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26/08/2018 Estados Afetivos

Estados Afetivos
Talvez pela intensa malha de conexões entre a área pré-frontal e as
estruturas límbicas tradicionais, a espécie humana é aquela que apresenta a
maior variedade de sentimentos e emoções. Embora alguns indícios de
afetividade sejam percebidos entre os pássaros, o sistema límbico só começou
a evoluir, de fato, a partir dos primeiros mamíferos, sendo praticamente
inexistente em répteis e anfíbios e em todas as outras espécies que os
precederam.

Aliás, no dizer de Paul MacLean, fica difícil imaginar um ser mais solitário e
emocionalmente mais vazio do que um crocodilo. Dois comportamentos, com
conotação afetiva, surgidos com o advento dos mamíferos (os pássaros
também os exercem, mas com menor intensidade), merecem ser destacados, pela sua peculiaridade : o
especial e prolongado cuidado das fêmeas para com seus filhotes e a tendência à brincadeira. E quanto
mais evoluído o mamífero, mais acentuados são esses comportamentos.

Já a ablação de partes importantes do sistema límbico (as experiências foram feitas com hamsters) faz
com que o animal perca tanto a afetividade maternal quanto o interesse lúdico. E a evolução dos
mamíferos nos traz até o homem : O nosso antepassado hominídeo certamente diferenciava as
sensações que experimentava em ocasiões distintas, como estar em sua caverna polindo uma pedra,
correndo atrás de um animal mais fraco, fugindo de um animal mais forte ou caçando uma fêmea da
sua espécie.

Com o desenvolvimento da linguagem, nomes foram atribuídos a essas e a outras sensações,


permitindo sua delimitação e explicitação a outros membros do grupo. Porém, até hoje, dada a
existência de um componente subjetivo importante, difícil de ser comunicado, não existe uniformidade
quanto a melhor terminologia a ser empregada para designar essas sensações. Assim é que utiliza-se,
de maneira imprecisa e intercambiável, quase como sinônimos, os termos afeto, emoção e sentimento.
Entretanto, assim pensamos, a cada uma dessas palavras deve ser atribuída uma definição precisa, em
respeito à etimologia e às diferentes reações físicas e mentais que produzem. Afeto (do Latim affectus,
significando afligir, abalar, atingir) é definido por Aurélio como sendo "um conjunto de fenômenos
psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos ou paixões, acompanhadas sempre
da impressão de prazer ou dor, de satisfação ou insatisfação, agrado ou desagrado, alegria ou tristeza"
, Curiosamente, existe uma tendência universal para só considerar como afeto (e seus derivados,
afetividade, afeição, etc) as impressões positivas.

Assim, ao se dizer "sinto afeto por fulana" estou manifestando amor ou carinho; nunca raiva ou medo.
Já em relação às emoções e sentimentos, o uso se aplica nos dois sentidos : "ela tem bons sentimentos;
eu tenho sentido emoções desagradáveis." No dizer de Nobre de Melo, os afetos designam,
genericamente, situações vivenciadas, sob a forma de emoções ou de sentimentos. Emoções (do Latim
emovere, significando movimentar, deslocar) são, como sua própria etmologia sugere, reações
manifestas frente àquelas condições afetivas que, pela sua intensidade, mobilizam-nos para algum tipo
de ação.

Confrontando a opinião de vários autores, podemos dizer que as emoções se caracterizam por uma
súbita ruptura do equilíbrio afetivo. Quase sempre são episódios de curta duração, com repercussões
concomitantes ou consecutivas, leves ou intensas, sobre diversos órgãos, criando um bloqueio parcial
ou total da capacidade de raciocinar com lógica. Isto pode levar a pessoa atingida a um alto grau de
descontrole psíquico e comportamental. Por contraste, os sentimentos são tidos como estados afetivos
mais duráveis, causadores de vivências menos intensas, com menor repercussão sobre as funções
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orgânicas e menor interferência com a razão e o comportamento. Exemplificando : amor, medo e ódio
são sentimentos; paixão. pavor e cólera (ou ira) são emoções.

Existem, ainda, duas condições bem caracterizadas que, de certa forma, estão inseridas no contexto da
vida afetiva, posto que, dependendo da intensidade dos afetos, elas podem resultar destes e, as vezes,
com eles se confundirem. Estamos nos referindo aos distúrbios do humor, representados pelas
depressões e euforias maníacas e a diminuição do estado de relaxamento mental com reação de alerta,
representada pela ansiedade. Ao longo dos séculos, filósofos, médicos e psicólogos estudaram os
fenômenos da vida afetiva, questionando sua origem, seu papel sobre a vida psíquica, sua ação
favorecedora ou prejudicial à adaptação, seus concomitantes fisiológicos e seu substrato
neuroendócrino. As manifestações afetivas teriam, como causa última, a capacidade da matéria viva de
responder a estímulos sobre ela incidentes. Existem duas teorias clássicas e antagônicas sobre a
questão. A primeira, defendida, por Darwin e seus seguidores, prega que as reações afetivas seriam
padrões inatos destinados a orientar o comportamento, com a finalidade de adaptar o ser ao meio
ambiente e, assim, assegurar-lhe a sobrevivência e a da sua espécie.

Os distúrbios orgânicos que podem acompanhar o processo, seriam apenas uma consequência de
natureza fisiológica. Em oposição, outros, como William James, afirmam que, diante de um
determinado estímulo, real ou imaginado, o organismo reagiria com uma série de alterações
neurovegetativas, musculares e víscerais. A percepção de tais alterações originaria estados afetivos
correspondentes. E existe uma terceira posição, mais moderna, que propõe soluções de compromisso
entre as duas teorias clássicas. É o caso de Lehmann, o qual afirma que o afeto é um fenômeno
complexo, que se inicia por um processo central, a partir de uma causa interna ou externa. Ele se
manifesta como uma alteração do "eu" e pode desencadear movimentos reflexos faciais e variadas
alterações orgânicas.

À medida que os sintomas corporais aumentam de intensidade, o afeto torna-se mais mobilizador e se
define como uma emoção. Esta idéia encontra sustentação na clinica, no tratamento de pacientes com
fobias de desempenho, os quais, diante de situações que temem (falar em público, por exemplo),
apresentam palpitações, suores, dificuldade de respirar, etc. Betabloqueadores que não atravessam a
barreira hemato-encefálica, e portanto, não agem sobre centros cerebrais e sim na periferia,
bloqueando os fenômenos neurovegetativos, "esvaziam" a ansiedade, permitindo maior controle da
fobia.

Divergem ainda as opiniões quanto a relação entre os estados afetivos e a razão. Algumas correntes
filosóficas e religiosas consideram os aspectos afetivos da personalidade como inferiores, negativos ou
pecaminosos, necessitando ser controlados e dominados pela razão. Claparède, em um artigo
intitulado "Feelings and emotions", conceitua as emoções como fenômenos inúteis, desadaptativos e
prejudiciais, verdadeiros vestígios de reações ancestrais.

Ao contrário dos sentimentos, que seriam úteis, permitindo aos seres humanos estimar o valor das
coisas às quais deve adaptar-se, distinguindo o benéfico do nocivo. Nas palavras do autor : " a
observação mostra quão desadaptativos são os fenômenos emocionais. As emoções ocorrem
precisamente quando a adaptação é obstaculizada por qualquer motivo"..."A análise das reações
corporais nas emoções evidenciam que a pessoa não realiza movimentos adaptativos, mas, ao
contrário, reações que lembram instintos primitivos indefinidos." ..."Longe de ser o lado psíquico de
um instinto, a emoção representa uma confusão desse instinto," Outros autores, porém, consideram as
reações afetivas como fatores favorecedores da adaptação e da sobrevivência, induzindo determinadas
condutas e inibindo outras.

Para eles, mesmo emoções intensas, tidas como desorganizadoras, poderiam favorecer a sobrevivência,
porque a desorganização seria seletiva, eliminando algumas ações mas permitindo que outras
acontecessem. A nosso ver, quando dentro de determinados limites, a participação afetiva reforça o
componente cognitivo, dando maior sabor às vivências do cotidiano e facilitando os comportamentos
adaptativos. Contudo, acima do limite, as emoções comprometem a capacidade de raciocínio e, abaixo,
como ressalta Damásio em "O Erro de Descartes", a afetividade escasseia, empobrecendo a vida.

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