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O Que e Substancia
O Que e Substancia
O Que e Substancia
Costa – ppgfil/UFRN
O QUE É A SUBSTÂNCIA?
Alternativas plausíveis
Uma primeira sugestão alternativa para a qual quero acenar começa com
o abandono da teoria do feixe de tropos – que combinados parecem
constituir objetos materiais, mais do que substâncias – por uma tentativa de
encontrar tropos essenciais, necessariamente presentes em qualquer caso de
entidade material. Quais seriam eles? A solidez, por exemplo, é comum a
todos os corpos materiais. Ela vem acompanhada de certa forma e volume.
Mas forma e volume podem variar. Ademais, líquidos como a água de um
copo, ou gazes como o ar de um balão, não são sólidos, embora também
contenham substâncias.
Se formos além e buscarmos alguma coisa única e essencial a todas as
entidades materiais, a resposta natural é que ela é a própria matéria, definida
em física como tudo aquilo que ocupa um espaço (volume). O conceito de
matéria está intrinsecamente associado ao de massa (ou de massa-energia),
definido pela física como a quantidade de matéria. A massa é em física
duplamente definida como a medida da resistência do corpo à aceleração
(massa inercial) e como aquilo que produz atração gravitacional em
proporção à sua quantidade (massa gravitacional); como essas duas medidas
sempre se mostraram proporcionais, elas devem ser medidas da mesma
coisa. Pode parecer que esses conceitos de física sejam demasiado distantes
do que Aristóteles possa ter tido em mente quando falou de substância.
Contudo, devemos lembrar que o senso comum sempre teve implícita a idéia
de matéria como aquilo que ocupa espaço e de massa como a resistência dos
corpos às forças aplicadas a eles... Isso explica o fato de Aristóteles também
ter podido identificar a substância à matéria.
Só isso, contudo, não basta. É ainda necessário individuar uma porção de
matéria de modo a poder distingui-la de outras, introduzindo uma exigência
de continuidade de localização. Em outras palavras: a massa precisa ser
espácio-temporalmente localizável, e o seu deslocamento, caso ocorra, deve
obedecer a certa ordem de continuidade. A substância passa então a ser
definida como a matéria continuamente localizável. Com efeito, uma
matéria continuamente localizável é um substrato capaz de permanecer
através de mudanças. Ela é constatável através de um “atributo essencial”, a
massa, que se faz reconhecível através dos tropos a ela associados, como os
de solidez, forma, volume... que são acessíveis aos sentidos. Parece que com
essa interpretação seria possível resgatar a noção de substância como o
substrato último.
Contra essa sugestão é fácil objetar que quando identificamos coisas no
tempo é freqüente que a matéria possa ser substituída sem que o suporte da
mudança se modifique, seja ele qual for. Assim, podemos substituir a cabeça
de um martelo e, tempos depois, o cabo, e ainda assim dizer que é o mesmo
martelo, o mesmo se dando com vegetais e animais que, com o passar dos
anos, têm toda a sua matéria corpórea substituída. Neste caso, o que
permanece durante a mudança não é mais a substância, entendida como o
substrato último, mas a substância entendida como objeto de predicações
expondo um tipo de coisa que o objeto material ou o particular
continuamente localizado é, ou seja, um martelo, uma árvore, um animal,
uma pessoa. Essa última sugestão nos trás de volta à sugestão dos sistemas
de tropos. Ela nos afasta da idéia de substrato, mas faz-nos recordar das duas
primeiras definições aristotélicas e sugere uma resposta mais satisfatória à
questão do que permanece através da mudança(11).
Notas:
1 Aristóteles: Categorias, sec. 5.
2 Aristóteles: Categorias, sec. 5.
3 Aristóteles: Categorias, sec. 5.
4 Aristóteles: Metafísica, VII, sec. 3.
5 Howard Robinson: “Substance”, in Stanford Encyclopedia of Philosophy
(internet 2004), p. 5.
6 René Descartes: Discourse de la Methode, cap. IV.
7 John Locke: Essay Concerning Human Understanding, livro 1, cap.
XXIII, § 1.
8 Baruch Spinoza: Ethica Ordine Geometrico Demonstrata, Parte I,
Definições III.
9 J. Hoffman & G. S. Rosenkrantz: Substance: its Nature and Existence
(Routledge: London 1997), pp. 26-27.
10 J. Hoffman & G. S. Rosenkrantz: Substance: its Nature and Existence, p.
29.
11 Um desenvolvimento dessa alternativa encontra-se em David Wiggins:
Sameness and Substance (Cambridge University Press: Cambridge 1996,
sec. ed.).