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Ventilação Mecânica Solidada Sus
Ventilação Mecânica Solidada Sus
Pode-se definir como modo ventilatório, o processo pelo qual o ventilador pulmonar mecânico determina,
seja parcial ou totalmente, como e quando os ciclos respiratórios mecânicos são ofertados ao paciente. O
modo determina substancialmente o padrão respiratório do paciente durante havendo ainda nos dias de
hoje uma terminologia confusa, não padronizada. Esta situação é agravada pela adoção de distintos nomes
de marca pelos fabricantes de ventiladores pulmonares, muitas vezes para modos com funcionalidades
semelhantes, senão idênticas, por razões de ordem comercial. Em 2010, cerca de 54 nomes de “modos”
ventilatórios eram disponíveis, em 49 marcas de ventiladores pulmonares. Todo este cenário contribui para
grandes desafios no treinamento de profissionais de saúde e, principalmente, favorece um manejo às vezes
inadequado dos modos ventilatórios mais comuns, chegando a por em risco a vida dos pacientes sob
ventilação mecânica.
Constitui objetivo deste capítulo apresentar uma definição simples e lógica dos modos ventilatórios mais
utilizados, aqui chamados de básicos. Ele se divide em 4 partes: a conceituação do ciclo respiratório
espontâneo, fisiológico, seguido do ciclo respiratório ofertado pelo ventilador pulmonar, mecânico; os modos
ventilatórios mais usados, seus ajustes e limitações, e finalmente, as perspectivas de novos modos
recentemente disponíveis. Para facilitar as explicações sobre os diferentes ciclos e modos serão utilizadas
figuras obtidas a partir de simulação computacional, tendo por base a equação do movimento de gases no
sistema respiratório em um modelo unicompartimental linear com registro das curvas de fluxo, volume e
pressão ao longo do tempo.
A figura 1 apresenta o ciclo respiratório fisiológico ou espontâneo sem qualquer suporte ventilatório
mecânico.
Notar que a Pmus determina o tempo, o fluxo e a quantidade de volume corrente inspirado na proporção em
que consegue negativar a pressão alveolar. Referir-se ao texto abaixo para explicações mais detalhadas.
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Nesta figura, o esforço muscular inspiratório, representado pela Pmus, varia em intensidade e duração em
cada ciclo. A Pmus, ao expandir o volume da caixa torácica, segundo a lei de Boyle, reduz a pressão dos
gases alveolares, representado pela pressão alveolar, em azul, a valores um pouco abaixo da pressão
atmosférica, considerada o valor zero de referência. Isto gera um gradiente de pressão entre as vias aéreas
proximais (narinas e boca) e o parênquima pulmonar. Em consequência deste gradiente, ocorre um fluxo de
ar do ambiente externo para os alvéolos através das vias aéreas, o fluxo inspiratório. O formato e a
intensidade da onda deste fluxo é determinado por este gradiente pressórico e pela resistência das vias
aéreas. Ao longo do tempo, um certo volume de ar é insuflado aos alvéolos, ou seja, um volume corrente
(VC), que é definido pelo produto: fluxo x tempo. A medida que os alvéolos são insuflados e o parênquima
pulmonar é estirado, a pressão elástica do tecido pulmonar se eleva na razão direta do volume corrente
inspirado dividido pela complacência dos pulmões e da caixa torácica.
O tempo inspiratório consiste no intervalo que vai desde o início da entrada de ar até o momento em que o
valor máximo do VC é atingido. Com a diminuição gradual da Pmus no final da inspiração, seguindo até o
relaxamento completo dos músculos inspiratórios, a pressão alveolar, antes negativa, se eleva
progressivamente até o ponto em que excede a pressão das vias aéreas proximais, que se mantém zero.
Neste ponto, a onda de fluxo se inverte em direção ao ambiente externo a partir dos pulmões, iniciando-se a
expiração. Por convenção, a onda de fluxo expiratória tem sinal negativo. O ar é expirado passivamente,
impulsionado pela pressão alveolar que se encontra elevada no instante final da inspiração devido o
aumento da retração elástica pulmonar e o relaxamento da musculatura inspiratória. A exalação se processa
segundo a constante de tempo do sistema respiratório, que consiste no produto da Raw x Cst, até o
momento em que a pressão alveolar se equilibra novamente com a pressão das vias aéreas quando o fluxo
cessa.
O tempo expiratório é computado como o intervalo que dura do início do fluxo expiratório até o começo da
inspiração subsequente. Cabe ao centro respiratório, localizado no bulbo, todo o controle deste processo,
sendo o mesmo determinado por complexos mecanismos envolvendo, entre outros elementos, impulsos
neurais aferentes de quimiorreceptores periféricos e centrais, mecanorreceptores nos pulmões e caixa
torácica, do córtex cerebral e de outras regiões do sistema nervoso central. É neste intricado mecanismo do
ciclo respiratório que atua o ventilador pulmonar mecânico. Não surpreende que o suporte ventilatório ainda
apresente grandes limitações apesar de grandes avanços tecnológicos nas últimas décadas.
O suporte ventilatório artificial é essencialmente um processo que substitui total ou parcialmente a ação dos
músculos inspiratórios e o controle neural da respiração. Dois tipos fundamentais de ciclos respiratórios
podem ser definidos na ventilação mecânica. Um primeiro, em que o ventilador “controla” toda a fase
inspiratória, ou seja, substitui totalmente o esforço muscular respiratório e o controle neural do paciente.
Este ciclo será aqui denominado de CONTROLADO. No segundo tipo, o ventilador apenas auxilia ou
assiste a musculatura inspiratória que se encontra ativa, sendo aqui denominado de ciclo ASSISTIDO.
Alguns autores utilizam o termo “ciclo espontâneo” para definir o ciclo que ocorre durante a oferta da
pressão de suporte (PS) ou de pressão inspiratória (IPAP). Em vez disso, o termo assistido será aqui usado
para designar este último tipo de ciclo, mantendo-se uma coerência com a definição acima apresentada e
com o emprego da terminologia de ciclo espontâneo apenas para a respiração fisiológica.
Além destas duas grandes divisões, o ciclo do ventilador pulmonar também pode ser classificado quanto às
variáveis que são controladas ao longo da inspiração: sejam elas tempo, fluxo, pressão ou volume ou
mesmo a combinação de duas ou mais destas. Assim um ciclo dito CONTROLADO pode ser CICLADO A
VOLUME (VCV do inglês Volume Controlled Ventilation), ou seja, programado para findar ou “ciclar” quando
se atinge um valor pré-determinado de volume corrente (VC) ou CICLADO A TEMPO COM PRESSÃO
CONTROLADA OU CONSTANTE (PCV, do inglês Pressure Controlled Ventilation).
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1. Ciclos controlados
A figura 3 apresenta o impacto dos ajustes de VC sobre o Ti e as pressões alveolares e de vias aéreas em
ciclos controlados tipo VCV.
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Na figura 3 o operador do ventilador modifica o VC, mantendo o fluxo constante. As pressões de via aérea e
alveolares variam em proporção direta às mudanças de VC. Notar que o Ti varia igualmente (Ti=VC/fluxo).
Na prática a ventilação controlada ciclada a volume é bastante fácil de ser ajustada, bastando definir-se um
VC alvo, por exemplo, 8ml/kg de peso ideal, e ajustando-se o fluxo para se garantir um Ti ao redor de 0,6 a
1,2s, a depender claro da estratégia ventilatória específica recomendável para um determinado paciente.
É possível observar que a determinação do VC em ciclos com Pressão Constante nas vias aéreas se faz de
forma indireta, variando-se, ora o Ti (na figura 4), ora o “delta” de pressão acima da PEEP nas vias aéreas
(figura 5) ou mesmo ambos. É importante destacar que ciclos respiratórios em PCV não garantem os
valores de pressão alveolar, uma vez que esta é determinada pela relação entre o VC e a complacência
estática do sistema respiratório. Habitualmente pode-se fixar o Ti em um determinado valor, 0,6 a 1,2s, por
exemplo, titulando-se o “delta” de pressão na via aérea parta se atingir um determinado VC desejado.
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Em resumo os ciclos controlados podem ser basicamente do tipo VCV ou PCV, havendo modos híbridos
que unem características dos dois tipos de controle que serão abordados em capítulo específico sobre
novos modos. Neste ponto podemos definir que o modo ventilatório, antigamente chamado de controlado,
somente ofertaria ciclos controlados ao paciente. Obviamente, modos controlados puros não são mais
utilizados pois resultariam em grande desconforto para os pacientes quando estes fizessem uso de sua
musculatura respiratória.
2. Ciclos assistidos
Uma situação bem mais complexa ocorre quando o comando neural (drive) e a musculatura do sistema
respiratório do paciente estão ativos. Neste caso virtualmente todos os ventiladores pulmonares mecânicos
monitorizam a “demanda” do paciente através da mensuração contínua do fluxo e/ou pressão no circuito do
ventilador. O ajuste, comumente denominado de “sensibilidade”, determina o limiar de variação de fluxo ou
pressão que será reconhecido pelo ventilador como esforço muscular do paciente. Uma sensibilidade bem
ajustada é crucial para que o paciente seja capaz de deflagrar ou disparar ciclos respiratórios quando assim
desejar. Um ajuste de sensibilidade a pressão de -1 a -2cmH2O ou a fluxo de 2 a 5l/min são
recomendáveis. Sabe-se que o ventilador dispara mais facilmente com a sensibilidade a fluxo, embora o
valor clínico deste recurso seja discutível. As figuras 6 e 7 apresentam ciclos do tipo VCV e PCV,
respectivamente, no paciente com esforço muscular variável.
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Comparando-se ciclos assistidos VCV e PCV há uma grande diferença quanto a resposta do ventilador à
demanda muscular do paciente. Em PCV, o ventilador, ao aumentar a oferta de fluxo e de VC em relação ao
esforço do paciente, potencialmente menos desconfortável. Considerando-se que uma das metas principais
da ventilação mecânica é aliviar a dispneia e o trabalho muscular respiratório, este tipo de ciclo é mais
favorável quando se deseja que o paciente apresente contração muscular respiratória, como é habitual logo
após as primeiras 24 a 48h que seguem a intubação traqueal.
Além dos ciclos assistidos em VCV e PCV, os ventiladores dispõem de um terceiro tipo de ciclo assistido
presente na Ventilação com Pressão de Suporte (PSV, do inglês Pressure Support Ventilation). Os ciclos
assistidos com PSV são semelhantes aos ciclos em PCV exceto pelo mecanismo de ciclagem, sendo este a
fluxo e não a tempo. A figura 8 ilustra e explica o mecanismo de ciclagem em PSV.
Nos ciclos em PSV a possibilidade de variabilidade de fluxo, VC e Ti pode favorecer a um maior conforto
para alguns pacientes. Além disso, os atuais ventiladores disponibilizam o ajuste do limiar de ciclagem. Este
pode ser ajustado eventualmente entre 5 a 70%, por exemplo. Tal ferramenta possibilita um ajuste mais fino
dos ciclos em PSV, notadamente nos pacientes com DPOC, com elevada resistência de vias aéreas e
complacência estática normal ou aumentada. Nestes casos, o Ti pode ficar demasiado longo devido a
menor desaceleração do fluxo inspiratório como pode ser observado na figura 9. Além deste ajuste vale
lembrar que tanto a PSV quanto a PCV permitem o ajuste do fluxo ou velocidade de pressurização da via
aérea no início da inspiração. Este ajuste é comumente referido como rise time, ou tempo de subida. O
leitor deve se reportar ao capítulo Assincronia paciente ventilador para mais detalhes sobre a manipulação
prática destes novos recursos tecnológicos incorporados a PCV e PSV.
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3. Modos ventilatórios básicos
Com base nos tipos de ciclos respiratórios que são ofertados ao paciente, 3 modos ventilatórios
considerados básicos podem ser reconhecidos, são eles o Assistido/Controlado (A/C, do inglês assist/
control), a ventilação com pressão de suporte (PSV) e a ventilação mandatória intermitente sincronizada
com PS, modo híbrido entre os dois primeiros (SIMV, do inglês Synchronized Intermitent Mandatory
Ventilation).
O modo A/C se caracteriza por ofertar ciclos controlados e/ou assistidos a depender dos ajustes de
frequência respiratória mínima programada e da frequência do paciente. Por sua vez, o modo A/C pode
ofertar ciclos em VCV ou em PCV. Assim existem os modos A/C-VCV e A/C-PCV. As figuras 10 e 11
apresentam, respectivamente, os modo A/C-VCV e A/C-PCV. As legendas detalham o funcionamento do
modo.
Via de regra opta-se por se iniciar o suporte ventilatório no modo A/C-VCV, logo após a intubação traqueal,
quando o paciente se encontra sedado ou mesmo sob bloqueio neuromuscular. São duas as vantagens de
se iniciar neste modo e não em A/C-PCV: pode-se determinar com mais facilidade a mecânica respiratória
(o leitor pode se reportar ao capítulo correspondente a este tema) e segundo, e talvez mais importante, a
pressão alveolar fica sob maior controle uma vez que esta é sempre determinada pela relação entre o VC e
a complacência estática do sistema respiratório. Particularmente, o emprego de uma estratégia ventilatória
protetora, com a utilização de baixos VCs em pacientes com SDRA, pode ser feita com mais facilidade e
segurança no modo A/C-VCV. Atenção especial deve ser dada a variação da pressão de pausa neste modo
ventilatório. O alarme de pressão portanto deve ser bem ajustado.
Já o modo A/C-PCV pode ser uma excelente opção para uma ventilação predominantemente assistida,
quando o paciente apresenta esforços musculares respiratórios, numa fase de transição para o processo de
retirada da ventilação mecânica. Atenção especial deve ser dada a monitorização do VC neste modo
ventilatório. O alarme de VC máximos e mínimos devem ser bem ajustados.
2. Modo PSV
No paciente que apresenta uma boa recuperação da doença de base e a sedação é revertida, comumente
se emprega o modo PSV, onde somente há disparos pelo paciente, ou seja, todos os ciclos são assistidos
com a adição da Pressão de suporte como apresentado na figura 12.
O modo PSV costuma ser usado no desmame, onde se reduz a PS gradualmente avaliando-se a
capacidade do paciente se adaptar a níveis cada vez mais baixos até que um valor mínimo seja atingido,
habitualmente entre 7 a 10cmH2O. Como somente ciclos assistidos são ofertados o alarme de apnéia com
ventilação de backup deve ser bem ajustado.
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3. Modo SIMV com PS
O modo SIMV com PS constitui um híbrido dos modos A/C e PSV. Historicamente foi desenvolvido ainda na
década de 70 para possibilitar ciclos espontâneos, apenas com a PEEP, intercalando-os com ciclos do tipo
VCV ou PCV. Atualmente a PS é usada
rotineiramente neste modo. Uma frequência mínima é programada com ciclos em VCV ou PCV. Por
exemplo, ajustando-se uma frequência de 6 irpm, o ventilador divide um minuto em 6 janelas de tempo de
10 segundos. Dentro de cada uma destas janelas o ventilador deve ofertar um ciclo respiratório que poderá
ser assistido, caso o paciente realize um esforço neste intervalo ou controlado, que será ofertado ao final da
janela, caso o paciente não dispare o ventilador. A figura 13 ilustra o funcionamento deste modo.
O modo SIMV com PS é bastante utilizado. Apresenta como vantagem a garantia de uma frequência
respiratória mínima onde se pode estabelecer um VC fixo (SIMV-VCV) ou uma Pressão Constante na via
aérea com ciclagem a tempo (SIMV-PCV). Como desvantagem principal destaca-se a complexidade de
seus ajustes e a dificuldade para se reconhecer as diferenças entre os ciclos com PS e aqueles em VCV ou
PCV. A tabela abaixo resume as características principais dos modos ventilatórios básicos.
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Tabela 1. Principais características dos modos ventilatórios básicos
Ti: tempo
inspiratório; Disparo
a tempo=ventilador
Novos modalidades ventilatórias têm sido desenvolvidas. Eles incluem modos híbridos que mesclam, por
exemplo, características dos modos A/C-VCV e A/C-PCV (Pressurre regulated volume control, PRVC,
Volume Assured Pressure Support Ventilation, VAPS e autoflow), modos que ofertam a pressão na via aérea
em proporção ao esforço muscular do paciente (Proportional Assisted Ventilation – PAV ou Automatic Tube
Compensation - ATC) ou ao comando neural (Neurally Adjusted Ventilatory Assist - NAVA) e modos com
mecanismos para auto-ajuste da PSV (Volume Support Ventilation). Embora promissores, a maior parte
destes modos ainda não foi incorporado ao dia-adia da ventilação mecânica e ainda há poucas evidências
de sua superioridade em relação aos modos básicos quanto a desfechos clínicos relevantes como a
duração da ventilação mecânica e a sobrevida. Particularmente os modos que favorecem a maior sincronia
pacienteventilador serão abordados no capítulo correspondente a este tema.
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