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Re-pensar a existência humana desde a ressurreição de Jesus Cristo.

A mensagem da Justificação encontra na ressurreição do Cristo


crucificado seu fundamento mais estável uma vez que nestes dois eventos
mutuamente complementares se expressa o desígnio redentor de Deus para
todo o gênero humano. Na crucificação de Jesus, Deus se solidariza com os que
sofrem pela falta de justiça no mundo, e na ressurreição de Cristo, o Deus Trino
rompe com todo e qualquer ciclo de morte, e isto o faz definitivamente.

A Justificação do ser humano está conectada à Cristo a ao Seu futuro já


inaugurado por meio de Sua ressurreição. Este evento é tanto um determinante
do tempo presente, quanto aberto para o futuro. Sua consumação plena se dará
somente na parusia de Cristo.1 Por isso pode-se dizer com Moltmann que a
Justificação dos crentes está sob o signo da promessa e do penhor. É algo que
se vive hoje, mas que ainda deve aguardar sua plenificação quando da
ressurreição final. Os justificados devem se saber incompletos, conquistando-se
existencialmente paulatinamente. Estão a caminho da perfeição (Fp. 3,12ss).

A ressurreição de Cristo deve ser entendida como Nova Criação. Mais


que isso, a ressurreição do crucificado não somente supera o estreitismo
conceitual helênico (espiritualização) e judaico (instituição do Filho do Homem),
como também afirma-se como sendo a definitiva e irreversível irrupção da Nova
Criação de Deus, na qual vai ser revelado algo de desafiadoramente novo para
o gênero humano em particular, e para criação de modo geral. 2 No evento da
ressurreição de Cristo se dá o surgimento da Nova Criação por meio da
aniquilação do nada, isto é, da morte e o surgimento da eterna bem-
aventurança.

A ressurreição de Jesus já está presente nos Seus discípulos em


esperança e como promessa. Daí eles tomarem como lema de vida a sentença:
“torna-te o que serás”.3 Os evangelhos reconheceram no ressuscitado a
manifestação e irrupção do futuro escatológico do mundo. Ele é a epifanização
daquilo que há de vir. Neste sentido podem ser analisadas por exemplo as curas

1
Hoffnung, p. 239.
2
Zukunft, p. 169.
3
Hoffnung, p. 186.
que Jesus Cristo operou. No entendimento de Moltmann elas devem ser vistas
como primícias da ressurreição, sinais presentes de um tempo futuro sem dor ou
sofrimento. Tempo da total superação do mal. O reino de Deus teve nos atos e
no ensino de Cristo sua visualização mais cabal, nunca jamais vista tão
cristalinamente. Sem embargo, é acertado afirmar que em Sua ressurreição,
Jesus Cristo revelou a face mais contundente da irrupção do tempo novo, do
reino de paz e justiça eternas, pelas quais anseiam os Filhos de Deus. Quando
ressurge dentre os mortos fica garantido para sempre que a morte já não terá
mais vez, e que vale realmente a pena esperar pela futuro do Deus do Trino. 4

O futuro da criação se refere à pessoa de Cristo, Sua vida, morte e


ressurreição. Sem esta referência a história humana se torna um desenrolar de
acontecimentos sem uma direção, sem uma força interna que a conduza para
um alvo. Todavia, o futuro de Cristo não se pode tomar dissociado de Sua
existência concreta e total, nem tampouco desconectada de sua relação com
toda a criação. Sua ressurreição foi a culminação de uma vida de opções
radicais, incondicionalmente comprometidas com a vontade do Pai. Seu
ministério foi marcado por uma conflitividade constante, por um confrontamento
de sua parte contra tudo o que se apresentava como força do anti-reino. Cada
ato Seu pressupunha uma tomada de posição em favor da vida e da justiça do
reino de Deus. A Sua ressurreição se apresentou, portanto, como vitória
definitiva da verdade contra o engano, do amor sacrificial oblativo contra uma
vida centrada sobre si mesmo. Na ressurreição de Jesus Cristo, Deus Pai se
posiciona explicitamente em favor de todos os oprimidos que, num mundo
marcada pela violência e injustiça, suspiram por tempos de libertação. Neste
sentido a ressurreição final deve ser interpretada como um símbolo de justiça
definitiva para os mortos injustiçados.5

Ressurreição é justiça, uma vez que ressuscitando a Jesus Cristo dentre


os mortos Deus estava declarando culpados aqueles que O condenaram e
assassinaram. Com isto Deus efetua a Justificação Divina tanto de Jesus de
Nazaré, quanto de Sua mensagem em decorrência da qual foi mesmo morto. A

4
Quem, p. 18.
5
Quem, p. 69.
justiça justificadora de Deus se revelou na ressurreição de Jesus não somente
para Este, mas para todos os injustiçados do mundo.6

A partir do século XVII eclodiu na consciência cultural ocidental o conceito


de história, por meio do qual seria interpretado tanto o ser humano e a natureza,
bem como Deus e o mundo. Neste contexto a civilização ocidental abandona
definitivamente a concepção do tempo como ciclos das estações do ano, e
adota-se a idéia de que o tempo seria relacionado com os alvos e objetivos
humanos. O ser humano é, desde então, visto como sujeito histórico. O
surgimento da história moderna se confunde pois com a adoção de um novo
paradigma, por meio do qual todo conhecimento é identificado com lendas e a
religiosidade torna-se desconsiderável. Tal paradigma julga a ressurreição de
Cristo como produto de fantasia ou como miráculo irrelevante. “Como
acontecimento passado e que se distancia cada vez mais com o decorrer do
tempo, ele não pode ser nem determinante do presente nem relevante para o
futuro.”7 Esta situação se torna ainda mais crítica com o advento do positivismo 8,
o qual empurrou a teologia em muitos momentos para a atitude defensiva.

Moltmann articula seu discurso ao redor da ressurreição consciente deste


conflito. Sua preocupação caminha na direção de dar significação histórica para
o evento da ressurreição de Jesus. Para ele, o historicismo (Historismus), se
equivoca ao não considerar a importância dos eventos passados. Ao relegar os
fatos passados a eventos sem importância estaria reprimindo o futuro no
passado. A recordação (referência ao já experiênciado) é um fator decisivo, uma
condição mesmo, na construção da história, uma vez que a experiência histórica
da pessoa pressupõe a esperança futura, e esta se fundamenta no memória
(passado). A ressurreição de Jesus é um acontecimento passado, mas que
inspira o futuro, sobre o qual se fundará, em última instância, a história presente.
Acontece então como que uma “profecia retrovertida”9. Para Moltmann

6
Caminho, pp. 302-303.
7
idem, p. 307
8
O positivismo entendeu que, para a interpretação da história, o historiador deveria submetê-la aos
métodos das ciências naturais. Cf. Collingwood, R. G., A idéia de história, pp. 165-172.
9
Caminho, p. 321. Moltmann refere-se ao conceito de Karl Löwith (in: Weltgeschichte und Heilsgeschehen)
“Quem fala da ‘ressuscitação de Cristo dentre os mortos’ e crê no poder de Deus
que ressuscita mortos, este fala, em um só fôlego, da razão, do futuro e da
prática da libertação dos homens e da redenção do mundo. (...) Somente na
unidade de saber, esperar e fazer a ressurreição de Cristo é entendida
historicamente no sentido pleno.”10

Moltmann entende a ressurreição não como um evento estático, mas


como um processo rumo a libertação total da vida frente a morte. O fundamento
deste processo se funda em Cristo, seu dinamismo encontra-se no agir do
Espírito e seu futuro definitivo na irrupção da Nova Criação. A ressurreição não
é um factum, mas um fieri. Neste sentido crer na ressurreição de Jesus não pode
redundar em alienação por parte dos justificados. Estes devem se sentir
constrangidos a participar do ato criativo processual Divino, o qual acontece por
meio do mesmo Espírito que ressuscitou a Jesus (Rm. 8,11), a saber: o “Espírito
da ressurreição”. A ressurreição não é pois, um acontecimento que se cumpra
somente na vida além, mas é uma realidade que já tem como marca o poder do
renascimento do presente. Neste sentido pode-se falar com Moltmann que a
ressurreição acontece todos os dias.11

“A própria fé na ressurreição é um poder vivo que ergue pessoas e que, em vista


do futuro da vida, as liberta das ilusões mortais do poder e do ter. O anúncio da
ressurreição de Cristo é um enunciado que faz sentido no horizonte da história
da libertação dos homens e da criatura sofredora dos poderes da destruição e
da morte por ela mesma inaugurada. Como acontecimentos, descobridor do
futuro e inaugurador da história, a ressurreição de Cristo é razão e promessa da
vida em meio à história da morte”12

10
idem, p. 319.
11
Ibid, p. 325.
12
Ibid, p. 324.

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