
Escurecimento ou turvação visual.
Isquemia difusa ou falta de nutrientes no SNC.
Distúrbios cardiovasculares, hipotensão postural ou hipoglicemia também são
possíveis causas.

c) Desequilíbrio:
Dificuldade em manter a postura do corpo.
Não há tontura específica ou sensação desagradável persistente ou em crises.
Isolado sugere distúrbio neuromuscular.
Geralmente ocorre como sintoma secundário.
d) Flutuação:
São agrupadas aqui as sensações mal definidas.
Cabeça leve, cabeça vazia, cabeça pesada.
Síndromes de origem emocional, hiperventilação, efeito colateral de drogas,
disfunções hormonais ou metabólicas.
Pode ser acompanhado de outros tipos de tontura.
Rastreio do labirinto: pedir audiometria, exame do labirinto, exame de sangue
(colesterol, glicose, ácido úrico, T4).

e) Síndrome multissensorial:
Característico do idoso.
Agrupa vários tipos de tontura.
Ocorre em resposta à associação de vários fatores etiológicos: neurovascular,
psiquiátrico e polifarmacoterapia.

3. Anamnese:
Tipo de tontura (rotatória, vertigem, flutuação, sensação de desmaio etc);
Fatores desencadeantes (posição);
Periodicidade;
Consciência;
Tempo de duração;
Acompanhada de sintomas (cocleares – hipoacusia, zumbidos; neurovegetativos,
cefaleia);
Antecedentes pessoas, familiares e hábitos.

4. Exame Físico:
a) Exame otorrinolaringológico:
Otoscopia -> cerume e otites podem ser a causa dos sintomas.

b) Teste de equilíbrio:
Estático e dinâmico:
- Estático: Romberg (simples) – Romberg-Barré (sensibilizado):
Cai para o labirinto lesado após período de latência (no caso de lesão central a queda
pode ser em qualquer direção e sem latência).
Avalia reflexo vestíbulo espinal
Dança de tendões
Cerebelopata não consegue fazer
- Dinâmico: Unterberger – 60 passos (fazer três círculos no chão com ângulo de 30
graus e pede para o pct dar 60 passos no mesmo lugar e avalia se o paciente se desloca
– se ele deslocar mostra que ele tem alteração no labirinto)
Gira para o labirinto lesado.
No teste de Unterberger: paciente com os olhos fechados, marcar passo por um
minuto; o giro é para o lado do labirinto afetado.
c) Teste de coordenação:
Índex- índex, índex-nariz, índex-joelho e diadococinesia – avaliar função cerebelar

d) Eletronistagmografia ou eletro-oculografia:
- Grava graficamente os movimentos oculares - Coloca eletrodos na cabeça do
paciente e grava os movimentos oculares e depois o computador faz o cálculo da
resposta ocular.
- A estabilização da imagem na retina (fóvea) é essencial para a manutenção do
equilíbrio do corpo. O reflexo vestíbulo-ocular (RVO) e os movimentos oculomotores
tendem a estabilizar a imagem na fóvea da retina para garantir o equilíbrio.
- RVO: Quando rodamos a cabeça para um lado os olhos se deslocam para o lado
contrário ao da rotação. Em seguida a esse deslocamento, os olhos voltam para o
centro da órbita. O primeiro deslocamento é lento – é o próprio RVO – origem no
labirinto periférico. O segundo é rápido – é a sacada – origem na formação reticular do
tronco cerebral.
- Quando a cabeça roda para um lado, os estímulos aumentam (excitatórios), e para o
outro, diminuem (inibitórios). Se chegam ao córtex estímulos assimétricos dos
labirintos há uma interpretação de giro da cabeça e desencadeia o RVO com sua
consequente sacada de correção. No caso de lesão labiríntica, as informações de
assimetria perseveram e os movimentos oculares também que são denominados
Nistagmo (Ny).
- O RVO permite avaliar o labirinto e suas vias. Pesquisa-se tbm os movimentos
oculomotores (sacadas, rastreio, fixação ocular e Nistagmo optocinético) com os quais
podemos saber das outras vias de integração.
- Tipos de nistagmo:
Ny espontâneo –> aparecem sem provocação e na posição primária do olhar. Ele
indica uma assimetria de informação do sistema vestibular e se manifesta somente
quando a fixação visual é eliminada. As características do Ny permitem entender a
localização: o horizontal geralmente é periférico; o vertical, o oblíquo ou o rotatório
podem ser centrais.
Ny semiespontâneo, ou de fixação ou de direção –> aparece quando pedimos ao
paciente para fixar o olhar num alvo (nosso dedo indicador) a 50 cm de distância e o
deslocamos mais ou menos 30 graus nos 4 quadrantes: D, E, para cima e para baixo.
Interpretação: Ny horizontal no mesmo sentido do olhar geralmente é periférico;
quando verticais ou multidirecionais, são sugestivos de centrais.
Nota: Observação de Ny espontâneos e de fixação pode ser feita com ou sem
gravação. Nos outros tem que fazer a gravação.
Ny de posição –> Pesquisam-se 4 posições: decúbito lateral D e E, sentado D e E e
cabeça pendente; todas com os olhos fechados e abertos. Normal é não ter nistagmo.
Dependendo das características do Nistagmo ele pode ser periférico ou central.
Periférico: há uma latência para seu surgimento, há picos de paroxismos, são
esgotáveis, tem direção fixa e, às vezes, são acompanhados de tontura. Centrais:
surgem assim que o paciente assume o decúbito, são inesgotáveis, mudam de direção,
não são acompanhados de tonturas e persistem ou exacerbam-se com os olhos
abertos.
- Prova calórica: avaliar a resposta do labirinto ao estímulo calórico (o labirinto é
estimulado pela variação da temperatura). Propósito: verificar se os labirintos
respondem ao estímulo e se essas respostas são próximas. Ausência de resposta ou
diferença maior que 20% sugerem lesão no órgão vestibular ou em suas vias.

- Prova rotatória: Labirinto é estimulado pela rotação da cabeça e dessa estimulação


pode-se investigar o seu estado funcional. Feito por meio de uma cadeira rotatória –
10 voltas no sentido horário e para subitamente; depois marca-se o tempo de duração
dos nistagmos induzidos pelo giro. Depois fazer o mesmo no sentido anti-horário. Em
indivíduos normais as durações dos nistagmos são iguais ou próximas.
avaliar a resposta do labirinto ao estímulo de movimento. Avaliar simetria entre os
labirintos.
- Posturografia: avaliação gráfica da postura e, portanto, do equilíbrio.

5. Labirintopatias:
São as afecções do labirinto.
Ordem decrescente de frequências: Vertigem de posição paroxística benigna ->
síndrome de Ménière -> outras.
a) Vertigem posicional paroxística benigna (VPPB): labirintopatia periférica mais
comum. Ataques rápidos de vertigem (dura segundos e cessa espontaneamente)
quando a cabeça assume determinadas posições. Sinal importante: aparecimento de
Nistagmo de posicionamento. Após a crise paciente queixa-se de mal-estar e náuseas
que podem durar horas. Patogenia: movimento de fragmentos de otólitos que se
desprendem da mácula do utrículo e atingem os canais semicirculares – mais comum
no canal posterior por causa da sua própria posição anatômica.
Diagnóstico: feito pela manobra de Dix-Hallpike – colocamos o paciente deitado na
maca, com a cabeça inclinada de 30 graus para fora da maca e rodada lateralmente de
45 graus, e a orelha testada voltada para o solo. Na presença de partículas em
suspensão, essa movimentação da cabeça provoca deslocamento da endolinfa e da
cúpula do canal semicircular posterior, causando Nistagmo característico que tem
latência e dura de 2 a 5 segundos. Manter o paciente nessa posição por uns 30 s e
depois retornar o paciente à posição inicial quando poderá verificar um Nistagmo
menos intenso que bate em direção contrária à vista na posição teste. Teste é positivo
quando o Nistagmo surge num pequeno intervalo de tempo após o paciente assumir a
posição que o desencadeia (latência), com paroxismo e Nistagmo rotatório no sentido
horário no olho esquerdo (qnd canal testado é o posterior E), e anti-horário quando
canal testado é o direito. No olho oposto à orelha testada, aparece um Nistagmo
vertical para cima.

Presença de Nistagmo de posicionamento (manobra de Dix-Halpike):


- Latência
- Rotatório e geotrópico no olho do lado testado
- Vertical e para cima no outro olho
Testes audiométricos e restante da avaliação otoneurológico são normais.
Tratamento: A maioria dos casos regride espontaneamente. Como o mecanismo que
provoca a vertigem é mecânico, excepcionalmente se usam sedativos vestibulares. O
tto de eleição são as manobras de reposicionamento - Manobra de Epley (manobra
curativa para o canal posterior) = paciente é colocado na posição de Dix-Hallpike, isto
é, do lado em que o diagnóstico foi feito, e é mantido nessa posição até que a tontura
e o Nistagmo desapareçam. A cabeça é girada de 90 graus para o lado oposto e
mantida nessa posição por 1 a 2 minutos. Gira-se o corpo para a posição de decúbito
lateral, seguido da rotação da cabeça também de 90 graus, até que o nariz aponte para
o chão formando com o plano do solo um ângulo de 45 graus. Nessa posição, o
paciente é mantido de 30 a 60 s e pede-se para encostar o queixo no tórax e sentar-se
lentamente. A maioria fica assintomática com essa manobra, mas é sempre
importante investigar as causas que provocaram o desprendimento ou fragmentação
dos otólitos (trauma, isquemias transitórias, desmineralizações dos otólitos etc).
Nota: Outras causas de origem central podem comportar-se com sinais e sintomas de
VPPB e melhorar inexplicavelmente com as manobras de reposição de VPPB.

b) Síndrome de Menière (tontura mais rápida – 20 min):


Tríade (vertigem + hipoacusia + zumbidos) + Plenitude (sensação de orelha cheia) e
flutuação da audição.
Prevalência de 7% de todas as síndromes vestibulares periféricas.
Patogenia: Distensão do sistema endolinfático pelo aumento da endolinfa (hidropsia
endolinfática) é considerada a responsável pelos sintomas. Atualmente esse
mecanismo tem sido questionado e o aumento da vasopressina plasmática tem sido
apontado como a provável causa.
A evolução da doença é lenta e acaba por levar à perda total da audição uni ou
bilateralmente.
Diagnóstico clínico, auxiliado pelos exames audiométricos (audiometria tonal,
recrutamento imitanciométrico, eletrococleografia) e pela eletronistagmografia, e
principalmente pelos dados da prova calórica (hiporreflexia unilateral).
Exames complementares na hipoacusia e na hiporreflexia.
Tto:
- Dieta (insulina faz muita alteração do labirinto)
- Crise – depressores labirínticos (meclizina, dimenidrinato etc): Se a crise for muito
intensa paciente pode ficar internado para receber as medicações IV e hidratação. As
drogas depressoras devem ser suspensas assim que os sintomas regredirem, pois a
manutenção pode atrasar a compensação vestibular.
- Intercrise - Betaistina (vasodilatador das artérias labirínticas).
Nota: A ingestão de água elevada é recomendada para diluir a concentração da
vasopressiva, minimizando os seus efeitos.
Em casos de resistência ao tto clínico, recomenda-se o cirúrgico.

c) Neuronite vestibular:
Ataque súbito de vertigem acompanhado de náuseas e vômitos SEM SINTOMAS
AUDITIVOS (hipoacusia ou zumbidos). Geralmente desencadeada alguns dias após um
episódio de infecção das vias aéreas superiores. Os sintomas mais intensos duram de 2
-3 dias e alguma instabilidade pode perdurar até 2-3 semanas.
Diagnóstico clínico: anamnese e exame físico – nistagmo bate para o lado bom. Além
dos exames complementares: exames audiométricos (normais), provas calóricas (com
hiporreflexia unilateral) e prova rotatória (assimétrica).
Tto:
- Crise: sedação labiríntica (prometazina) – como trata-se de lesão unilateral devemos
manter a medicação por pouco tempo para não interferirmos na compensação
vestibular central. Depressores labirínticos curto período (benzodiazepinicos,
corticoide).
Diagnóstico diferencial: infarto cerebelar (pode manifestar-se unicamente com
vertigem).

d) Fístulas perilinfáticas:
Comunicação anormal ente orelhas média e interna. Causas: esforço físico ou trauma.
Os sintomas de vertigem e perda auditiva irrompem subitamente.
Tontura desencadeada por aumento da pressão na orelha média ou som intenso.
Diagnóstico: história clínica. O aumento da pressão sobre o tímpano, seja da pressão
interna pela manobra de Valsalva ou externa utilizando-se, por ex, impedanciômetro,
faz aparecer um Nistagmo para o lado da orelha estimulada. Pode-se estimular tbm
com um som de alta intensidade que fará aparecer um Nistagmo e tontura (fenômeno
de Tullio)
Tto: depressor labiríntico (medicação sintomática); repouso no leito com cabeceira
elevada; cirúrgico (se caso não estabilizar com outros ttos; cirurgia de difícil execução
pois dificilmente a fístula é encontrada); dieta laxativa para evitar fazer esforço
durante a evacuação.

e) Sd metabólicas e hormonais:
Distúrbios metabólicos e hormonais podem causar disfunções labirínticas que podem
se manifestar com sinais e sintomas típicos da doença de Ménière.
Disfunções metabólicas mais frequentes: Distúrbios dos lipídios e glicídios, hrs da
tireoide e ovarianos.
Clínica: tontura não rotatória, sd de menière.
Exames laboratoriais: glicemia de jejum, teste de tolerância à glicose (GTT) de 3 horas
com curva insulinêmica, taxas hrs tireoidianos T3, T4, TSH, colesterol e frações e
triglicérides.
Tto: Controle clínico.

f) Síndromes Cervicais:
São aquelas em que a região cervical é a responsável pela etiologia. O segmento
cervical tem 2 estruturas que se relacionam com os órgãos do equilíbrio: as artérias
vertebrais (responsáveis pela irrigação do tronco cerebral, cerebelo e labirinto) que
formam a artéria basilar, e os proprioceptores cervicais (levam informação da posição
do corpo em relação à cabeça). Qualquer alteração nelas causa disfunção no sistema
de equilíbrio.
Nota: Tensões musculares podem levar a tonturas.
- Distúrbios vasculares:
Insuficiência vertebrobasilar – artéria passa dentro dos canais ósseos formados pela
superposição dos processos transversos das vértebras – osteófitos, ateromas,
movimentação da cabeça. Comum em idosos.
- Distúrbios dos proprioceptores cervicais: Síndrome do simpático cervical posterior
(SSCP) – isquemia na área de distribuição da artéria vertebral ou exostoses vertebrais –
irritação do plexo cervical – cefaleia, tontura e otalgia, globus faríngeo.
Diagnóstico: exames de imagem; Ny de privação vertebrobasilar – bate para o lado em
que a cabeça está direcionada.

g) Migrânea vestibular:
Dá-se o nome de “migrânea” às vestibulopatias causadas por uma alteração vascular
que provoca a redução do fluxo sanguíneo no sistema vestibular, comprometendo
suas funções.
Ocorrência concomitante de cefaleia e vertigem (diagnóstico difícil quando o primeiro
episódio de vertigem ocorre na ausência de cefaleia).
Diagnóstico: história clínica + avaliações audiométricas e elenistagmográfica normais.
Tto da enxaqueca: dieta (evitar chocolate, vinho, queijo amarelo), betabloqueadores,
derivados do ‘ergot’, inibidores da receptação de serotonina, amitriptilina, flunarizina
(vasodilatador), acupuntura, programas de reabilitação vestibular.

h) Labirintopatias infecciosas:
Geralmente secundárias a infecções de orelha externa ou média.
Hipoacusia e vertigem intensa.
Exame otoneurológico mostra nistagmo espontâneo, batendo para o lado oposto à
lesão.
Sintomas relacionados à invasão de toxinas da orelha média ou meníngea na orelha
interna.
Labirintite crônica: invasão por novos tecidos com colesteatoma, fibrose ou
granulações.
Labirintite esclerosante: é a evolução de uma labirintite supurativa. Ocorre
substituição das estruturas labirínticas normais por tecido fibroso ou ósseo nos
espaços labirínticos, levando a uma perda severa da função.
O tto é realizado com antibioticoterapia e corticoterapia.

i) Labirintopatias infecciosas específicas:


- Herpes zoster oticus: neurite viral do VII e do VIII nervos cranianos, causa vertigem e
hipoacusia e pode aparecer como síndrome de Ramsey-Hunt.
- Caxumba: é mais comumente relacionado com quadro de surdez, porém o
acometimento vestibular também pode ocorrer.
- Outros: CMV, rubéola, sarampo, varicela-zoster, SIDA, bacterianas, fúngicas e por
protozoários.

Tratamento – resumo: Identificar e tratar o fator desencadeante; tto dietético e


comportamental; tto multidisciplinar; cuidado com o uso de fármacos; reabilitação
vestibular (treinamento do labirinto para as variações de posição).

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