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Equipes de Alta Performance*

Luiz Maurício de Andrade da Silva, PhD

O
TEMA EQUIPES, per se, já é bastante tes transformações ocorridas na teoria das orga-
amplo, oferecendo superlativa gama nizações, que passou da perspectiva clássica,
de enfoques e discussões. O mesmo baseada, sobretudo, nos estudos de Frederick
tema pode se apresentar de forma W. Taylor (em empresas privadas) e Max Weber
ainda bem mais ampla se o considerarmos em (em empresas públicas), para a perspectiva
um contexto de equipes de alta performance. humanística (ou neo-clássica), fortemente
Após elucidar o problema de pesquisa e seu influenciada—nos seus primórdios—pelos estu-
objetivo central, este artigo realiza uma revisão dos de Marie Parker Follett e Chester Barnard.
das principais questões envolvidas com os temas De fato, parece difícil imaginarmos um traba-
liderança e motivação, para, em seguida, proce- lho de equipe em qualquer organização, que não
der a uma discussão do trabalho de Hilarie seja acompanhado por forte ênfase nos conceitos
Owen, que acompanhou por dois anos a RAF— de liderança e motivação, sendo esta questão um
Red Arrows.1 aspecto crítico tanto da administração de empre-
Como pesquisa de campo, acompanhamos o sas privadas como públicas. As organizações
trabalho do Esquadrão de Demonstração Aérea públicas, em particular, vêm sofrendo profundas
da Força Aérea Brasileira (EDA—FAB), procu- transformações, passando do estado burocrático
rando, neste acompanhamento, partindo do para a administração gerencial.5 Hilarie Owen6
enfoque aos principais achados empíricos da acompanhou durante dois anos a esquadrilha de
autora citada,2 verificar o grau de concordância aviação inglesa e traçou paralelos entre o traba-
dos aviadores brasileiros com os ingleses. lho de equipe, estilo de liderança, e motivação
verificadas junto ao grupo de aviadores da RAF, e
Problema de Pesquisa e Objetivo aqueles que são tradicionalmente encontrados e
aceitos em outros tipos de atividades organiza-
O problema de pesquisa deste artigo é a
das, públicas e privadas.
liderança e a motivação dos recursos humanos,
Nós verificamos o estilo de liderança e os
quando no trabalho em equipe, com ênfase na
aspectos motivacionais típicos do EDA—FAB e
discussão das características de uma equipe de
extraímos o grau de concordância da equipe
alta performance.
de aviadores brasileiros com os destaques da
O presente artigo pretende lançar luzes
equipe da RAF.7 Ao final, incorporamos ao arti-
sobre o conceito de equipes de alta perform-
go outras questões que, em nosso entender,
ance, e está baseado numa comparação entre
podem ajudar a focar a questão da liderança e
os relatos da pesquisadora inglesa,3 feitos com
motivação, sobretudo na gestão das organiza-
base na observação dos trabalhos em equipe
ções públicas, onde, tudo indica, esta questão
realizados na RAF—Red Arrows, e uma observa-
ainda não está muito bem sedimentada.
ção semelhante realizada junto ao EDA—FAB.
As tentativas de criar adesão e motivação dos
servidores públicos têm sido feitas principal-
Fundamentos Teóricos mente através de justas—e nem por isso excluí-
O tema equipes é sustentado e condicionado das de discussões sobre sua validade—reivindi-
por dois outros temas correlatos:4 liderança e cações de direitos trabalhistas, como estabilidade
motivação. Ademais, estes temas formam, no e plano de carreira.8,9 Quando o que parece ser
seu conjunto, a base de uma das mais importan- mais recomendado nesta questão de envolvi-

*A versão preliminar deste artigo foi discutida—e consta dos anais—no IX Seminário em Administração da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Gostaria de agradecer a toda a equipe do EDA, em particular ao TenCel
Av. Ricardo Reis Tavares e ao CapAv Jorge Wilson da Costa Mattos, a atenção especial que me foi dispensada na elaboração deste trabalho.
Consoante a política editorial deste periódico, os artigos publicados representam pensamento de seus respectivos autores e não do Departamento
de Defesa, da Força Aérea, da Universidade da Força Aérea ou de qualquer outro órgão nacional ou estrangeiro.—Nota da ASPJ em português

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mento, adesão e motivação para o trabalho em que morreram estavam a menos de dez metros
equipes é o envolvimento de todos com o senti- do acampamento onde estavam os demais!
do maior da missão, identificação e vocação A segunda característica é que os membros de
para o trabalho a ser realizado.10 uma verdadeira equipe partilham entre si um
Owen11 enfatiza a diferença existente nas objetivo comum, uma visão em comum. E aqui
variadas definições de equipes, muitas delas poderíamos nos referenciar nos esforços que são
incluindo frases como “objetivos comuns” ou empreendidos por muitos administradores ao
“trabalho conjunto”. Se perguntarmos ao mem- tentarem definir e partilhar com seus colabora-
bro de um time de alta performance como este dores a missão, os valores e objetivos estratégicos
grupo pode ser definido, a resposta apareceria de suas empresas. Mas a pergunta que fica é: bas-
menos em forma de ações que caracterizariam a ta definir a missão e os valores, fixando-os em
equipe, e mais em forma de sentimentos posters espalhados por toda a empresa?
comuns que são partilhados pelo grupo. A terceira característica é que uma equipe
Para diferenciar equipes de simples grupos de alta performance não nasce simplesmente
de trabalho conjunto, a autora enfatiza existi- do nada, ou da noite para o dia. Isto, segundo
rem quatro importantes características nas a autora, requer trabalho árduo e contínuo,
verdadeiras equipes: como se sabe, mas precisa também proporcio-
A primeira característica é que uma equipe nar prazer e satisfação a todos os envolvidos. E
depende muito menos de sua estrutura, tama- a base de tudo está na capacidade do líder em
nho, ou até capacidade técnica de seus mem- coordenar isto, sobretudo convencendo os
bros, e muito mais do efeito sinergístico conse- componentes da equipe de que esta realiza-
guido por estes indivíduos. O que a autora do ção depende menos dos interesses individuais
livro sugere é que entre os membros de um gru- e mais do interesse coletivo.
po deve existir algo muito próximo daquilo que A quarta e última característica é a abertu-
vários autores de estratégia empresarial enfati- ra que precisa existir na equipe, permitindo
zam ser necessário, para justificar a existência que todos sejam sempre muito diretos uns
de diferentes unidades estratégicas de negócios com os outros. Os erros são discutidos aberta-
em uma empresa: o conceito de sinergia, ou mente e vistos como uma oportunidade de
efeito 2+2=5. Se o resultado dos esforços do gru- aprendizado e desenvolvimento, nunca como
po for igual à soma dos esforços individuais de punição aos que erraram.
cada um, o grupo nunca será uma equipe, mui- Owen confere muita ênfase à importância
to menos uma de alta performance. Simples- de se proporcionar o clima e cultura organi-
mente porque a maior complexidade de estru- zacionais adequados antes de se iniciar um
turação de uma equipe de alta performance trabalho de equipe:
reside nesta habilidade ímpar de coordenação, “Desenvolver equipes também significa desen-
que possibilita uma união de esforços superior, volver organizações, que precisam trabalhar
que não pode ser resumida à reunião de vários para criar o clima adequado para que as equi-
gênios trabalhando reunidos. pes floresçam”.12
Owen cita o caso da inglesa Rebecca Stevens, Em outras palavras, criando o clima adequado
que em 1993 conseguiu alcançar com sua equi- para que a equipe possa trabalhar em seu poten-
pe o pico do Everest, tornando-se a primeira cial máximo. Por que será que encontramos
mulher inglesa a fazê-lo. Poderíamos aproveitar tantos exemplos de equipes bem sucedidas em
aqui outro caso, não como exemplo de sinergia, esportes e atividades filantrópicas, e muito
mas de seu oposto, a entropia, que infelizmente menos no mundo empresarial? Segundo a auto-
aconteceu pela falta de integração entre os ra isto se deve ao fato de que em muitos casos os
membros de outro grupo de alpinistas que em gerentes ou diretores simplesmente não que-
1996 escalaram o mesmo pico. De onze alpinis- rem estimular o espírito de equipe, por verem
tas seis morreram no retorno da escalada, narra- nisto uma ameaça ao seu status ou poder.
da depois por um jornalista sobrevivente, em Possivelmente isto também esteja relaciona-
seu livro intitulado No Ar Rarefeito. Alguns dos do ao fato de que as empresas têm objetivos de
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lucro explícitos, e muitos administradores vêem


nisto razão para separar aqueles que dirigem
daqueles que executam, aqueles que participam
nos lucros daqueles que participam nas deci-
sões. Em uma palavra, aquilo que Owen13 e tam-
bém Gareth Morgan14 denominam “them and
us”, gerando uma clara definição de opostos, e
não de membros de uma mesma equipe.
Outro exemplo que nos ocorre é o de uma Revista Força Aérea––Alexandre Durão

reportagem publicada pela Revista Business


Week, em que, perguntando ao falecido mestre
da administração por objetivos Peter Drucker Owen18 considera ainda que, mais difícil do
quem ele indicaria para o cargo de presidente que convencer uma pessoa autoritária a mudar
da General Motors, obteve-se como resposta o sua postura é convencê-la de que o acerto das
nome de uma dirigente da Girl Scouts, associa- decisões não depende única e exclusivamente
ção norte-americana de escotismo feminino! A dela. Isto nos faz refletir também sobre o concei-
revista citada realizou então—por sugestão do to de autoconhecimento. Só pessoas maduras e
próprio Drucker—uma pesquisa com diversas com significativo grau de autoconhecimento
instituições non-profit dos Estados Unidos, estão preparadas para delegar, ouvir, admitir
como museus, escolas, casas de cultura e espe- seus próprios erros, e aprender com os outros.
táculos, chegando à conclusão de que o guru Owen lembra ainda que a palavra poder—
da administração estava certo: a maior parte freqüentemente visto como algo a ser preser-
destas organizações são muito efetivas simples- vado por uns em detrimento de outros—se
mente pelo fato de que trabalham com pessoas bem entendida, pode ser uma forte alavanca
fortemente movidas pelo sentido de vocação. para o envolvimento, a liderança e a motiva-
Owen cita o caso de um participante de ção de equipes de alta performance. No fran-
seus cursos de liderança que, considerando-se cês, pouvoir significa ser capaz, e é daí que se
origina também a palavra inglesa empowerment,
gerente brilhante e líder nato, fora submetido
ou seja, permitir que as pessoas ajam e desem-
a um teste de liderança e mostrou claramente
penhem satisfatoriamente. Segundo Owen:
ser pessoa centralizadora e impositiva:
“Dando poder os líderes nada perdem, de fato
“Não foi fácil pará-lo e convencê-lo da impor- eles perceberão que ganham muito, pois os li-
tância de ouvir um pouco os outros”.15 derados os seguirão e respeitarão”.19
Em contraposição ao exemplo dado acima Hoje se sabe que, mais importante que o
por Owen, ocorre-nos citar outro autor,16 que poder, é a autoridade de um líder, e em que
desenvolveu o método que ficou conhecido grau a autoridade é reconhecida no líder
como técnica Delphi, que tem como funda- pelos seus seguidores.
mento básico a idéia de que quando um gran- Na aviação civil comercial brasileira a questão
de número de pessoas é consultado, preferen- do poder vem sendo muito discutida, a partir da
cialmente formando um júri de especialistas constatação que se fez de que o poder a bordo de
no assunto, as chances de acerto em uma um avião fica excessivamente concentrado nas
decisão são significativamente maiores. mãos de uma só pessoa: o piloto. Embora os
Mais recentemente, corroborando com a regulamentos de tráfego aéreo confiram ao pilo-
idéia de que grupos de pessoas podem atingir to em comando todos os poderes sobre o destino
níveis superiores de acerto, o jornalista norte- da aeronave e sua tripulação, alguns argumen-
americano James Surowiecki17 realizou criterio- tam sobre a necessidade de conscientização dos
so trabalho de revisão da literatura, ilustrada pilotos para que estes se utilizem suficientemente
por diversas situações reais, em que a opinião de de todos os recursos existentes a bordo, sobretu-
várias pessoas tende a superar em qualidade e do a totalidade dos tripulantes. De fato, a teoria
nível de acertos a opinião dos especialistas. administrativa tem proposto um “deslocamento”
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da ênfase no poder para a ênfase na autoridade, outro lado os dirigentes muitas vezes “esque-
adquirida por reconhecido merecimento do cem-se” de fazê-lo, por razões que, segundo
líder, em função de sua excelência e domínio nas ela, devem-se principalmente à ganância de
ações inerentes às suas funções. chegar ao topo da pirâmide. Como este nor-
Segundo estudos realizados no Brasil20 a malmente é o objetivo máximo e decisivo de
NASA criou nos anos 70 os cursos de gerencia- qualquer executivo, quando lá eles chegam,
mento de recursos de cabine (Cockpit Resource pensam que nada mais há de importante a
Management—CRM) que são hoje considerados fazer, a não ser se manter naquela posição.
imprescindíveis para aumentar a segurança dos Ou então passam a tentar defender suas posi-
vôos. A primeira companhia aérea a utilizar este ções uns contra os outros, em detrimento do
ferramental foi a United Airlines, em 1981. O grupo como um todo, o que pode ser freqüente-
CRM pressupõe a utilização de todos os recursos mente constatado pelas reuniões do board de
disponíveis para aumentar a segurança e eficiên- muitas empresas, onde se vê o diretor de market-
cia das operações de vôo: equipamento, procedi- ing defendendo o marketing, o diretor de finan-
mentos e pessoal. O objetivo central do treina- ças defendendo as finanças e o diretor de produ-
mento é melhorar o processo decisório na cabine ção defendendo a produção. Algo que seria
“através da eficácia no uso destes recursos”. muito natural, não fossem os prejuízos evidentes
Citando vários exemplos de acidentes, para o trabalho em equipe, o que inspirou tam-
entre os quais o de um Boeing 737 que, sain- bém Gareth Morgan22 a estudar as organizações
do de Marabá para Belém, tomou o rumo através da metáfora dos sistemas políticos, que
errado e fez um pouso forçado na selva, em naturalmente passa a ser o quadro mais típico de
São José do Xingu, matando doze de seus funcionamento das organizações, sobretudo as
ocupantes, Branco Filho explica que o CRM públicas.23 Ou, como diz Owen em outra passa-
vem desenvolvendo-se de tal maneira que pas- gem de seu livro:
sou a chamar-se de Crew Resource Management, Foram-se os dias em que os gerentes mandavam
e passa a envolver todos os tripulantes, uma e os trabalhadores simplesmente executavam.
vez que: “o importante é o fluxo de informa- Performance e responsabilidade partilhada são
ção, independentemente de onde parta”. necessidades das organizações atuais. Não há me-
A posição de um comandante de avião, como lhor exemplo disto do que a RAF Red Arrows.24
dissemos, é a de autoridade máxima, o que não
implica dever ser uma posição hermética a As Percepções dos
outras informações, além das que o mesmo dis-
Aviadores do EDA—FAB:
põe diretamente em seu trabalho técnico.
Ademais, Owen21 sugere também que sejam Uma Pesquisa Exploratória
considerados, além do fluxo desimpedido de Como se sabe, o EDA—FAB, conhecido
informações—fluxo este muitas vezes erronea- carinhosamente pelo público brasileiro como
mente interrompido por alguns gerentes como “Esquadrilha da Fumaça”, é hoje um dos prin-
instrumento de poder—, os elogios, que não cipais símbolos nacionais. Esta equipe é reco-
devem ser poupados para que uma equipe nhecida nacional e internacionalmente como
esteja realmente envolvida e sintonizada. A uma equipe de alta performance devido ao
autora confere, inclusive, mais importância aos elevado grau de profissionalismo e rigor téc-
elogios do que à hierarquia. Segundo ela, em nico empregado pelos seus membros.
equipes de alta performance a hierarquia não A “Esquadrilha da Fumaça” opera em suas
é necessária, uma vez que a liderança é basea- demonstrações aéreas as aeronaves Tucano
da em respeito e não em delegação de poder. (T27), fabricadas no Brasil pela Embraer, o
A autora enfatiza ainda outro ponto central que faz ainda destes aviadores verdadeiros
nos esforços de compor uma equipe de alta “embaixadores” do Brasil no exterior.
performance, que é o fato de que, se por um Sinteticamente podemos afirmar que os prin-
lado cabe à alta cúpula, ou ao corpo diretivo, a cipais conceitos atribuídos por Owen25 à alta per-
responsabilidade pela integração de todos, por formance da equipe RAF—Red Arrows são:
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•  Partilhar sentimentos e objetivos comuns. Importa destacar que, de 38 membros da


•  Capacidade de extrair sinergia dos esfor- equipe do EDA—FAB, as respostas tabuladas
ços individuais. representam as opiniões de 24 destes mem-
•  Importância da coordenação dos esforços. bros, ou seja, apresenta-se as respostas de 63%
da equipe do EDA—FAB.
•  O papel do líder como fundamental Foi utilizado o teste “alfa de Cronbach” para
para realizar a coordenação da equipe. avaliação da confiabilidade do instrumento de
•  O trabalho árduo, mas envolvendo tam- coleta de dados, tendo sido obtido o resultado do
bém sentimentos de prazer e satisfação. teste no valor de 0,37, evidenciando, assim, baixa
•  Também considerado fundamental o estabilidade da medição obtida, uma vez que
nível de abertura existente na equipe, preconiza-se para este teste valores acima de 0,60.
permitindo que todos sejam muito dire- A tabela 1 a seguir apresenta os graus de
tos uns com os outros. concordância verificados junto aos aviadores
•  Forte sentido de equipe e cultura de coo- do EDA—FAB:
peração entre todos.
•  Forte sentido de vocação, de que repre-
Conclusões
sentamos nosso país, a aviação militar, a O que se constata é a necessidade, cada vez
aeronáutica como um todo. mais premente, de que se aproveite nas organi-
•  Todos estamos continuamente apren- zações a totalidade da massa crítica humana
dendo na equipe, inclusive com os nos- disponível. Em diversos tipos de decisões, uma
sos eventuais erros. maior participação de todos os agentes envolvi-
dos melhora, como já demonstraram outros
•  As decisões tomadas por consenso (entre estudos,27,28 a capacidade de acerto. O primeiro
várias pessoas especializadas no assunto) autor evidenciando-o em organizações produti-
tendem a ser de qualidade superior às vas de fins lucrativos, e o segundo, embora ilus-
decisões tomadas individualmente (mes- trando-o de forma mais geral, evidencia o apro-
mo em se tratando de um reconhecido veitamento da massa crítica humana disponível
especialista). também em operações públicas e militares,
•  A importância do fluxo desimpedido de citando exemplos recentes da invasão do Ira-
informações, independentemente de que. Podemos observar, pela pesquisa realizada,
onde elas partam. que, afora a grande concordância geral dos avia-
•  As melhores decisões que tomamos são dores brasileiros e ingleses, os itens em que este
aquelas que se baseiam em uma combi- grau de concordância foi mais elevado foram
nação de cálculo e intuição. exatamente em envolvimento (satisfação) com
o trabalho a ser realizado, com 83% de concor-
Então, a estratégia de pesquisa definida dância total, e a importância de que as decisões
para este artigo foi a comparação dos pontos sejam tomadas por consenso, com 75% de con-
destacados pela pesquisadora inglesa26 e o cordância total.
grau de concordância dos aviadores brasilei- O casal Alvin e Heidi Toffler,29 que argu-
ros da “Esquadrilha da Fumaça” com estes menta sobre a necessidade de que as Forças
mesmos pontos. Armadas também se adaptem às exigências da
Após o período de observação dos trabalhos chamada “terceira onda”, enfatiza que os con-
da equipe do EDA—FAB, apresentamos um frontos militares passarão a ser baseados mais
questionário de graus de concordância, tipo em inteligência, obtida na participação dos
Likert, com escala de 1 a 4 para as mesmas ques- diferentes níveis hierárquicos da operação
tões enumeradas acima, podendo constatar nas decisões, e muito menos em sangue.
grande concordância dos aviadores brasileiros Talvez uma visão menos preconceituosa das
com os pontos observados junto aos aviadores possibilidades de aproveitamento da subjetivi-
ingleses, conforme se depreende da tabulação dade humana—entendida aqui como o
apresentada na tabela 1 a seguir. melhor do sentido de circunstancialidade das
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Tabela 1. Graus de concordância dos aviadores da “Esquadrilha da Fumaça”

1 Discordo totalmente
2 Discordo
3 Concordo
4 Concordo totalmente

CONCEITOS CONSIDERADOS RELEVANTES 1 2 3 4

Na equipe do EDA todos partilhamos sentimentos e objetivos comuns. 60% 60% 54% 46%

O EDA consegue extrair muita sinergia dos esforços individuais. 60% 60% 46% 54%

No EDA trabalhamos duro, mas também sentimos prazer e satisfação com o


60% 60% 17% 83%
trabalho realizado.

Também consideramos fundamental o nível de abertura existente na equipe,


60% 17% 37% 46%
permitindo que todos sejam muito diretos uns com os outros.

Existe no EDA um forte sentido de equipe e cultura de cooperação entre todos. 60% 60% 67% 33%

Somos movidos ainda por um forte sentido de vocação, de que representa-


60% 60% 33% 67%
mos nosso país, a aviação militar, a aeronáutica como um todo.

Todos estamos continuamente aprendendo no EDA, inclusive com os nossos


64% 60% 21% 75%
eventuais erros.

As decisões tomadas por consenso (entre várias pessoas especializadas no


assunto) tendem a ser de qualidade superior às decisões tomadas individual- 60% 60% 25% 75%
mente (mesmo em se tratando de um reconhecido especialista).

Muito importante também é o fluxo desimpedido de informações, indepen-


64% 21% 50% 25%
dentemente de onde elas partam.
As melhores decisões que tomamos são aquelas que se baseiam somente em
21% 67% 64% 68%
cálculos exatos.
As melhores decisões que tomamos são aquelas que se baseiam somente na ntui-
46% 54% 60% 60%
ção.
As melhores decisões que tomamos são aquelas que se baseiam em uma com-
64% 17% 46% 33%
binação de cálculo e intuição.
MÉDIAS 66% 14% 35% 45%

pessoas, sua criatividade, sentimentos e inspira- hierarquia, exigindo alto grau de participação
ção—possa conduzir muitas das atuais equipes e envolvimento de diferentes áreas funcionais
para verdadeiras equipes de alta performance. de uma empresa. Owen31 também percebeu
Entre as diferentes metáforas que sugere30 este sentido de aprendizado contínuo junto à
para que se entenda uma empresa em toda a RAF—Red Arrows. Nós, no EDA—FAB.
sua complexidade, Morgan fala das organiza-
Será que os administradores de empresas
ções como organismos de aprendizado contí-
abandonaram o maior dos bens que todos
nuo, cuja representação ideal seria a metáfora
do cérebro. Neste tipo de meta-organização, a adquirimos já ao nascer, e que Santo Agosti-
estrutura mais funcional seria a matricial, em nho (354-430) chamou de livre-arbítrio? Não
detrimento das clássicas e rígidas estruturas seria isto que os mesmos estariam fazendo, ao
hierárquicas. Na estrutura matricial a lideran- relegar a segundo plano sua subjetividade e
ça passa a ser por projetos, não por funções ou sentido de circunstancialidade?
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Não seria através da subjetividade e sentido 4.  Antonio César A. Maximiano, Introdução à Administra-
ção, 6a ed (São Paulo: Atlas, 2004).
de circunstancialidade de todos os envolvidos 5.  Luiz Carlos B. Pereira e Peter Spink orgs., Reforma do
com as organizações onde trabalham, que Estado e Administração Pública Gerencial (Rio de Janeiro: Edito-
encontraremos uma visão mais integrativa dos ra FGV, 2005).
6.  Owen, op.cit.
problemas inerentes ao processo de lidar com 7.  Ibid.
a incerteza, risco e tomada de decisões? Subje- 8.  Érica M. Machado e Lícia M. Umbelino, A questão da
tividade entendida não como o que carece de estabilidade do setor público no Brasil: perspectivas de flexibilização
(Brasília: Textos para discussão ENAP, 2001).
comprovação científica, mas talvez—como 9.  Paulo Modesto, Reforma Administrativa e Direito Adquiri-
estamos querendo sugerir neste artigo— do ao Regime da Função Pública (Brasília: Textos para discussão
como a mais nobre combinação entre livre- ENAP, 2001).
arbítrio e decisões inspiradas na ética. 10.  Maximiano, op.cit.
11.  Owen, op.cit.
Talvez para isto a ciência administrativa esteja 12.  Ibid., 22.
carecendo de métodos de tomadas de decisões 13.  Ibid.
mais flexíveis, que se sirvam mais do ferramen- 14.  Gareth Morgan, Imagens da Organização (São Paulo:
Atlas, 1996).
tal qualitativo. Não em detrimento do ferra- 15.  Owen, op.cit, 46.
mental quantitativo, mas complementando-o. 16.  Robert Schlaifer, Probability and Statistics for Business
Pesquisas brasileiras descreveram32 os bene- Decisions (New York: McGraw-Hill, 1959).
17.  James Surowiecki, The Wisdom of Crowds (New York:
fícios do uso da subjetividade em previsões, Doubleday, 2004).
inclusive propondo um método classificado 18.  Owen, op.cit.
como híbrido,33 ou seja, aquele que combina o 19.  Ibid., 67.
20.  David Branco Filho, “Relação Afinada”, in Aero Maga-
ferramental quantitativo com o subjetivo. zine, Ano 4, número 47 (1998): 20-22.
Parece que muito ainda há que ser estuda- 21.  Owen, op.cit.
do, proposto e aplicado. A pesquisa de campo 22.  Morgan, op.cit.
23.  Pereira e Spink, op.cit.
aqui discutida, exploratória, com baixa estabi- 24.  Owen, op.cit., 98
lidade de medição quando se recorre ao teste 25.  Ibid.
“alfa” de confiabilidade, ainda assim revelou 26.  Ibid.
27.  Schlaifer, op.cit.
grande e inequívoco grau de concordância 28.  Surowiecki, op.cit.
total entre as opiniões de membros de equi- 29.  Alvin Toffler e Heidi Toffler, Guerra e Anti-guerra: So-
pes de alta performance de dois países bastan- brevivência na Aurora do Terceiro Milênio (Rio de Janeiro: Biblio-
teca do Exército, 1995).
te distintos, como o Brasil e a Inglaterra.  q 30.  Morgan, op.cit.
31.  Owen, op.cit.
Notas 32.  Nadia Wacila H. Vianna, A Subjetividade no Processo de
Previsão (Tese de doutorado FEA/USP, 1989).
1.  Hilarie Owen, Creating Top Flight Teams (London: Ko- 33.  Luiz Maurício de A. Silva, Instrumentalização do Plane-
gan Page, 1996). jamento Estratégico: Aplicação no Setor Aeroviário Comercial Brasi-
2.  Ibid. leiro (Tese de doutorado FEA/USP, 2000). http://www.teses.
3.  Ibid. usp.br/teses/disponiveis/12/12134/tde-27032006-095314/.

Luiz Maurício de Andrade da Silva é graduado e mestre em Administração pela


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e doutor, também em
Administração, pela Universidade de São Paulo (USP). É professor de planeja-
mento estratégico e processo decisório na Academia da Força Aérea (AFA-Pirassu-
nunga/SP). Foi colaborador de empresas nacionais e multinacionais, assim como
de importantes escritórios brasileiros de consultoria. É autor do livro Tomada de
Decisões em Pequenas Empresas, editado pela Cobra Editora (São Paulo), em 2004. É
fundador e ex-presidente da Associação Helena Piccardi de Andrade Silva (www.
ahpas.org.br), entidade sem fins lucrativos de apoio a crianças com câncer. Possui
28 horas de vôo em instrução, como piloto-aluno.

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