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Imperialismo
antigo e moderno
O conceito

Nos estudos contemporâneos sobre a economia capitalista, imperialismo


é um termo empregado para designar determinados fenômenos decorrentes da
expansão política e econômica da Europa e dos Estados Unidos a partir de
meados do século XIX. Com exceção dos economistas neoclássicos, que
consideram a expansão imperialista européia como uma sobrevivência de
elementos pré-capitalistas na moderna economia de mercado, o imperialismo
é, em geral, encarado como uma fase específica do desenvolvimento do
capitalismo. Seria, assim, uma forma de incentivar os investimentos (para os
keynesianos) ou um mecanismo acumulador de capitais, seja pela troca
desigual entre metrópole e periferia, seja pela exportação de capitais, que se
aproveitariam da mão-de-obra barata e das matérias-primas das nações
subdesenvolvidas.
Tal sistema de exploração e acumulação de riquezas tem por corolário
quase sempre um determinado grau de dominação politica, indo desde uma
interferência indireta, porém forte, nos assuntos internos dos países
dependentes, até a intervenção militar direta. Quando os interesses da
metrópole se vêem ameaçados pela reação da população ou dos governos
locais, procede-se à destituição de governantes, com a instalação de títeres no
poder ou mesmo a ocupação territorial.
Apesar desse forte componente político-militar do imperialismo moderno
— que decorre, por sua vez, do predomínio econômico da metrópole —,
permanece o fato essncial de que seus mecanismos de concentração e
exploração são essencial- mente econômicos, ou seja, ocorrem pelo contato
forçado entre nações com modos de produção ou níveis de desenvol’simento
capitalista diferentes. A interferência de fatores político-militares dá-se na
constituição e manutenção desse contato em tais condições, mas, ao contrário
do que acontecia com o antigo sistema colonial, não é a responsável direta
pela transferência de riquezas da periferia para o centro.
Por analogia com seu emprego contemporâneo, particularmente em
seus aspectos político-institucionais, o termo imperialismo tem sido utilizado na
caracterização e definição dos fenômenos de expansão em sociedades pré-
capitalistas, em particular no que se refere ao mundo greco-romano. Por trás
de seu uso, no entanto, esconde-se toda uma série de acepções
profundamente diferentes que dependem, em grande medida, de como cada
autor vê o imperialismo contemporâneo.
Assim, como veremos nos capítulos seguintes, posições
ultramodernistas, que associam o imperialismo antigo ao moderno de maneira
absoluta, com todas as suas implicações político-econômicas — colonialismo,
procura de mercados, matérias-primas etc. —, alternam-se com pontos de vista
psicológicos (“o imperialismo é a vontade de dominar”) ou são essencial- mente
políticos, negando qualquer motivação econômica nos processos de expansão
de cidades-Estados como Atenas e Roma.

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A crítica recente aos ultramodernistas permitiu descartar definitivamente
uma associação imediata entre imperialismo moderno e antigo no tocante às
suas causas e conseqüências econômicas. Os trabalhos mais recentes, ao
contrário, parecem centrar sua atenção nos fenômenos relativos à esfera do
poder, da dominação política e da expansão militar, como elementos
essenciais do imperialismo greco-romano.
Essa importância dos fatores políticos em sua definição é ressaltada
mesmo por autores que encontram pouca eficácia no conceito para se
entender fenômenos de expansão e domínio na Antigüidade, como Paul Veyiie
no caso de Roma. Permanece, contudo, uma grande indefinição sobre o
sentido exato conferido ao termo, sobre a validade de seu emprego e sobre
suas relações com o imperialismo no mundo capitalista. O mesmo ocorre
quanto às características e à especificidade dos processos de expansão militar
e política no mundo greco-romano e sua relação com a estrutura econômica
das cidades-Estados da Grécia e da Itália.

Imperialismo, guerra e expansão

Uma definição recente, particularmente interessante por sua economia e


abrangência, foi proposta por Moses Finley:
“um Estado pode ser denominado imperialista se, em qualquer
momento, exerceu autoridade sobre outros Estados (ou comunidades ou
povos), visando a seus próprios fins e vantagens, quaisquer que tenham sido
estas últimas” (1978, p. 56). A esfera política aparece aí como claramente
determinante, mas abre-se a possibilidade para motivações econômicas, que o
próprio Finley localizará, essencialmente, na necessidade de prover a cidade
expansionista dos meios básicos de subsistência (trofé), acentuando assim o
caráter importador do imperialismo antigo em contraposição ao moderno.
Tal caracterização do imperialismo greco-romano, contudo, por seu
próprio caráter geral, é insuficiente para dar conta das várias modalidades nas
quais se expressa esse predomínio político — tanto a nível das lutas internas
dentro do Estado expansionista como em sua relação com os povos
subjugados. Sobretudo, não é capaz de interpretar as profundas diferenças
entre o imperialismo ateniense no século V a.C. e o romano tal como se
manifesta a partir de meados do século III a.C. É necessário, portanto, ampliar
e aprofundar esse conceito, para que possamos investigar a especificidade do
imperialismo greco-
-romano e a dinâmica de seu desenvolvimento.
Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que toda expansão político-militar
de uma cidade-Estado antiga é um empreendimento coletivo, visando à
resolução de suas contradições internas e à obtenção de benefícios e
vantagens para a comunidade que permitam amenizar os conflitos de classes
no seio da cidadania. O controle eventual do processo por parte de
determinado grupo ou classe ou ainda uma distribuição desigual dos
benefícios, agudizando, ao invés de amenizar, os conflitos internos, dependem
da conjunção de forças dentro &a cidade e não negam seu caráter coletivo. A
expansão, em si, nunca ou raramente é posta em discussão, mas sim a
maneira de conduzi-la ou de distribuir seus frutos. A luta de classes no centro
expansionista tem, portanto, um papel fundamental nas motivações e na
dinâmica do imperialismo antigo.

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Embora a guerra seja uma atividade fundamental na cidade-Estado
antiga e esteja intimamente relacionada com qualquer fenômeno de expansão
imperialista, não se confunde com esta. Tanto em Atenas como em Roma a
guerra é uma atividade da qual participam todos os cidadãos adultos capazes,
cujas obrigações militares são distribuídas segundo os recursos materiais das
diferentes classes de cidadãos. Os ricos, que podem adquirir um cavalo,
participam da cavalaria ou são encarregados de tarefas especiais, como a
construção de barcos de guerra; os que podem adquirir uma armadura,
completa ou não, compõem a infantaria pesada ou ligeira. Os cidadãos abaixo
de um determinado mínimo censitário, como os thetes atenienses, participam
como remadores na marinha ou, como osproletarii romanos, estão isentos do
serviço militar (até que este se torne voluntário, no final do sé-
culo II a.C.). Uma tal relação entre guerra e cidadania é um dos fatores
determinantes no caráter coletivo da expansão imperialista da cidade-Estado
antiga. A distribuição dos encargos relaciona-se, por sua vez, com a repartição
dos benefícios advindos do poder imperial e de seu controle político interno.
A guerra, contudo, é apenas um dos elementos dessa expansão,
podendo ocorrer fora de qualquer quadro propriamente imperialista. Existiram,
sem dúvida, guerras defensivas, quando uma comunidade enfrentava um
ataque externo, como a luta contra os invasores persas na Grécia, em 480
a.C., ou a resistência romana à invasão gaulesa de 386 a.C. Podiam
igualmente ocorrer guerras motivadas por rivalidades regionais, como disputas
fronteiriças pelo controle de rotas de gado ou de sal, ou por territórios restritos,
mas que não levavam à submissão política de um Estado ou comunidade por
outro mais forte. A guerra, além disso, possuía um caráter religioso e
ritualístico, particularmente acentuado entre os romanos (ius fetiale) e que teve
seu papel na representação ideológica da expansão imperialista. Este último
aspecto, todavia, extrapola a análise dos mecanismos e da dinâmica de
expansão que pretendemos desenvolver aqui.

Imperialismo e poder

O imperialismo antigo manifesta-se através do estabelecimento de um


diferencial de poder, obtido ou não por meio da ação militar direta — cuja
possibilidade consubstancia e assegura esse poder — e que proporciona um
fluxo centrípeto de bens para a cidade-Estado em expansão. Trata-se, assim,
sempre da relação entre um centro acumulador — o centro do poder — e uma
periferia submetida e explorada. As categorias de vantagens materiais e
imateriais que compõem tal fluxo, bem como as modalidades de expressão e
exercício de tal poder, podem variar profundamente no tempo e no espaço.
Exemplos são a busca de riquezas imediatas e em grande volume através do
saque e da pilhagem, a obtenção de territórios para os cidadãos desprovidos
de terra ou o estabelecimento de uma tributação fixa que proporcione uma
renda estável à cidade-Estado dominante. Incluem-se, igualmente, fatores
diretamente ideológicos, como o prestígio militar advindo das conquistas, que
alteram o quadro das forças políticas na metrópole.
O poder imperial pode expandir-se por meio de alianças razoavelmente
igualitárias (mas que o são progressivamente menos), protetorados, zonas de
influência etc., até a submissão total ou destruição do adversário, com
ocupação de seu território. Independentemente da possível variação nas

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formas de expressão desse poder, permanece um fator de importância
fundamental que diferencia essencialmente o imperialismo antigo do moderno:
enquanto este, como vimos, desenvolve formas econômicas de exploração de
sua periferia, os mecanismos de concentração no imperialismo antigo são,
antes de tudo, püljticos. A exploração é aí, quase sempre, espoliação, exação
direta de tributos, não apenas garantida, mas exercida e obtida por meio da
força bruta ou da ameaça de seu emprego. Tal fato corresponde, em certa
medida, às formas de exploração do trabalho na antigüidade clássica,
baseadas no controle político de uma massa trabalhadora dependente. Daí
resultam, a nível da representação ideológica, manifestações bastante distintas
daquelas geradas pelo imperialismo moderno.
Tais considerações não negam as motivações econômicas por detrás da
expansão de uma cidade-Estado, mas ressaltam que as necessidades
econômicas associadas ao imperialismo antigo eram satisfeitas por
instrumentos políticos. Apenas em Roma, a partir do século II a.C.
desenvolvem-se mecanismos propriamente econômicos de exploração da
periferia conquistada, mas mesmo assim de forma parcial e subsidiária no
conjunto de bens e vantagens que compunham’ o fluxo centrípeto.
Esse quadro geral que esboçamos permite-nos levantar algumas
questões sobre os processos de expansão imperialista em Atenas e Roma, que
ordenarão nossa investigação nos capítulos subseqüentes. Em primeiro lugar,
quais são as causas e motivações iniciais e de que maneira a conquista se
articula com a estrutura de classes em ambas as cidades. Isso implica analisar
as vantagens que o poder conferia, por quem era exercido no centro imperial e
em benefício ou prejuízo de que grupos. Nas suas relações com a periferia,
importa determinar os modos de exercício do poder, as formas de exploração e
sua evolução no tempo, a reação dos povos submetidos ao domínio do centro.
No tocante a Roma, o desenvolvimento de formas mais diretamente
econômicas de exploração, concomitante com o notável florescimento
econômico da Itália nos séculos II e 1 a.C., merecerá uma atenção especial,
pelos problemas que coloca à definição de imperialismo que propusemos.

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A formação do
império ateniense
A Liga de Delos

O processo de expansão imperialista de Atenas está intimamente


relacionado com a guerra contra os persas e com a evolução da democracia
ateniense no século V a.C. O fracasso da invasão persa de 480 a.C., com as
vitórias gregas em Salamina e Platéia, motivou a criação de uma liga de
cidades gregas em 478/7 a.C. que, sob a liderança de Atenas, pretendia
continuar a luta contra os persas em seu próprio território, para libertar as
cidades gregas ainda submetidas e obter presas de guerra que ressarcissem
os gregos dos prejuízos da invasão.
Essa liga de cidades, que seria a base do império ateniense, não surgiu,
contudo, por um processo de sujeição ou de domínio. Definia-se, de início,
como uma aliança militar (uma symmakhia), que previa autonomia para seus
participantes, reservando a Atenas o comando (hegemonia) das operações. É
dessa maneira que Tucídides se refere ao surgimento da liga, ao recompor o
discurso que os embaixadores atenienses teriam proferido perante a
assembléia espartana, no limiar da guerra do Peloponeso:

Este império (disseram os atenienses), nós não o devemos à violência.


Simplesmente vocês (espartanos) não quiseram continuar a guerra contra o
resto das forças bárbaras, e assim os aliados vieram nos procurar, para pedir-
nos espontaneamente que exercêssemos o comando (hegemonia).
(A guerra do Peloponeso, 1, 75)

Dessa forma, o poder executivo da liga foi conferido a um conselho


federal das cidades aliadas, no qual Atenas tinha um papel preponderante, mas
não exclusivo. A contribuição das cidades aliadas para o esforço de guerra
dava-se, na origem, de duas maneiras: as cidades maiores, como Quios,
Samos, Lesbos e Naxos, participavam com contingentes militares próprios
(navios de guerra e soldados), enquanto as cidades de menor porte, que não
enviavam barcos, contribuíam com o pagamento de um tributo (phoros) para o
tesouro federal. Este último era centralizado no templo de Apolo, na ilha de
Delos, e administrado por dez magistrados atenienses: os helenotamiai.
Segundo Tucídides (1, 96), o tributo original montava a 460 talentos
(equivalentes a 2 760 000 dracmas), embora esse dado seja contestado pela
bibliografia contemporânea (veja-se discussão em RHODES, 1985, p. 7-8). Os
magistrados atenienses elaboravam a lista das cidades confederadas e dos
tributos pagos, que eram gravadas em lajes de pedra. Tais listas, que
chegaram até nós em fragmentos, constituem um dos documentos mais
importantes para a reconstituição do império ateniense. A lista mais antiga que
conhecemos data de 454 a.C. e relaciona um total de 140 cidades como
membros da liga, pagando cerca de 490 talentos como tributo.
Sob o comando do general ateniense Címon, a liga cumpriu duas tarefas
em seu período inicial: procedeu à eliminação dos focos de pirataria que

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infestavam o Egeu, assolando as pequenas ilhas gregas e prejudicando o
comércio maríti‘mo; além disso, expulsou os persas do mar, combatendo com
sucesso a armada fenícia, na qual se baseava o poderio naval persa (batalha
do Eurimendonte, em 468 a.C.). Até 462 a.C., portanto, a liga exerceu uma
atividade essencialmente marítima, apoiada na poderosa frota ateniense que
Temístocles fizera construir para enfrentar a ameaça de invasão persa após
Maratona.
Desde o início, contudo, o peso econômico e militar de Atenas no
conjunto das cidades da liga fez com que se concentrasse em suas mãos o
poder executivo da aliança e que tendesse a carrear para si os benefícios que
as ações militares traziam, O que em teoria deveria ser uma aliança igualitária
e com a participação espontânea de seus membros, foi aos poucos
convertendo-se, pela superioridade de Atenas, num sistema de exploração de
seus membros e de concentração de riquezas em Atenas — mantido pela força
militar e do qual as cidades não podiam se desligar livremente.
Esse fato manifesta-se claramente já em cerca de 470 a.C., quando
Naxos, um dos membros mais poderosos da aliança, tentou desligar-se desta.
A cidade foi assediada pela armada da liga e obrigada a reintegrar-se, devendo
entregar seus navios de guerra e demolir suas muralhas. A importância do
evento na transformação da aliança militar num império controlado pelos
atenienses foi ressaltada por Tucídides (1, 98), segundo o qual Naxos foi a
primeira cidade que Atenas escravizou contra o que fora estabelecido.
Dessa forma, desde seu início a liga marítima começa a configurar-se
como um sistema fechado, do qual Atenas detém o comando militar, o poder
político e que, em breve, passará a considerar como fonte de recursos para
resolver seus problemas internos.

Desenvolvimento da liga

Certos acontecimentos permitem balizar e determinar a evolução das


relações entre Atenas e os demais membros da liga. A partir de 462 a.C., a
aliança, sentindo-se mais segura com o refluxo do poderio persa no Egeu,
inicia uma política militar agressiva dirigida à anexação de territórios que
interessavam particularmente a Atenas. É nesse contexto ofensivo que se
insere o envio de uma poderosa frota ao Egito (460/54 a.C.) com o objetivo de
auxiliar o soberano local contra o rei persa. Em 454 a.C., contudo, o exército
ateniense foi cercado e praticamente aniquilado pelas forças persas. Esse
desastre custou aos atenienses a vida de milhares de seus cidadãos e foi
utilizado como justificativa para que se transportasse o tesouro federal de
Delos para Atenas. Esta, a partir de então, passará a utilizar-se desses
recursos de forma cada vez mais discricionária (a começar pela cobrança de
1/6 do tributo como oferenda à sua deusa Atena).
Em 449/8 a.C. a liga assinou um tratado de paz com o rei persa — a
chamada Paz de Cólias — que pôs fim às hostilidades entre o império oriental
e a aliança grega. Os persas continuariam a intervir na política grega, mas
agora apenas de forma indireta, financiando os contendores que se
enfrentariam na grande guerra do Peloponeso.
A Paz de Cálias, portanto, retirou da liga a razão oficial de sua
existência. Com a diminuição das presas de guerra, os tributos arrecadados
das cidades-membros passaram a ser o único ingresso assegurado do tesouro

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da liga, do qual os atenienses se utilizaram em benefício próprio, da forma
como veremos no capítulo seguinte. Correspondentemente, diminuiu a
autonomia das cidades em relação a Atenas. A esta perda de autonomia
acompanhou-se um incremento no estabelecimento de clerúquias de
atenienses no território das cidades participantes da liga e submetidas a seu
poder. As clerúquias consistiam na ocupação de lotes (kleroi) das melhores
terras agrícolas no território dos Estados da liga por cidadãos atenienses que
não dispunham de propriedades agrárias na Ática. Aqueles que eram
agraciados com tais lotes conservavam a cidadania ateniense e não se
integravam ao corpo social das cidades em cujo território se estabeleciam.
Constituíam, assim, ao mesmo tempo uma excelente válvula de escape para
as pressões sociais em Atenas e um ônus ofensivo para os aliados.

Consolidação do império ateniense

Da Paz de Cálias até o início da guerra do Peloponeso, a estrutura


imperial ateniense se completou e a antiga aliança militar viu-se transformada
num sistema de exploração envolvendo uma vasta região, incluindo as ilhas
gregas do Egeu e as cidades da Grécia do leste, além de territórios no
continente europeu. A essa transformação correspondeu um reflexo preciso no
vocabulário referente às relações entre atenienses e aliados. O papel de
Atenas, antes descrito como de “liderança” (em grego, hegemonia), passa
agora a ser expresso por uma série de termos indicando uma relação de poder
bem mais intensa e definida (arkhé, kratos). Os aliados, que precedentemente
eram symmakhoi (membros de uma aliança militar), aparecem agora nos textos
e inscrições simplesmente como “cidades” ou, de forma mais direta, como
súditos (hypekooi) ou tributários (hypoteleis).
Nessa mesma época desaparece o conselho federal, que agia como
órgão executivo da liga, e o poder decisório é totalmente transferido para a
assembléia de Atenas, cujo povo torna-se, dessa forma, senhor absoluto da
aliança, responsável pela arrecadação e gestão dos tributos e pela
determinação de seu montante. Para uma melhor administração do território,
agora claramente subjugado a Atenas, as cidades são repartidas em cinco
distritos, em 433 a.C.: Jônia, Cária, Cícladas, Trácia e Bósforo.
Com 202 membros, a liga dominada por Atenas atinge então seu
número máximo. Em 444 a.C. o tesouro federal é completamente absorvido
pelo tesouro de Atenas, que
constituía o fundo municipalda cidade. Essa fusão legitimou e acentuou
o uso discricionário do tributo por parte dos atenienses, que deixaram de dar
qualquer satisfação a respeito aos aliados. Também a marinha foi unificada,
tornando-se totalmente ateniense. Isto assegurou o monopólio do poder para
sua cidade, representando um sério golpe para as cidades maiores da liga que,
por enviarem contingentes militares e não estarem sujeitas ao pagamento de
tributo, mantinham ainda uma certa autonomia. Esta tendeu a desaparecer
completamente, o que em parte foi compensado por uma queda no montante
do tributo cobrado (430 talentos, em 446 a.C.).
Após 450 a.C., os aliados são obrigados a jurar fidelidade e obediência
ao povo ateniense, expondo a verdadeira essência da liga e rompendo com as
representações ideológicas que a queriam ainda como uma aliança de

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interesse mútuo. Ilustrativo, a esse respeito, é o juramento prestado pelos
calcídios, em 446 a.C.:

Não me separarei do povo ateniense por nenhum artifício ou manobra,


nem em palavras, nem em atos, e não obedecerei a quem se separe dele. Se
alguém me incentivar à defecção, eu o denunciarei aos atenienses. Pagarei
aos atenienses o tributo que me for fixado e procurarei ser um aliado bom e
fiel. Auxiliarei sempre o povo de Atenas, se alguém atacá-lo, e obedecerei ao
demos de Atenas.
(Inscriptiones graecae, 1, 39)

A partir de então podemos falar da existência de um sistema imperialista


de exploração centrado em Atenas, segundo a definição esboçada no primeiro
capítulo. Tal sistema, que propicia um fluxo constante de bens para a
metrópole, é fortalecido por uma série de medidas que garantem o predomínio
político de Atenas: medidas militares, como o estabelecimento de guarnições
em cidades da liga, comandadas por um frurarca; medidas judiciárias, que
asseguram o exercicio formal do poder, como o envio de magistrados
atenienses (episkopoi) para algumas cidades, mesmo em grandes centros,
como Samos e Mitilene, ou a eleição de Atenas como foro privilegiado para o
julgamento de determinados litígios.
Atenas garantia assim dois instrumentos essenciais para o exercício e
manutenção do poder: o controle dos procedimentos formais (legais) e o
domínio dos mecanismos de coação direta, empregados quando os primeiros
fossem desrespeitados. A esses instrumentos foram acrescentadas medidas
de caráter econômico/ideológico, das quais a mais famosa e importante é, sem
dúvida, o decreto de cerca de 420 a.C., que obrigava os aliados a usarem os
pesos, medidas e moedas atenienses. Além das suas implicações econômicas,
muito debatidas, esse decreto possuía um claro caráter ideológico, se
pensarmos que a cunhagem de moeda própria era um dos elementos
fundamentais da autonomia das cidades gregas, um instrumento privilegiado
de sua autodefinição no plano ideológico e de sua independência política.
Também o pagamento do tributo revestia-se de elementos ideológicos
tendentes a ressaltar o predomínio de Atenas e a submissão dos aliados.
Reavaliado a cada quatro anos, o tributo era trazido a Atenas por
representantes dos Estados súditos e entregue durante as festividades das
Grandes Dionisíacas. Além disso, todos estavam obrigados a enviar oferendas
para Atena, à época das Panatenaicas. Assim, ao mesmo tempo que se
celebravam ritos religiosos e a comunhão do corpo de cidadãos atenienses,
ressaltava-se sua importância e poder no cortejo dos tributos extraídos de seu
império.
Dessa forma, em cerca de quarenta anos os atenienses formaram um
vasto império, que apenas se desmoronaria após a derrota na guerra do
Peloponeso, em 404 a.C. A questão que se coloca diante de nós, agora, e à
qual procuraremos responder no capítulo seguinte, é a quem beneficiava, cm
Atenas, o exercício do poder imperial e que classes ou grupos sociais eram
responsáveis por sua administração. Trata-se, em suma, de investigar como as
lutas sociais dentro da própria cidade determinaram os ritmos e a evolução do
processo expansionista dentro do quadro conceitual exposto no primeiro
capítulo. Além disso, como veremos, as relações entre Atenas e seus aliados

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estiveram longe de ser unívocas e unidirecionais, mas sofreram de forma
acentuada a influêneia da luta de classes no interior das próprias cidades do
império, colocando este como um momento fundamental da profunda crise
social que sacudiu os Estados gregos no século V a.C.

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O imperialismo ateniense:
natureza, motivações,
conflitos
A natureza da expansão de Atenas

Um dos temas centrais no estudo do imperialismo ateniense no século V


a.C. é a questão dos mecanismos econômicós subjacentes ao processo de
expansão e dominação de outros Estados por Atenas. A resposta a esse
problema depende de como se defina a natureza das relações econômicas no
Mundo Antigo: seja numa ótica modernizante, aproximando os fenômenos
econômicos da Antigüidade àqueles observáveis no capitalismo atual, seja
ressaltando-se a especificidade das formas de organização econômica do
Mundo Antigo, utilize-se ou não os conceitos de modo de produção antigo e
escravista.
Para os defensores da primeira abordagem — autores como G. Glotz, O.
Grundy e J. R. Bonner —, os mecanismos e motivações por detrás do
imperialismo ateniense seriam muito semelhantes aos que levaram à expansão
européia, com o advento do capitalismo. J. R. Bonner via na concentração do
comércio no Pireu, na supressão da pirataria e nas “leis de navegação” as
principais características da política imperial ateniense:

Há indícios de que Atenas regulava o comércio das cidades


subordinadas através de medidas semelhantes às leis de navegação inglesas
do século XVIII, visando centralizar o comércio colonial na metrópole.

(The commercial policy of imperial


athens. ClassicalPhilology, 18: 193-201, 1923)

Essa perspectiva, que via o imperialismo ateniense como


fundamentalmente comercial, visando ao controle das trocas comerciais no
Egeu em benefício próprio, baseava-se numa leitura acrítica de documentos,
como o decreto monetário de cerca de 420 a.C., mencionado no capítulo
anterior, ou em alguns diálogos de As vespas, de Aristófanes. Um texto do
Pseudo-Xenofonte, em particular, é utilizado para demonstrar o tipo de
monopólio comercial exercido por Atenas:

Apenas os atenienses são capazes de possuir as riquezas dos gregos e


dos bárbaros. Pois, se uma cidade é rica em madeiras próprias para a
construção de navios, para onde poderia vendê-las se não se entender com o
povo, que é senhor dos mares? Se é rica em ferro, cobre ou linho, a quem
vendê-los se não se entende com o povo, que é senhor dos mares? Ora, tais
produtos são aqueles que me servem para construir meus navios. De uma
região obtenho a madeira, de outra o ferro, de uma terceira o cobre, deste o
linho, daquele a cera. Acrescentemos que, se nossos aliados quiserem

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exportar esses produtos alhures, ou serão impedidos por nós, ou não irão por
mar. Quanto a mim, que sou ateniense, sem qualquer esforço faço vir do
continente todos esses produtos por via marítima.
(A república dos atenienses, II, 11-2)

Uma leitura atenta do texto, contudo, não autoriza a tese da natureza


mercantil do imperialismo ateniense. Como observa a crítica moderna, as
informações transmitidas pelo Pseudo-Xenofonte não se referem aos lucros
comerciais obtidos pelo domínio marítimo, não mencionam a venda de
produtos atenienses sob qualquer monopólio, nem tampouco a aquisição de
bens obtidos a preços aviltados e, talvez, o fato mais importante, não
restringem aos comerciantes atenienses a responsabilidade pela circulação de
tais bens. Trata-se, na verdade, de garantir para a metrópole, através do fluxo
centrípeto assegurado pelo império, o suprimento de determinados bens
estratégicos, no caso aqueles destinados à construção de barcos de guerra, a
própria base do poder ateniense.
A partir dessas considerações, a crítica moderna acentua o caráter
importador do imperialismo ateniense. Em termos econômicos globais, isto é,
sem tratar da distribuição interna na metrópole, o império de Atenas estava
intimamente ligado à obtenção de meios básicos de subsistência, em especial
de trigo, cuja produção na própria Atica era insuficiente para alimentar a
população urbana. O Estado imperialista, dessa forma, não buscava mercados
para exportação ou fontes de matérias-primas e de força de trabalho a baixo
custo para a sua indústria, mas procurava garantir recursos básicos para sua
existência e proporcionar um suprimento de bens de todo tipo — que no caso
ateniense se revestia da forma de um tributo em metal —, um fluxo centrípeto
só possível pelo diferencial de poder estabelecido entre o centro e a periferia
do império.
Aceitando-se essa linha de raciocínio, tampouco pode-se concordar com
aqueles autores que, numa visão diametralmente oposta, negam qualquer
objetivo propriamente econômico ao imperialismo ateniense, mesmo que
reconheçam conseqüências econômicas, de resto aleatórias, no exercício do
poder. E. Will, por exemplo, afirma que:

Nossos textos, repetimos, não autorizam a afirmação de que


imperialismo ateniense comportasse, em suas motivações e em seu exercício,
qualquer coisa que pudesse passar por uma
política econômica, ou seja, conscientemente destinada a assegurar o
equilíbrio e a prosperidade material da comunidade
ateniense.
(Le monde grec et l’Oriente:
Le ve siècle. Paris, Hachette, 1972. p. 200)

De uma tal perspectiva, a expansão imperialista só pode ser entendida


como resultado de uma “vontade de dominação”, como a expressão de uma
espécie de “pulsão de poder” inerente ao ser humano (posição que E. Will
condivide, por exemplo, com autores como P. Veyne, que insere essa “vontade
de dominação” num contexto existencialista). Além de se basear em
pressupostos de psicologia histórica que, para dizer o mínimo, não são óbvios
e necessitariam de comprovação, essa visão do imperialismo ateniense toma

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como verdade a representação ideológica que os próprios atenienses tinham
de seu poder. Encontramo-la em diversos textos da época e, de forma mais
elaborada, o debate entre atenienses e melianos que antecedeu a destruição
de Melos, em 415 a.C., tal como reescrito por Tucídides (sobre a concepção de
poder em Tucídides, ver FRENCH, A. Thucydides and the power syndrome.
Greece & Rome, Oxford, 27: 22-30, 1980):

Atenienses — Também nós pensamos poder contar com o favor dos


deuses. Nem nossas pretensões, nem nossa conduta estão em contradição
com as idéias religiosas dos homens ou com os princípios nos quais se
inspiram em suas relações mútuas. Cremos, tendo em vista o que se pode
supor com relação aos deuses e o que se sabe efetivamente dos homens, que
ambos obedecem a uma lei da natureza que os impele a dominar os outros
sempre que forem os mais fortes. Não fomos nós que fizemos tal lei e
tampouco fomos os primeiros a aplicá-la após seu estabelecimento. Outros
transmitiram-na para nós e a obedecemos, como farão todos aqueles que nos
sucederem. Sabemos que mesmo vocês ou qualquer outro povo não agiriam
de forma diferente se dispusessem de um poder comparável ao nosso.
(V, 8, 105)

O nível de representação ideológica, de resto um elemento fundamental


do próprio imperialismo antigo, não deve, contudo, ser confundido com as
bases concretas de funcionamento do sistema posto em ação pela expansão
ateniense.
Mesmo que se aceite uma distinção preliminar entre motivações,
freqüentemente envolvidas em complexos sistemas de representação ao nível
das mentalidades, e mecanismos efetivos de uso do poder, um exame acurado
das fontes demonstra que, sem ter um caráter mercantil de cunho moderno, o
imperialismo ateniense estava profundamente ligado a fatores econômicos.
Estes, por sua vez, diziam respeito tanto ao abastecimento da cidade, como
vimos no texto do Pseudo
-Xenofonte, quanto ao atendimento de interesses de classe na própria
Atenas.
Devemos, portanto, tratar com maior detalhe os problemas envolvidos
na distribuição interna dos benefícios do imperialismo e no controle do
processo de expansão pelos grupos em luta dentro de Atenas. Se o império
visava à obtenção de recursos que assegurassem a subsistência e o
predomínio do “povo-rei” — utilizando uma expressão de M. Austin e P. Vidal-
Naquet —, o comando do processo de expansão e a divisão dos ganhos daí
derivados não se distribuía de maneira uniforme pelo demos ateniense como
um todo. Assim, de acordo com o período considerado, concentrou-se em
determinadas classes e grupos sociais que exerceram uma certa hegemonia
no controle do império. É necessário, dessa forma, investigar por quem e para
quem se administrava o império de Atenas no século V. a.C.

Benefícios do império:
controle e distribuição

A resposta a essa primeira questão não é unívoca, nem tampouco fácil


de ser elaborada, dada a fluidez própria dos fenômenos políticos, que são

13
processos de luta nos quais, a períodos de equilíbrio entre os grupos em
conflito, seguem-
-se constantemente momentos de choque, em que alguns tentam ou
conseguem sobrepor-se aos demais. Como se sabe,
após a reforma de Efialtes, em 462 a.C., o rebaixamento do censo
mínimo e a introdução da mistoforia, a assembléia de Atenas e o conselho dos
quinhentos tornaram-se os principais órgãos decisórios no governo da cidade.
Tal fato assegurava a possibilidade de uma ampla participação das camadas
populares (dos pobres) no processo político, sendo irrelevante, no caso, avaliar
o interesse e a efetiva atuação do povo na tomada de decisões na assembléia,
que, contudo, deveria ser grande (cf. FINLEY, 1985, p. 92).
Contudo, apesar do poder efetivo detido pela assembléia e pelo demos,
observamos que a condução executiva e o controle do processo de expansão
permaneceram, por muito tempo, nas mãos dos chefes militares (strategoi),
únicos magistrados com direito à reeleição. Tais magistrados, além de
controlarem diretamente as relações com os aliados, exerceram uma grande
influência nas decisões da assembléia até meados da guerra do Peloponeso.
Isto não significa que a assembléia cedesse por completo seu poder de
decisão, mas que compartilhava esse poder com grupos oriundos da
aristocracia e que ocupavam postos na estratégia.
O que se observa, com a evolução política interna em meados do século
V a.C., é uma progressiva passagem do controle executivo do império da
aristocracia mais conservadora para uma aristocracia moderada, passagem
espelhada no conflito entre figuras como Péricles e Címon ou Tucídides. Tal
conflito, contudo, como ressalta Finley, não se referia à existência do império
como tal (Címon, líder dos conservadores, comandou o ataque à ilha de
Samos, que pretendera uma defecção), mas à distribuição dos benefícios
internamente e aos desequilíbrios que tais benefícios poderiam acarretar na
repartição do poder. Plutarco nos dá uma idéia desses conflitos:

Isto, mais do que qualquer outra coisa, atraiu o ódio dos adversários de
Péricles, que o caluiiavam nas reuniões públicas, exclamando que o povo
havia adquirido mau nome e fama, por haver transportado o tesouro federal de
Delos para Atenas (...). Péricles explicava aos atenienses que estes não
tinham que dar conta desse dinheiro aos aliados, porque combatiam em lugar
daqueles e mantinham os bárbaros à distância (...). Além disso, era justo que a
cidade, estando provida das coisas necessárias para a guerra, convertesse o
restante em bens materiais, que lhe trariam glória eterna (...) e que
possibilitariam manter com pagamentos quase toda a cidade, que se
embelezaria e nutriria a si própria.
(Vida de Péricles, 12)

Outro eco desse conflito encontramos na fonte oligárquica


contemporânea do Pseudo-Xenofonte, em que este afirma, não sem ironia:

Diria, de início, que é justo que o povo, em Atenas, goze de mais


vantagens que os ricos e bem nascidos, pois é o povo que sobe nos navios e
faz o poderio da cidade (..). Ao povo parece melhor que cada ateniense goze
individualmente dos bens dos aliados, ao invés de permitir que estes
prosperem.

14
(1, 2)

Na verdade, a oposição dos grupos conservadores aristocráticos à forma


de condução do império ateniense tornou-se significativa apenas no curso da
guerra do Peloponeso, cuja origem muitos atenienses colocavam a própria
expansão de Atenas (cf. TUCÍDIDES, 1, 23), e isto por duas razões principais.
Em primeiro lugar, a estratégia militar, seguida por Péricles e seus sucessores,
de combater no mar e abandonar o território agrícola às devastações do
inimigo fazia com que os encargos da guerra recaíssem de forma muito mais
intensa nos proprietários rurais e, portanto, entre os aristocratas, do que na
população urbana. Embora boa parte da população fosse camponesa, os ricos
tinham certamente mais a perder com a devastação de seus campos, que
dificilmente seria compensada pelas distribuições de alimentos, salários ou
ofertas de empregos na cidade, enquanto os pobres expulsos do campo
poderiam encontrar aí outros meios de subsistência (cf. ARISTÓTELES,
Constituição de Atenas, 24).
O outro fator envolvido na oposição dos grupos conservadores
aristocráticos é eminentemente político. Como ressalta o texto do Pseudo-
Xenofonte, citado acima, a crescente Importância da marinha, tripulada pela
população mais pobre, no conjunto da força militar ateniense, tendia a
desequilibrar a balança interna do poder em Atenas em favor das camadas
mais pobres de cidadãos. Tal fato é observável na ascensão de oradores como
Cleon, Hyperbolo ou Cleofon, personagens ligados ao comércio e ao
artesanato, que suplantarão a influência política da aristocracia moderada
durante a guerra do Peloponeso. Algumas comédias de Aristófanes, como As
vespas, são uma demonstração da aversão e desprezo que a aristocracia
votava a tais figuras.
Os conflitos políticos acentuaram-se nos três últimos lustros do século, à
medida que os insucessos da política externa ateniense encorajavati os
aristocratas a inverter a distribuição interna do poder e restituir o que, segundo
a elaboração ideológica da época, denominavam “constituição ancestral”
(pdtrios politeia). De tais lutas resultaram dois golpes de Estado aristocráticos,
em 411 e 404 a. C., que visavam abolir a democracia e reduzir o círculo do
poder a um número restrito de cidadãos.
O golpe de 404 a.C. ocorreu após a queda do império ateniense e com o
concurso do exército espartano, mas é significativo que os oligarcas que
tomaram o poder em 411 a.C. e aboliram a constituição de Clístenes, não
propusessem o fim do império e a libertação dos aliados, mas antes tenham
lutado por mantê-lo intacto, recusando uma proposta de paz espartana em 410
a.C. Igualmente significativo é o fato de a reação ao golpe ter partido da
esquadra ateniense sediada em Samos, cujos marinheiros se recusaram a
aceitar a nova iltuação política. Os oligarcas em Atenas, divididos entre
moderados e radicais, acabaram por recuar e o sistema político anterior foi
recomposto.
A oposição aristocrática ao imperialismo, portanto, nunca se dirigiu
contra sua existência e, sim, contra o poder político interno que dele obtinham
o demos e as camadas pobres da população. O controle desse poder permitia
ao demos distribuir os encargos da guerra e os benefícios do império de forma
desigual, desfavorecendo os mais ricos.

15
Isso não significa, contudo, que os cidadãos pobres fossem os únicos
beneficiários da posição dominante de Atenas, como tampouco dispunham do
poder político total, como vimos. A repartição, tanto do poder como dos
benefícios advindos de seu exercício, dependia dos equilíbrios e desequilíbrios
sucessivos entre os vários grupos nas lutas internas em Atenas. Devemos,
portanto, analisar com maior detalhe quais os frutos gerados pelo império
ateniense e a que camadas da população beneficiavam.

Os benefícios do império e sua distribuição

Podemos enumerar algumas vantagens bem gerais relativas à


estabilidade política de Atenas e à ausência de crises sociais profundas
(staseis) durante a existência do império:
paz social interna, manutenção do regime democrático e ausência de
tirania, eliminação do perigo persa, tão premente nos anos que antecederam à
liga. Em termos mais concretos, mas ainda beneficiando a população em seu
conjunto, são de grande importância o suprimento de trigo garantido,
proveniente em grande parte do mar Negro, cujo acesso os atenienses
controlavam no Helesponto, e a ausência de tributação interna (eisfora),
abolida para todas as classes em 427 a.C.
Os ingressos do império, contudo, que amontavarn a cerca de 60% do
total de recursos do Estado ateniense (de acordo com R. Meiggs), propiciaram
a criação de formas de redistribuição que visavam especificamente assegurar a
participação politica dos mais pobres. Entre essas formas destaca-se a
mistoforia, instituída por Péricles, que significava o pagamento pelo exercício
de certas atividades públicas, na Bulé, nos tribunais ou no exército.
Segundo Finley, o soldo pago aos marinheiros era um Outro recurso
importante na redistribuição. Assim, Atenas dispunha de trezentas trirremes,
das quais cem em atividade permanente, o que representava a manutenção de
cerca de Vinte mil cidadãos com um pagamento que se elevou de 2/3 óbulos
antes da guerra do Peloponeso até um dracma diário no seu decorrer. A
atividade de remador constituía-se, portanto, em um verdadeiro ofício,
garantindo a subsistência de grande número de cidadãos pobres.
No mesmo sentido devemos considerar a participação nas grandes
obras públicas executadas à época de Péricles em Atenas, entre as quais se
destacam os Arsenais e depósitos do Pireu, o erguimento de um terceiro muro
ligando a cidade ao porto e as construções realizadas na Acrópole, como o
Parthenon e o Propileu. Segundo Plutarco:

(Péricles), querendo que o povo que não se ocupava do exército tivesse


também ele parte do dinheiro público, não através do ócio e da preguiça, mas
pelo trabalho, propôs ao povo o empreendimento de grandes construções e
projetou trabalhos envolvendo várias artes e longos períodos de tempo, para
que os que permanecessem em Atenas tivessem, não menos do que os
marinheiros, sentinelas e soldados, um pretexto para obter seu quinhão da
riqueza pública.

(Vida de Péricles, 12)

16
A execução de tais trabalhos, contudo, não era privilégio dos cidadãos
atenienses, pois deles podiam participar, como comprovam as inscrições do
Erkhteion (cf. Inscriptiones lraecae, 12, 374), também metecos (estrangeiros
domicilia- dos em Atenas) e escravos. Neste último caso, o salário recebido
(por volta de um dracma diário) deveria permanecer, .m grande parte, nas
mãos dos respectivos proprietários.
Se os trabalhos públicos efetivamente constituíam uma forma de
redistribuição de renda, não é necessário que os objetivos por trás de sua
execução se restringissem à mesma (como poderíamos supor pelo texto de
Plutarco). Não devemos esquecer a importância ideológica de que se revestia
o embelezamento urbano de Atenas, exaltando e magnificando seu poder entre
os povos subjugados e em toda a Grécia, difundindo respeito e admiração e,
assim, de certa forma, contribuindo para a própria manutenção do diferencial
de poder que o tornara possível e do qual era um sinal visível.
As clerúquias constituíam-se, provavelmente, na maior vantagem
advinda do império para os cidadãos pobres, recebendo entre oito e dez mil
atenienses sem terra. Os lotes distribuídos, no valor de duzentos dracmas,
permitiam a elevação de categoria entre as classes censitárias solonianas,
representando uma rápida ascensão econômica e social para os beneficiários.
Essa distribuição das terras dos aliados (Lesbos, por exemplo, recebeu 2 700
colonos) funcionou como uma válvula de escape no interior do corpo social
ateniense, permitindo aliviar a pressão dos cidadãos sem terra (que, contudo,
em 404 a.C. ainda amontavam a cinco mil) e minimizar os efeitos da
devastação da guerra entre a população mais pobre.
Aferir as vantagens obtidas diretamente pelos ricos é, sem dúvida, mais
difícil, o que não significa que a eles estivessem reservados apenas os
encargos do império. Algumas dessas vantagens são de ordem ideológica,
derivadas do prestígio advindo do comando militar, em geral reservado aos
aristocratas. Tucídides enumera, em várias passagens, como o exercício do
império conferia aos aristocratas glória, honra, esplendor, renome ou a
recordação de seu feitos. A atribuição de tais qualificativos é de grande
importância numa sociedade em que o prestígio individual tem um papel
fundamental na organização das relações sociais e políticas. Isso se observa,
igualmente, no exercício das liturgias, ou seja, no pagamento de atividades
públicas como a coregia (no teatro) ou a equipagem de uma trirreme, que
conferiam prestígio e influência aos cidadãos mais ricos que delas se
encarregavam.
Os benefícios materiais são menos claros, mas de forma alguma
ausentes. Há uma passagem em Tucídides, de difícil interpretação, na qual
Frínico, um aristocrata moderado, opõe-se, em 412 a.C., à volta de Alcibíades
e ao estabelecimento de uma oligarquia nos seguintes termos:

Além disso (dizia Frínico) acreditava-se entre os aliados que um governo


oligárquico (em Atenas) não lhes criaria menos dificuldades que o democrático,
pois era por instigação dos ricos e sob sua pressão que a democracia cometia
seus desmandos, dos quais os ricos eram os principais beneficiários.
(VIII, 48)

Mas beneficiários de quê? Ou seria apenas uma imagem retórica que


Tucídides empresta a Frínico para ressaltar a inconsistência dos golpistas de

17
411 a. C.? Pesquisas recentes (cf. GAUTHIER, 1973) permitem entrever ao
menos uma das possíveis vantagens que os aristocratas retiravam do poder
imperial de Atenas: a posse de terras nos territórios aliados fora das clerúquias.
Em O banquete, de Xenofonte, cujo diálogo se passa em 422 a.C., há uma
menção a tais propriedades, quando Cármides, um rico ateniense que
participaria do golpe de 404 a.C., afirma: “Agora que fui privado das
propriedades que possuía fora das fronteiras (da Ática) (..)“ (IV, 31).
Um outro documento significativo a esse respeito são as estelas de
confiscação dos bens dos hermocópidas, que datam de 415/13 a.C. Em 416
a.C, às vésperas da grande expedição à Sicília, que marcaria uma reviravolta
no poderio ateniense, apareceram mutiladas as estátuas de Hermes que
ornavam as ruas da cidade. O sacrilégio gerou uma grande comoção na cidade
e o feito foi atribuído aos grupos aristocráticos como parte de um plano para
subverter o regime democrático. Iniciou-se uma grande perseguição aos
suspeitos, que em sua maior parte situavam-se entre os cidadãos mais ricos,
como o famoso Alcibíades, que comandava a expedição à Sicília e que, ao
saber das suspeitas que pesavam sobre si, refugiou-se no Peloponeso. Os
condenados tiveram seus bens confiscados, e a relação desses bens foi
inscrita em pedra e exposta. Nessa relação podemos identificar grandes
proprietários de terras em Atenas, mas que possuíam, igualmente,
propriedades no território de regiões submetidas, como Thasos, Eubéia, e
Abidos. Essa posse de terras em territórios estrangeiros só pode ser explicada
pelo exercício do poder discricionário conferido pelo império, que permitia
romper as fortes barreiras existentes na época para a aquisição de
propriedades por não-cidadãos. Trata-se, portanto, de um benefício material
direto, e provavelmente não oficial, usufruído pelos aristocratas através do
império ateniense.
Das considerações expostas acima podemos concluir que o
imperialismo ateniense, em termos de distribuição interna do poder e de seus
benefícios, constituía-se num fenômeno complexo e dinâmico. A paz social de
que gozou Atenas durante a existência do império, apenas abalada pelo golpe
de 411 a.C. — que no entanto foi incruento e esgotou-se sozinho —, não deve,
portanto, ser considerada como um dos objetivos conscientes da expansão,
mas como um de seus resultados. O poder e as vantagens advindas do império
não foram objeto de concórdia entre as classes e, sim, de um acirrado conflito
por seu controle e distribuição. O que se pode considerar é que a grande
quantidade de tributos arrecadados e um relativo equilíbrio do poder na
metrópole permitiram o usufruto geral do império, de forma a minimizar a
intensidade dos conflitos, na medida em que se lutava para administrar não a
escassez, mas a abundância.

Atenas e os Estados súditos

Tampouco as relações entre Atenas e os aliados foram unívocas. Ao


contrário, muitas vezes o jugo ateniense foi recebido como um fator de
libertação por determinados grupos dentro das cidades submetidas (sobre
estas questões, veja-se RFIODES, 1985, p. 36-8). Para entender essa
aparente contradição é preciso levar em conta que as cidades gregas, no
século V a.C., foram sacudidas por violentos choques internos entre oligarcas e

18
democratas. Tucídides, comentando os distúrbios em Córcira, em 428 a.C.,
trata longamente das lutas sociais do período:

Em seguida, as convulsões políticas atingiram, por assim dizer, a


totalidade do mundo grego. Em todas as cidades ocorreram choques entre os
chefes democratas e oligarcas, os primeiros querendo chamar os atenienses e
os outros os lacedemônios (...) uma vez em guerra, cada uma das partes podia
contar com uma aliança externa para abater seus inimigos e aumentar seu
poder, e aqueles que desejavam uma revolução tiveram todas as facilidades
para provocar uma intervenção externa (...). Assim, de cidade em cidade a
guerra civil estendia suas devastações.
(III, 82)

Dessa forma, os grupos democratas e a população pobre tendiam a


apoiar a associação com Atenas, mesmo que isso significasse sua submissão
e o pagamento de um tributo (que, de resto, recairia com maior intensidade
sobre os ricos). Tal foi o caso de Samos, Mitilene, Córcira, Argos e muitas
outras cidades nas quais os democratas apoiaram — e foram sustentados —
os atenienses. Como afirma o Pseudo-Xenofonte:

(...) se os ricos e as camadas aristocráticas prevalecerem nas cidades


(do império), o domínio ateniense terá curta existência. Esta é a razão pela
qual os atenienses privam os homens honestos de seus direitos civis,
confiscam seus bens, exilam-nos ou matam, enquanto elevam as camadas
mais pobres.
(1, 15)

Tais relações, contudo, não eram tão simples. As cidades que, sob
influência dos oligarcas, se rebelavam contra Atenas, corriam o risco de ser
completamente destruidas e de ter seus habitantes mortos ou escravizados,
independente de serem ricos ou pobres, democratas ou oligarcas. Foi de uma
tal sorte que Mitilene escapou, em 427 a.C., após longos debates na
assembléia ateniense, nos quais as forças mais democráticas, capitaneadas
por Cleon, eram precisamente as que pediam a morte tanto de democratas
como de oligarcas. Já os habitantes de Melos, governados por uma oligarquia,
e portanto sem poder decisório quanto às relações de sua cidade com Atenas,
foram massacrados e escravizados.
Por trás de tais massacres, ou de sua proposição, podemos entrever
razões ideológicas — implantar o terror entre os dissidentes — e motivações
econômicas, como a ocupação das terras deixadas vagas pelos habitantes
mortos (como efetivamente ocorreu em Meios e, mesmo sem o massacre da
população, em Mitilene).
O imperialismo ateniense do século V a.C. fornece-nos, portanto, um
modelo para compreendermos os complexos e freqüentemente contraditórios
fatores políticos e econômicos envolvidos na expansão imperial na
Antigüidade. Como vimos, o estudo da dominação imperialista não pode se
resumir às relações externas, políticas/econômicas entre a metrópole e sua
periferia, mas deve se voltar para o estudo da utilização desse poder no interior
do próprio centro imperial. Por outro lado, se o domínio de Atenas
freqüentemente significou alterações de regime político nas regiões

19
submetidas, jamais interviu ao nível de suas estruturas produtivas, que
permaneceram inalteradas em relação à época anterior. Sobrepondo-se às
estruturas locais sem modificá-las, o imperialismo ateniense projetava-se como
uma superestrutura de poder que arrecadava tributos, concentrando-os no
centro imperial, sem proceder a uma exploração econômica que integrasse
essas regiões ao seu próprio sistema produtivo. Portanto, do ponto de vista dos
povos subjugados, e com exceção das clerúquias (que na verdade constituíam
enclaves), a dominação ateniense sempre foi um fator externo cuja
concretização, em termos econômicos, dava-se apenas por ocasião do
pagamento do tributo anual.
Como veremos nos capítulos seguintes, o imperialismo romano, mesmo
possuindo muitos pontos de contato com o modelo ateniense, apresenta
características específicas que o destacam do conjunto dos processos de
dominação entre sistemas políticos na Antigüidade.

20
4
O imperialismo romano:
natureza, fases
Importância e significado

O desenvolvimento da expansão imperialista em Roma apresenta


características que o diferenciam profundamente do imperialismo ateniense,
em termos das origens e conseqüências da expansão, de seus ritmos e
periodização. Mas, acima de tudo, a expansão romana é um fenômeno de
longa duração, que se estende da monarquia etrusca, nos séculos Vil-VI a.C.,
até um momento imprecisável no Baixo Império, quando a distinção centro—
periferia muda de natureza. Trata-se, portanto, de quase um milênio de
expansão militar e de domínio de outros Estados e povos por parte de Roma.
No período que se estende de 509 a.C., data tradicional da derrubada da
monarquia, até o principado de Augusto, Roma esteve constantemente em
guerra. Desse estado de guerra permanente é testemunha o ritual ligado ao
templo de Jano, divindade propiciatórja das partidas e retornos, e cujas portas
se abriam ritualmente ao início de cada guerra. Durante todo o período
republicano, tais portas se fecharam apenas uma vez, em 202 a.C., para serem
reabertas logo em seguida, quando Roma venceu a segunda guerra púnica.
Esse estado de guerra co ttnte exigiu uma mobilização popular sem
precedentes na história das cidades antigas, tanto na freqüência do chamado
às armas quanto na duração dos períodos de mobilização, que aos poucos foi
se ampliando, quando as conquistas se tornaram mais difíceis e distantes.
Durante o século II a.C., quando Roma expandiu seu poder por toda a bacia do
Mediterrâneo, estima-se que ao menos l0Vo da população masculina adulta
estivesse em serviço a cada ano (cerca de 130 mil soldados), cada soldado
servindo, em média, seis anos no exército. Uma mobilização de tal
envergadura provocou uma acentuada militarização da sociedade romana e
teve profundas conseqüências políticas e econômicas, como veremos.

Imperialismo defensivo?

Essa importância da guerra e da expansão na história da Roma


republicana fez da problemática do imperialismo romano um dos temas
centrais da investigação histórica sobre Roma, fundamental para se
compreender sua história interna e a formação de seu império. Dessa atenção
derivou um intenso debate, entre os historiadores, sobre as causas,
motivações, natureza e conseqüências do imperialismo romano. Parte
ponderável da bibliografia a respeito considera que a expansão romana foi o
resultado natural e inesperado de guerras defensivas, nas quais Roma se
envolveu contra a vontade, entrando na posse de territórios que não queria
dominar. Não é fácil efetuar um balanço crítico dessas posições, tendo em vista
que se referem, em geral, a momentos específicos• da expansão romana,
como as guerras púnicas ou a conquista do Oriente.

21
Alguns autores, como P. Veyne, descartam o uso do conceito de
imperialismo no caso romano, afirmando que a expansão foi imotivada e quase
involuntária, na medida em que o senado romano nunca buscou
conscientemente a hegemonia (com exceção da segunda guerra macedônica,
em 200 a.C). A prova estaria na recusa romana em anexar os territórios
conquistados, contentando-se em estabelecer protetorados ou em “finlandizar”
os povos submetidos Já no século passado, T. Mommsen defendia a idéia de
uma expansão involuntária e defensiva de Roma, que se teria limitado a
responder às agressões externas e a preveni-las.
E na conquista da Grécia helenística, em particular, que os defensores
da tese do imperialismo “preventivo” ou “defensivo” concentram sua atenção.
Segundo M. Holleaux, a intervenção romana na Grécia derivaria da ingenujda
do senado romano, manipulado pelos embaixadores gregos, de seu medo de
Antioco e de Felipe e de um sincero filo-helenismo, manifesto na sua
determinação em libertar a Grécia do jugo macedônico. Tal tese é seguida por
H. Scullard, que identifica em Roma um genuíno interesse pelo bem-estar da
Grécia. T. Frank, que aceita o motivo de ajuda desinteressada aos gregos no
surgimento desse conflito, ressalta também elementos Político-ideológicos
como a ânsia de glória, fama e dignidade por parte da aristocracia romana.
É freqüente, igualmente, encontrarmos uma distinção entre um primeiro
momento, “defensivo”, do imperialismo romano e uma etapa expansionista e
agressiva, cujo início se coloca, segundo a periodização adotada e o ponto de
vista de cada autor, na primeira guerra púnica, quando Roma se aventura pela
primeira vez fora da Itália, na segunda guerra com Cartago (é a tese de J.
Carcopino) ou no curso do século II a.C., seja nas campanhas orientais
(segundo De Sanctis), seja no episódio da destruição de Cartago e Corinto, em
146 a.C.
Apesar das diferenças que observamos entre os defensores do
imperialismo “involuntário e defensivo”, baseiam-se todos em alguns
pressupostos comuns sobre a natureza da expansão romana e suas causas.
Em primeiro lugar há uma ênfase quase absoluta em fatores polfticos (ou
mesmo psicológicos) e a tendência a negar qualquer fator econômico
subjacente à expansão (segundo T. Frank, Scullard, M. Holleaux etc.) ou a
localizar uma influência de tais fatores apenas a partir de certo momento (de
acordo com De Sanctis e G. Colin). Outro elemento comum é uma maior
atenção às determinações externas da expansão — pressão de outros povos,
alianças, necessidades defensivas —‘ em contraposição às circunstâncias
internas desse processo, em termos de luta de classes, pressão demográfica,
divergências entre facções etc.
A noção de “guerra defensiva”, por outro lado, deriva em parte de uma
leitura acrítica de determinadas fontes (em especial Tito Lívio) e da aceitação,
como realidade de fato, da auto-representação ideológica, de cunho religioso,
que os romanos elaboraram nas etapas iniciais da expansão. Na Roma
primitiva, com efeito, e ao menos até meados do século 111 a.C., a guerra em
Roma revestia-se de um profundo caráter religioso. A declaração de guerra
envolvia um complexo ritual, executado por um colégio de sacerdotes,
denominados feciais, e implicava sempre a noção de guerra justa, ou seja, a
guerra como reparação de uma injustiça ou dano cometido contra o povo
romano. Antes de qualquer ato de guerra, os feciais deviam, segundo o ritual,
pedir satisfações (res repetere), reclamar as injúrias sofridas (clarigatio) e, em

22
caso de não atendimento, declarar a guerra, atirando uma lança
ensangüentada em território inimigo. Vencida a guerra, os adversários batidos
deviam entregar-se à discrição, tanto pessoas como bens (deditio), e
estabelecer um tratado (foedus), pelo qual se colocavam sob a proteção de
Roma (uenire in fidem). Essa aliança, efetuada por meio dos feciais, era
consagrada com o sacrifício de um porco, invocando-se a vigilância de Júpiter
para seu cumprimento (para o ritual dos feciais veja-se TIT0 Livio, História de
Roma desde afundação da cidade, 1, 24).
Podemos, portanto, afirmar que a guerra na Roma primitiva envolvia
aspectos religiosos importantes, na forma de tratar o estrangeiro ou inimigo e,
ao menos no que diz respeito às relações entre os homens e o mundo divino,
devia ser apresentada como uma reparação, como a recuperação de algo
perdido e, não, como uma conquista ou saque objetivando um ganho
consciente e imotivado. Contudo, embora tal formulação religiosa deva ter
influenciado o processo de expansão romana, devemos considerar que
representa tão somente uma das elaborações ideológicas envolvendo tal
processo, que preserva traços bastante arcaicos, devidos à sua inserção na
esfera do sagrado. Não podemos descartar, dessa forma, a elaboração
paralela de explicações leigas ou políticas para a atividade expansionista, que
surgiam e eram utilizadas nos debates e choques internos que precediam a
declaração de uma guerra. Quando dispomos de fontes romanas
contemporâneas, a partir do século 11 a.C., observamos uma elaboração leiga
que, sem dispensar a noção de guerra justa, não centra nela sua atenção: para
os autores do final da república, a expansão se explicava, entre outros fatorés,
por uma vocação divina de Roma (cf. VJR;ILIO, Eneida, 1, 279), pela “paz” e
segurança trazidas pelo império (cf. CiCERO, República, 1, 63) ou, mais
simplesmente, pela possibilidade de se obterem poder e ganhos materiais
elevados (cf. SALÚSTIO, Histórias, IV, 69; CÍCERO, Cartas a Áticv, IV, 16).
Além do fato de a representação religiosa, mesmo que eventualmente
predominante, não ser a única possível num mesmo momento, parece-nos que
o problema principal envolvido na noção de “guerra defensiva” reside na
adoção imediata, pelos autores modernos, de uma forma de representação
que, na sociedade romana, era mediada pelas relações sociais e políticas. Os
procedimentos envolvidos no direito fecial implicavam o estabelecimento de
relações desiguais entre vencidos e vencedores, vantajosas para estes últimos.
Qualquer que fosse a motivação consciente da guerra, portanto, ou a forma de
representar/justificar seu início, a vitória acarretava a obtenção de bens
materiais (presas de guerra, territórios, escravos e soldados), além de poderio
político (glória para os chefes, alianças com aristocracias locais). Estes
deveriam ser administrados e distribuídos entre os vencedores, seguindo os
percursos de sua própria estrutura política e econômica. É, assim, absurdo
supor que conseqüências de tal entidade, advindas de uma vitória, não
entrassem nas considerações sobre o início de uma determinada campanha.

Imperialismo e economia

Por outro lado, são igualmente inconvincentes as tentativas de explicar a


expansão romana a partir de causas unicamente econômicas, por vezes
conferindo à sua economia um caráter “moderno”, com características
próximas àquelas do imperialismo contemporâneo. Fatores mercantis

23
influenciaram, sem dúvida, o processo de expansão romana, sobretudo a partir
do século II, mas não nos termos em que aparecem atualmente, nem
tampouco, com a possível exceção de algumas guerras localizadas,
constituindo-se no único elemento em jogo no desenvolvimento do
imperialismo romano. Como afirmamos no primeiro capítulo, os fatores políticos
e econômicos são inextrincáveis no estudo do imperialismo antigo. Se a
expansão militar ocasiona um diferencial de poder entre Estados ou povos,
esse poder não é uma categoria abstrata (como uma “vontade de poder”, visto
como poder em si), mas se define sempre para alguma coisa, ou seja, tendo
em vista objetivos delimitados. Além disso, implica uma dupla relação de poder.
Uma primeira, que define um centro (expansionista) e uma periferia
(submetida) e que permite um fluxo centrípeto de bens, materiais ou não,
necessários à metrópole. E uma segunda, igualmente fundamental, que se
estabelece internamente, a partir da própria estrutura de poder da cidade
imperialista, tendo em vista a delimitação dos objetivos da expansão (o que se
visa obter) e de sua distribuição (como distribuir seus frutos). Essa estrutura de
poder, por sua parte, remete à estrutura econômica da cidade-Estado, às
diferenças de acesso à terra entre ricos e pobres e, portanto, está ligada ao
equilíbrio político resultante da luta de classes em seu interior.

As fases da expansão

O processo de expansão romana pode ser dividido em período distintos,


que representam ritmos diferentes de conquista e retração, uma organização
diversa do poder interna e externamente, afetando os objetivos e
conseqüências do imperialismo, em concomitância com as transformações que
ocorrem na estrutura econômica da metrópole. São múltiplas as maneiras de
se periodizar e definir momentos distintos no processo expansionista de Roma,
conforme se confira maior importância a uma ou outra das variáveis em jogo.
Diodoro da Sicília, por exemplo, que escrevia no século 1 a.C., diferenciava
claramente duas etapas no imperialismo romano, definidas pelo tipo de
tratamento dado aos vencidos:

Os romanos, quando decidiram aspirar ao domínio do mundo,


conquistaram o império com o valor de suas armas, mas, para seu próprio
benefício, trataram com benignidade os povos vencidos. Afastaram-se tanto da
crueldade e do espírito de vingança contra os vencidos que pareciam
comportar-se não como inimigos, mas como benfeitores e amigos (...) a uns
cederam a cidadania, a outros o direito de matrimônio, a alguns deixaram a
autonomia, e a ninguém mostraram mais rancor do que era necessário (...).
Contudo, tendo assegurado o domínio de todo o mundo, quiseram torná-lo
mais estável por meio do terror e da destruição das cidades mais eminentes.
Com efeito, destruíram completamente Corinto (em 146 a.C.), erradicaram a
potência macedônica, arrasaram Cartago (em 146 a.C.) e, na Celtibéria,
Numância (em 133 a.C.), aterrorizando muitos povos.
(Bibliotheca historica, XXXII, 4)

Salústio, que, ao contrário de Diodoro, preocupa-se com os efeitos


internos do imperialismo romano, também considera esse período, em

24
particular após a destruição de Cartago, como uma nova fase do poder imperial
de Roma, mas por motivos diferentes:
Além disso, as lutas entre o partido popular e as classes dirigentes,
causa de todos os males que se seguiram, haviam surgido poucos anos antes
em Roma, resultantes do ócio e da fartura, os bens mais estimados pelos
homens. Pois antes da destruição de Cartago, o povo e o senado romano
administravam conjuntamente a república com placidez e moderação. Nem a
glória, nem o poder geravam disputas entre os cidadãos, pois o medo do
inimigo mantinha a cidade no bom caminho.
(Guerra de Jugurta, XLI, 1-2)

A moderna bibliografia distingue também fases diferentes no


desenvolvimento do imperialismo romano, definindo sejam alterações políticas
em sua condução e organização, sejam transformações econômicas — no
sistema produtivo romano ou nos objetivos da expansão — ou ainda mudanças
de mentalidade no seio da classe dirigente. Como marcos importantes são
mencionados, com freqüência, acontecimentos como a primeira guerra púnica,
em 264 a.C., quando a expansão ultrapassa os limites da Itália, rompendo com
o antigo sistema de alianças no tratamento dos territórios conquistados (Sicília
e Sardenha); a segunda guerra púnica, que transformou Roma em uma grande
potência mediterrânea, pondo-a em contato com os remos helenísticos;
diversos episódios da expansão romana no século II a.C., tanto no Ocidente
como no Oriente, considerados indicativos de alterações significativas na
condução do imperialismo romano (por exemplo, a segunda e terceira guerras
macedônicas, as campanhas na Espanha, a destruição de Cartago e Corinto).
M. Finley (1978, p. 62-3) propõe uma periodização da expansão romana
em três fases, caracterizadas pelo sistema de organização das conquistas e
pelo tipo de vantagens advindas da ação imperjalista: um primeiro período,
marcado pela conquista da Itália central e meridional, que produziu presas de
guerra e grandes extensões de terra confiscadas, além do reforço militar
proveniente da inserção, no exército romano, de soldados recrutados entre os
povos itálicos; da guerra com Cartago até o fim da república deu-se a formação
do sistema provincial, gerando um grande aumento das presas de guerra e
taxas regulares das províncias; durante o principado, apax romana reduziu
enormemente as presas de guerra, mas as taxas e requisições provinciais
aumentaram constantemente.
Embora tal esquema tenha virtudes em sua economia e simplicidade, e
conquanto se possa concordar, em linhas gerais, com os balizamentos
cronológicos adotados, esses critérios parecem-nos insuficientes para
caracterizar os diferentes momentos da expansão romana. Em outras palavras,
não permitem observar, com a riqueza necessária, a diferente natureza do
imperialismo romano em suas fases. Para tanto, é necessário levar em conta
os elementos estruturais internos, a organização da economia e do sistema
político, para que se possa compreender as causas e motivações da expansão
e as formas de sua organização. Por outro lado, como veremos, o diferencial
de poder entre Roma e sua periferia, bem como o afluxo de riquezas que
proporcionou, levaram à transformação das condições internas da própria
metrópole.
Podemos distinguir dois períodos no imperialismo romano,
essencialmente diversos em sua natureza, suas causas, motivações e

25
conseqüências. Tal distinção, a nosso ver, origina-se da especificidade das
relações econômicas e políticas em Roma nos dois momentos. A expansão da
Roma monárquica e republicana, até o século III a.C., foi realizada por uma
sociedade essencialmente camponesa, na qual os cidadãos se definiam pela
propriedade de lotes de terra, em geral de pequena extensão, que eram
cultivados pelo proprietário e sua família ou, no caso das famílias aristocráticas,
por trabalhadores dependentes, ligados à classe dominante por laços de
clientela. As unidades produtivas tendiam, assim, a ser autárquicas, e a
produção destinava-se, fundamentalmente, ao consumo direto do próprio
produtor e de seus dependentes. Tratava-se, portanto, de uma economia
voltada para a produção de valores de uso, na qual o mercado e as trocas
eram subsidiários no conjunto das atividades produtivas. Os conflitos sociais
envolviam a luta pela terra e pela abolição das dívidas (que submetiam os
pequenos camponeses à aristocracia) e, em termos políticos, pela igualdade
civil e jurídica e pelo acesso às magistraturas.
No curso do século III a.C. e, com maior intensidade, a partir da segunda
guerra púnica, desenvolve-se em Roma a produção mercantil, baseada na
utilização de mão-de-obra escrava em larga escala. O desenvolvimento, pela
primeira vez no Mundo Antigo, do modo de produção escravista como sistema
produtivo dominante foi possibilitado e favorecido pela expansão imperialista
anterior, que propiciara a acumulação de recursos — em bens materiais, terras
e escravos — em grande quantidade e sua inversão numa forma de produção
(a fazenda ou vilia escravista) voltada à produção de bens agrícolas para
venda num mercado em expansão. Por outro lado, essa vasta transformação
econômica alterou profundamente a dinâmica e a própria natureza do
imperialismo romano, na utilização e distribuição dos recursos e na forma de
organizar e administrar as conquistas.
Esse fato é observável não apenas no tratamento dado aos vencidos e
na forma como o poder é exercido sobre os mesmos, mas igualmente nas
disputas políticas em Roma, onde alterações na estrutura social levariam a
uma agudização dos conflitos, no final da república, pela distribuição dos
benefícios do poder imperial. Contudo, a característica mais original desse
período, se tomar-mos o conjunto dos imperialismos antigos, é a capacidade
de o imperialismo romano alterar a estrutura econômica das regiões
subjugadas e, em grande medida, integrá-las à sua própria economia, mercantil
e escravista. Nesse sentido, o estabelecimento do principado agirá sobretudo
na esfera da superestrutura política, mediando e regulando as relações entre
as classes no interior da metrópole e organizando um sistema de exploração
das províncias, sob o signo da paz romana, condizente com as dimensões
territoriais do império romano.

26
5
Os inícios do
imperialismo romano
As fases iniciais da expansão romana, após o estabelecimento da
república, são conhecidas apenas através da tradição posterior, em particular
por meio de autores como Tito Lívio e Diodoro da Sicília, que escreveram no
século 1 a. C. A reconstrução dos eventos e, para além deles, da dinâmica do
imperialismo nessas etapas recuadas só pode ser tentada através de uma
avaliação crftica das informações contidas nessas fontes, com base nos
modelos desenvolvidos sobre a estruturação social e o funcionamento da
economia romana nessa época. Além dos relatos legendários, dos recursos
estilísticos (como os discursos) e das limitações impostas pela visão própria
que nossas fontes tinham dos períodos iniciais da expansão romana, vemo-nos
freqüentemente diante de reconstruções anacrônicas, que projetam no
passado de Roma episódios da história posterior, dos eventos e conflitos que
marcaram o fim da república. Tais elementos impregnam as evidências
disponíveis, dificultando a análise das causas e objetivos da expansão romana
em seus inícios.

Terra e expansão

Um dos elementos determinantes dessa expansão parece ter sido a


busca de terras cultiváveis, observável nas lutas internas em Roma e nos
recursos obtidos com as conquistas. As lutas sociais na Roma arcaica são
geralmente encaradas por seu ângulo político, centrando-se na disputa entre
patrícios e plebeus pela divisão do poder na cidade e pelas sucessivas vitórias
da plebe: tribunado, redação das leis, participação nas magistraturas civis e
religiosas. Mas reveste-se, igualmente, de um forte componente econômico,
opondo não apenas patrícios e plebeus, mas ricos e pobres. Aí se enquadram
a luta pela abolição da escravidão por dívidas e do nexum, bem como as 22
leis agrárias mencionadas pela tradição entre 486 e 367 a.C.
A forma como eram tratadas as cidades submetidas relaciona-se
intimamente com a questão da terra. Ao contrário do que podemos observar,
por exemplo, no imperialismo ateniense, as áreas progressivamente anexadas
por Roma eram integradas em seu sistema político e seus habitantes
admitidos, em maior ou menor grau, na cidadania romana. Isso ocorria no
quadro de uma complexa escala de relações, indo da preservação da
autonomia municipal, com a integração ao direito público e privado romano
(direito de votar e ser eleito, de comércio e matrimônio), até formas
intermediárias: cidades aliadas, cidades que recebiam apenas o direito privado,
colônias de direito latino e romano e áreas que perdiam a capacidade de
autogoverno, sendo administradas por magistrados romanos. Por outro lado,
Roma expropriava parte das terras nas regiões conquistadas pela força ou que
se haviam rebelado, apropriando-se de uma extensão variável de seu território
(entre 1/3 e 2/3). Tais terras constituíam, provavelmente, o principal aporte
material da conquista e eram integradas à propriedade pública do Estado

27
romano como ager publicus (terras públicas). A ampliação do ager publicus
tornou-se, assim, um dos principais resultados da expansão romana e o foco
das lutas políticas travadas em torno da distribuição de seus benefícios em
Roma.

Terras públicas e conflito agrário

A terra anexada, que se tornava propriedade do Estado, era distribuída


aos cidadãos segundo diferentes modalidades de assignação. Uma parte
considerável era destinada à fundação de colônias, que funcionavam como
postos avançados do domínio romano, controlando regiões hostis e agindo
como válvula de escape para as pressões pela terra em Roma e nas cidades
aliadas. Até meados do século IV a.C. a expansão foi, em grande medida, um
feito da Liga Latina, que congregava as cidades do Lácio — incluindo Roma,
ainda que em posição hegemônica e por vezes hostil frente aos aliados (cf.
HEURGON, J. Roma y ei Mediterráneo occidental. Barcelona, Labor, 1976. p.
202-5). Com efeito, o comando do exército e as decisões sobre o processo de
expansão eram tomados em conjunto (iussu nominis latim) e as colônias
fundadas no território conquistado eram “latinas”, de cuja formação tomavam
parte cidadãos romanos e habitantes de outras cidades do Lácio.
Após a dissolução da Liga Latina, por volta de 340 a.C., prosseguiu a
fundação de colônias, diferenciadas em dois tipos: umas, de caráter
essencialmente militar, eram colônias de cidadãos romanos, cujos colonos
preservavam a cidadania romana. Eram formadas por grupos pequenos, de
trezentos soldados, que recebiam lotes de terra de extensão reduzida e em
território hostil. Outras eram instaladas na costa (Antium, Terracina), um indício
de que a política expansionista romana, já nessa época, não se limitava à
conquista territorial, mas possuía interesses marítimos. Por outro lado, Roma
continuou a fundação de colônias latinas, com contingentes mistos (romanos e
latinos) que podiam atingir seis mil colonos. Estes recebiam lotes de terra
variáveis, em geral muito pequenos. Além de atenderem a objetivos
defensivos, essas fundações tinham um claro escopo colonizador, distribuindo
a terra conquistada entre a população camponesa de Roma e de seus aliados
e reproduzindo, nas colônias, a economia de subsistência, centrada na
pequena propriedade camponesa, que era característica de Roma nesse
período, As quarenta colônias fundadas entre 338 a 218 a. C., implicando o
deslocamento físico de uma população entre cem e 250 mil pessoas, dão uma
idéia da importância da colonização como fenômeno político e econômico na
Itália arcaica.
A fundação de colônias não era o único destino dado ao terreno público
conquistado. Este podia ser distribuído à população individualmente, como
parte do próprio território de Roma. Os exemplos de tais assignações são raros
na Roma arcaica. O mais famoso e importante está ligado à conquista da
cidade etrusca de Veios, com quem Roma travou uma longa guerra e cujos
amplos territórios foram confiscados em sua totalidade. As terras da cidade,
transformadas em agerpublicus, foram posteriormente repartidas em lotes de
sete íugera e distribuídas à população de Roma, como resultado de uma
intensa agitação social na cidade. Tal forma de repartição, cujo caráter social é
evidente, enfrentava, por vezes, a oposição da aristocracia e do senado.
Assim, a proposta de distribuição das terras conquistadas aos gauleses no

28
norte da Itália (ager gaiicus) pelo tribuno Caio Famínio, no final do período que
estamos considerando, foi violentamente combatida pelo senado, que, pela
primeira vez, perdia o controle sobre a distribuição dos benefícios da expansão.
Políbio, historiador grego do século II a.C., viu nessa derrota o início de uma
longa crise política em Roma: foi para os romanos a origem do pervertimento
do povo.
A maior parte do ager publicus, contudo, permanecia indivisa e era
ocupada por aqueles que possuíam os meios para cultivá-lo, mediante o
pagamento de uma taxa para o Estado. Tais terras eram, por vezes, deixadas
aos habitantes originais, dos quais se obtinha assim uma renda, mas, em geral,
acabavam nas mãos da aristocracia fundiária romana (até o século IV a.C., o
patriciado), que aí encontrava uma forma de estender suas propriedades e de
aumentar sua riqueza.
Ao contrário das assignações a camponeses, a ocupação do ager
publicus pela aristocracia não levava, necessariamente, a um grande
deslocamento populacional, pois ela cultivava os lotes ocupados por meio de
seus dependentes ou utilizando-se da mão-de-obra local. Tais lotes, além de
mais extensos que os pequenos terrenos distribuídos à população pobre,
localizavam-se longe de Roma e se repartiam por vários territórios. Assim, sua
ocupação por uma aristocracia cada vez mais urbana, que não os geria
diretamente, visando tão-somente a obtenção de uma renda agrícola,
representaria um passo importante na transformação da economia camponesa,
essencialmente familiar e autárquica, em direção ao modo de produção
escravista e à economia mercantil.

As leis agrárias

A distribuição dos territórios confiscados, nas suas várias formas


possíveis, provocou uma longa série de lutas sociais em Roma, materializada
nas várias leis agrárias do período, transmitidas pela tradição. Destas, a mais
antiga é a proposta de lei agrária de Espúrio Cássio (na primeira metade do
século V a.C.), que visava distribuir à plebe e aos latinos as terras tomadas aos
Érnicos no Lácio (cf. TIT0 Lívio, II, 41; DioDoRo, VIII, 69). Apesar dos
anacronismos presentes nesses relatos, pode-se observar, na legislação
agrária, uma certa correlação entre as lutas políticas, opondo patrícios e
plebeus, e aquelas econômicas, pela posse da terra. Essa associação é mais
compreensível ao sabermos que a estrutura política era o instrumento principal
pelo qual se determinavam os objetivos da expansão e se distribuíam seus
resultados.
A partir de 424 a.C. ocorre uma nova concentração de leis agrárias e
agitações, correspondendo à aquisição de novos territórios, como Fidenae.
Contudo, no início do século IV a.C., tais agitações parecem cessar por mais
de um século, o que pode ser atribuído a dois fatores: em primeiro lugar, à
conquista da igualdade política entre patrícios e plebeus, que desfez a aliança
entre plebeus ricos e pobres; além disso, a conquista de Veios, em 396 a.C.,
com seu amplo e fértil território, deve ter contribuído para o esvaziamento das
tensões sociais em Roma por um longo período.
Numa sociedade essencialmente camponesa, como a romana arcaica,
não é difícil entender a centralidade da questão da terra na expansão imperial.
Para tanto, não é necessário propugnar como causa um suposto exaurimento

29
das terras aráveis (como faz T. Frank). Fatores mais importantes foram, sem
dúvida, uma forte pressão demográfica e uma estrutura agrária que distribuía
desigualmente o acesso à terra. Enquanto a aristocracia dispunha de vários
lotes de terra, relativamente grandes e espalhados por um amplo território
(graças à ocupação do agerpublicus), a família camponesa depositava todas as
suas esperanças em uma única unidade produtiva, em geral de reduzida
dimensão. Deve-se ressaltar, ainda, o baixo nível tecnológico da agricultura,
que expunha os camponeses a graves crises sazonais, quando a produção não
atingia o montante necessário à reprodução do próprio núcleo familiar. Daí
advinham a fome, o endividamento e a conseqüente perda da propriedade e
sujeição às famiias ricas, cujas propriedades eram menos susceptíveis aos
efeitos de uma crise.

Imperialismo e luta política

Se é possível identificar na busca de terras um dos móveis fundamentais


da expansão romana no período, não é clara a maneira como essa
necessidade era mediada e expressa politicamente. E necessário, portanto,
analisar em maior detalhe as formas de controle político do processo de
expansão e os conflitos associados ao mesmo. Apesar da existência de duas
assembléias e da participação popular na eleição dos magistrados e na
aprovação das leis, a estrutura política romana preservou sempre um nítido
caráter oligárquico, manifesto na hegemonia exercida pelo senado — que era
vitalício — na condução política do Estado. Isso não significa, entretanto, que a
população pobre estivesse excluída do processo político ou que não
dispusesse de instrumentos de pressão para o atendimento de suas
reivindicações, desde ações radicais — como as várias secessões da plebe —
até o apoio a candidatos que sustentassem uma plataforma de seu interesse.
No que diz respeito, especificamente, ao processo de expansão, ou seja, à
tomada de decisões sobre determinada guerra e à administração de seus
resultados, o poder repartia-se desigualmente entre o senado, os magistrados
superiores, também membros do senado, encarregados do comando das
operações de guerra, e os comícios por centúria, que, na Roma arcaica, eram
responsáveis pela aprovação das declarações de guerra — sob proposta do
senado — e pela aprovação de leis (como as leis agrárias) relativas a seu
resultado.
Essa estrutura política deixava ampla margem de controle e decisão nas
mãos da oligarquia senatorial. Tal controle, por sua vez, era ressaltado pelas
características de funcionamento das duas assembléias populares em Roma:
por centúrias e por tribos. As assembléias da plebe, de caráter mais
democrático, reuniam toda a cidadania (excetuando-se os patrícios), que
votava por tribos, independentemente da riqueza pessoal dos participanteS. No
entanto, os votos não eram computados individualmente, mas por tribos, e as
decisões da assembléia (os plebiscita) não tinham, até o século III a.C., valor
de lei para o conjunto da sociedade, sendo aplicáveis apenas aos próprios
plebeus. Mais importantes, na república antiga, eram as assembléias por
centúrias, que representavam o povo em armas e nas quais o voto era
segmentado em centúrias (originariamente batalhões de soldados), distribuídas
segundo a riqueza individual dos soldados. Assim, de um total de 193
centúrias, 98 eram reservadas às classes mais ricas, que votavam em primeiro

30
lugar, enquanto os cidadãos mais pobres (os proletaril), que não atingiam um
censo pecuniário mínimo e não participavam do exército, votavam em uma
única centúria. Era a assembléia centunada que elegia os magistrados e
aprovava declarações de guerra, deixando uma grande margem de controle
nas mãos dos ricos.
Tendo em vista o domínio exercido pela aristocracia fundiária no
comando da expansão, como entender que a busca de terras constituísse um
dos fatores por trás do imperialismo romano e uma válvula de escape das
tensões sociais? De que maneira os romanos sem terra, cuja participação no
sistema político era insignificante, poderiam influenciar na condução e
delimitação dos objetivos da guerra? Por outro lado, é possível supor que o
exército romano, formado por camponeses que já possuíam um lote de terra,
fizesse guerra tendo em vista os interesses daqueles que nem mesmo eram
recrutados?
Para responder a tais questões é necessário admitir que a resolução das
tensões sociais não era um dos objetivos explícitos da expansão, mas o
resultado, seja da maior disponibilidade de terras, seja das lutas internas na
própria Roma. Os benefícios da conquista, portanto, podiam levar, num
primeiro momento, à agudização dos conflitos e, não, à sua solução. A
aristocracia fundiária tinha na expansão uma forma de ampliar seu próprio
poder, adquirindo glória e prestígio militar, estabelecendo alianças com as
aristocracias dos Estados aliados, fortalecendo o exército com os contingentes
provindos destes últimos. No tocante às terras confiscadas, sua principal
preocupação residia no aumento de suas propriedades através da ocupação do
ager publicus. Já para a massa camponesa plebéia, que possuía pequenos
lotes de terra cultivados pela própria família, tais terras representavam a
possibilidade de aliviar os efeitos da pressão demográfica, evitando a
excessiva fragmentação de suas propriedades por herança ou dote. Não se
tratava, portanto, da multiplicação dos lotes de uma mesma família, como no
caso da aristocracia, mas da multiplicação das unidades familiares. Por outro
lado, a participação no exército oferecia a oportunidade de adquirir presas de
guerra, em especial gado e outros bens móveis. Para os proletarii, que nessa
época constituíam, provavelmente, um contingente minoritário da população —
mas que se ampliará constantemente até o século 1 a.C. —, essas terras
representavam a possibilidade de acesso ao meio básico de produção, com
conseqüente elevação de seu status social e de sua participação política.
Também os interesses dos aliados, que participavam no esforço militar
romano, deviam ser levados em consideração. Em primeiro lugar, porque a
expansão romana até o século IV a.C. foi, como dissemos, em grande parte
uma ação conjunta da Liga Latina. Além deste fator, entretanto, o imperialismo
romano implicava uma integração progressiva das áreas conquistadas à sua
estrutura política, baseando-se numa aliança entre grupos aristocráticos com
objetivos comuns. Se a conquista romana representava a perda de bens
materiais e da autonomia política dos vencidos, possibilitava que as camadas
dominantes destes últimos preservassem sua autonomia frente à plebe,
baseando-se no imenso poderio militar de Roma. Esta, por sua vez, integrava a
seus interesses expansionistas aqueles dos aliados, fossem comerciais —
como na defesã dos comerciantes itálicos, em particular após a conquista da
Magna Grécia —, políticos ou sociais (na distribuição de terras).

31
Os interesses de todos esses grupos achavam-se, de certa forma,
conjugados na fundação de colônias, em especial aquelas de direito latino.
Como vimos, contudo, os lotes repartidos eram de extensão muito reduzida,
localizados em região hostil e distante de Roma, fazendo com que seus
colonos perdessem seus direitos polfticos de cidadão romano. Além disso,
devemos admitir que a oligarquia reservava para si as melhores terras (em
fertilidade e proximidade de Roma). Esses fatores explicam uma certa
resistência, por parte dos plebeus pobres, em aceitar a emigração para essas
colônias, fossem romanas ou latinas, ou seu abandono logo após a fundação
(cf. TIT0 Lívio, X, 21).
A pressão popular se exercia, portanto, no sentido de se distribuírem,
individualmente, as terras mais férteis e próximas a Roma, sem a criação de
colônias. Essa forma de repartição chocou-se com uma forte oposição
senatorial todas as vezes em que foi proposta, como na já citada distribuição
das terras de Veios ou naquela que foi a primeira tentativa de assignação
individual, a lei agrária de Espúrio Cássio (data tradicional, 486 a.C.), cujas
vicissitudes nos são descritas por várias fontes posteriores. O relato de Tito
Lívio, apesar de certos anacronismos, permite-nos ter uma idéia das
aspirações e conflitos envolvidos:

No ano seguinte (486), no consulado de Espúrio Cássio e Próculo


Vergino, foi feito um tratado de paz com os Érnicos, incluindo-se em seus
termos O Confisco de 2/3 de seu território. O cônsul Cássio propôs entregar
metade dessa terra aos latinos e metade á plebe romana, e estava ansioso
para, se possível, aumentar essa doação pela distribuição de outras parcelas
de agerpublícus mantidas ilegalmente em mãos privadas. Os homens que as
ocupavam — em grande número — ficaram alarmados com a ameaça a seus
interesses, enquanto a nobreza como um todo preocupava-se com o aspecto
político da questão (...). Esta foi a primeira vez que se apresentou uma
proposta de lei agrária perante o senado, e desde então todas as propostas
nesse sentido causaram sérios distúrbios. O outro cônsul, Vergino, opôs-se à
entrega das terras, no que foi apoiado pelo senado.
(TI, 41)

As agitações populares em torno da distribuição de terras estenderam-


se por todo o século IV a.C., culminando
na tomada de Veios em 396 a.C., cujas terras, como já foi observado,
permitiram aliviar a pressão popular por um certo período. Os embates em
Roma, quando da declaração de guerra a Veios, permitem avaliar como o
serviço militar, a distribuição dos benefícios da guerra e a repartição do poder
político eram temas intimamente ligados na Roma arcaica:

O senado romano instruiu os tribunos militares para que pedissem o


consentimento do povo, o mais rápido possível, para a declaração de guerra
(contra Veios). O resultado foi uma onda de protestos (...). Os tribunos da
plebe incitavam o descontentamento geral, afirmando que o verdadeiro inimigo
contra o qual lutava o senado não era Veios, ou qualquer outro Estado
estrangeiro, mas a plebe romana. O senado, diziam, atormentava
deliberadamente os plebeus com o serviço militar e cortava-lhes as gargantas
sempre que podia, mantendoos ocupados em regiões estrangeiras, com receio

32
de que, se gozassem de uma vida pacífica em casa, começassem a pensar em
coisas proibidas — liberdade, terras próprias para cultivar, a divisão das terras
públicas, o direito de votar segundo sua vontade.
(TIT0 Livio, IV, 58)

Características da expansão inicial

Do exposto neste capítulo, podemos extrair algumas conclusões sobre


as características essenciais dessa primeira fase do imperialismo romano,
confrontando-o com o império de Atenas no século V a.C. Em primeiro lugar, a
questão da terra é fundamental em ambos os processos de expansão. Além
disso, tanto em Atenas como em Roma essa questão nunca se colocava em
termos de crítica à estrutura agrária da própria metrópole — ou seja, visando à
repartição das propriedades da camada dominante —, e sim quanto à
repartição dos territórios conquistados. Contudo, enquanto essa distribuição,
era Atenas, ocorria por um processo pacífico, com a criação de clerúquias em
terras dos aliados, em Roma envolvia sempre um conflito acirrado entre a
oligarquia senatorial e a população pobre. Tal fato deriva, sem dúvida, da
diferente estrutura política das duas cidades, pois o demos ateniense possuía
instrumentos eficazes de poder para controlar a expansão e gerir seus
resultados. Em Roma, o controle das camadas dominantes era muito mais
forte, fazendo com que os benefícios da expansão se concentrassem nas mãos
da oligarquia. Daí também uma Oposição mais forte da população romana e
dos aliados frente ao recrutamento e ao serviço militar, que se fez presente em
diversos episódios da história arcaica de Roma, tornando-se mais premente no
século II a.C.
No tratamento aos vencidos, a posição de Atenas e de Roma distingue-
se profundamente. A Liga de Delos era formalmente uma aliança militar, mas
na prática seu contingente militar era quase exclusivamente ateniense. Atenas
apoiava-
-se nos grupos democráticos das cidades submetidas, influindo em seu
regime político, embora sem afetar sua autonomia local. De seu império,
Atenas assegurava o abastecimento da cidade em bens essenciais, arrecadava
um tributo ingente, com o qual pagava seu exército, distribuindo-o de formas
variadas entre a população. Roma, por sua vez, estabeleceu uma complexa
rede de alianças, baseando-se nas aristocracias locais, cujos interesses, a
nível externo, assumia como seus. Da conquista, Roma obtinha presas de
guerra que, sem terem a magnitude que atingiriam no século II a.C., eram por
vezes consideráveis (como em Veios). Além disso, apropriava-se de largas
extensões de terra, distribuídas nas formas que vimos acima, por vezes após
violentos conflitos internos.
Mas o tributo mais importante, para a continuidade e ampliação do
processo expansionista, era um tributo de sangue. Os soldados das cidades
vencidas passavam a fazer parte do exército romano, chegando mesmo a
compor sua maioria. Foram tais forças que permitiram a Roma estender suas
conquistas pelo Mediterrâneo. Por outro lado, o apoio prestado pelos aliados
não seria compreensível se estes não fossem, de certa forma, beneficiados
pela expansão. Obviamente que tais benefícios não eram unívocos e por vezes
ocorriam defecções. O apoio às aristocracias locais permitiu a manutenção de
regimes oligárquicos e conteve as pressões da população mais pobre entre os

33
vencidos, sobre a qual recaíam — ao contrário do que ocorria no império
ateniense — os encargos mais pesados da dominação. Além disso, essas
aristocracias participavam na distribuição das presas de guerra e na fundação
de colônias. A concessão da cidadania romana, que se ampliou no decorrer
desse período, permitia também uma maior integração de interesses, em
especial entre as camadas dominantes, amenizando a distinção entre centro e
periferia. Por fim, e em termos mais gerais, a dominação romana representava
a paz interna e o fim dos conflitos entre cidades, na medida em que todo o
esforço militar era concentrado para fora da área de dominação romana.
A expansão romana dos primeiros séculos da república assentou as
bases para as grandes transformações sociais econômicas que observamos a
partir de fins do século III a.C. A conquista da Itália propiciou a Roma
abundantes recursos materiais e humanos, colocando-a em contato com os
grandes remos helenísticos do Oriente e com as rotas comerciais que
cruzavam o Mediterrâneo. A unidade política italiana representou um incentivo
à integração econômica da península. Por outro lado, o afluxo de riquezas e
sua concentração nas mãos da aristocracia romana foi um fator fundamental
para a superação da antiga economia camponesa de auto-subsistência e sua
substituição pelo modo de produção escravista, com suas unidades produtivas
voltadas para a venda ao mercado, e que se instaurou nas propriedades da
oligarquia romana espalhadas pelo território italiano. Não é possível
estabelecer uma data fixa para essa transição, mas podemos observar seus
efeitos internos e externos já durante o século III a.C. e, com muito maior
intensidade, no século seguinte. Essa transformação, por sua vez, afetou
profundamente a dinâmica do próprio imperialismo romano, modificando a
organização das conquistas, os objetivos e resultados da expansão e as
formas de distribuição de seus benefícios em Roma.

34
6
Os últimos séculos da república
A organização das conquistas

No curso do século III a.C. completa-se a conquista da Itália apenínica.


Como vimos no capítulo anterior, Roma organizou os territórios anexados,
integrando-os, em diferentes níveis, ao seu próprio sistema político e ao
processo de expansão. As conquistas ultramarinas, que se iniciam em 264
a.C., com a primeira guerra púnica, e que estenderão o domínio romano por
toda a bacia mediterrânea, serão organizadas de forma diferente. Os territórios
anexados são, agora, agrupados em províncias — delimitadas
geograficamente — e integrados em um sistema regular de exploração. Ao
contrário dos procedimentos anteriores, quando se enfatizava o confisco de
terras, as alianças políticas e o suprimento de soldados, as províncias serão,
agora, essencialmente uma fonte de recursos regulares e fixos, obtidos pela
imposição de um tributo anual, pelo pagamento de indenizações de guerra ou
pela exploração de recursos naturais (como minas de ouro e prata), que se
tornam monopólio da metrópole.
O tipo de tributo exigido (em espécie ou moeda) e seu montante total
eram estabelecidos quando da organização da província, sendo específicos
para cada caso. O exemplo melhor conhecido é, sem dúvida, a Sicília, primeira
província romana, incorporada após a primeira guerra com Cartago. Graças a
alguns discursos de Cícero, dirigidos contra Verres, que fora governador da
Sicília, podemos conhecer com algum detalhe a organização tributária imposta
pelos romanos à ilha. Após a conquista, Roma determinou, às regiões que
tomara dos púnicos, o pagamento de um tributo em espécie, arrecadando,
anualmente, um décimo da produção de trigo — o principal produto da ilha.
Na exação desse tributo, os romanos utilizaram-se do sistema que
Siracusa havia empregado nas regiões da ilha sob seu domínio (a chamada lex
Hieronica). É importante ressaltar que, como acontecerá na organização
ulterior das províncias, o Estado romano não arrecadava diretamente o tributo,
mas adjudicava o direito de cobrança a particulares, através de leilões. Esse
sistema, empregado também na realização de obras públicas e em toda a
tributação estatal, levaria ao surgimento de um grupo social de grande
importância nas lutas sociais do fim da república — os publicanos —, cujo
desenvolvimento ligava-se, assim, ultimamente ao processo expansionista
romano.
Além do décimo da colheita, Roma arrecadava, por vezes, uma segunda
décima parte (altera decima), para suprir necessidades específicas do exército
ou da cidade, ou fazia requisições extraordinárias (frumentum imperatum),
pagas a preços abaixo do mercado. Tal sistema tributário em espécie ressalta
com clareza um dos aspectos centrais do imperialismo romano — seu caráter
importador, sobretudo de bens de primeira necessidade, para atender a uma
população crescente em Roma. Nesse contexto, o trigo era o principal produto
visado, e os romanos o procurariam primeiramente na Sicília, depois na África
do Norte e na Espanha e, por fim, no Egito. Segundo os próprios romanos, a
Sicília constituía-se, nessa época, no “armazém da república e nutriz de sua
plebe” (CICERO, Contra Verres, II, 2, 5).

35
Outras fontes de arrecadação eram o imposto alfandegário, cobrado nos
portos, e os rendimentos provenientes das minas, confiscadas e tornadas
propriedade estatal. Tais minas eram particularmente importantes na Espanha,
onde os romanos retomaram e ampliaram a exploração iniciada por Cartago. O
sistema empregado era semelhante àquele de arrecadação de tributos, isto é,
os direitos de exploração eram cedidos a particulares, que procediam à
extração do minério. Segundo Estrabão (Geographia, III, 2, 10), citando Políbio,
apenas nas minas de Nova Cartago trabalhavam quarenta mil pessoas,
representando um ingresso de 25 mil dracmas diárias para o Estado romano.
Também na Macedônia havia minas importantes, já exploradas antes da
conquista romana. Contudo, quando Roma se assenhorou definitivamente da
região, em meados do século II a.C., ordenou o fechamento dessas minas,
proibindo sua exploração por alguns anos. Mencionamos tal fato, pois ele é
freqüentemente apontado como prova da ausência de objetivos econômicos na
expansão (segundo T. Frank). Como o próprio Tito Lívio assevera (XLV, 18), no
entanto, essa decisão parece inserir-se no contexto dos choques internos entre
parte da aristocracia senatorial e os publicanos (que, como vimos, deveriam
arrendar os direitos de extração), conflito esse manifesto desde a censura de
Catão, em 184 a.C. (cf. TIT0 Livio, XXXIX, 44).
No último século da república, segundo Plutarco (Vida de Pompeu, 45),
a entrada total de recursos das províncias amontava a cerca de duzentos
milhões de sestércios, soma que teria se elevado, com a sistematização
promovida por Pompeu, a 340 milhões, o suficiente para garantir a subsistência
de dezenas de milhares de pessoas durante um ano. E isso antes da conquista
da Gália e do Egito, que representaram um notável aumento dos ingressos.
Além dos rendimertos regulares, o sistema de tributação punha em
funcionamento uma série de mecanismos de acumulação privada, que onerava
a carga das províncias. O arrendamento dos tributos e taxas aos publicanos,
aliado ao desinteresse do Estado pela exação direta, incentivavam uma
cobrança excessiva das populações submetidas. Onde se encontravam os
publicanos, nos diz Tito Lívio (XLV, 18), não havia direito público ou liberdade.
Essa atividade predatória era tolerada pelos próprios governadores romanos,
de extração senatorial: “Parece-me que queres saber como lido com os
publicanos. Tenho por eles um respeito sagrado, peço seu conselho, encho-os
de cumprimentos” (CÍCERO, Cartas a Ático, VI, 1, 6).
Os governadores, por sua vez, participavam do processo espoliatório
através do controle que exerciam da justiça e do poder militar. O cargo de
governador representava assim, para a aristocracia senatorial, a possibilidade
de aumentar extraordinariamente suas riquezas. Através dos discursos de
Cícero contra Verres, já mencionados, podemos ter uma idéia da extensão e
magnitude desse fenômeno.
Para fazer frente a essas exigências, as cidades submetidas eram
obrigadas a tomar dinheiro emprestado da própria aristocracia romana, o que
aumentava o fluxo de riquezas para esta, graças aos juros exorbitantes que
cobrava. Sua, por exemplo, durante suas campanhas orientais, impôs uma
contribuição de vinte mil talentos às cidades da Ásia. Com os juros sobre os
empréstimos que estas fizeram para pagá-la, a quantia devida sextuplicou,
atingindo 120 mil talentos (cf. PLUTARCO, Vida de Si/a, 25).
Em um artigo publicado em 1977 (Rome and the Greek world: economic
relationships. Economic History Review, Cumbria, Economic History Society,

36
30(1): 43-52, 1977), M. Crawford procurou demonstrar que grande parte do
tributo arrecadado por Roma no mundo grego permanecia no próprio local,
graças à aquisição de terras e de produtos gregos por parte dos comerciantes,
soldados e da aristocracia romana. Essa tese, se válida, aplica-se apenas à
massa monetária tributada, mas não nega o fluxo de bens materiais para a
metrópole, nem o caráter espoliatório da dominação romana. Além disso, as
camadas responsáveis pelo pagamento do tributo não eram as mesmas que se
beneficiavam com o comércio promovido pelos soldados e mercadores
romanos.
Outra fonte de recursos, derivada da expansão, eram as presas de
guerra, obtidas durante as campanhas militares, com o saque das cidades
conquistadas e a escravização de sua população. A partir do século III a.C.,
quando Roma entrou em confronto com os grandes Estados do Mediterrâneo,
o volume e a importância dos bens extraídos como presas de guerra
aumentaram extraordinariamente. As guerras na Espanha renderam grande
quantidade de ouro e prata, além daquela extraída das minas, enquanto os
imensos tesouros acumulados pelos reis helenísticos, no Oriente, foram
expropriados pelos romanos e colocados em circulação, alimentando sua
economia florescente.
O traço, contudo, mais marcante nessa fase do expansionismo romano
foi a escravização em massa das populações vencidas. O montante de
escravos obtidos pelas conquistas cresceu sem cessar a partir do século III
a.C.: treze mil em Palermo, 25 mil em Agrigento, na primeira guerra púnica;
trinta mil em Tarento, cinqüenta anos após; 150 mil epirotas, durante a terceira
guerra macedônica (cf. TITO LIvio, XLV, 34), e, a crermos em Plutarco (Vida de
César, 15), um milhão de gauleses durante as campanhas de César. Estima-se
(de acordo com P. A. Brunt) que mais de dois milhões de escravos chegaram à
Itália, nos dois últimos séculos da república, para trabalharem nas propriedades
rurais da aristocracia romana ou servirem-na, como domésticos, em suas
residências urbanas.
Com a reordenação das províncias empreendida por Augusto, após o
fim das guerras civis em Roma, o domínio romano perdeu suas características
espoliatórias, assumindo a forma de um sistema de exploração regular e
estável, cujo corolário político e ideológico foi a “paz romana”. A importância
das presas de guerra caiu enormemente e, embora o tributo anual se elevasse,
os abusos de publicanos e governadores foram coibidos, com o surgimento de
uma administração mais eficaz e burocrática. Aos poucos, no curso dos três
séculos do principado, a distinção entre centro e periferia se atenuou,
sobretudo em termos políticos, com a absorção das aristocracias provinciais na
estrutura de poder em Roma. Ao menos até meados do século III a.C.,
contudo, a Itália permaneceria como centro político do império e foco de
concentração de seus excedentes produtivos.
Os mecanismos de exploração cuja configuração esboçamos acima são
essencialmente políticos, ou seja, dependem de um diferencial de poder que
propicie um fluxo centrípeto de bens. Como veremos, ao lado dessa exploração
“política” de seu império, surgem, a partir do século II a.C., formas de
exploração mais diretamente econômicas. Se sua instauração dependeu
também do controle político das regiões conquistadas, seu funcionamento
dava-se numa esfera mais propriamente econômica, como parte do “sistema
imperial-escravista” romano (cf. CLAVEL-LÉvÉQUE, 1977, p. 10-27). Sua

37
existência e desenvolvimento, por outro lado, ligam-se estreitamente à
expansão do escravismo na Itália e às transformações de sua economia no
final da república.

Transformações na economia romana

É difícil determinar cronologicamente o surgimento do modo de


produção escravista em Roma. Escravidão, propriamente dita, existia já nas
antigas propriedades senhoriais, mas como uma forma de relação de produção
subsidiária, inserida no conjunto da produção familiar. Os lotes de terra da
aristocracia eram trabalhados por uma população dependente, porém não-
escrava, unida a seus senhores por laços pessoais e jurídicos bastante rígidos.
Quando a documentação se torna mais rica, a partir de meados do século II
a.C., esse quadro apresenta-se bastante alterado. A aristocracia, que investe
em terras as riquezas acumuladas com a expansão, organiza sua produção em
propriedades de média extensão (entre 25 e 50 ha), voltadas para a produção
de valores de troca (em especial vinho e azeite) e trabalhadas por uma mão-
de-obra essencialmente servil.
Para explicar essa transformação, devemos levar em conta uma série de
fatores. Em primeiro lugar, uma vasta disponibilidade de terras, em particular
públicas, acessíveis à ocupação pela aristocracia romana. As riquezas
adquiridas com as conquistas, que se concentravam nas mãos da classe
dominante, possibilitavam sua inversão no campo, criando, ao mesmo tempo,
um mercado urbano em constante expansão para determinados produtos
agrícolas de luxo. Além disso, a expansão assegurava um suprimento
abundante de mão-de-obra barata, sem qualquer expressão política e,
portanto, totalmente submetida a seus senhores.
Podemos acompanhar o desenvolvimento das propriedades rurais da
aristocracia através das obras dos escritores agrários romanos, como Catão,
Varrão e Columela. Um trabalho recente de V. 1. Kuzichin (La grande proprietà
agraria nell’Italia romana. Roma, Riuniti, 1984) demonstra que essas
propriedades nada tinham em comum com grandes latifúndios, trabalhados por
imensos exércitos de escravos. Ao contrário, as fazendas da aristocracia
romana eram constituídas por lotes de média extensão, cujos terrenos
estendiam-se em torno de um edifício central, onde se localizavam as
instalações para beneficiamento das matérias-primas, bem como os
alojamentos para a mão-de-obra e aposentos luxuosos para o dono. Este
possuía várias fazendas, organizadas da mesma forma e espalhadas por um
vasto território. Habitando na cidade, centro do consumo e da vida política, o
proprietário deixava a administração de suas fazendas nas mãos de capatazes
(vililci), em geral escravos. A mão-de-obra permanente era suprida por um
contingente reduzido de escravos — Catão menciona dezesseis escravos para
uma fazenda vinicultora de 25 ha (cf. Sobre a agricultura, X, 1) —, fazendo uso
de mão-de-obra livre nos períodos de trabalho agrícola mais intenso (como na
colheita).
Embora voltadas para a produção mercantil, as fazendas escravistas
não abandonaram completamente as características da antiga economia
camponesa, na medida em que se fechavam para o consumo de bens
externos, produzindo internamente quase tudo de que necessitavam para sua
automanutenção. Catão (11, 7) aconselhava o proprietário romano a ser um

38
vendedor, nunca um comprador. Além disso, as pequenas propriedades
camponesas nunca desapareceram de todo. Deve-se admitir, pelo contrário,
que o sistema produtivo camponês, produtor de valores de uso, permaneceu
majoritário na Itália, mas subordinado e integrado ao modo de produção
escravista, fornecendo mão-de-obra sazonal às fazendas da aristocracia.
O sistema de villae rusticae expandiu-se, fundamentalmente, pela Itália
central, onde a disponibilidade de férteis terras públicas e a proximidade dos
grandes centros urbanos incentivai am o investimento dos frutos da conquista
por parte da aristocracia. De Catão (meados do século II a.C.) a Varrão
(meados do século 1 a.C.), esse sistema floresceu notavelmente, aumentando
o índice de mercantilização e a extensão das propriedades, que eram
exploradas intensiva- mente. Na primeira metade do século 1 a.C., Varrão
podia referir-se à agricultura italiana nos seguintes termos: “Como
sentássemos, Agrásio nos perguntou: ‘Vós, que percorrestes tantas regiões,
por acaso vistes alguma melhor cultivada do que a Itália?’. ‘Eu, na verdade,
respondeu Ágrio, acredito que não existe nenhuma tão intensamente
cultivada’“(Sobre a agricultura, 1, 2, 2-3).
O sistema produtivo escravista entra em crise no curso do século 1 d.C.
Num lento processo de transição, as médias propriedades escravistas são
substituídas por grandes latifúndios, que se fecham progressivamente para a
produção mercantil e que são trabalhados por uma massa camponesa em
regime de parceria (colonato). Os sinais da crise são evidentes nas fontes
arqueológicas, como mostraram as recentes escavações em Óstía, apontando
para um decréscimo na produção mercantil de azeite e vinho, bem como na
tradição textual. Columela, escritor agrário do século 1 d.C., via assim a
situação da agricultura italiana em sua época:
E assim, neste Lácio, terra de Saturno, onde os deuses ensinaram a
seus filhos os frutos da terra, nós adjudicamos em hasta pública a importação
de trigo das províncias ultramarinas, para não passarmos fome, e
armazenamos os vinhos dos Cicladas, da Bética e da Gália. Nem é de se
admirar, já que hoje em dia a agricultura é geralmente tida, e publicamente
considerada, como um trabalho sórdido, como um negócio que não necessita
de ensino ou de direção.
(Sobre a agricultura, 1, 20)

Diversos fatores devem ter contribuído para a crise do modo de


produção escravista. A persistência de amplos setores da economia voltados à
produção de valores de uso, inclusive no interior das próprias fazendas
escravistas, limitava as possibilidades de expansão do consumo e, portanto, do
sistema mercantil. A diminuição das conquistas, durante o principado, pode ter
ocasionado uma redução na oferta de mão-de-obra escrava, levando a seu
conseqüente encarecimento e à busca de alternativas.
Um fator freqüentemente apontado como causa principal da crise é a
concorrência provincial (segundo M. Rostovtzef e A. Carandini). Com a
expansão do sistema escravista e sua reprodução nas províncias ocidentais, os
produtos italianos, como vinho, azeite e alguns manufaturados, teriam perdido
seus mercados e sofrido concorrência na própria península. Embora esse
fenômeno possa ter contribuído para o agravamento da crise, é difícil
estabelecer se estamos diante, propriamente, de uma causa ou de um efeito da
mesma.

39
Um outro elemento dessa crise, ligado à falta de mão-de-obra tão
constantemente denunciada por nossas fontes, tem recebido menor atenção.
Como afirmamos acima, as fazendas escravistas funcionavam com um
contingente relativamente reduzido de escravos, responsável pela condução
das tarefas ordinárias e quotidianas. Nos períodos em que se fazia necessária
uma grande quantidade de trabalho (implantação de vinhedos, colheita,
aragem), era essencial, para a sobrevivência do sistema, que existisse mão-de-
obra livre disponível na região. Contudo, a expansão das vil!ae rusticae na
Itália central expulsou as famílias camponesas dos territórios mais férteis e
vizinhos às cidades, empurrando-as para as áreas montanhosas e menos
ricas, periféricas ao sistema dominante. O próprio crescimento e apogeu do
sistema escravista, portanto, limitava um recurso fundamental para sua
continuidade.

O desenvolvimento econômico nas províncias

O estabelecimento do domínio romano sobre as áreas conquistadas não


representou tão-somente a superposição de uma estrutura política de
exploração, mas ocasionou profundas transformações econômicas nas
próprias regiões submetidas. Esse processo é particularmente intenso nas
províncias ocidentais (Espanha, Gália, África do Norte, Sicília), onde teve,
como contraponto cultural, o fenômeno conhecido como “romanização”. Essas
províncias receberam um forte contingente populacional proveniente da Itália,
que reproduziu o sistema produtivo das pequenas propriedades camponesas
da península (nas áreas centuriadas). Por outro lado, parte das riquezas
acumuladas pela aristocracia romana foi investida em atividades produtivas nas
províncias, em particular na agricultura e na criação de gado. Esse fator
conduziu a uma rápida expansão do escravismo e do sistema de villae nos
territórios conquistados e à subordinação dos modos de produção locais. Esse
processo ocorreu na Sicília já no curso do século II a.C., onde os romanos
investiram, seja em médias propriedades triticultoras, seja em grandes
latifúndios para criação de gado. As grandes revoltas servis de 135 a 104 a.C.
são um testemunho eloqüente da expansão do escravismo na Sicília.
A reordenação do império romano durante o principado e o
desenvolvimento do modo de produção escravista nas províncias conduziram à
formação do que M. Clavel-Lévèque denominou “sistema imperial-escravista”.
Tal sistema articulava estruturas políticas e econômicas de exploração,
fundando-se numa concentração progressiva dos excedentes produtivos, a
partir das populações e modos de produção subordinados. Um elemento
essencial do processo de concentração eram as cidades que acumulavam e
consumiam os excedentes agrícolas. Morada das aristocracias municipais,
centros de comércio e consumo, as cidades incentivavam a mercantilização da
economia e a dissolução dos modos de produção anteriores à conquista.
Reunindo os órgãos político-administrativos municipais e imperiais, as cidades
funcionavam como elos fundamentais no sistema de exploração imperial,
concentrando progressivamente os recursos carreados para a metrópole.
A importância das cidades no sistema imperialista é confirmada pela
política de municipalização das regiões conquistadas, empreendida pelo
Estado romano. Através da fundação de cidades ou da elevação de aldeias e
gentilit ates à categoria de municípios, o poder imperial criava instrumentos de

40
controle e exploração das populações subjugadas, ao mesmo tempo que
incentivava a dissolução dos sistemas produtivos comunitários, ligados à
economia de subsistência.

Transformações sociais, tensões e conflitos

O enorme afluxo de riquezas provenientes das conquistas provocou


grandes transformações sociais em Roma, intensificando os conflitos internos
pelo controle e distribuição dos benefícios do império. Com o desenvolvimento
da economia de mercado em determinados setores, grupos sociais, como os
comerciantes e publicanos, adquiriram expressão política e passaram a
interferir na condução do processo expansionista. Ao contrário do que
observamos em Atenas, os frutos do imperialismo tenderam a se concentrar
nas mãos dos mais ricos, que praticamente monopolizaram o poder político na
metrópole até o final do século II a.C. As diferenças entre ricos e pobres
acentuaram-se progressivamente nos últimos séculos da república, que viram o
surgimento de enormes patrimônios pessoais entre a aristocracia. Segundo
Salústio, historiador romano do século 1 a.C.:

Na guerra como na paz, tudo era decidido pelo arbítrio de uns poucos:
em suas mãos encontravam-se o tesouro público, as províncias, as
magistraturas, as glórias e triunfos; ao povo reservava-se o serviço militar e a
pobreza; as presas de guerra eram confiscadas pelos generais e alguns
poucos. Enquanto isso, os pais ou filhos daqueles soldados, cujas
propriedades confinavam com as dos poderosos, eram expulsos de suas
habitações.
(Guerra de Jugurta, XLI)

Uma série de fatores interligados contribuiu para essas transformações.


As guerras contínuas e por longos períodos levavam à ruína os pequenos
camponeses, obrigando-os a deixar seus campos incultos, que eram ocupados
pelos grandes proprietários de terras. Migrando em massa para os centros
urbanos, tornavam-se uma população subocupada, sem meios fixos de
subsistência. Os ricos estendiam suas propriedades pelos terrenos
abandonados ou apossavam-se do agerpublicus, onde investiam os lucros do
império nas fazendas escravistas. De forma geral, as camadas mais pobres
não tinham acesso aos benefícios da expansão, exceto se e quando
participavam do exército. Mesmo neste caso, os rendimentos individuais eram
limitados e distribuídos através de uma escala hierarquizada que privilegiava os
comandantes e oficiais, em detrimento dos legionários.
Podemos considerar, portanto, que as guerras do século II a.C., época
em que o senado tinha o controle absoluto do processo político, foram feitas
em benefício da classe dominante e em prejuízo da população camponesa.
Dessa forma se explicam os ecos que encontramos nas fontes sobre a
resistência popular ao serviço no exército, como em 200 a.C., quando o senado
propôs a guerra contra a Macedônia:

Os cidadãos estavam cansados de uma guerra tão longa e desastrosa


(a segunda guerra púnica), e o cansaço dos perigos e fadigas tinha-os levado,
naturalmente, a essa negativa; por outra parte, o tribuno da plebe, O. Bebio,

41
renovando o antigo sistema de recriminações contra os senadores, acusou.05
de fazer surgir guerra após guerra, para impedir que o povo aproveitasse as
doçuras da paz.
(TITO Lívio, XXXI, 6)

A ruína e resistência camponesas, aliadas ao aumento no número de


cidadãos sem bens imóveis, levaram a profundas modificações no exército.
Durante o século II a.C., o censo mínimo foi progressivamente rebaixado, até
ser abolido com as reformas de Mário. O exército tornou-se, então, profissional,
composto por voluntários, para os quais a guerra era um meio de
sobrevivência. Isso conduziu a alterações significativas na relação entre
comandantes e soldados — pois do sucesso de uns dependia a ascensão dos
outros —, que se revestiu de um cunho clientelístico, com conseqüências de
grande importância para a vida política romana.
Para a população urbana que permanecia em Roma, a participação nos
frutos do império dava-se de forma indireta e limitada, por meio das despesas
públicas — construção de monumentos, estradas, canais, templos — ou
privadas, da aristocracia enriquecida, à qual se agregava por laços de clientela
(de acordo com K. Hopkins). O aumento do grau de participação dos mais
pobres dependia, em grande medida, da ação do Estado como redistribuidor
das riquezas concentradas na metrópole. Dessa forma, os cidadãos pobres de
Roma, utilizando-se do restrito poder político conferido por seu voto, passaram
a apoiar aqueles setores da aristocracia que defendiam a utilização dos
recursos do Estado em seu benefício. A tendência da população mais pobre
em se tornar “pensionista” do Estado (segundo K. Hopkins), no curso do século
1 a.C., explica, em parte, a conseqüente perda de seu poder político no
principado.
Um dos pontos centrais do conflito entre ricos e pobres era a luta pela
terra. Durante a primeira metade do século II a.C. o senado manteve uma
intensa política de colonização voltada sobretudo para a Itália meridional e
Gália cisalpina (fora, portanto, da região dominada pelas fazendas escravistas,
na Itália central). Contudo, os lotes muito pequenos, a distância dos grandes
centros urbanos e a escassez de recursos limitavam as possibilidades dos
colonos, levando, muitas vezes, ao despovoamento e abandono das
fundações. Além disso, por volta de meados desse século, o estabelecimento
de novas colônias parece ter cessado, aumentando as pressões populares em
Roma.
Essas pressões viriam a desembocar nos violentos conflitos da época
dos Gracos. As reformas propostas por Tibério, em 133 a.C. e, com maior
intensidade, por seu irmão Caio, dez anos depois, foram um momento crucial
na luta pela distribuição dos benefícios da expansão, condensando, de certa
forma, os choques e alianças ligados aos vários interesses em jogo. O ponto
essencial da reforma, e que gerou violenta oposição por parte dos ricos,
dispunha sobre a limitação dos terrenos públicos ocupados pelas fazendas
escravistas da aristocracia e sua distribuição, em lotes individuais, aos
cidadãos sem terra. Em particular no tribunado de Caio, essa proposta foi
ampliada, envolvendo a colonização do território da antiga Cartago, um
programa de obras públicas — para dar ocupação à plebe urbana — e
reformas judiciárias que favoreciam as camadas intermediárias, mais ligadas
ao comércio e à arrecadação de impostos, em prejuízo da oligarquia senatorial.

42
A partir de 123 a.C. iniciou-se a distribuição de trigo à população de
Roma. Inicialmente subvencionadas, as distribuições estatais assumiriam uma
grande importância no curso do século seguinte, tornando-se gratuitas a partir
de 58 a.C. e atingindo, à época de César, 320 mil beneficiários — número que
o ditador reduziu para 150 mil. Segundo Cícero (A favor de Séstio, XXV), a
entrega de trigo gratuito à população representava um quinto das entradas
totais do Estado, que assumia, assim, um papel fundamental na repartição dos
benefícios do império entre os grupos sociais romanos.
As tentativas de reforma em 133 e 123, apenas parcialmente
implementadas, foram incapazes de pôr um término aos conflitos internos na
metrópole, que se acentuaram no curso do século 1 a.C., dando origem às
violentas guerras civis que antecederam o principado. Os choques entre
populares e conservadores assumiram, então, um caráter nitidamente militar,
com a intervenção direta de soldados e seus generais — entre os quais
construíam-se laços de interesse comum — nos embates políticos. Como
resultado desses conflitos, mais de 250 mil soldados receberam lotes de terra
na Itália — no período entre Sila e Augusto — por meio de legislação agrária
ou apossando-se das propriedades confiscadas de setores aristocráticos que
se viam momentaneamente derrotados. Estima-se que, entre 80 e 8 a.C.,
metade dos camponeses italianos abandonou seus lotes de terra, seja
assentando-se em outras regiões da Itália, seja migrando para as províncias.
Essa grande redistribuição e reorganização das propriedades agrárias,
durante as guerras civis, não foi, contudo, capaz de restaurar a pequena
propriedade camponesa. O que observamos, ao contrário, é um aumento
extraordinário das grandes riquezas (como as de Crasso, Pompeu, Lúculo),
formadas à época das confiscações, e um progressivo desenvolvimento do
latifúndio, de produção extensiva, que faz seu aparecimento no início do
principado (cf. KuzIcIIN, p. 272) e se amplia nos dois séculos seguintes, em
detrimento das médias fazendas escravistas em decadência.
Com o fim das guerras civis, no principado, o Estado assumiria o papel
de mediador desses conflitos, administrando e controlando a exploração das
províncias e encarregando-se da concentração e distribuição desses recursos
entre a população.

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Conclusão
Nos capítulos anteriores, tentamos apresentar e discutir, de forma
sintética, alguns dos problemas envolvidos no studo do imperialismo antigo.
Em ambos os casos, como vimos, as causas, motivações e conseqüências da
expansão são múltiplas: econômicas, políticas, ideológicas. Dentre estas,
parecem prevalecer as determinações de ordem política, tanto a nível interno
— nas disputas sobre a condução do processo — quanto externo, na medida
em que as relações com a periferia são sempre de poder. Podemos, contudo,
observar algumas diferenças significativas entre os processos de expansão de
Atenas e Roma. Uma primeira distinção remete aos diferentes regimes políticos
das duas cidades. Enquanto Atenas democratizou-se progressivamente no
curso do século V a.C., o governo romano permaneceu sempre oligárquico,
marginalizando do processo político a grande massa da população.
Desse fato derivaram padrões diferentes de controle e distribuição das
vantagens obtidas dos respectivos impérios. Em Atenas, o domínio imperial
possibilitou a ascensão econômica das camadas mais pobres, garantindo e
reforçando sua posição política. O fluxo de riquezas encontrou aí mecanismos
eficazes de distribuição que atenuaram os conflitos internos. A oposição
aristocrática, quando se fazia sentir, voltava-se contra os resultados políticos
do império — o fortalecimento do demos —, sem contestar sua existência ou
propugnar sua extinção. Em Roma, o processo de expansão beneficiou, acima
de tudo, as camadas mais ricas, que controlavam o sistema político, a
condução do exército e, conseqüentemente, a partilha dos frutos do
imperialismo. Uma distribuição mais eqüitativa desses frutos foi assim, quase
sempre, o resultado de uma intensa pressão popular — seja na luta pela
repartição dos territórios conquistados, seja pela utilização do Estado como
agente redistribuidor.
Também em suas relações com os povos submetidos, os impérios de
Atenas e Roma organizaram-se de forma diversa. Em correspondência aos
respectivos sistemas políticos, Atenas tendia a favorecer regimes
democráticos, enquanto Roma apoiava-se nas aristocracias dos Estados
conquistados. Por outro lado, Roma propiciava uma maior integração política
das regiões sob seu domínio, o que se explica, em certa medida, por seu
próprio sistema oligárquico. A expansão romana, até o século III a.C.,
desenvolveu-se como uma aliança entre aristocracias municipais, que se
reforçavam mutuamente e compartilhavam o comando e os frutos da
expansão. Mesmo a concessão gradual da cidadania romana, que se estendeu
a toda a Itália após a “guerra dos aliados”, em 90/89 a.C., não implicava os
mesmos privilégios que representariam no caso ateniense, tendo em vista o
círculo restrito no qual se concentravam o poder e as riquezas imperiais.
A diferença mais significativa, contudo, dava-se no sistema de
exploração da periferia, O domínio ateniense repousava no estabelecimento de
uma superestrutura de poder sobre os Estados do império, que possibilitava a
exação de um tributo prefixado por mecanismos essencialmente político-
militares. Já o desenvolvimento da economia mercantil e do escravismo em
Roma levou a uma maior integração econômica das regiões de seu império,

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com a expansão do sistema de fazendas escravistas para as áreas
conquistadas, onde, sobretudo a ocidente, a aristocracia romana investia os
lucros obtidos na expansão, subordinando os modos de produção locais ao seu
próprio sistema produtivo e levando-os à dissolução.
Embora se destaque dos imperialismos antigos nesse aspecto,
tampouco o imperialismo romano aproximou-se, em sua segunda fase, das
formas de dominação imperialista do mundo contemporâneo. Os mecanismos
fundamentais de exploração e concentração de recursos permaneceram
políticos e a economia mercantil manteve-se restrita a certas áreas e setores,
sem conseguir dissolver e integrar plenamente as formas não mercantilizadas
de produção. Da mesma forma, estavam ausentes fatores que são
fundamentais ao imperialismo atual: busca de mercados, de matérias-primas,
investimento de capitais em regiões de mão-de-obra barata e sem poder de
pressão etc. O imperialismo antigo não foi um imperialismo industrial e
capitalista, mas um processo de expansão de sociedades camponesas, de
pequenos e grandes proprietários, movidos pelas insuficiências de sua
economia e pelos conflitos internos resultantes de uma distribuição desigual do
meio de produção essencial: a terra. Por isso, terra foi sempre um tema
fundamental na expansão das cidades-Estados antigas, como investimento
principal dos frutos imperiais para os ricos, como possibilidade de acesso, pela
distribuição dos territórios submetidos, para os pobres. Ou ainda, de forma
indireta, garantindo-se, por meio do Estado, a sobrevivência dos que
permaneciam excluídos dela, como forma de aliviar as pressões sobre os
proprietários.
Dessa forma, o conceito de imperialismo, nos termos em que foi aqui
proposto, parece-nos um útil instrumento analítico na investigação dos
processos de expansão na antigüidade greco-romana. Permite-nos, ao mesmo
tempo, aproximar e distinguir esses processos em épocas e formações sociais
distintas, possibilitando uma compreensão mais profunda de suas
características e especificidades no passado e no presente.

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Vocabulário crítico
Ager publicus: extensão de terra pertencente ao Estado romano, em
geral resultado das conquistas territoriais de Roma. Parte do terreno público
era destinada à fundação de colônias ou à distribuição entre os cidadãos, mas
uma parcela considerável acabava nas mãos da aristocracia, através da
ocupação legal ou ilegal.

Demos: o “povo”, conceito que, para os gregos, ligava-se intimamente


ao estatuto de cidadania, aplicando-se, prioritariamente, aos cidadãos adultos
do sexo masculino e com a exclusão dos estrangeiros (à cidade) domiciliados e
dos escravos. Demos, assim como plebe, em latim, refere-se com freqüência
às camadas mais pobres de cidadãos, em oposição aos ricos aristocratas, que
são denominados “os poucos”, “os melhores”, “os belos e bons”.

Dracma: moeda ática equivalente a seis óbulos.

Escravismo/Escravidão: enquanto no modo de produção capitalista as


relações de produção são mediadas pelo mercado, naqueles pré-capitalistas
tais relações revestem-se de um marcado caráter político. O trabalhador pré-
capitalista constitui, dessa forma, uma força de trabalho dependente, ligada aos
proprietários dos meios de produção por laços de poder que podem assumir
formas variadas com o tempo e a região. No escravismo, tais laços de
dependência assumem uma forma radical, pois à proprietário se apropria não
apenas do trabalho ou de seu produto, mas também da própria pessoa física
do trabalhador, de suas atividades produtivas e reprodutivas, sobre as quais
exerce um controle quase irrestrito. Escravismo e escravidão são, contudo,
conceitos diversos. Embora a escravidão esteja presente na maioria das
sociedades pré-capitalistas, o escravismo desenvolve-se apenas quando as
relações servis tornam-se predominantes como relações de produção,
suplantando e sobrepondo-se às demais relações de dependência.

Hegemonia: termo grego que indica o poder exercido por um líder


(hegemon). Embora implique um diferencial de poder entre liderança e
liderados, a hegemonia define-se pelo caráter voluntário daqueles que seguem
(e não obedecem) o líder. No império ateniense observa-se uma lenta
passagem de um exercício “hegemônico” do poder para uma relação de poder
diferente (arkhé, kratos), na qual os liderados se tornam súditos e o líder,
senhor.

Mistoforia: em Atenas, pagamento de uma remuneração pelo exercício


de função pública. A mistoforia foi um dado essencial da democracia ateniense,
permitindo uma ampla participação popular na direção dos negócios do Estado.

Panatenaicas: festa da deusa Atena, patrona da cidade de Atenas. A


cada quatro anos as festividades se celebravam com especial solenidade,

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incluindo jogos atléticos e uma grande procissão que percorria a cidade em
direção ao templo da deusa, na Acrópole.

Plebiscito: decisão da plebe, votada nos comícios por tribo. No início era
válido apenas para a plebe e não para o patriciado. A partir de 286 a.C., os
plebiscitos adquiriram força de lei para todo o corpo de cidadãos.

Vilia rustica: fazenda agrícola romana, em geral de pequenas e médias


dimensões (entre 25 ha e 250 ha). A exploração agrária baseada nesse tipo de
fazenda floresceu na i ogra ia cornen a a Itália central entre os séculos II a.C. e
II d.C.

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Bibliografia Comentada
CLAVEL-LÉVÈQUE, M. 1977. Impérialisme, développement et transition:
pluralité des voies et universalisme dans le modele imperial romain. La Pensée,
Paris, Ed. Sociales, 196:
10-27.

et PIERRE LÉVÈQUE. 1982. Impérialisme et sémiologie:


l’espace urbain à Glanum. Mélanges de l’École Française de Rome,
Roma, École Française de Rome, 94(2): 675-98. A partir da análise dos
discursos produzidos pela aristocracia imperial sobre a expansão e o próprio
império, os Autores analisam o desenvolvimento do modo de produção
escravista nas províncias e sua articulação com os modos de produção locais
sukrdinados ao sistema escravista e mercantil.

FINLEY, M. 1. 1978. Empire in the Greco-Roman world. Review, 1.


Beverly Hills, Sage Publications. p. 55-68.
Texto fundamental sobre o imperialismo greco-romano. Finley discute
conceitualmente o imperialismo antigo, dando particular relevo às relações
entre política e economia.

1985. A política no Mundo Antigo. Rio de Janeiro, Zahar.


O Autor discute a natureza das relações políticas em Atenas e Roma. De
particular interesse para nosso tema são suas análises da articulação entre
expansão imperial e distribuição interna do poder nas duas cidades.

GIARDINA, A. & SCHIAVONE, A., orgs. Società romana eproduzione


schiavistica. Bari, Laterza, 3 v.
Obra coletiva dedicada ao surgimento do modo de produção escravista
na Itália romana e ao desenvolvimento das trocas mercantis na república tardia
e no principado. Compõem os três volumes alguns artigos fundamentais sobre
as transformações na agricultura romana, ocupação do território e comércio.

GAUTHIER, Ph. 1973. A propos de clerouquies athéniennes du ve


siècle. In: —. Problèmes de la terre en Grèce ancienne. Paris, Mouton. p. 163-
78.
Uma interessante investigação sobre a distribuição dos frutos do
imperialismo em Atenas, particularmente entre as camadas dominantes.

HOPKINS, K. 1978. Conquistatori e schiavi; sociologia del’impero


romano. Turim, Boringheri.
O Autor dedica-se aos efeitos internos da expansão em Roma,
desenvolvendo um modelo no qual a expansão militar, o desenvolvimento
social em Roma e as transformações na economia aparecem como fatores
interligados e que se determinam mutuamente.

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PERCIRKA, J. 1982. Athenian imperialism and the Athenian economy.
Eirene, Praga, Tchekoslovenka Akademia Ved, 19: 117-25.
O Autor critica as abordagens primitivista e modernista sobre o
imperialismo ateniense, dentro de uma perspectiva marxista, mas com muitos
pontos de contato com as reflexões de Finley.

RHODES, P. J. 1985. The Athenian empire. Oxford, Clarendon Press.


(Greece & Rome, New Surveys in the Classics, 17.)
O texto fornece uma discussão atualizada sobre alguns dos problemas
mais debatidos sobre o imperialismo ateniense, tais como periodização, o valor
de Tucídides como fonte, as relações com os aliados, as listas de tributos etc.

SHERWIN-WHITE, A. N. 1968. O imperialismo romano. In:


BALSDON, J. P. V. D., org. O mundo romano. Rio de Janeiro, Zahar. p.
80-102.
Análise sumária do império romano de um ponto de vista institucional e
com posições discutíveis.

VEYNE, P. 1975. Y a-t-il eu un imperialisme romain? Mélanges de


l’École Française de Rome, Roma, École Française de Rome, 87 (1): 793-859.
Num longo artigo, Veyne procura demonstrar que o Estado romano
nunca desenvolveu uma política imperialista consciente e agressiva e que a
expansão foi o resultado de atos defensivos que visavam absorver e neutralizar
o Outro, como “um tipo arcaico de isolacionismo”.

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