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Imperialismo Greco Romano Norberto Luiz Guarinello
Imperialismo Greco Romano Norberto Luiz Guarinello
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Imperialismo
antigo e moderno
O conceito
2
A crítica recente aos ultramodernistas permitiu descartar definitivamente
uma associação imediata entre imperialismo moderno e antigo no tocante às
suas causas e conseqüências econômicas. Os trabalhos mais recentes, ao
contrário, parecem centrar sua atenção nos fenômenos relativos à esfera do
poder, da dominação política e da expansão militar, como elementos
essenciais do imperialismo greco-romano.
Essa importância dos fatores políticos em sua definição é ressaltada
mesmo por autores que encontram pouca eficácia no conceito para se
entender fenômenos de expansão e domínio na Antigüidade, como Paul Veyiie
no caso de Roma. Permanece, contudo, uma grande indefinição sobre o
sentido exato conferido ao termo, sobre a validade de seu emprego e sobre
suas relações com o imperialismo no mundo capitalista. O mesmo ocorre
quanto às características e à especificidade dos processos de expansão militar
e política no mundo greco-romano e sua relação com a estrutura econômica
das cidades-Estados da Grécia e da Itália.
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Embora a guerra seja uma atividade fundamental na cidade-Estado
antiga e esteja intimamente relacionada com qualquer fenômeno de expansão
imperialista, não se confunde com esta. Tanto em Atenas como em Roma a
guerra é uma atividade da qual participam todos os cidadãos adultos capazes,
cujas obrigações militares são distribuídas segundo os recursos materiais das
diferentes classes de cidadãos. Os ricos, que podem adquirir um cavalo,
participam da cavalaria ou são encarregados de tarefas especiais, como a
construção de barcos de guerra; os que podem adquirir uma armadura,
completa ou não, compõem a infantaria pesada ou ligeira. Os cidadãos abaixo
de um determinado mínimo censitário, como os thetes atenienses, participam
como remadores na marinha ou, como osproletarii romanos, estão isentos do
serviço militar (até que este se torne voluntário, no final do sé-
culo II a.C.). Uma tal relação entre guerra e cidadania é um dos fatores
determinantes no caráter coletivo da expansão imperialista da cidade-Estado
antiga. A distribuição dos encargos relaciona-se, por sua vez, com a repartição
dos benefícios advindos do poder imperial e de seu controle político interno.
A guerra, contudo, é apenas um dos elementos dessa expansão,
podendo ocorrer fora de qualquer quadro propriamente imperialista. Existiram,
sem dúvida, guerras defensivas, quando uma comunidade enfrentava um
ataque externo, como a luta contra os invasores persas na Grécia, em 480
a.C., ou a resistência romana à invasão gaulesa de 386 a.C. Podiam
igualmente ocorrer guerras motivadas por rivalidades regionais, como disputas
fronteiriças pelo controle de rotas de gado ou de sal, ou por territórios restritos,
mas que não levavam à submissão política de um Estado ou comunidade por
outro mais forte. A guerra, além disso, possuía um caráter religioso e
ritualístico, particularmente acentuado entre os romanos (ius fetiale) e que teve
seu papel na representação ideológica da expansão imperialista. Este último
aspecto, todavia, extrapola a análise dos mecanismos e da dinâmica de
expansão que pretendemos desenvolver aqui.
Imperialismo e poder
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formas de expressão desse poder, permanece um fator de importância
fundamental que diferencia essencialmente o imperialismo antigo do moderno:
enquanto este, como vimos, desenvolve formas econômicas de exploração de
sua periferia, os mecanismos de concentração no imperialismo antigo são,
antes de tudo, püljticos. A exploração é aí, quase sempre, espoliação, exação
direta de tributos, não apenas garantida, mas exercida e obtida por meio da
força bruta ou da ameaça de seu emprego. Tal fato corresponde, em certa
medida, às formas de exploração do trabalho na antigüidade clássica,
baseadas no controle político de uma massa trabalhadora dependente. Daí
resultam, a nível da representação ideológica, manifestações bastante distintas
daquelas geradas pelo imperialismo moderno.
Tais considerações não negam as motivações econômicas por detrás da
expansão de uma cidade-Estado, mas ressaltam que as necessidades
econômicas associadas ao imperialismo antigo eram satisfeitas por
instrumentos políticos. Apenas em Roma, a partir do século II a.C.
desenvolvem-se mecanismos propriamente econômicos de exploração da
periferia conquistada, mas mesmo assim de forma parcial e subsidiária no
conjunto de bens e vantagens que compunham’ o fluxo centrípeto.
Esse quadro geral que esboçamos permite-nos levantar algumas
questões sobre os processos de expansão imperialista em Atenas e Roma, que
ordenarão nossa investigação nos capítulos subseqüentes. Em primeiro lugar,
quais são as causas e motivações iniciais e de que maneira a conquista se
articula com a estrutura de classes em ambas as cidades. Isso implica analisar
as vantagens que o poder conferia, por quem era exercido no centro imperial e
em benefício ou prejuízo de que grupos. Nas suas relações com a periferia,
importa determinar os modos de exercício do poder, as formas de exploração e
sua evolução no tempo, a reação dos povos submetidos ao domínio do centro.
No tocante a Roma, o desenvolvimento de formas mais diretamente
econômicas de exploração, concomitante com o notável florescimento
econômico da Itália nos séculos II e 1 a.C., merecerá uma atenção especial,
pelos problemas que coloca à definição de imperialismo que propusemos.
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A formação do
império ateniense
A Liga de Delos
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infestavam o Egeu, assolando as pequenas ilhas gregas e prejudicando o
comércio maríti‘mo; além disso, expulsou os persas do mar, combatendo com
sucesso a armada fenícia, na qual se baseava o poderio naval persa (batalha
do Eurimendonte, em 468 a.C.). Até 462 a.C., portanto, a liga exerceu uma
atividade essencialmente marítima, apoiada na poderosa frota ateniense que
Temístocles fizera construir para enfrentar a ameaça de invasão persa após
Maratona.
Desde o início, contudo, o peso econômico e militar de Atenas no
conjunto das cidades da liga fez com que se concentrasse em suas mãos o
poder executivo da aliança e que tendesse a carrear para si os benefícios que
as ações militares traziam, O que em teoria deveria ser uma aliança igualitária
e com a participação espontânea de seus membros, foi aos poucos
convertendo-se, pela superioridade de Atenas, num sistema de exploração de
seus membros e de concentração de riquezas em Atenas — mantido pela força
militar e do qual as cidades não podiam se desligar livremente.
Esse fato manifesta-se claramente já em cerca de 470 a.C., quando
Naxos, um dos membros mais poderosos da aliança, tentou desligar-se desta.
A cidade foi assediada pela armada da liga e obrigada a reintegrar-se, devendo
entregar seus navios de guerra e demolir suas muralhas. A importância do
evento na transformação da aliança militar num império controlado pelos
atenienses foi ressaltada por Tucídides (1, 98), segundo o qual Naxos foi a
primeira cidade que Atenas escravizou contra o que fora estabelecido.
Dessa forma, desde seu início a liga marítima começa a configurar-se
como um sistema fechado, do qual Atenas detém o comando militar, o poder
político e que, em breve, passará a considerar como fonte de recursos para
resolver seus problemas internos.
Desenvolvimento da liga
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da liga, do qual os atenienses se utilizaram em benefício próprio, da forma
como veremos no capítulo seguinte. Correspondentemente, diminuiu a
autonomia das cidades em relação a Atenas. A esta perda de autonomia
acompanhou-se um incremento no estabelecimento de clerúquias de
atenienses no território das cidades participantes da liga e submetidas a seu
poder. As clerúquias consistiam na ocupação de lotes (kleroi) das melhores
terras agrícolas no território dos Estados da liga por cidadãos atenienses que
não dispunham de propriedades agrárias na Ática. Aqueles que eram
agraciados com tais lotes conservavam a cidadania ateniense e não se
integravam ao corpo social das cidades em cujo território se estabeleciam.
Constituíam, assim, ao mesmo tempo uma excelente válvula de escape para
as pressões sociais em Atenas e um ônus ofensivo para os aliados.
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interesse mútuo. Ilustrativo, a esse respeito, é o juramento prestado pelos
calcídios, em 446 a.C.:
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estiveram longe de ser unívocas e unidirecionais, mas sofreram de forma
acentuada a influêneia da luta de classes no interior das próprias cidades do
império, colocando este como um momento fundamental da profunda crise
social que sacudiu os Estados gregos no século V a.C.
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O imperialismo ateniense:
natureza, motivações,
conflitos
A natureza da expansão de Atenas
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exportar esses produtos alhures, ou serão impedidos por nós, ou não irão por
mar. Quanto a mim, que sou ateniense, sem qualquer esforço faço vir do
continente todos esses produtos por via marítima.
(A república dos atenienses, II, 11-2)
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como verdade a representação ideológica que os próprios atenienses tinham
de seu poder. Encontramo-la em diversos textos da época e, de forma mais
elaborada, o debate entre atenienses e melianos que antecedeu a destruição
de Melos, em 415 a.C., tal como reescrito por Tucídides (sobre a concepção de
poder em Tucídides, ver FRENCH, A. Thucydides and the power syndrome.
Greece & Rome, Oxford, 27: 22-30, 1980):
Benefícios do império:
controle e distribuição
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processos de luta nos quais, a períodos de equilíbrio entre os grupos em
conflito, seguem-
-se constantemente momentos de choque, em que alguns tentam ou
conseguem sobrepor-se aos demais. Como se sabe,
após a reforma de Efialtes, em 462 a.C., o rebaixamento do censo
mínimo e a introdução da mistoforia, a assembléia de Atenas e o conselho dos
quinhentos tornaram-se os principais órgãos decisórios no governo da cidade.
Tal fato assegurava a possibilidade de uma ampla participação das camadas
populares (dos pobres) no processo político, sendo irrelevante, no caso, avaliar
o interesse e a efetiva atuação do povo na tomada de decisões na assembléia,
que, contudo, deveria ser grande (cf. FINLEY, 1985, p. 92).
Contudo, apesar do poder efetivo detido pela assembléia e pelo demos,
observamos que a condução executiva e o controle do processo de expansão
permaneceram, por muito tempo, nas mãos dos chefes militares (strategoi),
únicos magistrados com direito à reeleição. Tais magistrados, além de
controlarem diretamente as relações com os aliados, exerceram uma grande
influência nas decisões da assembléia até meados da guerra do Peloponeso.
Isto não significa que a assembléia cedesse por completo seu poder de
decisão, mas que compartilhava esse poder com grupos oriundos da
aristocracia e que ocupavam postos na estratégia.
O que se observa, com a evolução política interna em meados do século
V a.C., é uma progressiva passagem do controle executivo do império da
aristocracia mais conservadora para uma aristocracia moderada, passagem
espelhada no conflito entre figuras como Péricles e Címon ou Tucídides. Tal
conflito, contudo, como ressalta Finley, não se referia à existência do império
como tal (Címon, líder dos conservadores, comandou o ataque à ilha de
Samos, que pretendera uma defecção), mas à distribuição dos benefícios
internamente e aos desequilíbrios que tais benefícios poderiam acarretar na
repartição do poder. Plutarco nos dá uma idéia desses conflitos:
Isto, mais do que qualquer outra coisa, atraiu o ódio dos adversários de
Péricles, que o caluiiavam nas reuniões públicas, exclamando que o povo
havia adquirido mau nome e fama, por haver transportado o tesouro federal de
Delos para Atenas (...). Péricles explicava aos atenienses que estes não
tinham que dar conta desse dinheiro aos aliados, porque combatiam em lugar
daqueles e mantinham os bárbaros à distância (...). Além disso, era justo que a
cidade, estando provida das coisas necessárias para a guerra, convertesse o
restante em bens materiais, que lhe trariam glória eterna (...) e que
possibilitariam manter com pagamentos quase toda a cidade, que se
embelezaria e nutriria a si própria.
(Vida de Péricles, 12)
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(1, 2)
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Isso não significa, contudo, que os cidadãos pobres fossem os únicos
beneficiários da posição dominante de Atenas, como tampouco dispunham do
poder político total, como vimos. A repartição, tanto do poder como dos
benefícios advindos de seu exercício, dependia dos equilíbrios e desequilíbrios
sucessivos entre os vários grupos nas lutas internas em Atenas. Devemos,
portanto, analisar com maior detalhe quais os frutos gerados pelo império
ateniense e a que camadas da população beneficiavam.
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A execução de tais trabalhos, contudo, não era privilégio dos cidadãos
atenienses, pois deles podiam participar, como comprovam as inscrições do
Erkhteion (cf. Inscriptiones lraecae, 12, 374), também metecos (estrangeiros
domicilia- dos em Atenas) e escravos. Neste último caso, o salário recebido
(por volta de um dracma diário) deveria permanecer, .m grande parte, nas
mãos dos respectivos proprietários.
Se os trabalhos públicos efetivamente constituíam uma forma de
redistribuição de renda, não é necessário que os objetivos por trás de sua
execução se restringissem à mesma (como poderíamos supor pelo texto de
Plutarco). Não devemos esquecer a importância ideológica de que se revestia
o embelezamento urbano de Atenas, exaltando e magnificando seu poder entre
os povos subjugados e em toda a Grécia, difundindo respeito e admiração e,
assim, de certa forma, contribuindo para a própria manutenção do diferencial
de poder que o tornara possível e do qual era um sinal visível.
As clerúquias constituíam-se, provavelmente, na maior vantagem
advinda do império para os cidadãos pobres, recebendo entre oito e dez mil
atenienses sem terra. Os lotes distribuídos, no valor de duzentos dracmas,
permitiam a elevação de categoria entre as classes censitárias solonianas,
representando uma rápida ascensão econômica e social para os beneficiários.
Essa distribuição das terras dos aliados (Lesbos, por exemplo, recebeu 2 700
colonos) funcionou como uma válvula de escape no interior do corpo social
ateniense, permitindo aliviar a pressão dos cidadãos sem terra (que, contudo,
em 404 a.C. ainda amontavam a cinco mil) e minimizar os efeitos da
devastação da guerra entre a população mais pobre.
Aferir as vantagens obtidas diretamente pelos ricos é, sem dúvida, mais
difícil, o que não significa que a eles estivessem reservados apenas os
encargos do império. Algumas dessas vantagens são de ordem ideológica,
derivadas do prestígio advindo do comando militar, em geral reservado aos
aristocratas. Tucídides enumera, em várias passagens, como o exercício do
império conferia aos aristocratas glória, honra, esplendor, renome ou a
recordação de seu feitos. A atribuição de tais qualificativos é de grande
importância numa sociedade em que o prestígio individual tem um papel
fundamental na organização das relações sociais e políticas. Isso se observa,
igualmente, no exercício das liturgias, ou seja, no pagamento de atividades
públicas como a coregia (no teatro) ou a equipagem de uma trirreme, que
conferiam prestígio e influência aos cidadãos mais ricos que delas se
encarregavam.
Os benefícios materiais são menos claros, mas de forma alguma
ausentes. Há uma passagem em Tucídides, de difícil interpretação, na qual
Frínico, um aristocrata moderado, opõe-se, em 412 a.C., à volta de Alcibíades
e ao estabelecimento de uma oligarquia nos seguintes termos:
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411 a. C.? Pesquisas recentes (cf. GAUTHIER, 1973) permitem entrever ao
menos uma das possíveis vantagens que os aristocratas retiravam do poder
imperial de Atenas: a posse de terras nos territórios aliados fora das clerúquias.
Em O banquete, de Xenofonte, cujo diálogo se passa em 422 a.C., há uma
menção a tais propriedades, quando Cármides, um rico ateniense que
participaria do golpe de 404 a.C., afirma: “Agora que fui privado das
propriedades que possuía fora das fronteiras (da Ática) (..)“ (IV, 31).
Um outro documento significativo a esse respeito são as estelas de
confiscação dos bens dos hermocópidas, que datam de 415/13 a.C. Em 416
a.C, às vésperas da grande expedição à Sicília, que marcaria uma reviravolta
no poderio ateniense, apareceram mutiladas as estátuas de Hermes que
ornavam as ruas da cidade. O sacrilégio gerou uma grande comoção na cidade
e o feito foi atribuído aos grupos aristocráticos como parte de um plano para
subverter o regime democrático. Iniciou-se uma grande perseguição aos
suspeitos, que em sua maior parte situavam-se entre os cidadãos mais ricos,
como o famoso Alcibíades, que comandava a expedição à Sicília e que, ao
saber das suspeitas que pesavam sobre si, refugiou-se no Peloponeso. Os
condenados tiveram seus bens confiscados, e a relação desses bens foi
inscrita em pedra e exposta. Nessa relação podemos identificar grandes
proprietários de terras em Atenas, mas que possuíam, igualmente,
propriedades no território de regiões submetidas, como Thasos, Eubéia, e
Abidos. Essa posse de terras em territórios estrangeiros só pode ser explicada
pelo exercício do poder discricionário conferido pelo império, que permitia
romper as fortes barreiras existentes na época para a aquisição de
propriedades por não-cidadãos. Trata-se, portanto, de um benefício material
direto, e provavelmente não oficial, usufruído pelos aristocratas através do
império ateniense.
Das considerações expostas acima podemos concluir que o
imperialismo ateniense, em termos de distribuição interna do poder e de seus
benefícios, constituía-se num fenômeno complexo e dinâmico. A paz social de
que gozou Atenas durante a existência do império, apenas abalada pelo golpe
de 411 a.C. — que no entanto foi incruento e esgotou-se sozinho —, não deve,
portanto, ser considerada como um dos objetivos conscientes da expansão,
mas como um de seus resultados. O poder e as vantagens advindas do império
não foram objeto de concórdia entre as classes e, sim, de um acirrado conflito
por seu controle e distribuição. O que se pode considerar é que a grande
quantidade de tributos arrecadados e um relativo equilíbrio do poder na
metrópole permitiram o usufruto geral do império, de forma a minimizar a
intensidade dos conflitos, na medida em que se lutava para administrar não a
escassez, mas a abundância.
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democratas. Tucídides, comentando os distúrbios em Córcira, em 428 a.C.,
trata longamente das lutas sociais do período:
Tais relações, contudo, não eram tão simples. As cidades que, sob
influência dos oligarcas, se rebelavam contra Atenas, corriam o risco de ser
completamente destruidas e de ter seus habitantes mortos ou escravizados,
independente de serem ricos ou pobres, democratas ou oligarcas. Foi de uma
tal sorte que Mitilene escapou, em 427 a.C., após longos debates na
assembléia ateniense, nos quais as forças mais democráticas, capitaneadas
por Cleon, eram precisamente as que pediam a morte tanto de democratas
como de oligarcas. Já os habitantes de Melos, governados por uma oligarquia,
e portanto sem poder decisório quanto às relações de sua cidade com Atenas,
foram massacrados e escravizados.
Por trás de tais massacres, ou de sua proposição, podemos entrever
razões ideológicas — implantar o terror entre os dissidentes — e motivações
econômicas, como a ocupação das terras deixadas vagas pelos habitantes
mortos (como efetivamente ocorreu em Meios e, mesmo sem o massacre da
população, em Mitilene).
O imperialismo ateniense do século V a.C. fornece-nos, portanto, um
modelo para compreendermos os complexos e freqüentemente contraditórios
fatores políticos e econômicos envolvidos na expansão imperial na
Antigüidade. Como vimos, o estudo da dominação imperialista não pode se
resumir às relações externas, políticas/econômicas entre a metrópole e sua
periferia, mas deve se voltar para o estudo da utilização desse poder no interior
do próprio centro imperial. Por outro lado, se o domínio de Atenas
freqüentemente significou alterações de regime político nas regiões
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submetidas, jamais interviu ao nível de suas estruturas produtivas, que
permaneceram inalteradas em relação à época anterior. Sobrepondo-se às
estruturas locais sem modificá-las, o imperialismo ateniense projetava-se como
uma superestrutura de poder que arrecadava tributos, concentrando-os no
centro imperial, sem proceder a uma exploração econômica que integrasse
essas regiões ao seu próprio sistema produtivo. Portanto, do ponto de vista dos
povos subjugados, e com exceção das clerúquias (que na verdade constituíam
enclaves), a dominação ateniense sempre foi um fator externo cuja
concretização, em termos econômicos, dava-se apenas por ocasião do
pagamento do tributo anual.
Como veremos nos capítulos seguintes, o imperialismo romano, mesmo
possuindo muitos pontos de contato com o modelo ateniense, apresenta
características específicas que o destacam do conjunto dos processos de
dominação entre sistemas políticos na Antigüidade.
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4
O imperialismo romano:
natureza, fases
Importância e significado
Imperialismo defensivo?
21
Alguns autores, como P. Veyne, descartam o uso do conceito de
imperialismo no caso romano, afirmando que a expansão foi imotivada e quase
involuntária, na medida em que o senado romano nunca buscou
conscientemente a hegemonia (com exceção da segunda guerra macedônica,
em 200 a.C). A prova estaria na recusa romana em anexar os territórios
conquistados, contentando-se em estabelecer protetorados ou em “finlandizar”
os povos submetidos Já no século passado, T. Mommsen defendia a idéia de
uma expansão involuntária e defensiva de Roma, que se teria limitado a
responder às agressões externas e a preveni-las.
E na conquista da Grécia helenística, em particular, que os defensores
da tese do imperialismo “preventivo” ou “defensivo” concentram sua atenção.
Segundo M. Holleaux, a intervenção romana na Grécia derivaria da ingenujda
do senado romano, manipulado pelos embaixadores gregos, de seu medo de
Antioco e de Felipe e de um sincero filo-helenismo, manifesto na sua
determinação em libertar a Grécia do jugo macedônico. Tal tese é seguida por
H. Scullard, que identifica em Roma um genuíno interesse pelo bem-estar da
Grécia. T. Frank, que aceita o motivo de ajuda desinteressada aos gregos no
surgimento desse conflito, ressalta também elementos Político-ideológicos
como a ânsia de glória, fama e dignidade por parte da aristocracia romana.
É freqüente, igualmente, encontrarmos uma distinção entre um primeiro
momento, “defensivo”, do imperialismo romano e uma etapa expansionista e
agressiva, cujo início se coloca, segundo a periodização adotada e o ponto de
vista de cada autor, na primeira guerra púnica, quando Roma se aventura pela
primeira vez fora da Itália, na segunda guerra com Cartago (é a tese de J.
Carcopino) ou no curso do século II a.C., seja nas campanhas orientais
(segundo De Sanctis), seja no episódio da destruição de Cartago e Corinto, em
146 a.C.
Apesar das diferenças que observamos entre os defensores do
imperialismo “involuntário e defensivo”, baseiam-se todos em alguns
pressupostos comuns sobre a natureza da expansão romana e suas causas.
Em primeiro lugar há uma ênfase quase absoluta em fatores polfticos (ou
mesmo psicológicos) e a tendência a negar qualquer fator econômico
subjacente à expansão (segundo T. Frank, Scullard, M. Holleaux etc.) ou a
localizar uma influência de tais fatores apenas a partir de certo momento (de
acordo com De Sanctis e G. Colin). Outro elemento comum é uma maior
atenção às determinações externas da expansão — pressão de outros povos,
alianças, necessidades defensivas —‘ em contraposição às circunstâncias
internas desse processo, em termos de luta de classes, pressão demográfica,
divergências entre facções etc.
A noção de “guerra defensiva”, por outro lado, deriva em parte de uma
leitura acrítica de determinadas fontes (em especial Tito Lívio) e da aceitação,
como realidade de fato, da auto-representação ideológica, de cunho religioso,
que os romanos elaboraram nas etapas iniciais da expansão. Na Roma
primitiva, com efeito, e ao menos até meados do século 111 a.C., a guerra em
Roma revestia-se de um profundo caráter religioso. A declaração de guerra
envolvia um complexo ritual, executado por um colégio de sacerdotes,
denominados feciais, e implicava sempre a noção de guerra justa, ou seja, a
guerra como reparação de uma injustiça ou dano cometido contra o povo
romano. Antes de qualquer ato de guerra, os feciais deviam, segundo o ritual,
pedir satisfações (res repetere), reclamar as injúrias sofridas (clarigatio) e, em
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caso de não atendimento, declarar a guerra, atirando uma lança
ensangüentada em território inimigo. Vencida a guerra, os adversários batidos
deviam entregar-se à discrição, tanto pessoas como bens (deditio), e
estabelecer um tratado (foedus), pelo qual se colocavam sob a proteção de
Roma (uenire in fidem). Essa aliança, efetuada por meio dos feciais, era
consagrada com o sacrifício de um porco, invocando-se a vigilância de Júpiter
para seu cumprimento (para o ritual dos feciais veja-se TIT0 Livio, História de
Roma desde afundação da cidade, 1, 24).
Podemos, portanto, afirmar que a guerra na Roma primitiva envolvia
aspectos religiosos importantes, na forma de tratar o estrangeiro ou inimigo e,
ao menos no que diz respeito às relações entre os homens e o mundo divino,
devia ser apresentada como uma reparação, como a recuperação de algo
perdido e, não, como uma conquista ou saque objetivando um ganho
consciente e imotivado. Contudo, embora tal formulação religiosa deva ter
influenciado o processo de expansão romana, devemos considerar que
representa tão somente uma das elaborações ideológicas envolvendo tal
processo, que preserva traços bastante arcaicos, devidos à sua inserção na
esfera do sagrado. Não podemos descartar, dessa forma, a elaboração
paralela de explicações leigas ou políticas para a atividade expansionista, que
surgiam e eram utilizadas nos debates e choques internos que precediam a
declaração de uma guerra. Quando dispomos de fontes romanas
contemporâneas, a partir do século 11 a.C., observamos uma elaboração leiga
que, sem dispensar a noção de guerra justa, não centra nela sua atenção: para
os autores do final da república, a expansão se explicava, entre outros fatorés,
por uma vocação divina de Roma (cf. VJR;ILIO, Eneida, 1, 279), pela “paz” e
segurança trazidas pelo império (cf. CiCERO, República, 1, 63) ou, mais
simplesmente, pela possibilidade de se obterem poder e ganhos materiais
elevados (cf. SALÚSTIO, Histórias, IV, 69; CÍCERO, Cartas a Áticv, IV, 16).
Além do fato de a representação religiosa, mesmo que eventualmente
predominante, não ser a única possível num mesmo momento, parece-nos que
o problema principal envolvido na noção de “guerra defensiva” reside na
adoção imediata, pelos autores modernos, de uma forma de representação
que, na sociedade romana, era mediada pelas relações sociais e políticas. Os
procedimentos envolvidos no direito fecial implicavam o estabelecimento de
relações desiguais entre vencidos e vencedores, vantajosas para estes últimos.
Qualquer que fosse a motivação consciente da guerra, portanto, ou a forma de
representar/justificar seu início, a vitória acarretava a obtenção de bens
materiais (presas de guerra, territórios, escravos e soldados), além de poderio
político (glória para os chefes, alianças com aristocracias locais). Estes
deveriam ser administrados e distribuídos entre os vencedores, seguindo os
percursos de sua própria estrutura política e econômica. É, assim, absurdo
supor que conseqüências de tal entidade, advindas de uma vitória, não
entrassem nas considerações sobre o início de uma determinada campanha.
Imperialismo e economia
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influenciaram, sem dúvida, o processo de expansão romana, sobretudo a partir
do século II, mas não nos termos em que aparecem atualmente, nem
tampouco, com a possível exceção de algumas guerras localizadas,
constituindo-se no único elemento em jogo no desenvolvimento do
imperialismo romano. Como afirmamos no primeiro capítulo, os fatores políticos
e econômicos são inextrincáveis no estudo do imperialismo antigo. Se a
expansão militar ocasiona um diferencial de poder entre Estados ou povos,
esse poder não é uma categoria abstrata (como uma “vontade de poder”, visto
como poder em si), mas se define sempre para alguma coisa, ou seja, tendo
em vista objetivos delimitados. Além disso, implica uma dupla relação de poder.
Uma primeira, que define um centro (expansionista) e uma periferia
(submetida) e que permite um fluxo centrípeto de bens, materiais ou não,
necessários à metrópole. E uma segunda, igualmente fundamental, que se
estabelece internamente, a partir da própria estrutura de poder da cidade
imperialista, tendo em vista a delimitação dos objetivos da expansão (o que se
visa obter) e de sua distribuição (como distribuir seus frutos). Essa estrutura de
poder, por sua parte, remete à estrutura econômica da cidade-Estado, às
diferenças de acesso à terra entre ricos e pobres e, portanto, está ligada ao
equilíbrio político resultante da luta de classes em seu interior.
As fases da expansão
24
particular após a destruição de Cartago, como uma nova fase do poder imperial
de Roma, mas por motivos diferentes:
Além disso, as lutas entre o partido popular e as classes dirigentes,
causa de todos os males que se seguiram, haviam surgido poucos anos antes
em Roma, resultantes do ócio e da fartura, os bens mais estimados pelos
homens. Pois antes da destruição de Cartago, o povo e o senado romano
administravam conjuntamente a república com placidez e moderação. Nem a
glória, nem o poder geravam disputas entre os cidadãos, pois o medo do
inimigo mantinha a cidade no bom caminho.
(Guerra de Jugurta, XLI, 1-2)
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conseqüências. Tal distinção, a nosso ver, origina-se da especificidade das
relações econômicas e políticas em Roma nos dois momentos. A expansão da
Roma monárquica e republicana, até o século III a.C., foi realizada por uma
sociedade essencialmente camponesa, na qual os cidadãos se definiam pela
propriedade de lotes de terra, em geral de pequena extensão, que eram
cultivados pelo proprietário e sua família ou, no caso das famílias aristocráticas,
por trabalhadores dependentes, ligados à classe dominante por laços de
clientela. As unidades produtivas tendiam, assim, a ser autárquicas, e a
produção destinava-se, fundamentalmente, ao consumo direto do próprio
produtor e de seus dependentes. Tratava-se, portanto, de uma economia
voltada para a produção de valores de uso, na qual o mercado e as trocas
eram subsidiários no conjunto das atividades produtivas. Os conflitos sociais
envolviam a luta pela terra e pela abolição das dívidas (que submetiam os
pequenos camponeses à aristocracia) e, em termos políticos, pela igualdade
civil e jurídica e pelo acesso às magistraturas.
No curso do século III a.C. e, com maior intensidade, a partir da segunda
guerra púnica, desenvolve-se em Roma a produção mercantil, baseada na
utilização de mão-de-obra escrava em larga escala. O desenvolvimento, pela
primeira vez no Mundo Antigo, do modo de produção escravista como sistema
produtivo dominante foi possibilitado e favorecido pela expansão imperialista
anterior, que propiciara a acumulação de recursos — em bens materiais, terras
e escravos — em grande quantidade e sua inversão numa forma de produção
(a fazenda ou vilia escravista) voltada à produção de bens agrícolas para
venda num mercado em expansão. Por outro lado, essa vasta transformação
econômica alterou profundamente a dinâmica e a própria natureza do
imperialismo romano, na utilização e distribuição dos recursos e na forma de
organizar e administrar as conquistas.
Esse fato é observável não apenas no tratamento dado aos vencidos e
na forma como o poder é exercido sobre os mesmos, mas igualmente nas
disputas políticas em Roma, onde alterações na estrutura social levariam a
uma agudização dos conflitos, no final da república, pela distribuição dos
benefícios do poder imperial. Contudo, a característica mais original desse
período, se tomar-mos o conjunto dos imperialismos antigos, é a capacidade
de o imperialismo romano alterar a estrutura econômica das regiões
subjugadas e, em grande medida, integrá-las à sua própria economia, mercantil
e escravista. Nesse sentido, o estabelecimento do principado agirá sobretudo
na esfera da superestrutura política, mediando e regulando as relações entre
as classes no interior da metrópole e organizando um sistema de exploração
das províncias, sob o signo da paz romana, condizente com as dimensões
territoriais do império romano.
26
5
Os inícios do
imperialismo romano
As fases iniciais da expansão romana, após o estabelecimento da
república, são conhecidas apenas através da tradição posterior, em particular
por meio de autores como Tito Lívio e Diodoro da Sicília, que escreveram no
século 1 a. C. A reconstrução dos eventos e, para além deles, da dinâmica do
imperialismo nessas etapas recuadas só pode ser tentada através de uma
avaliação crftica das informações contidas nessas fontes, com base nos
modelos desenvolvidos sobre a estruturação social e o funcionamento da
economia romana nessa época. Além dos relatos legendários, dos recursos
estilísticos (como os discursos) e das limitações impostas pela visão própria
que nossas fontes tinham dos períodos iniciais da expansão romana, vemo-nos
freqüentemente diante de reconstruções anacrônicas, que projetam no
passado de Roma episódios da história posterior, dos eventos e conflitos que
marcaram o fim da república. Tais elementos impregnam as evidências
disponíveis, dificultando a análise das causas e objetivos da expansão romana
em seus inícios.
Terra e expansão
27
romano como ager publicus (terras públicas). A ampliação do ager publicus
tornou-se, assim, um dos principais resultados da expansão romana e o foco
das lutas políticas travadas em torno da distribuição de seus benefícios em
Roma.
28
norte da Itália (ager gaiicus) pelo tribuno Caio Famínio, no final do período que
estamos considerando, foi violentamente combatida pelo senado, que, pela
primeira vez, perdia o controle sobre a distribuição dos benefícios da expansão.
Políbio, historiador grego do século II a.C., viu nessa derrota o início de uma
longa crise política em Roma: foi para os romanos a origem do pervertimento
do povo.
A maior parte do ager publicus, contudo, permanecia indivisa e era
ocupada por aqueles que possuíam os meios para cultivá-lo, mediante o
pagamento de uma taxa para o Estado. Tais terras eram, por vezes, deixadas
aos habitantes originais, dos quais se obtinha assim uma renda, mas, em geral,
acabavam nas mãos da aristocracia fundiária romana (até o século IV a.C., o
patriciado), que aí encontrava uma forma de estender suas propriedades e de
aumentar sua riqueza.
Ao contrário das assignações a camponeses, a ocupação do ager
publicus pela aristocracia não levava, necessariamente, a um grande
deslocamento populacional, pois ela cultivava os lotes ocupados por meio de
seus dependentes ou utilizando-se da mão-de-obra local. Tais lotes, além de
mais extensos que os pequenos terrenos distribuídos à população pobre,
localizavam-se longe de Roma e se repartiam por vários territórios. Assim, sua
ocupação por uma aristocracia cada vez mais urbana, que não os geria
diretamente, visando tão-somente a obtenção de uma renda agrícola,
representaria um passo importante na transformação da economia camponesa,
essencialmente familiar e autárquica, em direção ao modo de produção
escravista e à economia mercantil.
As leis agrárias
29
das terras aráveis (como faz T. Frank). Fatores mais importantes foram, sem
dúvida, uma forte pressão demográfica e uma estrutura agrária que distribuía
desigualmente o acesso à terra. Enquanto a aristocracia dispunha de vários
lotes de terra, relativamente grandes e espalhados por um amplo território
(graças à ocupação do agerpublicus), a família camponesa depositava todas as
suas esperanças em uma única unidade produtiva, em geral de reduzida
dimensão. Deve-se ressaltar, ainda, o baixo nível tecnológico da agricultura,
que expunha os camponeses a graves crises sazonais, quando a produção não
atingia o montante necessário à reprodução do próprio núcleo familiar. Daí
advinham a fome, o endividamento e a conseqüente perda da propriedade e
sujeição às famiias ricas, cujas propriedades eram menos susceptíveis aos
efeitos de uma crise.
30
lugar, enquanto os cidadãos mais pobres (os proletaril), que não atingiam um
censo pecuniário mínimo e não participavam do exército, votavam em uma
única centúria. Era a assembléia centunada que elegia os magistrados e
aprovava declarações de guerra, deixando uma grande margem de controle
nas mãos dos ricos.
Tendo em vista o domínio exercido pela aristocracia fundiária no
comando da expansão, como entender que a busca de terras constituísse um
dos fatores por trás do imperialismo romano e uma válvula de escape das
tensões sociais? De que maneira os romanos sem terra, cuja participação no
sistema político era insignificante, poderiam influenciar na condução e
delimitação dos objetivos da guerra? Por outro lado, é possível supor que o
exército romano, formado por camponeses que já possuíam um lote de terra,
fizesse guerra tendo em vista os interesses daqueles que nem mesmo eram
recrutados?
Para responder a tais questões é necessário admitir que a resolução das
tensões sociais não era um dos objetivos explícitos da expansão, mas o
resultado, seja da maior disponibilidade de terras, seja das lutas internas na
própria Roma. Os benefícios da conquista, portanto, podiam levar, num
primeiro momento, à agudização dos conflitos e, não, à sua solução. A
aristocracia fundiária tinha na expansão uma forma de ampliar seu próprio
poder, adquirindo glória e prestígio militar, estabelecendo alianças com as
aristocracias dos Estados aliados, fortalecendo o exército com os contingentes
provindos destes últimos. No tocante às terras confiscadas, sua principal
preocupação residia no aumento de suas propriedades através da ocupação do
ager publicus. Já para a massa camponesa plebéia, que possuía pequenos
lotes de terra cultivados pela própria família, tais terras representavam a
possibilidade de aliviar os efeitos da pressão demográfica, evitando a
excessiva fragmentação de suas propriedades por herança ou dote. Não se
tratava, portanto, da multiplicação dos lotes de uma mesma família, como no
caso da aristocracia, mas da multiplicação das unidades familiares. Por outro
lado, a participação no exército oferecia a oportunidade de adquirir presas de
guerra, em especial gado e outros bens móveis. Para os proletarii, que nessa
época constituíam, provavelmente, um contingente minoritário da população —
mas que se ampliará constantemente até o século 1 a.C. —, essas terras
representavam a possibilidade de acesso ao meio básico de produção, com
conseqüente elevação de seu status social e de sua participação política.
Também os interesses dos aliados, que participavam no esforço militar
romano, deviam ser levados em consideração. Em primeiro lugar, porque a
expansão romana até o século IV a.C. foi, como dissemos, em grande parte
uma ação conjunta da Liga Latina. Além deste fator, entretanto, o imperialismo
romano implicava uma integração progressiva das áreas conquistadas à sua
estrutura política, baseando-se numa aliança entre grupos aristocráticos com
objetivos comuns. Se a conquista romana representava a perda de bens
materiais e da autonomia política dos vencidos, possibilitava que as camadas
dominantes destes últimos preservassem sua autonomia frente à plebe,
baseando-se no imenso poderio militar de Roma. Esta, por sua vez, integrava a
seus interesses expansionistas aqueles dos aliados, fossem comerciais —
como na defesã dos comerciantes itálicos, em particular após a conquista da
Magna Grécia —, políticos ou sociais (na distribuição de terras).
31
Os interesses de todos esses grupos achavam-se, de certa forma,
conjugados na fundação de colônias, em especial aquelas de direito latino.
Como vimos, contudo, os lotes repartidos eram de extensão muito reduzida,
localizados em região hostil e distante de Roma, fazendo com que seus
colonos perdessem seus direitos polfticos de cidadão romano. Além disso,
devemos admitir que a oligarquia reservava para si as melhores terras (em
fertilidade e proximidade de Roma). Esses fatores explicam uma certa
resistência, por parte dos plebeus pobres, em aceitar a emigração para essas
colônias, fossem romanas ou latinas, ou seu abandono logo após a fundação
(cf. TIT0 Lívio, X, 21).
A pressão popular se exercia, portanto, no sentido de se distribuírem,
individualmente, as terras mais férteis e próximas a Roma, sem a criação de
colônias. Essa forma de repartição chocou-se com uma forte oposição
senatorial todas as vezes em que foi proposta, como na já citada distribuição
das terras de Veios ou naquela que foi a primeira tentativa de assignação
individual, a lei agrária de Espúrio Cássio (data tradicional, 486 a.C.), cujas
vicissitudes nos são descritas por várias fontes posteriores. O relato de Tito
Lívio, apesar de certos anacronismos, permite-nos ter uma idéia das
aspirações e conflitos envolvidos:
32
de que, se gozassem de uma vida pacífica em casa, começassem a pensar em
coisas proibidas — liberdade, terras próprias para cultivar, a divisão das terras
públicas, o direito de votar segundo sua vontade.
(TIT0 Livio, IV, 58)
33
vencidos, sobre a qual recaíam — ao contrário do que ocorria no império
ateniense — os encargos mais pesados da dominação. Além disso, essas
aristocracias participavam na distribuição das presas de guerra e na fundação
de colônias. A concessão da cidadania romana, que se ampliou no decorrer
desse período, permitia também uma maior integração de interesses, em
especial entre as camadas dominantes, amenizando a distinção entre centro e
periferia. Por fim, e em termos mais gerais, a dominação romana representava
a paz interna e o fim dos conflitos entre cidades, na medida em que todo o
esforço militar era concentrado para fora da área de dominação romana.
A expansão romana dos primeiros séculos da república assentou as
bases para as grandes transformações sociais econômicas que observamos a
partir de fins do século III a.C. A conquista da Itália propiciou a Roma
abundantes recursos materiais e humanos, colocando-a em contato com os
grandes remos helenísticos do Oriente e com as rotas comerciais que
cruzavam o Mediterrâneo. A unidade política italiana representou um incentivo
à integração econômica da península. Por outro lado, o afluxo de riquezas e
sua concentração nas mãos da aristocracia romana foi um fator fundamental
para a superação da antiga economia camponesa de auto-subsistência e sua
substituição pelo modo de produção escravista, com suas unidades produtivas
voltadas para a venda ao mercado, e que se instaurou nas propriedades da
oligarquia romana espalhadas pelo território italiano. Não é possível
estabelecer uma data fixa para essa transição, mas podemos observar seus
efeitos internos e externos já durante o século III a.C. e, com muito maior
intensidade, no século seguinte. Essa transformação, por sua vez, afetou
profundamente a dinâmica do próprio imperialismo romano, modificando a
organização das conquistas, os objetivos e resultados da expansão e as
formas de distribuição de seus benefícios em Roma.
34
6
Os últimos séculos da república
A organização das conquistas
35
Outras fontes de arrecadação eram o imposto alfandegário, cobrado nos
portos, e os rendimentos provenientes das minas, confiscadas e tornadas
propriedade estatal. Tais minas eram particularmente importantes na Espanha,
onde os romanos retomaram e ampliaram a exploração iniciada por Cartago. O
sistema empregado era semelhante àquele de arrecadação de tributos, isto é,
os direitos de exploração eram cedidos a particulares, que procediam à
extração do minério. Segundo Estrabão (Geographia, III, 2, 10), citando Políbio,
apenas nas minas de Nova Cartago trabalhavam quarenta mil pessoas,
representando um ingresso de 25 mil dracmas diárias para o Estado romano.
Também na Macedônia havia minas importantes, já exploradas antes da
conquista romana. Contudo, quando Roma se assenhorou definitivamente da
região, em meados do século II a.C., ordenou o fechamento dessas minas,
proibindo sua exploração por alguns anos. Mencionamos tal fato, pois ele é
freqüentemente apontado como prova da ausência de objetivos econômicos na
expansão (segundo T. Frank). Como o próprio Tito Lívio assevera (XLV, 18), no
entanto, essa decisão parece inserir-se no contexto dos choques internos entre
parte da aristocracia senatorial e os publicanos (que, como vimos, deveriam
arrendar os direitos de extração), conflito esse manifesto desde a censura de
Catão, em 184 a.C. (cf. TIT0 Livio, XXXIX, 44).
No último século da república, segundo Plutarco (Vida de Pompeu, 45),
a entrada total de recursos das províncias amontava a cerca de duzentos
milhões de sestércios, soma que teria se elevado, com a sistematização
promovida por Pompeu, a 340 milhões, o suficiente para garantir a subsistência
de dezenas de milhares de pessoas durante um ano. E isso antes da conquista
da Gália e do Egito, que representaram um notável aumento dos ingressos.
Além dos rendimertos regulares, o sistema de tributação punha em
funcionamento uma série de mecanismos de acumulação privada, que onerava
a carga das províncias. O arrendamento dos tributos e taxas aos publicanos,
aliado ao desinteresse do Estado pela exação direta, incentivavam uma
cobrança excessiva das populações submetidas. Onde se encontravam os
publicanos, nos diz Tito Lívio (XLV, 18), não havia direito público ou liberdade.
Essa atividade predatória era tolerada pelos próprios governadores romanos,
de extração senatorial: “Parece-me que queres saber como lido com os
publicanos. Tenho por eles um respeito sagrado, peço seu conselho, encho-os
de cumprimentos” (CÍCERO, Cartas a Ático, VI, 1, 6).
Os governadores, por sua vez, participavam do processo espoliatório
através do controle que exerciam da justiça e do poder militar. O cargo de
governador representava assim, para a aristocracia senatorial, a possibilidade
de aumentar extraordinariamente suas riquezas. Através dos discursos de
Cícero contra Verres, já mencionados, podemos ter uma idéia da extensão e
magnitude desse fenômeno.
Para fazer frente a essas exigências, as cidades submetidas eram
obrigadas a tomar dinheiro emprestado da própria aristocracia romana, o que
aumentava o fluxo de riquezas para esta, graças aos juros exorbitantes que
cobrava. Sua, por exemplo, durante suas campanhas orientais, impôs uma
contribuição de vinte mil talentos às cidades da Ásia. Com os juros sobre os
empréstimos que estas fizeram para pagá-la, a quantia devida sextuplicou,
atingindo 120 mil talentos (cf. PLUTARCO, Vida de Si/a, 25).
Em um artigo publicado em 1977 (Rome and the Greek world: economic
relationships. Economic History Review, Cumbria, Economic History Society,
36
30(1): 43-52, 1977), M. Crawford procurou demonstrar que grande parte do
tributo arrecadado por Roma no mundo grego permanecia no próprio local,
graças à aquisição de terras e de produtos gregos por parte dos comerciantes,
soldados e da aristocracia romana. Essa tese, se válida, aplica-se apenas à
massa monetária tributada, mas não nega o fluxo de bens materiais para a
metrópole, nem o caráter espoliatório da dominação romana. Além disso, as
camadas responsáveis pelo pagamento do tributo não eram as mesmas que se
beneficiavam com o comércio promovido pelos soldados e mercadores
romanos.
Outra fonte de recursos, derivada da expansão, eram as presas de
guerra, obtidas durante as campanhas militares, com o saque das cidades
conquistadas e a escravização de sua população. A partir do século III a.C.,
quando Roma entrou em confronto com os grandes Estados do Mediterrâneo,
o volume e a importância dos bens extraídos como presas de guerra
aumentaram extraordinariamente. As guerras na Espanha renderam grande
quantidade de ouro e prata, além daquela extraída das minas, enquanto os
imensos tesouros acumulados pelos reis helenísticos, no Oriente, foram
expropriados pelos romanos e colocados em circulação, alimentando sua
economia florescente.
O traço, contudo, mais marcante nessa fase do expansionismo romano
foi a escravização em massa das populações vencidas. O montante de
escravos obtidos pelas conquistas cresceu sem cessar a partir do século III
a.C.: treze mil em Palermo, 25 mil em Agrigento, na primeira guerra púnica;
trinta mil em Tarento, cinqüenta anos após; 150 mil epirotas, durante a terceira
guerra macedônica (cf. TITO LIvio, XLV, 34), e, a crermos em Plutarco (Vida de
César, 15), um milhão de gauleses durante as campanhas de César. Estima-se
(de acordo com P. A. Brunt) que mais de dois milhões de escravos chegaram à
Itália, nos dois últimos séculos da república, para trabalharem nas propriedades
rurais da aristocracia romana ou servirem-na, como domésticos, em suas
residências urbanas.
Com a reordenação das províncias empreendida por Augusto, após o
fim das guerras civis em Roma, o domínio romano perdeu suas características
espoliatórias, assumindo a forma de um sistema de exploração regular e
estável, cujo corolário político e ideológico foi a “paz romana”. A importância
das presas de guerra caiu enormemente e, embora o tributo anual se elevasse,
os abusos de publicanos e governadores foram coibidos, com o surgimento de
uma administração mais eficaz e burocrática. Aos poucos, no curso dos três
séculos do principado, a distinção entre centro e periferia se atenuou,
sobretudo em termos políticos, com a absorção das aristocracias provinciais na
estrutura de poder em Roma. Ao menos até meados do século III a.C.,
contudo, a Itália permaneceria como centro político do império e foco de
concentração de seus excedentes produtivos.
Os mecanismos de exploração cuja configuração esboçamos acima são
essencialmente políticos, ou seja, dependem de um diferencial de poder que
propicie um fluxo centrípeto de bens. Como veremos, ao lado dessa exploração
“política” de seu império, surgem, a partir do século II a.C., formas de
exploração mais diretamente econômicas. Se sua instauração dependeu
também do controle político das regiões conquistadas, seu funcionamento
dava-se numa esfera mais propriamente econômica, como parte do “sistema
imperial-escravista” romano (cf. CLAVEL-LÉvÉQUE, 1977, p. 10-27). Sua
37
existência e desenvolvimento, por outro lado, ligam-se estreitamente à
expansão do escravismo na Itália e às transformações de sua economia no
final da república.
38
vendedor, nunca um comprador. Além disso, as pequenas propriedades
camponesas nunca desapareceram de todo. Deve-se admitir, pelo contrário,
que o sistema produtivo camponês, produtor de valores de uso, permaneceu
majoritário na Itália, mas subordinado e integrado ao modo de produção
escravista, fornecendo mão-de-obra sazonal às fazendas da aristocracia.
O sistema de villae rusticae expandiu-se, fundamentalmente, pela Itália
central, onde a disponibilidade de férteis terras públicas e a proximidade dos
grandes centros urbanos incentivai am o investimento dos frutos da conquista
por parte da aristocracia. De Catão (meados do século II a.C.) a Varrão
(meados do século 1 a.C.), esse sistema floresceu notavelmente, aumentando
o índice de mercantilização e a extensão das propriedades, que eram
exploradas intensiva- mente. Na primeira metade do século 1 a.C., Varrão
podia referir-se à agricultura italiana nos seguintes termos: “Como
sentássemos, Agrásio nos perguntou: ‘Vós, que percorrestes tantas regiões,
por acaso vistes alguma melhor cultivada do que a Itália?’. ‘Eu, na verdade,
respondeu Ágrio, acredito que não existe nenhuma tão intensamente
cultivada’“(Sobre a agricultura, 1, 2, 2-3).
O sistema produtivo escravista entra em crise no curso do século 1 d.C.
Num lento processo de transição, as médias propriedades escravistas são
substituídas por grandes latifúndios, que se fecham progressivamente para a
produção mercantil e que são trabalhados por uma massa camponesa em
regime de parceria (colonato). Os sinais da crise são evidentes nas fontes
arqueológicas, como mostraram as recentes escavações em Óstía, apontando
para um decréscimo na produção mercantil de azeite e vinho, bem como na
tradição textual. Columela, escritor agrário do século 1 d.C., via assim a
situação da agricultura italiana em sua época:
E assim, neste Lácio, terra de Saturno, onde os deuses ensinaram a
seus filhos os frutos da terra, nós adjudicamos em hasta pública a importação
de trigo das províncias ultramarinas, para não passarmos fome, e
armazenamos os vinhos dos Cicladas, da Bética e da Gália. Nem é de se
admirar, já que hoje em dia a agricultura é geralmente tida, e publicamente
considerada, como um trabalho sórdido, como um negócio que não necessita
de ensino ou de direção.
(Sobre a agricultura, 1, 20)
39
Um outro elemento dessa crise, ligado à falta de mão-de-obra tão
constantemente denunciada por nossas fontes, tem recebido menor atenção.
Como afirmamos acima, as fazendas escravistas funcionavam com um
contingente relativamente reduzido de escravos, responsável pela condução
das tarefas ordinárias e quotidianas. Nos períodos em que se fazia necessária
uma grande quantidade de trabalho (implantação de vinhedos, colheita,
aragem), era essencial, para a sobrevivência do sistema, que existisse mão-de-
obra livre disponível na região. Contudo, a expansão das vil!ae rusticae na
Itália central expulsou as famílias camponesas dos territórios mais férteis e
vizinhos às cidades, empurrando-as para as áreas montanhosas e menos
ricas, periféricas ao sistema dominante. O próprio crescimento e apogeu do
sistema escravista, portanto, limitava um recurso fundamental para sua
continuidade.
40
controle e exploração das populações subjugadas, ao mesmo tempo que
incentivava a dissolução dos sistemas produtivos comunitários, ligados à
economia de subsistência.
Na guerra como na paz, tudo era decidido pelo arbítrio de uns poucos:
em suas mãos encontravam-se o tesouro público, as províncias, as
magistraturas, as glórias e triunfos; ao povo reservava-se o serviço militar e a
pobreza; as presas de guerra eram confiscadas pelos generais e alguns
poucos. Enquanto isso, os pais ou filhos daqueles soldados, cujas
propriedades confinavam com as dos poderosos, eram expulsos de suas
habitações.
(Guerra de Jugurta, XLI)
41
renovando o antigo sistema de recriminações contra os senadores, acusou.05
de fazer surgir guerra após guerra, para impedir que o povo aproveitasse as
doçuras da paz.
(TITO Lívio, XXXI, 6)
42
A partir de 123 a.C. iniciou-se a distribuição de trigo à população de
Roma. Inicialmente subvencionadas, as distribuições estatais assumiriam uma
grande importância no curso do século seguinte, tornando-se gratuitas a partir
de 58 a.C. e atingindo, à época de César, 320 mil beneficiários — número que
o ditador reduziu para 150 mil. Segundo Cícero (A favor de Séstio, XXV), a
entrega de trigo gratuito à população representava um quinto das entradas
totais do Estado, que assumia, assim, um papel fundamental na repartição dos
benefícios do império entre os grupos sociais romanos.
As tentativas de reforma em 133 e 123, apenas parcialmente
implementadas, foram incapazes de pôr um término aos conflitos internos na
metrópole, que se acentuaram no curso do século 1 a.C., dando origem às
violentas guerras civis que antecederam o principado. Os choques entre
populares e conservadores assumiram, então, um caráter nitidamente militar,
com a intervenção direta de soldados e seus generais — entre os quais
construíam-se laços de interesse comum — nos embates políticos. Como
resultado desses conflitos, mais de 250 mil soldados receberam lotes de terra
na Itália — no período entre Sila e Augusto — por meio de legislação agrária
ou apossando-se das propriedades confiscadas de setores aristocráticos que
se viam momentaneamente derrotados. Estima-se que, entre 80 e 8 a.C.,
metade dos camponeses italianos abandonou seus lotes de terra, seja
assentando-se em outras regiões da Itália, seja migrando para as províncias.
Essa grande redistribuição e reorganização das propriedades agrárias,
durante as guerras civis, não foi, contudo, capaz de restaurar a pequena
propriedade camponesa. O que observamos, ao contrário, é um aumento
extraordinário das grandes riquezas (como as de Crasso, Pompeu, Lúculo),
formadas à época das confiscações, e um progressivo desenvolvimento do
latifúndio, de produção extensiva, que faz seu aparecimento no início do
principado (cf. KuzIcIIN, p. 272) e se amplia nos dois séculos seguintes, em
detrimento das médias fazendas escravistas em decadência.
Com o fim das guerras civis, no principado, o Estado assumiria o papel
de mediador desses conflitos, administrando e controlando a exploração das
províncias e encarregando-se da concentração e distribuição desses recursos
entre a população.
43
7
Conclusão
Nos capítulos anteriores, tentamos apresentar e discutir, de forma
sintética, alguns dos problemas envolvidos no studo do imperialismo antigo.
Em ambos os casos, como vimos, as causas, motivações e conseqüências da
expansão são múltiplas: econômicas, políticas, ideológicas. Dentre estas,
parecem prevalecer as determinações de ordem política, tanto a nível interno
— nas disputas sobre a condução do processo — quanto externo, na medida
em que as relações com a periferia são sempre de poder. Podemos, contudo,
observar algumas diferenças significativas entre os processos de expansão de
Atenas e Roma. Uma primeira distinção remete aos diferentes regimes políticos
das duas cidades. Enquanto Atenas democratizou-se progressivamente no
curso do século V a.C., o governo romano permaneceu sempre oligárquico,
marginalizando do processo político a grande massa da população.
Desse fato derivaram padrões diferentes de controle e distribuição das
vantagens obtidas dos respectivos impérios. Em Atenas, o domínio imperial
possibilitou a ascensão econômica das camadas mais pobres, garantindo e
reforçando sua posição política. O fluxo de riquezas encontrou aí mecanismos
eficazes de distribuição que atenuaram os conflitos internos. A oposição
aristocrática, quando se fazia sentir, voltava-se contra os resultados políticos
do império — o fortalecimento do demos —, sem contestar sua existência ou
propugnar sua extinção. Em Roma, o processo de expansão beneficiou, acima
de tudo, as camadas mais ricas, que controlavam o sistema político, a
condução do exército e, conseqüentemente, a partilha dos frutos do
imperialismo. Uma distribuição mais eqüitativa desses frutos foi assim, quase
sempre, o resultado de uma intensa pressão popular — seja na luta pela
repartição dos territórios conquistados, seja pela utilização do Estado como
agente redistribuidor.
Também em suas relações com os povos submetidos, os impérios de
Atenas e Roma organizaram-se de forma diversa. Em correspondência aos
respectivos sistemas políticos, Atenas tendia a favorecer regimes
democráticos, enquanto Roma apoiava-se nas aristocracias dos Estados
conquistados. Por outro lado, Roma propiciava uma maior integração política
das regiões sob seu domínio, o que se explica, em certa medida, por seu
próprio sistema oligárquico. A expansão romana, até o século III a.C.,
desenvolveu-se como uma aliança entre aristocracias municipais, que se
reforçavam mutuamente e compartilhavam o comando e os frutos da
expansão. Mesmo a concessão gradual da cidadania romana, que se estendeu
a toda a Itália após a “guerra dos aliados”, em 90/89 a.C., não implicava os
mesmos privilégios que representariam no caso ateniense, tendo em vista o
círculo restrito no qual se concentravam o poder e as riquezas imperiais.
A diferença mais significativa, contudo, dava-se no sistema de
exploração da periferia, O domínio ateniense repousava no estabelecimento de
uma superestrutura de poder sobre os Estados do império, que possibilitava a
exação de um tributo prefixado por mecanismos essencialmente político-
militares. Já o desenvolvimento da economia mercantil e do escravismo em
Roma levou a uma maior integração econômica das regiões de seu império,
44
com a expansão do sistema de fazendas escravistas para as áreas
conquistadas, onde, sobretudo a ocidente, a aristocracia romana investia os
lucros obtidos na expansão, subordinando os modos de produção locais ao seu
próprio sistema produtivo e levando-os à dissolução.
Embora se destaque dos imperialismos antigos nesse aspecto,
tampouco o imperialismo romano aproximou-se, em sua segunda fase, das
formas de dominação imperialista do mundo contemporâneo. Os mecanismos
fundamentais de exploração e concentração de recursos permaneceram
políticos e a economia mercantil manteve-se restrita a certas áreas e setores,
sem conseguir dissolver e integrar plenamente as formas não mercantilizadas
de produção. Da mesma forma, estavam ausentes fatores que são
fundamentais ao imperialismo atual: busca de mercados, de matérias-primas,
investimento de capitais em regiões de mão-de-obra barata e sem poder de
pressão etc. O imperialismo antigo não foi um imperialismo industrial e
capitalista, mas um processo de expansão de sociedades camponesas, de
pequenos e grandes proprietários, movidos pelas insuficiências de sua
economia e pelos conflitos internos resultantes de uma distribuição desigual do
meio de produção essencial: a terra. Por isso, terra foi sempre um tema
fundamental na expansão das cidades-Estados antigas, como investimento
principal dos frutos imperiais para os ricos, como possibilidade de acesso, pela
distribuição dos territórios submetidos, para os pobres. Ou ainda, de forma
indireta, garantindo-se, por meio do Estado, a sobrevivência dos que
permaneciam excluídos dela, como forma de aliviar as pressões sobre os
proprietários.
Dessa forma, o conceito de imperialismo, nos termos em que foi aqui
proposto, parece-nos um útil instrumento analítico na investigação dos
processos de expansão na antigüidade greco-romana. Permite-nos, ao mesmo
tempo, aproximar e distinguir esses processos em épocas e formações sociais
distintas, possibilitando uma compreensão mais profunda de suas
características e especificidades no passado e no presente.
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Vocabulário crítico
Ager publicus: extensão de terra pertencente ao Estado romano, em
geral resultado das conquistas territoriais de Roma. Parte do terreno público
era destinada à fundação de colônias ou à distribuição entre os cidadãos, mas
uma parcela considerável acabava nas mãos da aristocracia, através da
ocupação legal ou ilegal.
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incluindo jogos atléticos e uma grande procissão que percorria a cidade em
direção ao templo da deusa, na Acrópole.
Plebiscito: decisão da plebe, votada nos comícios por tribo. No início era
válido apenas para a plebe e não para o patriciado. A partir de 286 a.C., os
plebiscitos adquiriram força de lei para todo o corpo de cidadãos.
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Bibliografia Comentada
CLAVEL-LÉVÈQUE, M. 1977. Impérialisme, développement et transition:
pluralité des voies et universalisme dans le modele imperial romain. La Pensée,
Paris, Ed. Sociales, 196:
10-27.
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PERCIRKA, J. 1982. Athenian imperialism and the Athenian economy.
Eirene, Praga, Tchekoslovenka Akademia Ved, 19: 117-25.
O Autor critica as abordagens primitivista e modernista sobre o
imperialismo ateniense, dentro de uma perspectiva marxista, mas com muitos
pontos de contato com as reflexões de Finley.
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