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ISSN 1982 - 0283

NOVAS DIRETRIZES
PARA A EDUCAÇÃO
INFANTIL
Ano XXIII - Boletim 9 - JUNHO 2013
NOVAS DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

SUMÁRIO

Apresentação........................................................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça

Introdução............................................................................................................................... 4
Zilma de Moraes Ramos de Oliveira

Texto 1 - As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil: uma breve apresen-
tação....................................................................................................................................... 10
Silvia Helena Vieira Cruz

Texto 2 - A experiência de aprender na Educação Infantil...................................................... 19


Silvana de Oliveira Augusto

Texto 3: Avaliação: instrumento do professor para aprimorar o trabalho na Educação Infan-


til ...........................................................................................................................................29
Marisa Vasconcelos Ferreira
Apresentação

Novas diretrizes para a Educação Infantil

A publicação Salto para o Futuro comple- A edição 9 de 2013 traz como tema Novas
menta as edições televisivas do programa diretrizes para a Educação Infantil e conta
de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este com a consultoria de Zilma de Moraes Ra-
aspecto não significa, no entanto, uma sim- mos de Oliveira, professora e pesquisadora
ples dependência entre as duas versões. Ao da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
contrário, os leitores e os telespectadores de Ribeirão Preto – FFCLRP-USP.
– professores e gestores da Educação Bási-
ca, em sua maioria, além de estudantes de Os textos que integram essa publicação são:
cursos de formação de professores, de Fa-
3
culdades de Pedagogia e de diferentes licen- 1. As Diretrizes Curriculares Nacionais
ciaturas – poderão perceber que existe uma para a Educação Infantil: uma breve
interlocução entre textos e programas, pre- apresentação
servadas as especificidades dessas formas
distintas de apresentar e debater temáticas 2. A experiência de aprender na Educação

variadas no campo da educação. Na página Infantil

eletrônica do programa, encontrarão ainda


outras funcionalidades que compõem uma 3. Avaliação: instrumento do professor

rede de conhecimentos e significados que se para aprimorar o trabalho na Educa-

efetiva nos diversos usos desses recursos nas ção Infantil

escolas e nas instituições de formação. Os


textos que integram cada edição temática, Boa Leitura!

além de constituírem material de pesquisa e


estudo para professores, servem também de
base para a produção dos programas. Rosa Helena Mendonça1

1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).


Novas diretrizes para a Educação Infantil

INTRODUÇÃO

Zilma de Moraes Ramos de Oliveira 1

O CURRÍCULO PARA A EDUCAÇÃO professores que atuam junto às crianças de

INFANTIL: QUE DIREÇÃO TOMAR? 0 a 5 anos a construírem propostas peda-


gógicas que, no cotidiano de creches e pré-
Muita coisa está ocorrendo na área da Edu- escolas, deem voz às crianças e acolham a
cação Infantil. Ao lado da expansão de ma- forma de elas significarem o mundo e a si
trículas, embora ainda em número insufi- mesmas, em parceria com as famílias.
ciente, tem havido significativa mudança
na forma como hoje se compreende a fun- O texto da professora Silvia Cruz é claro na
ção social e política desse nível de ensino e exposição que faz do processo de elaboração
a concepção de criança e seu processo de 4
das Diretrizes, com explicitação da identida-
aprendizado e desenvolvimento. Novas pro- de da Educação Infantil, condição indispen-
postas didáticas e pontos de vista renovados sável para o estabelecimento de normativas
sobre o cotidiano das creches e pré-escolas em relação ao currículo e a outros aspectos
têm convidado os professores a repensar seu envolvidos em uma proposta pedagógica.
trabalho junto às crianças e suas famílias. É Lembra o Parecer CNE/CEB nº 20/09 que nem
disso que esta edição temática irá tratar. toda Política para a Infância, que requer es-
forços multissetoriais integrados, é uma Po-
Para orientar as unidades de Educação In- lítica de Educação Infantil. Com isso, outras
fantil na tarefa de aperfeiçoar suas práticas medidas de proteção à infância devem ser
pedagógicas, as novas Diretrizes Curricula- buscadas fora do sistema de ensino, embora
res Nacionais da Educação Infantil (DCNEI), articuladas com ele, sempre que necessário.
aprovadas pelo Conselho Nacional de Edu-
cação em 2009 (Parecer CNE/CEB nº 20/09 e O foco do trabalho institucional vai em di-
Resolução CNE/CEB nº 05/09), desafiam os reção à ampliação de conhecimentos e sa-

1 Professora e pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – FFCLRP-USP.


Consultora da edição temática.
beres, de modo a promover igualdade de Mas, atualmente, as críticas em relação ao
oportunidades educacionais às crianças de modo como a concepção de currículo vinha
diferentes classes sociais, no compromisso sendo trabalhada nas escolas não ficam res-
de que a sociabilidade cotidianamente pro- tritas aos educadores da Educação Infantil,
porcionada às crianças lhes possibilite se mas são assumidas por vários setores que
perceberem como sujeitos marcados pelas trabalham no Ensino Fundamental e Médio,
ideias de democracia e de justiça social, e etapas que, inclusive, estão também reven-
se apropriarem de atitudes de respeito às do suas diretrizes curriculares.
demais pessoas, lutando contra qualquer
forma de exclusão social. A colocação dessa Por sua vez, nos últimos 20 anos, acumu-
tarefa requer uma forma de organização dos lou-se uma série de conhecimentos sobre
ambientes de aprendizagem que, na pers- as formas de organização do cotidiano das
pectiva do sistema de ensino, é orientada unidades de Educação Infantil de modo a
pelo currículo. promover o desenvolvimento das crianças.
Nesse sentido, o texto da professora Silva-
É importante lembrar que o debate sobre o na Augusto é ao mesmo tempo ilustrativo e
currículo na Educação Infantil tem gerado provocativo.
muitas controvérsias entre os professores 5

de creches e pré-escolas e outros educadores A definição de currículo defendida nas Dire-


e profissionais afins. Além de tal debate in- trizes põe o foco na ação mediadora da ins-
cluir diferentes visões de criança, de família tituição de Educação Infantil como articula-
e de funções da creche e da pré-escola, para dora das experiências e saberes das crianças
muitos educadores e especialistas que traba- e os conhecimentos que circulam na cultu-
lham na área a Educação Infantil não deveria ra mais ampla e que despertam o interesse
envolver-se com a questão de currículo, ter- das crianças. O cotidiano das unidades de
mo em geral associado à escolarização, tal Educação Infantil, enquanto contextos de
como vivida no Ensino Fundamental e Mé- vivência, aprendizagem e desenvolvimen-
dio, e associado à ideia de disciplinas, de ma- to, requer a organização de diversos aspec-
térias escolares. Receosos de importar para tos: os tempos de realização das atividades
a Educação Infantil uma estrutura e uma (ocasião, frequência, duração), os espaços
organização que têm sido hoje muito criti- em que essas atividades transcorrem (o que
cadas, muitos educadores da área preferem inclui a estruturação dos espaços internos,
usar a expressão ‘projeto pedagógico’ para externos, de modo a favorecer as interações
se referirem à orientação dada ao trabalho infantis na exploração que fazem do mun-
com as crianças em creches ou pré-escolas. do), os materiais disponíveis e, em especial,
as maneiras de o professor exercer seu papel condições para ela se apropriar de determi-
(organizando o ambiente, ouvindo as crian- nadas aprendizagens que lhe promovem o
ças, respondendo-lhes de determinada ma- desenvolvimento de formas de agir, sentir e
neira, oferecendo-lhes materiais, sugestões, pensar que são marcantes em um momento
apoio emocional, ou promovendo condições histórico.
para a ocorrência de valiosas interações e
brincadeiras criadas pelas crianças etc.). Quando o/a professor/a ajuda as crianças a
compreender os saberes envolvidos na reso-
A atividade da criança não se limita à passiva lução de certas tarefas – tais como empilhar
incorporação de elementos da cultura, mas blocos, narrar um acontecimento, recontar
ela afirma sua singularidade atribuindo sen- uma história, fazer um desenho, consolar
tidos à sua experiência através de diferentes outra criança que chora etc. – são criadas
linguagens, como meio para seu desenvolvi- condições para o desenvolvimento de habili-
mento em diversos aspectos (afetivos, cog- dades cada vez mais complexas pelas crian-
nitivos, motores e sociais). Assim, a criança ças, que têm experiências de aprendizagem
busca compreender o mundo e a si mesma, e desenvolvimento diferentes de crianças
testando de alguma forma as significações que têm menos oportunidades de interação
que constrói, modificando-as continuamen- e exploração. O desafio que se coloca para a 6
te em cada interação, seja com outro ser hu- elaboração curricular e para sua efetivação
mano, seja com objetos. Em outras palavras, cotidiana é transcender a prática pedagó-
a criança, desde pequena, não só se apropria gica centrada no/a professor/a e trabalhar,
de uma cultura, mas o faz de um modo pró- sobretudo, a sensibilidade deste/a para uma
prio, construindo cultura por sua vez. aproximação real da criança, compreenden-
do-a do ponto de vista dela, e não no ponto
As experiências vividas no espaço de Educa- de vista do adulto.
ção Infantil devem possibilitar o encontro de
explicações pela criança sobre o que ocorre O campo de aprendizagens que as crianças
à sua volta e consigo mesma, enquanto de- podem realizar na Educação Infantil é muito
senvolve formas de sentir, pensar e solucio- grande. As situações cotidianas criadas nas
nar problemas. Nesse processo, é preciso creches e pré-escolas podem ampliar as pos-
considerar que as crianças necessitam en- sibilidades de as crianças viverem a infân-
volver-se com diferentes linguagens e valori- cia e aprenderem a conviver, brincar e de-
zar as brincadeiras, as culturas infantis. Não senvolver projetos em grupo, expressar-se,
se trata, assim, de transmitir à criança uma comunicar-se, criar e reconhecer novas lin-
cultura considerada pronta, mas de oferecer guagens, ouvir e recontar histórias lidas, ter
iniciativa para escolher uma atividade, bus- vez que é por meio dela que a instituição se
car soluções para problemas e conflitos, ou- abre à comunidade e possibilita sua partici-
vir poemas, conversar sobre o crescimento pação na elaboração e acompanhamento da
de algumas plantas que são por elas cuida- proposta pedagógica.
das, colecionar objetos, participar de brin-
cadeiras de roda, brincar de faz de conta, de Todas essas preocupações, além de marcar
casinha, ou de ir à venda, calcular quantas significativamente todas as instituições de
balas há em uma vasilha para distribuí-las Educação Infantil do país, devem ainda estar
pelas crianças presentes, aprender a arre- presentes nas seguintes situações aponta-
messar uma bola em um cesto, cuidar de sua das nas DCNEI: o trabalho pedagógico com
higiene e de sua organização pessoal, cuidar as crianças com deficiência, transtornos glo-
dos colegas que necessitam ajuda e cuidar bais de desenvolvimento e altas habilidades/
do ambiente, compreender suas emoções e superdotação, e o atendimento à demanda
sua forma de reagir às situações, construir das populações do campo, dos povos da flo-
as primeiras hipóteses, por exemplo, sobre resta e dos rios, indígenas, quilombolas por
o uso da linguagem escrita, e formular um uma educação e cuidado de qualidade para
sentido de si mesmas. seus filhos.
7

Finalmente, considerar as crianças concre- O texto da professora Marisa Vasconcelos


tas no planejamento curricular das institui- Ferreira traz importantes reflexões sobre
ções de Educação infantil significa também a avaliação na Educação Infantil enquan-
compreender seus grupos culturais, em par- to instrumento de reflexão sobre a prática
ticular suas famílias. Creches e pré-escolas, pedagógica pelo professor, conforme ele
ao possibilitarem às crianças uma vivência pesquisa que elementos podem estar con-
social diversa da experiência no grupo fami- tribuindo, ou dificultando, as possibilidades
liar, desempenham importante papel na for- de expressão da criança, sua aprendizagem
mação da personalidade da criança. É bom e desenvolvimento.
lembrar, no entanto, que os contextos cole-
tivos de educação para crianças pequenas Para concluir, o dinamismo presente na área
diferem do ambiente familiar e requerem de Educação Infantil invoca a necessidade
formas de organização diferentes do modelo de ampliação dos processos de formação
de substituto materno, anteriormente usa- continuada para qualificar as práticas pe-
do para analisar o trabalho em creches e es- dagógicas existentes na direção proposta.
colas maternais. Isso reforça a gestão demo- Muitas instituições encontram-se presas a
crática como elemento imprescindível, uma modelos que já foram avaliados e julgados
inadequados como instrumentos de educar, as práticas cotidianas vividas pelas crianças
cuidar e promover o desenvolvimento das nas instituições de Educação infantil e pela
crianças. Em parte, a presença desses mode- busca de formas de trabalho pedagógico
los é devida à longa tradição assistencialis- que possam caminhar na direção pretendi-
ta presente no processo de constituição da da. Se hoje algumas instituições já se encon-
área de Educação Infantil, em particular em tram bem avançadas na concretização de
relação à creche, o que prejudicou a elabora- suas propostas de modo compatível com as
ção de modelos pedagógicos mais afinados normativas trazidas pelas novas Diretrizes,
com as formas de promoção do desenvolvi- outras instituições podem, desde já, se en-
mento infantil. Outro fator é a ausência de volverem em amplo processo de renovação
uma política de formação específica para os de práticas, de revolução de representações
profissionais da Educação Infantil nos cur- cristalizadas sobre a criança, criando novas
sos de Pedagogia, com uma explicitação cla- expectativas acerca do que ela pode apren-
ra de suas atribuições junto às crianças, par- der e da melhor forma de fazê-lo. Afinal, não
ticularmente em relação àquelas com idade apenas as crianças são sujeitos do processo
entre zero a três anos. de aprendizagem, mas também seus profes-
sores se incluem no fascinante processo de
Nossa aposta é pelo envolvimento dos edu- ser “um eterno aprendiz”. 8
cadores que atuam na área na reflexão sobre

TEXTOS DA EDIÇÃO TEMÁTICA NOVAS DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO IN-


FANTIL2

Para orientar as unidades de Educação Infantil na tarefa de aperfeiçoar suas práticas pedagógicas,
as novas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI), aprovadas pelo Conselho
Nacional de Educação em 2009 (Parecer CNE/CEB nº 20/09 e Resolução CNE/CEB nº 05/09), desafiam
os professores que atuam junto às crianças de 0 a 5 anos a construírem propostas pedagógicas que,
no cotidiano de creches e pré-escolas, deem voz às crianças e acolham a forma de elas significarem
o mundo e a si mesmas, em parceria com as famílias. Neste sentido, foram elencados três aspectos
a serem discutidos nesta edição temática: currículo, campos de experiência e avaliação.

2 Os textos desta publicação eletrônica são referenciais para o desenvolvimento dos assuntos abordados
na edição temática Novas diretrizes para a Educação Infantil, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV
Escola nos dias 3 e 5 de junho de 2013.
TEXTO 1: AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO
INFANTIL: UMA BREVE APRESENTAÇÃO

O primeiro texto da edição temática tem como foco a exposição do processo de elaboração
das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI), aprovadas pelo Conselho
Nacional de Educação em 2009 (Parecer CNE/CEB nº 20/09 e Resolução CNE/CEB nº 05/09), com
explicitação da identidade da Educação Infantil, condição indispensável para o estabelecimen-
to de normativas em relação ao currículo e a outros aspectos envolvidos em uma proposta
pedagógica.

TEXTO 2: A EXPERIÊNCIA DE APRENDER NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O segundo texto da edição temática apresenta conhecimentos relevantes sobre as formas de


organização do cotidiano das unidades de Educação Infantil, visando a promover o desenvolvi-
mento das crianças, levando em conta a ação mediadora das instituições de Educação Infantil
como articuladoras das experiências e saberes das crianças.

9
TEXTO 3: AVALIAÇÃO: INSTRUMENTO DO PROFESSOR PARA APRIMORAR
O TRABALHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O terceiro texto da edição temática traz importantes reflexões sobre a avaliação na Educação
Infantil, enquanto instrumento de reflexão sobre a prática pedagógica pelo professor, na medi-
da em que é ele quem pesquisa que elementos podem estar contribuindo, ou dificultando, as
possibilidades de expressão da criança, sua aprendizagem e desenvolvimento.
TEXTO 1

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Infantil: uma breve apresentação
Silvia Helena Vieira Cruz2

As Diretrizes Curriculares Nacionais para ocorrendo. Por exemplo, o atendimento gra-


a Educação Infantil, instituídas pela Reso- tuito em creches e pré-escolas às crianças de
lução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, do 0 a 6 anos de idade passou a ser incluído entre
Conselho Nacional de Educação, “orientam os deveres do Estado com educação escolar
a formulação de políticas, incluindo a de for- pública na Constituição de 1988. E na Lei de
mação de professores e demais profissionais Diretrizes e Bases – LDB, em 1996, a creche,
da Educação, e também o planejamento, anteriormente identificada principalmente
desenvolvimento e avaliação pelas unidades como um local de guarda de crianças pobres
de seu Projeto Político-Pedagógico” (Parecer e, portanto, vinculada a órgãos da área da as-
10
CNE/CEB nº. 20/2009). Trata-se de um mar- sistência, passou a ser compreendida como o
co fundamental na história da educação das atendimento educacional às crianças de zero
crianças pequenas no nosso país. a três anos e a integrar o sistema de ensino
como parte da primeira etapa da educação
Ao longo desta história, muitas concepções básica, a Educação Infantil.
acerca das crianças e da função das insti-
tuições a elas destinadas, profundamente Esta tem sido a opção brasileira: incorporar
marcadas pelas classes sociais às quais elas o cuidado e a educação dos bebês e crianças
pertenciam, sofreram transformações (em- pequenas no âmbito da Educação. Muitos
bora algumas delas ainda persistam), fruto esforços têm sido despendidos no sentido de
de avanços no conhecimento acumulado na construir a identidade própria desta etapa
área e da luta de movimentos sociais, enti- da educação, pois, ao mesmo tempo em que
dades e profissionais que defendem os direi- compartilha características comuns com as
tos das crianças. A legislação brasileira tem demais etapas, guarda especificidades que
expressado estas transformações que vêm precisam ser consideradas. Os debates em

1 Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Professora
da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará – UFC.
torno do objetivo do trabalho pedagógico e Propostas Pedagógicas, uma contribuição
das estratégias utilizadas para alcançá-lo fa- preciosa destas DCNEI que precisa ser desta-
zem parte deste empenho da área de Educa- cada é a explicitação dos seus fundamentos
ção Infantil na construção da sua identidade. norteadores:

Na LDB já havia sido explicitado o objetivo • Princípios Éticos da autonomia, da res-


da Educação Infantil: contribuir para o de- ponsabilidade, da solidariedade e do res-
senvolvimento integral das crianças, com- peito ao bem comum;
plementando a ação da família. Mas, como
• Princípios Políticos dos direitos e deveres
esse objetivo deveria ser concretizado junto
de cidadania, do exercício da criticidade e
às crianças que frequentam creches e pré-
do respeito à ordem democrática;
escolas?

• Princípios Estéticos da sensibilidade, da


Em 1998, o Conselho Nacional de Educação
criatividade, da ludicidade, da qualidade e
lançou as primeiras Diretrizes Curriculares
da diversidade de manifestações artísticas
Nacionais para a Educação Infantil, com a
e culturais.
finalidade de “nortear as propostas curricu-
lares e os projetos pedagógicos” e estabele- Estes princípios estão incluídos em outros 11
cer “paradigmas para a própria concepção documentos legais e foram mantidos nas
destes programas” (Parecer CEB nº. 022/98). atuais DCNEI.
Tais Diretrizes se constituíram num instru-
mento muito importante no processo de Apesar da importância capital destas pri-
construção da qualidade da Educação Infan- meiras DCNEI, vários avanços na política,
til, trazendo indicações para a elaboração na produção científica e nos movimentos
das propostas pedagógicas e para os proces- sociais na área da Educação Infantil no con-
sos de avaliação das crianças, e reforçando texto brasileiro indicaram a necessidade de
o que está disposto na LDB acerca da for- sua revisão e atualização. Para tanto, foi
mação mínima exigida para os professores, desencadeado um processo amplo e parti-
equipe de direção e coordenação, além de cipativo, iniciado pelo estabelecimento de
apontar a importância das propostas peda- um convênio de cooperação técnica entre
gógicas e regimentos para a gestão autôno- a Coordenadoria de Educação Infantil do
ma e de qualidade das instituições de Educa- MEC e a Universidade Federal do Rio Grande
ção Infantil. do Sul (UFRGS), o qual originou um grande
movimento nacional de estudos e debates
Entre as indicações para a elaboração das sobre o currículo da Educação Infantil. Um
dos documentos produzidos nesse processo, crucial para dar visibilidade aos consensos
“Práticas cotidianas na Educação Infantil: provisórios e descensos que ainda persistem
bases para a reflexão sobre as orientações acerca de vários temas implicados no currí-
curriculares” (MEC/SEB, 2009a) serviu de culo para a Educação Infantil, nesse deter-
base para a elaboração de “Subsídios para as minado momento histórico.
Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas
da Educação Básica” (MEC/SEB, 2009b). Um Nesse sentido, é preciso atentar para o fato
texto-síntese dos pontos básicos foi discuti- de que, embora as DCNEI tenham caráter
do em audiências públicas promovidas pela mandatório, isto é, devem ser consideradas
Câmara de Educação Básica do CNE nas ci- por todas as instituições que oferecem esta
dades de São Luís, Brasília e São Paulo. Além etapa da educação, cabe a cada instituição
disso, um grande número de entidades, uni- de Educação Infantil promover uma discus-
versidades, fóruns estaduais de educação in- são coletiva e democrática, da qual participe
fantil, profissionais e pesquisadores da área toda a comunidade escolar, a fim de definir
participaram de debates sobre a proposta como a sua proposta pedagógica poderá
inicial e puderam contribuir para a elabora- dela se beneficiar. Isto porque as decisões
ção final deste documento. acerca das concepções, objetivos, aborda-
gens metodológicas, avaliação etc. sempre 12
Vale destacar que as definições que necessa- precisam ser tomadas e assumidas por to-
riamente precisaram ser feitas aconteceram dos que fazem a instituição. As DCNEI não
com base nos conhecimentos, mas também substituem nem diminuem a importância
nas concepções, crenças, valores e desejos desse processo.
dos que delas participaram. Portanto, foi
um processo marcado por consensos e di- Ao cumprir o seu objetivo de orientar as po-
vergências que precisaram ser explicitadas líticas públicas e a elaboração, planejamen-
e, como afirma Bondioli (2004), “negocia- to, execução e avaliação de propostas peda-
das” entre os diversos atores sociais. Nele, gógicas e curriculares de Educação Infantil,
foram feitas “escolhas explicitamente éticas as DCNEI reúnem uma série de princípios,
e filosóficas, julgamentos de valor realiza- fundamentos e procedimentos expressos
dos em relação às questões mais amplas do nos seus diversos artigos. Todos eles são
que queremos para os nossos filhos hoje e relevantes, mas considerando que alguns
no futuro”, como afirmam Dahlberg, Moss aspectos serão tratados em outros textos
e Pence (2003, p. 144) acerca do discurso da desta edição temática, gostaria, nesse mo-
construção de significados. Assim, o pró- mento de destacar apenas algumas defini-
prio processo de construção das DCNEI foi ções trazidas neste documento e como nele
é vista a função sociopolítica e pedagógica do precisam ser sensíveis e levar em conta as
das instituições de Educação Infantil. suas curiosidades, interesses e desejos. Além
disso, ao referir-se a práticas, é evidente que
estão sendo consideradas as formas caracte-
CURRÍCULO (ARTIGO 3º)
rísticas de as crianças se apropriarem de co-

Vários profissionais e pesquisadores da área nhecimentos, habilidades e valores. Apesar

da Educação Infantil têm expressado preo- de acontecerem mudanças ao longo destes

cupações acerca do tema currículo. Consi- anos iniciais, em alguma medida as práticas

derando que se trata de bebês e crianças tão cotidianas têm papel relevante nessa apro-

pequenas e talvez por ter em mente uma priação.

ideia de currículo como sequência de con-


teúdos escolares, muitos têm o justo receio As aprendizagens das crianças propiciadas

de que passe a predominar uma tônica “es- por estas experiências oferecidas pelo cur-

colarizante”, que desconsidere o direito de rículo devem contribuir para “promover o

as crianças viverem plenamente a sua infân- desenvolvimento integral de crianças de

cia. Assim, o tema currículo para a Educação 0 a 5 anos de idade”, retomando o objeti-

Infantil tem provocado polêmica na área, o vo da Educação Infantil proposto desde a


LDB. Portanto, trata-se de experiências que 13
que se torna particularmente importante,
por ser bastante esclarecedora a definição contemplem não apenas o aspecto cogniti-

de currículo trazida nas DCNEI. vo das crianças (como algumas instituições


supostamente de qualidade ainda insistem),

O currículo da Educação Infantil é concebi- mas que contribuam positivamente para o

do como “um conjunto de práticas que bus- seu desenvolvimento físico, afetivo e social.

cam articular as experiências e os saberes


das crianças com os conhecimentos que fa-
CRIANÇA (ARTIGO 4º)
zem parte do patrimônio cultural, artístico,
ambiental, científico e tecnológico”, isto é, A definição de criança contida neste arti-
a criança, com suas experiências e saberes, go parte da ideia de que ela é o centro do
é o centro do processo educativo. Elas têm planejamento curricular. Estando nessa po-
direito de se apropriar dos “conhecimentos sição, é decisivo que seja considerada em
que fazem parte do patrimônio cultural, ar- todas as suas especificidades, pois só assim
tístico, ambiental, científico e tecnológico”, o planejamento (como também a avaliação)
mas as práticas que buscam articular as ex- da prática pedagógica ganha sentido e pode
periências e saberes das crianças a esse lega- ser adequado. Além de reafirmar a condição
da criança como sujeito histórico e de di- pelos adultos, são agentes ativos que cons-
reitos, é ressaltado que ela constrói a sua troem suas próprias culturas e contribuem
identidade pessoal e coletiva através das in- para a produção do mundo adulto, confor-
terações, relações e práticas cotidianas que me preconiza a Sociologia da Infância.
vivencia. Apesar de esse processo de cons-
trução da identidade continuar ao longo da A apropriação da concepção de criança ati-
vida, nos anos pré-escolares ele é particu- va, competente, curiosa, questionadora,
larmente intenso; nesse período são dados com desejos, imaginação e fantasias pró-
os passos decisivos para a diferenciação e prios, pode significar uma mudança radical
individuação da pes- na prática pedagógica, no currículo pratica-
soa, para a constru- do. Não é uma mu-
ção da consciência A apropriação da dança simples, pois
de si, na perspectiva concepção de criança esta concepção não
walloniana. E o fato é hegemônica na
ativa, competente,
de esse processo nossa sociedade,
curiosa, questionadora,
acontecer nas inte- que geralmente vê
rações, relações e
com desejos, imaginação as crianças como
práticas cotidianas e fantasias próprios, pouco competen- 14

vividas pela criança pode significar uma tes, dependentes do


ressalta a impor- mudança radical na prática desejo do adulto e,
tância do currículo claro, sem direito
pedagógica, no currículo
que lhe é oferecido à voz. Mas, a apro-
praticado.
em creches ou pré- priação desta con-
escolas. cepção conta a seu
favor não só com
É lembrado, ainda, que a criança “brinca, a sensibilidade de cada professor e os co-
imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, nhecimentos que estão sendo acumulados
experimenta, narra, questiona e constrói acerca da criança, mas com o grande prazer
sentidos sobre a natureza e a sociedade, que ela acrescenta ao trabalho pedagógico
produzindo cultura”. Portanto, ao mesmo cotidiano, que se torna mais rico e signifi-
tempo em que as aprendizagens e o desen- cativo tanto para as crianças como para as
volvimento infantis são fortemente influen- professoras.
ciados por suas experiências, as crianças
realizam processos de significação que são
EDUCAÇÃO INFANTIL (ARTIGO 5º)
específicos e diferentes daqueles produzidos
A definição de Educação Infantil ressalta o a frequência na Educação Infantil não é pré-
seu caráter institucional e educacional. O requisito para a matrícula no Ensino Funda-
caráter educacional é reafirmado ao definir mental. Mesmo tendo em vista a atual obri-
que se trata de um atendimento feito no gatoriedade de matrícula das crianças de
período diurno (o que descarta a denomi- quatro e cinco anos (Emenda Constitucional
nação de creche ou pré-escolas para outros nº 59), é provável que tenha sido considera-
tipos de atendimentos dos quais as famílias do que essa obrigatoriedade deverá ser im-
também necessitem), o que é também re- plementada progressivamente até 2016 e há
forçado quando assevera que os estabeleci- ainda um grande número de crianças exclu-
mentos que oferecem creches e pré-escolas ídas do seu direito à educação.
são regulados e supervisionados por órgão
competente do sistema de ensino. A função sociopolítica e pedagógica das ins-
tituições de Educação Infantil (Artigo 7º)
A reafirmação do caráter institucional e edu-
cacional da Educação Infantil é necessária e Segundo as DCNEI, a proposta pedagógica
oportuna. As DCNEI mostram-se atentas ao das instituições de Educação Infantil deve
atual momento histórico, em que conquis- garantir que elas cumpram plenamente
tas da área na direção da garantia de quali- duas funções: sociopolítica e pedagógica. 15
dade e construção da identidade de creches Gostaria de ressaltar aqui alguns requisitos
e pré-escolas são ameaçadas. Ao explicitar o que são apontadas para isso:
caráter institucional, não doméstico, toma
posição contra a existência, por exemplo, a) O oferecimento de “condições e recur-
de “creches domiciliares”, iniciativa que sos para que as crianças usufruam
tem sido tomada por alguns municípios. E seus direitos civis, humanos e sociais”
o fato de creches e pré-escolas fazerem par- (Inciso I), pelo reconhecimento de que
te do sistema de ensino tem consequências é necessário garantir nas instituições
importantes, por exemplo, para a carreira e pré-requisitos para um trabalho de
condições de trabalho dos professores que qualidade, que vão desde a infraestru-
aí atuam. tura dos prédios até como é desenvol-
vida a formação continuada e o acom-
Ao citar o dever do Estado de garantir a ofer- panhamento dos professores; como
ta de Educação Infantil pública, gratuita e é realizado o planejamento; qual a
de qualidade, sem requisito de seleção, tam- qualidade e diversidade dos brinque-
bém é reafirmado o direito das crianças à dos, livros de literatura infantil etc.
educação. Por outro lado, é considerado que disponíveis para as crianças. São es-
sas condições e recursos, oferecidos a na famosa afirmação de Paulo Freire,
todas as crianças, que irão promover a educação não transforma o mundo,
a “igualdade de oportunidades educa- a educação muda pessoas. E pessoas
cionais entre as crianças de diferen- mudam o mundo.
tes classes sociais no que se refere ao
acesso a bens culturais e às possibili- Gostaria de concluir esta breve apresenta-
dades de vivência da infância”, como ção ressaltando que, ao longo de vários arti-
apontado no Inciso IV. gos, este documento chama a atenção para
o necessário cuidado com as crianças, par-
b) A construção de “novas formas de so- ticularmente com as características que as
ciabilidade e de subjetividade compro- constituem e as fazem singulares, diferen-
metidas com a ludicidade, a democra- tes de outros como indivíduos ou grupos. Os
cia, a sustentabilidade do planeta e princípios éticos já se referem ao respeito
com o rompimento de relações de do- às diferentes culturas, identidades e singu-
minação etária, socioeconômica, étni- laridades, os princípios políticos incluem os
co-racial, de gênero, regional, linguís- direitos de cidadania de todas as crianças, e
tica e religiosa” (Inciso V, grifos meus), os estéticos referem-se à sensibilidade, cria-
que me parece expressar o potencial tividade, ludicidade e liberdade de expressão 16
revolucionário da Educação Infantil. nas diferentes manifestações artísticas e
Afinal, aponta a possibilidade de uma culturais, que são essenciais na construção
intervenção positiva na construção da da identidade das crianças.
sociabilidade e subjetividade infantis
em curso, de tal maneira bem suce- Ao definir o próprio objetivo da proposta
dida que contribua fortemente para pedagógica das instituições de Educação
o nascimento de pessoas comprome- Infantil, é apontado que ela deve garantir
tidas com valores como a ludicidade, à criança “o direito à proteção, à saúde, à
a democracia e a sustentabilidade do liberdade, à confiança, ao respeito, à digni-
planeta. E as novas formas de sociabi- dade, à brincadeira, à convivência e à inte-
lidade e de subjetividade construídas ração com outras crianças” (Artigo 8º). Em
podem ser capazes de romper com vários incisos deste artigo, é afirmado como
relações de dominação tão presentes deve acontecer a efetivação deste objetivo.
na nossa sociedade: etária, socioeco- Entre as condições arroladas está a garan-
nômica, étnico-racial, de gênero, re- tia do cuidado como algo indissociável ao
gional, linguística e religiosa. Há algo processo educativo e o reconhecimento das
de muito promissor nisso, pois, como especificidades etárias, das singularidades
individuais e coletivas das crianças (incisos pa da educação realmente contribuir para
I e V deste mesmo artigo). Tais singularida- a formação de novas pessoas. Pessoas que,
des estão contempladas, também, ao tratar além de se apropriarem “dos conhecimentos
da necessidade de assegurar às crianças com que fazem parte do patrimônio cultural, ar-
deficiência, transtornos globais de desenvol- tístico, ambiental, científico e tecnológico”,
vimento e altas habilidades/superdotação sejam comprometidas “com a ludicidade, a
a acessibilidade de espaços, materiais, ob- democracia, a sustentabilidade do planeta e
jetos, brinquedos e instruções (Inciso VII). com o rompimento de relações de domina-
Por outro lado, os incisos IX e X afirmam o ção etária, socioeconômica, étnico-racial, de
imperativo de que sejam combatidos o ra- gênero, regional, linguística e religiosa”.
cismo e a discriminação e preservada a dig-
nidade da criança como pessoa humana,
REFERÊNCIAS
garantindo-lhe a proteção contra qualquer
forma de violência – física ou simbólica – BRASIL/Ministério da Educação. Conselho
e negligência no interior da instituição ou Nacional de Educação. Diretrizes Curricula-
praticadas pela família. Os parágrafos 2º e res Nacionais para a Educação Infantil. Pa-
3º deste artigo também expressam cuidado recer CEB nº. 22, de 7/12/98. Brasília: MEC,
em relação às peculiaridades das crianças, 17
1998.
ao tratar da educação das crianças perten-
centes aos povos indígenas e das que são fi- BRASIL/Ministério da Educação/Secretaria de
lhas de agricultores familiares, extrativistas, Educação Básica/Universidade Federal do Rio
pescadores artesanais, ribeirinhos, assenta- Grande do Sul. Projeto de cooperação técnica
dos e acampados da reforma agrária, qui- MEC e UFRGS para construção de orientações
lombolas, caiçaras, povos da floresta: é ex- curriculares para a educação infantil. Práticas
plicitado o reconhecimento e o respeito aos cotidianas na Educação Infantil: bases para
diferentes conhecimentos, crenças, valores, a reflexão sobre as orientações curriculares.
concepções e práticas dessas populações, o MEC/SEB, 2009a.
seu papel na constituição da identidade das
crianças e, portanto, a necessidade de que BRASIL/Ministério da Educação/Secretaria
sejam contemplados na prática pedagógica. de Educação Básica/Diretoria de Concepções
e Orientações Curriculares para Educação
Se o conjunto de práticas que constitui o Básica. Subsídios para as Diretrizes Curricula-
currículo na Educação Infantil acontecer res Nacionais Específicas da Educação Básica.
com esse cuidado que é preconizado, haverá MEC/SEB, 2009b.
grande possibilidade de esta primeira eta-
BRASIL/Ministério da Educação. Conselho BONDIOLI, Anna (org.). O projeto pedagógico
Nacional de Educação. Revisão das Diretrizes da creche e a sua avaliação: a qualidade ne-
Curriculares Nacionais para a Educação In- gociada. Campinas – SP: Autores Associados,
fantil. Parecer CNE/CEB nº. 20, de 11/11/2009. 2004.
Brasília: MEC, 2009
DAHLBERG, G. MOSS, P. e PENCE, A. Qualida-
BRASIL/Ministério da Educação. Conselho de na Educação da primeira infância: perspec-
Nacional de Educação. Diretrizes Curricula- tivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed,
res Nacionais para a Educação Infantil. Reso- 2003.
lução CNE/CEB nº 5, de 17/12/2009. Brasília:
MEC, 2009.

18
Texto 2
A experiência de aprender na Educação Infantil
Silvana de Oliveira Augusto1

A presença de crianças tão pequenas na cessidade de um olhar específico para as


educação infantil ainda parece estranha e crianças e uma maior profissionalização do
mal compreendida por muitos professores. trabalho pedagógico com a faixa etária, exi-
Ainda é forte a crença de que o desenvolvi- gir que a Educação Infantil assegure o tem-
mento do bebê é orgânico, natural, portan- po para a experiência e o lugar de aprender
to, basta assisti-lo em suas necessidades bá- não é pouco. Muitas lutas pelo direito das
sicas para que se desenvolva plenamente e, crianças no Brasil tiveram que ser travadas
então, já amadurecido, possa aprender. Algo para que hoje se pudesse pensar a Educação
semelhante ocorre também no atendimen- Infantil de outra maneira que não somen-
19
to das crianças de 3 a 5 anos que, muitas te lugar de guarda de crianças. É uma luta
vezes, não encontram nas oportunidades pelo direito de frequentar uma instituição
oferecidas pelas instituições educativas as voltada para as suas necessidades e rece-
condições adequadas à experiência de cres- ber educação de qualidade desde cedo. Para
cer a aprender em grupo. compreender o papel da Educação Infantil
na formação de uma criança, é relevante
Essa realidade vai na contramão do que pensar sobre o que pode significar “ter ex-
apontam as pesquisas (Rossetti-Ferreira, periências” na Educação Infantil. De que ex-
Amorim & Oliveira, 2009; Oliveira, 2011), que periência estamos falando?
têm mostrado a especificidade do desenvol-
vimento e da aprendizagem nessa fase da Em nossa língua, essa palavra pode adquirir
vida e, consequentemente, a necessidade de muitos sentidos. No dia a dia, recorremos
planejar e acompanhar o trabalho pedagógi- à experiência para resolver problemas prá-
co desde a Educação Infantil. ticos, dos mais simples aos mais comple-
xos. Em situações menos práticas, em que
Nesse contexto em que se reconhece a ne- é preciso contornar dificuldades, dizemos,

1 Mestre em Educação (USP). Professora do Instituto Superior de Ensino Vera Cruz.


de modo reflexivo: é preciso aprender com heterônoma pelos adultos; exercícios repeti-
a experiência. No mundo profissional, a ex- tivos de coordenação motora, preparatórios
periência agrega valor ao trabalho especiali- de alfabetização, entre outros, são alguns
zado, complementando e, muitas vezes, se exemplos de vivências que comumente não
sobrepondo à formação universitária. constituem uma experiência transformado-
ra. Da mesma forma, muitas vezes, os pro-
Também usamos a palavra experiência para fessores vivem o cotidiano como um lida,
nos referirmos ao modo de funcionamento cheio de afazeres e tarefas que se repetem
de muitos campos das ciências, um modo de um dia a outro, submetido ao funciona-
que pressupõe procedimentos e protocolos mento burocrático de uma instituição que
para verificar ou demostrar certa hipótese. pouco altera sua condição profissional, o
Esse termo também é usado pelos artistas sentido de ser professor. Em todos esses ca-
em sentido contrário ao do cientista, menos sos, não se vê o que toca o sujeito de modo
ligado à repetição de procedimentos, mas, a promover mudanças importantes em seu
sim, ao imprevisto, à surpresa, à inovação, comportamento, na visão de mundo, no
características típicas das vanguardas. modo de se expressar. São experiências, no
entanto, não são boas e próprias da Educa-
Muitas vezes, a ideia de experiência é confun- ção Infantil. 20
dida com a de vivência, mas, vivenciar não é
o mesmo que experienciar. Somos expostos De que modo a experiência da Educação In-
cotidianamente a inúmeras situações, às fantil pode se distinguir de qualquer outra
vezes conhecidas, outras vezes novas. Mas experiência para crianças e professores?
nem todas se constituem em experiência
educativa. Uma análise de um dia vivido na A ideia de experiência pode aparecer na ins-
instituição de Educação Infantil pode apon- tituição em todos esses sentidos. A criança
tar uma lista de inúmeras atividades pelas pode se envolver nas propostas que lhe são
quais as crianças e professores passam e feitas com a curiosidade própria da experi-
que pouco as afetam. Atividades com pouco mentação dos cientistas, a criatividade da
ou nenhum desafio, como preencher fichas inovação dos artistas experimentais, a práti-
de tarefas simples, ligar pontos, colorir de- ca que conduz todas as ações no dia a dia, a
senhos prontos etc.; conhecer uma grande sabedoria da memória de situações já vividas.
quantidade de informações extraídas dos Mas a mais importante característica des-
livros, sem conversar com os colegas sobre sa experiência reside na sua capacidade de
os sentidos que isso tem para cada um; lon- transformação. A experiência é fruto de uma
gos períodos de espera conduzidos de forma elaboração, portanto, mobiliza diretamente
o sujeito, deixa marcas, produz sentidos que de modo a promover o desenvolvimento
podem ser recuperados na vivência de outras integral de crianças de 0 a 5 anos de ida-
situações semelhantes, portanto, constitui de (DCNEI, art.3º).
um aprendizado em constante movimento.
Nessa formulação, a ideia de experiência pa-
Aprender em si mesmo, como processo que
rece se referir à história que as crianças car-
alavanca o desenvolvimento, é uma experiên-
regam, aos saberes que puderam construir
cia fundamental às crianças e compromisso
na vida e a seus modos próprios de sentir,
de uma boa instituição educativa.
imaginar e conhecer.

A ideia de experiên-
Esse modo de com-
cia está presente nas
preender a experi-
Diretrizes Curricula- Para a Educação Infantil, é
ência como articu-
res Nacionais para muito importante refletir lação dialoga com
a Educação Infantil,
sobre o que significa tendências contem-
documento fixado
adquirir experiência, porque porâneas da Ciên-
pelo Conselho Na-
cional de Educação
é na experiência que as cia e se enquadra
no paradigma da
em 2009 para nor- crianças se diferenciam 21
complexidade, que
matizar aspectos umas das outras, mais do
assume o processo
do funcionamento que por sua idade ou classe de desenvolvimento
das instituições de
social. não como resultado
Educação Infantil e
da simples transmis-
apoiar a organização
são, mas, sim, do
de propostas peda-
funcionamento de redes, de complexos pro-
gógicas voltadas para as crianças de 0 a 5
cessos que envolvem a imersão cultural de
anos. A primeira referência a essa ideia apa-
uma criança e as interações que surgem de
rece no capítulo das definições, no item que
sua própria rede de significações (Oliveira,
define o currículo de Educação Infantil. Ali,
2002, 2011; Rossetti-Ferreira, Amorim & Sil-
o currículo é entendido como:
va, 2004).

[...] conjunto de práticas que buscam ar- Nesse paradigma, os saberes das crianças
ticular as experiências e os saberes das devem ser validados pela escola e conside-
crianças com os conhecimentos que fa- rados desde o planejamento do professor,
zem parte do patrimônio cultural, artís- visando à sua articulação aos novos conhe-
tico, ambiental, científico e tecnológico, cimentos. O que se espera é que a criança
possa envolver-se em processos de significa- tos que fazem parte do patrimônio cultural,
ção tomando os novos conhecimentos e di- artístico, ambiental, científico e tecnológi-
ferentes modos de aprender como parte de co. Por exemplo, uma criança não aprende
sua própria experiência. a Língua Portuguesa, mas, sim, as práticas
de comunicação e expressão em sua língua,
Para a Educação Infantil, é muito impor-
nas diferentes situações sociais. Não apren-
tante refletir sobre o que significa adquirir
de Literatura, mas, sim, a ser um bom ou-
experiência, porque é na experiência que as
vinte de leituras feitas pelos professores,
crianças se diferenciam umas das outras,
a ser leitor/a antes mesmo de saber ler, a
mais do que por sua idade ou classe social.
ser apreciador/a de bons textos literários,
Pensar um currículo como um conjunto de
contador/a de histórias. Não aprende Histó-
práticas que articulam experiências impli-
ria da Arte, mas, sim, a relacionar-se com as
ca assumir que não basta ao professor e à
produções de artistas em diversos tempos.
própria instituição deixar o tempo passar e
Não aprende Ciências, mas, sim, a explorar,
apenas acompanhar as experiências espon-
observar, registrar, testar suas hipóteses so-
tâneas e casuais das crianças. A experiência
bre o mundo da natureza, comunicar o que
da Educação Infantil tem um compromisso
aprendeu a outros etc. Em todos esses ca-
com o aprender da criança pequena, sendo 22
sos, o próprio processo de significações é
essa a sua principal característica.
visto como experiência do sujeito.

Mais adiante, no capítulo destinado à apre-


Temos, então, que o que se vive na Educa-
sentação das diretrizes para as propostas pe-
ção Infantil não é o mesmo que se vive no
dagógicas da Educação Infantil, o documento
ambiente doméstico ou em qualquer outro
explicita uma lista de diversificadas experi-
lugar. A experiência educativa deve expandir
ências que devem ser garantidas às crianças.
os conhecimentos e a significação das crian-
Para aprender nessa fase da vida, uma crian-
ças. Dito isso, o próximo passo é, portanto,
ça necessita adquirir um conjunto de experi-
pensar sobre as condições dessa experiên-
ências potencializadas em ambientes coleti-
cia. Na educação infantil a experiência está
vos, especialmente pensados para ela.
circunscrita por condições de interação, de
diversidade e de continuidade.
A explicitação das experiências a que as
crianças devem ter acesso orienta o traba-
lho pedagógico em certa direção. Permite INTERAÇÃO
pensar que não se deve focar uma área de
A primeira condição para a experiência na
conhecimento, mas, sim, a experiência que
Educação Infantil é a interação. Estudos já
as crianças podem ter com os conhecimen-
mostraram que o desenvolvimento humano que a cercam, a emitir sons e gestos que
não é um processo natural e sim produto de provocam os adultos a com ela interagirem.
processos sociais mediados pela cultura. A É no contato com aquele que a acolhe que
partir de Vigotski, podemos dizer que a ex- ela aprende a se comunicar, primeiramente
periência é construída na interação. por gestos e balbucios, antes que pelas pala-
vras. É na relação de seu corpo em contato
A ideia de interação social é assim apro- com aquele que lhe dá colo, que a toca, a
ximada da noção de ação conjunta, da abraça, a afaga, que ela reconhece o contor-
relação Eu / Outro, em que sentidos são no do próprio corpo e aprende o que signi-
construídos sempre em resposta a uma fica sentir-se segura. É na interação com o
alteridade. Mas tal noção vai além dis- meio que ela inicia a jornada para erguer-se
so e abrange o social enquanto aparato e sustentar-se ereta, primeiramente com al-
histórico e ideológico, enquanto conjun- gum apoio, até que possa, autonomamen-
to de normas, valores, representações. te, dar seus próprios passos. Nesse sentido,
Assim, a atividade em parceria na rea- podemos dizer que não é com a experiência
lização de atividades culturais concre- que a criança aprende, mas sim na experi-
tas – tais como: construir um brinquedo ência.
com sucata, consolar alguém, escrever 23

uma carta, preparar um seminário, ve-


rificar a origem de um defeito em uma
A DIVERSIDADE DE EXPERIÊNCIAS
máquina, editar um texto no computa- Para a criança, a experiência é sempre total,
dor etc. – constitui uma condição ne- integrada e integradora de sentidos. Mas,
cessária para a formação das funções para o professor, para efeito de seu plane-
psíquicas caracteristicamente humanas jamento, é importante selecionar as experi-
(Oliveira, 2011, p. 22). ências e os contextos aos quais as crianças
serão expostas. Isso pode ser feito por meio
Nessa perspectiva, a experiência é sempre
da articulação de propostas diversas em ati-
simbólica, mediada pela cultura, inscrita na
vidades individuais ou coletivas, regulares
história do sujeito que, dialeticamente, dia-
e sistemáticas, constituindo campos mais
loga com a história de seu tempo, de seu
amplos.
meio, de outros homens.

Por exemplo, um dos campos pode enfocar


A criança inicia seu processo de aprender
a construção da autonomia, práticas de cui-
desde muito cedo. Ainda bebê, ela aprende
dado de si mesmo/a, de atitudes de cuida-
a observar seu entorno, a imitar os adultos
dos dos demais. Nas atividades cotidianas
como banho, trocas de fraldas, cuidados bal, plástica, dramática e musical” (DCNEI,
de higiene pessoal, nas brincadeiras de faz art. 9º, inciso II).
de conta etc., as crianças podem construir
experiências que ampliam sua confiança e Além de aprender nas ações cotidianas e
participação nas atividades individuais e co- na imersão nesse ambiente cultural que é a
letivas (DCNEI, art. 9º, inciso V). instituição de Educação Infantil, as crianças
também podem aprender em propostas es-
É também no cotidiano da Educação Infan- peciais que envolvam pesquisar um assunto
til que as crianças observam aspectos da novo. Elas podem, por exemplo, conhecer
cultura escrita, na forma como os adultos melhor um determinado ambiente natural
se relacionam com ela, como recorrem à e suas relações com os homens. A partir
escrita para organizar o cotidiano, para se desse estudo, elas podem criar formas de
informar, se divertir etc. Atividades siste- comunicar o que aprenderam a outros cole-
máticas de leitura pelo professor, de recon- gas como, por exemplo, uma apresentação
to de histórias pelas crianças, de rodas de oral a outros grupos, ou a organização de
conversa, associadas a projetos especiais de um espaço expositivo desse ambiente. Nes-
estudo de determinado repertório de histó- se contexto, as crianças podem viver experi-
rias e pesquisas das brincadeiras da tradição ências que: 24

popular, podem favorecer “experiências de


narrativas, de apreciação e interação com a • “incentivem a curiosidade, a exploração,
linguagem oral e escrita, e convívio com di- o encantamento, o questionamento, a in-
ferentes suportes e gêneros textuais orais e dagação e o conhecimento das crianças
escritos” (DCNEI, art. 9º, inciso III). em relação ao mundo físico e social, ao
tempo e à natureza” (DCNEI, art. 9º, in-
Da mesma forma, é nesse ambiente que a ciso VIII).
criança poderá conhecer as diferentes lin-
• “promovam a interação, o cuidado, a pre-
guagens artísticas, música, pintura, teatro
servação e o conhecimento da biodiversi-
etc. e observar o apreço que os adultos têm
dade e da sustentabilidade da vida na Terra,
por tais manifestações, como se relacionam
assim como o não desperdício dos recursos
com os objetos da sensibilidade, como os
naturais” (DCNEI, art. 9º, inciso X).
incluem na vida e os valorizam. Isso tudo
pode ser aprendido na experiência de “imer-
• “promovam a utilização de gravadores,
são das crianças nas diferentes linguagens
projetores, computadores, máquinas fo-
e o progressivo domínio por elas de vários
tográficas, e outros recursos tecnológicos
gêneros e formas de expressão: gestual, ver-
e midiáticos” (DCNEI, art. 9º, inciso XII).
Os conhecimentos matemáticos, por exem- manifestações de música, artes plásticas
plo, ao contrário do que muitos pensam, não e gráficas, cinema, fotografia, dança, te-
são espontâneos na criança, mas sim cons- atro, poesia e literatura” (DCNEI, art. 9º,
truídos a partir de sua interação com os nú- inciso IX).
meros, suas relações e as práticas sociais em
O mesmo pode ser feito com relação às fes-
que contar, comparar, calcular etc. estão em
tas regionais que as escolas costumam re-
jogo. Por isso, é necessário que a instituição
produzir. Quando isso é feito na perspectiva
de Educação Infantil desenvolva um trabalho
da experiência educativa e não apenas do
pedagógico intencional que garanta experi-
evento comercial, as crianças podem inte-
ências que “recriem, em contextos significa-
ragir com os conhecimentos que são trans-
tivos para as crianças, relações quantitativas,
mitidos pelas manifestações e tradições cul-
medidas, formas e orientações espaço tem-
turais brasileiras (DCNEI, art. 9º, inciso XI).
porais” (DCNEI, art. 9º, inciso IV).

Muitas vezes, a própria escola de educação


A CONTINUIDADE DA
infantil já institui em seu projeto contextos
EXPERIÊNCIA
interessantes e potencialmente significati-
vos. No entanto, frequentemente são toma- A experiência exige tempo. Por isso, a ter- 25
dos pelos adultos, excluindo as crianças. Di- ceira condição da experiência educativa é a
ferente disso, compartilhar desde o início a continuidade. Pensar sobre critérios de con-
organização de mostras culturais de artistas tinuidade impõe, necessariamente, refletir
da comunidade e produções de desenhos, sobre o uso do tempo no planejamento pe-
pinturas, fotografias e outras produções de dagógico do professor.
crianças é uma excelente proposta para que
elas tenham garantidas experiências que: A exploração de uma enorme diversidade de
materiais e situações, em si, não promove
• “possibilitem vivências éticas e estéticas a experiência, se a criança não tiver o tem-
com outras crianças e grupos culturais, po necessário para retomar uma atividade
que alarguem seus padrões de referên- iniciada em outro momento, apropriar-se de
cia e de identidades no diálogo e conhe- procedimentos, testar novos usos dos mes-
cimento da diversidade” (DCNEI, art. 9º, mos materiais, sistematizar conhecimentos.
inciso VII).
É necessário interrogar-se sobre como as
• “promovam o relacionamento e a inte-
crianças vivenciam os aspectos dinâmi-
ração das crianças com diversificadas
cos do contexto educativo e que são de-
terminados pela sucessão dos episódios, tes para as atividades, o que propõe uma
pela sua recorrência no decorrer do dia, aproximação com vistas à construção de
pelo ritmo geral, pelas modulações das familiaridade com determinadas práticas,
várias dimensões; aspectos dinâmicos que exigem o desenvolvimento de hábitos e
do contexto educativo que, em um jogo comportamentos específicos. É o caso, por
de oscilações entre a continuidade e a exemplo, da roda para conversar, da roda
descontinuidade, se traduzem em uma para ler e contar histórias, dos momentos
vivência que se articula entre o polo do de alimentação. É possível, ainda, propor se-
familiar, do habitual e do previsível, e o quências didaticamente pensadas para pro-
polo do inédito, do inesperado e do esti- por graus crescentes de desafios às crianças,
mulante (Nigito, 2004, p.44). sempre baseadas em avaliações das apren-
dizagens e na projeção de novos objetivos.
Muitas instituições de Educação Infantil
Outra maneira é a organização de projetos
costumam planejar em função da diversida-
coletivos que permitem à criança aprender
de, prioritariamente, porque muitos profes-
com seus pares e ser apoiada na pesquisa,
sores pensam que as crianças gostam de no-
investigação, sistematização e comunicação
vidades. No entanto, análises de percursos
de novos conhecimentos, utilizando seus
criativos de crianças mostram o contrário: a 26
próprios recursos, além de outros que ela
novidade não está na atividade aplicada pela
pode ter acesso no ambiente da Educação
professora, mas sim nas novas descobertas
Infantil, tais como livros, vídeos, instrumen-
resultantes da atividade da própria criança e
tos e materiais específicos etc.
do sentido que ela constrói para o que está
fazendo (Augusto, 2009). A diversidade de O problema da gestão pedagógica está no
experiências é pano de fundo para as elabo- fato de que o tempo de elaboração das crian-
rações das crianças, mas é a continuidade ças, subjetivo, não obedece a relógios. Nas
que promove a exploração, a investigação, atividades individuais, por exemplo, é co-
a sistematização de conhecimentos e a atri- mum que algumas crianças concluam suas
buição de sentido. produções em menor tempo. Outras demo-
ram mais. Às vezes, encontram dificuldades
Estudos mais específicos no campo da di-
técnicas em solucionar seus problemas, em
dática já sistematizaram formas de gestão
outras se entretêm com o que observam na
desse tempo e trouxeram pistas que podem
mesa ao lado, pensam, alimentam novas
ser interessantes para a Educação Infantil
ideias, iniciam novos projetos quando já de-
(Lerner, 2002). Uma das formas é a institui-
viam estar encerrando o programado. Por
ção de tempos mais estáveis e permanen-
isso, construir uma experiência que respeite
os tempos de criação de cada um é um de- A EXPERIÊNCIA DE SER
safio para o professor, mas necessário à Edu- PROFESSOR
cação Infantil, já que aprender a reconhecer
e lidar com seus próprios tempos, o interno Por fim, é importante considerar que o pro-

e o externo, é também objeto de aprendiza- fessor também aprende na experiência da

gem das crianças. Educação Infantil. Um professor que asse-


gura no dia a dia de seu trabalho as condi-

Do ponto de vista prático, o professor ções para a experiência das crianças está

deve pensar: como será feita a proposta às em constante desenvolvimento e constitui

crianças? Será um tempo de apropriação sua própria experiência. O processo de de-

individual ou um tempo de compartilhar senvolvimento pessoal e profissional de um

experiências? Por que todos/as precisam professor não se dá isoladamente, mas sim

sempre fazer tudo juntos? Isso é mesmo em contextos de interações. Ele está imerso

necessário? E é o melhor para as crianças? em seu ambiente de trabalho na companhia

E no caso de propostas coletivas, como de vários outros: as crianças, em primeiro

conciliar os tempos individuais e o tempo lugar, os demais colegas professores, o co-

do grupo? Que alternativas ou opções ofe- ordenador pedagógico etc. Nessa interação

recer aos que já concluíram o que estavam está em jogo a sua própria história de vida, 27
fazendo? No seu planejamento diário, o que se articula à história de vida de seu gru-

professor deve destinar tempo às propos- po de trabalho, do grupo de crianças etc. A

tas que ele fará ao grupo e também tem- experiência de ouvir e de se relacionar com

po para que as próprias crianças inventem um grupo de crianças ao longo de um ano; o

seus problemas, coloquem-se desafios de conhecimento da comunidade; seus saberes

criação, desenvolvam seus projetos pesso- acadêmicos, teóricos e práticos; as trocas

ais em qualquer situação, seja em ateliês com os colegas com maior ou menor expe-

de arte, no parque etc. A criança tem mui- riência profissional, tudo isso compõe a di-

to que aprender sobre seu tempo de pro- versidade de situações a que ele é exposto

dução e o professor, consequentemente, todos os dias. A continuidade das reflexões

deve organizar modos de apoiar essa im- sobre a prática e a possibilidade de planejar

portante aprendizagem. Observando aten- uma e mais outra vez, de verificar os resulta-

tamente como as crianças vivem o tempo dos com o grupo de crianças, de registrar e

de criação, será possível criar alternativas comparar as diferentes reações das crianças

à gestão da sala, para que não haja homo- vão pouco a pouco permitindo que, ao longo

geneização desnecessária. do tempo, se constitua um saber que inter-


roga, testa, confirma, cria, aprecia, marca, NIGITO, G. Tempos institucionais, tempos
transforma. Um saber que só se constitui de crescimento: a gestão do cotidiano dos
na experiência de ser um professor. pequenos, dos médios, dos grandes na cre-
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LERNER, D. Ler e escrever na escola. O real, o 1999.

possível e o necessário. São Paulo: Artmed,


______. Pensamento e linguagem. São Paulo:
2002.
Martins Fontes, 2005.
Texto 3
 

Avaliação: instrumento do professor para aprimo-


rar o trabalho na Educação Infantil

Marisa Vasconcelos Ferreira 1

INTRODUÇÃO Essas concepções de avaliação – que têm


como marca a predição (do futuro escolar
No Brasil, tão recente quanto pensar em
da criança), a meritocracia (que discrimina
currículo na Educação Infantil é falar em
e exclui), o controle (da escola e da criança)
avaliação como processo sistemático que
e o reducionismo dos processos educativos
deve tomar parte do contexto de creches e
a diagnósticos (numéricos ou descritivos2) –
pré-escolas. Contudo, há que se considerar
têm sido fortemente criticadas na educação
que alguns cuidados devem ser observados
infantil.
acerca do tema.

O reforço a essa crítica aparece na Lei de 29


A história da educação infantil não nos dei-
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
xa esquecer o viés preparatório que marcou
n. 9.394/96), em seu artigo 31, ao destacar:
essa etapa da educação, especialmente a
Na educação infantil a avaliação far-se-á me-
pré-escola, na década de 1980, e que condi-
diante acompanhamento e registro do seu de-
cionava uma avaliação que também tinha
senvolvimento, sem o objetivo de promoção,
esse objetivo: verificar se a criança estava
mesmo para o acesso ao ensino fundamental
“pronta” para integrar a escola fundamen-
(Brasil, 1966).
tal. Além disso, a exigência de um processo
formal de avaliação responde, muitas vezes, Sem o objetivo de promoção – não é sem mo-
a uma pressão das famílias, que demandam tivo que essa marcação aparece na Lei maior
das instituições de educação infantil pro- da educação e nos indica um importante
postas que entendem como sendo “verda- limite a respeito do papel da avaliação na
deiramente” pedagógicas.

1 Mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2001) e doutora em Educação: Currículo pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz (ISEVEC) nos
cursos de Graduação em Pedagogia e de Especialização em Gestão Pedagógica e Formação na Educação Infantil.
2 Faço essa distinção porque, em algum momento do processo, alterou-se a indicação de notas ou conceitos
para relatórios descritivos, mas que continuaram seguindo a mesma lógica de avaliação anterior.
educação infantil. Ao mesmo tempo, aponta avaliação que têm como foco o atendimen-
para a direção de que esses processos avalia- to oferecido em creches e pré-escolas, sejam
tivos serão realizados: para acompanhamen- ações desenvolvidas no âmbito da unidade
to e registro do desenvolvimento da criança (avaliação institucional), sejam aquelas de-
na educação infantil. De lá para cá, o debate senvolvidas no âmbito da rede (incluindo as
tem se ampliado e se complexificado, pois avaliações de políticas educacionais, de pro-
as ênfases e perspectivas são diversas. Além gramas e do próprio sistema).
disso, a questão da avaliação está presente
no cotidiano das creches e pré-escolas e as Na educação infantil brasileira, atualmen-
equipes de trabalho continuam desafiadas a te, ainda não há dispositivos configurados
construir seus processos avaliativos. de avaliação e monitoramento do funcio-
namento dos sistemas de ensino, apesar de
algumas discussões virem sendo feitas em
DO MACRO AO MICRO: nível federal e municipal. Sem pretender
AVALIAÇÃO NA E DA EDUCAÇÃO abordar a complexidade dessa discussão, há
INFANTIL que se ressaltar a importância de construir
ferramentas que possibilitem conhecer a
No cenário atual da educação, a avaliação foi
oferta de educação infantil no que se refere 30
ganhando amplitude para além do foco nos
à sua qualidade de atendimento aos bebês e
processos de aprendizagem até a implemen-
crianças pequenas.
tação das avaliações de sistemas de ensino.

Não há como pensar que a educação infantil NOSSO FOCO: A AVALIAÇÃO NO


também não reflete e refrata toda essa dinâ-
COTIDIANO DA INSTITUIÇÃO DE
mica e, hoje, os diferentes atores envolvidos
EDUCAÇÃO INFANTIL
nesse campo, não sem conflitos, se veem
convocados a pensar sobre essa dinâmica. Compreendendo que há diferentes contextos
É possível reconhecer, nessa configuração, de concretização dos processos avaliativos,
diferentes contextos de concretização da buscaremos abordar a avaliação no contexto
avaliação, que se diferenciam, mas, de cer- da instituição de educação infantil. Nele, te-
ta forma, podem se complementar, em seus mos reconhecidamente dois processos que,
objetivos, mecanismos e formas de avaliar. da forma mais diversificada quanto são as
creches e pré-escolas brasileiras, acontecem
Nessa direção, identificamos, além da ava- nessas unidades, a saber: a avaliação insti-
liação que foca a aprendizagem e o desen- tucional e a avaliação do desenvolvimento
volvimento da criança, aquelas ações de da criança.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Seguindo a direção da LDB, as Diretrizes Cur-
Educação Infantil (Resolução n° 5, CNE/CEB, riculares Nacionais para a Educação Infan-
2009) colocam em seu artigo 10°: til definem como tarefa das instituições de
Educação Infantil a construção de procedi-
As instituições de Educação Infantil devem criar mentos para o acompanhamento do traba-
procedimentos para acompanhamento do tra- lho pedagógico e para avaliação do desen-
balho pedagógico e para avaliação do desenvol- volvimento das crianças. Estão presentes,
vimento das crianças, sem objetivo de seleção, portanto, nesse artigo, os dois âmbitos que
promoção ou classificação, garantindo: compõem a avaliação na Educação Infantil:
a instituição e seu trabalho pedagógico pla-
I - a observação crítica e criativa das ativi- nejado e desenvolvido e o desenvolvimen-
dades, das brincadeiras e interações das to das crianças. É fundamental que não se
crianças no cotidiano; perca de vista esses dois polos, pois é só na
interação entre eles que poderemos efetiva-
II - utilização de múltiplos registros realiza- mente construir processos avaliativos con-
dos por adultos e crianças (relatórios, textualizados e que efetivamente funcionem
fotografias, desenhos, álbuns etc.); como ferramenta de aprimoramento do tra-
balho na educação infantil. 31
III - a continuidade dos processos de apren-
dizagens por meio da criação de estraté- Essa perspectiva nos coloca frente à ques-
gias adequadas aos diferentes momentos tão da interação da criança com o cotidia-
de transição vividos pela criança (transi- no da unidade, que é organizado, planejado,
ção casa/instituição de Educação Infan- pensado para a vivência de um conjunto de
til, transições no interior da instituição, aprendizagens consideradas importantes
transição creche/pré-escola e transição naquela comunidade. Esse meio social edu-
pré-escola/Ensino Fundamental); cativo constitui o cenário em que se concre-
tiza o currículo e, nesse sentido, o trabalho
IV - documentação específica que permita pedagógico, que constitui um aspecto da
às famílias conhecer o trabalho da ins- avaliação. Vale ressaltar que o professor é
tituição junto às crianças e os processos não só organizador desse meio educativo,
de desenvolvimento e aprendizagem da como ele mesmo faz parte desse meio, o que
criança na Educação Infantil; destaca a importância desse profissional.

V - a não retenção das crianças na Educação Na interação com esse meio (que a nosso ver
Infantil. deve ser continuamente pensado, reorgani-
zado, incrementado), a criança pode viver ram? (Oliveira, Maranhão, Abbud, Zura-
uma diversidade de experiências de apren- wski, Ferreira e Augusto, 2012, no prelo).
dizagem, que são significadas no contexto
Nessa direção, a avaliação constitui instru-
das práticas sociais: aprender a conviver
mento de aprimoramento do trabalho do
com outras pessoas, a cuidar da natureza,
professor e da própria instituição, pois ilu-
diferentes formas de se expressar, a amarrar
mina as condições de acontecimento dos
os sapatos, o valor social da alimentação e
processos de aprendizagem.
formas saudáveis de alimentação e cuidado
consigo mesma e com o outro etc. A avalia-
ção consiste em conhecer sob que condições UM EXERCÍCIO DE REFLEXÃO: O
o meio social organizado pelos adultos pôde QUE É POSSÍVEL AVALIAR
promover experiências de aprendizagem
para as crianças no cerne das interações. Buscando fazer um exercício de reflexão3
retomamos o conjunto de experiências de
Então, olhar para o que o meio oferece e para
aprendizagem que devem ser promovidas
os processos de aprendizagem e desenvolvi-
nas instituições de Educação Infantil, con-
mento das crianças é a possibilidade de pro-
forme artigo 9° das DCNEI, e que, portanto,
por cada vez mais práticas pedagógicas apri- 32
constituem parâmetros de organização do
moradas e que consideram as possibilidades
currículo nessa etapa da educação. A partir
infantis. Essa parece constituir uma boa dire-
desse conjunto, buscamos pensar em per-
ção para nortear o trabalho dos professores,
guntas reflexivas que podem contribuir com
ao visar à mediação de aprendizagens signi-
o olhar de uma equipe pedagógica para os
ficativas em um movimento reflexivo cons-
dois âmbitos da avaliação no contexto da
tante por parte do docente, que se pergunta:
Educação Infantil: o acompanhamento do
trabalho pedagógico e o desenvolvimento
• O que espero que as crianças aprendam?
das crianças.
• Que situações vivenciaram?
Exercícios como esse podem ser elaborados
• Que condições (tempo, espaço, materiais e
no contexto das equipes de Educação Infan-
interações) foram oferecidas?
til, considerando os princípios da contextua-
• Como agiram nessas situações? lização ao projeto pedagógico da instituição
e do trabalho coletivo como meio para en-
• O que considero que as crianças aprende-
riquecer a reflexão sobre o currículo. Cada

3 Ver Quadro 1 no final do texto.


campo de experiências deve ser ampliado dades de educação infantil, daquela prática
com outras perguntas que se dedicam a ilu- de avaliação que mais se assemelha à pres-
minar as diversas situações planejadas e de- tação de contas para os pais e controle dos
senvolvidas junto às crianças. professores). Não é a esse registro que nos
referimos.
Ainda há que se considerar, aprofundando
a leitura das DCNEI, os incisos de seu arti- O registro desse percurso nos possibilita do-

go 10, que apontam importantes aspectos a cumentar os processos vividos para todos

considerar na reflexão acerca da avaliação. A os atores envolvidos no processo (crianças,

observação crítica e criativa das atividades, professores, pais e gestores), possibilitando

bem como das brincadeiras e interações das a participação mais ampliada de todos na

crianças no cotidiano, nos coloca frente ao construção do projeto pedagógico da insti-

desafio da contí- tuição.

nua formação dos A observação crítica e Por fim, vale desta-


professores e gesto-
criativa das atividades, bem car que a avaliação,
res. Tal perspectiva
como das brincadeiras e quando contextuali-
possibilita afinar o
interações das crianças no zada aos processos
olhar para a intera- 33
educativos planeja-
ção da criança com cotidiano, nos coloca frente
dos e desenvolvidos
seu meio social e os ao desafio da contínua
em uma unidade
processos de cons- formação dos professores e de educação infan-
trução cultural que
gestores. til, pode funcionar
daí decorrem.
como recurso de for-

Para apoiar o pro- mação da equipe e

fessor no processo avaliativo, há que se or- de historicização do projeto pedagógico das

ganizar a utilização de múltiplos registros unidades. Ao invés de um registro estático,

realizados por adultos e crianças (relatórios, a avaliação retroalimenta a reflexão acerca

fotografias, desenhos, álbuns etc.). É co- do planejamento e das práticas pedagógicas

mum reduzirmos os registros de avaliação desenvolvidas, iluminando e qualificando a

àquele relatório descritivo de cada criança. processo de construção do currículo da Edu-

Relatório esse que, inclusive, cria uma aura cação Infantil que acontece no cotidiano de

de ansiedade nos professores a cada período creches e pré-escolas. Assim, ela se constitui

que precisa ser elaborado (provavelmente em instrumento de trabalho do professor e

resquícios ainda presentes, em nossas uni- da equipe.


Quadro 1: Experiências de aprendizagem que devem ser promovidas nas insti-
tuições de Educação Infantil

Campos de experiências Algumas perguntas que Algumas perguntas que contribuem


de aprendizagem contribuem com a gestão do para a reflexão sobre a aprendiza-
trabalho pedagógico gem da criança
I - Promovam o conhecimento de si • Têm sido propostas de forma sis- • As crianças demonstram perce-
e do mundo por meio da ampliação temática e regular situações de ber seu corpo e suas possibilida-
de experiências sensoriais, brincadeiras, jogos que possibili- des de movimento e, gradativa-
expressivas, corporais que tem a movimentação e a explo- mente, ampliam seu repertório
possibilitem movimentação ampla, ração do espaço pelas crianças? corporal? Em que situações isto
expressão da individualidade e foi observado?
• São propostas atividades em que
respeito pelos ritmos e desejos da
as crianças são convidadas a ex-
criança;
plorar diferentes movimentos • As crianças têm participado da
usando seu corpo (por exemplo, tomada de decisões acerca do
seguir andar de formas diferen- que fazem em determinados mo-
tes, imitar animais, dançar como mentos do dia?
um robô, acompanhar com ges-
tos os sons de uma música)? Os • Elas procuram ativamente seus
ambientes estão organizados companheiros de brincadeira?
para isso? Que tipos de brincadeiras costu-
mam propor? Elas estabelecem e
• As crianças são convidadas a se mantêm relações de amizade?
observar e observar os colegas no 34
espelho?
II - favoreçam a imersão das • As diferentes linguagens estão • As crianças observam, percebem
crianças nas diferentes linguagens presentes de modo regular e e, dependendo da idade, comen-
e o progressivo domínio por elas equilibradamente no cotidiano tam a respeito de diferentes ma-
de vários gêneros e formas de das crianças, evitando a nifestações artísticas (fotografia,
expressão: gestual, verbal, plástica, dominância de uma sobre teatro, livros com imagens ou
dramática e musical; as outras? Como? Em que histórias...)? Como?
momentos?
• É possível observar a gradativa
• São propiciadas atividades de ampliação dos enredos presen-
pintura, desenho, escultura tes nas situações de jogos sim-
etc.com diferentes materiais e bólicos vividos pelas crianças?
técnicas? As crianças têm desempenhado
diferentes papéis nas situações
• O acervo musical amplia as
de faz de conta? Elas têm tido a
referências de crianças e
iniciativa de usar adereços e fan-
adultos, além das músicas
tasias em diferentes momentos?
veiculadas em rádio e TV?
• As crianças manipulam e explo-
• São organizados espaços e
ram diferentes materiais de dese-
momentos específicos em que
nho, plásticos etc.?
as crianças possam se enfeitar
com diferentes adereços, • Fruem e acompanham, assim
pinturas faciais e corporais, como cantam, músicas diversifi-
fantasias e brincar com os cadas
colegas a partir de diferentes
enredos?


Campos de experiências Algumas perguntas que contribuem Algumas perguntas que contribuem
de aprendizagem com a gestão do trabalho para a reflexão sobre a aprendiza-
pedagógico gem da criança
III - possibilitem às crianças experi- • São propiciadas situações de • Como as crianças interagem nas
ências de narrativas, de apreciação conversa com as crianças, mo- diferentes atividades e momentos
e interação com a linguagem oral mentos de contar e ler histórias, do cotidiano que envolvem a lin-
e escrita, e convívio com diferentes diversificando-se a forma (leitura, guagem oral e escrita?
suportes e gêneros textuais orais e contação, leitura dramática, en-
• As crianças falam com os outros
escritos; cenação etc.) e os objetivos? Os
(adultos e crianças) acerca de si-
alunos participam da narrativa da
tuações cotidianas e de suas per-
história, fazendo a voz de algum
cepções e sentimentos, amplian-
personagem ou narrando peque-
do seus recursos expressivos?
nos trechos?
• Como as crianças interagem com
• Os jogos de nomear/reconhecer
os diferentes gêneros orais e es-
objetos, personagens, cenários,
critos? O que lhes chama aten-
ações tem sido animados com no-
ção?
vidades?
• As crianças expressam hipóteses
• Estão presentes em diferentes si-
a respeito da linguagem (oral ou
tuações a declamação de poemas,
escrita)? Quais? Em que circuns-
as canções, as parlendas etc.?
tâncias? Que teorias constroem a
• São propostas situações de apre- esse respeito?
ciação, leitura e comentários a
• Que uso fazem dos diferentes re-
partir das produções “escritas”
cursos (livros, revistas, objetos,
das próprias crianças?
imagens, brinquedos...) que lhe
• Estão disponíveis tempos e espa- são oferecidos?
ços de conversação no decorrer
do dia, tanto em situações de
roda de conversa quanto momen- 35
tos de iniciativa da criança?
IV - recriem, em contextos signifi- • As atividades propostas têm • Em situações de jogos (encaixe,
cativos para as crianças, relações possibilitado às crianças explo- tabuleiro, corporais...), como
quantitativas, medidas, formas e rarem os diferentes espaços da as crianças interagem, que
orientações espaçotemporais; instituição (internos e exter- desafios se colocam e que
nos)? estratégias elaboram para
resolver os problemas?
• Ao passear com as crianças (in-
clusive pela instituição) tem-se
chamado atenção para os pon-
tos de referência e as marcas • Gradativamente, as crianças
que aparecem no caminho? vão se apropriando e
fazendo uso no cotidiano de
• Há marcadores temporais cla- marcadores espaço temporais?
ros que ritualizam para as crian- Em que circunstâncias isso tem
ças a passagem do tempo e as sido observado?
mudanças de atividades?
• Tem-se jogado na instituição,
incluindo jogos motores, de ta- • As crianças identificam marcas
buleiro etc.? de referência no espaço da
escola?

• Registram por meio de


diferentes recursos espaços
percorridos e ocupados por
elas?


Campos de experiências Algumas perguntas que Algumas perguntas que contribuem
de aprendizagem contribuem com a gestão do para a reflexão sobre a aprendiza-
trabalho pedagógico gem da criança
V - ampliem a confiança e a parti- • Tem-se proporcionado situações • As crianças cooperam
cipação das crianças nas atividades de diálogo em pequenos grupos, nas diferentes atividades
individuais e coletivas; boa ocasião para as crianças se propostas, especialmente nas
colocarem e aprenderem a escu- situações em que precisam
tar e argumentar? trabalhar em subgrupos?
• Como têm sido trabalhados os • Como reagem diante
acordos e regras definidos com da discordância com o
a turma? adulto ou com os colegas?
Gradativamente, têm ampliado
• Há momentos do dia nos quais
recursos de argumentação e
as crianças são convidadas a es-
colaboração?
colher que atividades vão desen-
volver?
VI - possibilitem situações de apren- • Diversas manifestações culturais • Como as crianças interagem
dizagem mediadas para a elabora- brasileiras fazem parte de ativi- em situações de novas
ção da autonomia das crianças nas dades regulares propiciadas na brincadeiras e jogos que
ações de cuidado pessoal, auto-or- instituição? envolvem diferentes
ganização, saúde e bem-estar; manifestações culturais?
• As situações didáticas promovem
a exploração de sons, ritmos, his- • Como vão se apropriando,
tórias, sabores dos diversos gru- utilizando, comentando as
pos que compõem a sociedade características de diferentes
brasileira? grupos culturais?
• Eventuais situações de mani- • As crianças se expressam
festação de preconceito são a respeito da percepção da
trabalhadas no contexto da ins- diversidade social e cultural e,
tituição, inclusive no grupo de em situações em que emergem 36
profissionais? preconceitos, são levadas a
conhecer outras formas de
significar a diversidade?
VII - possibilitem vivências éticas • Diversas manifestações culturais • Como as crianças interagem
e estéticas com outras crianças e brasileiras fazem parte de ativi- em situações de novas
grupos culturais, que alarguem seus dades regulares propiciadas na brincadeiras e jogos que
padrões de referência e de identida- instituição? envolvem diferentes
des no diálogo e reconhecimento da manifestações culturais?
• As situações didáticas promovem
diversidade;
a exploração de sons, ritmos, his- • Como vão se apropriando,
tórias, sabores dos diversos gru- utilizando, comentando as
pos que compõem a sociedade características de diferentes
brasileira? grupos culturais?
• Eventuais situações de mani- • As crianças se expressam
festação de preconceito são a respeito da percepção da
trabalhadas no contexto da ins- diversidade social e cultural e,
tituição, inclusive no grupo de em situações em que emergem
profissionais? preconceitos, são levadas a
conhecer outras formas de
significar a diversidade?
Campos de experiências Algumas perguntas que Algumas perguntas que contribuem
de aprendizagem contribuem com a gestão do para a reflexão sobre a aprendiza-
trabalho pedagógico gem da criança
VIII - incentivem a curiosidade, a ex- • As crianças têm sido convidadas • Como têm acontecido as situa-
ploração, o encantamento, o ques- a brincar com diferentes objetos, ções de observação e/ou explo-
tionamento, a indagação e o conhe- em diferentes espaços, em que ração de objetos e de fenômenos
cimento das crianças em relação ao possam explorar e observar as do mundo físico e social por par-
mundo físico e social, ao tempo e à diferentes características e con- te das crianças?
natureza; dições do mundo?
• Que comentários emergem nes-
• Atividades com projeção de som- ses momentos? O que tem cha-
bras têm sido propostas? mado sua atenção? Que pergun-
tas são feitas? Como buscam as
• Têm sido propostas atividades
respostas?
em que as crianças executem
pratos de culinária fáceis e de-
gustem?
IX - promovam o relacionamento e • Em diferentes situações, as crian- • As crianças escutam e se envol-
a interação das crianças com diver- ças têm sido convidadas a obser- vem com diferentes tipos de
sificadas manifestações de música, var os efeitos de sons, luzes, co- músicas, assim como são convi-
artes plásticas e gráficas, cinema, res, cenários etc.? dadas a expressar sua opinião a
fotografia, dança, teatro, poesia e respeito desses tipos musicais?
• Têm sido estimuladas a opinar
literatura;
sobre filmes, músicas, apresen- • Participam de recitais de poesia,
tações e demonstrar agrado ou leitura e contação de histórias,
desagrado, assim como medo, veiculação de filmes, exposição
alegria? de artes e de fotografias (na es-
cola e em museus)? Observam,
• As famílias têm sido incluídas na
exploram e expressam de forma
definição e no planejamento de
cada vez mais ampliada sua opi-
eventos que acontecem na insti-
nião e comentários a respeito
tuição?
das diferentes manifestações ar- 37
tísticas?
X - promovam a interação, o cuida- • A instituição tem espaços ver- • Que atitudes de cuidado e preser-
do, a preservação e o conhecimento des (pátios, hortas) nos quais as vação têm sido apropriadas pelas
da biodiversidade e da sustentabili- crianças podem brincar e explo- crianças? Como explicam a im-
dade da vida na Terra, assim como rar com diferentes objetivos? portância dessas atitudes?
o não desperdício dos recursos na-
• Há propostas de atividades em • Que explicações têm sido produ-
turais;
que as crianças podem vivenciar zidas/elaboradas pelas crianças
o processo de produção das coi- para explicar os processos de
sas (por exemplo, fazer um pão, confecção de produtos? Como
observar uma pequena constru- relacionam/confrontam suas hi-
ção)? póteses com a busca de informa-
ções em fontes diversas (livros,
conversas)
XI - propiciem a interação e o conhe- • As manifestações culturais da co- • Como as crianças têm participa-
cimento pelas crianças das manifes- munidade escolar estão presen- do em situações de jogos e brin-
tações e tradições culturais brasilei- tes em diferentes situações do cadeiras tradicionais? Como inte-
ras; cotidiano da instituição? ragem? O que expressam (verbal
ou plasticamente)?
• Jogos tradicionais, canções, his-
tórias e ‘causos’ têm sido com-
partilhados com as crianças?
• As crianças têm tido oportunida-
de de assistir a peças teatrais e
espetáculos de música com enre-
dos da cultura brasileira?
Campos de experiências Algumas perguntas que Algumas perguntas que contribuem
de aprendizagem contribuem com a gestão do para a reflexão sobre a aprendiza-
trabalho pedagógico gem da criança
XII - possibilitem a utilização de • As contações de histórias utili- • Como as crianças têm partici-
gravadores, projetores, computado- zam diferentes recursos (proje- pado das diferentes situações
res, máquinas fotográficas, e outros tores de imagens, computadores propostas com recursos tec-
recursos tecnológicos e midiáticos. etc.)? nológicos? Têm se apropriado
desse uso? Como?
• As crianças fotografam, são fo-
tografadas e depois observam
suas fotografias rememorando • Gradativamente, ampliam sua
os eventos vividos, construindo narrativa a partir de memó-
seus relatos e expressando sua rias que fotografias impressas
opinião sobre as lembranças? e projetadas podem fazer
emergir?

REFERÊNCIAS: BRASIL. Resolução n. 5, de 17 de dezembro


de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Na-
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
cionais para a Educação Infantil. Conselho
1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu-
Nacional de Educação/Câmara de Educação
cação nacional. Diário Oficial da República
Básica. Brasília: CNE/CEB, 2009.
Federativa do Brasil, n. 248. Brasília, DF.

38
Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica

TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO


Supervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça

Acompanhamento pedagógico
Grazielle Avellar Bragança

Coordenação de Utilização e Avaliação


Mônica Mufarrej
Fernanda Braga

Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins

Diagramação e Editoração
39
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil
Gerência de Criação e Produção de Arte

Consultora especialmente convidada


Zilma de Moraes Ramos de Oliveira

E-mail: salto@mec.gov.br
Home page: www.tvbrasil.org.br/salto
Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro.
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
Junho 2013

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