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Sobre Comportamento

e Cognição
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C jj/ n ica p & s y u is a e a p / fca ç ã o

O ry a n ita d o p o r JITat ia 'Z jifa /t d a <S/íoa U ra n d d o


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ESETec
Editores A sso cia d o s
Sobre
Comportamento
e Cognição
A ssociação Brasileira de Psicoterapia e
M edicina Com portam ental

Diretoria gestão 02/03

Presidente: Maria Zildh dd Silva Brdndiio


Vice-presidente: Fátima Cristina dc Sou/a Conte
1a secretária: Fernanda Silva Brandão
2Âsecretária: Vara Kuperstcin Ingbcrman
1* tesoureira: Vera Lúcia Menezes da Silva
tesoureira: Simone Martin Oliani

Ex-presidentes: Bernard Pimentel Ranjjè


Hélio josé Quilhardi
Roberto Alves Banaco
Rachel Rodrißues Kerbauy
Hélio José Quilh<trdi
Sobre
Comportamento
e Cognição
Clínica, pesquisa e aplicação

Volume 12
Organizado por Maria Zilah da Silva Brandão
Fátima Cristina dc Souza Conte
Fernanda Silva Brandão
Vara Kuperstein Ingberman
Cynthia Borges de Moura
Vera Menezes da Silva
Simone Martin Oliane

Adilson dos Anjos * Amanda Amarantes • Ana Dalva Andrade • Andréa Nogueira de Campos Aguirre •
Angélica Capelari • Antonio Bento Alves de Moraes • Armando R. das Neves Neto * Bernard Rangó • Carlos
Américo Alves Pereira * Carmem Beatriz Neufeld * Célia Valsbich Início • Cilene Rejane Ramos Alvos •
Claudia Barbosa • Claudia Lúcia Menegatti • Cristina Dl Benedetto • Cynthia Borges de Moura • Danielle
Monegalha Rodrigues * Donise Cerquelra Loite Heller • Edwiges F. de Mattos Silvares • Elenice A. de Moraes
Ferrari • Fátima de Souza Conte • Gabriel Tarragô Santos • Gerson Yuklo Tomanari • Gina Nolêto Bueno •
Gustavo Sattoio Rollm • Heber O Vargas • Helena Bazanellí Preblanchi • Heleno Shfnohara • Henrique
Stum • lima A. Goulart de Souza Brltto • Isabela D Soares • Isabella Santos • Ivan Carlos PavAo • João
Vinícius Salgado • Jody Schafer • Juliane Lima • Jullane GequeHn • Leda Mara R. S. de Ferrante • Leonardo
F. Fontenelle * Leflcla Assumpçâo • Liana Lins Melo • Lilian Milnitsky Stein • Luc Vandenbergho • Malra
Canlaretll Baptistuasi • Makltlm Nunes Baptista * Marcos d« Toledo Benassí * Maria Amólla Penldo • Maria
Elisa de Siqueira Montolro • Maria Rita Zoéga Soares • Maria Stella Coutlnho de A. Gil * Maria Teresa
Araujo Silva • Mariane Louise Bonato • Marli/a Mestre • Marta Vieira Vilela • Mauro V Mendlowicz • Mônlca
de Caldas Rosa dos Anjos • Mônica Duchesne • Myrna Chagas Coelho • Nancy Julleta Inocento * Nlono
Torres • Noo) J. Dias da Costa • Patrícia Quillon Ribeiro • Paulo Rogério Morals • R. Moaona • Ralph StráU
• Renato M Caminha • Rita de Fátima Carvalho Barbosa de Souza • Rosângela T. Crlstanl Arruda • Rosemar
A. Prota da Silva • Rubens Reimâo • Salnt-Clair Bahls • Sandra Leal Calais • Sandra Lopes • Sandra
Obredecht Vargas Nunes • Sérgio Luis Biay • Sonla Beatriz Meyer • Thais Portan de Oliveira * Thalita Freire-
Maia • Tleml Matsuo * Vanessa Dl Rlenzo * Vanessa Galarraga • Vânia Lúcia Pestana Sant'Ana * Vera
Regina Llgnelli Otero • Yara Kuperstein Ingberman

ESETec
Editores Associados
2003
Copyright desta edição:
ESETec Editoren Associados, Santo André, 2003.
Todos os direitos reservados

Brandão, Marta Zllah, et al.

Sobre Comportamento e Cognição: Clinica, Pesquisa e Aplicação. - Org.Maria Zllah da Silva


Brandão, Fátima Cristina de Souza Conte, Fernanda Silva Brandão, Yara Kuperstein Ingberman,
Cynthia Borges de Moura, Vera Menezes da Silva, Simone Martin Oliane 1a ed. Santo André, SP:
ESETec Editores Associados, 2003. v.12

495 p. 17 x 24cm

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorlsmo
3. Análise do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ESETec Editores Associados

Coordenação editorial: Teresa Cristina Cume Grassi-Leonardi


Assistente editorial: Jussara Vince Gomes
Revisão de diagramação: Erika Horigoshi

Solicitação de exemplares: eset@uol.com.br


Rua Santo I lilário, 36 - Vila Bastos - Santo André - SP
CHP09040-400
Tel.( 11)4990-5683
Tel/fax:( 11)44386866
www.esetec.com.br
Este volume é dedicado aos autores
que, em um grande esforço de descrição
de seus pressupostos e suas práticas,
compartilham suas aprendizagens.
Sumário

Apresentação ......................................................................................................... xiii

Seção I - Contribuições teóricas para a clínica

Capitulo 1 - Psicoterapia baseada em eviddncias e análise crítica da literatura


Armando Ribeiro das Neves Neto (AMBAN/IPQ/HCFMUSP)............. 17

Capitulo 2 - Depressão na Infância e na adolescência


Saint-Clair Bahls (UFPR,UTP,UNICENP)......................................... 33

Capitulo 3 - O papel do desamparo aprendido nos transtornos depressivos


Angélica Capelari (UMESP)............................................................ 54

Capitulo 4 - A depressão segundo o modelo do Behaviorismo Psicológico


de Arthur Staats
lima A. Goulart de Souza Britto (UCG) ............................................. 60

Capitulo 5 - Compreensão da depressão infantil a partir do modelo de


Ferster
Claudia Lúcia Menegatti (UNICENP) e Yara Kuperstein Ingberman
(UFPR,UNICENP)............................................................................ 69

Capítulo 6 - Terapia Cognitivo-Comportamental e disfunções psicofisiológicas


Armando Ribeiro das Neves Neto (AMBAN/IPQ/HCFMUSP)............ 76

Capítulo 7 - O sono no stress pós traumático


Sandra Leal Calais (UNESP/BAURU), Makilim Nunes Batista (UNIFESP/
ARARAS) e Nancy Julieta Inocente (UNITAU/SP).......................... 87

Capítulo 8 - Terapia Comportamental Construcional do Borderline


Luc Vandenberghe (UCG/GO)........................................................ 92

Capítulo 9 - Efeitos da relação terapêutica na redução de comportamentos


agressivos de crianças de baixa renda
Myma Chagas Coelho (IACEP)e Fátima de Souza Conte (PSICC)......... 97

Capitulo 1 0 - A análise funcional e o transtorno de pânico: Um impasse


epistemológico
Luc Vandenberghe (UCG/GO)......................................................... 106
Capítulo 1 1 - Transtorno do pânico e características comportamentais:
intervindo a partir da análise funcional da relaçflo terapêutica
Nione Torres (IACEP)..................................................................... 112

Capitulo 1 2 - As implicações da ansiedade na memória de adultos


Claudia Barbosa (FAG/CASCAVEUPR).......................................... 120

Capítulo 1 3 - 0 papei dos reforçadores na construção dom medos humanos


Marilza Mestre (U TP )...................................................................... 126

Capítulo 1 4 - A participação da família no atendimento individual de casos


graves: recurso para prevenir e enfrentar conflitos?
Vera Regina Lignelli Otero (ORTEC)................................................ 143

Capítulo 1 5 - Aigumas proteções sobre a sexualidade humana contemporânea


Cristina Di Benedetto (UNIPAR/CESUMAR/PR)............................... 149

Capítulo 1 6 - Identidade sexual e identidade de gênero


Vânia Lúcia Pestana SanfAna (UEM/PR)........................................ 154

Capitulo 17 - Disfunções sexuais e classes de resposta relacionadas


Maira Cantareíli Baptistussi (UNIPAR)............................................. 162

Seção II - O Tratamento

Capitulo 1 8 - Graus de ansiedade no exercido do pensar, sentir e agir em


contextos.terapéutícos
Gina Nolêto Bueno e lima A. Goulart de Souza Britto (UCG/GO) ....... 169

Capítulo 19 - Tricotilomania: Um impulso que pode ser controlado


Bernard Rangé e Danielle Monegalha Rodrigues (UFRJ).................... 180

Capitulo 20 - Formulação e tratamento de um caso de ansiedade social


Helene Shinohara (PUCRJ).............................................................. 187

Capítulo 21 - Experiência com grupos terapêuticos em uma clinica escola


Marta Vieira Vilela, R. Mosena e Sandra Lopes (UCDB/MS)............... 192

Capítulo 22 - Terapia Comportamental e Cognitiva em grupo para transtorno


de pânico - Terapia Comportamental Cognitiva em grupo
aberto: vantagens e desvantagens
Célia Vaisbich Inácio (FMUSP).......................................................... 199

Capítulo 2 3 - Transtorno Obsessivo-Compulslvo: tratamento cognitivo-


comportamental de um caso de colecionismo
Maria Améíía Penido, Bernard Pimentel Rangé e Leonardo F.
Fontenelle (UFRJ)...............................................................................205

viii
Capítulo 24 - Arquitetura e psícobíofogía do sono nos transtornos de humor
Makilim Nunes Baptista (UNIARARAS/UBC), Nancy Julieta Inocente
(UNITAU-SP), Paulo Rogério Morais (UBC).................................... 215

Capítul(/25- Alterações neuroquímicas da depressão


Sandra Obredecht Vargas Nunes (UEL)........................................... 223

C a p ítu lo ^ - O estresse e as alterações imunológicas


Sandra Obredecht Vargas Nunes (UEL)........................................... 228

Capítulo 27 - Insônia e tratamento comportamental


Nancy Julieta Inocente (UNITAU-SP), Sandra Leal Calais (UNESP-
Bauru), Paulo Rogério Morais (UBC), Makilim Nunes Baptista
(UNIARARAS/UBC), Rubens Reimão (USP/APM).......................... 234

Capítulo 28 - Sono: arquitetura, funções e distúrbios


Paulo Rogério Morais (UBC), Makilim Nunes Baptista (UNIARARAS/
UBC) e Sandra Leal Calais (Unesp - Bauru)..................................... 242

Capítulo 2 9 - Transtornos de personalidade e psicoterapia cognitiva


Makilim Nunes Baptista (UNIARARAS) e Paulo Rogério Morais
(U BC )............................................................................................... 256

Capitulo 3 0 - 0 desenvolvimento e o uso do Software “CM” na reestruturação


da memória pós-traumática-
Renato M. Caminha, Juliane Lima, Jody Schafer, Vanessa Galarraga
(UNISINOS/RS)............................................................................... 265

Capítulo 3 1 - 0 transtorno da compulsão alimentar periódica - técnicas


cognitivas e comportamentais
Mônica Duchesne (UFRJ).............................................................. 277

Capítulo 3 2 - Terapia comportamental para enurese noturna com uso do


aparelho de alarme para urina - Diferenças e similaridades
no tratamento de crianças e adolescentes
Rosemar A. Prota da Silva, Noel J. Dias da Costa e Edwiges F. de
Mattos Silvares (IPUSP)................................................................. 284

Capítulo 33 - Diagnóstico de depressão do idoso


Heber O. Vargas, Tiemi Matsuo (UEL) e Sérgio Luis Blay (Unifesp)......... 296

Seção III - Psicologia e Saúde

Capítulo 3 4 - A Psicologia Comportamental na formação dos profissionais


da Saúde
Gabriel Tarragô Santos (UMC)......................................................... 307
Capítulo 35 - Estratégias lúdicas para intervenção terapêutica com crianças
em situação clinica e hospitalar
Maria Rita Zoéga Soares (UEL), Cynthia Borges de Moura (DEL) e
Helena Bazanelli Prebianchi (PUCAMP) ..............................................312

Capitulo 3 6 - Apoio psicológico a familias de diabéticos


Denise Cerqueira Leite Hellere Patrícia Guillon Ribeiro (UTP)................327

Capítulo 37 - A Obesidade Mórbida e a Psicologia


Rosângela T. Cristani Arruda............................................................... 333

Seçâo IV - Pesquisa

Capítulo 38 - Pesquisa em clinica comportamental - Proposta metodológica


e resultados
Sonia Beatriz Meyer (IPUSP)............................................................345

Capitulo 39 - A ética em pesquisa com seres humanos: dos documentos aos


comportamentos
Antonio Bento Alves de Moraes e Gustavo Sattolo Rolim (UNICAMP/
PIRACICABA).................................................................................. 353

Capitulo 40 - Concepções de terapeutas comportamentais sobre o behaviorismo


Ralph Strâtz (PUCSP)......................................................................363

Capítulo 41 - Independência entre respostas e eventos subseqüentes: efeitos


no desempenho individual
Vanessa Di Rienzo (PUCSP/UNIP)................................................... 371

Capítulo4 2 - Verbal 2.0: Um programa de computador para estudos


experimentais do comportamento verbal sob controle pelas
conseqüências
Gerson Yuklo Tomanari, Ivan Carios Pavão e Marcos de Toledo Benassi
(IPUSP).............................................................................................. 379

Capítulo43- Inibição latente: contribuição com o modelo animal de


esquizofrenia
Cilene Rejane Ramos Alves e Maria Teresa Araújo Silva (IPUSP)........ 366

Capítulo 4 4 - Inibição latente: Contribuição como modelo humano do


distúrbio de atençào
Liana Lins Melo, Elenice A. de Moraes Ferrari e João Vinícius Salgado
(IPUSP)............................................................................................ 398

Capítulo 4 5 - Qualidade de vida em pacientes com transtorno obsessivo-


compulsivo
Isabela D. Soares, Bernard Range, Mauro V. Mendowicz, Leonardo F.
Fontenelle, Carlos Américo Alves Pereira (UFRJ)................................ 412

x
Capítulo 46 - Adesão ao tratamento psiquiátrico de pacientes portadores
de transtornos de ansiedade
Maria Elisa de Siqueira Monteiro (UNINOVE)...................................422

Capitulo 47 - Comportamento alimentar: Influência materna na obesidade


infantil
Rita de Fátima Carvalho Barbosa de Souza, Denise Cerqueira Leite
Heller, Mônica de Caldas Rosa dos Anjos e Andréa Nogueira de
Campos Aguirre (U TP )....................................................................435

Capitulo 48 - Relação entre a presença de transtorno alimentar, eutrofia e


percentual de gordura corporal em estudantes universitários
do sexo feminino
Denise Cerqueira Leite Heller, Mônica de Caldas Rosa dos Anjos
(UTP) e Adilson dos Anjos (UFPR)..................................................445

Capítulo4 9 - Faísas memórias em pré-escolares: uma investigação


experimental e suas implicações clínicas
Carmem Beatriz Neufeld (FAG/CASCAVEL) e Lilian Milnitsky Stein
(PUC/RS)......................................................................................... 453

Capítulo 50 - Um procedimento de treino de discriminação condicional com


bebés
Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil (UFSCAR) e Thais Porlan de
Oliveira (UFSCAR)...........................................................................469

Capítulo 51 - Perfil do condutor infrator da cidade de Curitiba em 2001


Marilza Mestre, Amanda Amarantes, Henrique Stum, Isabella
Santos, Juliane Gequelin, Letícia Assumpçâo, Mariane Louise
Bonato, Thalita Freire-Maia, Ana Dalva Andrade, Leda Mara R. S.
de Ferrante (UTP,PUCPR,DETRAN/PR).........................................478

xi
Apresentação

Mais uma vez, a ABPMC tem a grata tarefa de compilar trabalhos que refletem os
avanços em pesquisa, clínica e reflexão do ano de 2002, em um retrato do que vem sendo
produzido pela comunidade na área da Terapia Comportamental e Cognitiva. O resultado
do esforço desta diretoria já está sendo amplamente reforçado pelos mais de 100 autores
que enviaram suas contribuições neste ano.
O material foi revisado e organizado em blocos, de forma a facilitar o manuseio
dos íeitores. No volume 11, iniciamos com a recuperação de importantes autores que
tiveram influência sobre o pensamento de analistas do comportamento. Em seguida, pas­
samos a autores que tém influenciado o pensamento e a prática clínica de terapeutas
comportamentais no Brasil, refletindo suas preocupações com princípios teóricos e com a
apreciação de suas práticas. Temos, também, aí, trabalhos refletindo preocupação, de­
monstrada por gnaífstas do comportamento, com a pesquisa voltada à clínica. Segue-se
com a questão da formação de novos terapeutas e aplicações da análise do comporta­
mento a trabalhos em educação e na comunidade.
No volume 12, contamos com importantes contribuições teóricas para o trabalho
em clínica, seguidas de relatos de experiências com tratamento. Neste volume, o leitor vai
encontrar, ainda, um tópico sobre psicologia e saúde, e outro sobre relatos de pesquisa
básica e em clínica, que têm enriquecido nossos encontros anuais.
Estes volumes são o retrato deste momento da ABPMC, que é de muita produção
de nossos filiados e de sua disposição em compartilharem, em ambiente não punitivo, de
suas experiências na pesquisa e na clínica, em mais um passo para descrever a consoli­
dação de suas ações em nosso meio, contribuindo para o estudo e o ensino da Terapia
Comportamental e Cognitiva no Brasil.

xiil
As publicações da ABPMC têm sido ansiosamente aguardadas pela comunidade
dos terapeutas e pela comunidade acadêmica ligada à área, pelo acesso que dâo ao
mundo da Terapia Com porta mental em um país como o nosso, onde temos tantas dificul­
dades para difundir o que fazemos e o que pensamos. Esperamos, com estes dois volu­
mes, estarmos mais uma vez atendendo a este anseio em uma cadeia que vem amplian­
do a variação comportamental, o que permite a seleção de muitos comportamentos alta­
mente desejáveis ao progresso da Terapia Comportamental e Cognitiva.
O sentimento ó de extrema satisfação pela oportunidade de fortalecer o compor­
tamento de compartilhar ricas experiências!

Diretoria da ABPMC
Gestão 2002/2003

xiv
Seção I

Contribuições
teóricas para a
clínica
Capítulo 1
Psicoterapia baseada em
evidências e análise crítica da Literatura
Armando Ribeiro das Neves Neto'

Através dos séculos diversos tratamentos foram desenvolvidos para as doenças


mentais, aliados sempre ao conhecimento hegemônico da época e também aos seus
preconceitos, conhecemos através da história, muitos tratamentos que além de inefica­
zes apresentavam graves prejuízos à saúde humana, ou seja, buscar um tratamento po­
deria abreviar a morte ou complicar a existência. Do exorcismo, lobotomia, utilização de
sanguessugas, malarioterapia, insulinoterapia, choques térmicos, balanço giratório, ba­
nhos de imersão, magnetismo animal (hipnose), eletroconvulsoterapia, às primeiras dro­
gas com efeitos psícotrópicos conhecidos, nossa preocupação atual é buscar compreen­
der os mecanismos de ação das intervenções psicológicas e psiquiátricas, assinalando
para a comunidade científica e população geral os tratamentos que demonstram eficácia
e segurança para os diversos transtornos mentais existentes (Figura 1) (Lotufo Neto et al.,
2001; Neves Neto, 2002; 2003).

Figura 1. Balanço Giratório largamente utilizado no tratamento das doenças mentais


(século XVIII).

’ Patoótogo Doutorando pata Eacola Paulata da Madtctna • UNIFE3P. Coordanador do SMor d* Patcotogla da Saúda do Irwtttuto Neuolôgtoo d« 8âo Paulo
- HoapHal Banaflctnda Portuguaaa AMBAN IPQ-HCFMU8P.

Sobrf Comportdmrnto e CognifAo 17


Karasu (1986), Beitman, Golfried e Narcross (1989) citados por Kerbauy (2002)
relatam a existência de mais de 400 abordagens psicoterápicas distintas, número que
surpreende a todos (profissionais, afunos e clientes), gerando dúvidas interessantes as
quais questionam sobre a real necessidade deste número de propostas de tratamento, ou
seja, todas funcionam? todas estão habilitadas ao tratamento dos transtornos mentais
conhecidos? uma mesma queixa pode ser tratada com eficácia e segurança por todas
estas abordagens? o tempo de tratamento e o custo são os mesmos? estão fundamenta­
das epistemologicamente? qual é crivo científico por trás das diferentes propostas? e
quanto à produção de pesquisas? possuem comunidades organizadas, sociedades, en­
contros regulares? e quanto ao treinamento dos profissionais? Entre outras questões
(Quadro 1).
Quadro 1. Descrição de algumas abordagens psicoterápicas.
Terapia Terapia Centrada Terapia Terapia
Psicanálise
Comportamental na Pessoa Sistémica Cognitiva

Terapia Auto- Terapia Terapia


Terapia Terapia
Instrucional Comportamental Fenomenológica
Familiar Reichiana
Cognitiva

Terapia Racional Hipnose Terapia Entrevista Terapia


Emotiva Ericksoniana Lacaniana Motivacional Estrutural

Terapia Dessensibilização Psicoterapia Terapia Cognitiva Terapia


Existencial e Reprocesaamento Analítico Narrativa Cognitiva
Humanista através de Funcional (FAP) Construtivista
Movimentos
Oculares (EMDR)

Terapia TeraplaCorporal Psicodrama Análise Biossíntese


Transpessoal Transacional
Análise Arte-Terapia Terapia de Casal Gestalt Terapia Terapia
Bioenergótica Interpessoal

Terapia Autógena Terapia Terapia de Terapia Sexual Mediação


Comportamental Realidade Familiar
Dialética

Terapia do Grito Terapia Kleiníana Logoterapia Terapia Análise


Primai Multimodal Junguiana

Podemos avaliar que sendo difícil para os profissionais psicólogos e psiquiatras


terem profundo conhecimento das propostas anteriormente descritas, imaginamos o que
se passa com os demais profissionais da saúde (médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogas,
assistentes sociais etc.). Equivoca-se quem pensa que não seja necessário um maior
esclarecimento das propostas psicoterapêuticas existentes, pois políticas de saúde, con­
vênios de saúde, comunidades, regiões geográficas, diferentes níveis socioeconômicos,
diferentes formas de acesso aos serviços de saúde, cultura e educação, religião, entre
outros, podem ser afetados de formas muito diferentes pelo emprego de uma das formas

18 Armando Ribeiro das Neve* Neto


descritas no quadro anterior (Binder, 1976). Costuma-se pensar que psicoterapia seja
uma coisa só, como ouvimos regularmente dos clientes: "vim fazer análise”, “estou fazen­
do psicanálise", "preciso procurar uma terapia".

O que é Psicoterapia Baseada em Evidôncias (PBE)?

A partir das informações já apresentadas, fica mais claro o conceito de Psicoterapia


Baseada em Evidências (PBE), também chamada de "Psychotherapeutic Evidence Based
Treatments","Empirically Validated Therapies" ou “Effective Psychosocial Intervention^',
sendo assim descrito: "revisão da literatura científica sobre tratamentos psicoterápicos
que apresentaram eficácia frente aos critérios metodológicos adotados" (Chambless et
ai., 1996, Chambless e cols., 1998, p. 3), ou seja, adotar intervenções clínicas baseando-
se nos resultados de estudos bem conduzidos metodologicamente, visando uma maior
eficácia, efetividade, segurança e custo (Sartorius et al., 1993; Niederehe, Street & Lebowitz,
1999; NIH-NIMH, 1999; Norquist & Hyman, 1999; Clay, 2000; Department of Health, 2001).
Entender a PBE exige novos conhecimentos advindos das ciências epidemiológicas
e de metodologia de pesquisa (Fletcher, Fletcher & Wagner, 1996).
Eficácia (efícacy) ó a demonstração empírica do funcionamento de um determi­
nado tratamento, pode ser utilizada quando uma determinada intervenção trás os efeitos
esperados para o paciente que a recebe (em condições ideais). Os estudos de eficácia
geralmente elegem pacientes que ativamente colaboram para o estudo, sendo descarta­
dos os pacientes com queixas incomuns, dificuldades de aderência ao tratamento ou
pacientes com comorbidades (presença de diversas outras condições de saúde). Exem­
plo: Emprego de Terapia Comportamental (consistindo em: relaxamento muscular pro­
gressivo, monitoração de atividades e reforço positivo) sendo eficaz para o tratamento de
sintomas ansiosos em um adolescente tratado numa clínica-escola.
Efetividade (effective) implica em oferecer um tratamento que traga mais benefí­
cios do que malefícios para os pacientes, sem descartar as queixas incomuns, as dificul­
dades de aderência, ou a ocorrência de comorbidades (em condições usuais). Na prática,
os estudos de efetividade põem a prova os tratamentos clínicos em grandes grupos
heterogêneos de pacientes, sendo assim incomuns pois podem apresentar resultados
inconclusivos. Exemplo: Emprego de Terapia Comportamental (consistindo em: relaxa­
mento muscular progressivo, monitoração de atividades e reforço positivo) sendo efetivo
para o tratamento de sintomas ansiosos em um grupo de 60 adolescentes tratados no
ambiente escolar.
Segurança (safety) é um tema extremamente atual, mantendo ligações com a
Ética Profissional e a Bioética. A utilização de Terapia Aversiva, chocou a opinião pública,
possibilitando a rotulação de toda uma prática bem fundamentada e orientada para o
tratamento dos pacientes. Os novos tratamentos devem incluir uma análise da segurança
dos indivíduos participantes, sendo exigência principal das Comissões de Ética e Pesqui­
sa, um relatório detalhado, que deverá ser informado ao paciente, e a intervenção só
acontece após consentimento livre e esclarecido por parte deste. A existência de efeitos
colaterais ou possibilidade de insucesso terapêutico, entre outros, deverá ser comunicado
aos pacientes, estando este ciente das adversidades inerentes as intervenções no campo
da saúde. Exemplo: Utilizar a técnica de inundação ou a técnica de dessensibilização

Sobre Comportamento c Cogniçdo 19


sistemática para o tratamento de fobia de insetos? Qual procedimento apresenta mais
segurança?
Custo (cost) é o valor econômico que responde por todos os gastos envolvidos
com o tratamento. Questão difícil e bastante atual, é incluir nos estudos de eficácia -
efetividade, análises do custo do tratamento, que podem incluir: honorários do profissio­
nal, duração do tratamento, frequência de consultas, uso de medicação, recaídas, acom­
panhante terapêutico, procedimentos (ex. biofeedback, hipnose e psicodiagnóstico),
interconsultas (ex. psiquiatras, fisioterapeutas etc.), exames complementares (ex. resso­
nância magnética, avaliação nutrícionaí etc.) entre outros. Existe uma necessidade social
bastante atual de avaliar o impacto do tratamento na vida do paciente (ex. educacional,
ocupacional e afetiva) e de seus familiares, questões como indicação de tratamento, ou
não devem ser respondidas pelas novas pesquisas. Exemplo: Qual é o custo de um
tratamento psicoterápico para a depressão? Os valores podem variar de R$ 1000,00 até
R$ 10.000,00, bem como o tempo de tratamento de 4 meses até 6 anos.
Os diferentes estudos de PBE vêm analisando quais as melhores intervenções
para os diversos problemas de saúde mental existentes, considerando os dados anteri­
ores. Agora será necessário compreender quais as possibilidades existentes de estu­
dos acerca da eficácia, efetividade, segurança e custo (Sartorius et ai., 1993; Kaplan &
Groessl, 2002).

Desenhos de Pesquisa

1- Opinião dos Especialistas


Considerada uma forma de conhecimento que apresenta grandes problemas
metodológicos, por consistir na experiência de vida pessoal dos seus autores, sem consi­
derar os vícios profissionais, interesses pessoais, vieses de observação, experiência clíni­
ca e metodológica, entre outros. É muito importante tomarmos contato com as experiên­
cias alheias, principalmente de profissionais com muita experiência no campo de traba­
lho, mas essas informações nôo podem ser utilizadas sem acrescentar dados empíricos
de trabalhos submetidos à avaliação de especialistas adhoc. Esse tipo de conhecimento
é comum nos encontros de profissionais, aulas acadêmicas e supervisões clínicas.

2- Revisão Narrativa
Forma de revisão da literatura bastante comum em nosso meio, é realizada sem
critérios definidos para busca e escolha da relevância dos artigos encontrados. Muitos
estudantes iniciantes conduzem revisão da literatura, somente em suas bibliotecas lo­
cais, ou somente utilizando os materiais fornecidos por professores e outros profissionais.
Exemplo de problemas na Revisão Narrativa é o aluno em 2003 dizer que não existem
artigos publicados sobre “Aids e depressão”, após avaliar o material de sua biblioteca, ou
literatura sugerida por professores.

20 Armando Ribeiro das Neves Neto


3- Estudo de Caso
É o passo inicial de qualquer estudo que investiga assuntos ainda pouco explora­
dos através de uma análise profunda do atendimento de um único caso clínico. É por
excelência o recurso metodológico mais utilizado em Psicologia, dado o objeto de estudo,
ser o homem, com suas experiências subjetivas e idiossincráticas. O estudo das novas
psicopatologias, frequentemente é iniciado através de um Estudo de Caso, na história
temos exemplos de importantes estudos, como: "O Pequeno Hans" de Freud e o estudo
de “Albert" de J.B. Watson. O principal problema deste estudo é sua baixa capacidade de
generalização, características que podem não ser encontradas em outros pacientes, dada
a idiossincrasia de cada estudo. Para o desenvolvimento de uma ciência não se pode ficar
estacionado neste nivel metodológico, a partir dos estudos de caso, são necessários
outros métodos mais complexos para provar a eficácia de um método terapêutico, ou
mesmo afirmar a existência de uma nova categoria psicopatológica.

4- Série de Casos
Mais complexo que o estudo de caso simples, o estudo Série de Casos, agrupa
os dados advindos de um número maior de sujeitos com os mesmos sintomas, ou que
receberam as mesmas intervenções clínicas. Ainda possui os mesmos problemas do
estudo anterior, sendo pouco generalizável. É um ótimo método para treinamento de estu­
dantes na clínica-escola, mas não pode ser usado como base para sustentar as teorias
psicológicas.

5- Estudo Transversal
O estudo transversal (estudo de prevalência) é um estudo do tipo observacional
em que são definidos uma amostra representativa da população geral estudada, e defini­
dos critérios de inclusão e exclusão destes indivíduos, com o objetivo de conhecer a
frequência de pessoas doentes em uma determinada população. Por exemplo, qual a
prevalência de sintomas depressivos em estudantes de um curso de Psicologia? De uma
população total de 500 alunos, define-se estatisticamente que 300 alunos são representa­
tivos deste grupo, sendo que apenas 200 preencheram os critérios de inclusão no estudo.
Como resultado se observa que 30% dos alunos apresentaram sintomas depressivos
clinicamente relevantes no período do estudo. Através do Estudo Transversal pode-se
avaliar a Prevalência (número de casos doentes no grupo estudado) ou a Incidência (nú­
mero de casos novos em um grupo que não possuía casos da doença). Um grande proble­
ma presente neste tipo de estudo é quanto ao efeito “fotografia", ou seja, você apenas tem
uma imagem momentânea sobre as condições de saúde-doença de um grupo estudado,
que pode ser alterado facilmente por novas variáveis desconhecidas pelo pesquisador. O
tamanho do grupo também pode variar muito, é comum não se fazer o cálculo estatístico
do tamanho da amostra representativa, o que já pode levar a um viés de seleção. Se a
doença for muito comum, em geral, espera-se um grupo muito grande para se tornar
representativo (ex. depressão), diferente de doenças menos comuns (ex: transtorno factício).

Sobre Comportamento e Co(jniç«lo 21


6- Estudo Caso-Control©
O Estudo de Caso-Controle ó um estudo do tipo retrospectivo que tem como
principal objetivo reconhecer as variáveis históricas que podem estar associadas a mani­
festação presente de uma determinada entidade clínica. Exemplo, buscar na história do
parto (complicações ou não) a explicação para o desenvolvimento de queixas psicológi­
cas ao longo da vida. Após a determinação da amostra representativa de uma determina­
da população, da definição de critérios de inclusão e exclusão, da escolha dos instrumen­
tos de medida, são montados dois grupos: grupo de casos (pessoas que possuem as
queixas estudadas) e um grupo de controles (pessoas que não possuem as queixas
estudadas), o objetivo principal do estudo é buscar através das variáveis existentes na
historia de vida dos grupos explicações que sustentem a associação entre uma determi­
nada variável e seu efeito (doença), seu cálculo principal ó denominado "Odds Ratio" (ra­
zão de chances), quanto maior seu valor, maior será a associação entre variáveis históri­
cas e desenvolvimento de doença.
O Estudo Caso-Controle ó principalmente utilizado para pesquisas que requerem
a etiologia (causa das doenças) e prevalência e/ou incidência, sendo sua principaí critica
relacionada ao viés das variáveis históricas, ou seja, o quanto se pode confiar na veracida­
de de informações trazidas pela memória dos sujeitos da pesquisa?

7- Estudo de Coorte
Trata-se de um estudo mais complexo e caro do que o anterior, é considerado
prospectivo, pois busca as variáveis no desenrolar da pesquisa. São formados dois grupos:
casos (ex: sujeitos que fumam) e controles (ex: sujeitos não fumantes), ao longo dos anos
ambos os grupos são seguidos, e conforme forem adoecendo os indivíduos (ex: câncer de
pulmão e/ou cardiopatia) é possível se calcular o que se denomina Risco Relativo, ou seja,
o peso do tabagismo na saúde dos grupos. Suas principais criticas ocorrem em relação ao
seu alto custo (ex: necessidade de uma amostra muito grande, pois as perdas de sujeitos
ao longo do tempo são inevitáveis, necessidade de muitos pesquisadores etc.), complexi­
dade metodológica e ao longo tempo de acompanhamento dos grupos.

8- Ensaio Clinico
Este ó “a menina dos olhos” dos desenhos de estudo. Sua utilidade principal é
aferir a eficácia de intervenções clínicas, sendo responsável pelo o que se denominou
chamar de PBE. Sua estrutura básica é a seguinte: de uma população geral, é formada
uma amostra representativa, que deverá ser randomizada (random) para as várias possibi­
lidades de tratamento disponíveis, ou seja, serão formados: um grupo experimental e um
(ou mais) grupo controle. Oe forma aleatória, os sujeitos serâo alocados nestes grupos,
sendo que durante a pesquisa, nem os sujeitos participantes, e os pesquisadores mais
próximos destes, saberão sobre os procedimentos técnicos aplicados, ou sobre as carac­
terísticas da psicopatologia estudada, o que é denominado mascaramento do tipo duplo-
cego (double blind). O rigor metodológico deste tipo de estudo, garante ao final avaliar o
impacto da intervenção no desfecho clínico dos sujeitos, sendo que um bom desfecho é
sempre determinado previamente ao início da pesquisa. A utilização de bons ensaios

22 Armando Ribeiro das Neve* Nelo


clinica, garante as evidôncias necessárias para fundamentar as intervenções a nível
institucional e de saúde pública, remodelando as práticas clínicas. O controle das variá­
veis, atingir o desfecho esperado, o treinamento das equipes de intervenção são aígumas
das dificuldades deste delineamento de pesquisa.

9- Revisão Sistemática
Diferentemente da Revisão Narrativa, uma boa Revisão Sistemática cria um méto­
do de pesquisa para o objeto de estudo, sendo necessário esgotar os diversos mecanis­
mos de busca da literatura existentes (ex: bibliotecas especializadas, especialista no
tema, anais de congressos, trabalhos ainda não publicados, Psylnfo, Medline, Embase
etc.), bem como processar a informação encontrada, pontuando-se o valor dos artigos e
analisando seus critérios metodológicos. É um exaustivo trabalho que necessita de su­
pervisão externa e, possivelmente, da colaboração de agências internacionais, como a
Colaboração Cochrane.

10-Metanálise
Após a realização de uma Revisão Sistemática, é possível e desejável realizar um
trabalho estatístico com os dados advindos dos artigos já selecionados, isto se
convencionou chamar de Metanálise (Figura 2). A partir de diversos estudos já selecionados,
as amostras populacionais são agrupadas e calcula-se o efeito de diferentes intervenções
num número grande de sujeitos, a partir da reunião das pesquisas, com excelente rigor
metodológico. Tanto a Revisão Sistemática, quanto a Metanálise usam dos ensaios clíni­
cos existentes para formar o que se convencionou chamar de “Guidelines", ou seja, guias
para as práticas clínicas. Este é um recurso excelente para a PBE, pois oferece aos
profissionais, um conhecimento empírico atual, que já passou por diversos “funis" de seleção,
estando então apropriados para o emprego na prática diária.

Figura 2. Exemplo de um gráfico gerado no processo de Metanálise.

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O .M T I 0 .9 4 1 ; O .B M S il

Sobre Comportamento e Coflni(3o 23


Uma informação importante para os sujeitos que desejam iniciar pesquisas
seguindos os procedimentos anteriormente descritos é quanto ao objetivo do estudo,
descrito no quadro 2.

Quadro 2. Descrição dos desenhos de pesquisa segundo o objetivo.


Estudo Objetivo
Transversal Diagnóstico
Prevalência
Coorte Incidência
Prognóstico
Caso-Controle Risco
Coorte Etiologia
Ensaio Clinico Tratamento
Revisão Sistemática e Prevenção
Metanálise
Adaptado de Fletcher et al. (1996).

A critica aos limites existentes em cada um dos estudos epidemiológicos ó ilus­


trada na figura 3, sendo também indicado o poema “The blind men and the elephant" de
John Godfrey Saxe (Anexo 1), por enfatizar os erros advindos de uma visão fragmentada,
especializada, comum aos métodos de pesquisa e a não utilização de estudos qualitati­
vos (Lovisl & Nogueira, 1994; Messer, 2002).

's

Figura 3. Ilustração sobre os limites dos diferentes métodos de estudos (Figura adaptada de
G. Renee Guzlas).

U Armando Ribeiro dai Neve* Neto


Após este breve resumo sobre os delineamentos de pesquisas existentes, na
epidemiologia clínica, chega o momento de apresentar os resultados da PBE para os
diversos transtornos mentais estudados, sendo necessário apenas reconhecer o crivo
construído por algumas associações de classe (Division 12 Task Force on Effective
Psychosocial Interventions da Associação Americana de Psicologia - EUA; Instituto Na­
cional de Saúde Mental—EUA; Evidence Based Clinical Practice Guideline- Departamento
de Saúde da Inglaterra; Task Force on Empirically Supported Treatments da Associação
Canadense de Psicologia; Evidence Based Treatment 6a Associação Americana de Psi­
quiatria - EUA e da Colaboração Cochrane, entre outros), presentes na tabela 2.

Tabela 2. Critérios para Psicoterapia Baseada em Evidências (PBE).

__________________Tratamentos Bem Estabelecidos


1. Pelo menos dois bons delineamentos de pesquisa que demonstraram eficácia em uma
ou mais das seguintes direções:
A. Superior (estatisticamente significante) a droga ou placebo ou a outro tratamento.
B. Equivalente a um bem estabelecido tratamento em experimentos com amostragem
representativa.
Ou
2. Um grande número de estudos do tipo série de casos (n>9) demonstrando a eficácia.
Estes experimentos devem ter:
A. Usar bom delineamento experimental e
B. Comparar a intervenção com outro tratamento como em 1A
Outros critérios para 1 e 2:
3. Experimentos devem ser conduzidos com manuais de tratamento
4. Características das amostras de clientes devem ser claramente especificadas
5. Efeitos devem ser demonstrados por pelo menos 2 diferentes investigadores ou equipe
de investigadores

Tratamentos Provavelmente Eficazes_______________


1- Dois experimentos demonstrando que o tratamento é superior (estatisticamente
significante) comparado a um grupo de lista de espera.
2- Um ou mais experimentos que preencheram os critérios para os Tratamentos Bem
Estabelecidos 1A ou 1B, 3, mas não o 4.
3- Uma pequena série de estudos de caso (n>3) que utilizaram os critérios dos Tratamen­
tos Bem Estabelecidos.
(Adaptado de Chambless e cols., 1998)

Sobre Comportamento e Cognição 25


Além dos critérios descritos anteriormente a respeito da PBE ó possivel utilizar
um guia geral que servirá para classificar sobre os graus de evidências seguindo orienta­
ções de um documento do Departamento de Saúde da Inglaterra, tabela 3.

Tabela 3. Recomendações para avaliar o grau de evidência de estudos em psicoterapia.


_________________________ Grau» de Evidência»_________________________
Evidência Nivel A - Baseados em achados consistentes em uma maioria de estudos
de revisões sistemáticas de "alta qualidade” ou evidências de experimentos com alta
qualidade.
Evidência Nivel B - Baseados em pelo menos um estudo de alta qualidade, e uma fraca
ou inconsistente revisão que não completou todos os critérios de "alta qualidade".
Evidência Nível C - Baseados na evidência de estudos individuais que não preencheram
todos os critérios de “alta qualidade".
Evidência Nivel D - Baseados nas evidências de consensos de profissionais experientes.
(Adaptado de Department of Health, 2001)

As duas formas de classificação anteriormente descritas são ainda criticadas


quanto ao sistema adotado para avaliar os estudos científicos realizados com o objetivo
de sustentar a eficácia das práticas psicoterápicas atuais. Mesmo assim, são opções
interessantes para se poder julgar de forma parcimoniosa e sistemática os resultados das
pesquisas no campo da psicologia e psiquiatria. A principal critica a esta conduta é sobre
a inexistência de critérios também sistemáticos e parcimoniosos para se avaliar os estu­
dos qualitativos, que ainda estão de fora dos guias gerais de prescrição e sustentação
cientifica das psicoterapias em voga.
Quanto aos resultados gerais da PBE gostaríamos de apresentar na tabela 4, uma
lista resumida de alguns tratamentos que já possuem evidências científicas de sua eficácia.

Tabela 4. Exemplos de PBE.


Nivel Aplicação Artigos
A Terapia Comportamental para Blanchard et al. (1980)
cefaléia. Holroyd & Penzien (1990)
A TCC pàra prevenção de recaída Hill et al. (1993)
na cessação de tabagismo. Stevens & Hollis (1989)
A TCC para bulimia nervosa. Agras et al. (1989)
Thackwray et al. (1993)
A TCC para dor associada Keefeetal. (1990a,b)
com doença reumática. Parker et al. (1988)
B TCC para dor lombar crônica. Turner & Clancy ( 1988)
B TCC para SCI. Lynch & Zambie (1989)
Payne & Blanchard ( 1995)
TCC =!Terapia Cognitivo-Comportamental
SCI = Slndrome do Cólon Irritável

26 Armando Ribeiro das Neves Neto


Análise crítica da literatura

As fontes atuais de conhecimento estão cada vez mais próximas de seus consu­
midores finais e cada vez mais velozes na possibilidade de atualização. Internet, sites
com mecanismos de busca, bibliotecas (reais e virtuais), CD-ROM, revistas (científicas ou
populares), reportagens, livros, manuais, treinamentos, vídeos, encontros, entre outros,
possibilitam que o acesso ao conhecimento seja cada vez mais incorporado na prática
clínica convencional. A experiência no ensino de Psicologia nos coloca mais próximos ao
fácil acesso que nossos alunos tem em relação à busca de informações científicas, e
também aos problemas advindos desta prática sem reflexão ou crítica.
Onde está o saber que perdemos na Informação? (T.S. Eliot).
É relevante adotarmos meios de filtrar melhor nossas fontes de informação, pois
toda a prática dependerá daquilo que incorporarmos ao nosso sistema de
conceitualização, possibilitando ou não, disponibilizar os dados mais fidedignos presen­
tes na boa literatura atual.
Em uma pesquisa descrita por Callahan et al. (1994) apud Fletcher et al. (1996)
dos 1631 artigos encontrados num levantamento inicial de referências bibliográficas, ape­
nas 130 referências eram relevantes para os seus objetivos, sendo as fontes desprezadas
por inúmeros motivos (ex: sem dados originais, língua não-inglesa, com menos de 10
pacientes, metodologia frágil etc.).
Para orientação geral da Análise Crítica da Literatura, observaremos algumas
questões que auxiliam neste processo, a seguir:
1. Qual ó o objetivo do estudo?
2. A metodologia empregada é correta para os objetivos determinados?
3. Quanto à amostra, foi adequada (ex. no. de sujeitos, critérios de inclusão e exclusão,
randomização, grupo controle, mascaramento, local do estudo etc.)?
4. Quanto aos instrumentos utilizados (ex. são validados, adaptados para cultura, deter­
minados seus valores de sensibilidade e especificidade etc.)?
5. Quanto aos procedimentos (ex. foram descritos, são clássicos ou criados para o estu­
do especificamente etc.)?
6. Quanto aos resultados (ex. a análise estatística foi correta, a descrição das variáveis
correspondeu aos objetivos determinados anteriormente etc.)?
7. A discussão foi coerente com o conhecimento atual e os resultados do estudo?
8. Foi realizada análise de follow-up (seguimento), drop-out (desistência), bias (viéses)?
9. Outras informações relevantes (ex: quem financiou o estudo, onde foi publicado o estudo
etc.).

A partir do exposto até aqui, convém refletir sobre se a PBE responde a atual
definição de psicoterapia formulada pelo Conselho Federal de Psicologia, sendo este:

Sobre Comportamento e Cognição 27


“Conforme resolução (Ari. 1*) do Conselho Federal de Psicologia No.
010/00 de 20 de dezembro de 2000, resolve: “A psicoterapia ó prática do psicó­
logo por se constituir, técnica e conceitualmente, um processo cientifico de com­
preensão, análise e intervenção que se realiza através da aplicação sistematiza­
da e controlada de métodos e técnicas psicológicas reconhecidos pela ciência,
pela prática e pela ética profissional, promovendo a saúde mental e propiciando
condições para o enfrentamento de conflitos e/ou transtornos psíquicos de indiví­
duos ou grupos".

Tendo em vista que o processo psicoterápico atualmente não é somente o esta­


belecimento de uma relação acolhedora entre o profissional e seu cliente, o entendimento
e a possibilidade de produzir conhecimentos baseado em PBE devem fazer parte da
formação de todo profissional da saúde mental.
Sanderson (2002a,b) aponta os principais problemas enfrentados pela PBE na
comunidade de ensino e prática da psicoterapia, salientando:
1. A aprendizagem de Psicoterapia que faz parte da formação acadêmica (de Psicólogos
e Psiquiatras) não exige um treinamento compreensivo em PBE, conseqüentemente
quando vão para a prática eles não adquiriram habilidades para administrar estes trata­
mentos.
2. Os programas de educação continuada não requerem treinamento em PBE, por con­
seguinte não existe uma garantia da transferência destes tratamentos dos locais de
pesquisa para a prática cl/nica.
3. Muitos clínicos têm preconceitos contra a PBE e não buscam programas de educação
continuada para reciclarem suas práticas conforme a PBE.

Conclusão

A PBE é uma realidade atual e que vem rapidamente fazendo parte de sérias
discussões em reuniões cientificas, associações de classe, políticas de saúde e na pró­
pria história das psicoterapias. É imprescindível que nos preparemos para compreender e
aplicar os processos metodológicos advindos da PBE.
Aos pesquisadores, este recurso serve para orientá-los na formulação mais refi­
nada das questões científicas; aos clínicos orientá-los quanto aos métodos que segura­
mente já demonstraram eficácia e segurança; aos estudantes uma formação solidamente
embasada no desenvolvimento do seu campo de conhecimento; e a população em geral
uma fonte segura que embasa e justifica a utilização da psicoterapia como um método
cientificamente comprovado.

Referências
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28 Armando Ribeiro da* Neve* Neto


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321(2), 291-292.

Sites Recomendados:
• Centro Cochrane do Brasil
www.centrocochranedobrasil.org
• Biblioteca Regional de Medicina (Bireme)
www.bireme.br
• National Library of Medicine (Medline)
www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi
• Evidence-Based Mental Health
http://ebmh.bmjjournals.com
• Annual Review of Psychology
http://intl-psych.annualreviews.org
• Medscape
www.medscape.com

30 Armando Rlbclro tid* N fv r* N fto


Anexo 1

The Blind Men and the Elephant


John Godfrey Saxe (1816 -1887)

It was six men of Indostan


To learning much inclined,
Who went to see the Elephant
(Though all of them were blind),
That each by observation
Might satisfy his mind.

The first approached the Elephant,


And happening to fall
Against his broad and sturdy side,
At once began to bawl:
"God bless me! But the Elephant
is very like a wall"

The second, feeling of the tusk,


Cried, “Ho! Wath have we here
So very round and smooth and sharp?
To me ‘tis mighty clear
This woxider of an Elephant
Is very like a spear!"

The third approached the animal,


And happening to take
The squirming trunk within his hands,
Thus boldly up and spake:
"I see," quot he, "the Elephant
is very like a snake!"

Sobrc Comportdmfnlo c Coflnlçâo 31


The fourth reached out an eager hand,
And felt about the knee.
“what most this wondrous beat is like
is mighty plain," quote he;
"Tis clear enough the Elephant
Is very like a tree!"

The fifth, who chanced to touch the ear,


Said: "e’en the blindest man
Can tell what this resembles most;
Deny the fact who can
This marvel of an Elephant
Is very like a fan!"

The sixth no sooner had begun


About the beast to grope,
Than, seizing on the swinging tail
That fell within his scope,
"I see," quoth he, "the Elephant
is very like a rope!"

And so these men of Indostan


Disputed loud and long,
Each in his own opinion
Exceeding stiff and strong,
Though each was partly in the right,
And all were in the wrong!

Armando Ribeiro das Neve* Neto


Capítulo 2
Depressão na infância e na adolescência

Sdint-Cláir Bahls1

A depressão constitui-se em um grande problema de saúde pública. Existem


dados que a situa entre as doenças mais comuns e prejudiciais, causando impacto em
todos os níveis da sociedade (Bahls, 1999; Judd,1995). Entre todas as doenças ô a quarta
colocada no sentido do prejuízo que causa, com previsão, segundo a Organização Mundi­
al de Saúde, de transformar-se na segunda no ano de 2020 (Murray & Lopez.1996). Sua
evolução costuma ocorrer com recorrências e cronicidade (Hirschfeld.1998), demonstran­
do claramente sua relevância clinica.
No entanto, o reconhecimento deste quadro clinico afetando crianças e adoles­
centes, é bastante recente, ocorrendo a partir dos anos 70, até então, não se acreditava
que infantes e jovens pudessem padecer de depressão (Bahls, 2002a; Bahls & Bahls,2002).
Nos dias de hoje, as evidôncias cientificas apontam que a depressão maior na infância e
na adolescência apresenta natureza duradoura e pervasiva, afeta múltiplas funções e cau­
sa significativos danos psicossociais, sendo de prevalôncia comum na adolescência
(Bahls,2002b). Çesquisas recentes sobre depressão com inicio na infância e na adoles­
cência indicam um curso mais refratário do que na depressão de inicio na idade adulta,
alcançando sintomatologia mais grave e perniciosa (Martin & Cohen.2000; Rohde, Lewinsohn
& Seeley,1994). A depressão é uma das patologias mais encontradas pelos médicos que
atendem adolescentes (Ward, EylerA Makris,2000).
Aproximadamente um quarto dos adultos com depressão maior relataram que
sua doença teve inicio antes dos dezoito anos de idade (Olsson & von Knorring,1999).
Estudos comunitários longitudinais têm demonstrado um aumento secular nos transtornos
depressivos e também tem sido observado que o risco para transtornos depressivos é
maior em pessoas nascidas mais recentemente, fenomêno chamado de "efeito de coorte”
em epidemiologia (Cross-National Collaborative Group, 1992; Joyce, Oakley-Brownw, Wells,

' Póa graduação em Palqutatrta CUnica UFRS. Maatrado atn Patcotogla da Infância a AddMoénota UFPR Profaaaor do curao da Paloatogla na UFPR,
UTP a UNICENP.

Sobre Comportamento e Cognição 33


Buschnell & Hornblow,1990; Klerman & Weissman.1989). Por exemplo: indivíduos nasci«
dos na última parte do século XX tôm uma tendência de início mais precoce e um maior
risco para depressão, e estudos em gerações sucessivas também têm demonstrado um
aumento importante nos índices de depressão em crianças e adolescentes (Gershon,
Hamovit, Guroff & Nurnberger.1987; Gill, Coffey & Park,2000; Klerman, Lavori, Rice, Reich,
Endicott & Andreasen,1985). Avaliando o risco de depressão em famílias, foi observado
que as pessoas nascidas mais tarde apresentaram um risco maior e o efeito do ano de
nascimento foi estatisticamente significativo, indicando para cada ano um aumento de 5 a
32% de risco (Ryan, Williamson, lyengar, Orvaschel, Reich & Dahl,1992).
A depressão em crianças e adolescentes têm chamado a atenção pois, além de
ter seu reconhecimento estabelecido, parece estar mais freqüente e ocorrendo cada vez
mais cedo.

1. Epidemiologia

Dados atuais indicam que a prevalência da depressão em crianças e adolescen­


tes depende da idade e do sexo. Segundo vários autores a ocorrência de depressão
aumenta significativamente na passagem da infância para a adolescência, havendo uma
modificação na distribuição entre os sexos. Citam que em crianças não há diferença entre
os gêneros, ou os meninos apresentam taxas um pouco maiores do que as meninas,
entretanto na adolescência ocorre uma modificação com um predomínio das meninas
sobre os meninos (DSM-IV.1994; Herkov & Myers,1996; Scivoletto, Nicastri &
Zilberman,1994; Versiani, Reis & Figueira,2000; Walter,1996), e situam a idade entre nove
a dez anos como o período onde começam a aumentar significativamente os índices de
depressão (Angold & Costello,1995; 1,1996). Estudos retrospectivos afirmam que a
prevalência da depressão é baixa até a idade dos nove anos, aumentando agudamente
dos nove aos dezenove anos, especialmente nas meninas (Besseguini,1997; Lewinsohn,
Clarke, Seeley & Rohde,1994). E Nolen-Hoeksema e Girgus (1994) em artigo sobre a
diferença de gênero na depressão em adolescentes, citam que é por volta dos treze a
quatorze anos que as meninas começam a apresentar taxas mais altas de depressão do
que os meninos, sendo que após os quinze anos as meninas são duas vezes mais afetadas.
Estes dados indicam que as taxas de depressão aumentam consideravelmente da infân­
cia para a adolescência, onde alcançam a distriduiçâo no gênero (predomímio feminino)
semelhante à dos adultos.
Artigos de revisão indicam a prevalência de depressão maior em adolescentes vari­
ando de 0,4 a 10,0%, com claro predomínio das meninas sobre os meninos, e em relação
ao fator idade quase a totalidade dos artigos destacam o aumento importante na passagem
da infância para a adolescência (Bahls.2000). Já foi discutido por nós, anteriormente, que a
prevalência da depressão na infância e na adolescência varia amplamente segundo os arti­
gos de revisão, sendo destacado que boa parte dos autores faz referência unicamente a
pesquisa de Kashani, Carlson, Beck, Hoeper, Corcoran & McAIlister (1987) que utilizaram
amostra comunitária de 150 adolescentes de quatorze a dezesseis anos, nos EUA, e en­
contraram as taxas de prevalência-ponto para depressão maior de 4,7% e para distimia de
3,3%, podendo ser considerado uma referência clássica nesta área (Bahls, 2000).

34 Sdlnt-Cldlr Bahls
Quanto a epidemiologia dos transtornos depressivos em amostras comunitárias
de adolescentes em artigos de pesquisas destaca-se quanto aos resultados e a metodologia
empregada a presença de algumas discrepâncias, como o emprego diferentes tipos de
entrevistas estruturadas ou semi-estruturadas, com os resultados variando, para a
prevalência-ano em depressão maior de 3,3 a 12,4% e para a distimia de 2,0 a 6,4%
(Bahls,2002a).

2. Quadro Clínico

Como se diagnostica depressão em crianças e adolescentes? Quais os critérios


diagnósticos empregados na definição do quadro clinico depressivo nestas faixas etárias?
Pode-se utilizar o mesmo padrão sintomatológico de adultos para a compreensão
fenomenológica da depressão infanto-juvenil? Estas questões permaneceram sem res­
posta até pouco tempo, quando pesquisas com metodologia rigorosa definiram que os
mesmos critérios diagnósticos são confiavelmente aplicados nestas duas populações.
Crianças e adolescentes quando adoecidos de transtornos depressivos apresentam
sintomatologia semelhante aos adultos, o que permite sua compreensão como entidades
fenomenológicas iguais (Bahls,2002b; Birmaher, Ryan, Williamson, Brent, Kaufman, Dahl,
Perel & Nelson,1996; Feijó, Saueressig, Salazar & Chaves, 1997; Harrington, 1992; Olsson
& von Knorring.1997; Pataki & Carlson, 1995; Roberts, Lewinsonh & Seeley, 1995; Scivoletto
e cols,1994; Shaffi & Shaffi,1992; Walter,1996; York & Hill,1997).
Um episódio depressivo maior, segundo tanto o Manual Diagnóstivo e Estatístico
de Transtornos Mentais (DSM-IV.1994) como a Classificação Internacional das Doenças
(CID-10,1992), apresenta os mesmos sintomas em adultos, adolescentes e crianças.
Ainda segundo o DSM-IV os principais transtornos depressivos ("depressão
unipolar”) são a depressão maior e a distimia. O transtorno depressivo maior caracteri­
za-se por um ou mais episódios depressivos maiores, isto ó, pelo menos duas semanas
de humor deprimido ou perda de interesse, acompanhados por pelo menos quatro sinto­
mas adicionais de depressão que são; perda ou ganho significativo de peso; insónia ou
hipersonia; agitação ou retardo psicomotor; fadiga ou perda de energia; sentimento de
inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada; capacidade diminuída de pensar ou con-
centrar-se, ou indecisão e pensamentos de morte recorrente. A distimia ou transtorno
distímico caracteriza-se por pelo menos dois anos de humor deprimido na maior parte
do tempo (em crianças e adolescentes a duração mínima exigida ó de apenas um ano),
acompanhado por sintomas depressivos adicionais que não satisfazem os critérios para
um episódio depressivo maior.
Quando os autores específicos da área da infância e adolescência se referem ao
diagnóstico dos transtornos depressivos nestes períodos iniciais da vida, citam que os
sintomas variam com a idade, enfatizando a importância e a interferência das diferentes
fases do desenvolvimento nos sintomas e comportamentos depressivos, existindo uma
caracterização patoplástica em cada faixa etária (Bahls, 2002b; Berganza & Aguilar, 1992;
Busse,1996; Goodyer & Cooper,1993; 1,1996; Kessler & Walters, 1998; Morgan,1994; Nolen-
Hoeksema & Girgus,1994; Sadler, 1991; ShafTi & Shaffi, 1992; Versiani e cols,2000).
Crianças até a idade de seis a sete anos são denominadas de pré-escolares.
Neste período, as manifestações depressivas se exteriorizam principalmente na forma

Sobre Comportamento c Cognição 35


de queixas físicas de repetição. Representadas por dores abdominais, de cabeça, dores
imprecisas, queixas de fadiga e tontura. Também nesta faixa etária sôo comuns as
manifestações de ansiedade associadas à depressão, tais como: fobias, ansiedade de
separação e hiperatividade. Completando o quadro costumam aparecer diminuição de
apetite, alterações de sono e irritabilidade. Um dado que pode ajudar no diagnóstico
(Bahls, 2002b) é a observação de que a satisfação no brincar ou ir para a pré-escola
diminui significativamente ou desaparece. Pode, menos comumente, ocorrer choro
freqüente, fisionomia abatida, comunicação deficiente e comportamento agressivo
(Goodyer,1996; Mirza & Michael,1996; Ryan e cols,1992; Shaffi & Shaffi,1992; Sou­
za,1984; Versiani e cols., 2000).
Crianças escolares, com idade entre seis a sete anos até doze anos, já podem
manifestar verbalmente o humor depressivo, principalmente através de ralatos de tristeza
constante, acompanhada de irritabilidade e/ou enfado. É comum se apresentarem com
aparência entristecida, abatidas, apáticas e demonstrarem inabilidade em se divertir. O
choro costuma estar presente e constante e a criança mostra-se freqüentemante cansada
e tende a isolar-se. O desempenho escolar sofre um declínio ou é nitidamente deficiente.
Características de ansiedade também se apresentam na forma de fobias, ansiedade de
separação e recusa escolar. Neste período já é possível a presença do desejo de morrer,
típico da sintomatologia depressiva. Ainda é encontrado nesta faixa etária queixas de
dificuldade de concentração, queixas somáticas e dificuldade para dormir. É comum a
criança não ter amigos e dizer que os colegas não gostam dela. A presença de baixa
auto-estima se exterioriza com as crianças se denominando de tolas, impopulares e sem
inteligência (Bahls,2002b; Brent.1993; Kashani, Rosenberg & Reid,1989; Mirza &
Michael,1996; Pataki & Carlson,1995; Shaffi & Shaffi,1992; Souza, 1984).
Adolescentes deprimidos apresentam-se basicamente irritáveis e instáveis, po­
dendo ocorrer crises freqüentes de explosão e raiva. Acredita-se que mais de 80% dos
jovens deprimidos apresentam humor irritado (Kazdin & Marciano, 1998). O comporta­
mento irritadiço do adolescente costuma encobrir o humor depressivo, impedindo um
aparecimento mais nítido da tristeza (Bahls & Bahls, 2002). Outros sintomas comuns
surgem na forma de perda de energia, apatia e desinteresse importante, retardo psicomotor,
sentimentos de desesperança e culpa, perturbações do sono, principalmente hipersonia,
alterações de apetite e peso, isolamento e dificuldade de concentração. Também ocorre
prejuízo no desempenho escolar, baixa auto-estima, queixas físicas (dor abdominal ou
péJvica, fadiga e cêfaléias). Dois aspectos merecem destaque na femonenologia depressiva
em adolescentes por seu potencial de perigo: as idéias e tentativas de suicídio e graves
problemas de comportamento, especialmente o uso abusivo de álcool e drogas (Bahls &
Bahls,2002; Brent,1993; 1,1996; Kashani e cols,1989; Morgan,1994; Pataki &
Carison.1995; Ryan e cols, 1992; Scivoletto e cols, 1994; Versiani e cols,2000; Vilela, 1996;
Walter,1996; Ward e cols,2000;). Os adolescentes são altamente vulneráveis ao com­
portamento suicida.
O quadro distímico em adolescentes apresenta sintomas semelhantes aos da
depressão maior, com menor intensidade, porém, de curso crônico, representando um
grau de sofrimento e limitações tão ou mais severos do que a depressão maior, justifican­
do a necessidade de tratamento adequado. Os adolescentes distímicos costumam de­
senvolver menos sintomas melancólicos do que na depressão maior sendo comuns quei-

36 Salnt-Clalr Bdhli
xas somáticas, autodepreciação e desobediência (Bahls e Bahls,2002; Kovacs, Akiskal,
Gatsonis & Parrone,1994). Em um dos poucos estudos de pesquisa em jovens com distimia
“pura", Mais, Favilla, Mucci, Poli & Romano (2001) encontraram como sintomas mais
prevalentes o humor depressivo, a irritabilidade, a falta de energia e/ou fadiga, a culpa e a
baixa auto-estima. Aproximadamente dois terços dos adolescentes distlmicos acabam
desenvolvendo na evolução do quadro clínico um ou mais episódios de depressão maior
caracterizando a chamada “dupla depressão" (Masi e cols, 2001).
Algumas pesquisas com famílias de jovens deprimidos encontraram altas taxas
de depressão nos pais, assim como, freqüentemente, estavam envolvidos em sérios pro­
blemas sociais (Versiani e cols,2000). Existe a recomendação de, uma vez realizado o
diagnóstico de depressão em crianças e adolescentes, o profissional deve procurar inves­
tigar a presença de depressão nos pais. Outra observação importante é que, muitas ve­
zes, os professores e/ou amigos são os primeiros a perceber a manifestação sintomatológica
de depressão em crianças e adolescentes (Bahls,2002b). Os profissionais envolvidos no
atendimento de jovens com depressão podem se valer destas informações para aperfeiço­
ar o tratamento tanto de maneita mais precoce como mais abrangente.
Conhece-se alguns fatores de risco para depressão em crianças e adolescentes.
O mais importante ó a presença de depressão em um dos pais, pois sabe-se que a
existência de história familiar para depressão aumenta o risco em pelo menos três vezes.
Outros fatores importantes de risco são os estressores ambientais como abuso físico e
sexual e a perda de um dos pais, irmão ou amigo íntimo (Brage.1995; Brent,1993;
Lewinsohn, Rohde, Seeley, Klein & Gotlib.2000; Shaffi & Shaffi,1992). Outros autores
destacam, também, como fatores de risco a presença de conflito familiar, falta de suporte
familiar, sexo feminino, imagem corporal ruim, presença de comorbidades, especialmente
doenças crônicas e baixa condição socioeconômica. Ainda questões como: dúvida quan­
to a orientação sexual, desempenho escolar baixo, identificação com grupos minoritários
e poucas habilidades sociais (I, Curatolo & Friedrich,2000; Son & Kirchner,2000; Ward e
cols,2000).
Quanto à questão familiar nos quadros depressivos em crianças e adolescentes,
destacaremos alguns resultados de pesquisas. Garrison, Jackson, Marsteller, McKeown
& Addy (1990), em estudo longitudinal, encontraram que o ambiente familiar ó um preditor
de sintomas depressivos mais importante do que os eventos estressores de vida, no
início da adolescência. Recentemente Biederman, Faraone, Hirshfeld-Becker, Friedman,
Robin & Rosenbaum (2001) investigando a associação entre depressão maior em pais e
a relação com psicopatologia nos filhos confirmaram uma relação significativa de risco
aumentado de depressão maior, fobia social, transtorno do comportamento disruptivo e
pobre funcionamento social nos fiíhos de pais com depressão maior versus grupo con­
trole. Ferro, Verdeni, Pierre & Weissman (2000), analisando depressão em mães que
levaram os filhos para avaliação ou tratamento de depressão, encontraram que um nú­
mero substancial delas encontravam-se deprimidas e sem tratamento. Nunes, Darío &
Paulucci (1992), em pesquisa realizada na cidade de Londrina-Pr, avaliaram a presença
de transtornos psiquiátricos em pais de indivíduos entre sete e dezoito anos de idade e
encontraram uma predominância de transtornos de humor, especialmente depressão
maior e distimia, confirmando a importância do fator familiar na vulnerabilidade das de­
pressões na infância e na adolescência.

Sobre Comportamento e Cognição 37


3. Comportamento Suicida

A complicação mais séria da depressão na infância e na adolescência é o suicídio


(Bahls,2002b; Ward e cols.,2000). Dentro do espectro do comportamento suicida situam-
se as idéias suicidas, as tentativas de suicídio e o suicídio consumado (Bahls & Bahls,2002).
Tanto a depressão como o comportamento suicida entre crianças e adolescentes têm
aumentando nas últimas décadas, e a adolescência representa a fase da vida mais
associada à morte causada de forma violenta (Emslie, Weinberg, Rush, Adams &
Rintelmann,1990; Feijó, Salazar, Bozko, Bozko, Candiago, Ávila, Rocha & Chaves, 1996;
Gunnell,2000; Harrington.1995; Lamb & Pusker,1991; Moreira, 1996; Patten, Gillin, Farkas,
Gilpin, Berry & Pierce.1997; Prosser & McArdle.1996; Roberts & Chen,1995; Weissman,
Wolk, Goldstein, Moreau, Adams, Greenwald, Klier, Ryan, Dahl & Wickramaratne,l999).
Os índices de suicídio nos EUA, na faixa de quinze a dezenove anos de idade,
não param de crescer, conforme os seguintes levantamentos: em 1950 houve 2,7 suicídios
para cada 100000 habitantes; em 1970 = 5,2/100000; em 1980 = 8,5/100000; em 1984
= 9,0/100000 e em 1988 = 11,3/100000 em 1988 (Brent,1993; Ward e cols,2000). O
suicídio representa a segunda ou terceira causa de morte entre jovens de quinze a vinte
e quatro anos de idade, tanto nos EUA, conforme o National Center for Health Statistlcs
(Lamb & Pusker, 1991) de 1986, quanto na Inglaterra, segundo o estudo Office ofPopulation
Census and Siv/veys(Harrington, Bredenkamp, Groothues, Rutter, Fudge & Pickles,1994)
de 1990.
Na população geral, o suicídio em adolescentes é estimado em 0,01 % (Hurry.2000)
e as taxas de ideação suicida são comuns alcançando valores ao redor de 25%. Em
levantamento norteamericano de 1990, o United States Youth Risk Survey, foram encon­
trados os índices entre estudantes do ensino médio, de 4% com uma tentativa de suicídio
nos doze meses anteriores e de 8% com uma tentativa de suicídio anterior na vida
(Brent.1993). O suicídio é mais comum em rapazes do que em garotas, enquanto que as
tentativas de suicídio mais comuns nas garotas (Bahls, 2002b). No momento da tentativa
contra a própria vida, impulsividade e intoxicações por substâncias psicoativas parecem
estar presentes na maioria dos adolescentes vítimas de suicídio (Ward e cols.,2000).
Aproximadamente entre um a dois terços dos casos de suicídio ocorrem em
adolescentes clinicamente deprimidos, sendo a depressão a principal causa de suicídio
entre jovens (Bahls & Bahls,2002). Na população de adolescentes deprimidos o compor­
tamento suicida alcança índices alarmantes como encontrado em pesquisa de acompa­
nhamento de até quinze anos, que observou uma taxa de tentativas de suicídio de 50,7%
e de 7,7% de suicídios (Weismman e cols,1999).
Entre os principais fatores conhecidos de risco para o suicídio em crianças e
adolescentes estâo: idade, sexo masculino, presença de tentativas anteriores, história
familiar de transtornos psiquiátricos (especialmente com tentativa de suicídio e/ou suicí­
dio), ausência de apoio familiar, presença de arma de fogo em casa, orientação sexual
minoritária, doença física grave e/ou crônica, presença de depressão e comorbidade com
transtornos de conduta e abuso de substâncias (Bahls, 2002b).
A presença de tentativa de suicídio prévia é considerada o melhor dos preditores,
pois, em torno 25 a 40% dos jovens que se suicidam já tiveram, pelo menos, uma tentativa
de suicídio prévia. E estima-se que até 11% dos adolescentes que fazem tentativa de

38 Sdint-CIdir BahU
suicídio através de intoxicação irão se suicidar nos próximos anos (Hurry,2000; Reyes-
Ticas.1995; Ward e cols,2000). Pelo menos 50% dos adolescentes que cometem suicídio
fizeram ameaças ou tentativas no passado, e o risco de repetir uma tentativa é maior nos
trôs primeiros meses após uma tentativa de suicídio (Brent.1993).
O risco de comportamento suicida em adolescentes deprimidos ó trôs vezes
maior na presença de patologias comórbidas. Ward e cols. (2000) destacam que em torno
de 30% dos suicídios na adolescência ocorrem entre jovens identificados como homo ou
bissexuais. O sentimento de desesperança também está fortemente associado ao
comportamento suicida e prediz futuras tentativas (Bahls & Bahls,2002; Besseghiní,1997;
Feijó e cols,1997; Ivarsson & Gilberg.1997; Lamb & Pusker.1991; Pfeffer.1992, Reyes-
Ticas, 1995; Scivoletto e cols, 1994).
Finalmente, ó importante conhecer alguns fatores considerados como importan­
tes favorecedores do comportamento suicida em crianças e adolescentes. Perdas, crises
interpessoais com família, amigos e namorado(a), estressores psicossociais, abuso físi­
co e sexual, problemas legais ou disciplinares e a exposição ao suicídio de amigos,
familiares ou através da mídia são os fatores conhecidos como precipitantes do suicido
neste período da vida. (Bahls & Bahls;2002; Besseghini,1997; Brent,1993; Hurry.2000;
Feijó, Raupp & John, 1999; Pataki & Carlson,1995; Pfeffer.1992; Scivoletto e cols., 1994).

4. Curso

A depressão maior quando ocorre na infância costuma surgir em torno dos nove
anos de idade e na adolescência não apresenta um período específico de aparecimento,
situando-se entre os treze aos dezenove anos de idade. O tempo de duração do primeiro
episódio depressivo é semelhante ao dos adultos, situando-se entre cinco a nove meses
(Bahls, 2002b; Ward e cols., 2000).
Ocorre a recuperação clinica na maioria dos casos de depressão maior infanto-
juvenil. Kovacs, Feinberg, Crouse-Novak, Paulauskas & Finkelstein (1984) encontraram uma
melhora importante no prazo de um ano em 74% dos casos e 92% se recuperaram em um
período de dois anos. Calcula-se que entre 6 a 10% dos casos evoluem para cronificação
(Gill e cols.2000). Entretanto, em relação à recuperação do quadro clinico, os autores afir­
mam que na maioria das situações costuma ocorrer apenas uma recuperação parcial, per­
manecendo algUTn grau de prejuízo psicossocial. Representado principalmente pela manu­
tenção de dificuldades interpessoais crônicas e problemas de conduta. Quanto mais preco­
ce for o aparecimento da patologia, maior tenderá a ser o prejuízo, o que foi confirmado na
pesquisa de Rohde e cols. (1994) com adolescentes comunitários onde observaram que o
aparecimento precoce da depressão maior é uma forma mais perniciosa da doença e causa
um impacto mais severo do que em adultos. Os dados disponíveis até o momento sugerem
um curso provavelmente mais refratário ao tratamento do que quando do início na idade
adulta (Martin & Cohen, 2000). Isto acrescenta mais preocupação do ponto de vista clínico,
uma vez que a presença de sintomas residuais no curso da depressão deve ser considerada
como a doença permanecendo na sua forma ativa (Bahls, 2002c).
Crianças e adolescentes com depressão possuem um grande risco de recorrência
que se estende até a idade adulta, representando uma alta vulnerabilidade para transtor­
nos depressivos no futuro (Bahls, 2002b). Este risco é mais freqüente alguns meses após

Sobre C-omportdmcnío e CognifJo 39


o primeiro episódio (Birmaher,1996; Harrington,1995; Mirza & Michael,1996; Pataki &
Caríson.1995; Walter,1996). Pesquisas íongitudinais encontraram taxas de recorrência
entre 60 a 74% (Harrington, Fudge, Rutter, Pickles & Hill.1990; Kessler & Walters,1998;
Kovacse cols., 1984).
É comum a doença bipolar iniciar na dolescência na forma de episódios depressivos
maiores, pois aproximadamente entre 20% a 40% dos adolescentes deprimidos irão
desenvolver um transtorno bipolar, no periodo de cinco anos após o início da depressão.
Os fatores preditores são: história familiar de transtorno bipolar, início precoce, retardo
psicomotor, sintomas psicóticos, hipersomnia, rápido início da depressão e indução de
hipomania/mania pelo uso de antidepressivos (Gill e cols.,2000; Ward e cols.,2000). Exis­
tem autores que consideram o aparecimento de episódio depressivo maior na infância e
na adolescência como indicativo de transtorno bipolar no futuro, entretanto ainda faltam
evidências seguras dessa relação (Bahls.2000; Birmaher e cols,1996; Olsson & von
Knorring,1999; Weissman e cols, 1999). Em recente estudo prospectivo, Geíler, Zimerman,
Willians, Bolhofner & Craney (2001) acompanharam pacientes que tiveram o diagnóstico
de depressão maior no início da vida (idade média de dez anos e três meses) e controles,
até a idade média de vinte anos e sete meses e observaram as taxas para o aparecimento
de transtorno bipolar do tipo I de 33% no grupo depressão maior versus zero% no grupo
controle. Também encontraram que a presença de história familiar para mania foi preditora
de evolução para bipolaridade.
Em relação a distimia em adolescentes o artigo de Kovacs e cols.. (1994) desta­
cou que a duração média da patologia foi de três e meio anos, com índice de recuperação
de 89%, em seis anos e meio, e 72% da amostra recorreu em cinco anos.
São consideradas consequências comuns da depressão na adolescência: baixa
auto-estima, dificuldades de relacionamento, risco de gravidez precoce, prejuízo global do
funcionamento, problemas de comportamento, apêgo excessivo aos outros, fumo e pre­
sença de sintomas residuais (Rohde e cols, 1994; Son e Kirchner, 2000).

5. Comorbldade

As taxas de comorbidade psiquiátrica são maiores em crianças e adolescentes


deprimidos do que em adultos deprimidos.
Crianças deprimidas facilmente apresentam os seguintes quadros clínicos asso­
ciados: transtornos de ansiedade, transtornos de conduta, transtorno desafiador opositivo
e o transtorno de déficit de atenção. E em relação aos adolescentes, além desses, tam­
bém costumam surgir os transtornos relacionados a substâncias e os transtornos alimen­
tares. (Bahls,2002b; DSM-IV.1994; Harrington e cols, 1994; Herkov & Myers,1996; Kent,
Vostanis & Feehan,1997; Kessler & Walters,1998; Nolen-Hoeksema & Girgus.1994; Olsson
& von Knorring,1997; Pataki & Carlson.1995; Rohde e cols, 1994; Walter,1996). Estas
comorbidades tanto podem preceder como surgir após o início da depressão maior (Ward
e cols., 2000).
Estima-se que aproximadamente 50% das crianças e adolescentes deprimidos
apresentem uma comorbidade psiquiátrica e, em cada grupo de dez, entre duas a cinco
crianças ou adolescentes têm mais de um quadro comórbido (Bahls, 2002b; Birmaher e

40 Saint-Clair Bahl*
cols,1996; Goodyer e Cooper, 1993; Harrington,1995). Em estudos com adolescentes de­
primidos, foram encontradas taxas médias de comorbidade entre 40 e 50% para pelo menos
um outro diagnóstico psiquiátrico, podendo chegar até 80% (Kazdin & Marciano, 1998).
Adolescentes deprimidos também apresentam abuso de álcool e drogas em aproximada­
mente um quinto dos casos, sendo que o inicio da depressão maior costuma ocorrer
quatro a cinco anos antes do início do uso de substâncias (Gill e cols,2000; Martin &
Cohen,2000; Scívoletto e coís,1994). (
Em relação a comorbidade com transtornos de personalidade, Marton, Korenblum,
Kutcher, Stein, Kennedy & Parkes (1989) relataram índices de 60% em adolescentes com
depressão maior, com o sub-tipo borderline representando 30% do total dos casos. Toda­
via, deve-se considerar que com o resultado satisfatório do tratamento da depressão po­
dem também desaparecer os sintomas do transtorno de personalidade (Marton e cols, 1987),
deixando dúvidas quanto a real coexistência de um transtorno de personalidade ou se sua
manifestação era somente resultado do próprio quadro depressivo. Já Cohen (1996) suge­
re a possibilidade da depressão na adolescência preceder e favorecer o início de transtor­
nos de personalidade. Faltam evidôncias que permitam uma melhor compreensão destes
aspectos patológicos neste período da vida.
No levantamento norteamericano, National Comorbidity Survey, entre participan­
tes com quinze a vinte e quatro anos de idade, foi encontrado que 76,7% daqueles com
depressão maior e 69,3% daqueles com distimia apresentavam, pelo menos, um outro
transtorno psiquiátrico ao longo da vida, sendo concluído que a comorbidade para depres­
são, nesta faixa etária, é mais a regra do que a exceção (Kessler & Walters,1998).
Várias pesquisas comunitárias em adolescentes confirmaram a presença de al­
tos índices de patologias psiquiátricas associadas. Na Nova Zelândia, Anderson, Willians,
McGee & Silva (1987) investigando transtornos psiquiátricos em jovens de onze anos de
idade, na população geral, encontraram que a categoria diagnóstica com o menor número
de casos sem comorbidade foram os transtornos depressivos. Nos EUA, foi encontrado
entre os adolescentes com depressão maior os seguintes índices de comorbidade: 100%
para distimia; 75% para transtornos de ansiedade; 50% para transtorno desafiante opositivo;
35% para transtorno de conduta e 25% para abuso de substâncias (Kashani e cols, 1987).
Roberts e cols. (1995) também nos EUA, encontraram entre os portadores de depressão
maior a taxa de£6% de história de outro transtorno mental. Recentemente, Lewinsohn e
cols. (2000) como parte do Oregon Adolescent Depression Projectem adolescentes que
receberam o diagnóstico de depressão maior antes dos dezenove anos e foram acompa­
nhados até a idade de vinte e três anos, encontraram que 24% tiveram recorrências,
associadas o aparecimento de outras patologias comórbidas e 23% não apresentaram
recorrências mas apresentaram o aparecimento de outras patologias não afetivas. Obser­
varam ainda que naqueles pacientes em que houve o surgimento de outras patologias, a
mais comum foi o uso de substâncias representando 77% dos casos.
Acredita-se que tende a aumentar a probabilidade de transtornos comórbidos nos
quadros de depressão maior na infância e na adolescência na medida da gravidade do
quadro depressivo, assim como, a sua presença costuma indicar uma evolução mais
grave e um prognóstico mais pobre (Bahls, 1999; Pataki & Carlson,1995; Shaffi &
Shaffi.1992).

Sobre Comportamento e CogniçJo 41


6. Tratamento

A depressão na infância e na adolescência é comprendída atualmente como de


ocorrência comum e grave o suficiente para merecer a atenção de clínicos e pesquisado­
res. E, apesar de ser considerada uma das principais preocupações da saúde pública, a
grande maioria não é sequer diagnosticada e muito menos encaminhada a tratamento
(Bahls & Bahls, 2002). Os dados anteriores destacaram a relevância desta patologia
freqüente em crianças e adolescentes e a necessidade clinica de abordagens terapêuti­
cas eficazes para seu manejo.
O tratamento deve incluir, além do paciente, seus país e a escola, usar múltiplos
recursos e ser multidisciplinar. Os objetivos não se devem limitar a encurtar e alcançar a
remissão sintomatológica do episódio depressivo, mas também, prevenir o reaparecimento
do quadro clinico e diminuir as consequências negativas do episódio patológico, restau­
rando as atividades psicossociais e funcionais (Bahls, no prelo, a).
As principais abordagens das depressões infanto-juvenis se dividem em
psicossociais e psicofarmacológicas. Entre as psicossociais predominam as interven­
ções psicoterapêuticas.

6.1 Pslcoterapias

A indicação de psicoterapia ocorre principalmente nos casos de intensidade


sintomatológica leve a moderada, e associada à psicofarmacologia nos casos graves.
Além da eliminação dos sintomas, é utilizada para ajudar os pacientes e familiares a
consolidar as habilidades obtidas durante a fase aguda do tratamento, lidar com as seqüelas
psicossociais da depressão, encaminhar adequadamente situações estressantes e con­
flitos que poderiam desencadear o reaparecimento do quadro depressivo e contribuir com
a adesão farmacológica quando do tratamento combinado com medicamentos (Bahls, no
prelo, a; Birmaher, Brent & Benson,1998; Son & Kirchner.2000).
As mais utilizadas são a cognitivo-comportamental, a de orientação psicodinâmica
e a interpessoal. Também as orientações psicoeducacionais são, atualmente, bastante
empregadas e úteis (Ito & Lotufo Neto.2000; Sadler,1991; Schestatsky & Fleck,1999).
Entretanto, poucos são os ensaios clínicos controlados existentes empregando
psicoterapias no tratamento da depressão em crianças e adolescentes.

6.1.1 Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)


A forma de psicoterapia mais avaliada com crianças e adolescentes deprimidos
tem sido a modalidade cognitivo-comportamental, desde o estudo controlado canadense
pioneiro de Butler, em 1980.
Em recente revisão sobre a terapia cognitivo-comportamental no tratamento de
crianças e adolescentes deprimidos (Bahls, no prelo, a) encontramos sete estudos con­
trolados na fase aguda da patologia, que obtiveram resultados significativamente superio­
res ao placebo (Butler e cols.,1980; Clarke, Rohde, Lewinsohn, Hops & Seeley,1999;
Kahn, Kehle, Jenson & Clarke, 1990; Lewinsohn, Clarke, Hops & Andrews, 1990; Reed,1994;

42 Sdlnf-CJdJr BdbJi
Reynolds & Coats, 1986; Stark, Reynolds & Kaslow,1987), e em um deles só houve res­
posta positiva nos participantes do sexo masculino (Reed, 1994). Em dez estudos na fase
aguda que usaram controle ativo, sete obtiveram resultados semelhantes às outras for­
mas de tratamento (Clarke e cols,1999; Kahn e cols.,1990; Lewinsohn e cols.,1990;
Reed,1994; Reynolds & Coats, 1986; Starke cols.,1987; Stark, Rouse & Livingston,1991),
em um a terapia de apoio foi superior à TCC, mas esta superioridade desapareceu no
seguimento de nove meses (Fine, 1991); em outro, a TCC foi superior a terapia de apoio e
a terapia familiar comportamental sistêmica, porém no seguimento de dois anos esta
diferença se desfez (Brent, Holder, Kolko, Birmaher, Baugher, Roth, Iyengar &
Johnson, 1997); e, em outro ainda, a TCC foi superior ao relaxamento, mas também desa­
pareceu a diferença com seis meses de observação (Wood, Harrington & Moore,1996).
Nos seis estudos de acompanhamento do resultado da fase aguda do tratamento,
no período de seis meses a dois anos, comparados com outras terapias os resultados
não encontraram diferenças significativas (Birmaher, Brent, Kolko, Baugher, Bridge, Holden,
Iyengar & Ulloa,2000; Clarke e cols.,1999; Fine,1991; Lewinsohn e cols.,1990; Stark e
cols, 1991; Wood e cols.,1996).
Em um estudo clínico controlado, foi observada uma taxa de 43% de recaídas
com a TCC (Wood e cols, 1996) e, em outro, a TCC não se mostrou mais eficaz que
somente o acompanhamento clínico regular (Clarke, Hornbrook, Lynch, Polen, Gale,
O’Connor, Seeley & Debar,2002). Finalmente, em um estudo mostrou-se eficaz em preve­
nir o aparecimento da patologia em jovens de alto risco para a mesma (Clarke, Hornbrook,
Lynch, Polen, Gale, Beardslee, O’Connor & Seeley,2001).
Resumindo, os estudos controlados com TCC indicaram que os resultados são
positivos (superiores aos grupos controles), especialmente na fase aguda do tratamento,
e semelhante as outras modalidades terapêuticas comparadas. Devido ao alto grau de
distorções cognitivas em adolescentes deprimidos não é surpresa o bom resultado da
abordagem cognitivo-comportamental nesta faixa etária. Um estudo obteve alta taxa de
recaída após a interrupção do tratamento (Wood e cols,1996), alertando para a provável
necessidade de tratamento de manutenção, apesar de outro estudo não confirmar a supe­
rioridade de sessões de reforço (Clarke e cols, 1999).
A TCC no tratamento de crianças e adolescentes deprimidos já reune um corpo
de evidências que permite a sua indicação na fase aguda da patologia. Representa o único
grupo de abordagens psicoterápicas que já tem, pela quantidade de estudos controlados
publicados, artigos de revisão sistemática e metanálise (Curry.2001; Harrington, Whittaker,
Shoebridge & Campbell, 1998; Lewinsohn & Clarke, 1999; Reinecke, Ryan & Dubois, 1998).
Todavia, mais pesquisas são necessárias para melhor definir a efetividade na fase de
continuação e manutenção da depressão, assim como, estudos comparativos melhor
desenhados metodologicamente que possibilitem resultados mais específicos sobre as
diferentes abordagens psicoterápicas nesta população, tanto em estudos de acompanha­
mento a curto como de longo prazo.

6.1. 2 Terapia Interpessoal (TIP)


A terapia interpessoal foi originalmente desenvolvida para o atendimento psicoterápico
de quadros depressivos em adultos e sistematizada por Mima Weissman, Gerald Klerman

Sobre Comportamento e Cognição 43


e colaboradores. Observações de que relacionamentos interpessoais saudáveis participam
na prevenção da depressão e muitas vezes a ruptura dos mesmos representa uma função
importante no desenvolvimento da depressão deu origem a esta forma de terapia (Curry,
2001; Ito & Lotufo Neto, 2000; Weissman, 1997). Os fatores interpessoais não são interpretados
como a causa da depressão, mas entende-se que, em seu início, a resposta ao tratamento
e o prognóstico são influenciados pelas relações do paciente deprimido com suas pessoas
significativas (RosseIJo & Bernal,1999; Schestatsky & Fleck,1999).
É uma forma de terapia que objetiva sua intervenção em situações de conflitos e
problemas atuais do paciente. Tem estrutura breve e focal, estando indicada para casos
de depressão aguda não psicótica ou bipolar e que não necessitem de internamento
(Bahls & Bahls, no prelo). Moreau, Mufson, Weissman & Klerman, em 1991, adaptaram a
TIP para ser utilizada em adolescentes abrangendo questões normalmente enfrentadas
por eles, tais como: afastamneto dos pais, problemas com autoridade, desenvolvimento e
manutenção de relações duais, perdas ou morte de parentes e/ou amigo, pressão de
grupo de pares e situações difíceis relacionadas com as famílias de pai único.
Mufson, Moreau, Weissman, Wickramaratne, Martin & Samoilov (1994) demons­
traram em um estudo aberto com quatorze adolescentes deprimidas que todas não mais
preencheram critérios para a patologia ao final de doze semanas de tratamento. E Mufson
e Fairbanks (1996) acompanhando dez adolescentes do estudo anterior encontraram que
somente uma apresentou reaparecimento do quadro clínico, com um ano de seguimento.
Existem dois ensaios clínicos controlados com TIP em adolescentes. Mufson,
Weissman, Moreau & Garfinkel, em 1999, acompanharam adolescentes com depres­
são maior, atendidos semanalmente durante doze semanas com TIP ou acompanha­
mento clínico regular de apoio (grupo controle). Trinta e dois participantes concluíram o
estudo e 75% no grupo TIP versus 46% no grupo controle se recuperaram, com notável
melhora no funcionamento geral e na solução de problemas nos participantes da TIP. O
outro estudo foi realizado em Porto Rico por Rossello e Bernal (1999) comparando TIP,
TCC e lista de espera em adolescentes deprimidos, também por um período de doze
semanas com resultados de melhora em 82% do grupo TIP e de 59% no grupo TCC,
resultados superiores ao grupo controle e sem diferença estatisticamente significativa
entre eles. Em seguimento de trés meses não houve diferença entre os dois grupos que
receberam tratamento ativo.
Tem side proposta a eficácia da TIP no tratamento agudo de adolescentes depri­
midos e aparenta prevenir o reaparecimento do quadro clínico (Brent & Birmaher,2002;
Birmaher, Brent & Benson,1998; Curry,2001; Weissman, 1997;). Parece promissora, ape­
sar de existir somente dois ensaios clínicos controlados até o momento e ainda não ter
sido estudada em crianças deprimidas (Bahls & Bahls, no prelo).

6.1. 3 Terapias de Orientação Pslcodlnâmlca (TOP)


Abrange todas as formas de terapias baseadas nos princípios psicanalíticos, in­
vestigando fantasias e desejos reprimidos, estabelecidos no inconsciente, como
determinantes dos conflitos intrapsíquicos. Define que o ego lida com estes conflitos (a
disputa entre impulsos sexuais e agressivos com o superego e a realidade) utilizando os
chamados mecanismos de defesa (Freud,1936).

44 Sdint-Cldir Bdhls
Esta modalidade psicoterapôutica pode assumir a forma de atendimento breve
quando do tratamento da depressão infanto-juvenil. Compartilhando as seguintes caracte­
rísticas: foco centrado em problemas de perdas e separações, seleção de pacientes mo­
tivados e ônfase na elaboração da raiva e pesar pela finalização sempre iminente da tera­
pia. Deve manter a atenção clínica no conflito dinâmico primário e promover o desenvolvi­
mento do ego através da interpretação (Austin & lnderbitzin.1983; Bahls & Bahls, no prelo;
Schestatsky & Fleck.1999). É útil na compreenção de sentimentos e impulsos, no au­
mento da auto-estima, em mudar padrões mal-adaptativos de comportamento e em lidar
com conflitos passados e atuais (Birmaber e coJs,1998; Gabbard,2001; Scivoletto e
cols,1994). Até o momento, desconhecemos a existência de estudos clínicos controla­
dos com as TOP em depressão de crianças e adolescentes.

6. 2 Tratamento Farmacológico
O uso de antidepressivos em crianças e adolescentes tem sido reservado para as
seguintes indicações: a) depressão com sintomatologia de intensidade moderada a grave;
b) depressão acompanhada de importante sofrimento e/ou limitação; c) depressão com
sintomas psicóticos e/ou alto risco de suicídio; d) pacientes muito jovens; 6) pacientes
refratários a psicoterapia; f) casos com importante comorbidade e g) casos de depressões
crónicas, atípicas e recorrentes. Nâo estão indicados para depressão bipolar e cicladores
rápidos (Bahls, no prelo, b).
Em relação aos antidepressivos mais antigos e mais extensamente estudados,
sabe-se que os tricíclicos (ADT) não são os medicamentos de primeira escolha no trata­
mento da depressão infanto-juvenil devido a falta de eficácia e pelo alto potencial de efeitos
adversos, especificamente no risco de vida em overdose. Devem ficar reservados para
situações especiais, tais como: potencializaçâo e comorbidade com transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade (TDAH).
Quanto aos medicamentos mais modernos, os antidepressivos inibidores seletivos
de serotonina (ISRS), conforme verificado em recente revisão (Bahls, no prelo, b) em
dezesseis estudos abertos, a maioria realizado com fluoxetina, as taxas de resposta
variaram entre 48 a 88% e em quatro ensaios clínicos controlados e randomizados (Emslie,
Heiligenstein, Wagner, Hoog, Ernest, Brown, Nillson & Jacobson,2002; Emslie, Rush,
Weinberg, Kowatch, Hughes, Carmody & Rintelmann.1997; Keller, Ryan, Strober, Klein,
Kutcher, Birmaher, Hagino, Koplewicz, Carlson, Clarke, Emslie, feinberg, Geller, Kusumakar,
Papatheodoron, Sack, Sweeney, Dineen, Weller, Winters, Oaks & McCafTerty.2001; Simeon,
Dinicola, Ferguson & Copping, 1990), três dos quais com fluoxetina, em um não ocorreu
diferença em relação ao placebo e nos outros três houve diferença estatisticamente supe­
rior em relação ao placebo. Têm bom perfil de tolerabilidade, com exceção de amplo
potencial de interações medicamentosas pela inibição enzimática hepática. Existem,
portanto, evidências que favorecem e indicam o uso dos ISRS como medicação de primei­
ra escolha no tratamento das depressão na infância e adolescência, mas, ainda faltam
informações científicas que venham a possibilitar uma melhor definição da abordagem
psicofarmacológica da depressão nesta faixa etária.

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Sobre Comportamento e Cognição 53


Capítulo 3
O papel do desamparo aprendido
nos transtornos depressivos
Angélica Capelarf

A depressão é caracterizada como uma desordem do humor. Essa desordem, em


geral, tem como sintomatologia a perda de interesse e prazer nas atividades cotidianas;
lentificação; apatia ou agitação psicomotora; diminuição da energia; dificuldade de con­
centração; pensamentos negativos, pensamentos de morte e ideação suicida; redução no
apetite ou peso; alteração no sono (tanto aumento quanto diminuição), ê necessária a
presença de cinco ou mais desses sintomas durante duas semanas para que o quadro de
depressão seja diagnosticado. (Neto, Motta, Wang, Elkis, 1995).
O nome depressão foi atribuído historicamente a esse conjunto de sintomas em
função de similaridades topográficas e físicas da depressão com a geografia de uma
região. Além disso, esse nome também está envoíto de diversos significados populares
que acompanham sua manifestação e seu diagnóstico.
Dentro da Análise Experimental do Comportamento, uma das explicações sobre
a ocorrência da depressão ó a de Ferster (1973). Segundo o autor, a depressão ocorreria
pela diminuição"de reforços disponíveis. Essa diminuição poderia ser de dois tipos: os
reforços já não estão mais disponíveis ou os estímulos perderam o valor reforçador dos
mesmos e, portanto, perderam a função de reforçadores. Com a diminuição dos reforços,
há a diminuição na probabilidade de emissão de respostas; com a menor freqüência de
respostas há, por sua vez, uma menor taxa de reforçamento. Concomitantemente à dimi­
nuição dos reforços positivos há um aumento dos reforçadores negativos e das punições,
piorando ainda mais a situação vivida. O quadro passa a se apresentar como um ciclo que
necessita ser quebrado para que a depressão deixe de existir e a pessoa volte a interagir
de uma maneira mais efetiva com o meio.

' Prafaaaora da Faaidada d« Patootogla (ia Un*var»ttlada MwodMa da SAo Paulo Paaquiaackxa do laboratório da AnAMaa Btooomportatnental do Inatttutu
da P»tco(oola da Unlvaraldada da 34o Paulo. Meatra am Patootogle Exparimantal pato Inattuto da Patootogla da Unlvanüdade de 8Ho Paulo

54 Angélica Capfldii
Paralelamente a essa explicação da depressão, ao longo dos anos foram criados
18 modelos experimentais para a sua investigação. Juntamente com esses modelos,
encontramos várias definições sobre o fenômeno da depressão. Mesmo entre os pacien­
tes, observamos uma grande heterogeneidade de manifestações e de histórias de vida
que receberam tal diagnóstico. Podemos nos questionar se deveríamos adotar algum
desses modelos em especial ao Investigarmos aspectos em separado de cada um deles;
devemos sempre lembrar que eles investigam variáveis isoladas, e sendo o comportamen­
to humano multideterminado qualquer um deles isoladamente não conseguirá explicar a
ocorrência da depressão. Porém, não temos como investigar as variáveis conjuntamente.
Assim, devemos, constantemente, realizar a investigação isolada e a inserção dessa
variável com outras.
Dito isso, iremos enfocar neste texto sobre o fenômeno da depressão, um dos
modelos experimentais, o desamparo aprendido. Este modelo se propõe a explicar a
ocorrência da depressão. Apontaremos questões que envolvem esse modelo e que ainda
precisam ser mais cuidadosamente e sistematicamente investigadas. Esse modelo é
apenas um dentre todos os outros e, portanto, investiga apenas uma variável que pode
estar envolvida na ocorrência da depressão.
Segundo o modelo do desamparo aprendido, os efeitos comportamentais obser­
vados após a experiência prévia com eventos incontroláveis seriam similares à depressão
em termos de sintomatologia. Esses efeitos comportamentais são descritos na literatura
como: dificuldade em iniciar respostas operantes (chamando déficit motivacional); uma
dificuldade em associar que a resposta emitida produziu conseqüências (déficit associativo)
e diversas alterações fisiológicas (déficit emocional). Ressalta-se que os dois primeiros
déficits (motivacional e associativo) têm sido sistematicamente investigados, porém o
mesmo não pode ser dito sobre o último (emocional). Assim, após a exposição prévia a
eventos incontroláveis os sujeito apresentariam uma dificuldade em aprender novas res­
postas operantes. (Seligman e Maier, 1967; Maier, Seligman e Solomon, 1969, Maier, e
Seligman, 1976, Peterson, C. Maier, e Seligman, 1993;)
O ponto chave desse modelo é a história de reforçamento à qual um organismo foi
submetido, ou seja, se os reforços que recebeu foram obtidos em função das respostas
que emitiu ou se estímulos foram obtidos independentemente da emissão de uma respos­
ta específica por parte do organismo. Estímulos obtidos de forma independente das res­
postas emitidas têm sido chamados de eventos incontroláveis e diz-se que o sujeito é
submetido a umà situação de incontrolabilidade.
Tradicionalmente, para isolar a variável incontrolabilidade (aspecto chave na ocorrên­
cia dos efeitos do desamparo), tem-se utilizado o chamado delineamento por tríade na fase de
tratamento da situação experimental. Nesse delineamento, um grupo de sujeitos (Controlá­
vel), através da emissão de uma resposta operante, exerce controle sobre estímulo, seja
eliminando um estímulo aversivo em vigor, seja produzindo um estímulo apetitivo. Um segundo
grupo de sujeitos (Incontrolável) não exerce qualquer controle sobre o meio, independente­
mente de todas as respostas que possa emitir, não irá nem eliminar eventos aversivos e nem
produzir eventos apetitivos. Geralmente esses dois grupos são acoplados, ou seja, quando
um sujeito do grupo controlável exerce controle sobre o meio, esse controle refletirá no meio
do sujeito do grupo Incontrolável. Por exemplo, quando um sujeito do controlável desliga um
choque em vigor, o choque que o sujeito do grupo Incontrolável estava recebendo também será

Sobrf Comportamento e Cognição 55


desligado. O mesmo acontece com estímulos apetitivos: quando o sujeito do grupo controlá­
vel produz um estímulo apetitivo (uma gota de água, por exemplo) esse mesmo estímulo será
apresentado ao sujeito do grupo incontrolável sem que esse o tenha produzido. Um terceiro
grupo (Ingênuo) nâo recebe qualquer tratamento e em geral, permanece no biotério. (Seligman
e Maier, 1967; Maier, Seligman e Solomon, 1969, Maier, e Seligman, 1976)
Vinte e quatro horas após essa fase de tratamento, todos os sujeitos dos três
grupos participam de um teste de aprendizagem de uma nova resposta operante. A litera­
tura tem apontado como resultado que os sujeitos do grupo Ingênuo (que não participaram
do tratamento) e os sujeitos do grupo Contingente (que controlavam o ambiente anterior­
mente) aprendem uma nova resposta operante, apresentando curvas de latência típicas.
Já os sujeitos do grupo Incontrolável, não aprendem a nova resposta, pois nas ocasiões
esporádicas nas quais emitem a resposta, fazem com uma grande latência, não caracte­
rizando uma situação de aprendizagem. Essa não aprendizagem ou a dificuldade em
aprender é que seria apontada como similar á depressão.
Esse modelo experimental da depressão já foi investigado com sucesso em diferen­
tes espécies: ratos, (Maier, Albin e Testa, 1973), peixes (Padilla, Padilla, Ketterer e Giacalone,
1970), gatos (Seward e Humphrey, 1967), camundongos (Anisman, Catanzaro e Remington,
1978), baratas (Brown, Howe e Jones, 1990), galinhas (Rodd, Rosellini, Stock e Gallup, 1997)
e em humanos (Hiroto, 1974; Hiroto e Seligman, 1975), tanto em machos quanto em fêmeas
(Damiani, 1993; Yano e Hunziker, 2000). Diferentes respostas foram utilizadas tanto na situa­
ção de teste quanto na situação de tratamento, tais como pressão a barra, saltar, correr e
focinhar (Maier, Albin e Testa, 1973; Seligman e Beagley, 1975; Hunziker, 1981). O tempo
entre a experiência de incontrolabilidade e o toste com controle (Maier, Seligman e Solomon,
1969; Overmier e LoLordo, 1998 e Seligman, Maier e Solomon, 1971, Mestre, 1996). Éum
modelo muito utilizado na investigação de farmacológica dos efeitos de medicamentos
antidepressivos. Porém, na literatura, não há consenso se os mesmo resultados obtidos
sistematicamente com estímulos aversivos desde a década de 60, também são obtidos com
estímulos apetitivos. Essa falta de consenso na literatura acontece porque alguns experimen­
tos indicam que sujeitos que receberam estímulos apetitivos de forma incontrolável durante a
fase de tratamento apresentam dificuldade em aprender a nova resposta operante; enquanto
outros experimentos afirmam que os sujeitos não apresentam tal dificuldade (aprendem a
resposta operante). (Ferrandiz e Vicente, 1997, Capelari, 2002).
Para ilustrar esses dados experimentais, a Figura 1 apresenta um exemplo do
tipo de dado què é tipicamente encontrado com eventos aversivos.

Figura 1. Latência média das respostas emiti­


das pelos sujeitos do grupo incontingente (li­
nha cheia) e dos sujeitos do grupo ingênuo (li­
nha pontinhada) em blocos de 5 tentativas em
uma sessão de teste da emissão da resposta
de saltar na shuttlebox. (Modificado de Yano e
Hunziker, 2000).

Bloco de 5 tentativas

56 Angélica Cdpcldri
Capelari (2002) realizou um experimento no qual essa questão controversa (sobre
a generalizada do desamparo com eventos apetitivos) foi investigada. Os sujeitos do grupo
contingente receberam um tratamento no qual deveriam desligar choques através da emis­
são da resposta de focinhar. Acoplados a eles, encontravam-se os sujeitos do grupo
incontrolável, os quais podiam emitir diversas respostas, mas nenhuma era efetiva no
desligamento dos choques. Os sujeitos do grupo ingênuo permeceram no biotério. Vinte e
quatro horas após a realização desse tratamento todos os sujeitos foram submetidos a
dez sessões da resposta de pressão à barra, que deveria ser apresentada de forma
discriminativa (pressionar a barra na qual a luz em cima dela estivesse acessa), em fun­
ção de um esquema de reforçamento múltimplo-concorrente. Na primeira sessão de tes­
tes, os sujeitos dos dois grupos que receberam tratamento com choques (controlável e
incontrolável) não emitiram a reposta de pressão à barra, enquanto que todos os sujeitos
do grupo ingênuo emitiram a resposta. Esse resultado não indica a ocorrência de desam­
paro aprendido pois, segundo a literatura, apenas os sujeitos do grupo incontrolável não
emitiriam a nova resposta operante. Ao longo das 10 sessões de teste todos os sujeitos
passaram a emitir a resposta de pressão à barra, inclusive com um aumento na freqüência
de respostas e no índice discriminativo, principalmente por parte dos sujeitos do grupo
Incontrolável.
Para ilustrar os dados experimentais de Capelari (2002), a Figura 2 apresenta o
Indice discriminativo obtido pelos sujeitos dos três grupos do experimento de Capelari
(2002). A partir da Figura, podemos perceber como não há caracterização do desamparo
aprendido em função do aumento do (ndice obtido pelos sujeitos do grupo NC.

l,(X) -•

o.w -
0.80 '.
0,70 -
OjftO -

l 0.50 -
Q 0.40 -
0,10 -
0,20 -

0,10 -

0,00 - ■

NC
grupou □ » C litfl I
■ iC D llo 10

Figura 2. índice discriminativo médio obtido pelo sujeitos do grupo Contingente (C), Não
Contingente e Ingênuo (I) na primeira e na décima sessão de teste de aprendizagem da
nova resposta operante - pressão à barra - de forma discriminativa.

Sobre Comportamento e Cojjnlçílo 57


A questão principal levantada por Capelari (2002), e que o presente texto ressalta, é
o papel fundamental das relações estabelecidas com o meio na determinação da depres­
são. Assim, quando realizamos o teste com estímulos aversivos, o sujeito está sendo sub­
metido a uma contingência de fuga, ou seja, frente ao choque ele emite a resposta eliminan-
do-o. Há, no laboratório, ausência de estímulos discriminativos que sinalizem os estímulos
seja possível a emissão da resposta de esquiva. Geralmente a esquiva não é programada.
Já no experimento descrito (Capelari, 2002) havia uma tríplice contingência em
vigor com a presença de estímulos discrimintivos (luz acima das barras). Neste experi­
mento, e no experimento de Lee e Maier (1978) que também apresentaram estímulos
discriminativos aos sujeitos não obtiveram resultados que apontassem ao desamparo
aprendido e sim ao longo das tentativas, encontraram inclusive, uma melhor aprendiza­
gem um melhor desempenho (melhores índices discriminativos e maiores freqüências de
respostas) por parte dos sujeitos que tinham recebido choques Incontroláveis.
Os resultados apresentados petos sujeitos nos experimentos com eventos aversivos
e com eventos apetitivos diferem, inclusive, porque os processos em vigor envolvem estí­
mulos de diferentes naturezas: no primeiro caso (evento aversivo), o sujeito não precisa
responder para que o evento ocorra, sua resposta irá eliminar tal evento; enquanto que no
segundo caso, se o sujeito não responder ó que terá acesso ao estímulo.
A diferente natureza dos estímulos presentes nos ambientes dos sujeitos ocasionam
experiências com contingências diferentes que poderão envolver ou não a presença de estímu­
los discriminativos. Novas investigações precisam ser realizadas para que as variáveis envolvi­
das no desamparo aprendido e na depressão possam sr mais confiavelmente apontadas.

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Sobre Comportamento c Cognição 59


Capítulo 4
A depressão segundo o modelo do
Behaviorismo Psicológico de Arthur Staats
HmâA. Qouldrt dc Souza Brittò

O DSM-IV-TR, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da As­


sociação Americana de Psiquiatria, descreve a característica de um Episódio Depressivo
Maior pela presença de um período mínimo de duas semanas durante as quais há um
humor deprimido, perda de interesse ou prazer em quase todas as atividades. Descreve
que a pessoa deve experimentar pelo menos quatro sintomas extraídos de uma lista que
inclui: alterações do apetite ou peso; sono e atividade psicomotora; diminuição da ener­
gia; sentimentos de desvalia ou culpa; dificuldades para pensar concentrar-se e/ou tomar
decisões; pensamentos recorrentes sobre morte ou idéias suicidas. Descreve ainda que
os sintomas devem persistir na maior parte do dia, praticamente todos os dias, por pelo
menos duas semanas consecutivas (DSM-IV-TR, 2002, p 348).
As análises aqui apresentadas derivam-se da teoria proposta pelo Behaviorismo
Psicológico, definido por seu autor ArthurStaats como behaviorismo de terceira geração
(Staats, 1996). Desde a década de setenta, Staats tem denominado sua teoria com no­
mes dístíntos:.Behaviorísmo Social em 1975, Behaviorismo Paradigmático em 1983 e,
recentemente em 1996, Behaviorismo Psicológico. Staats destacou como objeto de estu­
do, o comportamento humano complexo que tem sido amplamente descrito em obras
como Staats e Staats (1963/1973), Staats (1964) e Staats (1996) entre outras.
De acordo com Anderson, Hawkins, Freeman e Scotti (2000), o Behaviorismo
Psicológico inclui vários aspectos que o caracteriza como uma perspectiva mais ampla do
que a análise do comportamento contemporânea, especialmente pelos esforços para es­
tudar e conceituar o papel dos eventos privados. Sem se desviar da observação e do
método experimental, Staats pretende dar conta da complexidade do comportamento
humano, incluindo a subjetividade.

1Untvcrvldad« Católk» d« G o tii - UCG

60 lima A . C/oulart de Sou/a Brltto


Segundo o Behaviorismo Psicológico, o humor deprimido ou a perda do interesse
e prazer descrito na definição da Associação Americana de Psiquiatria constitui-se um
estado emocional negativo e o fato desse estado ser experenciado a maior parte do dia, a
cada dia, indica que não é uma resposta emocional efémera.
Staats (1996) propõe ir além da visão de Skinner (1953/1976) que reconhecia as
emoções como predisposição para comportar de certas maneiras e não considerava as
emoções como causa do comportamento, mas efeitos colaterais das contingências. Como
se sabe, Skinner (1976) admitia a possibilidade de dois tipos de eventos - o comporta­
mento emocional e as condições manipuláveis das quais esse comportamento é função.
O Behaviorismo Psicológico de Arthur Staats apresenta uma série de princípios
que completam os propostos pelo Behaviorismo Radical com a finalidade de estudar os
fenômenos comportamentais internos. Um exemplo ó a análise da relação entre emoção
e comportamento na relação de interdependência entre o condicionamento clássico e o
condicionamento operante.
A teoria da aprendizagem do Behaviorismo Psicológico foi denominada por Staats
(1996) de Teoria de Aprendizagem de Três Funções. As três funções do estímulo são: (1)
ellciar uma resposta emocional; (2) atuar como estímulo reforçador; (3) direcionar (função
discriminativa) comportamentos de aproximação ou comportamentos de fuga ou esquiva.
A teoria do Behaviorismo Psicológico define fundamentalmente o estímulo
reforçador, em termos de sua eliciação de uma resposta emocional. São os estímulos que
eliciam uma resposta emocional positiva que irão fortalecer os comportamentos os quais
seguem e servirão, desse modo, como reforçadores positivos. Quanto mais forte for a
resposta emocional provocada pelo estímulo, tanto mais esse estímulo poderá atuar
como reforçador. O mesmo princípio se aplica do lado negativo, isto é, há também
estímulos que provocam respostas emocionais negativas. Tais estímulos (na presente
terminologia) servirão como reforçadores negativos, isto é, enfraquecerão os comporta­
mentos os quais seguem.
Assim, de acordo com Staats (1996) é o poder do estímulo de provocar emoção
que define seu poder de reforçador. A definição do poder de reforçamento pelo poder
eliciador de emoção é fundamental e sugere várias linhas de investigação. Uma delas, é
que as respostas emocionais não aprendidas são respostas reflexas construídas na es­
trutura biológica evolutiva dos organismos. A um nível primário, isto também pode ser
aplicado na relação emoção-reforçador. As respostas emocionais são provocadas por
estímulos que são biologicamente importantes para os organismos - seja para obter, por
exemplo, comida, seja para evitar estímulos dolorosos, é , pois biologicamente importante
que aqueles mesmos estímulos poderão atuar também como reforçadores e afetar o com­
portamento do organismo. Além disso, Staats (1996) argumenta que esta é a razão es­
sencial da importância das emoções, pois elas definem o que será reforçador para o
organismo no sentido de influenciar quais comportamentos poderão ser por ele adquiridos
e mantidos. Nesta proposta conceituai, as relações do valor de um estímulo em provocar
emoção com seu valor de reforçamento, são básicas na relação de interdependência do
condicionamento clássico e operante nas respostas emocionais e motoras.
Este conjunto de considerações reflete uma tentativa de explicar os fundamentos
da emoção. Os estímulos eliciadores de emoções são importantes em termos

Sobre Comportamento e Cognição 61


comportamentais porque tôm a função de eliciar uma resposta emocional positiva, que
pode reforçar o comportamento quando é apresentado contingente a ele e terá também, a
função de incentivo que ó uma função diretiva. Isto é, quando um estímulo que elicia uma
resposta emocional positiva é apresentado, o organismo se aproximará do estímulo. O
estímulo, assim, tem a função de provocar comportamentos de aproximação. Por outro
lado, o estímulo que elicie uma resposta emocional negativa e que pode servir como
reforçador negativo, terá a função de incentivo negativa, isto ó, o estímulo direcionará
comportamentos de fuga ou esquiva.
Deve-se, ressaltar neste ponto que o Behaviorismo Psicológico diferencia-se do
Behaviorismo Radical ao propor que a experiência da emoção ó central, e não colateral ao
analisar o significado evolutivo-biológico da experiência da emoção.
Tal como argumentou Skinner (1984), as contingôncias filogenóticas e ontogenóticas
agem de forma e em tempos diferentes e mantém o comportamento de maneiras distintas
cuja finalidade aparente ó a adaptação. Ambas as contingôncias modificam o organismo em
seu processo de adaptação ao ambiente. As contingôncias filogenóticas são o que se entende
por seleção natural e as contingôncias ontogenéticas são o que se entende por
condicionamento operante. Skinner (1984) reconhece que o distanciamento das contingôncias
filogenóticas afeta nossos métodos científicos experimentais e conceituais. Até identificarmos
as variáveis das quais um evento um evento é função, tendemos a inventar causas. Uma
explicação mentalista, por exemplo, não tem utilidade na análise experimental do
comportamento, mas sobrevive nas discussões sobre contingôncias filogenóticas.
Para explicar a emoção com o caráter evolutivo-biológico, Staats (1996) afirma
que os organismos evoluem de acordo com os princípios do condicionamento clássico e
operante. O condicionamento clássico e as emoções são vistos como tendo função
adaptativa, pois existe um aparato biológico considerável implicado na aprendizagem e na
experiôncia das emoções.
Conseqüentemente, neste ponto, para Staats (1996), as emoções afetam o com­
portamento operante provavelmente por apresentarem propriedades de sensibilidade e como
tais devem ser diferenciadas em relação aos estímulos. Se as emoções tivessem apenas
funções fisiológicas, por exemplo, quando os estímulos preparam o organismo para uma
atividade física árdua, isto poderia ser feito automaticamente sem o acompanhamento de
estímulos extras envolvidos na experiôncia do sentir; existem muitas ações internas dos
órgãos que agem automaticamente, “quietas, sem se fazerem notar”, isto é, sem produzir
novos estímulos (experiôncia). Não experenciamos nossas mudanças na pressão sanguí­
nea, ritmo cardíaco, digestão, ação de salivar, entre outras tantas respostas fisiológicas.
Segundo o ponto de vista do Behaviorismo Psicológico, quando os organismos
experimentam estados fisiológicos, no sentido comportamental (adaptativo), tal definição
implica que; quando experienciamos uma emoção - sentimos- significa que a resposta
envolvida também produz estímulos. Desse modo, Staats (1996, p.52), esclarece:

“Ê a função produtora de estímulos que proporciona o mecanismo pelo


qual as emoções podem afetar o comportamento. A razão petas quala respos­
ta» emocionaia Internas podem produzir sensações estimulares é que o orga­
nismo assim pode aprender respostas motoras a estes estímulos emoclo-

62 llmd A . C/ouldrt de Souza Britto


nais. Então, qualquer estímulo que produza uma resposta emocional pode, des­
se modo, ter efeito nas respostas motoras. "

As emoções são parte adaptativa do comportamento humano. Nosso comporta­


mento ó direcionado, em grande parte pelo que temos de respostas emocionais positivas
ou negativas, e assim, nos aproximamos de e lutamos por ou evitamos, fugimos, lutamos
contra. A aprendizagem é sempre um processo de ajuste ao meio onde ela ocorre.

Uma definição de depressão


Um aspecto importante do trabalho realizado por Staats (1996) consiste na descri­
ção da Depressão como um estado emocional negativo que é demonstrado na figura abaixo:

Segundo Staats (1996), a depressão consiste num circulo vicioso, cujo estado
emocional negativo ó um continuum. O ambiente do indivíduo até o presente (S1) resulta
na aprendizagem dos repertórios básicos de comportamento (RBC) e nas condições atuais
(S2) o indivíduo experimenta um estado emocional negativo de disforia (EE). Conseqüen­
temente, o estado emocional afeta negativamente o comportamento (C) do indivíduo. As­
sim, este comportamento afeta negativamente o meio ambiente social do indivíduo (S3).
Este, num contínuo desenvolvimento, impõe ao indivíduo com depressão o aprofundamento
de seu estado emocional negativo. Como indica Staats (1996), situar dessa maneira o
transtorno depressivo aponta para diversas implicações.
O estado emocional negativo induzirá outros comportamentos negativistas, seja
do tipo lingüístico-cognitivo, isto ó, do falar, do pensar, como também a nível sensório-
motor, ou seja, do sentir e do agir. Na categoria lingüistico-cognitiva estão as falas de que
"nada vai dar certo", “não adianta tentar", "tudo ó inútil" ou pensamentos recorrentes sobre
morte ou ideação suicida. Ao que se tem descrito como sentimento de desvalorização e
culpa, pode ser acrescentado os de "incapacidade", “de fazer mal as coisas”, entre outros.
Tais fatos são decorrentes dos pensamentos ou auto-instruções a respeito de tais even­
tos. Do mesmo modo, observa-se a preocupação, a autoculpabilidade, a autocompaixão e
a avaliação negativa do futuro. Tais comportamentos verbais exercem impacto negativo
também em outras pessoas.
Outras implicações do Transtorno Depressivo na presente terminologia se refe­
rem às características do próprio estado emocional. De fato, os indivíduos com depressão

Sobre Comportamento e Cognição 63


experimentam pouco ou nenhum prazer em atividades usuais tal como na alimentação ou
atividade sexual. O estado emocional negativo forte retira do indivíduo a experiência das
respostas emocionais que, usualmente, estão associadas aos estímulos positivos de
comida e sexo. Se comida e sexo não eliciam resposta emocional positiva, então não
fortalecem o comportamento de procurá-los. Conseqüentemente, a pessoa com depres­
são manifesta menos apetite e perda de peso. A freqüência do comportamento sexual
também diminui.
Como os estímulos emocionais positivos eliciam comportamentos de aproxima­
ção, qualquer coisa que diminua essa emoção diminuirá sua força de incentivo. Quando
um indivíduo está deprimido, a resposta emocional positiva a todos os estímulos diminui,
dando lugar a uma diminuição típica de atividade e “energia". Conseqüentemente, o valor
potencial de determinados comportamentos diminui em freqüência. Daí a baixa taxa de
resposta da pessoa deprimida. A pessoa com uma resposta emocional atenuada ante ao
anúncio de um filme, terá menos probabilidade de assisti-lo.
De acordo com esta teoria, ao estado emocional negativo, acresce-se os estímu­
los que provocam respostas emocionais negativas: a pessoa deprimida chorará com mais
facilidade que o usual, em resposta às más noticias ou a qualquer evento triste e se irritará
ou se aborrecerá mais facilmente. Assim, qualquer estímulo que elicie a resposta emoci­
onal negativa será aumentado pelo próprio estado emocional negativo do indivíduo. Conse­
qüentemente, no estado emocional negativo, o indivíduo manifesta sofrimento sensório-
motor, como por exemplo, a dor, o abatimento físico ou moral.
Portanto, de acordo com o Behaviorismo Psicológico há interação entre tais even­
tos. O estado emocional negativo origina-se por qualquer perda ambiental. O estado emo­
cional, por sua vez, afeta a resposta a outros estímulos da vida e, portanto, afeta o valor de
incentivo e de reforçamento desses estímulos. O estado emocional negativo afeta tam­
bém a autolinguagem, isto é, as coisas que o indivíduo diz a ele mesmo. Por exemplo: a
autoculpabilidade, as preocupações e os pensamentos negativistas, são eventos podero­
sos que provocam e prolongam por si mesmas emoções negativas que contribuem para a
manutenção dos comportamentos depressivos.
Assim, num processo de interação contínua, o comportamento deprimido do su­
jeito - o comportamento verbal negativo, a recusa em participar das atividades, o abati­
mento físico e motor, entre outros, exercem um efeito no ambiente social que repercute no
próprio indivíduo fe nas pessoas com as quais ele convive. Por exemplo, o cônjuge, abor­
recido com tanta faia negativa, inatividade, abatimento e irritabilidade da pessoa deprimida
pode alienar-se, protestar, ameaçar com represálias e assim agindo, pode contribuir para
fazer mais profunda a depressão da pessoa.

Fatores ambientais atuais

Staats (1996) assinala que análises da depressão têm freqüentemente enfatizado


o papel de eventos ambientais negativos tais como a morte de alguma pessoa querida,
perda do trabalho, mudanças para longe da família e de amigos, matrimônio fracassado,
rejeição de uma pessoa querida e velhice. Alguns eventos ambientais positivos podem ter
um efeito paradoxal no humor do indivíduo. Por exemplo, ao se alcançar um importante

64 lima A . Qouldrt de Souza Brítto


objetivo na vida, emoções negativas são geradas pela efetiva eliminação de um objetivo da
vida da pessoa. Conseguir uma promoção ou o nascimento de um filho pode causar res­
postas emocionais negativas por constituir uma responsabilidade ameaçadora.
Algumas circunstâncias ambientais no qual o indivíduo se encontra pode ser de­
ficientes ou Inapropriados e afetar a qualidade das emoções. Por exemplo, um chefe pode
fazer exigências pouco racionais e não reconhecer os esforços do indivíduo criando pro­
blemas especiais. Cada infortúnio traz consigo uma grande quantidade de estímulos. O
indivíduo que perde o trabalho, por exemplo, não sofre só com esta perda, mas também
com outros eventos circunstanciais, tais como ter que gastar uma poupança, perda de
status, de ser valorizado pelo grupo, ter que resistir a gastos não essenciais, deixar de
participar de atividades de lazer ou equivalentes. Todas estas circunstâncias podem eliciar
respostas emocionais negativas.
Um motivo de confusão, segundo Staats (1996), é que, embora uma parcela de
indivíduos tenha experimentado um infortúnio, muitos deles não sofrem depressão. Na
vida de uma pessoa podem haver muitos estímulos que provocam uma resposta emocional
negativa, mas que não são percebidos como uma perda dramática. O autor sugere, então,
que o fato precipitante possa ser a projeção verbal que ocorre privadamente no sentido de
que o cenário não melhorará. Mesmo quando as circunstâncias externas parecem boas,
não se pode saber o que está acontecendo na intimidade não observável da vida do indiví­
duo. Por exemplo, a dissonância do término de um casamento aparentemente bem suce­
dido que era a realização de um sonho, respostas ao envelhecimento etc.
A literatura tradicional aponta para condições fisiológicas obscuras para explicar
a depressão. A teoria de Staats sugere que a resposta está na análise de eventos ambientais
eliciadores de respostas emocionais negativas. Staats (1996) adverte para a necessidade
de estudos sistemáticos sobre as relações ambiente comportamento de modo a ter um
melhor conhecimento da variedade de circunstâncias que possam estar aí implicadas.

Os repertórios básicos do comportamento

Sabe-se que nem todos os indivíduos que experimentam uma grande perda na
vida se deprimem. De acordo com a filosofia do Behaviorismo Psicológico, tais diferenças
individuais se devem á variação nos repertórios básicos de comportamentos.
Um indivíduo pode aprender um repertório emocional-motivacional variado com
respostas positivas a uma variedade de eventos tais como, estímulos recreativos, sexu­
ais, sociais, intelectuais, políticos e materiais de várias classes. Outro indivíduo pode ter
aprendido um repertório mais restrito e escasso. Também pode haver diferenças individu­
ais na aprendizagem do repertório emocional-motivacional negativo. Um indivíduo pode
aprender respostas emocionais negativas de medo, ansiedade, ódio ou desgosto a uma
variedade de circunstâncias.
O mesmo ocorre com o repertório sensório-motor. Algumas pessoas aprenderam
uma variedade de habilidades sensório-motoras, em áreas tais como jogar futebol, dirigir
carros, tocar um instrumento, pintar, fazer amor etc. Outros indivíduos aprenderam uma
classe menor de tais habilidades. Algumas dessas habilidades podem afetar a fisiologia
do indivíduo de várias maneiras que podem ser relevantes para a depressão. Por exemplo,

Sobre Comportdmrnto c Coflniçâo 65


o exercício recreativo pode ajudar tanto na determinação do peso quanto na saúde geral
do indivíduo e na medida de emoções positivas ou negativas eliciadas nesta pessoa.
O mesmo ocorre com o repertório lingülstico-cognitivo. Um indivíduo pode ter
aprendido características lingüístico-cognitivas negativas tais como rotular de uma ma*
neira negativa os eventos, incluindo aqueles que estão por acontecer. Este indívíduo
pode criticar-se e descrever-se usando um autoconceito negativo. Algumas pessoas
respondem a uma grande quantidade de autolinguagem, enquanto outros podem res­
ponder mais à estimulação externa, tal como à interação com os outros, dedicação às
tarefas, leitura etc.
Alguns sujeitos que experimentam algo positivo ou negativo examinam a experi­
ência detalhadamente, analisando o ocorrido, pensando em questões relacionadas, suas
implicações. Outros o fazem em muito menor grau. Estas diferenças afetam as respostas
emocionais positivas e negativas que as pessoas experimentam.

Vulnerabilidade à depressão

Staats (1996) oferece vários exemplos interativos que ilustram a questão acima.
Em relação à vulnerabilidade à depressão não há dúvidas sobre a influência das diferenças
nos repertórios comportamentais. A maneira pela qual o indivíduo responde ao ambiente o
torna mais vulnerável que outros. Nem todas as pessoas que perderam um trabalho, al­
guém querido ou a própria saúde se deprimem. Algumas pessoas, devido à natureza dos
seus repertórios básicos de comportamento, são mais vulneráveis à depressão.
Na presente perspectiva, o repertório emocional-motivacional pode determinara
vulnerabilidade de uma pessoa à depressão. Por exemplo, no caso de duas mães que
perderam seu único filho, a mãe que é feliz no casamento, que tem vida sexual satisfatória,
carreira realizadora, família com quem ela convive harmoniosamente, bons amigos,
atividades recreativas e culturais resistirá a essa perda muito melhor que uma mãe com
um casamento vazio, sem vida sexual, sem carreira, familiares com quem não se dá bem,
sem amigos e atividades recreativas e culturais. Cada uma dessas classes é uma fonte
potencial de múltiplos estímulos emocionais positivos ou negativos.
O equilíbrio dos estímulos emocionais negativos e positivos influenciará a res­
posta do indivíduo. Quando no ambiente do indivíduo existem poucas fontes de estí­
mulos positivos oü quando o indivíduo não aprendeu uma resposta emocional positiva
a tais estímulos, não há o que pór na balança para equilibrar o peso dos estímulos
emocionais negativos quando eles aparecem na vida. Daí o indivíduo se tornar vulnerá­
vel à depressão.
O mesmo ocorre com o repertório sensório-motor, já que as habilidades sensori-
ais motoras são um meio usual para adquirir experiências emocionais positivas. O indiví­
duo que tem habilidades sensoriais motoras variadas sofrerá menos do que alguém que
tem um repertório limitado. Por exemplo, se um bom jogador de futebol, é também um
músico competente, talvez não sinta tanto a perda de ter que parar de jogar se sofrer uma
lesão no tendão de Aquiles, quanto alguém que tenha desenvolvido apenas a habilidade
de jogar. De novo, a riqueza do desenvolvimento do repertório básico de comportamento
sensório-motor afetará a vulnerabilidade à depressão.

66 lima A . (youlart de Soura Britto


Como indica Staats (1996), uma pessoa que descreve a si mesma em termos
emocionais negativos, será mais vulnerável à depressão que uma pessoa que descreve a
si mesma em termos emocionais positivos. Uma pessoa com idéias recorrentes sobre os
eventos ruins que ocorreram será mais vulnerável à depressão do que uma pessoa que
dedica apenas o tempo necessário à compreensão da perda e passa a outra atividade.
Assim, as características de repertório lingüístico-cognitivo do indivíduo contribuirão para
a sua vulnerabilidade.
Uma pessoa que tem uma família desajustada, trabalho insatisfatório, atividades
recreativas e vida social pobre às vezes se dá conta progressivamente de que seus so­
nhos e esperanças nunca serão realizados. Esse “dar-se conta de" (autolinguagem) de
acordo com Staats (1996) a conduzirá à depressão. A pessoa com ricos repertórios bási­
cos de comportamento, ou seja, que tem uma família unida, um trabalho realizador,
atividades recreativas e uma vida social intensa, ao contrário da descrita anteriormente,
provavelmente não fará este tipo de avaliação negativa (autolinguagem) e, portanto, será
menos vulnerável à depressão.
O modelo proposto por Staats (1996) adverte para o principio de composição
devido á interação de vários determinantes dos estados emocionais e a maneira nas quais
eles interagem para produzir uma condição exagerada de negatividade. Um dos princípios
básicos do Behaviorismo Psicológico ó que o comportamento pode desempenhar dois
papéis: “o comportamento pode ser tanto uma variável dependente, induzida por um esti­
mulo, como também, uma variável independente que induz outros sintomas
comportamentais. As interações comportamento-meio ambiente-RBC na depressão são
parte do transtorno e devem ser entendidas" (Staats, 1996 p. 285).

Condições biológicas e depressão

Alguns pesquisadores sugerem que a depressão é herdada e que sua causa pode
ser encontrada em disfunções neuroendócrinas. É sugerido que a depressão resulta de
uma deficiência de norepinefrina no cérebro e a mania é causada pelo excesso dessa
substância que facilita a transmissão dos impulsos nervosos. Estudos visando respaldar
tais hipóteses demonstraram que na urina de pessoas deprimidas há excesso de
norepinefrina e o tratamento de pessoas maníacas com carbonato de lltio reduz tanto a
mania quanto o nível dessa substância no cérebro.
Staats (1996 p.286) aconselha prudência ao interpretar tais estudos: "Aumentos
de norepinefrina podem ser o resultado da depressão em vez de sua causá'.
As drogas atenuam o estado emocional negativo da depressão e, havendo mu­
dança nesse estado, haverá modificações no comportamento. Sabe-se que o álcool e
drogas podem inibir ou exaltar o estado emocional. Daí evidencia-se que substâncias
químicas podem efetivamente, afetar os mecanismos emocionais no cérebro. Por outro
lado, estudos demonstram que níveis reduzidos de catecolaminas em pessoas deprimi­
das possibilitaram o retorno à normalidade após intervenção com antidepressivos. Tal fato,
de acordo com Staats (1996), não mostra que a depressão iniciou quando os cérebros
dos sujeitos começaram a ficar deficiente em catecolaminas. A deficiência poderia ter

Sobre Comportamento e Cogniçáo 67


ocorrido devido aos eventos do meio ambiente/repertórios básicos de comportamentos
que produziram um estado emocional negativo.
De acordo com Staats (1996, p. 286):
“quando um indivíduo com certos RBC se encontra face a uma situação vital que
provoca um estado emocional negativo, Isto ocorre mediante a mudança da
fisiologia do cérebro. Geralmente, são os RBC individuais e situações de vida
que determinam o estado fisiológico, não o contrário".
Esta ó uma hipótese a ser empiricamente verificada. É necessário investigar,
visando provas, se o estado fisiológico cerebral ó causado pelo comportamento, pois se
assim for, corrigindo o comportamento, corrige-se a depressão.
Conseqüentemente, Staats (1996 p.287) afirma:
“Um ponto essencial é que os estudos farmacológicos (...) nâo proporcionam
evidências para a teoria da depressão de causa biológica. (...) Não construímos
um marco de referência no qual a causalidade biológica e a comportamental
estejam interrelacionadas. Necessitamos da unificação da neurobiologia e do
behaviorismo psicológico e esforços de Investigação unificados."

Um grande desafio à investigação sistemática da depressão e outros transtornos


de comportamento nos ó imposto, pois, sabemos que é mais fácil apontar para possíveis
causas biológicas e buscar na farmácia a soíução, do que investigar o comportamento
humano complexo e as contingôncias ambientais das quais ele é função.

Referôncias
Anderson, C. M., Hawkins, R. P., Freeman, K. A., & Scotti J. R. (2000). Private Events: Do They
Belong in a Science of Human Behavior? The Behavior Analyst, 23, 1-10.

Associação Americana de Psiquiatria. (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos


Mentais (DSM - IV - TR). Porto Alegre: ARTMED.

Skinner, B. F. (1976). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: EDART. (Trabalho original
publicado em 1953.)

Skinner, B. F. (1984). Seleção Pelas Conseqüências. Uma Análise Teórica. In Coleção Os


Pensadores. São Paulo: Abril Cultural.

Staats, A. W., & Staats, C. K. (1973). Comportamento Humano Complexo. São Paulo: E.P.U.
(Trabalho original publicado em 1963.)

Staats, A. W. (Ed.). (1964). Human Learning. Studies Extending Conditioning Principles to


Complex Behavior. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc.

Staats, A. W. (1996). Behavior and Personality: Psychological Behaviorism. New York: Springer
Publishing Company, Inc.

68 lima A . Qoulart dc Souza Brltto


Capítulo 5
Compreensão da depressão infantil a partir
do Modelo de Ferster
Cláudia L úcia Menegatti1
Yara Kuperstein Ingbermarf

O sofrimento emocional das crianças tornou-se preocupação nos meios de saúde


mental somente na segunda metade do sôc. XX. A partir do momento em que se começou
a olhar para a infância, os direitos e as experiências cognitivas e afetivas das crianças
passaram a ser progressivamente considerados. O reconhecimento da depressão como
um quadro psicopatológico relevante na infância se deu no final da década de 70 (Kashani
et al., 1981; Kovacs, Feinberg, Crouse-Novak, Paulascas e Findelstein, 1984). Antes dis­
so, a vigência da crença de que as crianças não têm condições biopsicológicas de sentir
emoções como a tristeza persistente da depressão (Bowlby, 1998), e a dificuldade avaliar
adequadamente os estados emocionais das crianças pequenas, especialmente daquelas
abaixo de sete anos de idade (Del Barrio e Moreno, 1996), foram determinantes para que
os estudos da depressão na infância sejam tão recentes.
As pesquisas em psícopatologia da infância estão referindo um aumento na aten­
ção, diagnóstico e compreensão da depressão na infância. Seligman, Reivich, Jaycox e
Gilham (1995)_comentam que a depressão antes dos anos 60 era uma condição rara,
tipicamente relatada por mulheres de meia-idade, mas que a incidência vem crescendo
tanto que as primeiras vitimas são encontradas já nas escolas de educação infantil. Kovacs
(1997) argumenta que os prejuízos para a vida diária e para o desenvolvimento cognitivo,
afetivo e social causados pela depressão na infância são suficientemente importantes
para que se otimize atenção clinica e de pesquisa.
Ao revisar a literatura, encontram-se dados alarmantes quanto à incidência do
quadro durante a infância e a adolescência. Kazdin e Marciano (1998) apresentam infor­
mações sobre a prevalência nas idades de 4 a 18 anos entre 2% e 8% considerando a
realidade norte-americana. Birhamher et al. (1996) efetuaram uma revisão de publicações
entre 1984 e 1994 sobre o tema e encontraram índices de depressão entre 0,4% e 2,5%

’ Ptfcatoga, Protaaaora no Unloanp - PR. am Patcotogla da Infândaada Adolaaoénda-UFPR.


' Psicóloga. Profaaaora Unlcenp - PR • UFPR (maatrado); Doutora am Pilcologla Clinica - U8P

Sobnr Comportamento e Cognição 09


em crianças, e a prevalência de distimia foi de 0,6% a 1,7%. Já na revisão feita por Bahls
(2000), o resultado da prevalência-ano para a depressão maior em crianças foi de 0,4% a
3,0% e nos adolescentes de 3,3% a 12,4%. Há uma grande variabilidade de taxas prova­
velmente por aspectos culturais e também pelo uso de diferentes técnicas de diagnóstico.
Quanto á etiologia da depressão na infância, atualmente está mais próxima de
consenso a perspectiva interacionista, que reconhece interdeterminações complexas e
inseparáveis entre filogênese e ontogênese para o desenvolvimento humano (Bussab, 1999
e 2000). Nesta mesma direção, as pesquisas têm mostrado que a etiologia dos transtor­
nos de humor na infância é multifatorial. A alta incidência de transtornos de humor entre
parentes consangüíneos, enfatizando o papel da hereditariedade, é citada por vários auto­
res (Kazdin e Marciano, 1998; Seligman et al., 1995; Kovacs, 1997; Erickson, 1998).
Birmaher (1996) discute que a hereditariedade pode contribuírem até 50% para o apareci­
mento da depressão e que, quando expostos a ambientes inadequados, os indivíduos
com alto risco genético são mais vulneráveis. O posicionamento de Kovacs (1997) ilustra
esse debate, pois a referida autora questiona a natureza da transmissão familiar, já que
pais depressivos podem modelar ou reforçar diferencialmente os comportamentos
depressivos de seus filhos, não havendo como determinar exatamente a fronteira da carga
genética e das influências ambientais em relação à depressão.
As conseqüências de sofrer episódios depressivos na infância são evidentemente
muito negativas. As crianças depressivas têm déficits sociocognitivos que se agravam ao
longo do tempo: perdem rendimento escolar, fazem poucos amigos, são menos populares e
participam menos de atividades comparativamente a seus pares não deprimidos (Erickson,
1998); têm ideação suicida, risco de suicídio, ideação homicida, risco de uso e abuso de
álcool e outras substâncias ao longo do desenvolvimento (Birmaher et al., 1996; Harrington,
Whittaker, Shoebridge e Campbell, 1998). A depressão infantil também está associada a
prognóstico positivo de depressões graves na adolescência e idade adulta (Asamow e Carlson,
1998). Sobre a recorrência do problema, Harrington (1992) realizou extensa revisão de arti­
gos de pesquisa e afirma que uma criança que teve um episódio depressivo tem grande
possibilidade de episódios subseqüentes, sendo que Birmaher et al. (1996) situam essa
probabilidade em 40% em 2 anos e 70% em 5 anos após o primeiro episódio.
O suicídio é uma das conseqüências graves da depressão infantil. As tentativas
de suicídio - raras na infância - tornam-se mais comuns na adolescência e progressiva­
mente na idade adulta. As ocorrências de suicídio na infância têm sido associadas ao
comportamento“suicida entre membros da família. Segundo Besseghini (1997), mais
parentes em primeiro grau de crianças que tentam suicídio têm problemas de transtorno
de personalidade anti-social, comportamentos agressivos e abuso de substâncias com­
parados aos parentes em primeiro grau de crianças normais. Aproximadamente 50%
das mães de crianças suicidas relatam que tentaram suicídio pelo menos uma vez, o
que mostra uma vulnerabilidade biológica e ambiental (modelo) para o comportamento
suicida infantil.
Dado tal panorama, será apresentada a seguir uma compreensão do problema da
depressão na infância da perspectiva das interações pais-filhos, enquanto contingências
fundamentais para o estabelecimento do repertório comportamental da criança. Para a
análise do comportamento, o estudo das interações pais-filhos está baseado no uso da
análise funcional do comportamento, a qual requer a compreensão de que

70 Claudia Lúcia Menrgatti e Vara Kupcrstrin Ingbcrman


7\s interações entre a criança e seu ambiente são continuas, reciprocas e inde­
pendentes. Nesta abordagem, não podemos analisar uma criança sem referên­
cia ao seu meio, nem ó possível analisar o ambiente sem referir-se à criança.
Ambos formam uma unidade inseparável, constituindo um conjunto interligado
de variáveis, ou um campo de interação, que 6 o objeto de análise. (Bijou e Baer,
1980, p. 27).m

Essa interação recíproca constrói a história de aprendizagem tanto de padrões


ajustados quanto desajustados de comportamento. Cabe registrar aqui que, tanto o
comportamento tido como normal quanto aquele que considerado patológico, estão su­
jeitos às mesmas regras. Assim, a análise do comportamento compreende que todo
comportamento ó adaptativo, pois ele se estabeleceu dentro de um determinado conjun­
to de contingôncias que podem estar-lhe mantendo. Assim, o comportamento depressivo
deve ser analisado também pela adaptabilidade que apresenta diante de determinados
contextos de vida.
No caso do desenvolvimento da criança, as relações pais-filhos ocupam um lugar
central enquanto contingôncias de reforço estabelecedoras. Segundo Staats e Staats
(1973), os pais desempenham o papel mais importante na aprendizagem de comporta­
mentos complexos dos seus filhos, pois, intencionalmente ou não, os pais manipulam
condições de aprendizagem que determinarão boa parte dos comportamentos de seus
filhos, desde os mais simples aos mais complexos, referentes ao desenvolvimento afetivo,
ao auto-controle e ao comportamento criativo, por exemplo.
Para relacionar as interações pais-filhos e a depressão na infância, elegeu-se
aqui reler o modelo preconizado por Ferster (1974) e Fester etal. (1977) sobre a depres­
são clínica, no qual tais autores descreveram as operações comportamentais envolvidas
no estabelecimento do repertório comportamental chamado depressivo. Esta análise pode
ser relacionada a certos padrões de interação entre pais e filhos freqüentes nesta condi­
ção e que estão abaixo descritos.
A relação da criança com o seu ambiente, na qual há diminuição de reforço
positivo contingente é apontada como um dos principais participantes da etiologia dos
transtornos depressivos (Lewinsohn, Biglan e Zeiss, 1976; Ferster et al., 1977). A
baixa freqüência de reforçamento positivo, incluindo-se a falta de reforçamento às res­
postas de apráVimação para comportamentos socialmente adequados, contribui para
um repertório social limitado para a criança. "Pode haver uma interrupção no repertório
de percepção da criança quando ocorre uma interferência séria e uma interrupção nos
reforçadores que mantêm as atividades da criança” (Ferster et al., 1977, p. 711). Como
as atividades normais da criança têm reforçamento falho, o subproduto pode ser uma
reação emocional em larga escala. Estas manifestações emocionais primitivas e
atávicas - em geral de frustração e irritação - influenciam o ambiente familiar e vão
sendo reforçadas em função de serem estímulos aversivos ao adulto, diminuindo a
probabilidade de que aconteçam reforços diferenciais para nuances de comportamen­
tos. Desta forma, a percepção de mundo e o repertório de comportamentos interpessoais
podem sofrer uma interferência que altera a probabilidade de aquisição de respostas
socialmente esperadas.

Sobre Comportamento e Cojjniçáo 71


O controle aversivo também é um padrão freqüente na interação pai—filho e gera
respostas depressivas. Esse controle punitivo reprime as respostas agressivas da criança
e colabora para um repertório social de passividade.

"A repressão de comportamentos que seriam punidos parece constituir


um fator potencialmente grave na produção da depressão porque requer a con­
tribuição de uma parte considerável do repertório de uma pessoa, que fica com­
prometida em atividades que não produzem reforçamento positivo. " (Ferster et
al., 1977, p. 719).

Outro esquema de reforçamento na relação pais-filhos suscetível a perdas


comportamentais é aquele que exige um número elevado de desempenhos para produzir
mudanças no meio (Ferster et al., 1977). O efeito ó o enfraquecimento de determinados
comportamentos que desenvolveriam um repertório ativo no indívíduo.
Vários estudos, tanto de revisão quanto de pesquisa, encontrados na literatura
sobre a problemática da depressão infantil podem ser analisados à luz do modelo de
Ferster. As interações entre pais e filhos que promovem baixo reforçamento positivo e
alto controle aversivo na aprendizagem do comportamento depressivo são citadas por
muitos autores (Ferster, 1974; Ferster et al., 1977; Blechman et al., 1986; Kazdin e
Marciano, 1998; Erickson, 1998). Inclusive Kovacs (1997) relata que Zahn-Waxler et al.,
em trabalho realizado em 1990, concluíram empiricamente que os pais depressivos são
menos carinhosos, responsivos e contingentes, e mais irritáveis, hostis e críticos. Como
conseqüência, sua prole tende a ser mais auto-crítica e exibir dificuldades na regulação
de suas emoções, o que confirma o uso de controle aversivo e suas conseqüências.
Fichtner (1997) também comenta que pais excessivamente críticos e perfeccionistas
assinalam com mais freqüência as eventuais falhas e fracassos de seus filhos, gerando
neles ansiedade de desempenho conforme a expectativa parental, e conseqüentemente
sentimentos de menos-valia. Por outro lado, pais extremamente permissivos podem
incitar na criança sentimentos de abandono e rejeição, o que dificulta a sua adaptação
em ambientes extra-familiares.
Em recente estudo, Hamilton, Asarnow e Yompson (1999) comprovaram que as
crianças depressivas recebem pouco reforçamento positivo e têm altos padrões de de­
sempenho estabelecidos por suas mães, e que as relações familiares de crianças clinica­
mente depressivas são caracterizadas por altos índices de conflitos, pouco apoio entre si
e apego inseguro. Isto pode ser compreendido dentro da perspectiva interacionista, pois
reflete a inseparabilidade do comportamento da criança das contingências estabelecidas
pelas relações familiares.
Esses dados confirmam a aplicabilidade do modelo comportamental na descrição
do processo pelo qual as respostas depressivas se estabelecem no repertório de uma
criança. O reforçamento especifico para essas respostas ó uma conseqüência da falta de
reforçamento de respostas mais apropriadas e do controle aversivo mútuo sobre outras
respostas que a criança emite. Essas respostas aversivas mútuas nas interações pais-
filhos vão 'tomando o lugar’ daquelas que seriam construtoras de comportamentos ajusta­

72 Claudia Lúcia Menegatli e Vara Kupcrsfeín fngòcrman


dos e socialmente adequados, com autorização de expressão emocional positiva e nega­
tiva bem como seu respectivo auto-controle, com possibilidade de sucesso acadõmico e
na relação com pares, com a segurança de ser amado independente do sucesso nos
desempenhos obtidos em seu meio. A observação de Skinner (1953 /1998, p. 87) ilustra
essa necessidade de perceber o afeto do outro nas relações humanas, quando analisa a
atenção e o afeto como reforçadores generalizados:
É difícil definir, observar e medir a atenção, a aprovação e o afeto. Não são coisas,
mas aspectos do comportamento de outros. Suas dimensões físicas sutis oferecem difi­
culdades não apenas para o cientista que precisa estudá-las, mas também ao indivíduo
que por elas é reforçado. Se não podemos facilmente constatar que alguém está prestan­
do atenção ou que aprova ou que tem afeto, nosso comportamento não será consistente-
mente reforçado.
Para concluir, pesquisar sobre a relação das práticas parentais com a depressão
infantil, é assumir o risco de que essa relação representa apenas uma parte de uma
grande teia funcional. Os estudos de Ferster (1974) e Ferster et al.(1977) descreveram
pioneiramente - da perspectiva da análise do comportamento - sobre as interações pais-
filhos que podem estabelecer determinadas relações de reforçamento, punição e extinção
de comportamentos dos filhos, as quais conduzem à depressão. Desta forma, conhecer
as respostas dos pais e mães no dia-a-dia de suas interações com seus filhos - mesmo
quando não houver um diagnóstico estabelecido de depressão para a criança - permite
que se façam previsões das conseqüências para a criança a partir das operações
comportamentais envolvidas em tais interações, as quais podem levar a comportamentos
nomeados como depressão.
Essa reflexão remete à complexidade do comportamento humano, que está sujei­
to a múltiplas influências que podem ou não ter relações funcionais entre si. Dessa forma,
quer-se enfatizar que a preocupação do analista do comportamento é com a função que
determinado comportamento tem e não sua causa, conhecendo a dependência e a
inseparabilidade entre os fenômenos (Matos, 1999). Cabe lembrar as observações de
Ferster (1966) no seu texto “A transição do laboratório animal para a clínica", que,
registrando as interações entre uma terapeuta e uma criança autista, escreveu:

"embora tenha visto aplicações de todos os princípios de comportamen­


to que conhecia, havia al um conteúdo que não podia vir só das experiências de
laboratório. Eu podia fazer uma análise funcional da interação, mas não poderia
tê-la planejado” (Fertser, 1966, p.4).

Da mesma forma, as relações de reforçamento e punição que se estabelecem no


contexto familiar não são lineares, mas sim produtos de influências contínuas e recípro­
cas, cujos padrões podem ser conhecidos pelo levantamento de hipóteses e realização
de análises funcionais.

Sobre Comportamento e Cognição 73


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74 Claudio Lúcia MenegtiMi c Yard Kupm trin Injibcrmdn


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Sobre Comportdmrnlo r Cojjnlçâo 75


Capítulo 6
Terapia Cognitivo-Comportamental c
disfunções psicofisiológicas
Armando Ribeiro das Neves Nettf

Atualmente há uma crescente busca por tratamentos eficazes para as condições


orgânicas que estão associadas aos diversos fatores psicológicos e sociais. A utilização
de Terapia Cognitivo-Comportamental para intervenção nas disfunções psicofisiológicas
apresenta uma relação custo-beneflcio satisfatória, além de poder ser uma nova opção
nas práticas de manejo de doenças, em que se adota um meio mais natural e completo de
cuidado (Neves Neto, 2003; 2002; 2001; Trask e cols., 2002).
Os centros de saúde vôm, aos poucos, incorporando as Recomendações do
Centro para o Avanço da Saúde dos EUA (Anexo 1), por apresentar uma visão holística
de saúde e doença, condizente com o próprio conceito de saúde da Organização Mun­
dial da Saúde (Anexo 2).

O que são Disfunções Psicofisiológicas?

A associação etiológica das doenças orgânicas (somáticas) aos fatores


psicossociais (psíquicos, comportamentais, ambientais e culturais) há muitos anos tem
sido relatada, podendo mesmo ser encontrada nos aforismos hipocráticos, nos textos de
alguns filósofos gregos e na sabedoria popular cotidiana (Totman, 1982; Gatchel & Blanchard,
1998; Baum e cols., 1997).
O filósofo Renó Descartes aparece como um importante personagem do que se
convencionou chamar de dualismo mente-corpo, que fragmenta o homem, marcando a
história atual das ciências da saúde.
Movimentos em direção a compreensão mais profunda das relações entre o
psiquismo e o corpo, a partir do século XIX, aparecem na forma do que se denominou
' PWcàtogo Doutorando pala Faooia Pauliata da MadtcÉna ■UNIFESP Coordenador do Se*or da Patootogla da Sauda do InatKutn Nauotôgtoo de SAo Paulo
- Hoapttal BanaAc4nda Portuguaaa AMBAN-IPO-HCFMUSP.

76 Armando Ribeiro dai Neve* Neto


Medicina Psicossomática, abordagem médica que buscava através da utilização dos
conceitos psicanalíticos uma leitura e intervenção que integra a mente às doenças
somáticas (Dunbar, 1935; Balint, 1988; Mello Filho, 1992; Gatchel & Blanchard, 1998;
Neves Neto, 2002).
Concomitantes ao desenvolvimento desse grande movimento, novas correntes
teóricas também iniciaram pesquisas que buscam explicar cientificamente a etiologia
multifatorial dos desajustes somáticos, sendo assim criadas novas áreas, como a Psico­
logia Módica, a Psicobiologia, a Psicofisiologia, a Medicina Comportamental, Comporta­
mento e Saúde, Psicologia da Saúde (Psicologia Hospitalar), Medicina Corpo-Mente,
Psiconeuroimunologia, Psico-Oncologia, Neuropsicologia etc. (Figura 1) (Baum e cols.,
1997; Kaplan et al., 1997; Kendler, 2001; Neves Neto 2001), que modificaram o modelo
bíomódíco hegemônico em benefício ao modelo bíopsícossocíal.

Figura 1. Ilustração da relação dialética entre a mente e o corpo.

Mas afinal, o que são disfunções psicofisiológicas? Há uma grande confusão


atual, devido aos diversos grupos que se interessaram por esta área do conhecimento,
podendo ser encontrados diversas denominações (ex. doenças psicossomáticas, doen­
ças funcionais, disfunções psicofisiológicas, transtornos somatoformes, fatores psicológi­
cos que afetam condições médicas).
Com o objetivo de seguir a classificação oficial da Organização Mundial da Saúde
(1997), podemos relacionar as disfunções psicofisiológicas a duas categorias principais:
A-Transtornos Neuróticos, Relacionados ao Estresse e Somatoformes (códigos
F40-F48).
B - Sindromes Comportamentais Associadas a Distúrbios Fisiológicos e a Fatores
Fisicos (códigos F50 - F59).

Segundo a classificação da Associação Americana de Psiquiatria (1997) as


disfunções psicofisiológicas podem ser definidas como:

Sobre Comportamento e Cognl(3o 77


A - Transtornos Somatoformes

“A característica comum dos Transtornos Somatoformes ó a presença


de sintomas físicos que sugerem uma condição módica geral (daí, o termo
somatoforme), porém não sâo completamente explicados por uma condição
módica geral, pelos efeitos diretos de uma substância ou por um outro transtorno
mental (por ex., Transtorno de Pânico)".

Os seguintes Transtornos Somatoformes são incluídos nesta classificação:


O Transtorno de Somatização (historicamente chamado de histeria ou síndrome
de Briquet) é um transtorno polissintomático que inicia antes dos 30 anos, estende-se por
um período de anos e é caracterizado por uma combinação de dor, sintomas gastrintestinais,
sexuais e pseudoneurológicos.
O Transtorno Somatoforme Indiferenciado caracteriza-se por queixas físicas
inexplicáveis, com duração mínima de 6 meses, abaixo do limiar para um diagnóstico de
Transtorno de Somatização.
O Transtorno Conversivo envolve sintomas ou déficits inexplicáveis que afetam
a função motora ou sensorial voluntária, sugerindo uma condição neurológica ou outra
condição médica geral. Presume-se uma associação de fatores psicológicos com os
sintomas e déficits.
O Transtorno Doloroso caracteriza-se por dor como foco predominante de aten­
ção clínica. Além disso, presume-se que fatores psicológicos tôm um importante papel
em seu início, gravidade, exacerbação ou manutenção.
Hipocondria é preocupação com o medo ou a idéia de ter uma doença grave,
com base em uma interpretação errônea de sintomas ou funções corporais.
O Transtorno Dismórfico Corporal é a preocupação com um defeito imaginado
ou exagerado na aparência física.
O Transtorno de Somatização Sem Outra Especificação é incluído para a
codificação de transtornos com sintomas somatoformes que não satisfazem os critérios
para qualquer um dos Transtornos Somatoformes.

B - Fatores Psicológicos que Afetam a Condição Módica

"A característica essencial dos Fatores Psicológicos Afetando a Condi­


ção Módica ó a presença de um ou mais fatores psicológicos ou comportamentais
específicos que afetam adversamente uma condição módica geral".

Os seguintes Fatores Psicológicos que Afetam Condição Médica são incluí­


dos nesta classificação:
Transtorno Mental Afetando... [Indicar a Condição Módica Geral]. Um trans­
torno específico do Eixo I ou do Eixo II afeta significativamente o curso ou tratamento de

78 Armando Ribeiro da* Neve* Neto


uma condição médica geral (por ex., Transtorno Depressivo Maior afetando adversamente
o prognóstico de infarto do miocárdio, insuficiência renal ou hemodiálise; Esquizofrenia
complicando o tratamento de diabete melito). Além de codificar esta condição no Eixo I, o
transtorno mental especifico também é codificado no Eixo I ou no Eixo II.
Sintomas Psicológicos Afetando... [Indicar a Condição Módica Geral]. Sin­
tomas que não satisfazem todos os critérios para um transtorno do Eixo I afetam significa­
tivamente o curso ou tratamento de uma condição médica geral (por ex., sintomas de
ansiedade ou depressão afetando o curso e a gravidade da sindrome do cólon irritável ou
de úlcera péptica, ou complicando a recuperação de uma cirurgia).
Traços da Personalidade ou Forma de Manejo Afetando... [Indicar a Con­
dição Módica Geral], Um traço da personalidade ou uma forma de manejo mal-adaptativa
afeta significativamente o curso ou tratamento de uma condição médica geral. Os traços
da personalidade podem não atingir o limiar para um transtorno do Eixo II ou representar
um outro padrão que comprovadamente constitui um fator de risco para certas doenças
(por ex., comportamento “tipo A", tenso e hostil, para doença coronariana). Os traços da
personalidade problemáticos e as formas mal-adaptativas de manejo podem perturbar a
relação de trabalho com o pessoal da área da saúde.
Comportamentos de Saúde Mal-Adaptativos Afetando... [Indicar a Condição
Módica Geral]. Comportamentos mal-adaptativos de saúde (por ex., estilo de vida sedentá­
rio, práticas de sexo inseguro, excessos alimentares, consumo excessivo de álcool e drogas)
afetam significativamente o curso ou tratamento de uma condição médica geral. Se os com­
portamentos mal-adaptativos são melhor explicados por um transtorno do Eixo I (por ex.,
excesso alimentar como parte da Bulimia Nervosa, uso de álcool como parte da Dependência
de Álcool), deve ser usada a denominação "Transtorno Mental Afetando a Condição Médica".
Resposta Fisiológica Relacionada ao Estresse Afetando... [Indicar a Condi­
ção Módica Geral]. Respostas fisiológicas relacionadas ao estresse afetam significati­
vamente o curso ou tratamento de uma condição módica geral (por ex., precipitam dor
torácica ou arritmia em um paciente com doença coronariana).
Fatores Psicológicos ou Outros Inespecificados Afetando... [Indicara Con­
dição Módica Geral]. Um fator não incluído nos subtipos especificados antes ou um
fator psicológico ou comportamental inespecificado afeta significativamente o curso ou
tratamento de uma condição módica geral.
No quadro 1, são descritas algumas condições médicas que atualmente recebem
atenção através de estudos clínicos com o objetivo de estabelecer a relação entre a doen­
ça orgânica e os componentes psicossociais.
Quadro 1. Disfunções psicofisiológicas freqüentemente alvo de estudos científicos (Fato­
res Psicológicos que afetam Condição Módica).

Sistemas Doenças
Doenças Doença Morte Hipertensão Doença
Cardiovasculares Arterial Súbita Arterial de Raynaud
Coronariana
Doenças Acidente Esclerose Doença Epilepsia
Neurológicas Vascular Múltipla de
Cerebral Parkinson

Sobre Comportamento e Cojjoifäo 79


Doenças Doença de Slndrome do Doença do Úlcera
Gastrintestinais Crohn e Cólon Irritável Refluxo Péptlca
Retocolite Esofágico
Ulcerativa
Doenças
Prurido Híperídrose Psorfase Alopecia
Dermatológicas

Doenças Doença Febre do


Pulmonares Asma Pulmonar Feno Tuberculose
Obstrutiva
Crônlca
Doenças Artrite Dor Dor Dor
Reumatológicas Reumatóide Miofacial Lombar Crônica
Disfunção Vaginismo Dispareunia Ejaculação Disfunção
Sexual Precoce Orgá8mlca
Outras Câncer Doença Diabete Cefalóia
Renal Melito Tensional
Fibriomialgia Hlpertlreoidismo Alergia Doenças
Auto-lmunes
(Adaptado de Kaplan et al., 1997; Stoudemire, 2000; Smith et al., 2002).

No quadro 2 são descritos os principais sinais e/ou sintomas encontrados na


literatura como expressão das disfunções psicofisiológicas.

Quadro 2. Principais sintomas e/ou sinais descritos na literatura científica como associa­
dos às disfunções psicofisiológicas (Transtornos Somatoformes).

Fraqueza Dor de cabeça Palpitação Dispnéia Tontura


Angina Dificuldade Náusea Flatulência Dor
para engolir abdominal
Zumbido Diarréia Vômito Edema Insônia
no ouvido

Pare8tesia Perda de peso Diplopia Atonia Impotência
(Adaptado de Kroenke & Mangelsdorff, 1989; Kroenke et ai, 1990; Simon et ai, 1996;
Smith et ai, 2002).

Conceltualização Cognitiva e Comportamental

A conceitualização cognitiva e comportamental ó fundamental para a compreen­


são etiológica e terapêutica das disfunções psicofisiológicas. As cognições são concei­
tos centrais nesta abordagem teórica, sendo o paradigma ilustrado na figura 2 (Neves
Neto, 2003; 2002; 2001).

80 Arro«indo RJbfiro das Nrvp* Neto


Figura 2. Representação gráfica do paradigma cognitivo e comportamental (Neves Neto, 2003).

A partir do modelo cognitivo-comportamental descrito anteriormente, atualmente


desenvolveram-se conceitos visando aprofundar as questões pertinentes ao tratamento
das disfunções psicofisiológicas (Salkovskis, 1997; Servan-Schereiber et al., 2000a,b;
Neves Neto, 2003), sendo estes:

A- Amplificação das Sensações Corporais

Reações físicas sâo comuns ao longo da vida (ex. náusea, prisão de ventre, dor,
irritação, fraqueza etc.); alguns indivíduos focalizam sua atenção durante a ocorrência
deste funcionamento orgânico (através dos sistemas interoceptivo, proprioceptivo e
exteroceptivo), podendo assim maximizar a estimulação fisiológica do órgão ou do seu
funcionamento. Discute-se ainda se alguns indivíduos poderiam apresentar uma percep­
ção visceral anormal, a qual seria responsável pela maximização das sensações corpo­
rais experienciadas. Por exemplo, pacientes com dor abdominal (no caso da Síndrome do
Cólon Irritável) podem massagear vigorosamente o abdômen com o objetivo de aliviar a
dor, o que produzirá edema (inchaço), hiperemia (vermelhidão) e desconforto, podendo
exacerbar as sensações corporais e aumentar o foco de atenção do sujeito aos sintomas
e sinais desta região corporal.

B - Distorção dos sintomas e/ou sinais

Ao perceber a ocorrência de sintomas e/ou sinais desconfortáveis nos órgãos ou


funções corporais, serão formuladas cognições que servirão para dar sentido àquelas sen­
sações, baseadas no esquema cognitivo (crenças) a respeito de si-mesmo (ex. através da
percepção de risco), do mundo e do futuro. Por exemplo, uma pessoa que sinta uma forte

Sobre Comportamento e Cognição 81


dor de cabeça poderá pensar que se trata de um acidente vascular cerebral (AVC) ou um
tumor. Este pensamento pode ser intensificado se a pessoa teve uma experiência com
indivíduos que sofreram AVC ou tumor, ou leram algo a respeito (revistas médicas).

C- Condicionamento Operante

O aparecimento de alguns sintomas e/ou sinais parecem estar associados com a


existência de certas atividades cotidianas, influenciando-as de forma intensa. O compor­
tamento de evitação é socialmente admitido desde o início da vida acadêmica, quando
estudantes são liberados de freqüentar as aulas, por indisposição, resfriado etc. tornando-
se um hábito para alguns alunos. Observam-se freqüentemente pessoas que apresentam
sintomas e/ou sinais (ex. cefaléia, alergia, cólica etc.) quando deveriam responder a certas
situações sociais comuns (ex. apresentação em público, reunião e discussão sobre os
direitos), sendo que “a necessidade de estar doente" seria uma conseqüência da utilização
exagerada deste mecanismo.

D - Condicionamento Clássico

Reações fisiológicas são naturalmente eliciadas por estímulos incondicionados.


Pode ocorrer um emparelhamento entre estímulos incondicionados e neutros, a ponto de
surgir uma resposta condicionada. Por exemplo, algumas substâncias químicas presen­
tes em materiais de limpeza são naturalmente irritantes da conjuntiva, ser for emparelha­
do o uso destas substâncias a atividade profissional, pode-se ter uma forte reação alérgi­
ca quando a pessoa se prepara para ir ao trabalho, ou quando se vê uma embalagem
fechada do produto, ou mesmo quando percebe algum cheiro semelhante.

D - Pslcopatologia

Sintomas e/ou sinais físicos podem ocorrer na presença de quadros


psicopatológicos, devendo ser levado em consideração o efeito presente na existência de
comorbidades psiquiátricas. Por exemplo, sujeitos portadores de Transtorno de Pânico
podem interpretar um sintoma deste quadro clínico como uma grave doença do sistema
cardiovascular.

E - Outros Fatores

Diversos outros fatores são menos descritos na literatura, ou explicados com


uma base científica. Alexitimia, efeito placebo, efeito nocebo, dominação hemisférica
cerebral, "bode expiatório'’, "necessidade de estar doente", ganho primário e/ou secundá­
rio, dissociação, sugestão hipnótica, dissonância cognitiva, energia psíquica reprimida,
síndromes culturais, devem ser explorados quando os fatores descritos anteriormente
não satisfazem a uma compreensão da disfunção psicofisiológica estudada (Totman, 1982;
Balint, 1988; Mello Filho, 1992; Holmes, 1997; Salkovskis, 1997; Bakal, 1999; Servan-
Schereiber et al., 2000a).

82 Armando Ribeiro da* Neve* Neto


Estabelecendo o diagnóstico

É fundamental antes de propor uma medida terapêutica, desenvolver um sólido


diagnóstico. Entrevista clínica, exames laboratoriais, interconsulta médica, testes (ex.
Questionário de Saúde Global de Goldberg), observação do comportamento e avaliação
psicofisiológica, podem ser úteis para a formulação do diagnóstico e escolha das estraté­
gias psicoterápicas. Os critérios diagnósticos da CID-10 e DSM-IV auxiliam na identifica­
ção dos casos, bem como da realização do diagnóstico diferencial (Neves Neto, 2002;
Salkovskis, 1997).

Estratégias da Terapia Cognitivo-Comportamental

A partir do diagnóstico e da conceitualização cognitiva e comportamental deverá


ser iniciada a intervenção psicoterápica.
Não existem boas Mreceítas de bolo" para o tratamento das disfunções
psicofisiológicas, mas os estudos apontam para as intervenções que seguramente demons­
traram eficácia no tratamento, sendo denominadas por "Psicoterapia Baseada em Evidências".
Na tabela 3 serão descritos trabalhos que encontraram eficácia na aplicação da
terapia a diversas condições psicofisiológicas, servindo de fonte para que terapeutas pos­
sam iniciar seus atendimentos baseados nas evidências científicas disponíveis.

Tabela 3. Descrição de pesquisas sobre Terapia Cognitivo-Comportamental nas disfunções


psicofisiológicas.
Autor Ano Publicação Disfunção
Psicofisiológica
Linton&Ryberg 2001 Pain Dor Crônica
Sharpe et al. 2001 Pain Artrite Reumatólde
Wysocki et al. 2001 Diabetes Care Diabete Melito
Hadhazy et al. 2000 The Journal of Rheumatology Fibromialgia
Perlis et al.- 2000 Comp Ther Insônia Primária
Van Dulmen et al. 1996 Psychosomatic Medicine Síndrome do
Cólcon Irritável
Warmick et al. 1996 British Journal of Psychiatry Artrite Reumatóide
Hellman et al. 1990 Behav Med Queixas
Psicossomáticas

Na tabela 4 serão descritos trabalhos nacionais que desenvolvem intervenções


cognitivas e comportamentais na área da saúde. É um meio importante de divulgação e
incentivo da pesquisa genuinamente brasileira para o desenvolvimento da Terapia Cognitivo-
Comportamental e Saúde.

Sobre Comportamento e Coflnlçío 83


Tabela 4. Descrição de algumas pesquisas brasileiras sobre intervenção cognitiva e
comportamental na área da saúde.
Autor Ano Publicação Disfunção
Psicoflsiológica
Neves Neto 2001 Revista de Psiquiatria Clínica Síndrome do
Cólon Irritável
Fernandes 2001 Revista de Psiquiatria Clínica Cefalóia
Cade 2001 Revista de Psiquiatria Cííníca Hipertensão
Arterial
Angelottl 2000 Psicoterapia Cognitivo Comportamental: um Dor Crônica
diálogo com a Psiquiatria
MyasakJ 1999 Comportamento e Saúde: expioranóo Asma
alternativas

É imprescindível informar aos interessados que existem três importantes publica­


ções a respeito das intervenções cognitivas e comportamentais nas disfunções
psícofisioíógicas, sendo estas:
A-Journal of Consulting and Clinical Psychology-Special Issue: Behavioral Medicine
and Clinical Health Psychology (2002).
Trata-se de uma edição especial do Journal of Consulting and Clinical Psychology
editado pela Associação Americana de Psicologia e que trás informações atuais sobre
intervenções cognitivas e comportamentais na área da Psicologia da Saúde e Medicina
Comportamental. Alguns dos assuntos tratados são: Década do Comportamento, Tabagis­
mo, Obesidade, Atividade Física, Psiconeuroimunologia, entre muitos outros assuntos.

B - Psychophysiological Disorders: Research and Clinicai Applications - Gatchel e


Blanchard (1998).
É um livro muito importante para clínicos e pesquisadores interessados em
disfunções psícofisioíógicas. Apresenta o tratamento de diversas condições orgânicas,
entre elas: Hipertensão Essencial, Cefalóia, Asma, Distúrbio Temporomandibular, Tensão
Pró-Menstrual, entre outros.

C - Cambrldge Handbook of Psychology, Health and Medicine - Baum e cols. (1997).


Trata-se de um livro abrangente que oferece informação pontual para os interessa­
dos em desenvolver atividades que envolvam Psicologia e Medicina. Além de serem apre­
sentados textos sobre doenças, há uma parte especifica que resume as abordagens
psicoterápicas atualmente praticadas.

Conclusão

O objetivo deste texto foi descrever sucintamente as possibilidades que atualmente


são exploradas na área da saúde com relação à Terapia Cognitivo-Comportamental. O

84 Armando Ribeiro das Neves Neto


autor do presente capítulo vem aplicando sistematicamente estratégias cognitivas e
comportamentais em instituições de saúde, bem como avaliando através da realização de
pesquisas, da participação em congressos e associações nacionais e internacionais, a
valiosa contribuição desta abordagem psicoterápica a formação de novos profissionais
habilitados a empregar estes conhecimentos as disfunções psicofisiológicas.

Referências
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Sobre Comportamento e Cojjnlçio 85


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86 Armando Ribeiro dai Neve* Neto


Capítulo 7
O sono no strcss pós-traumático
Sandra Leal Calais1
MakHin Nunes Batistef
Nancy/ulietâ Inocente’
Paulo Rogério Morais*

O transtorno do stress pós-traumático (TSPT) é caracterizado por reações a um


evento estressor excepcionalmente ameaçador como tortura, terrorismo, rapto, guerra,
acidentes naturais (terremotos, inundações), seqüestros, estupros, incêndios, assaltos,
ataque pessoal violento, conhecimento de doença com risco de vida em filhos, diagnósti­
co de doenças que levem à própria morte, desastres automobilísticos e de aviões, ser
tomado como refém, observação de morte não natural de outra pessoa e acidentes causa­
dos pelo homem. Exclui-se, desse quadro, o conflito conjugal, luto simples, doenças
crônicas, perdas financeiras.
Essa reação pode se apresentar na vítima sobrevivente (vítima primária) ou em
pessoas próximas de seu convívio (vítimas secundárias). Profissionais da saúde e emer­
gência que trabalham na ocorrência ou que presenciam essas situações também podem
ser vítimas secundárias.
Taylor, Koch, Fecteau, Fedoroff, Thordarson & Nicki (2001) atentam para a pre­
sença de três condições para ocorrer o transtorno: uma experiência que traga sério dano
a si ou outros, a reação de intenso medo ou incapacidade de defesa diante desse evento
e a apresentação dos sintomas do transtorno após um mês ou mais do evento. Assim, o
TSPT é associado a forte stress e a questões incomuns, ocasionando sempre um preju­
ízo funcional da pessoa.
Os sintomas perfazem um total de 17 e são englobados em três classes:
revivência, esquiva e excitabilidade. A revivência é caracterizada por pensamentos

' Doutora em Piicologla pwk Ponttfldn Unlvoraldade Católica d* Campina» Docontn do Dopurtamonto de Patootogla da UnlverokJade Eatadual PauKata
UNFSP, campu» Baum A autora agradoce à Funduneep pok> apoio financeiro para participar do XI Encontro Bracllelro da P»lcoterepla a Modlcln*
Comportamental em Londrina, 2002
Doutor em CMndaa pela Urvlvervldadn Federal de SAo Paulo • Escola PauNata de Medicina UNIFESP Docente da» UnlvermMado» Braz Cubaz a Centro
^Jnlver»tUkrio Hermlnk) Ometto de Arara»
Doutoranda pola Unlcamp e docento da UNI TAU-8P,
4Me»tre pelo Depto de Peloatilnlogla da Unlver»ldade Federal de Sâo Paulo • Feoola PauNota de Medldna UNIFESP Docente da UrWvmldad« Bra/Cuba»
(Mofll Mlrlm-aP).

Sobre Comportamento e Cognição 87


invasivos do acidente, a esquiva se apresenta pelo retraimento social e fuga de situa­
ções, pessoas e objetos que lembrem o acidente e a excitabilidade, a condições de
alterações do sono e humor.
Os distúrbios do sono são, assim, incorporados à definição do TSPT (DSMIV e CID
10) e algumas vítimas os apresentam como o principal sintoma do transtorno. Dentro da
categoria revivência, um dos sintomas apresentados é ter pesadelos com o evento. Na
categoria excitabilidade, apresenta-se a dificuldade em conciliar ou manter o sono (insônia).
No entanto, a influência do sono na dinâmica do TSPT não parece ser tão sim­
ples. Os estudos de laboratório não conseguem evidenciar esta associação de forma tão
clara: o que realmente é conseqüência do impacto da exposição traumática e o que seria
advindo de outros transtornos comôrbidos. Estudos de sono REM mostram alterações no
TSPT mas que não são significativas (Pilar, Malhotra & Lavie, 2000).
Krakow et al (2000a) estudaram 156 mulheres vítimas de ataque sexual quanto a
distúrbios respiratórios do sono e à sfndrome do movimento do sono, concluindo que 77%
já possuíam estas desordens que poderiam estar sendo agravadas pelos problemas de
sono associados a TSPT e não somente uma função da insônia psicofisiológica que é
comumente diagnosticada para explicar esses problemas no TSPT.
Foram pesquisados 1832 sujeitos entre 15 e 90 anos de idade com o objetivo
específico de estudar epidemioíogicamente o sono e os transtornos mentais na popuíação
em geral. Dessas pessoas, 11,6%, sem diferenças para gênero, relataram haver tido uma
experiência traumática. Desse total, 2% foram diagnosticados como vítimas de TSPT
sendo que as mulheres (2,6%) eram mais atingidas do que os homens (0,9%). O TSPT foi
significativamente (75,7%) associado a transtornos mentais. Os distúrbios do sono como
paralisia do sono, alucinações hipnagógicas, falar dormindo e distúrbio comportamental
do sono, também afetavam 70% dos sujeitos com TSPT (Ohayon, Shapiro e Colin, 2000).
O conteúdo dos sonhos pode também ser um preditor da severidade dos sinto­
mas. Em uma amostra de 60 vitimas (18 a 54 anos) de eventos ameaçadores à vida,
solicitou-se o relato de seus sonhos, logo que o evento ocorreu. Após seis semanas, com
apenas 39 dos participantes iniciais, houve 21 relatos de sonhos, dos quais dez foram
relacionados ao recente evento traumático. Os sujeitos que fizeram tais relatos apresen­
tavam sintomas mais severos de TSPT inicial e no follow-up, do que os que apresentavam
outros tipos de sonhos, mostrando uma possível relação entre as características do so­
nho e o ajustamento inicial e posterior aos padrões do processo de memória traumática
(Roemer, Litz, Orsillo e Wagner, 2001).
Procurando examinar distúrbios respiratórios do sono, Krakow et al. (2001) avali­
aram 44 sujeitos, vitimas de crimes que, dentre os sintomas de stress pós-traumático,
reclamavam de pesadelos e insônia. Submetendo-os a testes respiratórios sofisticados,
40 deles apresentaram índices moderados de distúrbio respiratório (mais de 15 eventos
por hora) tendo 22 apresentado apnéia obstrutiva do sono e 18, a síndrome da resistência
das vias aéreas superiores.
Há sintomas da síndrome da resistência das vias aéreas superiores e da apnéia
obstrutiva do sono como dificuldades de memória, concentração e isolamento social que
são comuns ao stress pós-traumático e portanto, é preciso que se estude mais como
estes fenômenos interagem (Youakim, Doghramji & Schutte, 1998).

8 8 Sandra Lral Caiais, M a kjlim N unrx Baptista, Nancy Julirta Inocrntr c Paulo Rogério Morais
Jukic, Sumic, Brecic e Muzinuc-Masle (1999) estudaram a freqüência e intensida­
de dos distúrbios de sono e apresentação de pesadelos em 150 prisioneiros de guerra,
150 combatentes veteranos e 150 mulheres refugiadas da guerra da Croácia. Todos havi­
am sido diagnosticados com TSPT e não eram grupos homogêneos quanto a sexo, profis­
são e estado civil. No entanto, não houve diferenças nos grupos quanto aos distúrbios do
sono mas sim quanto à apresentação e severidade dos pesadelos: os prisioneiros de
guerra que haviam combatido apresentaram a maior freqüência de pesadelos.
Os profissionais de saúde de emergência, dentre eles os bombeiros, podem ser
considerados vitimas secundárias do estado de stress pós-traumático, visto que suas
atividades estão diretamente ligadas a situações altamente estressoras, onde sua atuação
é requerida para diminuir o sofrimento das vitimas ou dar-lhes a chance de sobreviver. Con­
tudo, nem sempre conseguem obter um resultado positivo, o que os coloca na condição de
impotência diante da fatalidade, tornando-os possíveis vítimas secundárias do transtorno.
Uma pesquisa sobre stress pós-traumático em bombeiros (Calais, 2002) levanta
uma queixa bastante freqüente da condição do sono dentro do quartel. O dormir mal pode
ser um sintoma do stress pós-traumático. No entanto, o turno de trabalho de 24h/48h
impossibilita uma rotina de sono, o que é condição para que este seja reparador. Brandão
(2001) refere que trabalhos com mudanças de turno promovem perturbações nos ritmos
biológicos, especialmente o ciclo sono-vigília. Além disso, o disparo do alarme durante a
noite, para todos os que estão dentro do quartel, embora somente uma equipe seja solici­
tada, ó uma fonte de stress comprovada (Carvalho, 1998).

Propostas de intervenção

Krakow et al (2000b) propuseram uma intervenção baseada em exposição imagi­


nária em grupo para tratamento de pesadelos crônicos em 43 mulheres com mais de 18
anos, vítimas de ataques sexuais, e obtiveram resultado satisfatório para uma melhor
qualidade do sono além de ter havido decréscimo na severidade do transtorno.
Para a abordagem comportamental, o TSPT é analisado segundo o condiciona­
mento clássico, onde um estímulo incondicionado (evento traumático) é associado a uma
resposta incondicionada (medo) e esta resposta é generalizada a outros estímulos pre­
sentes (estímulos condicionados), passando a ser uma resposta condicionada. Esta res­
posta condicioAada não é extinta com a passagem do tempo mesmo que não tenha
havido novo pareamento (Keane, Zimmering e Caddell, 1985).
Segundo Boudewyns e Hyer (1990), as intervenções comportamentais tentam
desfazer a associação entre a resposta condicionada e o estímulo condicionado que fo­
ram pareados no trauma, usando dessensibilização (gradual) ou inundação (de uma só
vez). Na dessensibilização, é utilizado o treino de relaxamento cujo princípio é ensinar o
estado de relaxamento para contrapô-lo ao estado de tensão, pareando, portanto, respos­
tas incompatíveis como estar relaxado e tenso ao mesmo tempo.
Os tratamentos médicos respiratórios vêm sendo propostos ultimamente como
um auxiliar da dificuldade de sono. Como já comprovado, a associação entre distúrbios
respiratórios e TSPT é bastante comum e cuidar da dificuldade respiratória pode ser um
grande auxiliar.

Sobre Comportamento e Cognição 89


Outra proposta de intervenção que pode trazer benefício específico aos sintomas
relacionados com o sono é a hipnose clínica apesar do receio da comunidade científica
em usá-la (Spiegel & Spiegel, 1992). No entanto, quando usada junto a outras interven­
ções pode trazer bastante alívio à vítima do TSPT.
A terapia farmacológica encontra um grande desafio no TSPT visto que teríamos
que saber que tipos de fármacos poderiam atenuar quais sintomas. No entanto, muitas
drogas se prestam a diminuirá dificuldade específica em relação ao sono, o que poderia
trazer benefício aos indivíduos que apresentam o transtorno.
Singareddy e Balon (2002) afirmam que ainda não se encontrou o tipo de disfunção
do sono REM em vítimas do TSPT mas que antidepressivos como fluoxamina podem ter
um bom efeito quando as perturbações do sono são predominantes.
O que pode ser observado dos estudos aqui relatados é a sua inconcludência.
Todos eles revelaram distúrbios do sono associados ao TSPT. Entretanto, não consegui­
ram provar ainda a obrigatória ligação entre estes dois transtornos tendo em vista a possi­
bilidade do distúrbio do sono estar, por seu turno, associado a outros transtornos.
Por fim, há necessidade de estudos especialmente no papel no sono REM e sua
regulação nas alterações de sono do TSPT. Estudos que priorizassem avaliações diagnósticas
objetivas como a polissonografia seriam importantes para testar essas hipóteses.
Assim, estudos multidisciplinares são importantes para se identificar de forma
mais clara como os distúrbios do sono podem se relacionar com os sintomas de altera­
ções de sono do stress pós-traumático para que novas formas de intervenção clínica
venham trazer alívio para as vítimas de TSPT.

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90 Sandra l.eal Calais, M akilim Nunes Baptista, Nancy Julieta Inocente e Paulo Rogério Morais
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Sobre Comportamento c Cognição 91


Capítulo 8
Terapia Comportamental Construcional
do Borderline
Luc Vdndcnbcrghe

1. Análise Clínica do Comportamento

A Análise Clínica do Comportamento (ACC) é o nome dado, na literatura


internacional, á prática de psicoterapia ambulatória! fundamentada na filosofia behaviorista
radical. Ela é diferente da Análise Aplicada do Comportamento que enfoca problemas que
podem ser abordados pela modificação das contingências nas situações onde os compor­
tamentos aconteçam. A ACC enfoca no processo verbal entre terapeuta e cliente dentro do
consultório, como instrumento privilegiado de mudança terapêutico, e é indicada especifi­
camente para condições clínicas onde o terapeuta não tem acesso às contingências do
cotidiano do cliente. A Terapia Comportamental Dialética, que foi desenvolvida como
modalidade de tratamento do paciente borderline (Linehan, 1993), é um exemplo desta
abordagem.
Existem duas outras linhas no seio da ACC que são relevantes para o tratamento
do borderline. A primeira é a Psicoterapia Analítica Funcional que se interessou explicita­
mente pelo paciente borderline (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001). A segunda é a Terapia
Comportamental Construcional que ó relevante, por colocar a ênfase na análise do com­
portamento do terapeuta durante a interação com o cliente (Bakker-de Pree, 1987). Ambas
propuseram elementos teóricos e estratégias práticas, amparando o clinico no trabalho
com as emoções intensas e incoerentes que marcam a relação terapêutica com o pacien­
te borderline.
Na primeira propõe-se uma visão do Eu e do seu desenvolvimento que tem impli­
cações pragmáticas importantes. Além disso, como trabalha exclusivamente com os
problemas que ocorrem entre terapeuta e cliente, ela oferece socorro para as complica­
ções ditas de transferência que são tão temidos no trabalho com clientes borderlines. Na

' ProfeMor da Unlvwaldade Católica d« Qotàa - UCG

92 Luc Viindcnbfrfjhf
segunda não foi elaborado um conceito da personalidade borderline, mas propõe-se um
entendimento da psicopatologia e do crescimento pessoal que é relevante para clientes
com este tipo de problemática, porque possibilita superar os impasses típicos da terapia
com o paciente borderline.
As trôs abordagens são fundamentadas na análise funcional e ilustram o potenci­
al clínico do pensamento behaviorísta radical.

2. Terapia comportamental construcional

Bakker-de Pree (1984; 1987) desenvolveu a idéia de Goldiamond (1974) de que os


repertórios de uma pessoa, incluindo tanto os saudáveis quanto os patológicos, constitu­
em uma construção em que cada mudança numa parte tem efeitos sobre a totalidade.
Segundo este raciocino, não é útil tentar eliminar os sintomas para as quais um cliente
procura ajuda em nosso consultório. Precisa-se fazer uma análise funcional dos aspectos
saudáveis do funcionamento global do cliente, avaliando quais partes da construção
precisam ser reforçados. Quando padrões saudáveis são suficientemente fortes para poder
tomar o lugar dos disfuncionais, os sintomas perdem a sua função.
A terapia comportamental construcional como foi elaborado por Bakker-de Pree
(1987) enfatiza especialmente a problemática de repertórios dominados por esquiva ativa.
Isto ó um primeiro ponto em que ela se mostra relevante para o trabalho com o paciente
borderline, que muitas vezes se revela mestre em esquiva ativa. O cliente borderline usa
estratégias extremas para evitar sinais sutis, irrelevantes e ás vezes imaginários de rejei­
ção. Ele age com antecipação e com intensidade desproporcional, quando um relaciona­
mento estável se torna muito protetor ou sufocante. Ele tenta esquivar-se da vivência de
emoções negativas e, finalmente também do caos que criou agindo assim. Todo se torna
estímulo discriminativo para manobras interpessoais extremas e dramáticas de esquiva.
A vida do paciente borderline é dominada por estratégias que variam de submissão total,
manipulação dos outros, abuso de drogas e automutilação, até o suicídio, a forma de
esquiva mais completa.
Um segundo elemento enfatizado por Bakker-de Pree (1984; 1987) busca de proteção
contra sinais de invalidação, que sinalizam desqualificação social. Esta noção também se
aplica ao paciente borderline. Linehan (1993) considera ambientes invalidantes extrema­
mente relevantes para a gênese do transtorno da personalidade borderline. Nas famílias de
origem dos pacientes, expressões de emoções foram punidas ou extintas e ações e atitu­
des da criança foram atribuídas a motivos arbitrários. A criança em tal ambiente não aprende
a conhecer seu mundo encoberto. O que ela sente não faz sentido para ela, porque suas
tentativas de falar sobre desejos, impressões ou percepções foram invalidadas. Ela aprende
a confiar mais em estímulos externos do que internos, para avaliar a sua vivência. Assim ela
elabora uma experiência do Eu que não esta sob controle dos eventos encobertos, mas das
reações das outras pessoas (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
Alienado desta forma das suas vivências encobertas, e tendo um mundo comple­
xo e incoerente como referencial, a criança é excessivamente vulnerável em relações com
outros. A experiência de ser invalidado se torna tão ameaçadora que deve ser evitada a
qualquer custo. Muitos dos padrões complexos de esquiva do paciente borderline são
estratégias de evitar ser desqualificado por outras pessoas.

Sobre Comportamento e Cognição 93


O resultado disso todo é um padrão emocional e interpessoal caótico e contradi­
tório. Os comportamentos dramáticos do próprio cliente tornam a desqualificação social
sempre iminente, porque eles punem atitudes positivas de outras pessoas e evocam
exatamente as reações invalidantes dos quais o cliente tenta fugir (Vandenberghe, 1990;
Vandenberghe e Nassif, 1996). Quando o terapeuta pretende eliminar os padrões inade­
quados do paciente e mudar sua maneira de pensar, a relação terapêutica facilmente se
torna um ambiente invalidante também, contribuindo paradoxalmente para a manutenção
da patologia.
Uma terceira idéia central da terapia comportamental construcional que podemos
aplicar ao borderline ó que a dominância de esquiva ativa na vida de um paciente diminui o
impacto de contingências mais relevantes. Quando os repertórios são excessivamente
dominados por esquiva ativa, a pessoa não entre em contato com reforçamento positivo e
não desenvolve outras formas de relacionar-se com seu ambiente. O efeito regulador de
esquiva passiva, de comportamento reforçado positivamente e de fuga é prejudicado.
Comportamento dominado por esquiva ativa pode ser muito bem sucedido e o cliente pode
manter um nível de funcionamento adequado durante muitos anos confiando neste tipo de
estratégia. Mas, quando oportunidades de esquiva ativa faltam, outros padrões funcionais
são necessários. Se ele não adquiriu estas outras maneiras de reagir, ele não tem alter­
nativas para lidar com os eventos do seu cotidiano. Nestes momentos, os sintomas
psicopatológicos emergem e a pessoa se perde numa luta impossível contra o que ele
sente dentre de si, perdendo cada vez mais a capacidade de agir em função do que
aconteça no seu ambiente (Bakker-de Pree, 1987).
Quem já trabalhou com um cliente borderline raramente fica intocado pela
constatação estranha que o cliente vive os seus tempestuosos relacionamentos e seus
dramas dignes de novelas, sem aprender das suas experiências. As estratégias falidas
são aplicadas com o mesmo fervor na próxima oportunidade. Toda a atenção do cliente se
torna para dentro, para o seu sofrimento e seu vazio interior, para seu turbilhão de emo­
ções. As mais belas oportunidades de agir diferentemente, de experimentar um novo
relacionamento, um novo momento de uma outra maneira passam despercebidos, porque
o cliente investe toda a sua força em tentativas de não sofrer, de não sentir o que está
sentindo, sem considerar que estes sentimentos são o resultado da maneira em que ele
se relaciona com as pessoas ao seu redor.
A dominância exagerada de comportamentos de esquiva ativa tem um efeito pro­
fundamente alienádor. Na medida em que evita conseqüências, a pessoa perde contato
com o seu ambiente natural. O surgimento de sentimentos de desamparo, de desespero,
a experiência de emoções contraditórias chamam mais atenção para o mundo interior e
intensificam a alienação.

3. Relevância terapêutica

Antes do desenvolvimento da terapia comportamental dialética e da psicoterapia


analitica funcional, as abordagens behavioristas contribuíram pouco para o tratamento do
borderline. Este trabalho pretende mostrar que a relevância das idéias comportamentalistas
para esta área de atuação não é limitada a estas duas abordagens especificas. A terapia

94 l.uc Vandfnbfruhe
comportamental construcional é um outro exemplo de uma linha de pensamento clínico
que pode contribuir para o tratamento do paciente borderline.
Nesta linha de atuação, as emoções intensas e imprevisíveis do paciente não são
desqualificadas, mas o cliente aprende durante as análises funcionais a relaciona-los com
suas ações e com as contingências das quais emergem. Os comportamentos sintomá­
ticos não são enfocados. Assim o paciente não é desqualificado como pessoa inadequa­
da. Ao invés dos sintomas, são os repertórios saudáveis do que são analisados.
Precisamos relembrar que o paciente não apresente déficits nos seus repertórios
interpessoais, no sentido topológico. Ele é tanto capaz de atitudes carinhosas e amáveis
quanto frias e sádicas, de estratégias dominadoras e submissas e de qualquer combina­
ção destas. Assim, o quadro do borderline não se encaixa na definição dos transtornos de
personalidade, que são caracterizados por um estreitamento e uma rigidez da sua topografia
interpessoal (Kiessler, 1986). O paciente borderline ó capaz de todos os sentimentos e
formas de se relacionar com outras pessoas. Ele coloca os mais diferentes padrões
topológicos na prática, muitas vezes alternando de um extremo para outro. O problema
não ó rigidez mas instabilidade e excesso. Tal quadro permite concentrarmo-nos
integralmente no trabalho de trabalhar com as funções dos repertórios já disponíveis,
como nas estratégias descritas por Bakker-de Pree (1984; 1987).
O terapeuta comportamental construcional faz muitas perguntas sobre os pa­
drões funcionais saudáveis do paciente. Cliente e terapeuta juntos examinam as situa­
ções nas quais o cliente funciona melhor. Assim, o cliente aprende a prestar atenção às
relações funcionais às quais ele reage e como ele poderia agir de forma mais saudável em
outras situações. A intenção é de diversificar a regulação funcional dos repertórios que já
foram adquiridos, mas que não são otimamente usadas.
O comportamento bem sucedido do cliente é analisado e ele aprende a discrimi­
nar os estímulos atraentes e aversivos que foram funcionalmente ofuscados pela dominância
da esquiva ativa. Assim novos padrões funcionais de fuga, esquiva passiva e principal­
mente comportamento sob controle de reforçamento positivo podem ser promovidos e a
influência de sinais de invalidação pode simultaneamente ser diminuída. Em nenhum
momento o terapeuta tenta de eliminar o comportamento de esquiva ativa, mas outros
padrões funcionais devem ser drasticamente ampliados.
Terapeutas comportamentais construcionais treinam o paciente a reconhecer e
reagir a uma variedade de estímulos importantes dentre as situações do cotidiano que são
ofuscados pelos esforços contínuos de evitar sinais de invalidação. Analisando o seu
comportamento saudável, é o cliente mesmo que descobre as contingências que até
agora não tinha percebido. Ele pode trabalhar na reorganização do seu estilo de vida e
das suas formas de relacionar-se com outras pessoas (Bakker-de Pree, 1984; 1987).
Para o cliente borderline todo isto é de fundamental importância. A ênfase no que
ele faz melhor e o papel ativo dele dentre do processo terapêutico, já evita o perigo dele se
sentir desqualificado. Quando o cliente encontra o estilo de vida que dá certo para ele, o
ameaço de ser desqualificado ou abandonado pode perder a sua importância exagerada.
Não é mais uma catástrofe se uma certa pessoa se afasta ou não acredita no cliente. A
regulação mais saudável das trocas interpessoais também significa que o cliente não
provoca mais rejeição pelos outros.

Sobre Comportamento e Cognição 95


Reconhecer os aspectos fortes e saudáveis no funcionamento do cliente, buscar
apoiá-los e usá-los como base para a transformação terapêutica é o ponto fundamental da
terapia comportamental construcional. É importante reconhecer que pessoas que man­
têm formas de interação tão sofridos quanto o paciente borderline também possuem pos­
sibilidades de crescer. A terapia comportamental construcional com sua ênfase analítica
funcional pode tornar-se um complemento importante às outras abordagens behavioristas
no tratamento do paciente borderline.

Referências
Bakker-de Pree. (1984). De rijkdom van de leertheorie in de constructionele gedragstheraple.
Gedragstherapie, 17, 179-197.

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Goldiamond, I. (1974). Toward a constructional approach to social problems. Behaviorism, 2, 1-85.

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T. Millon & G. Klerman (Orgs.), Contemporary directions in psychopathology. Toward the DSM IV.
(pp. 571-598). New York: Guilford.

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Kerbauy). Santo André: ESETec Editores Associados.

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Guilford.

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voor Klinische Psychologie, 20, 251-262.

Vandenberghe, L., & Nassif, L. (1996). Tratamento comportamental do distúrbio de personali­


dade borderline. Tema livre apresentado no XIV Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Belo
Horizonte, 6 a 9 de novembro.

96 l.uc Vandenberghe
Capítulo 9
Efeitos da relação terapêutica na
redução de comportamentos
agressivos de crianças de baixa renda1
M ym .i C'hdtfjs Coelho1
Fátima de Sou/d Conte

Num pais cheio de diferenças sociais, como o Brasil, o que se pode observar são
milhões de crianças vivendo em condições subumanas, muito distantes dos mínimos
direitos que devem ser garantidos a cada cidadão, ou seja: a saúde, a educação, a habi­
tação, a alimentação e ao lazer. Quando privações intensas ocorrem tornam-se facilitadoras
do desenvolvimento da violência.
A criança forma sua identidade, desenvolve seu mundo privado e seu comporta­
mento público a partir de sua relação com o outro. São construídos nas suas relações
sociais (entende-se comunidade verbal) os valores e conceitos a respeito do ambiente que
a cerca. E é neste sistema que a criança será avaliada e julgada por seus comportamen­
tos "virtuosos” ou “indesejáveis", e reconhecida como pró ou anti-social.
Desta forma define-se hoje comportamento agressivo como aquele que tende a
ferir ou fere outra pessoa ou causa danos à mesma ou sua propriedade, podendo estes
danos serem físicos mas também podendo levar à degradação do outro como pessoa
(Loeber & Hay,i997; StofF, Breiling & Maser, 1997).
O comportamento agressivo ó sensível às contingências de reforço do mesmo
modo que outras respostas aprendidas (Eron, Lefkowitz & Walder, 1972). Para Gôngora e
Sant’Anna (1987), por mais estranho e desajustado que se apresente um comportamento,
deste dever ser analisado como obedecendo a princípios ou leis gerais que se aplicam a
toda conduta humana.
Muitos são os fatores que contribuem para a determinação de ocorrência e manu­
tenção dos comportamentos agressivos, assim como são muitas as suas manifestações.
Trabalwbaeaado na DtaaartaçêoEfataa da P«»oota*apía da Grupo AnaMtavFundunal na Raduçio da CornportamantoaAflraaalvoa da Criança» da Baixa
Randa. (MymaElleaChageaCoatw.dalanldaeni 2001, |untoèUFPR para a obtançâo do Titulo da MaetraamPatootaflla da Infinda a Adotoacênda)
Pticôtoga Clinica do IACEP - Inaítuto da Análaa do Comportamanlo am Eatudoa a Patcotarapia a prufaaaora da ÜEL am Patcotogla do DaaanvoMmanto.
Maatra am Palcologta da InfAncla a AdolaacAncia pata UFPR.
Profaaaom Doutora convidada do Mmtrado am Patootogta da Inftnda a AddaaoAnda da UFF*R, Doutora am F*akx4ogla Clinica (U8P 1990)aoriantadora
da dtaaartaçto

Sobre Comportamento e Cognição 97


Para que haja uma atuação adequada diante destes problemas é necessário definir os
comportamentos com os quais se deseja trabalhar e, a partir dai, buscar o controle sobre
as variáveis determinantes e mantenedoras, através da análise funcional do comporta­
mento. Os comportamentos agressivos só são modificados quando são alteradas as con­
tingências que os determinam e facilitadas contingências de reforço para o desenvolvi­
mento de comportamentos incompatíveis.
O comportamento agressivo é uma subclasse do comportamento anti-social (Stoff,
Breinling & Maser, 1997). O “Comportamento Delinqüente" muitas vezes usado como
sinônimo de anti-social ó definido como um conjunto de respostas aprendidas, emitidas
por menos de 18 anos, que se caracterizam por violação dos direitos básicos dos outros
e/ou das normas e regras da sociedade, gerando conseqüências negativas tanto para
quem o emite como para os demais, ou, também, conseqüências positivas para quem o
emite. Podem ser praticadas individualmente ou em grupo (Conte, 1996).
Este, por sua vez, não é um comportamento que emerge espontaneamente quan­
do a criança alcança a adolescência e sim um comportamento desenvolvido progressiva­
mente (Eron, 1997; Conte, 1996). Por essas razões, identificar e entender os precursores
de desvios de adolescentes tem sido a preocupação central para que sejam propostas
formas efetivas tanto de prevenção como de intervenção (Erickson, Crosnoe & Dorbush,
2000; Mulvey & Woolard, 1997), uma vez que padrões comportamentais anti-sociais são
altamente danosos à sobrevivência de cada pessoa como do grupo social.
Patterson (1986) afirma que a não complacência e coercitividade do comporta­
mento da criança colocam-na em risco direto tanto de rejeição por parte de seus pares
"normais’’, como de fracasso acadêmico. O mesmo padrão comportamental dentro dos
lares pode levar à rejeição dos pais e ao desenvolvimento da baixa auto-estima. Pensa-se
que fracassos acadêmicos, rejeição por pares e possível baixa auto-estima coloquem a
criança em uma posição de maior risco de permanecer no processo de desenvolvimento
de padrão comportamental anti-social. Evidentemente tanto o comportamento não com­
placente como o de coercitividade também foram estabelecidos em decorrência das rela­
ções anteriores estabelecidas entre a criança e os demais.
São muitas as propostas de intervenção junto a crianças que apresentam este
tipo de conduta, realizadas diretamente com elas ou através de ações junto à família e à
comunidade . Este trabalho foi conduzido diretamente com crianças, através da psicoterapia
de grupo. Foram exploradas as relações vividas no próprio ambiente terapêutico, com o
objetivo de levá-las a vivenciarem novas formas de interação, diferentes das intervenções
coercitivas às quais vinham sendo expostas, até então. Assim, as relações estabelecidas
entre as terapeutas (duas terapeutas e uma observadora) e as crianças e entre as crian­
ças entre si, intermediadas peias terapeutas, foram o principal veículo de mudança
comportamental.

O Processo Psicoterápíco

A intervenção terapêutica realizada neste trabalho pretendeu encontrar um ca­


minho alternativo para atuação direta com crianças que apresentam com portamentos
4O tntaraoaado am nutroa mod«loa poderA consultar Pattaraon (1906) e Cont» (1006), ootro outroa

98 M ynw Chagas Coelho e Fátima de Sou/a Conte


agressivos. Desta forma, procurou-se dar condições para que os comportamentos clini­
camente relevantes ocorressem no ambiente terapêutico e assim fosse possível a mo­
delagem e o fortalecimento de repertórios comportamentais abertos e encobertos mais
adaptativos.
As crianças encaminhadas às sessões apresentavam padrão comportamental
agressivo e o objetivo principal do trabalho foi a redução de tais comportamentos e o
desenvolvimento de comportamentos alternativos mais adequados como forma de prevenir
o desenvolvimento comportamento anti-social.
Participaram desta intervenção 8 crianças com idades entre 8 e 11 anos, que
freqüentavam (no contra-tumo da escola) um programa de apoio à criança e ao adolescen­
te, da Prefeitura Municipal de Londrina. Como já dito, estes participantes foram encami­
nhados pela Assistente Social responsável pelo referido centro comunitário, com a queixa
de dificuldades interpessoais por apresentarem comportamentos agressivos. As mesmas
queixas foram apresentadas pelas mães das crianças em entrevista clínica inicial. Todas
as crianças avaliadas apresentaram instâncias de comportamentos agressivos segundo
critério do Inventário CBCL de Achenbach (1991).
Os procedimentos consistiram de seis sessões iniciais consideradas preparatóri­
as para o trabalho e tiveram como objetivo observar e selecionar os comportamentos
clinicamente relevantes (tanto desejáveis como indesejáveis) que seriam foco da interven­
ção e estabelecer regras de convivência no grupo. Após a análise do processo dessas
sessões realizaram-se 16 sessões consideradas de psicoterapia propriamente dita que
visaram ao desenvolvimento de comportamentos pró-sociais.
O foco principal de interesse foi a modelagem direta dos comportamentos desejá­
veis, utilizando estratégias lúdicas, como: pinturas, histórias, encenações, entre outras,
como veículo para favorecer a ocorrência de interações entre as crianças e as terapeutas
o mais naturalmente possível, de forma que a relação terapêutica e a relação das crianças
entre si fossem similares às que ocorriam no ambiente externo ao da sessão.
As terapeutas tentaram, inicialmente, tomar-se “figuras importantes” (reforçadoras)
para as crianças, para que, dessa maneira, seus comportamentos em sessão, como
elogiar, instruir, fornecer modelos, pudessem ter as funções estimuladoras (S , S evocador
e S reforçador) para os comportamentos clinicamente relevantes das crianças. A observa­
ção posterior mostrou que os comportamentos das terapeutas tiveram tais funções.
As terapeutas apresentavam então nas sessões classes comportamentais mais
amplas, que consideraram partes dos seguintes processos de aprendizagem: Modelação
(Procedimentos A.), Instrução Verbal (Procedimentos B) e Modelagem (Procedimentos C).
Esses comportamentos ocorriam sucessiva e simultaneamente durante toda a
interação e estavam sob o controle das respostas comportamentais apresentadas pelas
crianças. Buscava-se consequenciar os comportamentos clinicamente relevantes logo
após a sua emissão, pois sabe-se que quanto mais próximo no tempo e no espaço estiver
o comportamento em relação às conseqüências, maior será o controle exercido por estas
sobre eles. Este princípio sustenta a ponderação de Kohlemberg e Tsai (2000), de que os
efeitos no tratamento serão mais significativos se os comportamentos-problema e as
melhoras ocorrerem durante a sessão, na qual estarão, no tempo e no espaço, o mais

Sobre Comportamento c Cognição 99


perto possível do reforçamento do terapeuta, sendo assim, maior a probabilidade de mu­
dança e generalização.
Foi possível às terapeutas a emissão dos comportamentos propostos inicialmen­
te de modelagem direta, já que os comportamentos clinicamente relevantes indesejáveis
ocorriam durante as sessões e na presença das terapeutas, como exemplo as ofensas
verbais e agressões físicas, bem como os comportamentos pró-sociais (o pedir descul­
pa), o que deu a estas a oportunidade de conseqüenciá-los diferencialmente na medida
em que ocorriam, ou seja, o ambiente terapêutico como um todo trouxe estimulação
relevante para o uso deste e dos demais procedimentos propostos.

Avaliação do Processo

Foram analisados três momentos diferentes da intervenção: do primeiro momento


fizeram parte duas sessões preparatórias (2ae 4* sessões); do segundo momento fizeram
parte as sessões intermediárias de intervenção (9* e 12* sessões); e do terceiro e último
momento a 17* sessão, próxima ao final da intervenção. Tais sessões foram escolhidas
aleatoriamente.
A) Momento Inicial
Nas duas primeiras sessões analisadas pode-se perceber algumas peculiarida­
des. As terapeutas buscaram intervir o mínimo possível, pretendendo apenas criar uma
interação positiva com as crianças e assim, representar para estas uma audiência não
punitiva. Entretanto, cuidou-se, também, não emitir conseqüências positiva diante de com­
portamentos que deveriam decrescer no decorrer do processo.
De acordo com Skinner (1991) quando o terapeuta não pune os comportamentos
do cliente anteriormente punidos pela sociedade ou passíveis de punição por esta, o
terapeuta emerge como uma audiência não punitiva. O comportamento então "reprimido"
por punições anteriores começa a aparecer e se o comportamento outrora indesejável não
é punido, mas também não é reforçado, eventualmente sobrevêm a extinção. Tal método
de erradicação costuma ser menos perturbador que a punição.
Como forma de contemplar estes princípios, as terapeutas optaram por intervir
minimamente durante as 6 primeiras sessões preparatórias. Tais intervenções visaram
principalmente estabelecer regras de convivência dentro do grupo e interromper interações
agressivas. Sidman (1995) afirma que para alguém que acabou de ser punido, a oportuni­
dade para atacar prova ser um reforçador positivo; o próprio sucesso da contra-agressão
pode colocar em movimento uma estrutura autoperpetuadora de um modo de vida agressi­
vo. Supõe-se que a falta de intervenção nestes aspectos poderiam criar distorções, dificul­
tando para as crianças, mais tarde, o discernimento das condutas esperadas dentro do
grupo e interferindo, assim, no processo terapêutico posterior. Aqui a análise do problema
comportamental em questão submeteu a regra e a flexibilizou-a, como é o esperado em
uma psicoterapia comportamental analítico funcional. No caso do comportamento agres­
sivo, o cuidado para não intensificá-lo deveria ser primordial desde o início.
Acreditou-se que os comportamentos agressivos apresentados no grupo eram
funcionalmente semelhantes aos que os clientes apresentavam no ambiente externo e

100 Myma Chagai Coelho e Fátima de Sou/a Conte


que geravam para as crianças conseqüências negativas, principalmente a longo prazo.
Isto permitiu que as crianças avaliassem, com a ajuda das terapeutas, as conseqüências
e os antecedentes dos mesmos, tanto dos ocorridos no grupo como dos que ocorriam fora
e eram parte da mesma classe funcional.
B) Fase intermediária
No segundo momento, fase intermediária da intervenção, observou-se que houve
uma menor freqüência dos comportamentos-problema apresentados durante a sessão.
As crianças já demonstravam uma maior sensibilidade às regras do grupo e uma interação
mais adequada, as quais as terapeutas procuraram valorizar (Procedimentos C).
Nesta fase de intervenção, foram introduzidos reforçadores artificiais como for­
ma de transição. As terapeutas avaliaram que, embora as crianças pudessem se com­
portar de forma mais adequada em razão dos "prêmios", se persistissem, aos poucos
teriam oportunidade de se expor ou se tornarem mais sensíveis às conseqüências natu­
ralmente reforçadoras. Levantou-se a hipótese de que estas crianças acabariam tam­
bém sendo incentivadas a melhorar suas condutas pela reação do grupo ao “prêmio" que
representava valorização diferencial diante dos comportamentos dos outros membros
do grupo. Além disso, uma criança também poderia se fortalecer como modelo para
outra pelo reforçamento altamente explicito. As terapeutas tomaram o cuidado para
facilitar contingências de reforçamento positivo, de modo que todas as crianças fossem
“premiadas" alternadamente.
Comportamentos opositores e provocativos continuavam ocorrendo durante a ses­
são, porém, em menor freqüência. Nesse momento as crianças, com a ajuda das terapeutas,
já conseguiam fazer análises funcionais de seus comportamentos e falavam mais de si
mesmas e menos do comportamento dos outros. Conforme Skinner (1975) quando se
analisa o comportamento sob contingências conhecidas de reforço, pode-se começar a
ver o que ocorre na vida cotidiana e a pessoa deixa de perceber o comportamento e o
ambiente como coisas ou eventos separados e se preocupa com a sua inter-relação.
Desta maneira, o comportamento é analisado com mais sucesso e é mais susceptível de
auto-gerenciamento.
O que se pode observar é que a partir das contingências presentes nas sessões,
as crianças puderam desenvolver comportamentos diferentes dos que até então tiveram
oportunidade, tais como a análise do próprio comportamento e comportamentos alternati­
vos aos agressivos nas interações.
Meyer e Vermes (2001) lembram que a experiência direta que ocorTe entre terapeuta
e cliente é fundamental, pois a história de aprendizagem adicional adquirida na interação
com o terapeuta durante o tratamento ê um importante mecanismo de mudança. Assim,
a relação terapêutica provê uma oportunidade para os clientes emitirem comportamentos-
problema e aprenderem novas e mais efetivas formas de respostas. As autoras
complementam que é inquestionável a influência das características do terapeuta sobre o
estabelecimento e manutenção da relação com o cliente. Para as autoras, o profissional
deve estar habilitado não só para a aplicação de técnicas, mas também para a assunção
da responsabilidade de construir um relacionamento que seja em si terapêutico.
Outro passo importante nesse momento foi a busca das terapeutas em identificar
com as crianças as causas de seus comportamentos para que estas aprendessem a discri­

Sobre Comportamento e Cogniçáo 101


minar as variáveis das quais seus comportamentos estavam sendo funçáo e quebrar regras
segundo as quais sentimentos, comportamentos encobertos geram e justificam outras for­
mas de comportamentos públicos. Como exemplo, "batiporque fiquei com raiva”.
Conforme proposto por Hayes (1997) o sistema em que o indivíduo está inserido,
em virtude de sua participação nesta comunidade sócio-verbal, permite que este tenha
como meta eliminar pensamentos e sentimentos para levar uma vida bem sucedida. Para
o autor, ver os sentimentos e pensamentos como problema ó, em si, o problema.
C) Momento final
No último momento (17a sessão) pode-se perceber também a intensificação dos
progressos acima mencionados, destacando-se que as crianças apresentavam, nesta
fase, uma habilidade de relacionar os comportamentos ocorridos dentro da sessão e suas
conseqüências, bem como os comportamentos que eram funcionalmente similares e que
apresentavam no ambiente "externo". Esse foi um passo muito importante para se buscar
a generalização do comportamento.
Tanto terapeutas como crianças procuravam refletir sobre os comportamentos
apresentados dentro da sessão assim como sobre suas similaridades funcionais com os
que ocorriam no ambiente externo, buscando encontrar uma maior variabilidade de res­
postas incompatíveis com o comportamento agressivo.
Como o exemplo do acima exposto segue-se fala de uma criança “minha profes­
sora também já ficou brava comigo porque eu ri do moleque", referindo-se ao fato de ter
percebido desaprovação do grupo e da terapeuta ao seu comportamento funcionalmente
semelhante (insulto) apresentado pela criança na sessão. Outro exemplo,"também fico
feliz quando a mâe fala que tá bonitcf aqui a criança fez uma analogia entre os sentimen­
tos experienciados na sessão diante do elogio da terapeuta, com uma situação vivenciada
com sua mãe e complementa “essa semana eu falei para meu irmâozinho que tava bonito
seu desenho". Aqui é possível observar uma provável generalização, para o ambiente ex­
terno, de comportamentos que vinham sendo aprendidos nas sessões e a compreensão
da classe de respostas

Sobre o comportamento das terapeutas

Embora não fosse a proposta deste trabalho, supõe-se que analisar a mudança
comportamental das próprias terapeutas poderia fornecer dados ricos sobre o impacto
que esse tipo de proposta pode causar em todos os envolvidos no processo.
Através da análise qualitativa do processo terapêutico pode-se observar uma evo­
lução importante nos comportamentos das crianças. Estas passaram gradualmente a
apresentar melhora tanto nos relacionamentos com as terapeutas como com os outros
membros do grupo. E, consequentemente, redução significativa dos comportamentos agres­
sivos. Comportamentos como usar tom de voz adequado, demonstração de afetividade e
empatia, assertividade e análise de conseqüências positivas e negativas do comporta­
mento agressivo e do pró-social puderam ser observados com maior freqüência. Estes
resultados refletiram-se nas relações interpessoais entre terapeutas e crianças e entre
criança e criança.

10 2 Mymii Chagas Coelho e Fátima de Souza Conte


Os comportamentos apropriados aumentaram de freqüência modificando toda a
estrutura de relações que se estabeleciam inicialmente no grupo. Inicialmente as terapeutas
se percebiam mais irritadas e menos tolerantes com os comportamentos agressivos das
crianças e havia uma tendência ao maior uso de reprimenda verbal.
Isto, numa reação em cadeia, pois o ambiente agressivo é aversivo aos outros e
tende a produzir mais comportamentos agressivos. Contudo, considerou-se importante
recorrer a meios positivos de controlar a conduta. Quando uma punição era necessária
procurou-se utilizá-la o menos possível, ficando alerta para seus efeitos colaterais.
Na fase intermediária até o final das intervenções, as terapeutas utilizavam com
menor freqüência reprimendas verbais, primeiro, porque os comportamentos inadequados
também apareciam com freqüência menor; segundo, porque a relação foi melhorando em
qualidade e os próprios comportamentos das terapeutas também foram sendo modelados
por estas novas relações, tornando-se estas mais naturalmente simpáticas e amáveis
com as crianças.
Acredita-se que o comportamento das terapeutas de valorizar comportamentos
adequados das crianças foi inicialmente governado por regras, em virtude dos propósitos
éticos da intervenção. Mas gradualmente tornou-se uma resposta absolutamente relacio­
nada aos efeitos dos comportamentos das crianças sobre elas.

Conclusões e Avaliação Externa

É possível verificar, através da análise do processo, que a Psicoterapia de Grupo


propiciou um contexto natural onde foi possível promover o aparecimento de comporta­
mentos clinicamente relevantes dos clientes diante das terapeutas e dos participantes
do grupo.
Tanto as terapeutas como as próprias crianças funcionaram como comunidade
verbal, discriminando, evocando e analisando os comportamentos apresentados, buscan­
do a modelagem de comportamentos alternativos aos agressivos (Procedimentos A, B e
C). A expressividade emocional verbal e não verbal das terapeutas e dos integrantes do
grupo pareceu ter funcionado como facilitadores para a compreensão destes sobre o im­
pacto que seus comportamentos têm sobre outras pessoas, observando suas conseqü­
ências no próprio ambiente terapêutico.
Cabe aqui ressaltar que esta proposta não visava dar orientação aos pais ou às
mães, uma vez que se queria verificar mais claramente os efeitos do uso do processo
grupai com as crianças. Porém não há como negligenciar a contribuição que um trabalho
de orientação às mães realizado juntamente com ele teria oferecido. Possivelmente teria
sido um facilitador para a mudança comportamental e a manutenção dos ganhos obtidos.
Marinho (1999) destaca como os programas de treinamento de pais tem-se mostrado
úteis em ajudar tal clientela a lidar com uma variedade de problemas infantis.
Em entrevista final realizada com as mães após intervenção, estas relataram
melhora nos comportamentos de seus filhos em casa e redução das queixas advindas do
projeto e da escola. Este dado é bastante importante, pois sugere uma possível genera­
lização entre ambientes, ou seja, os comportamentos de melhora observados no ambien­

Sobre Comportamento e Cognição 103


te terapêutico foram observados em outros ambientes. A estratégia, portanto, é útil como
complementar ao trabalho com pais ou pode ser usada como instrumento principal de
mudança em casos onde não se tem acesso aos pais ou mesmo às escolas.
Sabe-se que intervenções como estas são preventivas ao desenvolvimento do
comportamento delinqüente, mas ocorrem quando repertórios agressivos já foram instala­
dos e já causam sofrimento para a criança e para os que com ela convivem. Mostram-se
úteis sem dúvida, mas é necessário não se perder de vista determinantes maiores e a
necessidade de intervir o mais cedo possível em etapas mais precoce de desenvolvimento
da criança. Além disso, a questão da violôncia deve ser tratada como um problema social;
por isto, de todos, e ações conjuntas seriam recomendáveis, talvez, como as mais efica­
zes, para tratar desta questão.

Referôncias
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Vermont, Department of Psychiatry.

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Sobre Comportamento e Coflnlçilo 105


Capítulo 10
A análise funcional e o transtorno de
pânico: Um impasse epistemológico
Luc Vandenbcrghc1

1. Como tratar o transtorno de pânico?

O transtorno de pânico é encontrado com alta freqüência no consultório. O terapeuta


analítico-comportamentaí tem, a partir do seu referencial behaviorista radical, abordado o
transtorno de maneiras criativas e ás vezes heróicas e as experiências de sucesso são
freqüentes. Porém é importante ressaltar que a literatura empírica acerca deste transtor­
no não está do lado do behaviorista radical num ponto essencial, sendo o papel fundamen­
tal da análise funcional na terapia.
A pesquisa sobre a eficácia de tratamentos psicológicos, anteriormente muito
escasso, deslanchou com a publicação crítica de Eysenck (1952) que levou, durante o
último meio século, a uma avalanche de publicações. Os resultados que se acumularam
nesta tradição de pesquisa são muito contraditórios. Enquanto uma pesquisa mostra a
superioridade de um certo tratamento sobre um outro, outra pesquisa mostra o contrario.
O clínico não aftroveitou muito deste gigantesco esforço cientifico. Os anos ’80 nos
trouxeram a meta-análise como solução potencial. Com este método estatístico, dados
sobre contingentes enormes de sujeitos, provenientes de diferentes estudos podiam ser
juntados para gerar respostas melhor fundamentadas. Como Eysenck (1994) comenta, o
método não ofereceu saída do impasse. Agora parecia que todos os tratamentos eram
eficazes. E, mais preocupante: a lista de espera (grupo de controle), ingrediente obrigató­
rio das pesquisas, também se mostrou eficaz.
Felizmente, para problemas específicos, certos tratamentos são mais eficazes
do que outros. Para o transtorno de pânico, se trata de (1) Exposição interoceptíva a
sensações corporais, (2) Exposição ao vivo a situações em que ataques aconteceram, (3)
Relaxamento aplicado de õst, (4) Treino respiratório e (5) Terapia Cognitiva no variante de

' Professor da UnlvortkJada CatóNca da Goiéa - UCG.

106 Luc Vdndcnbcrjjhe


Clarck, Beck e Salkovskis (American Psychological Association, 1998). São tratamentos
muito diferentes em dois sentidos: (a) peios seus supostos caminhos de ação: extinção
pavloviana; modificação de padrões de reação fisiológica; reestruturação cognitiva e (b)
pelo grau de especialização exigido do profissional (uns, como o treino respiratório, são
muito simples e facilmente aprendidos enquanto outros, como a terapia cognitiva, reque­
rem habilidades terapêuticas avançadas). O primeiro problema nos deixa sem resposta
concernindo os princípios básicos que atuam na cura e o segundo nos leva a questionar a
relação entre custo e eficácia.
Estas informações trazem uma implicação importante para o terapeuta analítico-
comportamental que enfrenta um cliente com transtorno de pânico. Observamos que so­
mente o último dos cinco tratamentos mais eficazes (a terapia cognitiva) inclui elementos
de análise funcional, mesmo assim sem colocá-los em primeiro lugar no processo terápico.
Assim, foi empiricamente estabelecido que podemos ajudar adequadamente a maioria
dos clientes com pânico dispensando a análise funcional.

2. A análise funcional de um transtorno psicológico ó possível?

Existem várias maneiras de reagir aos dados acima discutidos. Podemos


desconsidera-los, ainda que são produtos de pesquisa na tradição behaviorista
metodológica, caracterizada como mecanicista. Alternativamente podemos admitir que a
obrigação do terapeuta comportamental de fazer uma análise funcional para nortear o
tratamento, se tornou um dogma sem fundamentação empírico. No presente texto toma­
mos um terceiro rumo, indicado pelo conflito entre terapia como aplicação de técnicas
cognitivo-comportamentais e terapia como processo analítico-comportamental (Banaco,
1999). Esta linha de raciocínio nos leve paradoxalmente a considerar um outro motivo
para descartar a análise funcional no tratamento do pânico, sendo o abismo epistemológico
que existe entre a análise funcional como método de indagação e o conceito diagnostico
do transtorno de pânico.
A análise funcional ó um instrumento que serve para organizar informação sobre
relações entre um fenômeno e o seu contexto. Implícito na análise funcional tem três
postulados fundamentais: (1) A unicidade absoluta: nenhum caso ó igual a um outro e a
análise funcional precisa ser refeita em cada caso de transtorno do pânico ou de qualquer
outro problema. (2) A primazia funcional: todos os comportamentos são moldados pelas
suas funções. O aparecimento, a manutenção e a evolução dos fenômenos examinados
só podem ser compreendidos a partir das funções que desempenham dentro de seqüências
mais amplas. (3) A não-especificidade topológica: a mesma função pode ser preenchida
por diferentes comportamentos; ás vezes com topografias muito divergentes. Assim a
forma do comportamento não ó relevante para entendê-lo.
Relacionando estes postulados com a tipologia dos paradigmas científicos de Pepper
(1942), precisamos enfatizar que a análise funcional ó fundamentalmente contextualista na
sua definição implícita do universo (eventos materiais participando de seqüências infinitas
de interações) e do seu critério de verdade (a pragmática). A suposição fundamental do
contextualismo é que todos os fenômenos são interligados com outros e, por conseqüên­
cia, que para entendê-los precisamos encontrar regularidades nestas inter-relações. Con-

Sobre Comportamento e Cognição 107


ceítos que pretendem captar entidades de patologia sâo apenas nomes que geram a ilusào
de representar algo universal. Um fenômeno psicológico somente pode ser compreendido
através das funções que tem dentre do contexto em que apareça, porque somente tal com­
preensão leve á possibilidade de intervir. Se um certo 'saber' possibilita predição e interven­
ção adequadas, o critério da pragmática é alcançado.
Como Moderato e Ziino (1994) argumentam, as categorias diagnosticas definidas
no DSM, como o transtorno de pânico, são conceitos nosológicos fundados numa
cosmovizão formista. O formismo ó um outro paradigma descrito por Pepper. Nesta atitu­
de cientifica, conhecimento valido consiste em desvelar a essência de um fenômeno.
Quando o fenômeno ó o transtorno de pânico, trata-se de uma tentativa de descrever uma
patologia que pode ser reconhecida (obviamente com certas modificações) em cada paci­
ente que sofre deste transtorno. Nas palavras do principal inspirador do DSM Dl e IV,
Robert Spitzer (1996), a classificação de transtornos mentais ó uma tentativa "to cut
nature at its joints”, isto significa, de desenvolver conceitos descritivos que coincidam com
divisões que realmente existem na natureza.
Cada conjunto de critérios operacionais que defina um dos transtornos identifica­
dos no DSM, pode ser considerado um protótipo, isto é uma configuração de característi­
cos que definam um conceito ideal (Millon,1986). Os transtornos de pânico que encontra­
mos no gabinete são casos mais ou menos típicos desta patologia. Os mais típicos
mostram todos ou quase todos os critérios que definam o transtorno. Os menos típicos
mostram somente o número mínimo exigido de característicos. Saber que transtorno psi­
quiátrico um paciente tem é possível através de um processo de redução. O quadro
clínico complexo do paciente concreto é reduzido à sua essência, representada pelo
conjunto de critérios que definam o conceito diagnóstico. Visto dessa forma, o transtorno
psiquiátrico é uma “coisa” que tem uma existência proporia e que pode ser identificada
através da sua topografia. Os problemas dos nossos clientes são variações especificas
de patologias universais, tal como o transtorno de pânico.
Grande parte da insatisfação que psicólogos analltico-comportamentais mos­
tram com o DSM IV (p. ex. Cavalcante e Tourinho, 1998) pode ser relacionada com este
contraste epístemológíco. Do ponto de vista formista, a ciência constituí uma busca de
entidades verdadeiras. Tal abordagem contradiz os três postulados fundamentais da
análise funcional e pode ser resumida em três outros postulados implícitos,
diametralmente opostos aos primeiros: (1) A generalidade relativa: Comportamentos
problemáticos são parte de uma patologia. E cada patologia se manifesta em diferentes
casos concretos de formas mais ou menos modificadas. Assim, o conhecimento adquirido
numa amostra representativa de casos de uma certa patologia, é diretamente aplicável
em outros casos da mesma patologia. (2) A função é secundaria: A patologia pode vir a
ter uma função na vida do cliente, mas isto não é necessariamente o caso e raramente
diz respeito á essência do transtorno. Por exemplo, para o DSM IV os ataques de
pânico tipicamente não são situacionais, principalmente no inicio da manifestação do
transtorno. Aconteçam num suposto vazio funcional. (3) A especificidade topológica: A
topologia é típica para o transtorno e é necessário considerá-la para entender do que se
trata. Quando se defina o transtorno de pânico por critérios como: períodos distintos de
intenso medo ou desconforto e preocupação com o retorno dos ataques, é a forma
especifica do problema que defina a patologia.

108 l.uc Vandenberflhe


Um clinico que não aceita estes postulados, não tem suporte epistemológico
para usar a topologia dos comportamentos como critério diagnóstico.
Quando fazemos uma análise funcional concebemos o comportamento como um
fluxo dinâmico de interações que conecta contextos antecedentes com conseqüências e
que gera padrões de recursividade através dos efeitos que estes conseqüências tem so­
bre o próprio comportamento. Nos analisamos estes padrões com o intuito de modificá-
los. Não acreditamos que o comportamento pode ser compreendido fora deste fluxo concreto
de interações. Não procuramos explicar a ocorrência dos mesmos, a partir de uma entidade
subjacente, noção que não tem lugar na epistemologia contextualista.
Quando pensamos em termos de um transtorno de pânico, o raciocínio ó comple­
tamente diferente. O comportamento sinaliza a presença de uma patologia. Esta última é
identificável a partir de um conceito prototípico para o qual os próprios comportamentos
servem como critérios diagnósticos. Pode um transtorno cuja definição foi elaborada em
taí cosmovisão, ser abordado usando como ferramenta epístemológíca a análise funcio­
nal? A análise funcional é sustentada por um paradigma que nega a existência de entida­
des patológicas? É possível analisar o que não existe?

3. Anáílse funcional de qué?

Como diz Maly Delitti (1997): faz-se análise funcional do passado, da atualidade e
da relação terapêutica. Fazendo uma análise funcional sincrõnica perguntamos quais são
no presente as conseqüências que comportamentos têm no mundo do ator (isto é a
pessoa cujos atos estudamos) e quais são as situações antecedentes em que os com­
portamentos aconteçam. Queremos saber o que significa este pânico. Qual é a função
destas tentativas fúteis de fugir de sensações corporais desagradáveis? O que mantém
neste cliente o comportamento de seguir regras quando se trata de regras que especifi­
cam perigos imaginários que são a cada ataque comprovados inexistentes? O que são as
conseqüências suficientemente poderosas para manter o cliente dependente de taí ou tal
pessoa apesar de todas as perdas que seguem da sua atitude de desamparo? A análise
funcional sincrõnica permite a escolha de intervenções estratégicas, buscando conectar
mudanças terapêuticas com as contingências que estão em jogo e visando diretamente
os nichos funcionais em que os sintomas se encaixam.
Fazendo uma análise funcional diacrônica queremos saber em que contextos
os comportamentos apareceram e o que foram as suas conseqüências no passado. As
tentativas repetitivamente fracassadas de esquiva das experiências corporais aversivas
muitas vezes fazem parte de um padrão de esquiva vivencial muito mais amplo que
revela as suas particularidades através do levantamento da história. A perspectiva do
tempo permite de reconhecer padrões de recursividade, círculos viciosos em que o cli­
ente está preso. Procura-se identificar padrões de conectividade entre os comportamen­
tos do cliente e os das pessoas com quem interage. Isto permite de comparar os efeitos
de diferentes conseqüências sobre o comportamento em contextos naturais e de toma-
los em conta no tratamento.
A Psicoterapia Analítica Funcional de Kohlenberg e Tsai (1991) nos alerta que a
matéria privilegiada para a análise funcional é a própria interação terapêutica. Buscamos

Sobre Comportamento e Cognição 109


caracterizar o que aconteça entre terapeuta e cliente, resgatando esta relação interpessoal
como instrumento fundamental do processo terapêutico. Isto permite ao terapeuta de
vivenciar a função do "outro" na relação com o cliente e de reagir em maneiras que quebram
o padrão patológico. Bloquear a fuga e a esquiva ao vivo enquanto estas estão acontecendo
dentro da relação terapêutica, consequenciar de forma natural e autêntica as respostas do
cliente, são intervenções analítico-funcionais fundamentais. Compartilhar com o cliente
os efeitos que seu comportamento tem sobre a pessoa do terapeuta lhe expõe a
conseqüências das próprias reações que normalmente não são diretamente acessíveis ao
cliente porque são respostas encobertas da pessoa com quem interage. A análise da
relação terapêutica proporciona a possibilidade de reforçar ou enfraquecer comportamento
que normalmente não é consequenciado desta forma.
Qual conclusão cabe depois de todas estas considerações? A análise funcional
não é necessária, para ter sucesso com a maioria dos clientes com pânico, quando você
aplica cuidadosamente um pacote de tratamentos empiricamente validados. Mas fazer
análise funcional enriquece muito o tratamento, mostra quando e como melhor atuar em
casos específicos, adequando o tratamento a cada caso individual e superando as limitações
impostas pela categorização diagnóstica.
Para o clínico, a análise funcional dá acesso ao sentido do sofrimento do cliente
e ao sentido da cura. Permite mergulhar no fluxo de interações que constitui a vida seu
cliente. Assim o tratamento deixa de ser um processo de via única e talvez isto seja a
diferença entre aplicar técnicas e fazer terapia.

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Sobre Comportamento e Cognição 1 1 1


Capítulo 11
Transtorno do Pânico c características
comportamentais: intervindo a partir da
análise funcional da relação terapêutica
Nione Torres'

A teoria biopsicossocial de Barlow (1999) conceitua o ataque de pânico inicial


como sendo uma falha do sistema do medo sobre eventos vitais estressantes em indivídu­
os fisiológica e psicologicamente vulneráveis.
A vulnerabilidade psicológica, para o autor acima citado, é definida como um
conjunto de idéias/pensamentos sobrecarregados de perigo sobre sensações corporais
(“meu coração acelerado significa que vou ter um ataque cardíaco", ou, "sou uma pessoa
fraca no controle das minhas emoções") e sobre o mundo em geral ("tudo acontece de
forma incontrolável").
Barlow (1999) também assinala que experiências de vida relevantes auxiliam no
desenvolvimento de pensamentos disfuncionais e que estes organizam-se ou, a partir da
comunidade verbal que nos ensina através de instruções verbais sobre os perigos físicos
e emocionais de certas sensações corporais (p. ex.: pais extremamente limitadores ou
protetores) ou, por eventos de vida bastante significativos e negativos, que são potencial­
mente imprevisíveis e/ou incontroláveis.
Por sua vez, diferentes investigações na área específica de Transtorno do Pânico
mostram que 25% a 60% das pessoas que o apresentam, preenchem os critérios para um
transtorno da personalidade e que, na grande maioria, são transtornos da personalidade
esquiva e dependente (Chambless & Renneberg, 1988; Mavissakalian & Hamman, 1986;
Reich, Noyes & Troughton, 1987, apudBarlow, 1999).
Neste continuum, a prática clínica tem demonstrado que parece existir um certo
padrão comportamental em pessoas que apresentam o Transtorno do Pânico. Já assina­
lou Rangé (2001) que, clinicamente, a grande maioria desses individuos apresentam his­
tória de dependência emocional; passividade; timidez excessiva; baixa

1PtloMoga Clinica do InaUMo da AnáNaado Comportamento am Fatudoa a Patcotanpéa - IACEP - Londrina/PR - BraaJI

112 Nione Torres


assertlvldade; ansiedade social elevada; medo de avaliações negativas; dificul­
dade em lidar com frustração, raiva e críticas, de discriminar eventos que desen­
cadeiam dores emocionais, de identificar e expressar estados emocionais; inibi­
ção comportamental e reações autonômicas em contextos de situações familia­
res e sociais desde a infância.
A opinião é que, ao assim se comportarem, a aprendizagem de novos comporta­
mentos com funções adaptativas virá como consequência natural e se fortalecerá com o
tempo: esses indivíduos procuram controlar o ambiente, pois querem se sentir protegidos
e seguros, tendem a buscar previsibilidade nas situações e eventos para não terem sofri­
mento emocional (uma vez que não se sentem capazes de suportá-lo), além de não
aceitarem experienciar riscos, evitando, dessa forma, lidar com eventos que possam ter
algum grau de incontrolabilidade.
Obviamente, nos casos de transtornos de ansiedade, e aqui especificamente no
Transtorno do Pânico, ao se esquivar tanto das interações quanto de situações estressoras
como também das próprias emoções (principalmente da ansiedade e suas manifestações
físicas), a pessoa tem a idéia irrealística de ficar livre daquilo que interpreta ser a "causa"
do seu comportamento, o que a levará naturalmente a ampliar cada vez mais seus com­
portamentos de esquiva e, ao mesmo tempo, limitará consideravelmente o seu mundo.
No contexto clínico, instâncias desses comportamentos acima descritos vêm à
tona com muita evidência e, freqüentemente, de diferentes formas: o cliente apresenta
comportamentos de esquiva quando o terapeuta tenta estimular e/ou analisar emoções e
sentimentos relacionados a eventos de vida ou da própria relação em função da
incontrolabilidade neles existentes; evita fazer auto-exposições, pois não há como garan­
tir previsibilidade das suas emoções; demonstra grande necessidade de que o terapeuta
reassegure que nas crises nada irá lhe acontecer, bem como, de agradar o terapeuta;
tende a, algumas vezes, ter controle sobre o direcionamento da sessão; segue de forma
literal as instruções dadas na sessão e apresenta constantemente comportamentos de
dependência em relação ao terapeuta.
Hoje, estudos demonstram que é possível lidar com esses comportamentos-pro-
blema diretamente na relação terapêutica, através de uma abordagem clínica já bastante
difundida: a chamada Psicoterapia Analítico Funcional (F.A.P), proposta por Kohlenberg
& Tsai (1991).
Em linhas gerais, Kohlenberg & Tsai (1991), definem que a F.A.P tem sua base
nos estudos de como o reforçamento natural, a especificação de comportamentos clinica­
mente relevantes e a generalização podem ser alcançadas dentro dos limites de uma
situação típica de tratamento em consultório.
A F.A.P. implica na aprendizagem de novos comportamentos quando o contexto
da sessão for basicamente relevante para a vida cotidiana do cliente. Logo, é preciso ter o
contexto de vida diário operando durante a sessão (ou seja, na relação terapêutica) e a
presença do comportamento relevante que o cliente apresenta será o indicativo desse
contexto. Certamente, ele somente estará presente à medida que variáveis de controle
forem acessadas pelo terapeuta.
A aplicação da F.A.P na prática clínica se dá a partir de alguns tipos de compor­
tamento, tanto do cliente quanto do terapeuta, que obviamente acontecem ao longo da

Sobre Comportamento e Cognição 113


sessão de psicoterapia. No que se refere ao cliente, são os seus problemas (ou com­
portamentos clinicamente relevantes), seus progressos e suas interpretações.
Quanto aos comportamentos do terapeuta são métodos terapôuticos que envolvem o
evocar, o notar, o reforçar e o interpretar o comportamento do cliente (Kohlenberg
& Tsai, 1991), ou seja, são passos clínicos que o terapeuta lança mão para intervenção.
A seguir, a fim de ilustrar esses pontos, examinaremos um caso clínico, de Trans­
torno do Pânico, em que a terapeuta interferiu com a F.A.P. na fase final do processo
terapêutico.
R. tem atualmente 30 anos de idade, é solteiro, está no último ano de Psicologia,
poróm, já é pós-graduado em outra área. Apresentava uma história de longa data (inicio
aos 19 anos) de crises de pânico "vindas do nada" (sic), pelos menos 5a 6 vezes por mês,
concomitantes com náuseas e dores de estômago, além de sudorese, tremores pelo
corpo, parestesia facial e muito medo de desmaiar. Já havia feito vários tratamentos
psiquiátricos (onde fez uso de medicação ansiolítica e antidepressiva) e psicoterapia em
outra abordagem.
Há muito nâo viajava nem tinha lazer. Sala somente para cumprir obrigações de
trabalho. Também falava muito sobre o medo de perder os pais e do fato de nâo ter
amigos. Geralmente esquivava-se de qualquer tipo de enfrentamento e/ou de situações
tidas como estressoras. Antes, poróm, monopolizava e controlava o ambiente, envolven­
do todos que estavam ao seu redor, falando muito sobre o que estava ocorrendo e expres­
sando seus medos e sua raiva em ter que lidar com tais circunstâncias. Nesses momen­
tos e sempre diante dos pais e irmãos, suas reações emocionais apresentavam-se bas­
tante amplificadas, terminando, muitas vezes, em náuseas e dor de estômago. A família,
entâo, demonstrava excessiva preocupação e propunha alternativas de resolução (apesar
dessas serem, quase sempre, dicas sutis para que ela se afastasse rapidamente daquele
contexto). Toda sua história de vida, na verdade, foi pautada por estes comportamentos,
tanto dos pais quanto da irmã mais velha.
Sempre que possível era poupado de eventos negativos e muito cuidado para nâo
ser exposto a situações de avaliação externa, críticas, etc. No entanto, ao mesmo tempo
em que os pais eram superprotetores, também eram controladores e limitadores, em
função de seus próprios medos (avaliação da terapeuta).
O cliente apresentava também outros comportamentos clinicamente relevantes:
bastante autoritário, arrogante, dominador e controlador, extremamente dependente, difi­
culdade em lidar com críticas e sentimentos como frustração e raiva.
Foram observados progressos importantes no repertório comportamental do cli­
ente, após vinte (20) meses de terapia, tanto com relação ao manejo da ansiedade, outros
sentimentos e pensamentos, quanto às instâncias do comportamento pessoal quanto do
comportamento interpessoal. Portanto, já estávamos num estágio bem avançado do pro­
cesso terapêutico, e pela segunda vez o cliente havia pedido trinta (30) dias de férias da
terapia. Todavia, antes do seu término, o cliente solicitou um retorno “urgente" (sic). Nes­
te, relatou que havia tido uma crise de pânico, com duração média de 30 minutos e que ele
ficou apavorado de tudo voltar novamente. Apesar de ter discriminado que sua ansiedade
estava muito alta em função de estar passando por vários estressores (um era de grande
dimensão para ele, pois envolvia comportamento ético de pessoas significativas para o

114 Nlone Tortes


mesmo) não estava conseguindo lidar com a mesma como das outras vezes; sentia "que
faltava algo" (sic). Monopolizou ainda mais os familiares, controlando todo o ambiente.
Ocorreu, inclusive, uma crise de choro com “inundação" de frases sobre seu jeito de ser e
seus valores, diante de profissionais contratados para resolução do caso, e acabou por
tumultuar até seu ambiente profissional. Só então, e não bastando procurou a terapeuta
demonstrando muito desamparo.
Durante a sessão, o cliente falava desenfreadamente, gesticulava muito, apresen­
tando as mesmas reações emocionais amplificadas que aconteciam diante dos pais. A
terapeuta pode observar, então, que, tanto os comportamentos de dependência quan­
to a necessidade de controle (que, conforme já assinalados, sempre foram muito fortes
na vida do cliente) estavam ocorrendo no “aqui e agora" da relação terapêutica.
Em tempo, para Kohlenberg & Tsai (1991) a dependência é vista como um
comportamento de esquiva em que impede a pessoa de contatar contingências mais
positivas associadas com a construção de novos comportamentos. Tais comportamentos
estimulam sentimentos de cuidado e acolhimento das outras pessoas (nesse momento
da sessão, a pessoa do terapeuta). Ao passo que, comportamentos de controle, domí­
nio e poder induzem sentimentos de fraqueza e incompetência das outras pessoas (aqui,
novamente, a própria pessoa do terapeuta, os familiares e os profissionais contra­
tados). Logo, discriminar tais comportamentos com a função de, por exemplo, puni-los,
seria não levar em conta que, para julgar um comportamento como adequado ou não, ô
necessário enxerga-lo no contexto em que ele ocorre. Em outras palavras, naquele mo­
mento, se a terapeuta usasse qualquer estratégia punitiva seria altamente ineficaz para o
processo, para a relação e, obviamente, para o cliente.
Com efeito, a terapeuta observou que, naquele momento da sessão, o que esta­
va, ocorrendo era que a situação terapêutica apresentava-se funcionalmente simi­
lar às situações do cotidiano do cliente, em que envolviam extrema necessida­
de de acolhimento e cuidado diante de situações de imprevisibllldade e
incontrolabilidade (e que, para ele, verdadeiramente, eram sentidas como ameaçado­
ras) e discriminou que estava ali a oportunidade de modelar a aprendizagem de
novos comportamentos a respeito do “acolher” e do "amparar”, a fim de que comporta­
mentos interpessoais mais adaptativos pudessem ser instalados no repertório de vida
do cliente.

"(...) Ê humano envolver-se e lutar. Ê desejo do terapeuta servir aos


propósitos de estimular o crescimento do paciente - vontade de sustentar-se
pelas próprias pernas, de envolver-se realmente num nível emocional de relaci­
onamento; lutar, de fato, com o paciente e consigo mesmo (...).” (Peck, 1978,
apud Kohlenberg & Tsai, 1991).

Assim, nesse momento, a terapeuta iniciou a análise dos comportamentos do


cliente tendo como "pano de fundo" os passos interventivos (principalmente, o que se
refere à análise funcional dos comportamentos clinicamente relevantes do cliente) propos­
tos pela abordagem F.A.P.:

Sobre Comportamento e Cognição 115


T: - (Após todo relato do cliente) Percebo que tudo que está lhe acontecendo ó
bastante complexo e de difícil resolução. Aliás, quero afirmar-lhe que não vejo como
controlar tais acontecimentos e, dessa forma, compreendo o quanto ansioso você está e
o quanto você já está no seu limite e em desamparo. Ê...Ô muito difícil, não? Sensibiliza-
me e mobiliza-me muito tambôm... Mas estou aqui ouvindo e me perguntando o que,
efetivamente, posso fazer...
C: - Muita coisa... sempre achei você encorajadora e responsiva. Confio em você
e nas suas palavras. Quero que você diga o que você acha que devo fazer.
T: - Bom, vamos fazer um parênteses aqui, pois gostaria de poder conversar um
pouco sobre... Penso que o que você espera de mim ê que eu seja responsável por você
e por sua vida e que devo protegê-lo sempre que estiver em sofrimento emocional e,
principalmente, quando você está diante de acontecimentos de vida que são imprevisíveis
e incontroláveis (como os de agora) e que sào sempre interpretados por você como sendo
o mundo tanto ameaçador quanto perigoso. Nõo é assim ?...
C: - Afinal, se você nâo for você e você não fizer isto, quem vai fazer?
T: - Em primeiro lugar, percebo que o que você espera de mim está além do que
eu possa dar, e 6 isso também que percebo que você espera de seus familiares e talvez
de outras pessoas. Explico porque vejo assim: para você se sentir amparado no nível em
que você quer, você vai amplificando cada vez mais e mais suas reações emocionais, tal
como acabou de acontecer aqui e tal como acontece desde sua infância. Lembra-se
desses aspectos que vocêjá me relatou da sua infância? (Pausa intencional). Sempre foi
assim, nâo ô mesmo?
C: - Ê... acho que sim...
T: - Ê como se todos precisassem socorrê-lo dos perigos e ameaças que o
mundo oferece! Veja, esses seus comportamentos foram aprendidos, e são, na verdade,
comportamentos de dependência e de controle, o que fazem com que você seja muito
exigente com relação às pessoas que fazem parte de sua vida. Sabe, em algumas ses­
sões, me sinto exausta, pois é como se eu, a todo momento, tivesse que me desdobrar
em mil para cuidar de você, dando soluções, cumprindo o que você quer de mim, para que
você nâo se frustre e nâo sofra (como se fosse possível)...Imagino que talvez possa
ocorrer o mesmo com seus familiares.
C: - Apenas olha firme para a terapeuta, em silôncio. E depois fala: Eu sempre
digo: eu, antes da terapia, e eu hoje, depois dela...Ê assim mesmo... Ê.
T: - retoma: Em segundo lugar, diante de tais situações, a primeira pessoa com
quem você precisa contar ô você mesmo. Pense por um momento: ... Nâo apenas algu­
mas situações são imprevisíveis; a própria vida o é. Mesmo assim, boa parte dela é
possível e bom termos controle; pequena parte, com certeza, nâo o temos. Portanto,
nesse sentido, querer nâo ó poder. Você, por mais que queira, nunca conseguirá controlar
tudo: eventos, pessoas, sentimentos, emoções. O que você ganhará com isso ô apenas
mais ansiedade, mais stress e muito desamparo. Nâo ó o que está sempre acontecendo?
Nâo ô o que está acontecendo agora?
C: - Acho que sim... Ê, eu concordo...

116 Nlone Torre*


T: - complementando: Sabe, R., você é muito especial para mim e eu não vou
deixar de ampará-lo ou acolhê-lo... Poróm, isso não significa que sou responsável por
você e pela sua vida e que, em função disso, estou aqui só para resolver suas dificulda­
des e seus problemas. Posso ajudá-lo sim e quero fazê-lo, mas quero que você conte
também com seus recursos pessoais, que são muitos e bastante positivos.
C: - (silêncio)... Colo ô colo: nâo andando, eu nâo tropeço e nâo caio (responde
secamente).
T: - O que você sente neste momento, ouvindo o que está ouvindo de mim?
Cliente diz que não quer falar mais nada e fica em silêncio.
A terapeuta observou que o cliente parecia tenso e bastante desconfortável e,
obviamente, estava se esquivando. Discriminou, então que, para ele, o nivel de aversividade
ocorrido na interação já tinha ido muito além do que normalmente suportaria. Assim, a
terapeuta nâo insistiu e o cliente solicitou, em seguida, que gostaria de discutir sobre os
recursos pessoais aos quais a terapeuta havia se referido, o que, na seqüência, foi feito
por ambos.

Interessante foi observar a fala do cliente quando ele realmente voltou das férias
(15 dias depois).
T: - Pensei várias vezes em você desde o nosso último encontro...em como você
lidou com os últimos acontecimentos e com a sua vida; enfim, como você estál... Conte-
me sobre isso...
C: - Nâo é nada agradável ter que assumir que eu devo lidar com a vida e essas
coisas imprevisíveis e incontroláveis que vem dela (... o pânico também é assim, nâo
6?...), e sempre a partir dos meus próprios recursos. E, saí muito bravo da sessão...
A terapeuta imediatamente coloca:
T: - Ê... eu percebi que você estava com raiva... Ê isto, não?... raiva?... Porém,
quando você disse que nâo queria falar mais nada, calei-me também, pois compreendi
que foi uma sessão muito difícil para você...
C: - E estava mesmo... muita raiva, além de um tempo que precisava para pro­
cessar tudo feso... Você sabe como eu sou... Desci as escadas da clinica pisando duro
por você ter me dito sobre seu ‘‘cansaço" e disse para mim mesmo que isso só acontecia
com vocô. Pensei comigo:"Olha tudo o que acontece na minha vidaIII Ora, como nâo me
viro sozinho? Vou ter que mostrar isso para ela..." Me enchi de coragem e perguntei
sobre, á minha irmã e aos meus pais. A resposta foi uma só: eíes também se cansam.
Parece até que você conversou com elesl Pensei, então, que não há escolha: estava ali
uma chance de tentar me relacionar de outra forma com eles e, obviamente, com esse
mundo doido... Uma outra conclusão triste que cheguei foi o quanto meus pais são me­
drosos; aprendi bem com eles... (fala sorrindo).
T: - Que bom que você enxergou tudo isso... Como você está, então, agora?
C: - Olha, os problemas que lhe falei naquela sessão permanecem e, agora,
estão até mais complexos; realmente vou ter que depor e isso me assusta. Tentei apenas

Sobre Comportamento e Cogrtiçáo 117


fazer um relato aos meus pais sobre os últimos acontecimentos... Eles me ouviram com
atenção e eu não toquei mais no assunto... Estou bem...
T: - Agora é a minha vez de ouvi-lo e juntos poderemos (dessa vez, de uma outra
forma) analisar alternativas para esse enfrentamento... O que você acha?
C: - Acho muito bom... e complementou: Fiquei pensando que o nâo me relacio­
nar socialmente pode ser em função disso: evito realmente situações sobre as quais nâo
tenho controle, pois tenho medo de sofrer, de nâo ser aceito, de que as pessoas nâo se
importarão comigo e que irei me frustrar... Entâo, faço um recuo e fico "trancado"... Acho
que ó isso... muita atenção e apoio das poucas pessoas com as quais mais me relaciono
acaba sendo pouco para mim... E aí que eu vejo que realmente você deve ter se sentido
extenuada (sorrindo...) muitas e muitas vezes. Que barra, heim?
(...)
Logo, foi possivel observar que, ao trazer para o ambiente terapêutico (na relação
propriamente dita) os comportamentos clinicamente relevantes do cliente, novos repertó­
rios interpessoais a respeito do “acolher" e do “amparar” já estavam sendo desenvolvidos,
o que pode proporcionar uma diminuição nos comportamentos de dependência e de con­
trole, assim como um progresso sensível na análise de seus próprios comportamentos
(como visto acima), gerando, gradualmente, mudanças nos relacionamentos a partir da
aprendizagem de comportamentos mais adaptativos.
Em suma, os procedimentos da F.A.P. tendem a produzir reações emocionais
importantes e efeitos reforçadores que são associados com relacionamentos próximos e/
ou (ntimos. Obviamente, no caso de clientes que se apresentam com Transtorno do Pâni­
co, a sua aplicação parece, não só desejável quanto eficaz, pois este “self’ dependente e
controlador poderá ser modelado diferentemente em função da aprendizagem de novas
contingências interpessoais, através da interação com o terapeuta, o que levará à constru­
ção de um sentido mais sólido de si, com considerável aumento no senso de valor próprio,
tais como o desenvolvimento da autoconfiança, da auto-eficácia e de uma auto-estima
mais elevada.

R e ferên cias
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118 Nione Torre*


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Sobre Comportamento e Cognição 119


Capítulo 12
As implicações de ansiedade na
memória de adultos
Cláudia Barbosa'

A ansiedade é caracterizada pela sensação de perigo iminente, tensão, angústia


e ação do sistema nervoso simpático. Ela passa a ser patológica quando é desproporcio­
nal à situação que a desencadeia ou na ausência de um objeto especifico ao qual se
direcione (Cerezer & Rosa, 1997).
Os psicólogos cognitivos destacam os conflitos entre as atitudes, crenças, per­
cepções, informações, regras sociais etc, que podem levar à dissonância cognitiva, ou
seja, a uma desorganização das idéias, dos pensamentos das pessoas, induzindo à
ansiedade. O que determina a intensidade da resposta emocional de uma pessoa em
uma situação especifica são seus pensamentos e suas percepções. Para Eysenck e
Keane (1994), pessoas ansiosas tendem a perceber um número maior de estímulos
como ameaçadores.
Quanto niais controle da situação a pessoa tiver, menos tensão sentirá. Segundo
Davidoff (1983), quando o evento estressante é previsível, possibilitando a manutenção de
um comportamento agonlstico, desenvolve-se menos respostas de ansiedade. No proces­
so terapêutico, as estratégias utilizadas pelo psicólogo para ajudar o cliente a perceber
que tem controle sobre as situações que o ameaçam, podem ajudá-lo a reduzir o nível da
ansiedade.
A ansiedade pode interferir no momento da codificação, do armazenamento e da
recuperação de uma informação, pode ainda facilitar as tarefas simples ou dificultar as
mais difíceis. As pessoas com níveis elevados de ansiedade acabam interpretando a
informação de forma inadequada (Coes, 1990; 1991).

' PiéGÓIoga Clinica Coordanador* do curao da PaJcotogia • Docanta da Faculdada Aatte Gurgacz/FAG CaacavaVPR Maatra am Paloologia Social PU CR8
Eapadalltta am Pakxriatapla na Antfaa do Comportamanlo UEl/PR

12 0 LldudJd Bíirbow
A ansiedade pode afetar também o processo de atenção. As pessoas ansiosas
tendem a dar mais atenção à ocorrência de estímulos ameaçadores, têm dificuldade de
concentração, o que os torna desatentos ou distraídos, apresentando seletividade da aten­
ção, o que pode ocorrer de forma ampla ou limitada (Barbosa, 2002b; Chaves, 1993). Os
ansiosos têm suas atenções voltadas para o meio externo, com a intenção de controlar as
“ameaças" do ambiente e tentam diminuir a insegurança sobre o que podem vir a vivenciar
no futuro, através dessa tentativa de controle (Eysenck & Keane, 1994).
Ades (1996) defende que as pessoas respondem à ansiedade com pensamen­
tos, palavras ou ações que podem ser impróprios, perturbados, irracionais ou desorgani­
zados. Para ele, as emoções são formadas por componentes subjetivos (pensamentos
e sensações), fisiológicos (tensão corporal, taquicardia e problemas estomacais) e
comportamentais (gestos, verbalizações, posturas e expressões faciais). Mesmo quan­
do não dizemos nada, podemos transmitir nossas emoções através das expressões do
corpo e da face.
Davidoff (1983) comprovou, através de seus estudos, o quanto é inexata a lem­
brança das pessoas frente a situações que produzem ansiedade e estresse como, por
exemplo, uma cena de agressão. Ele observou que os indivíduos que presenciam uma
cena de agressão ficam muito confusos e o estado de cansaço e ansiedade e a expectativa
pelo desfecho da situação podem influenciar na codificação do fato em questão.
As pessoas tendem a lembrar mais das situações agradáveis do que dos eventos
desagradáveis, o que Mitchell e Thompson (citados por Myers, 1999) denominaram
"retrospecção dos momentos agradáveis". Por exemplo, em um passeio de férias, as
pessoa$ tendem a evocar memórias sobre os bons momentos que passaram e não levam
em conta os eventos ruins, como o calor sufocante, o trânsito movimentado, os altos
custos etc, por mais que essas situações tenham ocorrido.
Alguns psicólogos acreditam que as memórias das experiências são precisas e
que não haverá esquecimento embora se pode variar a maneira de lembrar o fato como por
um estímulo auditivo, olfativo, gustativo, visual, tátil. Outros aceitam que existem distorções,
pois a memória é construída por uma mistura de experiências, conhecimentos, influênci­
as e motivações (Reyna, 1998).
Barbosa (2002a) realizou estudo para verificação das implicações da ansiedade
na memória de adultos, os grupos experimental e controle foram avaliados através de uma
lista de palavras, adaptação realizada por Stein e Pergher (2001) do Procedimento de
Roediger e McDermott (1995), logo em seguida, responderam o Inventário de Ansiedade
Traço-Estado-IDATE, desenvolvido por Spielberger, Gorsuch e Lushene (1969), traduzido
e adaptado para o português por Biaggio e Natalício (1979) e, por fim, realizaram o teste
de memória de reconhecimento imediato.

Avaliação da qualidade de memória em função da ansiedade

Os resultados evidenciaram que o grupo ansioso (M= -0,307, DP=0,631) possui


menor qualidade de memória em relação aos participantes do grupo não ansioso (M=0,330,
DP= 1,026), (t =2,159,0<0,05), (Figura 1).
(37)

Sobre Comportamento e Cognifáo 12 1


Figura 1. Qualidade da Memória.

Qualidade da memória

0 ,4 Tr'"rF

T3 0,2 ■ não ansiosos do


O grupo controle
o ■ ansiosos do grupo
experimental

-0,4

Num segundo momento, resolveu-se ampliar o número de participantes conside­


rando todos os que participaram da pesquisa, ou seja, todo o grupo controle (composto
por 37 participantes que não estavam em situação de prova), bem como o experimental
(formado por 28 participantes avaliados em situação de prova). Para isto, utilizou-se a
estatística tf* que veio confirmar as informações anteriores de que o grupo ansioso (M= -
0,277, DP=0,807) tem a qualidade de memória prejudicada quando comparada ao grupo
não ansioso (M=0,273 DP= 1,039), {tm = 2,321 ,p<0,05).
Num terceiro momento, considerou-se todos os participantes que apresentaram
ansiedade (resultados acima de 41 para sexo masculino e acima de 45 para sexo femini­
no) tanto no grupo experimental quanto no grupo controle. Os resultados anteriores foram
novamente ratificados, evidenciando que os participantes do novo grupo experimental (M=
-0,008, DP=0,892) e do novo gnjpo controle (M=0,129, DP= 1,041 ) que apresentam ansie­
dade, também tendem a apresentar um prejuízo na qualidade de memória em relação aos
não ansiosos de ambos os grupos (fo3) = 0,887,p<0,05). As informações trazidas pela
estatística Aparecem indicar um efeito nocivo da ansiedade na qualidade da memória. Os
resultados sugerem que a qualidade de memória pode ser afetada negativamente pela
ansiedade (Estado)^
Outras pesquisas sobre ansiedade e memória corroboram com esse resultado,
como, por exemplo, achados de Friedman, Thayer e Borkevec (2000); Clark (1999); Ades,
Botelho, Duarte, Teixeira, Arruk, Melo e Gazire (1990); Parrott e Sabini (1990); Bower
(1981 ), Derry e Kuiper (1981); Clark e Tealdale (1982); Mathews e McLeod (1985), Moore,
Ottaway e Ellis (no prelo), Zoellner, Foa, Brigidi e Przeworski (2000). Para esses teóricos,
emoções como a ansiedade e a depressão podem vir a interferir na acurácia da memória.
A pesquisa de Mathews e McLeod (1985) indicou que os participantes ansiosos,
de maneira geral, apresentavam menor acurácia de memória, tendo maior dificuldade para
lembrar as palavras de ameaça física. Outro estudo realizado também com listas de pala-

1A »«tafjsttca c£ •(pv-pt)JÚP(pf), onti» pvèa fxobêtMóad» ü» vwrdacMrw • pf a pnibabiMmia dff reapofta» M m « (McNkx>l, 1972).

12 2 Claudia Barbota
vras encontrou um desempenho inferior da memória para as palavras sociais negativas,
para indivíduos com fobia social (Amir, Coles, Brigidi & Foa, 2001).
Mathews e McLeod (1985) sugerem que o processamento da informação se dá de
maneira diferenciada para os diversos estados ansiosos específicos, não sendo o
processamento da informação afetado de forma igual por um mesmo “traço" de ansiedade.
Zoellner, Foa, Brigidi e Przeworski (2000) realizaram estudo com indivíduos com
distúrbio de estresse pós-traumático. Eles observaram que estes indivíduos tendem a
exibir uma memória realçada para a situação traumática, apresentando uma maior dificul­
dade para esquecer palavras traumáticas, mesmo quando passado muito tempo do ocor­
rido, conseguindo lembrar do trauma quando relatam sua autobiografia. Esses estudiosos
acreditam que qualquer fator que impede a contextualização completa do evento em aqui­
sição reduziria a codificação da informação de origem, ficando assim, o registro de memó­
ria vulnerável a distorções e imperfeições. Em suma, os adultos ansiosos apresentam sua
qualidade de memória afetada negativamente pela ansiedade.
Os resultados da pesquisa de Barbosa (2002a) apontam para algumas conclu­
sões em relação à ansiedade e à memória. Os principais dados encontrados sugeriram
que pessoas em situação ansiogênica podem ter uma diminuição na sua qualidade de
memória. Os dados levantados podem contribuir com diversas áreas da Psicologia, entre
elas a Psicologia Clínica.
A Psicologia Clinica lida diretamente com aspectos relacionados á emoção e à
memória. O terapeuta embasa seu trabalho nos relatos envolvidos de emoção trazidos
pelas pessoas, nesse processo, o principal recurso utilizado ó a memória, com base na
qual o psicólogo se baseia para a interpretação dos fatos apresentados.
As pesquisas sobre cognição e ansiedade mostram uma variedade de tópicos
que podem ser enfocados, como por exemplo, as influências da ansiedade nos processos
mentais, bem como o papel da cognição na produção da ansiedade (Ades, 1996; Harré &
Gillett, 1999).
Embora ainda se discuta quanto às cognições provocarem ou não as sensações
que acompanham os afetos, fica evidente que elas são importantes na manutenção e na
moderação da ansiedade. Os resultados apresentados têm por objetivo oferecer subsídios
para uma atuação mais objetiva e melhor fundamentada do psicólogo.
Os psicóíogos atuais, independentemente da linha de abordagem ou da área de
atuação, convivem com a necessidade que as pessoas têm de lidar com suas emoções.
São as emoções positivas que dão brilho à vida das pessoas e é este sentimento que
mobiliza o comportamento do ser humano, no intuito de manter uma constância nas sensa­
ções. As pessoas vivem em constante busca da felicidade e da evitação do sofrimento.
As Terapias Cognitivo-Comportamentais têm buscado, através da integração en­
tre técnicas psicoterápicas e conhecimentos sobre processos cognitivos básicos, uma
melhor compreensão do comportamento humano. Mesmo com a relevância do tema, pou­
cas pesquisas sobre a ansiedade e a cognição têm sido realizadas por psicólogos cognitivos-
comportamentais, devido a uma série de dificuldades, entre elas a escassez de subsídios
metodológicos para tais investigações (Eysenck & Keane, 1994).

Sobre Comportamento e CogniçSo 123


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Sobre Comportamento e Cognição 125


Capítulo 13
O papel dos reforçadores na construção
dos medos humanos1
M ârilia M estre*

Comportar-se, para Skinner (1978), é algo mais do que uma mera ação visível ou
mensurável. Implica, também, comportamentos ditos encobertos ou cujo acesso só ó
possível peia auto-observaçáo.
Mas qualquer dos comportamentos sofre seleção (para fortalecer-se ou extinguir-
se) conforme as conseqüências que produz. Ainda segundo Skinner (1984), o comporta­
mento humano está sujeito a três tipos de seleção por conseqüências. A seleção natural,
que controla comportamentos reflexos (conseqüências "naturais" ao ato realizado) e de
valor filogenótico, quer dizer, com valor de sobrevivência da espécie. A seleção feita pela
aprendizagem operante, que controla os comportamentos idiossincráticos da história de
vida pessoal (ontogenese) de cada indivíduo. E também a seleção cultural, responsável
por comportamentos que favorecem ao grupo social a que as pessoas pertencem. Esse
grupo também se comporta e, assim, produz efeitos que acabam por selecionar os própri­
os comportamentos cujas conseqüências, algumas vezes, podem ter caráter destrutivo
ao sujeito e ao grupp dele, a médio e longo prazo, embora a curto prazo tenham valor
reforçador.
O comportamento, ao produzir conseqüências, acaba afetando a probabilidade
de que comportamentos, de mesma classe de respostas, venham a se repetir no futuro
ou que deixem de existir. Tais conseqüências são chamadas de estímulos e podem pos­
suir diversas funções, entre elas a de agir como:
• Estímulos Reforçadores (ou reforços): fatos, situações, pessoas ou objetos que cau­
sam fortalecimento do comportamento contingente a sua apresentação e enfraqueci­
mento em face de sua retirada.

j Pesquisa subvencionada pela Universidade Tulutl do Paraná (UTP).


Psicóloga Clinica (UFPR), Mestre am Palcotogla (U8P-8P), proteéaora da Psicologia na graduação e póa-graduaçêo da UTP, diretora do Centro do
Psicologia Especializado em Medoa (CPEM) a doutoranda em História (UFPR)

126 M d ríl/d Mestre


S+ (positivo, quando o comportamento atrai “coisas boas")
S - (negativo, quando o comportamento afasta “coisas ruins”)3
• Estímulos Aversivos: fatos, situações, pessoas ou objetos que causam enfraquecimen­
to do comportamento contingente a sua apresentação e, fortalecimento em face de sua
retirada.
Sa (“coisas ruins")
Os reforços, de acordo com sua função, podem ser considerados como:
1. Reforços Primários (incondicionais)

São estímulos que podem reforçar independente de quaíquer aprendizagem; são


inatos, e todos os animais de uma mesma espécie os compartilham. Têm função de
sobrevivência, pois servem à adaptação biológica do organismo. São ditos filogenéticos,
por serem reforços específicos de cada espécie. Estão ligados à seleção natural, Skinner
(in Millenson, 1977) apresenta a existência de seis deles para a espécie humana. Os
cinco primeiros dizem respeito às necessidades primárias de um indivíduo e o último, à
necessidade de sobrevivência da espécie.
Cada um deles, na história do homem, esteve ligado a contingências de manutenção
de vida, em que uma destas necessidades vitais somente seria suprida por seu agente espe­
cífico e, assim, com a associação entre estímulos ( S-S) passou a controlar o comportamento
dos humanos (e de outros animais) como estímulos capazes de ter valor em si mesmos.

Quadro 1. Necessidades supridas pelos reforços primários ou biológicos.


Necessidade Reforço Primário
1. Respirar Ar (oxigênio)
2. Sede Água
3. Fome Alimentos
4. Descanso Dormir/Repouso ósteo-muscular ou de trabalho
5. Fuga de situação de Contato físico com animais da mesma espécie/
perigo suar/defecar/urinar/retirar o corpo de contato de
risco etc.
6. Reprodução da Fazer sexo
espécie

2. Reforços Secundários (Condicionais)

Dependem da história de vida (ontogenese). Sua aquisição obedece ao princípio


de associação entre estímulos (S-S), que anteriormente foram neutros e sofreram
pareamento com reforçadores primários e/ou também com outros secundários anterior­
mente já reforçadores, ou com os reforçadores sociais. Servem à adaptação psicossocial
e são diferentes para cada indivíduo, dependendo da história pessoal de cada um. Seu

NB: «ase ruim ou bom variar* do Indivíduo para Indivíduo e de cultura para cultura

Sobre Comportamento e Cojjniçáo 12 7


número pode ser infinito e seu valor funcional variará de acordo com as associações
ocorridas ao longo da vida de uma pessoa. São os responsáveis pela seleção operante.

3. Reforçadores Sociais (Condicionais à história da espócie)

São reforços adquiridos ao longo do processo cultural de um determinado grupo.


Implicam o contato entre e com o grupo social. São chamados de generalizados pois
todos os humanos sentem necessidade deles. Em qualquer cultura e em todos os tem-
pos foram encontrados. Acredita-se que, ao longo da evolução da espécie, os homens
foram se humanizando com a aproximação do Outro. É o comportamento do indivíduo
que produz o reforço, mas ó necessária a convivência em grupo para existir o reforço.
São responsáveis pela seleção cultural.
Como no caso dos filogenóticos, Skinner descreveu seis deles. Todos ligados
com o processo da formação histórica da pessoa humana em convivência com outras
pessoas de seu mesmo grupo e espécie. Skinner propõe o comportamento verbal como
um código de simbolização das contingências em que tais reforços estiveram (e continu­
am a estar) presentes entre os humanos. A Etologia (Bowby, 1998) pressupõe que a
humanização do Homo Sapiens dependeu da seleção de comportamentos que produzi­
ram tais conseqüências e, a partir deías, novas necessidades foram surgindo.
O processo de neotenia4favoreceu comportamentos em que a agregação social foi
ocorrendo gradualmente e, a partir desta, algumas conseqüências por eles produzidas pas­
saram, ao longo do tempo, a ser necessidades socialmente construídas e que os seres
humanos atuais julgam ser "naturais". O comportamento de “dorear” , presente em todas as
sociedades humanas, é um exemplo da criação de tais necessidades. São elas:

Quadro 2. Nome do reforço social, forma de aquisição e efeito no comportamento.

0 bebê só sobrevive se o Outro (alguém que desempenhe a função mãe)


Atenção prestar atenção em suas necessidades (tanto as fisiológicas quanto as
sociais). A partir de tal associação o ser humano passa a precisar desta
atenção como pré-requisito a todos os demais reforços. Em situações
especiais pode ser associada com estimulação aversiva.
0 grupo social só irá proteger aquele que passar por “seu controle de
Aprovação qualidade". Um exemplo disto é a adolescência, quando os jovens bus­
cam apoio nos grupos de pares. Ao ser rejeitado perde-se a chance da
proteção que o grupo poderia ofertar contra todos os tipos de perigo. 0
resto da vida busca-se aprovação de pessoas significativas.
Por afeto tanto se entende o amor quanto o ódio. 0 amor pode servir
Afeição de antídoto à desaprovação social; vide como a função “mãe", atenta e
sensível às “deficiências" do filhote, tenta supri-las. Do mesmo modo, ao
ser odiado garante-se, ao menos, a atenção do Outro.

Nactanta, proco—odaacalaraçiododaaaovoMmanto humano (Meafca, 1001).


''daraa^vartooquaaignMcaratátaroMnttrdo^.nafaridopor, Maria Am4kaMatoa(1002) ampaiaatnidurania o I Encontro BratlWro da ABPMC Rio da
Janako.

128 M a ril/d Mestre


SUBMISSÃO aos OUTROS: 0 bebê logo aprende o poder que seu cho­
Poder ro tem sobre os adultos e como esses correm a suprir suas necessida­
des. Todos temos um certo poder sobre os demais membros de nosso
grupo e esse se alterna na troca de competências. O poder tem sido
motivo de convivência social e a causa de muitos dos conflitos sociais.
Todas as culturas possuem símbolos de reforços (e de punições tam­
Símbolos bém). 0 maior dos reforçadores simbólicos é o dinheiro. Outros são:
status, títulos, prêmios, certificados, notas etc.

Há dois tipos de reforços Premacks. A clínica atesta que, quanto menor


Premack o contato social adequado, maior o número de Premacks no repertório.
1. R como Sr de si mesma, como acontece em atividades prazerosas a
quem as realiza (por exemplo: a pintura) e em atividades de tics e
auto-estimulação (ex.: o balanceio no “autista" ou “espremer" espinhas
e/ou roer unhas).
2. R como Sr para outra R, como acontece em relações encadeadas,
nas quais uma é pré-requisito para outra atividade. (Ex: ter uma aula
bem preparada serve de reforço para preparar esse texto).

Os reforçadores, quaisquer deles, parecem despertar emoções que estão associ­


adas às contingôncias em que os reforços são adquiridos ou perdidos. E, saber da proba­
bilidade de perdô-los, pode provocar medo.

O Medo como emoção

À medida que os depoimentos foram sendo colhidos durante as entrevistas, a


autora verificou a correlação entre o relato destas mulheres e a teoria norteada por Skinner
(1991) (e elucidada por Banaco, 1999) a respeito das emoções e surgiu esta análise dos
dados que ora se apresenta. Confirmou-se o papel descritivo das emoções e pôde ser
verificado na fala delas, acerca do medo ou de seus sinônimos, o quanto os reforçadores
definem tais emoções.
Millenson (1977) entende que as emoções representam operações de estímulos
e seus efeitos sobre o comportamento operante, sendo que algumas emoções
correspondem a diferentes intensidades de estimulação reforçadora ou punitiva.
Banaco (1999) faz uma proposta em que as emoções aparecem como descritivas
de relações de contingôncias humanas e, a comunidade as nomeiam pela descrição de
seus efeitos observáveis. Para Millenson (1977), as emoções primárias (medo, amor, rai­
va) sofreriam pareamento com a apresentação ou retirada de outros estímulos reforçadores
primários, secundários e/ou sociais, criando um "mar” de emoções novas. O medo como
uma das emoções primárias tem função filogenótica de preservação individual e, portanto,
da espécie; aparece como respondente em face da perda de reforçadores ou da apresen­

* MAR - M de medo, A de amor « R d * rata, uma analogia com o sanao comum qua fala da um *maf* da amoçflaa, quando algoém aa deacreva a outro
de aua comunidade.

Sobre Comportamento e Cognição 129


tação de estímulos aversivos. Tal reflexo sofre alteração tanto em relação ao tipo de esti­
mulo apresentado ou retirado quanto à qualidade e quantidade da estimulação. Além
disso, torna-se importante a forma de esquemas de apresentação ou retirada de reforços
ou punição, usada pela comunidade onde o indivíduo está vivendo.
O quadro 3, proposto por Banaco (1999), dá uma idéia esquemática de como isto
poderia estar ocorrendo.

Operação de Nome comum da Efeitos sobre a atividade operante


emparelhamento
emoção
pavlovíano
S1,S- Ansiedade Supressão dos operantes positivamen­
te reforçados. Facilitação de operantes
negativamente reforçados.
S1, s+ Elação (Alegria) Facilitação de alguns operantes

S1,S* Alívio Facilitação de alguns operantes

S1,&- Raiva Aumentos na magnitude de alguns


operantes. Valor reforçador de ataque
e destruição aumentados.

O medo descrito por Millenson (1977) e a ansiedade descrita por Banaco (1999)
são formas de desdobramento da mesma operação de estímulos e que no presente traba­
lho será nomeado como medo. Mestre (2002) apresenta a visão de historiadores a respei­
to do que tal emoção, o medo, representa para a adaptação humana no contexto social.
Zeldin (2000) e Delumeau (1996) falam de como esta emoção descreve as contingências
sociais e as regras delas advindas e a influência deste conjunto na vida das pessoas.
Delumeau (1996) criou uma classificação como categoria de análise do medo do
homem ocidental do século XVIII que Mestre (2002) adaptou à fala de suas depoentes do
século XXI, a respeito do que viveram ao final do século XX.

Os Medos Existenciais, Permanentes ou "Naturais”

Os medos permanentes eram mais freqüentemente compartilhados por


indivíduos pertencentes a todas as categorias sociais esses são, portanto, os
medos da maioria (J. de Delumeau, 1996, p. 19).
Delumeau (1996) chamou de permanentes os medos que ele descobriu em dife­
rentes culturas e presentes para todos os indivíduos, e, como disse ele, são os medos da
maioria, apenas se apresentam de forma diversa.
Os reforçadores ditos naturais, os filogenétícos, próprios de cada espécie, todos
eles têm a função de manutenção de vida biológica. Senão do indivíduo (ar, água, alimen­
to, descanso, fuga de situações de perigo) como da espécie (sexo). Sem eles ocorreria a
morte, a extinção do indivíduo e, com este, também a da própria espécie. Neste sentido,
a morte é, talvez, a maior de todas as situações das quais se tem medo.

130 M d ríl/d Mestre


1.1 A morte

Nas seis entrevistas, em algum momento, as entrevistadas relataram ter sentido


medo de morrer ou da morte dos seres amados.
Ao longo da duração de sua entrevista, M.L.7, entre outros assuntos, falou de
suas experiências com a morte. Este trecho relata viagens que fez enquanto morava no
interior do Paraná. No relato aparece o medo da sua própria morte e a de seus familiares.
M.L. compara seu medo da estrada, na década de 1950, com os medos de seu
tempo presente; falava de seus medos de antes, quando faziam viagens de férias para
visitar as famílias de ambos, dela e do marido:
Dava nove, dez horas de viagem de carro. Pegávamos caminhão de soja na
estrada. Eu tinha medo daquela estrada, os caminhões de soja não respeitavam carros
pequenos.
Falando da irmã, no ano de 2000:
A minha irmã morre de medo de estrada; eu não, vou para a praia sossegada.
Mas aquela estrada era braba e nas férias eu tinha medo porque os caminhões não
deixavam passar. Hoje não, as estradas são asfaltadas, cuidadas, duplicadas, então é
mais fácil ultrapassar.
O que aparece na fala de M.L. ó uma transformação na percepção da possibilida­
de da morte e os medos dela. Relata momentos diferentes em relação à morte na estrada:
um que diz respeito às viagens comuns, das férias, na década de 1950, as que fazia
desde que fora morar no interior do Paraná, longe dos pais. Naquela época as estradas
eram percebidas por ela como passíveis de produzir a morte, portanto geravam medo.
Num segundo momento (ano 2000), ela compara o medo daquela época e o atual medo
da irmã, inferindo que esse medo atual é desnecessário, pois não há mais grandes peri­
gos. A morte na estrada duplicada não é algo provável.
A segunda entrevistada, L.8, relata que, estando na companhia da irmã mais
moça, escorregou e caiu na canaleta do ônibus expresso (Curitiba/PR) no momento em
que o ônibus passava.
Só ouvi alguém dizer: ‘pare, pare’ e ele parou, foi por pouco. Aí resolvi nunca
mais reclamar da vida, viver é bom! Minha irmã fícou apavorada, achou que eu ia ficar
esmigalhada.
Tanto seu próprio conceito sobre viver como o pavor da irmã diante da possibilida­
de de sua morte estão contidos nesse depoimento.
0
A terceira depoente, I., parece ignorar tal sentimento com relação a si mesma,
(uma vez que mesmo grávida continuava sua atividade: cuidar de cães, que possivelmen­
te estariam ‘raivosos’), mas não o ignorava se dissesse respeito aos seus pequenos
pacientes, os animais; ao contrário, sentia-o profundamente, e isto desde que era peque­
na e resolveu ser módica veterinária.

V L : M «no«, casada, 4 Nhoao3 neto«, catôUca, dona de casa, 1*«no magMérto


* L.: 70 ano«, soltaira. católica, comardaria, 2* grau uompiato
' I 72 ano», viúva. 2 fllhoa, calôíca, médica vatarinária, 3*graucompl#to

Sobre Comporldmcnlo e Cogniçüo 131


Eu sempre gostei de animais... quando eu era pequena eu tinha um cachorro
que ficou doente... o veterinário disse 'esse não tem salvaçãotirou do paletó um veneno
e disse: 'ó vocês vâo dar isso que é o melhor. ' Minha mãe ficou chocadlssima e aí nós
tratamos e ele sarou. Foi aí que decidi ser doutora de cachorro.
A quarta entrevistada, M .,10igualmente relatou a experiência de medo na ocasião
da morte de seu pai, num momento em que também sua mãe se encontrava doente, em
outro hospital.
Perseguia médico em campo de golfe, não tinha problema, se meus pais preci­
sassem, eu chamava... Meu pai acabou morrendo... foi um ano horroroso... Mas como
tudo na vida, o tempo vem e você reaprende a viver.
'Perseguir módico no campo de golfe' poderia significar: ‘lutei para vencer a morte
dele e perdi.' Ou ainda, poderia ter sido medo de perder seu agente de reforços mais
poderoso, um pai compreensivo e amigo?
No quinto depoimento, C .11relatou o medo da morte em relação a si mesma em
duas ocasiões. A primeira quando vinha num ritmo de trabalho intenso, teve uma convul­
são por estresse e seu médico aconselhou-a a diminuir o ritmo:
Eu estava numa fase corrida... me deu uma convulsão por estresse... então eu
falei: ‘não, calma, vou mais devagar que...' acho que a longevidade na sua vida é mais
importante... por qualidade, até hoje eu penso assim.
Noutra ocasião, ela de novo fala de preservação de vida, quando se cuida em
relação à AIDS:
Meu Deus, morro de medo assim, da AIDS, acho que é uma coisa que tem que
ser muito bem alertada... a vida è tua, o patrimônio maior que você tem é seu corpo...
E, finalmente, a sexta entrevistada, J.12, relatou possuir esse mesmo medo, da
AIDS - e da morte ligada a essa doença -, mas em relação aos seu filho adolescente de
16 anos. Ela recomenda a ele que:
Ah! Meu filho, tem que comprar camisinha... é muito perigoso transar sem ela.
Em alguns dos relatos aparece outro medo que costuma estar associado à pos­
sibilidade de morte, própria ou daqueles a quem se ama. A sensação de perda de algo ou
de alguém que faz parte de sua vida.

1.2 A perda

Temer perdas também é um mecanismo que se liga a certo tipo de morte, não a
biológica desta vez, mas a pior delas, segundo as depoentes, que é a de perder pessoas,
situações ou objetos significativos. Há ocasiões em que a própria morte pode ser preferível
a perder aquilo que se ama.

°M : 40 anu«, divorciada, 3 (Nhoa, católica, coordenadora da avantoa, 1aano magMério.


C. 37 anoa, aohalm, catótca, atleta, 3* grau oompleto
J : 30 anoa, cjoaòa, catóNca, faxtnaka, (Panodo 1agrau

132 M a ril/a M c*trc


Os reforçadores sociais, segundo Skinner (1984), parecem estar diretamente li­
gados a um valor de sobrevivência cultural. Mas também os reforçadores biológicos, e os
de ordem pessoal, dependem dos outros para serem alcançados. Neste sentido, tanto se
teme a perda dos reforçadores biológicos como a dos sociais que permitiriam alcançar
aos primeiros e segundos.
O relato de M.L. é pleno de situações em que ela sofreu perdas significativas e
temia voltar a perder, pois além de tudo, esse medo afetou sua relação com os filhos.
Remetendo-se à década de 1950, ela fala da morte por broncopneumonia, do segundo de
seus quatro filhos: um bebé de trés meses (perdeu outro depois, o terceiro, com 45 dias,
por encefalite).
... fiquei muito revoltada. Ele nâo era nem para viver. Quando estava no sexto mês
tive uma hemorragia muito grande e o médico quis tirar. Nôo deixei, tive que ficar deitada,
em repouso quase três meses, para segurar. Eu nào queria tirar. Tive que agüentar até o
fim. A l fui para o hospital, ele nasceu e viveu só três meses e eu perdi ele. Eu pensava
comigo: Como? Eu fiquei deitada na cama, e ele morrer. Por que Deus me tirou ele?
Sua revolta aparece no relato, tanto na escolha das palavras como no tom que
expressa sua dor; passados mais de 30 anos, chora convulsivamente a perda do bebô. O
medo foi expresso por sua atitude de ter se submetido a ficar deitada por trôs meses para
segurá-lo na barriga. Depois ela relatou o medo de novo, ao engravidar do quarto filho, e os
cuidados obsessivos com este até o seu segundo ano de vida. Diz:
Tinha medo de perder ele também.
A perda não se refere somente à perda da vida. A perda da reputação, do status,
de liberdade, também parece ser importante. L. relembra quando seus pais numa mesma
ocasião estiveram hospitalizados em instituições diferentes e o pai teve que amputar a
perna. Ela relata como se debateu para contar o fato a sua mãe:
... Eu ficava dividida em cuidar dele e dela. E quando ele amputou a perna, eu tive
medo de contar a ela, que se desesperava por nào estar podendo cuidar dele. [...] Começou
a faltar coisas em casa, pois vai muito dinheiro, tratamento e hospital para dois...
Nesse relato eta fala de trôs tipos de perdas: de seu pai perdendo a perna e com
ela sua dignidade masculina, além da independência de ir e vir; da mãe, o sofrimento da
esposa que não pôde cuidar do marido doente, como fora ensinada ser seu papel social e,
por fim, de conforto concreto, da falta dos bens, consumidos pelas doenças. Na continui­
dade do relato apareceu como tudo isto alterou a regularidade da vida em familia e da sua
própria.
No relato de I., a médica veterinária, há a evidência de como o preconceito social
ocasionou a perda de seu direito de aprender. Ela foi a primeira mulher a ser médica
veterinária no Paraná, portanto era a única mulher na sua classe. Sofreu poucos impedi­
mentos por este fato, mas um de que se lembra é de um professor pedindo para ela deixar
de assistir a uma aula prática para não "ver coisas desagradáveis para uma moça” (assis­
tir a uma inseminação artificial em uma vaca). A alegação do professor era a de que seus
colegas masculinos iriam “ficar constrangidos”. Naquele contexto o professor temia “ferir"
os sentimentos dos alunos (ou seria dele mesmo?) e não temeu ferir os da sua aluna, nem
mesmo o direito de ela aprender o procedimento.

Sobre Comportamento e Cognição 133


O dinheiro 6 um reforçador social que permite a aquisição de muitos outros
reforçadores e com isto a manutenção de vida, tanto biológica como social. M., a depoen­
te divorciada, conta como perdeu seu status de 'madame', e com isso o poder aquisitivo,
em troca da liberdade.
... quando me separei tinha 30 dólares de reserva que tinha sobrado de uma
viagem, que eu tinha esquecido dentro de uma bolsa, foi o que sobrou [...]para ele perder,
era abrir mão dessa propriedade, que eu era para ele. [...] o pior hábito que eu tive que
perder foi da dependência, da proteção masculina.
Na fala de M. pode-se ler nas entrelinhas as perdas que o divórcio causou: posi­
ção financeira e social. Plenamente compensadas pela liberdade, mas ela não tomaria tal
atitude se ele não tivesse dado motivos para que a sociedade a aprovasse. Falando do
mesmo assunto, separação, ela se questionava se não teria demorado muito a tomar tal
decisão por medo de perder sua condição de ‘madame’.
Para a quinta entrevistada, a atleta, o medo de perder, mais terrível, foi quando ela
teve um problema muscular no braço na sua primeira competição importante como tenis­
ta. Ficou doente e teve de tomar medicamentos que a deixaram fora da competição. Foi
uma época de vazio, de frustração.
A minha auto-estima foi lá embaixo e eu comecei a me sentir muito frágil... me
sentindo a pessoa mais sem condição do mundo... eu estava fora da competição... foi
um grande fracasso... a minha cabeça não agüentou.
Essa perda física ocasionou perdas sociais e internas, sua auto-estima, que teve
de trabalhar para recuperar. Ela não relata se teve percepção de tal contingência alterando
seu futuro. Mas, no ano seguinte treinou como nunca e foi campeã olímpica, mundial.
A sexta entrevistada também relata o conflito entre perdas e ganhos. Desta vez o
protagonista é seu filho. Ele vivia pedindo um irmãozinho (a) e, quando a irmã nasceu ficou
feliz, mas ressentiu-se da perda do lugar de filho único. Reclamava da atenção que agora
tinha de repartir e pedia reasseguramento de seu amor.
Outro medo, ligado a perdas, principalmente de vida, é o que diz respeito àquilo que
não se conhece. Nada parece amedrontar mais do que o desconhecido. Este medo está
presente em todos os animais, não é exclusivo do ser humano. Os dois anteriores, morte e
perdas, são comuns aos sujeitos que convivem em grupo e, com isto, possuem referencial
do outro. Mas o mfedo do desconhecido, mesmo o animal mais solitário e primário o possui.

1.3 O desconhecido

O novo, o desconhecido, fala do imprevisível, do que não se conhece, e isso


apavora as pessoas, pois se a novidade pode trazer alegrias, pode também trazer destrui­
ção e morte. Para Delumeau (1996, p. 25), o medo de objetos ou de situações ruins,
conhecidas, é mais suportável do que a angústia do desconhecido. [...] Os nossos ances­
trais temiam o mar, os lobos, os fantasmas e os presságios daquilo que não se tem
controle. Do ambivalente.
O ser humano, de um modo geral, resiste a mudanças, pois mudar é encarar o
novo e isso provoca medo do desconhecido. A novidade causa receio tanto quanto suscita

134 M d ríl/d M e itre


comportamentos exploratórios, que tôm a função de tomar o desconhecido algo previsível,
sob controle. Para as depoentes, muitas das situações novas trouxeram desafios para
elas e para aqueles com quem se relacionavam.
Durante a entrevista, M.L. deixa explícito seu medo daquilo que ela não conhecia.
Esse temor fica claro quando fala do primeiro parto. Apesar de ter feito curso para parto
sem dor, teve medo:
... a gente tem aquele medo normal. [...] Medo de ter o filho, mas qual mãe que
não tem? [...] um medo do que a gente não conhece. Era uma coisa desconhecida, o
parto. A gente nunca tinha tido um filho.
Interessante que, 30 anos mais nova que M.L., portanto com maior acesso à
informação dos anos 80, J. também relatou tal medo. Ao falar do primeiro parto, contou
seu medo desta coisa desconhecida.
“...eu tinha um pouco de receio, porque ter parto normal era muito difícil, que
doía bastante. Então eu imaginava assim, eu vou ter que fazer cesárea... fui bastante
insegura. ”
Da mesma idade que J., a quinta entrevistada, C., que é solteira, teme o futuro,
este desconhacido para o qual ela se prepara, quando não puder mais trabalhar. Fez um
plano de previdência privada e disse:
"... com os anos decorrendo eu vou ter que diminuir minha carga horária, vou
mudar minha clientela... vou dar aula para pessoas mais velhas que eu, ou pra crianças,
ir diminuindo as horas [...] já fiz um plano de previdência.”
M., a quarta entrevistada, tem uma questão parecida com a de C., seu futuro profis­
sional é um desconhecido que a amedronta, mas que ela tem a coragem de enfrentar.
“Tô deixando meu emprego... Não sei o que vou fazer. Primeiro eu me preocupava
muito. Mais do que não ganhar, é o que eu vou fazer com o meu tempo livre. Agora eu não
sei... Tenho uma reserva financeira, fome eu não vou passar...”
Ela sabe que vai ter que mudar seus hábitos, isso é conhecido, não a assusta.
Quando o casamento acabou e ela teve que deixar de ser ‘madame’, conseguiu dar um jeito
e trabalhou muito. O que a assusta ó sua decisão de dar um tempo de seis meses antes de
executar seus novos planos. O que a amedronta é o que fazer de seu tempo livre.
L., a segunda entrevistada, relatou sua experiência com o grande desconhecido:
o escuro, uma cidade desconhecida e a pergunta, o que será de mim agora? Sua cunhada
tivera nenem em outra cidade e ela fora para lá cuidar de ambas: cunhada e sobrinha. Seu
irmão ficara de buscá-la na rodoviária e não foi, o ônibus atrasou e chegou no meio da
madrugada: tudo escuro, vazio e desconhecido. Seu pavor a fez podir ajuda a desconhe­
cidos, que haviam viajado no mesmo ônibus.
Ai que desespero. Escuro, de madrugada, uma cidade estranha... eles não foram
me buscar... fiquei desesperada... ‘o que vou fazer meu Deus?' Fiquei apavorada, escuro,
desconhecido, foi horrível.
Os medos permanentes, que todos têm, independente da época histórica, terão
significados diferentes dependendo do contexto em que as pessoas ou grupos de pesso­
as estejam vivendo. É o que acontece com cada uma das depoentes.

Sobre Comportamento e Cognição 135


Delumeau (1996), porém, fala de outros medos, que classificou como medos
sociais e considerou que são fruto da agregação cultural.

Os Medos Sociais ou “Contextuais”

O inferno é o outro! [..] Se o outro existe, a existência do homem está iigada ao


pensamento, ao julgamento que o outro faz de si. (Sartre, 1977, p. 22)

Agregando-se, o ser humano deu direito ao outro, o diferente de si, de julgá-lo e


ditar regras de convivência. E aí outros medos surgiam: os historicamente construídos
pelo homem nas suas relações sociais. Medos novos têm-se propagado sem cessar, em
substituição aos que cairam em desuso, tal como o câncer e a AIDS sucederam à tuber­
culose e à sífilis (Zeldin, 1999, p. 161). Esses novos temores, socialmente construídos,
apontam para situações que se evidenciam a partir da vivência grupai, que mudam de
acordo com o contexto em que as pessoas estiverem inseridas e que são responsáveis
pelo nascimento de comportamentos antes inexistentes.
Os reforçadores sociais e os reforçadores pessoais estão ligados a tais medos.
O medo aqui ó o da possível perda de tais reforços ou dos agentes de reforçamento social.
Afinal, estes dependem da relação com o outro.

2.1 Aprovação social

Segundo Zeldin (1999, p. 160), as razões para os povos, em todos os tempos e


lugares, seguirem as regras sociais e adotarem esse ou aquele padrão de comportamento
ó a aprovação do 'outro'.
Uma parcela cada vez maior de pessoas se preocupa com o que os outros pen­
sam delas [.. ] como cada ato, a cada dia, será criticado e julgado tanto por aqueles que
as conhecem quanto pelo que as ignoram.
Ao longo da entrevista feita com M. L., a perda da aprovação social é algo que se
apresenta, recorrentemente, como uma ameaça á tranqüilidade da entrevistada, situação
que se evidencia, explícita ou implicitamente, em seu relato.
Já na década de 1950, em sua mocidade, essa condição se colocava em relação
aos mores sociais impostos às moças solteiras de 'boa' familia, quando se evidenciavam
alguns temores sobre a aprovação alheia:
Naquele tempo a gente tinha tanto medo dos outros, a gente vivia sempre em
função do que o outro pensava, do que eles observavam, do que eles criticavam. Não dava
para dar 'mau passo’.
Essa frase expressa um sentimento sobre o 'bem' agir em sociedade, na sua
mocidade, década de 1950. Os papéis sociais eram bem definidos e aceitos como "natu­
rais". O ‘olhar’ externo garantia isso. Máximas de comportamento moral dizendo o que a

136 Maril/a Me*tre


sociedade esperava das relações entre homens e mulheres eram escritas e permitiam o
controle da sociabilidade. Ao atender à expectativa do ‘outro', a aquilo que a sociedade
esperava do comportamento feminino e masculino, e ao corresponder à demanda social,
os indivíduos garantiam a aprovação do grupo e sua inclusão nele.
Para Delumeau (1996, p. 59) e para Zeldin (2000), o medo do desconhecido, que
é o principal dos temores existenciais, produz a aprovação do outro, que por sua vez
produz o medo do 'conhecido’, do julgamento alheio. O distante, a novidade e a alterídade
provocam medo. Mas temia-se do mesmo modo o próximo, o vizinho.
L. ó contemporânea de M.L. e, tal como esta, sofreu a mesma pressão social
sobre o que os outros diriam dela caso desse "liberdades" aos namorados. Mas, esse
receio ultrapassou o tempo e permaneceu com L. de forma generalizada, impedindo-a de
se casar ou de ter relações sexuais. Ela relata que "felizmente" mudou o modo de as
mães educarem as filhas.
"...eu fui criada apavorada. Não precisava ter aquele medo todo. Minha cunhada
dá à filha mais liberdade que minha mâe deu para nós ou que minha irmã deu para minha
sobrinha C. Hoje em dia já nôo é mais assim... Naquele tempo não, te apontariam... tinha
uma moça falada e ela casou, no fim eu nõo me casei... já tive propostas, até bem
recentes, mas... tenho medo, você sabe, daquelas coisas...”
Seu receio permanece, a expressão “daquelas coisas" refere-se a sexo. Quando
se perguntou a ela do que se tratava, explicitamente confirmou ter medo de relações
sexuais. O medo, emoção irracional, difere de seus conceitos racionais paras as sobri­
nhas, as quais ela incentiva a terem vida própria. No entanto, sua vida afetiva ficou podada.
M., com 20 anos menos que as duas, relatou uma educação nos mesmos pa­
drões. Relembrando sua adolescência, diz que:
“... drogas, nem sabia que existiam. Rapaz perigoso para nós, era aquele que
usava cabelo comprido e bebia cuba-libre. [...] a gente nem ia para a frente de uma
intimidade que este rapaz quisesse ter com a gente. [...] fui ver um órgôo genital mascu­
lino na minha noite de núpcias. [...] eu achava, anos depois, que faltava algo nas rela­
ções, mas não me atrevia a questionar...”
O medo do que o marido fosse pensar (que ela não era sôria) afastava sua vontade
de descobrir-se e ao seu potencial de pessoa.
Se houve alguma evolução cultural quanto à repressão sexual feminina, J. em seu
relato, conta que isso ocorria lentamente. Na década de 1980, ainda casou virgem porque:
“o namoro era dentro de casa... a gente não gostava de contrariar, desrespeitar o
pai... tinha aquele preconceito do medo. Já pensou se ele descobrisse? Se ele pegasse?n
O medo da desaprovação paterna controlava seu comportamento de permanecer
virgem, mas não como L. ou M.L., que realmente nada faziam (nem mesmo beijo) e
mesmo M. (que já dava beijos e passava a mão por sobre a roupa); J. já era mais liberada,
pois ela relata que já faziam "algumas coisinhas". Perguntado sobre que coisinhas eram
essas, respondeu, rindo e corando, que já não era tão virgem assim, mas sem ... ‘tudo’.
C., da mesma idade que J., relatou outra realidade. Sua educação já permitia vida
sexual com o namorado. O uso de anticoncepcionais fazia parte do repertório daquela

Sobre Comportamento e Cognlçào 137


adolescente, mas até hoje mantém isso fora da casa materna, onde ainda vive. Quanto a
isso, conta a que, como ela comprou um apartamento e logo irá se mudar, o pai lhe pede
para não levar rapazes até lá e muito menos que ela dê a chave para namorado. Quer
dizer, apesar de sua independência financeira, ainda aparenta obedecer regras que já não
têm significado para sua geração.
O 'outro' acompanha a trajetória da vida das pessoas; cada vez mais cedo esta
consciência do outro passa a conviver com os indivíduos.
Nos tempos atuais, a aprovação do outro continua sendo importante, conforme
afirma Zeldin (2000, p. 160):
M... criar uma falsa impressão ô o pesadelo moderno. A reputação ó o purgatório
moderno. Quanto mais democrática for uma sociedade, mais reputação ela requere mais
medo da critica de outras pessoas, pormenor que seja, se torna obsessivo”.

2. 2 O medo do Fracasso

A fala de M.L. apresenta ainda uma nítida diferença entre os papéis femininos
impostos pela sociedade às mulheres casadas e solteiras. Enquanto moça solteira (déca­
das de 1940/50), morava com os pais e suas atribuições de cuidados da casa eram
poucos; ao casar percebeu-se responsável por inúmeras atividades, para as quais não se
sentia preparada e que ela mesma se cobrava porque acreditava que era seu dever fazê-
las e, adequadamente. Não corresponder a esses papéis seria, a seu ver, fracassar:
Ah! Faz muita falta a mãe. Ainda mais eu, que minha mãe sempre teve emprega­
da, eu não fazia nada e agora tinha que fazer tudo. De repente ter que assumir uma casa.
Antigamente era a gente que tinha que assumir. [...] não foi fácil! às vezes errava tudo,
queimava. Meu Deus, como a gente se batia.
Era isso que era esperado dela; esse era seu trabalho e não poderia fracassar.
Uma prática social, recentemente instituída, o exame vestibular, como forma de
passaporte para a vida profissional, é ocasião em que os que fracassam ficam de fora.
Para M.L., a prova de competência que lhe conferia direito ao mundo adulto era cuidar
com perfeição da casa (década de 1950). Para seus filhos, essa prova de competência
seria passar no vestibular (década de 1980):
"Fiquei nervosa [...] A gente quer que eles passem, tenham êxito. Parece que
quando eles passam a alegria é para eles e para a gente. Até para a gente é mais,
sabendo que eles vão vencer, vão ser... e eles passaram... a menina já era casada
quando fez o vestibular, terminou já com filhos. [...] passou no primeiro lugar. O menino
não... No ano seguinte ele passou em três faculdades...”
O nervosismo ante a prova a que os filhos iriam ser submetidos aparece como medida
de competência, não só deles, mas também dela, e da educação que lhes dera perante à
comunidade. E ao passarem, conferiam, também a ela, uma vitória pessoal. O ter passado no
primeiro vestibular, e em primeiro lugar, faz diferença no reconhecimento do 'outro'.
J. ao encerrar a entrevista despediu-se dizendo:

138 Marilz«i M e itre


“Puxa. Quando N. pediu para eu falar com você eu fiquei muito nervosa, uma
doutora, o que ela vai querer saber, será que vou saber responder? Minhas mãos ainda
estão geladas. Agora passou, da minha vida eu sei falar. *
A preocupação de J., seu medo era se confrontar com ‘uma doutora’, ela uma
‘pobre’ diarista, como se comportaria? O que sua empregadora (N.) pensaria dela? Estaria
à altura do convite?
Ao obterem sucesso, os seres sâo aprovados por seus pares, adquirem o direito
a uma filiação que lhes dá segurança. Duby (1998) diz que, ao pertencer a grupos, ao ser
escolhido por outros, a solidão, uma grande inimiga do homem, é afastada.

2. 3 O fantasma da solidão:

Ainda é Duby quem diz:... a solidáo que acompanha a miséria de hoje era desconhe­
cida dos nossos ancestrais dos anos mil (1998, p. 38). A diferença entre as sociedades do
milênio 1000 e o 2000, é que, na Idade Média, o homem se apresentava como um ser social
e solidário, confiante no seus “pares". Agora está solitário, desconfiado de tudo, de todos.
Uma afirmação de M.L. tem a ver com o pensamento de Duby, para quem a
sociedade, ao se preocupar com o bem-estar de seus membros adquire segurança, além
de conforto.
"[...] Acho que cada um está cuidando de sua vida e ainda assim nâo dá conta.
Feiiz de quem tem algo para se preocupar, tem gente que nâo tem nem família."
Na opinião de M.L. é feliz quem tem família, isto é, essa é quem se preocupa,
quem cuida, é o olhar do outro voltado para o indivíduo, protegendo. Porém, como diz
Zeldin (1999), ao resolver o problema existencial do desconhecido, vivendo em comunida­
de, o homem criou outro perigo, a ameaça de perder o que é “conhecido". Perdê-lo, ficar
só, pode ser algo que tire a tranqüilidade e ocasione ansiedade.
A sensação de estar sozinha aparece de modo implícito no relato de como L.
encara o ficar só. Ela diz não suportar isso e quando se vê obrigada a ficar pouco tempo
em casa sem ninguém (mora com a irmã casada), liga rádio e TV.
Não que me dá depressão, dá medo de ficar só. Eu ligo para alguém e tenho que
conversar com as pessoas.
C., a jovem atleta, acredita que os homens (sexo masculino) não conseguem ficar
sós, mas que também não conseguem se entregar em relações e isto as inviabiliza. Diz:
"sou uma pessoa que se eu achar alguém assim com um perfil da vida que eu
gosto... a pessoa também tem que querer ficar comigo... Mas eu tenho muitos amigos,
nâo ficarei sozinha."
Parece ter se resolvido, no que diz respeito a casar e ter um par, mas não abre
mão dos amigos. Ao contrário de M., que ainda deseja encontrar este par. Não quer mais
se casar, porém almeja alguém para sua companhia.
“o lado mulher só aparece ao lado de um homem. E o que eu faço comigo
mesma?"

Sobre Com portei mento e Cofinlçflo 139


É de se presumir que, como diz Delumeau (1996), os medos sofram transforma­
ções contextuais. Uma mesma pessoa ao (ongo de sua trajetória de vida temerá situações
diferentes, ou por ter adquirido repertório para lidar com o perigo, ou porque esse deixou de
ser o inimigo. O casamento, por exemplo, para uma jovem da década de 1950 era algo a ser
mantido a todo custo. Na geração jovem de 1970já podia ser rompido, com custos. Para a
jovem de 1990, não precisa existir, pois a sociedade pouco vai cobrar por isto.
O 'outro' perdeu a capacidade de controlar o comportamento social e o perigo é
justamente o estar só, a ausência do olhar do outro, M. L. traz uma fala que explicita o que
Duby (2000) apontava.
“A gente nâo tinha essa preocupação quando os filhos da gente saiam. [...] a
gente nâo ficava até tâo tarde na rua. Meus netos sâo comportados, mas preocupa saber
que estão na rua. [...]“
A ausência do controlador social, capaz de impor regras de sociabilidade, fez
com que a violência urbana tomasse posse do real e invadisse o imaginário, aterrorizando
os humanos deste milênio.

2.4. Medo da violência

O 'outro' qje cerceava a liberdade, do qual se dependia para obter aprovação e o


afeto que pouparia da solidão, é agora aquele que exerce coerção, sedição e violência. É
fonte de novos medos.
M. L. teme também a violência, como algo imprevisível e assustador, e diz que
antes, quando era jovem, a violência não era assim. Fala da sua vida atual, dela como
mãe de filhos adultos e como avó:
"[..] a gente nâo tinha essa preocupação quando os filhos da gente saiam. Tem
que rezar para que eles cheguem em casa, logo e bem, eu fico toda noite rezando pelos
meus netos.[..Jaté filho homem preocupa agora. Lógico. Como preocupa... (silêncio) por
causa das drogas, nâo é?"
Ela teme as drogas, essa coisa desconhecida de sua realidade, mas que pode
ser responsável pela destruição da vida de seus familiares.
Os medo! que assombram aos seres humanos são amenizados no encontro do
homem com o outro homem; ao viver em grupo, o homem se protegeu da própria morte,
da perda que a morte dos seres amados significaria e do desconhecido que esses fatos
trariam. Mas... aumentou a possibilidade de outras transformações. Viver em grupo, em
sociedade, solucionou alguns medos e criou outros, desta vez construídos pela relação
social:
“Quando as pessoas olharam além de seus arredores familiares, quando apren­
deram a fere a viajar, descobriram que mu/tos indivíduos estranhos compartilhavam suas
emoções e interesses. [...] hoje, a esperança se sustenta acima de tudo, pela perspectiva
do encontro com pessoas novas (ZeIdin, 1999, p. 122)".
As pessoas, ao perceberem de que havia partilha de emoções e crenças, torna­
ram o desconhecido conhecido, e foi exatamente aí que novos medos surgiram.

140 M a ril/d M e *trr


C. relata seus cuidados em relação aos seus pais morarem em uma casa e o
desejo de vendê-la. Já foram assaltados e hoje a casa está protegida por companhia de
segurança especial. No entanto, como atleta que é, já treinou 'saldas' alternativas para o
caso de ladrões voltarem a entrar na casa, evidenciando que este medo está presente.
"... já me levaram o carro,... [...] se acontecer alguma coisa de alguém entrar, eu
pulo a sacada, que eu já testei ali, que pulo bem, não me quebro, e saio correndo. "
J. também tece considerações sobre a segurança que ela usufruiu na sua juven­
tude no interior e na violência que impede seus filhos de saírem de casa e até de nela
permanecerem. Seu próprio filho, de 16 anos, percebe a limitação que a violência atual
impõe às pessoas.
"... ele mesmo fala que lá ele tinha liberdade, podia sair, brincar com os cole­
gas... ele saia com os colegas e eu não me preocupava... tudo ô diferente em Curitiba,
tem que ter alguém olhando [...] a insegurança que você tem aqui. "
Pode se perceber pelos relatos que os medos sociais ou são próprios de uma
cultura específica ou próprios da história de cada um de nós. Mas, mesmo quando se
trata dos ditos medos naturais, estes se apresentam diferenciados para cada ser huma­
no. Na fala das depoentes, vemos que:
Para M.L. o grande medo, no momento da entrevista, era com respeito a sua
saúde (tem artrose, que a invalida) e com a violência a que seus netos estão sujeitos.
L. se preocupa com sua saúde, acabara de fazer cirurgia cardíaca e achava que
não ia durar muito.
I. teme pelos pobres animais de rua, cães e gatos sem dono e que ela abriga no
seu quintal, quando os donos os "esquecem" na sua clínica.
M. sofre pelo medo do futuro, profissional e sozinha, sem um companheiro.
C. do mesmo modo que M. teme a solidão sem um companheiro, embora sinta-
se garantida no lado econômico-financeiro, pois preveniu-se quanto ao futuro.
J. treme por ter que deixar os filhos sozinhos para poder trabalhar. Seu horror ó
pensar que os filhos possam sofrer.

Considerações Finais

Investigar as emoções que acompanham as relações sociais entre os humanos


pode fornecer ao psicólogo ‘pistas’ das contingências que controlam seus comportamen­
tos; o medo das pessoas relata quais seus reforçadores e conhecê-los possibilita não só
facilidade na execução da análise funcional como da construção do plano terapêutico.
Os medos existenciais (os permanentes) embora partilhados por todos os huma­
nos, sofrem influência da inserção social daquele que os possuem e se transformam
durante a trajetória de vida das pessoas.
Ao se agruparem, os homens construíram barreiras à possibilidade de perecer;
enquanto associados, os homens conseguiram superar perigos que sozinhos não teriam
superado. Skinner (1984) explicou o surgimento dos reforçadores sociais como produto
da cultura e os pessoais como fruto das contingências de vida.

Sobre Comportamento e Cognição 141


Referências
Banaco, R. A. (1999, July/December). O acesso a eventos encobertos na prática clínica: um fim
ou um meio? Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva, 7(2).

Bowby, J. (1998). Apego e Perda: Separação - angústia e raiva, v. 2.Sáo Pauío: Martins Fontes.

Bussab, V.S.R., & Ribeiro, F. L. (1998). Biologicamente cultural. In L. de Souza e colegas (Orgs.),
Psicologia, reflexões (im)pertinentes. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Delumeau, J. (1996). História do Medo no Ocidente: 1300-1800. Uma cidade sitiada. São Paulo:
Companhia das Letras.

DSM-IV. (1994). Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais.

Duby, G. (1998). Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos. São Paulo: UNESP.

Mestre, M. (1991). Etologia - O que é isso? Jornal do Conselho de Psicologia, 52, 6-7.
Curitiba: CRP 08, Ano X.

Mestre, M. (2002, January/December). Medo e memória: emoção e sociabilidade do final do


século XX (1950-2000). Interação, 4. Revista do departamento de Psicologia da UFPR. Curitiba:
Departamento de Psicologia da UFPR.

Millenson, J. R. (1975). Princípios de análise do comportamento. Brasília: Coordenada.

Sartre, J. (1977). Entre quatro paredes. São Paulo: Abril Cultural.

Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise do comportamento. São Paulo: Cultrlx.

Skinner, B. F. (1984). Selection by consequences. Behavioral and brain sciences (pp. 477-510).
Cambridge, USA: University Press.

Skinner, B. F. (1980). O comportamento verbal. São Paulo: Cultrix

Skinner, B. F. (1978). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Cultrix

Zeldin, T. (1999 ). História Intima da Humanidade. Rio de Janeiro: Record.

142 M a rfl/a M e itr«


Capítulo 14
A participação da família no atendimento
individual de casos graves: recurso para
prevenir e enfrentar conflitos?
Verj Regina Lignelli Otcro

Considera-se caso grave quando uma pessoa tem algum grau de limitação no seu
repertório comportamental, seja permanente ou transitório, que a impede de ser totalmen­
te autónoma. Estas pessoas mostram evidentes dificuldades para tomar decisões sobre
suas próprias vidas assim como para envolver-se em situações e/ou atividades que as
ajudariam no enfrentamento de seus problemas. Apresentam dóficits, especialmente nos
repertórios de comportamentos de autocuidados e autoproteção. Elas acabam prejudi­
cando sua própria qualidade de vida e a de suas famílias.
Para fins didáticos, pode-se classificar estes casos em dois grandes grupos de
pessoas: a) as que tôm um repertório comportamental que compromete “só” a qualidade
de vida, tais como os portadores de Transtorno Obssessivo Compulsivo, da Síndrome de
Gille de la Tourette, Transtorno do Pânico, Fobia Social etc; b) os que tôm um repertório
comportamental que compromete a sua própria qualidade de vida e a de sua família e,
alóm disso, põem em risco sua vida pessoal e de outros, tais como os clientes que
apresentam Depressão severa, Alcoolismo, Transtornos de Personalidade etc.
Obviamente, não ó possível afirmar com segurança que pessoas incluídas em
qualquer um destes dois grupos não possam ser colocadas no outro.
Quando iniciam seus atendimentos psicoterápicos, na grande maioria das vezes,
todos os membros da família estão desgastados, desorientados, extremamente sofridos
e bastante envolvidos no e com o problema. Embora busquem ajuda para a pessoa em si,
ó importante criar condições para que a família entenda que “as mudanças (do comporta­
mento do cliente em si e do relacionamento entre eles) dependem de alterações con­
sistentes, continuas e permanentes das relações familiares”, conforme afirmam
Guedes e Banaco, 2002.

' Ointe» ORTEC - Klbot/flo Prrto - SP

Sobre Comportamento e Cognl(<lo 143


A experiência clínica revela que, quando a participação da família nestes atendi­
mentos é limitada ou mesmo inexistente, encontra-se mais dificuldade na condução do
caso, dado que muitas das variáveis mantenedoras dos comportamentos inadequados do
cliente continuarão presentes em seu ambiente natural.
Desta maneira, quando se trabalha com pessoas como as acima descritas, é
essencial que a família participe do atendimento, de forma individual ou coletiva. As
peculiaridades de cada caso determinarão a freqüência dos contatos e quais membros
deverão ou poderão estar presentes em cada sessão familiar, com ou sem a presença do
cliente. Vale a pena salientar que a participação dos familiares deve ser solicitada mas
não pode ser exigida.
Para se efetuar este trabalho deve-se considerar, dentre outros, os seguintes
objetivos gerais:

1.1 Informações e treinamentos

a) fornecer a maior quantidade de informação disponível sobre os problemas apresenta­


dos pelo cliente;
b) ajudar a entender o que se passa com a pessoa e com cada membro da família;
c) informar, constantemente sobre o andamento do atendimento e a condição do cliente;
d) ensinar a observar e a relatar comportamentos, próprios e de outros;
e) identificar excessos e déficits comportamentais de cada um deles e do cliente;
f) ensinar princípios de aprendizagem e de controle de comportamento, enfatizando como
cada familiar interfere na condição apresentada facilitando ou dificultando mudanças;
g) identificar regras e auto-regras que controlam os comportamentos do cliente e da família;
h) ensinar a fazer análises funcionais;
i) aplicar os conceitos aprendidos nos relatos apresentados;
j) ajudar a mudar o foco da atenção, da topografia para a função dos comportamentos de
cada um deles;
k) discutir conceitos como saúde e doença, história de aprendizagem e possibilidade de
escolha da condição de vida de cada um;
I) estabelecer metas de participação e mudança de atitude, parcerias e procedimentos
necessários para atingi-las;
m) ajudar cada familiar a descobrir o que pode fazer pessoalmente para o melhor anda­
mento do caso;
n) lidar com as expectativas relativas ao atendimento;

1.2 Desenvolvimento de habilidades pessoais

a) ensinar a ouvir antes de julgar;

144 Vera Regina l.ignelli Otero


b) identificar os próprios limites pessoais e os dos outros;
c) identificar os próprios sentimentos e os dos outros;
d) fortalecer ou instalar atitudes de tolerância e aceitação;
e) discutir valores de vida tais como: respeito, consideração, compreensão, solidarieda­
de, possibilidade de escolhas pessoais, etc.

Deve-se sempre considerar que ó bastante difícil conviver constantemente, dentro


da própria casa, com pessoas que apresentam extremas limitações em seus repertórios
comportamentais. O grau de dificuldade e comprometimento apresentados nas relações
interpessoais que ocorrem entre os membros da família e o cliente são variáveis extrema­
mente poderosas na manutenção dos comportamentos indesejáveis de todos. Levados
pela falta de informação sobre os problemas e pelas dificuldades específicas de uma
convivência de tal ordem, familiares vivem e relatam uma alternância de sentimentos e de
atitudes. Classificam o comportamento do cliente como fraqueza, malandragem ou doen­
ça; ridicularizam-no, se revoltam por se verem expostos àquela convivência desagradável
e o punem de algum modo. Acolhem a pessoa que apresenta a dificuldade quase sempre
de maneira inadequada, instalando e reforçando formas de relacionamento indesejáveis.
Muitas vezes, se autopunem ou culpam por tais atitudes. Vivem as típicas situa­
ções de “ora bater, ora alisar; empurrar com uma mão e puxar com a outra".
Guardadas as especificidades de cada caso o atendimento de familiares destas
pessoas, com ou sem risco evidente de vida, deve considerar aspectos que podem facili­
tar ou dificultar a condução do mesmo.

1) O que pode facilitar o atendimento:


a) entender e aceitar, como ponto de partida, as atitudes, as maneiras de compreender a
situação, as afirmações de cada um deles sobre o caso;
b) identificar e lidar com as regras que cada membro da família estabeleceu, sobre os
próprios comportamentos e os do cliente;
c) identificar e lidar com os sentimentos apresentados por cada um: revolta, braveza,
culpa, intolerância, agressão, verbal ou física, etc;
d) discutir formas de controle de comportamento;
e) envolvê-los no atendimento valorizando a participação topografia, função, regras, auto-
regras, etc;de todos;
f) características pessoais dos familiares;
g) existência de vínculo afetivo sólido entre o cliente e algum dos familiares.

2) O que pode dificultar o atendimento:


a) experiências terapêuticas anteriores sem sucesso;

Sobre Comportamento e Cognição 145


b) existência de pessoas na família que apresentam os mesmos problemas ou similares,
já submetidas a tentativas mal sucedidas de tratamento;
c) outros familiares com os mesmos problemas ou similares, mesmo não tendo passado
por atendimento;
d) quantidade de solicitações do cliente decorrentes diretamente ou não das queixas:
tentativas de envolver familiares em rituais (TOC) ou dependência de alguém para rea­
lizar alguma atividade (Fobia Social);
e) interações do cliente com seus familiares, atribuindo-lhes maldade em seus comporta­
mentos, repetindo afirmações fantasiosas já esclarecidas ou irreais;
0 recorrentes ameaças ou tentativas de suicídio;
g) grau de exclusão ou auto-exclusão do cliente na vida familiar;
h) não envolvimento da pessoa em atividades;
i) negativismo do cliente ou dos familiares com respeito à ajuda terapêutica;
j) tempo de ocorrência e gravidade das queixas; determinam diretamente o grau de
suportabilidade dos familiares;
k) características individuais dos familiares: pessoas autocentradas, intolerantes, egoís­
tas, “donas da verdade";
I) tempo de ocorrência do problema.

Além dos objetivos apontados anteriormente busca-se ampliar os repertórios de


comportamentos relevantes dos familiares. Tenta-se aprimorar a qualidade das suas rela­
ções aumentando a freqüência dos relacionamentos desejados ao lado da diminuição das
interações que as agravam.
É também de fundamental importância, ensinar familiares a discriminar e identifi­
car topografias específicas de comportamentos de risco tais como:

1) falta de expressão facial;


2) tristeza no olhar;
3) isolamento significativo de familiares e amigos;
4) falas repetidas sobre morte;
5) uso abusivo de áícool;
6) solicitação do aumento da dosagem dos remédios;
7) acumulação de remédios;
8) verbalizações sobre planejamento ou tentativas de atos suicidas;
9) atitudes negativistas repetitivas.

146 Vera Regind l.ignelll Otero


Quando os familiares aprendem a ficar atentos a estes indícios sentem-se alivia­
dos. A não ocorrência destes comportamentos por parte do cliente, permite às pessoas
próximas viver em um estado de relaxamento maior. Vale a pena enfatizar que eles tam­
bém devem ser treinados a observar comportamentos dissimulados do cliente. Fases de
muita “calmaria" podem indicar uma melhora real ou a "conquista de uma situação de
liberdade” que permitiria ao paciente potencialmente suicida planejar e executar algum ato
contra a própria vida.
A “qualidade" da participação dos familiares no atendimento, como afirmado ante­
riormente, depende diretamente de muitas circunstâncias e variáveis. Dentre elas, a exis­
tência ou não de conflitos interpessoais familiares, que nos coloca basicamente diante de
duas grandes possibilidades:

1) Ausência de conflitos

Quando não existem conflitos a intervenção do terapeuta junto aos familiares ó


facilitada.
Verifica-se que eles se envolvem mais facilmente em todo o processo, aceitam
encaminhamentos para grupos de apoio, se interessam por informações sobre o problema
do paciente e buscam orientação para ajudá-lo a enfrentar o problema. Tentam estabele­
cer relações entre suas atitudes pessoais e as queixas apresentadas pelo cliente.
Famílias sem conflitos significativos geralmente apresentam grande ligação afetiva
entre seus membros ao lado de valores e atitudes de vida facilitadoras para a psicoterapia.
Eles mostram também grande motivação e interesse pelo tratamento. Nestes casos o
atendimento familiar ajuda a prevenir possíveis conflitos.

2) Ocorrência de conflitos

Quando já existem conflitos intrafamília a intervenção é, obviamente, mais difícil


dado que seus membros não apresentam motivação alguma para o atendimento.
Geralmente, trata-se de famílias cujos pacientes vivem o problema há muito tem­
po, tendo passado ou não por tentativas anteriores de atendimento. Também se verifica
que seus membros têm valores de vida e atitudes pessoais dificultadoras.
Eles resistem a colaborar com o atendimento ou mesmo a participar de grupos de
apoio a familiares. Não se interessam por informações sobre os problemas de seu familiar.
Competem com o terapeuta sobre quem sabe mais sobre o caso, e na maioria das vezes
acusam-no de não saber exatamente a extensão da dificuldade da convivência com a
pessoa. Têm padrões de comportamento fortemente acentuados de critica, agressão,
arrogância, desconsideração. Suas interações agravam e mantém atitudes indesejáveis
apresentadas pelo cliente e alimentam mutuamente o conflito familiar. Nestes casos a
intervenção visa administrar os conflitos já existentes evitando seu agravamento, e se
possível minimizando-o.

Sobre Comportamento e Coflnlçâo 147


Concluindo, a participação da família no atendimento de pessoas que apresentam
graves comprometimentos em seus repertórios comportamentais é desejável e necessá­
ria, seja para prevenir ou para administrarconflitos familiares. O enfrentamento ou mesmo
a superação do problema apresentado pelo cliente depende diretamente desta participa­
ção, que por sua vez poderá beneficiar a todos os membros da família.

Referência
Guedes, M. L, & Banaco, R. A. (2002). Benefícios trazidos pela participação da família no Grupo
de Apoio. In D. R. Zamignani & Labate, M. C. (Orgs.), A vida em outras cores - Superando o
Transtorno Obsessivo-Compulsivo e a Slndrome de Tourette (pp.111-115). Santo Andró: ESETec
Editores Associados.

148 Vera Regina Lignelli Otero


Capítulo 15
Algumas prclcçõcs sobre a
sexualidade humana contemporânea
Cristina DiBenedctto1

Esta apresentação será iniciada com uma frase que soa, a princípio, aparente­
mente óbvia: "Sexo para muita gente nunca foi tão bom" (Oyama, 2002). De acordo com
a autora, desde que o tema deixou o confinamento da alcova para virar assunto de consul­
tórios módicos e de programas de TV, uma legião de insatisfeitos sentiu-se encorajada a
partir em busca de solução para seus males, antes secretamente remoídos. Atualmente
não há necessidade de se esconder opiniões sobre nossa sexualidade ou sexualidade
alheia. Ao contrário, o tema vem sendo maciçamente debatido e divulgado - nem sempre
de forma satisfatória, a ponto de presenciarmos (sem ainda sabermos direito como nos
comportar diante do fato) crianças sendo expostas a sexualização precoce. Outros para­
doxos da pós-modernidade com relação á sexualidade dizem respeito à inversão das
exigências com relação às mulheres: da repressão generalizada à tirania da imposição da
mulher multiorgástica.
Tal realidade nem sempre se apresentou assim. A sexualidade não era vista de
forma liberal como exposto acima, e esta não ó nenhuma descoberta do ovo de Colombo
para nós psicólogos. Sexo, nos últimos séculos, foi encarado como um tabu.
A Psicanálise de Freud (uma das mais divulgadas e discutidas posições teóricas
dentro da Psicologia do século XX) já nos idos tempos da rigidez vitoriana contribuiu para
modificar estes pressupostos, por defender que muitos distúrbios emocionais e prejuízos
psíquicos eram causados pela repressão da sexualidade.
Freud ousou inovar conceitos e desafiar estigmas sexuais em época tão
desestimuladora. Fazendo assim, contribuiu de forma abrangente para o desenvolvimento
de estudos e análises da sexualidade no mundo ocidental.

1Palcótoga Clinica, Maatra am Pitoulogia 8odal • da PafaonaIWada. Docanta • Suparvlaora da EatAgIo am Palcotoola Clinica a Aconaathanwnto Psico­
lógico, not curto» da Palcologla UNIPAR / PR a CESUMARI PR.

Sobre Comportamento e CogniçAo 149


Viver harmoniosamente a sexualidade representa, sem dúvida, um dos pilares de
maior importância para o desenvolvimento positivo da saúde psíquica de uma pessoa
(Kaplan, 1977; Foucault 1985; Rangé e Conceição, 1998; Reich, 1935/1985). A sexualida­
de propicia a integração da identidade individual, o que nos auxilia enormemente quando
vamos nos relacionar com nossos parceiros de forma mais franca, honesta, afetiva. Além
do mais, é um reforçador primário, sendo, portanto, uma fonte de prazer inestimável.
Tais premissas foram ignoradas durante muitos séculos. Não é propósito deste
artigo fazer a revisão histórica completa da trajetória da sexualidade, mas durante muito
tempo, na civilização ocidental, sexo servia (ou deveria servir, segundo regras ditadas pela
comunidade sócio-verbal) apenas à função de perpetuar a espécie humana na Terra. Pen­
sar e viver o sexo fora destes moldes condenava as pessoas em muitos âmbitos: espiritu­
al, pessoal, cultural.
Quando, em 1928, Wilhelm Reich fundou uma associação de educação sexual
em Viena, sofreu uma pressão tão violenta que teve que buscar o exííio na Alemanha para
evitar retaliações e ameaças. Reich (1938/1985) destacava que era inadmissível, à época,
que os pais tolerassem jogos genitais infantis, muito menos que considerassem
exteriorizações de um desenvolvimento natural e sadio no que diz respeito à afetividade.
"A simples idéia de que os jovens satisfizessem sua necessidade de amor num abraço
natural era horrenda" (p. 13). Ele afirmava que na sua luta para defender os direitos sexu­
ais infantis e juvenis, encontrava opositores que em outros campos se combatiam com
ódio mútuo: membros de Igrejas de todas as confissões, socialistas, comunistas, psicó­
logos, médicos, psicanalistas etc.
Masters e Johnson (1979), que estudaram a sexualidade e a homossexualidade
humanas de forma pioneira, já informavam que é comum a associação entre a sexualida­
de e a noção de vergonha. Pudendo vem do latim pudere (envergonhar-se). Quem tem
pudor é decente, honesto, casto, envergonhado. Estes autores informam também que
publicações científicas do século XIX mostravam as noivas como tendo horror ao pensa­
mento de atividades sexuais pré-maritais, bem como de obter gratificação sexuaJ. Apare­
cem nessas situações, novamente as regras culturais influenciando a subjetividade, o
certo e o errado.
A partir do desenvolvimento da Psicanálise, dos estudos de Reich, Kinsey, das
pesquisas pioneiras de Masters e Johnson, Kaplan, Foucault, além de estudos sobre
sexualidade nas mais variadas áreas: biológicas, antropológicas e etológícas (Ramadam
e Abdo, 2001) o sexo deixou de ser proibido para ser assunto extensamente veiculado.
As mudanças no contexto histórico e científico que propiciaram modificações no
enfoque da sexualidade geraram aspectos positivos e negativos, que ainda hoje se refle­
tem na subjetividade humana repercutindo nos problemas que nós, psicólogos, temos que
lidar em nossos consultórios, tanto com casais como com pessoas buscando sua identi­
dade sexual diante de muitas ambivalências.
Observam-se importantes mudanças positivas com a liberação sexual: os meni­
nos expressam, hoje em dia, muito mais os seus sentimentos, deixando transparecer
fragilidade. Isto era diferente nas décadas de 50,60 ou 70. Nas disputas físicas as meninas
também estão presentes. As manifestações da sexualidade estão se transformando, bem
como os papéis sociais e a atividade profissional. Os homens e mulheres não têm que

150 Criitina l>i Benedetto


cumprir papéis sociais e sexuais definidos e estagnados como nas décadas passadas.
Novas formas de expressão estão se desenvolvendo e facilitando os relacionamentos
humanos. Em tese, cada pessoa pode fazer suas opções sexuais baseadas em seus
próprios princípios, valores e preferências. As atividades sexuais solitárias são mais aceitas
e tidas como normais. A masturbação, hoje, se apresenta como uma das formas livres de
expressão da sexualidade; é vista como uma possibilidade de expressão dos sentimentos.
Nos tempos de nossos pais e avós era razão de muito mais culpa que agora nos finais do
século XX e primórdios do século XXI. Desde o século XVII, até ainda o século passado,
foram escritos livros que relacionavam muitas doenças à masturbação, inclusive a loucura
e a morte.
Porém, hoje na era pós-Freud, pós-Revolução de Costumes, pós-Viagra ainda
temos muitos desafios a superar. Não obstante todo esse desenvolvimento, a sexualidade
sob muitos aspectos, ainda mantém uma aura de mistério. Fala-se mais livremente sobre
sexo atualmente, mas muitas pessoas não conseguem conversar sobre aspectos íntimos
com quem reparte o seu leito.
Assiste-se a um aumento considerável de informações e treinamento educativo
para se falar da sexualidade. Mas será que estamos acompanhando este progresso no
momento de viver e experienciar nossa sexualidade na prática? Houve uma extrema abertura
no que diz respeito à permissão de transmissão de informação sobre a sexualidade, no
sentido de se permitir uma maior educação sexual, mas vive-se ainda uma realidade de
extrema dificuldade na vivência afetiva da sexualidade. Metaforicamente pode-se dizer que
em muitos aspectos ainda não se saiu da era vitoriana no que diz respeito às sensações
afetivas ligadas à sexualidade.
Neste contexto, é de extrema importância o trabalho da psicoterapia comportamental,
uma vez que pode vir a ajudar a compreender melhor as disfunções e possibilitar alternativas
saudáveis de mudanças, enfocando os fatores afetivos, cognitivos e comportamentais
(Rangé e Conceição, 1998). Psicoterapia sexual corresponde ao binômio: treinamento e
informação - amor e confiança. O progresso no conhecimento da sexualidade humana
redundou na transposição deste conhecimento para a iniciativa de novos métodos no
tratamento de problemas sexuais (Kaplan, 1977). A psicoterapia propícia a integração da
vivência emocional da sexualidade, aliada ao aumento da informação, mas de forma que
esteja de acordo com a individualidade de cada um. Assim, quando em psicoterapia se
realiza a formulação sobre o problema e se preconiza uma intervenção, deve-se sempre
fazê-lo de formáindividualizada, adequando as avaliações e planejamento terapêutico aos
problemas específicos de cada cliente levando em conta sua história de vida (Rangé e
Conceição, 1998).

A resposta sexual humana

Devido à sua complexidade, independentemente do contexto histórico e social


que determinam as regras sexuais deve-se sempre considerar a sexualidade humana sob
um ângulo psicofisiológico.
A resposta sexual humana, quando analisada de um ponto de vista orgânico, tem
um padrão, e é uma sucessão altamente racional e ordenada de ocorrências fisiológicas.

Sobre Comportamento e Cognição 151


O corpo passa por transformações químicas e fisiológicas ao preparar-se para o
coito. As transformações nâo se limitam à área genital. A excitação sexual provoca reações
neurológicas, vasculares, musculares e hormonais, que afetam com alguma intensidade o
funcionamento de todo o corpo. A dilatação reflexa dos vasos sanguíneos circunvaginais
e do pênis, como respostas aos estímulos sexuais, faz com que os órgãos genitais fiquem
ingurgitados e distendidos com o sangue, produzindo a ereção no homem e a lubrificação
e ingurgitamento dos órgãos genitais femininos.
A fase da excitação no homem ó mais rápida de ser alcançada, porém a fase de
resolução ó vivenciada também de forma mais rápida. Na mulher, a excitação demora
mais a acontecer, porém no período de resolução a mulher pode vir a ter muitos orgasmos
sem o período refratário ser muito grande.
Quando se fala da resposta sexual funcional feminina e masculina sabe-se que
ela está dividida em quatro estágios sucessivos, segundo a sistematização de Masters e
Johnson (1966), ao desenvolverem seus estudos pioneiros sobre sexualidade humana.
Estes estágios são corroborados por critérios especificados pela APA (1995) e se apre­
sentam da seguinte forma: excitação, plató, orgasmo e resolução.
1) Excitação: é caracterizada pelo ímpeto de sensações eróticas e pela obten­
ção da ereção no homem, e da lubrificação vaginal na mulher. As manifestações da tensão
sexual incluem também uma reação corporal generalizada da congestão dos vasos e de
miotonia. A respiração torna-se mais ofegante e aumentam as pulsações e a pressão
arterial. No homem a fase de excitação caracteriza-se pela ereção do pônis. Além disso,
o escroto se dilata, a bolsa escrotal torna-se mais lisa e maior, enquanto os testículos
começam a se elevar porque os cordões espermáticos ficam mais curtos. Como no homem,
a fase de excitação da resposta sexual feminina é também caracterizada pela congestão
dos vasos tanto genitais como locais como da pele em geral e pela miotonia. Rubor
acentuado, ocorrendo à intumescência dos seios e os mamilos ficam eretos. Lubrificação
vaginal intensa. O útero aumenta de volume, elevando-se de sua posição de repouso no
soalho pélvico, simultaneamente e a vagina começa a dilatar-se e a distender-se para
acomodar o pônis.
2) PlatÔ: um estado de excitação mais avançado, que ocorre logo antes do orgas­
mo. Em ambos os sexos, a resposta vasocongestiva local do órgão sexual primário se
encontra no auge. No homem o pônis está distendido e cheio de sangue até o limite de
sua capacidade. A ereção é firme e quando está retesado até o máximo de seu tamanho.
Na mulher, ocorre um rubor em face da vasocongestão generalizada. Há uma intumescên­
cia e coloração dos lábios menores e a formação de uma placa espessa de tecido con­
gestionado circundando a entrada e a parte inferior da vagina (plataforma orgásmica). O
útero se distende e o terço exterior da vagina está bastante distendido.
3) Orgasmo: considerado o prazer mais intenso das sensações sexuais. Apesar
de ser uma resposta fisiológica, está condicionada por experiôncias psicológicas. No
homem o sêmen jorra do pênis ereto, em três a sete ejaculações, a intervalos de 0,8 de
segundo. Esta fase ser dividida em dois momentos distintos: no primeiro momento, os
músculos dos órgãos reprodutores internos (próstata, canais deferentes e as vesículas
seminais) se contraem, fazendo espirrar o sêmen para trás na uretra, bem no fundo da raiz
do pônis, e no segundo momento, através da contração dos músculos localizados na
base do pônis se dá a ejaculação. Após o orgasmo o homem precisa de um espaço de

152 Crlitlna P I Bcntdrtto


tempo para submeter-se novamente à excitação sexual, este ó o chamado período
refratário. Na mulher o orgasmo consiste sempre de 0,8 de segundo de contrações rítmi­
cas reflexas dos músculos circunvaginais e do períneo e dos tecidos inflados da platafor­
ma orgástica. O prazer do orgasmo experimentado pela mulher varia de acordo com as
contrações locais que podem ser de pouca intensidade até uma intensa experiência cor­
poral e psicológica. Após o orgasmo, diferentemente do homem, a mulher não é refratária
à excitação. Se nâo tiver inibições, segundos após ter conseguido o orgasmo e enquanto
ainda está na fase do platô, pode ser de novo excitada para outro, e para outro, sucessi­
vamente, até que esteja fisicamente exausta e não queira mais ser estimulada.
4) Resolução: fase final do ciclo de resposta sexual; as respostas fisiológicas
especificamente sexuais cessam e todo o corpo volta ao seu estado normal. As pulsa­
ções, a pressão arterial, a respiração, a vascularidade da pele voltam ao estado normal
minutos após o coito. No homem, os testículos se detumescem e descem imediatamente
á posição habitual, enquanto o pênis volta, vagarosamente ao seu estado flácido urinário.
Na mulher, o clitóris volta à posição normal dentro de 5 a 10 segundos após o orgasmo.
Demora, contudo cerca de 10 a 15 minutos para que a vagina volte ao seu estado de
relaxamento.
Neste capítulo procurou-se contextualizar a sexualidade dentro de aspectos
psicossociais contemporâneos além de demonstrar a importância de se avaliar os compo­
nentes biológicos da resposta sexual funcional masculina e feminina.
Pode-se concluir que atualmente vivemos numa fase onde a sexualidade pode ser
vivenciada de forma mais saudável e livre, desde que consigamos não cair no controle
coercitivo do "tudo pode". Sexualidade deve ser discutida, repensada, vivida e aprendida,
segundo critérios individuais e história de vida de cada um.

Referôncias
Associação Psiquiátrica Americana (APA). (1995). Manual Diagnóstico e Estatístico do Transtor­
nos Mentais (4th ed.). Sâo Paulo: Artes Módicas.

Foucault, M. História da sexualidade, v. 3. Rio de janeiro: Graal.

Kaplan, H. S. (1977). A nova terapia do sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Masters, W. H., & Johnson, V. E. (1979). Homossexualidade em perspectiva. Sâo Paulo: Artes
Médicas.

Oyama. T. (2002). Quando o sexo esfria. Veja, 35(34), 86-93.

Ramadam, Z. B. A., & Abdo, C. H. N. (2001). Sexualidade - trâmites, percalços e desvarios. In C.


H. N. Abdo (Org.), Sexualidade humana e seus transtornos. Sâo Paulo: Lemos.

Rangé, B., & Conceição D. B. da. (1998). Disfunções sexuais. In B. Rangé (Org.), Psicoterapia
comportamental e cognitiva de transtornos psiquiátricos. Campinas: Psy.

Relch, W. (1985). A Revolução Sexual. Sâo Paulo: Círculo do Livro. (Trabalho original publicado
em 1935.)

Sobre Comportamento c Cognição 15 3


Capítulo 16
Identidade Sexual e Identidade de Qênero

Viniâ L úcia Pestana Sant'Ana'

Dentre as diversas questões referentes ao comportamento sexual humano, existe


uma que ó, freqüentemente, objeto de inúmeras controvérsias: a resposta sexual de gêne­
ro cruzado. As respostas de gênero cruzado aqui consideradas serão a homossexualida­
de e a transexualidade.
Pode-se afirmar que sob o ponto de vista da fisiologia da resposta sexual humana
não existem evidências científicas de que há uma resposta que seja superior à outra em
termos de responsividade erótica aos estímulos sexualmente atraentes, ou seja, indepen­
dentemente da atração ser por alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto, a fisiologia da
resposta sexual ó a mesma.
Em termos de disfunções sexuais também não existe nenhuma evidência de que
elas ocorram com maior freqüência entre as pessoas com comportamento sexual de
gênero cruzado.
Apesar dqs conclusões acima, feitas inicialmente por Masters e Johnson (1970) e
até hoje não rejeitadas cientificamente, inúmeras pesquisas foram realizadas tanto para
estabelecer uma definição sobre a homossexuaíidade, quanto para investigar as suas
causas e formas de tratamento objetivando revertê-la para a heterossexualidade.
Embora seja elevado o número de trabalhos realizados, pode-se afirmar que o pre­
conceito em relação à homossexualidade è um grande legado da cultura Judaico-Cristâ.
Para que se possa visualizar as transformações ocorridas em relação à homos­
sexualidade é necessário discorrer sobre as alterações que se processaram na manifes­
tação do comportamento sexual geral em decorrência das sucessivas épocas e contex­
tos socioculturais nos quais ele se apresentou.

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154 Vânia Lúcia Pestana Sanf Ana


Para chegar ao que se tem hoje, ó necessário começarmos pelos povos das
antigas civilizações grega, romana e babilónia. Nestas civilizações não havia o estigma do
caráter homossexual nas relações, ao contrário, a homossexualidade era considerada um
ramo de educação superior na qual um cidadão mais velho orientava um jovem que já
passara pela puberdade, mas ainda não havia atingido a idade adulta (Tannahill, 1980).
O estigma que existia era em relação à servilidade e passividade independente­
mente do sexo do parceiro, assim, o ser submisso à alguém ou entregar-se à paixão eram
julgados negativamente pelo fato de, supostamente, enfraquecer o espírito do cidadão
soldado (Veyne, 1987).
Esta situação perdurou até a união do Estado com a antiga Igreja Cristã, que
ocorreu no século IV e foi realizada pelo imperador Constantino. Através do Cristianismo a
Igreja passou a unir os vários povos heterogéneos que formavam o vasto Império Romano.
A Igreja Cristã provou ser a verdadeira sucessora da Roma Imperial, até mesmo
militarmente - através das Cruzadas - pois conseguiu impor uma nova moralidade em um
mundo altamente instável.
A nova Moral imposta pelo Cristianismo era decorrente da visão que o povo Hebreu
tinha de sexo. Ele era o único povo da época que tinha uma religião dualista, separando
corpo (que era matéria) da alma (o espírito), sendo que este deveria ser cultivado em
detrimento das necessidades do corpo. Tal postura levou o sexo a ser julgado negativa­
mente e, posteriormente, a ser considerado pecaminoso por só atender ao corpo.
Mas o sexo tinha - como tem até hoje - a função fundamental de preservar a
espécie através da procriação. Assim, a Igreja liberou a prática sexual desde que fosse
realizada sem prazer, com a finalidade única de gerar filhos e praticada apenas após o
casamento. Como a homossexualidade transgredia esses critérios ela foi totalmente
condenada.
Esta posição permaneceu inalterada até o século XV quando, com o Renascimento,
se Iniciou uma liberalização maior dos costumes com as pessoas passando a aceitar
como naturais seus desejos, percepções e impulsos e culminou com a Reforma Protes­
tante, no século XVI, que liberou as pessoas para terem sexo sem a finalidade de procriar,
sendo permitido, entre outros motivos, para agradar a um dos parceiros. Embora sejam
consideráveis os avanços obtidos com a Reforma no campo da sexualidade, os Reformis­
tas não fizeram rçudança nenhuma sobre a homossexualidade.
Apesar de todas as grandes mudanças ocorridas no século XVII e XVIII, na Era
Vitoriana (século XIX) os educadores passaram a considerar a expressão da sexualidade
como uma corrupção moral e pouco a pouco, a sexualidade, novamente, deixa de ser
integrada à vida.
Muitas mudanças ocorreram até esse período, nas manifestações do comporta­
mento heterossexual, mas o mesmo não ocorreu com o comportamento homossexual
que, sendo diferente daquele que era considero normal e admitido, tornou-se anormal e
proibido. Esta concepção viria a ser adotada por outros setores, como por exemplo a
Medicina, que o classificou como uma enfermidade que um exame clínico podia diagnos­
ticar. Esta classificação determinou, em maior ou menor grau, o tipo de tratamento dis­
pensado à homossexualidade nos séculos seguintes.

Sobre Comportamento e Cognição 155


No inicio do século XX, foram iniciados os estudos científicos e sistematizados da
sexualidade humana que propiciaram o questionamento dos preceitos rigidos e punitivos
herdados da tradição judaico-cristã, e que ainda influenciavam a moralidade durante as
décadas iniciais deste século.
Os trabalhos de Kinsey (1948,1953) influenciaram profundamente a noçào de
comportamento sexual aceitável na sociedade e suas conclusões não foram rejeitadas ou
significativamente substituídas por estudos realizados posteriormente.
Um aspecto de fundamental importância nos trabalhos de Kinsey foi a noção de
continuum do comportamento sexual. Ele construiu uma escala com sete itens, sendo o
zero (0) para indivíduos com uma história de comportamento exclusivamente heterosse­
xual e seis (06) para o indivíduo com uma história exclusivamente homossexual. Essa
noção de continuum foi essencial na diminuição do julgamento negativo daquelas pesso­
as que tinham uma história de episódios homossexuais ocasionais. Quanto maior o esco­
re obtido maior o grau de homossexualidade sendo que três (3) refere-se a respostas
sexuais semelhantes para índívíduos do seu próprio sexo ou do sexo oposto e uma ausên­
cia de preferência dominante.
Não se pode determinar qual seria o grau de diminuição do julgamento negativo na
cultura nacional já que se observa a existência de uma exigência elevada para que as
pessoas homossexuais assumam publicamente tal orientação e, também, que aquelas
com uma responsividade erótica para ambos os sexos declarem-se homossexuais.
Ainda antes dos trabalhos de Kinsey, entre 1928 e 1932, houve a constituição da
Liga Mundial para a Reforma Sexual que tentava obter a igualdade de direitos para ambos
os sexos e a liberação do sexo sem fins exclusivos de procriação. Percebe-se, aqui, um
retrocesso histórico: a luta era para conquistar aquela posição que os Reformistas da
Igreja haviam defendido e conquistado e que fora banida pela Era Vitoriana (Wood, 1961).
A Liga realizou inúmeras conferência que, aliadas aos resultados dos trabalhos
de Kinsey e ao movimento de Contracultura de 1950 e 1960, propiciaram o surgimento do
movimento para a Liberação Gay.
Outro fator determinante de significativas mudanças no mundo moderno foi "o
aparecimento de uma contracultura orientada para o consumo de drogas nas décadas de
50 e 60. Esta contracultura representou, de certo modo, o desenvolvimento de movimen­
tos anteriores, tais como a boêmia dos anos 20 e o existencialismo que se segui à
Segunda Guerra Mundial... A década de 60 viu o surgimento de novos estilos de vida entre
os jovens da classe média. Porém, os novos estilos de vida tenderam a se difundir para a
classe trabalhadora (Gregersen, 1983, p. 169)
O movimento gay, gerado no contexto da contracultura, se constituiu em um fator
importante da causa homossexual porque foi a primeira vez que os homossexuais assu­
miram uma postura política em favor de seus direitos.
Além de terem contribuído significativamente para a compreensão da sexualidade
heterossexual, Masters e Johnson fizeram o mesmo com a homossexualidade quando
publicaram, em 1979, o livro "Homossexualidade em Perspectiva", no qual apresentavam
um volume expressivo de informações científicas que tiravam do comportamento homos­
sexual o caráter patológico.

156 Vânia Lúcia PcitdMd SanfAna


Nesse mesmo período, a APA (Associação Americana de Psiquiatria, 1974) co­
meçou a rever suas classificações da homossexualidade, retirando-a da lista oficial de
Desordens Psiquiátricas e em vez de Doença Mental sugeriu que fosse considerada uma
desorientação sexual. Criou-se uma nova categoria psiquiátrica: Distúrbio por Desorienta­
ção Sexual. Apesar desta postura muitos sócios ficaram contra a decisão da diretoria da
APA por considerá-la uma concessão às pressões políticas dos grupos homossexuais.
Em 1978, no DSM-IIIR, a homossexualidade deixa de ser considerada uma desor­
dem mental que precisa de tratamento específico, excetuando-se os casos onde o indivíduo
apresenta fortes sentimentos negativos em relação à sua excitabilidade emocional.
Associada à conflituada posição sobre o fato de a homossexualidade ser consi­
derada uma doença mental per si surgiram inúmeras definições, classificações e etiologias
para a homossexualidade, as quais seguiam duas direções dominantes:
A) uma que tende a minimizar as diferenças comportamentais entre pessoas
heterossexuais e as não heterossexuais e;
B) outra, centrada em discussões sobre o comportamento nâo sexual tanto quan­
to nas diferenças sexuais existentes entre pessoas com sexualidade típica e atípica,
enfatizando que as diferenças existem e podem ser discriminadas já na infância.
É importante ressaltar que ambas as direções das linhas de pesquisa rejeitam o
modelo médico - isto é, aquele no qual a desviaçâo sexual ó considerada como uma
doença ou condição patológica.
A rejeição do modelo módico favoreceu a obtenção de uma explicação para a
emergência do comportamento sexual atípico e possibilitou a introdução dos conceitos de
identidade de gênero e papel sexual.

Identidade de Gênero

Pode ser definida como uma tendência de um indivíduo sentir-se como pertencen­
te ao seu sexo biológico ou ao sexo oposto.
A Identidade de Gênero resultaria da interação entre:
a) o sexo biologicamente determinado;
b) a preferência e o desempenho (adoção) de comportamentos socialmente apro­
vados e;
c) a direção da responsividade sexual para pessoas do mesmo sexo ou do sexo
oposto.
A escolha de atividades e brinquedos de gênero cruzado na infância indicaria um
comportamento sexual de gênero cruzado na idade adulta.
Além da indicação da futura orientação sexual, a escolha infantil de gênero cruza­
do abrangeria a aquisição e desempenho de papéis sexuais inadequados e o sentimento
de pertencer ao sexo oposto ao seu, os quais permaneceriam até e durante a idade
adulta. A identidade de gênero forneceria a indicação de quais preferências sexuais o
indivíduo viria a ter. A concordância entre a identidade de gênero e o papel sexual seriam

Sobre Comportamento e CognlçAo 157


fatores fundamentais para a classificação e julgamento de indivíduos em um contexto
social específico.
A natureza social do papel sexual geraria a eleição de práticas consideradas
adequadas para a manifestação do comportamento sexual e a adoção ou não das prescri­
ções sociais estaria vinculada ao poder de controle ou contra-controle existente em cada
grupo social, ou seja, quem estaria apto a estabelecer as relações de contingôncias
requeridas para a aquisição de comportamentos específicos.
Se for considerado que o comportamento sexual produz suas próprias
conseqüências - satisfação e/ou prazer - independentemente da mediação de outras pessoas,
as formas de obtô-las poderiam, muito mais facilmente que outros comportamentos, fugir
dos padrões sociais predominantes. Esta consideração, associada à formulação
comportamental sobre a importância da ejaculação ou orgasmo no desenvolvimento do
comportamento de gênero cruzado determinariam as condições sob as quais alguns eventos
e suas características se tornariam associados à obtenção do prazer e passariam a ser
utilizados como desencadeadores da excitação sexual. Se as condições existentes fo­
rem aquelas socialmente aceitáveis, ter-se-ia uma orientação sexual considerada ade­
quada, caso contrário, a orientação sexual seria considerada uma transgressão às nor­
mas estabelecidas.

Papel sexual ou papel de género

É definido como sendo um conjunto de normas referentes à atitudes, valores,


reações emocionais e comportamentos que são considerados apropriados a cada sexo
em uma cultura e momento historicamente determinados.
Existem aspectos diferentes, poróm relacionados, ao desenvolvimento do papel
sexual:
1) Preferência pelo papel sexual que se refere ao desejo de adotar o comporta­
mento associado a um ou a outro sexo ou à percepção de tal comportamento como
preferível; ou a um desejo relativo do indivíduo em aderir às prescrições e proscrições
culturais do papel masculino e feminino. O conceito indica uma disposição preferencial
em direção à símbolos ou representações do papel que são socialmente determinados.
Por exemplo, a criança desenvolve gradualmente tendências de aproximação ou esquiva
em relação a brinquedos e jogos sexualmente tipificados.
2) A adoção do papel sexual refere-se a um padrão complexo de comportamentos
externamente observáveis, que freqüentemente ocorre no contexto da interação social, e
que está relacionado a como o grupo social classifica o comportamento individual no que
diz respeito ao seu grau de masculinidade ou feminilidade. Por exemplo, a maioria dos
membros de nossa sociedade parece julgar um menino assertivo e independente como
masculino e outro, tímido e submisso como feminino.
Pode-se supor,assim, que a identidade de gênero - sentir-se como pertencente a
um ou outro sexo - é importante para a aquisição e desempenho do papel sexual que, de
maneira geral, determina a classificação de um indivíduo como tendo ou não um desvio

158 Vânia Lúcia Pestana Sant'Ana


sexual - que se refere a comportamentos dirigidos a objetos sexuais que fogem das
normas sexuais socialmente estabelecidas.
Com base nos dois conceitos, geralmente tem sido admitido que os papéis sexu­
ais seriam adquiridos através da socialização e da influência social que atuariam forte­
mente sobre as pessoas, sendo que aqueles indivíduos que não se enquadram nas nor­
mas sociais previstas seriam considerados desviantes e tenderiam a apresentar sinais de
desajustamento psicológico e/ou social.
Parece, então, que a identidade de gênero é importante para a aquisição e de­
sempenho das atribuições do papel sexual e os estudos sobre identidade de gênero cru­
zado visariam estabelecer as possíveis relações existentes entre identidade de gênero e
papel sexual atípico no adulto.
O fato de ser o papel sexual determinado pela cultura, em todos os seus aspec­
tos, implica em que as características habitualmente apresentadas por homens e mulhe­
res não são necessariamente contingentes a seus sexos, tendo sido adquiridas através
do processo de socialização (Graciano, 1979).
Assim, a partir do nascimento, a influência social atua de forma marcante, principal­
mente sobre valores e atitudes apropriados a cada sexo, os quais são progressivamente
internalizados. Após a internalização das atitudes adequadas, homens e mulheres passam
a manifestar, automaticamente, os comportamentos socialmente esperados, independente­
mente de vigilância ou sanções externas. O papel sexual é, assim, psicologicamente assi­
milado e a pressão social passa a se exercer de forma bastante sutil, tornando-se difícil
percebê-la. No entanto, ela existe sempre e é mantida por agentes socializadores na forma
de modelos reais (familiares, amigos, professores etc.), simbólicos (livros, propaganda e
outros meios de comunicação de massa) e das várias instituições modeladoras de compor­
tamentos (escolas). Estes agentes reforçam e complementam a influência dos pais para
socializar adequadamente meninos e meninas, ou seja, fazê-los assimilar profundamente
as regras sociais relativas aos comportamentos apropriados a seu sexo (Bandura, 1976).
Durante muito tempo a psicologia considerou como desvio ou transtorno qualquer
comportamento sexual que se afastasse da classificação homem/mulher e da conse­
qüente adoção e reprodução dos papéis masculinos e femininos atribuídos a cada um dos
sexos assim classificados.
Tal classificação influenciou diretamente as práticas psicoterapêuticas, as quais
procuravam adequar o indivíduo aos padrões considerados normais e saudáveis, ou seja,
a heterossexualidade.
Isto não aconteceu somente com a homossexualidade, mas também e, mais
recentemente, com a transexualidade.
Diferentemente dos homossexuais, os quais são atraídos pelas pessoas perten­
centes ao seu próprio sexo, os transexuais sentem-se como sendo do outro sexo e acre­
ditam que o seu sexo biológico é um erro da natureza relatando, também, uma profunda
aversão pelas características primárias e secundárias de seu sexo biológico.
Tal sensação determina, freqüentemente, um consistente comportamento de fuga/
esquiva por parte dos transexuais assim como comportamentos de auto-mutilação.

Sobre Comportamento e Cognição 159


A literatura mostra que tratamentos para fazer o transexual viver de acordo com o
seu sexo biológico são ineficazes e a cirurgia para redesignação sexual é o primeiro e
importante passo para um sucesso psicoterapôutico.
No caso específico do transexual, a partir de 1950, começaram a surgir tratamentos
módicos que buscavam conciliar o sexo biológico com a identidade de gênero. Ainda nessa
década (1952), foi noticiada a primeira cirurgia de transgenitalização, realizada na Dinamarca.
Apesar de tal tratamento ter se tornado cada vez mais utilizado na Europa e EUA,
ele inexistia legalmente no Brasil até a segunda metade da década de 90, quando o Conse­
lho Federal de Medicina passou a autorizá-lo, em caráter experimentai, considerando que o
transexual é portador de um desvio psicológico permanente de identidade de género. Tal
consideração é concordante com o DSM-IV que classifica o transexualismo como um trans­
torno de identidade de gênero, cujo diagnóstico deve atender a dois critérios:
A) a evidência de uma forte e persistente identificação com o gênero oposto, que
consiste no desejo de ser, ou a insistência do indivíduo de que ele é do sexo oposto. Esta
identificação com o gênero oposto não deve refletir um mero desejo de quaisquer vanta­
gens culturais percebidas por ser do outro sexo e;
B) também deve haver evidências de um desconforto persistente com o próprio
sexo atribuído ou uma sensação de inadequação no papel de gênero desse sexo.
Embora a homossexualidade e a transexualidade sejam classificadas como um
transtorno de identidade de gênero, ambas se revestem da mesma variabilidade e individu­
alidade que a heterossexualidade.
Existem inúmeros estudos que buscam indicadores infantis da sexualidade adul­
ta. Embora uma grande parte de tais estudos focalizem a população homossexual, é
possível inferir que não existe diferença nas formas como todo e qualquer comportamento
- sexual ou não - é adquirido e mantido. Assim, se tais estudos chegarem a resultados
conclusivos sobre as variáveis que determinam o comportamento sexual classificado como
atípico, concluirão também sobre a aquisição e manutenção dos comportamentos sexu­
ais classificados como padrão.

Referências
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160 Vânia Lúcia Pestana Sant'Ana


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Wood, D. A. (1961). Test Construction: Development and Interpretation of Achievement Tests.


Columbus, Ohio: Charles E. Merril.

Sobre Comportamento e Cognlfflo 161


Capítulo 17
(Dis)funções sexuais e classes
de respostas relacionadas
Mâira CantarcUi liaptistusuf

“O amor é a melhor coisa... Mas


ele nasce da sexualidade ou a
sexualidade dele?"
(autor desconhecido)

Quando um analista do comportamento fala em sexualidade, ele deverá pergun­


tar-se - do que estamos falando? Possivelmente, a primeira resposta que lhe ocorrerá é
que falamos de comportamento sexual e falar de comportamento implica diretamente falar
de contingência, ou seja a relação entre a resposta analisada e as variáveis ambientais
das quais esta ó função. Considerando os três níveis de seleção por conseqüências des­
critos por Sklnner (1987), é importante mencionar que o comportamento sexual é produto
de contingências ambientais filogenóticas, ontogenóticas e culturais, de forma que se
tornou e é importante para a espécie, para o indivíduo e para a caracterização e transfor­
mação da cultura. Neste sentido, pode-se questionar: quaf a função do comportamento
sexual? Seria somente procriação? Devemos definir uma finalidade para tal? O comporta­
mento sexual funciona como manifestação do desejo e forma de obtenção do prazer? Por
que o comportamento sexual muitas vezes perde suas funções?
Ao discutir mais especificamente o comportamento sexual, é importante esclare­
cer primeiramente que o termo comportamento sexual se refere a uma resposta vital do
organismo selecionada como típica da espécie, também a uma resposta do indivíduo
enquanto ser dotado de repertório comportamental e agente de sua história e se relaciona
também a um tipo de prática sexual selecionada em uma cultura.
Considerando o conjunto de variáveis em interação quando se fala de resposta
sexual, devemos nos questionar como uma resposta sexual natural pode perder esta
condição vital para o organismo, para a pessoa e para o self (Sklnner, 1989).
Em uma visão Behavforista Radical, uma resposta sexuaí pode caracterizar-se
como um problema a depender do contexto ambiental em que se insere. O controle aversivo
em nossa sociedade pode ser uma das condições relacionadas a esta questão. Pierce e
Epling (1995/1999) descreveram que a puniçào nâo ensina um novo comportamento. Con-
' Profoaaore de Psicologia da UNIRAR Supwvkoni d * aatágto am CUnica Comportanuntal. ooordanadora do ourao d» aapadakzaçAo latu «anau «hp AtiMIm
do Comportamento • Torapla Analittcu Comportamantal

1Ô 2 M dira Cantarelli Bapttstussi


tingências punitivas eliminam e suprimem respostas operantes, provavelmente porque
eliciam respostas respondentes concorrentes. Skinner (1953/1993) apontou para os prin­
cipais subprodutos emocionais da punição e da coerção, afirmando que não produzem
vantagem nem para o indivíduo e nem para o grupo, pois padrões produtivos de comporta­
mento resultam distorcidos por fortes predisposições emocionais eliciadas pela aversividade
da situação. Além disto, o comportamento operante que tiver sua probabilidade de emis­
são aumentada na emoção associada a punição - em geral de fuga ou de contra-ataque -
também pode acarretar conseqüências graves.
Neste sentido, dificuldades sexuais, enquanto respostas respondentes e
operantes podem ser produtos de contingôncias aversivas, sejam estas impostas
pela cultura ou pelos individuos que interagem com uma pessoa que apresenta
tal dificuldade. Life (1979) discute que vários podem ser os aspectos da história de
vida que podem vedar uma resposta sexual natural - impulso biológico; tipos de
experiências anteriores com o sexo; experiências traumáticas na infância; maneiras pe­
ias quais o homem e a muíher aprenderam a responder á estimulação sexuaí; pouco
repertório comportamental de ajuda mútua na experiência orgásmica; ansiedade resultan­
te da falta de informação completa e segura sobre anatomia e fisiologia das relações
sexuais; qualidade e tipos de relacionamentos em áreas não sexuais, especialmente com
o parceiro; rebaixamento do sentimento de auto-estima; dificuldades interpessoais e sen­
timentos de medo, raiva, mágoa e falta de desejo produzidos por contingôncias aversivas.
Sabe-se que o comportamento sexual transpõe o ato de penetração, na medida
em que envolve comportamentos e sentimentos prévios ao ato em si e em rela­
ção ao parceiro, comportamentos sociais, comportamentos de sedução, compor­
tamentos governados por regras e auto-regras. Assim, o comportamento sexual ocorre
de uma determinada maneira em função da história de consequenciação imposta pela
família e pelos parceiros e em função dos tipos de contingências em atuação relacionadas
ao envolvimento afetivo e sexuaí.
A partir da clareza de que uma resposta sexual natural dificilmente ocorre
descontextualizada, pode-se compreender que uma resposta “disfuncional” tam­
bém ocorre em um contexto e produz conseqüências que a manterão ou não. O
termo "disfuncional" pode levar a um questionamento acerca da propriedade funcional da
resposta; mas é importante esclarecer que ao se falar em resposta “disfuncional”, o con­
texto e a função não estão sendo desconsiderados, pois é “disfuncional" no sentido de
que a resposta produz conseqüências aversivas para o indivíduo.
As disfunções são classificadas livros, manuais e compêndios de psiquiatria (Kaplan
& Sadock, 1997); Kaplan (1974); Abdo (2001), os quais sinteticamente descrevem:
• Disfunção erétil (primária e secundária) ou “Impotência";
Primária: quando o homem nunca foi potente com uma mulher, embora possa ter
boas ereções com a masturbação, e ereções espontâneas.
Secundária: quando o homem foi potente por algum tempo, antes do desenvolvi­
mento da mesma.
As causas físicas podem ser inúmeras, desde tensão, diabetes, problemas he­
páticos até uso e abuso de narcóticos, álcool, medicação, entre outros. A ansiedade e
depressão são emoções ou propriamente estados corporais que acompanham

Sobre Comportamento e CognífAo 16 3


um repertório de comportamentos específicos que podem ter grande relação com
o desenvolvimento da disfunçfio erótil. Junto a isto, a história de relações sexuais do
indivíduo devem ser analisadas para que se possa avaliar as condições que propiciam e/
ou que mantém isso ocorrendo.

• Ejaculação precoce

Neste caso, o homem ó incapaz de exercer controle sobre seu reflexo ejaculatório,
logo, uma vez excitado, atinge o orgasmo rapidamente. Recomenda-se, que se faça exame
urológico, no caso de ter tido uma história de bom controle ejaculatório. O diagnóstico ó feito
quando o homem regularmente ejacula antes ou imediatamente após penetrar na vagina.
Embora somente uma análise precisa das contingências em atuação na vida de cada indivíduo
possam nos dar um panorama dos aspectos psicológicos relacionados, pode-se dizer através
de relatos clínicos que Insegurança, ansiedade e passividade se referem a classes de
comportamentos e estados corporais possivelmente relacionados à ejaculação
precoce. Isto pode ser inferido, pois a resposta de ejaculação precoce parece se
relacionar a uma dificuldade de enfrentamento de dificuldades e a comportamentos
característicos de indivíduos com repertório comportamental pouco desenvolvido
e com sentimentos de baixa auto-estima.
Para EY e cols. (1981) in Abdo e Oliveira (2001), os transtornos da atividade sexual
- genericamente chamados de "impotência" se referem especialmente a estes dois tipos de
distúrbios: de ejaculação (precoce, ausente, retardada) e a impotência orgásmica, os quais
estão associados a comportamentos diversos, como passividade, esquiva do controle im­
posto por outrem e geralmente a sentimentos de culpa e insegurança.

• Anorgasmia
Considera-se anorgasmia primária aquela em que a mulher nunca experimentou
um orgasmo; se por outro lado a desordem se desenvolver depois de um período em que ela
já era capaz de atingir o orgasmo, é classificada disfunção orgásmica secundária. Na
anorgasmia, o antecedente imediato é a inibição involuntária do reflexo orgásmico. O orgas­
mo feminino pode ^pr facilmente condicionado e sujeito à inibição com certa facilidade.

• Desejo hipoatlvo
Deficiência ou ausência de desejo sexual. A presença do desejo depende de
vários fatores: impulso biológico, história prévia de consequênciação, situações de
estresse, sentimentos de ansiedade, depressão, auto-estima, qualidade das experi­
ências anteriores com o sexo, disponibilidade de um parceiro apropriado e um
bom relacionamento em áreas não sexuais com o parceiro. O dano em qualquer um
desses fatores podem resultar em diminuição do desejo. É importante, que nestes casos,
nâo se percam de vista as condições físicas da mulher, nas quais podem estar envolvidos o
cansaço físico, o uso de drogas e álcool, e a endocrinopatia.

164 M aira Cantarclli Baptistussl


• Vaginismo: espasmo dos músculos que circundam a vagina, causando oclusão da
abertura vaginal. A penetração do pônis é impossível ou dolorosa. Os fatores psicológicos
são pouco específicos e estariam relacionados muito mais à questão da mulher tornar-se
mãe (engravidar) e aos temores das conseqüôncias da gestação.

• Dispareunia: dor durante o intercurso sexual. A dor durante a relação sexual, sem causas
orgânicas, além de possivelmente constitui-se um problema por si só, pode se relacionar
diretamente à realização da sexualidade feminina. Segundo os autores acima citados, a
dispareunia ó analisada como estando ligada principalmente a dois fatores
comportamentais: comportamento agressivo da mulher em relaçfio ao homem e
dificuldade em assumir a identidade feminina.

O diagnóstico de disfunção ó eminentemente clínico, baseado numa boa anamnese


e/ou avaliação ginecológica. As causas orgânicas para a disfunção orgásmica, a dispareunia
e o vaginismo devem ser afastadas. As causas psicológicas, ligadas a problemas emoci­
onais, com o companheiro (ansiedade, raiva) e situacionais (econômicas, existenciais)
são as mais comuns, segundo a descrição de Saadeh (2001).

Tratamento geral para as disfunções

• Estimulação adequada e favorecimento do relaxamento.

• Composição de diferentes práticas terapêuticas - terapia de apoio, de esclarecimento,


medicação, tarefas sexuais, psicoterapia individual, terapia de casal - selecionadas de
acordo com a avaliação comportamental realizada no processo terapêutico do cliente.

Classes de respostas comportamentais relacionadas às disfunções:

Apesar de nós, analistas do comportamento discriminarmos a importância de se


conhecer a função de um comportamento ao intervir, também percebemos a necessidade
de se conhecer melhor as classificações propostas pela psiquiatria, que apresentam muitas
vezes o funcionamento sexual como termômetro que responde ás variações emocionais.
Kaplan (1974) descreve que, entre os aspectos que se constituem em dificulda­
des no campo da sexualidade, salientam-se: inabilidade no desempenho eficiente, medo
do fracasso acompanhado de extremo desejo de satisfazer o(a) parceiro(a), tendência a
racionalizar o prazer erótico (dificultando a entrega para o prazer sexual), comunicação
precária do casal a respeito de preferências sexuais, sendo estes comportamentos prova­
velmente reforçados negativamente.
Além disso, diversos autores (Kaplan, 1974; Money & Musaph, 1977; Bancrof,
1983; Greenwood, 1984; Zilbergeld, 1980) in Abdo e Oliveira (2001), ao relacionarem os
possíveis fatores etiológicos, incluem, freqüentemente, a ansiedade como associada,

Sobre Comportamento e CogniçAo 165


causadora e/ou mantenedora das disfunções sexuais. Mas a pergunta central que deve
ser feita ó: que contingências e comportamentos do indivíduo produzem a ansiedade?
Esta pergunta merece reflexão e a compreensão precisa do segundo nível de seleção por
conseqüências. Um comportamento operante produz conseqüências que selecionam no­
vos comportamentos, sejam estes adaptativos ou não. Assim, o comportamento sexu­
al, alóm de fllogenótico, ó transformado tambóm pelos dois outros níveis de seleção.
Desta forma, o repertório comportamental do Indivíduo, tanto de enfrentamento
como de esquiva, mais especificamente, a história sexual do Indivíduo, a história
de relacionamentos, os valores afetivos e culturais, os medos, Inseguranças, cul­
pas devem, possivelmente, relacionar-se diretamente com a ansiedade, e
consequentemente com a manutenção das disfunções. Assim, tratar e lidar com
disfunções sexuais nâo ó atuar de modo a eliminar ou simplesmente modificar
um comportamento pouco adaptativo. Faz-se necessário que o individuo compre­
enda a que controles ambientais está respondendo quando esta problemática ó
diagnosticada, que tipo de conseqüências está produzindo ou se esquivando, deve
compreender quais os sentimentos e disposições afetivas para o outro, bem como
observar e identificar a que regras sócio-culturais e a que auto-regras está res­
pondendo. Toda esta avaliação pode ser feita pelo indivíduo junto a uma comunidade
verbal especializada em promover a discriminação e alteração de contingências - a Tera­
pia Analítico Comportamental.

Referências
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Kaplan, Harold, I., Sadock, & Benjamin J. (1997). Compêndio de Psiquiatria: ciências do com­
portamento e psiquiatria clinica (7th ed.). Artes Médicas: Porto Alegre.

Life, H. (1979). Sexualidade Humana: orientação módica e psicológica. Livraria Atheneu: Rio de
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Oliveira, S. R. C. de, & Abdo, C. H. N. (2001). Disfunção Erótil e Ejaculação Precoce: conceito,
etiologia e tratamento psiquiátrico. In C. H. N. ABDO, Sexualidade Humana e Seus Transtornos
(2nd ed.). Lemos editorial: São Paulo.

Pierce, W. D., & Epling, W. F. (1999). Aversive regulation of behavior. In Behavior analysis and
learning cap. 9, (pp. 205-231) (2nd ed.). Prentice Hall. (Trabalho original publicado em 1995.)

Saadeh, A. (2001). Disfunção Sexual Feminina - Conceito, diagnóstico e tratamento. In C. H. N.


Abdo, Sexualidade Humana e Seus Transtornos (2nd ed.). Lemos editorial: Sâo Paulo.

Skinner, B. F. (1993). Ciência e comportamento humano (Trad. ed.). São Paulo: Martins Fontes.
(Trabalho original publicado em 1953.)

Skinner, B. F. (1987). Upon Further Reflection. Englewood Cliffs: Prentice Hall.

Skinner, B. F. (1989). Questões Recentes na Análise Comportamental. Papirus: Campinas.

166 M dira Canlarelli Bdptistuuf


Seção II

O tratamento
Capítulo 18
Qraus de ansiedade no exercício do pensai;
sentir e agir em contextos terapêuticos

Çitiâ No/êto Bueno'


Uma A . Qoulârt de Souzâ Britttf

Os diários de registros - criados e desenvolvidos segundo a necessidade de cada


cliente - têm o objetivo de ensinar a pessoa a registrar diversas situações e suas conse­
qüências para, num primeiro momento, favorecer ao psicoterapeuta o acompanhamento
dos comportamentos desse indivíduo, além do processo psicoterapôutico. Num segundo
momento, não menos importante que o primeiro, ensinar ao cliente automonitorar seu
repertório comportamental. O diário de registro é quase, invariavelmente, usado tanto na
fase inicial da avaliação quanto na monitoração das mudanças subseqüentes.
O psicoterapeuta necessita utilizar-se da criatividade e da avaliação para definir
diários de registros apropriados para cada situação que se deseja a automonitoração,
tanto em sua freqüência, quanto duração, assim como as circunstâncias em que as con­
tingências ocorreram.
Os diários de registros se flexibilizam a monitorar uma grande variedade de com­
portamentos públicos ou encobertos, gerando informações mais precisas sobre muitos
aspectos dos repertórios. Barlow, Hayes e Nelson (1984), destacaram dois estágios na
automonitoração. No primeiro estágio o indivíduo terá de notar a ocorrência de seus com­
portamentos, suas emoções ou do próprio fato. Já no segundo estágio, o cliente terá de
registrá-los. Esse procedimento é ensinado à pessoa no momento do planejamento do
programa psicoterapôutico. Uma vez ensinado, ele se transforma em aprendizagem. As­
sim, é importante destacar que a aprendizagem se dá na repetição. Portanto, a orientação
de tal procedimento deverá ser repetida quantas vezes forem necessárias até que o clien­
te tenha total compreensão de sua execução. A clareza das regras destas técnicas ó
importante para que a pessoa possa empenhar-se na obtenção de uma medição exata.
Ao cliente deve ficar claro que as sessões subseqüentes se desenvolverão focadas no
conteúdo apresentado pelos diários de registro. Desta forma, a pessoa discriminará a

u Untvef»ldtid«i CatóMca d« Gotáa - UCG

Sobre Comportamento e Cognição 169


importância destas tarefas de casa, podendo apresentar maior adesão ao programa
psicoterapêutico, ainda que nos primeiros registros apresentem dificuldades - considera­
das normais, por já serem esperadas, vez que são um novo padrão de comportamento,
implicando, portanto, em mudanças em sua discriminação e em sua percepção.
A estrutura de cada diário de registro, a ser repassado ao cliente, deve ser feita
pelo psicoterapeuta, para se ter uma maior abrangência daqueles comportamentos públi­
cos ou privados que se deseja monitorados.
0 nlvel de ansiedade também pode ser avaliado, dando ao cliente registros com
escalas arbitrárias. Através das escalas a pessoa poderá avaliar qual foi a ansiedade
experimentada durante a ocorrência da situação problema. Por exemplo:
1 = pouca; 2 = moderada; 3 » muita; 4 = extrema.
O momento ideal de se fazer a monitoração ou a automonitoração do evento ou
eventos desejados é imediatamente após a sua apresentação, ou seja, tão logo o comporta­
mento em questão, o pensamento ou o sentimento tenha ocorrido. Assim, a pessoa deve
carregar consigo as folhas de registro, de forma avulsa ou em cadernos. Desta forma se evitará
um registro geral ao final do dia, quando a pessoa poderá se esquecer de algum evento
importante ou ainda, poderá perder a fidelidade da emoção quando de sua ocorrência.
Como já mencionado, anteriormente, os diários de registro têm a flexibilização
tanto aos problemas explícitos quanto aos encobertos. Pesquisas demonstram que eles
tanto podem ser utilizados para monitorar ou automonitorar a pressão arterial, comporta­
mentos repetitivos, pensamentos, sentimentos, quanto para registrarrespostas ansiogênicas,
tempo gasto com determinado comportamento problema etc.
O que vai definir a necessidade da construção do diário de registro é o próprio
aspecto relevante e significativo do problema que possa ser mensurado.
A exatidão da automonitoria, ou mesmo da monitoria, pode ter o seu alcance facilita­
do quando se obtém o apoio de uma pessoa próxima do cliente no suporte desta tarefa, isto é,
monitorando comportamentos dessa pessoa, sejam eles privados-pensamentos obsessivos
- sejam eles públicos - comportamentos compulsivos, como o de lavar as mãos.
A exatidão dos registros de diários pode ser melhorada se se pedir ao cliente para
escolher o pior sentimento verificado durante o dia, diferenciando-o daqueles que
experienciou durante todo o dia.
Outra importante reação, provocada tão somente pelo registro do comportamento
problema desejado, é a mudança de sua freqüência. De acordo com Barlow, Hayes e
Nelson (1984), esse fenómeno é chamado de reatividade â automonitoração. Isto porque a
automonitoração poderá levar a interrupção de uma cadeia de comportamentos automáti­
cos, permitindo à pessoa a decisão de continuar com a freqüência ou não da resposta
monitorada. Isto quer dizer que o registro, por si só, tem a capacidade de desenvolver na
pessoa a discriminação, a percepção de seus atos e, conseqüentemente, a definição de
um novo repertório comportamental.
A automonitoração desempenha papel fundamental na avaliação e tratamento
comportamental e cognitivo. Desta forma, quando um cliente não realiza a automonitoração,
apesar de todos os cuidados despendidos, implica na não adesão ao programa de trata­

170 C/lna Nolêto Bueno c lima A . Qoulart de Souza Britto


mento. Faz-se necessário voltar a lembrar aqui que a terapia comportamental e cognitiva,
baseando-se no método experimental, que se aporta com um papel educativo geral, levan­
do o cliente a enforcar variáveis privadas e públicas, alcança a eficácia graças à sua
estruturação norteada pelas técnicas e, de forma muito especial, pela parceria que deve
ser firmada entre cliente e psicoterapeuta.
O caso clinico, a seguir, procura demonstrar a eficácia e eficiência do exercício do
pensar, sentir e agir em contextos terapêuticos voltados para a funcionalização da depres­
são e suicídio em potencial.

Caso Clínico Estevão - Da depressão ao suicídio - a funcionalização pelo exercí­


cio do pensar, sentir e agir
História de Vida - Estevão, 42 anos, sexo masculino, filósofo, religioso, sendo o segun­
do de uma prole de cinco filhos de uma família do meio rural. É poeta. Traz como queixa
sua crise existencial com o estilo de vida religiosa, sua necessidade de ter uma compa­
nheira, uma intensa solidão, a necessidade de um trabalho para a reconstrução pessoal,
estresse, depressão, ideações suicidas, já com algumas tentativas. Todo esse processo
tendo se agravado a partir de 1992. Traz consigo, também, o diagnóstico psiquiátrico de
depressão profunda, estresse crônico, com alto risco para o suicídio. Submetendo-se, há
dois anos e meio, à seguinte farmacoterapia: prozac 20mg, dormonid 15mg, diazepan
10mg, rivotril 2mg e efexor 75mg. Seu quadro clínico psiquiátrico considerado gravíssimo,
com resultados negativos, até então, e trôs tentativas de suicídio.
Relata seu pai como agressivo, rústico e violento. Sua mãe, pessoa submissa e
muito religiosa. Irmãos tímidos e temerosos. Desde muito cedo, Estevão aprendeu a de­
fender a mãe e os irmãos das agressões do pai. Já no final da primeira infância, decidiu-se
pela vida religiosa, com um objetivo: resolver os problemas de desigualdade social da
humanidade. Sempre manteve-se ativo politicamente, ainda que sem exercer mandato.
Iniciou-se no trabalho formal ainda na adolescôncia. Atuação religiosa: pastorais sacra­
mental, da juventude e mulher marginalizada. Um dos maiores problemas em sua vida:
não adequação à vida religiosa; impedido de atuar na pastoral das mulheres prostituídas,
de meninos de rua e do movimento dos sem terras. Sempre manifestou desejo de atuar na
pastoral do mundo dos excluídos. Paradoxalmente, ainda que religioso, Estevão mantinha
sua opção por vida livre: fazia uso de bebidas alcoólicas, sexo, estilo hippie, era agressivo,
intransigente, radical e ativo com a linguagem da rua e não à linguagem religiosa. Com o
recente falecimento de sua mãe, afasta-se, pela terceira vez, da instituição religiosa.
Apresentava repertório verbal emocional negativista e sensações de inadequação ante as
contingências ambientais coercitivas.
Conseqüências em seus repertórios comportamentais- estresse crônico, provocado
por mais de 20 horas/dia de trabalho; ideações suicidas contínuas; sensações de
desrealizaçáo; déficits de atenção, concentração e memória; prejuízos sensório-motores;
alteração tireoidiana; reações simpáticas contínuas; estado emocional-motivacional
negativista; autoverbalização negativa; alternância entre sono intenso e insônia; perda de
energia, vontade, prazer, fazer e do apetite; choro contínuo; isolamento; desesperança;
autocupabilidade; sentimento de vergonha; revolta, verbalizações agressivas e pornográfi­
cas; comportamentos de fuga/esquiva generalizados; imobilismo.

Sobre Comportamento e Cognição 171


Procedimento - Todo o procedimento de intervenção comportamental e cognitivo foi desen­
volvido durante trôs meses, com duas sessões semanais, de 50 minutos, em quatro fases:
1 - primeira fase: observação e entrevistas com o participante, seus familiares e repre­
sentantes de sua instituição religiosa;
2 - segunda fase: observação direta dos comportamentos do participante ante aos rela­
tos verbais de sua história de vida;
3 - terceira fase: levantamento de hipóteses e definição da estratégia terapêutica;
4 - quarta fase: aplicação das técnicas da TCC:
• levantamento dos antecedentes e conseqüentes dos comportamentos disfuncionais;
• controle respiratório;
• reestruturação cognitiva;
• confrontação e enfrentamento;
• controle da: respiração; alimentação; sono; autocuidado;
• cartas não-enviadas
Para uma melhor intervenção nas ideações e tentativas suicidas, através dos
exercícios do pensar, sentir e agir, foi possivel um amplo levantamento dos eventos ante­
cedentes, do sentir e idear ações suicidas de Estevão, como demonstra a tabela I.

Tabela I. Ideações e Tentativas de Suicídio.


I a Tentativa 2* Tentativa 3* Tentativa 4* Tentativa
Idade: 15/16 anos Idade: 39/40 anos Idade: 40/41 anos Idade: 41/42 anos
Evento: desentendimento Evento: fragilizado pela Evento: a desesperan­ Evento: falecimento da
com o pai, oom agressão fí­ perda da convivência ça com todas as perdas, mãe; rompimento da comu­
sica. 0 pai ameaçou dar-lhe com uma amiga intima e discriminação do rebai­ nicação com a instituição;
um tiro, oom arma em pu­ pela dúvida em continu­ xamento de seu rendi­ Insatisfação generalizada.
nho. ar ou não religioso, re­ mento, solidão.
sultando em desentendi­
mentos com seus supe­
riores e conseqüentes
punições por sua insti­
tuição. Fato desen-
cadeador da depressão.

Exercício do sentir: de Exercício do sentir: Exercício do sentir: Exercido do sentir: re­


vergonha e revolta. revolta com as normas medo, insegurança, mui­ volta. Não tenho mais for­
religiosas. ta ansiedade. ça para viver. Fui trafdo até
por meus superiores.

Açlo Suicida: tentou dar A ç lo Suicida: arma Açio Suicida: tentou se Ação Suicida: arma de
um tiro em sua boca. Arma branca; tentou entrar na jogar na frente de um ve­ fogo, que não funcionou;
estava descarregada. frente de um veiculo em iculo, fazendo a traves­ ingestão de duas mil mili­
Depois preparou veneno movimento. sia de uma avenida de gramas de medicação con­
em um copo. Mas a lem­ tráfego Intenso, de for­ trolada, com bebida alcoó­
brança de uma amiga que ma alheia ao meio ambi­ lica; após tentou cortar os
suicidara o Impediu de ente. pulsos, perdendo os senti­
prosseguir. dos antes disso.
Três dias em coma

172 Qlna Nolêto Burno e lima A . Qoulart dr Souza Britto


Da depressão ao suicídio, a funcionaiização pela TCC

Primeira Fase
a) Observação: Estevão não fixa os olhos na psicoterapeuta; fala de forma agressiva e
impaciente; barbudo, cabelos em desalinho; verbaliza toda a sua revolta para com sua
instituição religiosa e as instituições político-sociais do país; tem o corpo contraído e verbaliza:
E - Depois de trabalhar tanto, sinto-me muito cansado, sem ânimo, descrente.
Não tenho mais vontade de viver.
b) Estabelecimento do contrato psicoterapôutico.
c) Aplicação do questionário de história vital (Lazarus, 1980).
d) Entrevista com seus familiares e representantes de sua instituição religiosa.
Segunda Fase
Quarta Tentativa de Suicfdio - Entre a primeira e segunda sessão psicoterapôutica,
Estevão ingere 2 mil miligramas de medicação controlada, com álcool, tenta cortar os
pulsos. Faz coma por trôs dias.
Resultado da Observação Direta - Estevão tem comportamentos entorpecidos, seus
reflexos sensório-motores são apresentados de forma lenta e pesada; relata sentimentos
de vergonha, culpa e revolta, reafirmando sua crença de que a psicoterapia comportamental
e cognitiva possa ajudá-lo. Verbaliza, continuamente, gírias pornográficas. Chora durante
toda sessão. Relata seus principais medos:

Grau de Ansiedade dos Medos


1 2 3 4 5

■ Perder Saúde 1
■ Suicidar-se 2

□ Solidão 3
□ Perder Amiga 4

■ Agredir Amigos 5

Fig. 1. Avaliação da Ansiedade evocada pelos principais medos de Estevão.

Fragmentos de Sessão
T ■ O que vocô, Estevão, chama de sensação suicida?
E ■ É um vazio por dentro, uma vontade de morrer, è uma pressão torácica. Sinto
como se estivesse flutuando... Choro muito! Não acredito mais em nada.
T ■ Por que, então, está aqui, Estevão?
E * Preciso de sua ajuda para aprender a controlar o meu sectarismo.
Terceira Fase
Hipóteses:

Sobre Comportamento e Cognição 17 3


1 - Imobilismo: a elaboração de estratégias para criação de projetos, com respectiva
execução e acompanhamento pelo diário de registro, possibilitará o retorno à vida ativa;
2 - Verbalizações Agressivas: exposição e registro no diário de todos os 'palavrões'ditos,
em suas respectivas situações, diminuirão a ocorrência dos mesmos.
3 - Autoritarismo: a prática de normas e convenções com diplomacia, pode levar a um
melhor resultado, que o comportamento rebelde, e menor desgaste físico.
4 - Aplicação das técnicas da terapia comportamental e cognitiva: possibilitará a
reeducação de sua vida e a aquisição de um novo repertório comportamental, sem a neces­
sidade da manutenção da medicação psiquiátrica para a funcionalização da depressão e
das ideações suicidas (Beck, 1997; Young, Becke Weinberger, 1999; Greenberger, 1998).
Estratégias: dessensibilização (Wolpe, 1976) dos medos, estresse, irritação e
imobilismo, com enfrentamento de sua história de vida e as conseqüências desta.
Quarta Fase - Três meses de duração
■ Controle Respiratório (Barlow, 1999), uso contínuo, com 15 sessões diárias, no 1°
mês; 10 no 2o mês; a partir de então, sempre que necessário. Com uso, concomitante,
da técnica Acalme-se (Rangé, 1998), para o controle da ansiedade.
• Reestruturação Cognitiva - que tipos de erros estou cometendo - (Mahoney, 1998),
uso diário.
• Confrontação e Enfrentamento ou Ensaio Comportamental (Caballo, 1996), realiza­
dos com situações de fuga/esquiva, especialmente desencadeadas pela instituição re­
ligiosa e família nuclear.
• Controle de: alimentação, sono e do autocuidado, realizado até a aquisição do repertó­
rio adequado.
• Cartas Não-enviadas (Kopp, 1972, apud Mahoney, 1998), uso intensivo nas sessões,
especialmente aos eventos mais aversivos.
A funcionalização, a que se propõe o processo de intervenção da TCC depende,
precisamente, da adesão do cliente ao programa de tratamento. Estevão apresentou uma
crescente evolução quanto à utilização das técnicas como tarefas de casa. Esta adesão
pode ser visualizada na figura 2.

Adesão As Técnicas X Tarefas de C ata

■ Contr. Resp. 1
■ ReesU Cogtv 2
□ Confr e Enfr. 3
□ Cartas 4

1o Môs 2° Mês 3o Mês

Fig. 2. Percentual de adesão, mensal, às técnicas da TCC.

174 t/in«i Nolêto Rueno e lima A . Qoulart de Sou/a Britto


Fragmentos de Sessão
T * Quando você diz que a sua instituição foi infiel com você, está dizendo que foi
isso que acarretou todo esse conflito existencial em que se encontra? Se assim, como
justifica essa infidelidade?
E ■ Antes de me ordenar, defini com meus superiores que minha vocação era,
preferencialmente, a Pastoral dos Excluídos. Tudo ficou certo para isso. Mas, depois de
ordenado fui impedido de nela trabalhar.
T * Se você sente tanta necessidade de constituir uma família ou ter uma compa­
nheira, o que o levou a ser religioso?
E * O desejo de atuar, radicalmente, num projeto de transformação em favor dos
pobres e explorados. Não consegui nem uma coisa nem outra.
O autoconhecimento, como afirma Skinner (1985, p. 31), é de origem social. "Só
quando o mundo privado de uma pessoa se torna importante para as demais ó que se
torna importante para ela própria". Assim, é possível afirmar que o autoconhecimento tem
função comportamental, pois, o próprio Skinner (1985) afirma que, a pessoa que se torna
consciente por meio das perguntas que lhe foram feitas [pelo seu terapeuta] está em
melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento. Buscando a
funcionalização deste repertório emocional motivacional negativista em relação as suas
próprias contingências, foi proposto, como tarefa de casa, que Estevão descrevesse posi­
tivo ou negativo o mundo público ou privado onde vive:

Tabela II. Autoconhecimento.


Positivo Negativo
1. Responsabilidade/Pontualidade 1. Auto-suficiência ideológica/sectário
2. Sinceridade 2. Alta emotividade
3. Fraqueza 3. Apaixona-se facilmente
4. Abertura para o diálogo 4. Ultrapassa os limites com frequência
5. Sensível, solidário, afetuoso 5. Reacionismo exacerbado
6. Facilidade para fazer amizade 6. Apego às pessoas que lhe são caras
7. Facilidade para confiar e ser confiado 7. Sentimento de culpa quando fere as pesso­
as que lhe sâo caras
8. Despojado de materialidade 8. Pavor à autoridade (autoritarismo)
9. Nâo-consumista 9. Pavor para administrar dinheiro
10. Preocupado com injustiças sociais 10. Tímido
11. Otimista/esperançoso
12. Lutar pelo que acredito/persistente
13. Facilidade de auto-recuperaçào
14. Desportista
15. Servidor
16. Buscador da coerência

Sobre Comportamento e Cognição 175


Avaliação/Intervenção

Com estes pontos foi possível trabalhar a questão do poder. Estevão percebeu o
quanto era poderoso. Discriminou que a sua rebeldia com a instituição religiosa era por
estar, sem perceber, querendo ser mais poderoso que a própria instituição, que os líderes
classistas, que os poderes executivo e legislativo. Quando, durante muitos anos, pensou
serem todos esses setores os detentores do poder. Foi quando verbalizou:
E ■ Socorro! Me ajude a me encontrar!
Buscando o autocontrole dos comportamentos extremistas de Estevão, o exercí­
cio do pensar, sentir e agir, além das técnicas de controle da ansiedade, reestruturação
cognitiva e ensaio comportamental foi definitivo para o alcance de sua funcionalização.
Tabela III. Diário de registro - O emocionar e comportar-se extremista.
Eventos Exercício do Exercido do Exercicio do Resultado
pensar sentir agir
Reuniões em Devo falar ou Dúvida e Respiro até Pronuncio as pala­
que deveria não falar? Se medo. Minha achar poronde vras de forma rápi­
posicionar-se falar, falar o respiração al­ começar a fala da e detalhista.
quê e como? tera. Vem a e o que falar. Geralmente com
Que reações ansiedade das muita
emocionais, no interpretações agressividade.
outro, minha do grupo sobre
fala provocará? o conteúdo de
minha fala.

Intervenção: a ação busca a assertividade, mas o resultado ó inadequado, como o


sentimento. As dúvidas provocam-lhe estados emocionais negativistas, manifestados
através das sensações corporais intensas. A consequência é um agir agressivo, que
conseqüência o não alcance de seu objetivo. Ê preciso melhor elaborar a ação, com
estratégias assertivas de controle da ansiedade e do agir funcional.

Há muito a utilização da escrita terapêutica, como instrumento da psicoterapia e


do desenvolvimento pessoal, tem sido reconhecida. Sua função é a de encorajar clientes
a experienciarenl e a expressarem eventos encobertos, ocorridos na infância ou durante
qualquer estágio de seus processos de relacionamentos humanos (Mahoney, 1998).
Estevão, desde o princípio, apresentou boa adesão a esta técnica. Ele que evi­
denciava dificuldade de demonstrar emoção, ao estar sendo preparado para receber alta
de seu processo, traz uma carta não-enviada, com um desenho que, metaforicamente,
retrata a concepção, em sua vida do afeto.

Fragmentos de carta não-enviada

“Obrigado!”
Um termo útero-coronário que só dedico-atribuo a quem me gosta ou restitui a vida e
o sentido de viver. Isto tu, minha terapeuta, fizeste. Então, porque não te ser grato e sincero!?!

176 C/ina N o ltto Rueno e lima A . Qoulart de Soura Brltto


Hoje, desde o inicio de nossa psicoterapia, eu já me sentia em perfeita harmonia
e integrado com a totalidade cósmica. Mas quando tu me disseste, no início do relaxa­
mento, “agora vamos entrarem nosso corpo”, entrei logo em êxtase. Essa coisa de ex­
pressar o pronome 'nosso', demonstra um gesto muito humanitário e promotor da alegria
de viver intensamente o novo, a coletividade, sem esquecera individualidade. (...)
(...) Acredito que os meus motivos terapêuticos, pelo menos os fundamentais, já
estão saciados.

Fragmentos de sessão

T * Por que você tentou suicidar-se? Já que não morreu, valeu a experiência?
E ■ O homem caminha para a liberdade. Não tenho vontade de fazer outra expe­
riência dessa não. Eu estava morto e revivi.
T ■ Como é a vida agora?
E ■ Mais livre, conscientemente, com mais leveza.
T * Ir-se do processo psicoterapêutico significa o quê?
E ■ Aqui foi uma ressurreição, realmente. Me abriu caminhos e perspectivas. Me
fez ver um lado da vida que não tinha sentido.
T ■ Como ir?
E * Embora vocô nunca tenha me dado a receita, ó buscar a maturidade dessa
experiência. É um ir de vitória. Deixo para traz as coisas negativas e levo um pedaço de
você que me completou. Certa vez você disse que, de certa forma, a gente constrói as
coisas. Eu não sou mais o mesmo. Estou mais tranqüilo. Consigo trabalhar melhor mi­

Sobre Comportamento e Cojjnlçâo 17 7


nhas emoções. Meu sectarismo está mais equilibrado. Não renuncio mais a mim mesmo,
em função de nada que eu faça
T ■ Quem é o novo Estevão?
E * Ele tem olhos para uma vida mais interessante do que antes.
T * O que ó o afeto?
E * É a inter-relação. Sem precisar de formalizá-lo. É impossível não amar as
pessoas. Mas, uma coisa eu tenho certeza: amar a mim também.
T * Quem vocô aprendeu a amar?
E * Aquelas pessoas que eu havia deixado de amar, pelos tropeços da história:
meu pai, eu mesmo, que já não sou mais máquina, e as coisas que faço.
T * Como fazer tudo isso caber dentro de vocô?
E * O homem ó maior que sua estatura. Minha maior aprendizagem aqui é gostar
de mim mesmo!

Conclusão

O imobilismo de Estevão foi funcionalizado com a prática de estratégias de todas


as suas ações, ordenando o seu repertório comportamental, antes mesmo que este pu­
desse ser executado. Os diários de registros foram importantes para a evidência desse
resultado e o conseqüente reforço da aprendizagem.
As verbalizações agressivas - "palavrões ou repertório verbal emocional agressi­
vo" - passaram a ter o autocontrole quando Estevão passou a usar do prompt - a mão da
terapeuta em seu ombro, tão logo acontecesse a emissão de tal verbalização. O diário de
registro desse comportamento, com suas respectivas conseqüências, viabilizou a defini­
ção de um novo repertório verbal.
Quanto ao autoritarismo, Estevão passou a utilizar-se da assertividade na prática
de convenções. Passou a negociar aquelas normas ou convenções muito rígidas, sem o
uso da agressividade. E o resultado alcançado reforçou nele a capacidade de enfrentamento.
A aplicação das técnicas da terapia comportamental e cognitiva foi imprescindível
para o seu processo de aprendizagem e aquisição de um novo repertório comportamental.
Estevão, através das técnicas, aprendeu a respirar, a pensar assertivo, a agir, a sentir e a
criar, conseqüentemente, estratégias mais adaptativas para sua vida. A escrita terapêuti­
ca mostrou-se como um instrumento de muita eficácia para o alcance de eventos enco­
bertos, especialmente cartas não-enviadas.
Ao término de três meses, Estevão estava livre da depressão, das ideações suici­
das e com controle do estresse. Sabendo fazer a correlação entre o pensar, sentir e agir,
que lhe foi possibilitada pela prática do exercício do pensar, sentir e agir, de onde, segun­
do Estevão, foi favorecida a aquisição de sua assertividade.

178 íylnd Nolêto Butno c lima A . Qouldrt dr Sou/d Biitto


Referências
Barlow, D. H. (1999). Manual Clinico dos Transtornos Psicológicos. Porto Alegre: Artes Médicas.

Barlow, D. H., Hayes, S. C., & Nelson, R. (1984). The Scientist Practitioner. Pergamon: Oxford.

Beck, A. J., Rush., B. F., Shaw, & G. Emery. (1997). Terapia Cognitiva da Depressão. Porto Alegre:
Artes Médicas.

Caballo, V. E. (1996). Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São


Paulo: Santos Editora Com. Imp. Ltda.

Fennell, M. J. (1997). Depressão. In K. Hawton, P. M. Salkovskis, J. Kirk & D. M. Clark. Terapia


cognitivo-comportamental para problemas psiquiátricos - Um guia prático, cap. 6 (pp. 241-
332). São Paulo: Martins Fontes.

Greenberger, D. (1998). O paciente suicida. In A. Freeman & F. M. Dattillio (Orgs), Compreen­


dendo a terapia cognitiva, cap. 13 (pp. 167-174). Campinas: Editorial Psy

Hunziker, M. H. L. (1997). O desamparo aprendido e a Análise funcional da Depressão. In D. R.


Zamignani (Org), Sobre comportamento e cognição: a aplicação da análise do comportamento
e da terapia cognitivo-comportamental no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos (pp.
141-149). Santo André: ESETec Editores Associados.

Lazarus, A. A. (1980). Terapia Multimodal do Comportamento. São Paulo: Manole.

Mahoney, M. J. (1998). Processos Humanos de Mudanças. Porto Alegre: Artes Médicas.

Rangé, B. (1998). Psicoterapia Comportamental e Cognitiva - De Transtornos Psiquiátricos.


São Paulo: Editora Psy.

Staats, A. W. (1997). Conducta y Personaiidad: Conductismo Psicológico. Bilbao, Spain: Descleé


de Brower.

Skinner, B. F. (1985). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix.

Wolpe, J. (1976). A Prática da Terapia Comportamental. São Paulo: Brasillense.

Vates, M. J. (1998). Depressão profunda recorrente. In A. Freeman & F. M. Dattillio (Orgs),


Compreendendo“a terapia cognitiva (pp. 141-153). Campinas: Editorial Psy.

Young, J. E., Beck, A. T., & Weinberger, A. (1999). Depressão. In D. H. Barlow (Org), Manual
clinico dos transtornos psicológicos, cap. 6 (pp. 273 - 312). Porto Alegre: Artmed.

Sobre Comportamento e Cognição 179


Capítulo 19
Tricotilomania: l/m impulso que
pode ser controlado
BemardRangé*
Danielle Monegalha Rodrigue/

A característica essencial dos Transtornos do Controle dos Impulsos é o fracasso


em resistir a um impulso ou tentação de executar um ato prejudicial para si ou para
terceiros.
A tricotilomania está classificada neste tipo de transtorno porque é marcada por
impulso ou urgência o qual a pessoa não consegue controlar. Esse transtorno se caracte­
riza basicamente pelo ato de arrancar os próprios cabelos, que podem ser arrancados de
qualquer parte do corpo, podendo ocorrer em breves episódios ao longo do dia.
A prevalência na população é de cerca de 0,6 da população, sendo muito comum
em crianças de ambos o sexo. Em adultos, o transtorno, se inicia na adolescência, e é
mais comum em mulheres. Algumas pessoas podem apresentar os sintomas contínuos
por décadas; em outros pode ir e vir durante semanas, meses ou anos seguidos. Os
locais de onde os cabelos são arrancados podem variar ao longo do tempo e podem
abranger qualquer superfície do corpo.
Quando a Tricotilomama afeta a região do couro cabeludo, pode provocar grandes
prejuízos na área afetiva e social do individuo, principalmente se a pessoa for do sexo
feminino. Na maioria das vezes, a pessoa primeiro utiliza recursos como penteado, lenços
ou chapéus para disfarçar a alopecia (falta de cabelo). No entanto, em algumas situações
como por exemplo, praias, piscinas ou até mesmo o relacionamento sexual, é difícil dis­
farçar a falta de cabelo e, então, a pessoa pode passar a evitar qualquer tipo de situação
que ela se sinta desconfortável. Muitas vezes, o individuo só busca por tratamento quando
seu quadro já se agravou de tal maneira que passou a afetar sua vida social e emocional.

Doutor em Pafcotoflla Protestor do Program« da Póm -O rm km çêo • do Dapaitamsnto da Psicologia Clinica. InaUtuto da Paiooiogla da UFRJ DIrator
Técnico do Cantro da Pikxjtarapla CognMva do Rk> da Janalro
Proéw omSubaMMadoDapartamantodaPitoomatria.InaMModaPalcutoflladaUPRJ Maafranda do InaBtuto da Palcotogla da UFRJ. Psicóloga tomiada
pata UFRJ.

180 Bernard Rangé e Danielle Monegalha Rodrigues


é importante lembrar, que a realização de um diagnóstico diferencial cuidadoso ó
necessário para identificar a causa da alopecia, que pode ser explicada por outras condi­
ções psiquiátricas, como respostas a alucinações ou pensamentos obsessivos, ou expli­
cados por outras condições médicas, como alopecia sifilltica, tóxica ou traumática. E
desta forma, indicar o tratamento mais adequado para cada situação
Este trabalho tem como objetivo descrever o caso de uma paciente do sexo femi­
nino que foi atendida no Departamento de Psicologia Aplicada da UFRJ, no ano de 2002.
No inicio do tratamento, a paciente apresentava 21 anos de idade, era casada há 3 anos
e apresenta quadro de tricotilomania (arrancar seus próprios cabelos) e tricofagia (ingerir
os cabelos arrancados) há 7 anos. Além do atendimento psicoterápico, a paciente também
fez acompanhamento psiquiátrico no Instituto de Psiquiatria da UFRJ.

O tratamento Cognitivo-Comportamental para a Tricotilomania

De acordo com Azrin e Nunn (1987) e Guimarães (2001), o tratamento cognitivo-


comportamental para a Tricotilomania consiste basicamente em: automonitoria, controle
de estímulo, reações de competências, treino de relaxamento, economia de fichas, treino
em motivação, reversão de hábito e sensibilização, progresso da superação do hábito
nervoso, examinar os inconvenientes do comportamento (treino em motivação), reforçamento
social e reestruturação cognitiva.
- Automonitoria: o paciente deve ser instruído para observar e registrar o seu comporta­
mento impulsivo. Na grande maioria dos casos, os pacientes nâo se dão conta do com­
portamento no momento em que estão realizando, só se dando conta depois quando, por
exemplo, se olham no espelho. A automonitoria tem como objetivo chamar a atenção do
paciente para seu comportamento impulsivo e, com isso, tornar consciente quando, onde
e como o comportamento ocorre.
- Controle do estímulo: impedir que o paciente entre em contato com o estímulo que
antecede o comportamento impulsivo, (ex. uso de bonés para evitar que o paciente passe
a mão no cabelo)
- Reações de competência: essa intervenção tem a finalidade de introduzir algum com­
portamento incompatível com o comportamento impulsivo, (ex. manter as mãos fechadas)
A reação de competência deve ser uma reação oposta ao ato de arrancar o cabelo, mas
que não pode obstruir outras atividades, não pode chamar atenção alheia e deve reforçar a
consciência que o impulso nervoso não está acontecendo.
- Treino de relaxamento: o relaxamento muscular deve ser ensinado ao paciente para
que ele use sempre que sentir a urgência de realizar o comportamento impulsivo.
- Economia de fichas: essa técnica é mais geralmente utilizada em crianças e consiste
em reforçar o paciente através de fichas sempre que ele conseguir resistir ao comporta­
mento indesejável. Essas fichas poderão mais tarde ser trocadas por itens previamente
combinados com o terapeuta.
- Treino em motivação: o terapeuta junto com paciente deve discutir e listar os inconve­
nientes e prejuízos decorrentes do comportamento indesejável.

Sobre Comportamento e CoRníçSo 181


- Reforçamento social: o suporte social irá funcionar como um reforço positivo contin­
gente ao comportamento de não realizar o ato impulsivo. Deve-se orientar aos familiares e
amigos próximos à elogiar o comportamento de resistir ao comportamento impulsivo e o
crescimento do cabelo.
- Restruturação cognitiva: visa reestruturar os pensamentos disfuncionais. (ex. “Nunca
conseguirei parar de arrancar meus cabelo!”).

Método

A paciente foi atendida semanalmente no periodo de três meses. No início do trata­


mento foi feito um levantamento sobre o comportamento de arrancar os cabelos com o
objetivo de estabelecer os prejuízos sociais e emocionais que este transtorno estava acarre­
tando para a vida da paciente. Em seguida foi introduzido o registro do comportamento de
arrancar os cabelos (anexo I), no qual a paciente era orientada a preencher diariamente a
quantidade aproximada de cabelos arrancados, o local que estava durante comportamento,
o tempo que ela levou realizando o comportamento e a atividade que estava realizando.
Diante destes registros foi possível identificar os locais, as situações e os horários mais
propícios para que ocorresse o comportamento indesejado de arrancar e ingerir os próprios
cabelos e, a partir daí, planejar um plano de enfrentamento. Além do monitoramento diário
foram também utilizadas fotos da parte afetada pelo comportamento.

Procedimentos

Abaixo segue a descrição das sessões:


1a Sessão
- Estabelecer aliança terapêutica
- Informar sobre o transtorno e o tratamento
- Identificar o comportamento
- Monitorar o comportamento (Anexo I)
A primeira sessão de qualquer atendimento psicoterápico é sempre muito im­
portante, pois é nela que a aliança terapêutica irá acontecer. É muito importante que o
terapeuta se mostre solicito para com o paciente e, também lhe informe como funciona­
rá o tratamento.

2a Sessão
- Estabelecer agenda
- Verificação do registro de comportamento
-Treino em motivação (ANEXO II)
- Introdução do modelo cognitivo

182 Bernard Rangé e Panlelle Monegalha Rodrigues


3a Sessão
Introdução de técnicas comportamentais:
- cartaz escrito “RESISTA”
- elástico
- monitorar o comportamento
Nesta sessão, a paciente foi orienta a colocar um cartaz escrito a palavra “RESIS­
TA" nos locais facilitadores do comportamento indesejado. Esta técnica tem como objetivo
tornar consciente o ato impulsivo. Também foi solicitado que a paciente utiliza-se um
elástico preso no pulso, e sempre que o impulso do comportamento de puxar o cabelo
acontecesse, ela deveria puxar o elástico. Essa técnica que poòe ser entendida como
punição também tem como objetivo chamar a atenção da paciente para o comportamento
impulsivo.

4* Sessão
- Monitorar o comportamento
- Treino de relaxamento
Diante dos registros semanais, identificamos que 100% das vezes, o comporta­
mento acontecia quando ela estava sozinha; 55% das vezes, o comportamento ocorria
quando ela estava deitada em seu quarto; 20% das vezes, o comportamento acontecia no
seu trabalho; e que o comportamento aumentava nos finais de semana.

5a Sessão
- Uso de touca
- Uso de luvas
- Monitorar o comportamento
Nesta sessão foram introduzidas novas técnicas comportamentais com o objetivo
de dificultar o ato de puxar os cabelos. Em um primeiro momento, a paciente mostrou um
pouco de resistência para aderir esses novos comportamento, sendo necessário realizar
um quadro de vantagens e desvatagens. (Anexo III)

6a Sessão
- Evitar ficar deitada na cama.
- Telefonemas às sextas-feiras.
- Evitar ficar sozinha, (ex. ir na casa da vizinha, ir à pracinha com o filho)

Sobre Comportamento e CotjnlçJo 183


7* Sessão
- Verificação do registro de comportamento.
- Reestruturação de algum pensamento disfuncional.
- Treino de relaxamento

81 Sessão em diante
- Verificação do registro de comportamento.
- Reestruturação de algum pensamento disfuncional.
-Treino de relaxamento

As sessões subseqüentes seguiram basicamente o mesmo modelo da 8* sessão.

Foto da 11 semana Foto da 20* semana

Conclusão

Apesar da paciente ainda se encontrar em atendimento, podemos perceber que a


terapia cognitivo-comportamental se mostrou um método bastante eficaz no tratamento
da Tricotilomana, proporcionando melhoras importantes na qualidade de vida da paciente
acometida com esses tipos de transtornos.
Na práticç clínica, podemos observar que a reação de competência e o controle dos
estímulos possuem um papel muito importante nas melhoras conseguida pela paciente.
Buscando cada vez mais desenvolver habilidades de manejo da ansiedade, ten­
tando incentivar gradativamente a autonomia da paciente.

Referôncias
American Psychíatríc Assocíatíon. (2002). Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais iV-TR
(4th ed. rev.) (Trad. Claudia Dornelles.). Porto Alegre: Artmed.

Azrln, N. H., & Nunn G. (1907). Tratamiento de Hábitos Nerviosos. Barcelona: Martlnez Roca.

Guimarães, S. S. (2001). Trlcotilomania. In B. Rangé, Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais:


Um diálogo com a psiquiatria (pp. 247- 256). Rio de Janeiro, Artmed.

184 Remard Rangé e Panlelle Monegalha Rodrigues


ANEXO I. Quadro de monitoramento semanal

SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SÁBADO DOMINGO

Tempo

Quantidade

Lugar

Atividade

Sentimento e/oi
pensamentos

ANEXO II. Treino em motivação

Razões para eliminar o hábito de arrancar o cabelo:


( ) evito conhecer pessoas
(X) tenho a sensação que os outros riem de mim
(X) evito ser o centro das atenções
(X) sinto que não tenho domínio sobre mim
( ) pessoas sentem pena de mim
(X) me pareço feia
( ) "Faz mal para minha saúde"
( ) “Paceço que tenho doenças graves como Câncer ou Aids"

( )
( ) ....... ..............

Situações que mais evita devido são:

• " Sair de casa em geral"


* “Salão de cabeleireiro"
• Testas"

Sobrr Comportamento e Cognlçdo 185


Pessoas que mais evito são:
• “Familiares”
• “Pessoas da igreja"
• “Vizinhos”
Os esforços que faço para esconder meu hábito são:
• "Não contar a ninguémw
• “Andar sempre com o lenço na cabeça*
• “Evitar sair de casa"

ANEXO III. Quadro de Vantagens e Desvantagens

USAR A TOUCA E AS LUVAS


Aspectos Positivos Aspectos Negativos
- Me impede de puxar - Fico feia
- É apenas por um tempo - Sinto calor

186 Rcrndrd Rdngé e Diinlrlle MoncRdlhd RodriRurs


Capítulo 20
Formulação e tratamento de um caso
de ansiedade social
/ fclenc Shinohârâ'

A ansiedade social parece estar presente, em algum grau, nas experiências dos
seres humanos. No entanto, quando a intensidade é alta e a frequência constante, ela traz
prejuízos para o funcionamento do indivíduo.
O caso a ser apresentado ó de uma jovem M. de 20 anos, ciasse módía alta,
atendida em consultório, na zona sul do Rio de Janeiro. A cliente chegou para atendi­
mento com uma série de queixas que se enquadravam num caso de transtorno de
ansiedade social.
Estes casos são caracterizados por um temor forte e persistente de situações
sociais ou de desempenho quando observados por outros, além de forte desejo de causar
boa impressão e a certeza da incapacidade de conseguir. Eles querem que as pessoas os
avaliem positivamente, porém é como se já soubessem que não conseguirão, experimen­
tando assim ansiedade nos seus contatos interpessoais.

Queixas atuais

A atenção autofocada é uma das características cognitivas destes clientes. No


caso de M., ela permanece focada na ansiedade que está experimentando, na preocupa­
ção com o seu desempenho e nas estratégias para que as coisas saiam da forma que ela
gostaria. O que acontece então é que todas estas informações que ela está avaliando
serão processadas de forma tendenciosa, característica do transtorno, com todo um viés
para que as crenças sejam confirmadas. Ela procura evidências que atestem a impossibi­
lidade de uma avaliação positiva de seu desempenho. Um conjunto de crenças caracterís-

1MonHflda Unlvanildad« Católica do Rio d« Janeiro, PUC-RJ

Sobre Comportamento e Coflnlçflo 187


ticâs ajudam a manter estas dificuldades e explicam o desenvolvimento do transtorno,
como será visto mais adiante.
Em termos de limitações, ela apresenta uma série de atividades que não conse­
gue realizar, como ir a festas, apresentar trabalhos, viajar com colegas, tudo para não se
expor. Também relata uma série de estratégias que facilitam quando a evitaçâo não é
possível, tipo sair sempre com alguém conhecido, criar arranjos que lhe propiciem chegar
ou sair dos locais de uma maneira mais confortável, treinar conversações hipotéticas.
Reclama de alto grau de desconforto físico como dor no peito, sudorese, inqui­
etação, e dificuldade para organizar o pensamento, se expressar verbalmente e recorrer
à memória.

História pessoal

Esta jovem teve uma infância considerada por ela como tranquila; era sempre
quietinha, bonitinha, boa aluna, fazia o que era necessário para não incomodar aos pais e
aos professores.
Seus pais parecem não entender seus problemas atuais, pois para eles ela é uma
menina exemplar, que não dá trabalho e que não tem do que se queixar. "Como pode
agora ela estar se sentindo mal, não querendo ir à faculdade, não fazendo aquele mínimo
que costumava fazer?!" É como se eles não tivessem percebido o desenvolvimento de
suas dificuldades, já que ela não dava preocupação, era responsável, reservada e cordata.
Ambos os pais são bastante críticos, porém de uma forma disfarçada. Por exem­
plo, ela se vestia e perguntava para a mãe: "Mãe, tá legal esta roupa?" E ela respondia:
“Tá, mas acho melhor você trocar a blusa , pois vai fazer frio. E aproveita para trocar a
calça também. Estas cores não combinam”. A mensagem tácita era "como ela podia não
perceber que estava tudo errado?!" Sua mãe parece não ser muito presente nem dedicada,
já a ouviu dizendo que não nasceu para ser mãe. Seu pai reclama mais da sua falta de
reação e lentidão, porém sente que pode contar com ele e têm uma relação mais afetiva.
A família sempre se manteve restrita no convívio social, seja com amigos ou familiares.
Ela frequentemente era reforçada por ser diferente do irmão que logo cedo come­
çou a contestar, reclamar coisas, não concordar com o estilo familiar. Nas brigas do irmão
com os pais ou entre os pais, a conclusão era sempre de que questionar resulta em
conflitos e que estes devem ser evitados a qualquer custo.
Ela percebia toda uma atenção diferenciada para ela por não causar problemas
como ele e, portanto, vantagens em ficar quietinha, se comportar, corresponder às expec­
tativas. Também lhe eram transmitidas mensagens de que ela precisava de proteção, pois
tinha pouca habilidade para lidar com este mundo.
No colégio, dava conta das tarefas satisfatoriamente, porém evitava trabalhos em
grupo, se relacionava o mínimo possível e tinha poucas amigas. Não ia para casa de
nenhuma delas e esporadicamente tinha um contato mais próximo.
Ingressou em uma faculdade pública, da Zona Norte do Rio de Janeiro. Um lugar
que ela não conhecia, um meio social diferente do dela, de menina de Zona Sul, de colégio

188 Helene Shinohara


particular. Foi seu primeiro contato com um mundo maior, diferente daquela pouca diversi­
dade que conhecia. Percebeu que não sabia interagir, se assustou com a pluralidade e,
principalmente, consigo mesma. Ficou claro que ela se comportava de maneira mais
infantil do que as outras meninas, que tinha uma vida limitada, que nunca tinha tido namo­
rado, que não conhecia lugares, que estava distante de saber tudo o que as outras natu­
ralmente sabiam.
Frequentou por seis meses esta faculdade e concluiu que tinha escolhido a
carreira errada. Fez novo vestibular para uma faculdade não pública, achando que seria
um meio mais próximo do dela. Ela então teve menos dificuldade para se adaptar, porém
a ansiedade começou a ficar mais marcante. À medida que foi se tornando mais velha,
mais coisas eram esperadas dela, e ela se via despreparada. Ao escutar conversas
sobre rapazes, sobre experiências sexuais, sobre festas, modas, viagens, ela concluia
que não tinha como conversar com as pessoas, pois não havia feito nada de interessan­
te para contar.
Nesta época ficou bastante deprimida, procurou ajuda módica, tomou ansiolítico
e anti-depressivo. Começou também a fazer psicoterapia, porém não teve resultado e
parou. Ficou só com a medicação por algum tempo e viu que não melhorava. Resolveu
procurar outro terapeuta.

Avaliação Clínica

Foi verificado acentuado déficit em assertividade, dificuldade com criticas diretas


ou indiretas, e não expressão espontânea de afeto. Apresentou relutância em fazer esco­
lhas ou tomar decisões. Não expressava opinião pessoal. Tinha medo de parecer inade­
quada por não saber algo, além de se sentir envergonhada de perguntar. Não tinha opinião
sobre as mínimas coisas. Ela não sabia articular nenhum tipo de avaliação sobre assun­
tos como eleição, guerra, aborto, uso de camisinha etc. Dizia que nunca tinha parado para
pensar.
Evitava freqüentemente cumprimentar pessoas, aceitar convites, dizer não clara­
mente, comprar coisas sozinha, discordar do outro. Se queixava de dúvidas básicas de
interação e de regras sociais (ex: se alguém passar por mim e não falar comigo, o que
faço?; depois da aula, posso fazer alguma pergunta para o professor a sós?; em festas,
como dizer não“quando o cara quer ficar?).
Dessa maneira, decidir evitar pessoas e ser reservada diminuía a probabilidade de
fracasso e crítica. Por outro lado, também intensificava sua percepção de inferioridade em
relação às pessoas de sua idade.
Sua acentuada baixa-estima ficava evidente em verbalizações de que não tinha
graça como pessoa e de que ninguém teria interesse nela. M. acreditava que: “Não tenho
nada de interessante para os outros"; "Eu sou inferior às pessoas da minha idade. Sou
infantil, uma droga"; “Todas as pessoas sabem se relacionar e eu não"; "Se expressar
minha opinião vão rir de mim, os caras só gostam de meninas extrovertidas e divertidas.
Não sou assim e então não conseguirei nada com eles"; "É melhor ficar sozinha para não
correr o risco de ser inadequada"; “Críticas são sinais de que não gostam de você". Essa
última crença era muito forte, qualquer discordância mínima por parte das pessoas era

Sobre Comportamento c Cognição 189


considerada como uma prova concreta de não amor. A medida do grau de amor estava
relacionada diretamente à frequência de crítica que a pessoa fazia dela.

Procedimento Terapêutico

Foram fornecidas informações sobre o que é ansiedade social e compartilhada a


formulação do seu caso. No início da terapia, M. mostrou uma grande dificuldade de
expressar compreensivamente o que estava acontecendo com ela. Parecia-lhe que suas
queixas não se interelacionavam.
Foi importante discutir sobre a formulação do caso e clarificar seu funcionamento.
Entender as variáveis predisponentes, precipitadoras e mantenedoras de seu problema e
a influência de sua forma de pensar sobre sua ansiedade e comportamentos evitativos foi
essencial para o processo terapêutico.
Programou-se, inicialmente, um treinamento em algumas habilidades sociais.
Através de role-playing na sessão e de algumas coisas que eram combinadas para serem
feitas gradativamente, possibilitou-se exposição social e desenvolvimento de um mínimo
de habilidade de interação para que pudesse se sentir um pouco mais capacitada.
Estas experiências forneciam material para uma intensa avaliação dos pensa­
mentos automáticos e discussão sobre suas crenças disfuncionais. Significativas mudan­
ças no seu processamento cognitivo foram observadas.
Acreditamos ser essencial para um trabalho terapêutico eficaz a identificação e
reformulação de crenças. A forma de pensar sobre si mesmo e sobre o mundo influencia
e determina de alguma forma a ansiedade experimentada por M. em situações sociais. As
mudanças afetivas e comportamentais desejadas são alcançadas e mantidas através de
reavaliações cognitivas e experiências de enfrentamento.
A relação terapêutica propiciou uma compreensão mais acurada das suas dificul­
dades. Na interação com o terapeuta, também se observava o quanto lhe era custosa uma
revelação, uma expressão de opinião. Além disso, com o tempo, outros aspectos que
estavam aparecendo neste estilo dela se relacionar com as pessoas foram ficando mais
evidentes. Por exemplo, ela apresentava características de dependência e, se o terapeuta
não prestasse nisso, seria muito fácil acabar fornecendo alguns parâmetros sociais, pas­
sar determinadas instruções, ser mais diretiva às vezes, já que era requisitada por ela
uma certa proteção. Era importante desenvolver com ela uma capacidade de avaliação
pessoal das variáveis da situação e de decisão própria para aquelas circunstâncias, além
de uma condescendência consigo mesma e tolerância às frustrações.
Trabalhou-se no sentido de tomá-la uma pessoa mais independente, que enten­
desse que as pessoas podem gostar dela e nem por isso protegê-la ou fazer as coisas
sempre do jeito que lhe facilitasse. E que as avaliações dos outros são relativas, são só
pontos de vista, e não necessariamente expressam o que ela realmente é. Ter uma com­
preensão mais profunda da forma de ser da cliente orientou o terapeuta em suas ênfases.
Acredito ter sido este trabalho na relação mais significativo para suas mudanças
do que especificamente o trabalho com as questões de habilidades sociais ou
enfrentamentos. Parecia ser essencial ela poder aprender novo estilo de ligação com uma

190 Helenc Shlnohara


pessoa. Tendo o cuidado de não estar simplesmente mudando quem fornecia as regras,
quem decidia por ela, quem cuidava dela, criou-se oportunidade de uma relação diferente
das que ela tinha tido lá fora e da que ela, insistentemente, “pedia" para o terapeuta.

Resultados

Gradualmente ela se tornou mais disponível a aceitar convites sociais e também


a conseguir se divertir nestas ocasiões. Porque uma coisa era ela aceitar convites e outra
era se sentir um pouco mais confortável nos lugares e chegar em casa com uma avaliação
positiva do que ela tinha experimentado.
Após o quarto mês, ela procurou estágio na área dela e começou a desempenhar
uma função que envolvia contato interpessoal além de algumas decisões que ela tinha que
tomar na medida em que precisava orientar as pessoas que procuravam o setor dela.
Ela se mostrou interessada por um colega e pensou na possibilidade de se rela­
cionar com ele. Na medida em que os rapazes representavam um perigo maior do que as
outras pessoas, ela poder imaginar um relacionamento como possível já era uma grande
coisa. Chegou a permitir alguma aproximação desse rapaz e tudo indicava que existia um
interesse mútuo.
Ela começou a relatar estar mais segura nas situações de conflito, quando as
pessoas queriam coisas diferentes ou quando precisava ser firme. Parecia estar sendo
mais flexível nos seus julgamentos sobre si mesma, aceitando suas limitações e aprovei­
tando seus recursos.
A terapia continuou por mais algum tempo discutindo outras questões relevantes
trazidas pela cliente, e foi possível observar manutenção e generalização dos ganhos
terapêuticos.
Foi um prazer atendê-la!

Sobre Comportamento c Cognição 191


Capítulo 21
Experiência com grupos terapêuticos em
uma Clínica Escola

Marta Vieira Vilela1


R. Mosena'
Sandra Lopes?

As constantes fiías presentes normalmente em cíínica escoía foram a razão


principal para que se buscasse o trabalho em grupo. A proposta tornou-se interessante a
partir do momento em que foi possível atender a diferentes seguimentos, tais como crian­
ças, adolescentes, adultos, idosos e grupos específicos para crianças e mulheres no
climatório, grupos de ansiedade e depressão e outros. O olhar para o grupo se dá a partir
de uma proposta na abordagem cognitivista-comportamental. Inicia-se primeiramente com
uma pesquisa sobre as crenças irracionais correspondentes a cada grupo e segue-se
posteriormente um trabalho com as mesmas.
Inicialmente foi realizada uma breve revisão bibliográfica do processo grupai. De
acordo com Revièri (1991) o maior problema que o mundo enfrenta são as questões soci­
ais e a saúde mental e a solução está em se promoverem técnicas grupais de trabalho.
Ainda para Revière (1991) as técnicas grupais beneficiam as pessoas porque promovem
uma didática interdisciplinar, acumulativa e departamental, tanto os diagnósticos devem
ser realizados na piodalidade grupai, quanto o individual esse autor sugere trôs Instrumen­
tos essenciais de trabalho: grupos operativos, estruturas operativas e comunidades
operativas. Não caberia aqui entrar em detalhes nessas modalidades, pois trata-se de um
trabalho específico na área cognitivista-comportamental. Porém Revière é um autor muito
importante na área de grupos e por isso citado no presente trabalho.
Para Revière (1991) a pessoa sadia, à medida que consegue apreender o objeto e
transformá-lo, também faz uma modificação em si mesmo e se insere em um interjogo
dialético, no qual a síntese resolutória de uma situação de conflito transforma-se no ponto
inicial ou tese de outra antinomia, que será solucionada nesse contínuo processo que se
dá em espiral. A saúde mental é esse processo em que uma aprendizagem é realizada
' UCDB-M8

‘kiatltulçto: Unlveraldade Catóttca Ckxn Boaoo - Campo Grande - M S


Clinica - Escola de Psicologia

192 Marta Vieira Vilela, R. Mosena e Sandra Lopei


pelo confronto e manejo dos conflitos e a solução integradora. Ao se cumprir este cami­
nho, a rede de comunicação é sempre reajustada, e só dessa forma é possível elaborar
um pensamento capaz de um diálogo com outro ser humano e enfrentar a mudança.
Em terapia comportamental-cognitiva partindo-se da verificação das crenças irra­
cionais de cada grupo, culmina-se com a resolução de problemas. Cada grupo ó organiza­
do para ter começo, meio e fim em seis meses no máximo.
De acordo com Lima e Derdyck in Rangé e cols. 2001 um dos objetivos desse
trabalho na terapia comportamental cognitiva ó a facilitação da aprendizagem de novos
comportamentos bem como de cognições, durante as sessões e, à partir desse aprendi­
zado os membros aprendem a generalizar tais comportamentos para situações do cotidi­
ano. Nas orientações do grupo o uso do sistema de tarefas ó importante. As mesmas
devem ser trazidas e discutidas com o terapeuta e o co-terapeuta quando houver.
São grandes os benefícios do grupo funcionando o mesmo de acordo com Yolam
(1992) como um microcosmo social. A terapia comportamental cognitiva exige pela sua
própria metodologia uma participação ativa dos membros para que se alcancem os objetivos
propostos. Além disso, o diálogo entre os participantes ó um importante fator de cura já
que todos trocam informações entre si e os caminhos para solução dos problemas podem
ser feitos em conjunto e em sintonia.
O uso da terapia comportamental cognitiva ó relativamente, de acordo com Prazoff,
Joyce e Azim (1986) mais eficaz em grupo. Esses mesmos autores demonstram suas
preferências pelas intervenções cognitivas e comportamentais em vez de técnicas de
insight para o trabalho de grupo principalmente em curto prazo e para lidar com a crise. O
grupo no qual eles trabalharam foram utilizadas técnicas comportamentais cognitivas bem
como técnicas de insight. Foi constatada que as técnicas cognitivo comportamentais
demonstraram maior eficácia. Justice e Justice (1990) também pesquisaram às técnicas
cognitivo comportamentais só que em casos de famílias com problemas de abuso em seu
contexto. Também Ellis (1973) já utilizava essa abordagem com sistema e grupo. A técni­
ca que os autores usavam era de desafiar os sistemas de crenças errôneas dos membros
e das famílias às quais acreditavam serem fruto de um sistema familiar abusivo.
De acordo com Couchaine e Dowd in Dattilio e Freeman (1995), o maior defensor
de uma abordagem cognitiva principalmente em grupos de crise foi Bancroft (1986). Esse
autor em suas observações conclui que a percepção que a pessoa tem da crise como tal
sugere um fracasso de enfrentamento que pode ser melhor aliviado por meio de uma
estrutura cognitiva. Apesar disso Bancrof, em sua conceituação da crise e intervenções
sugeridas, são mais dirigidas a uma psicoterapia individual do que grupai.
A maioria dos que procuram a clínica-escola, com exceção do grupo de crianças,
é formada por pessoas em situações de crise. Beck (1997) é considerado o pioneiro
juntamente com Ellis (1973) da descoberta e estudo com as crenças irracionais. Conforme
já mencionado anteriormente os grupos da clínica escola basearam-se principalmente na
confrontação e enfrentamento das mesmas.
O objetivo do presente capítulo é principalmente demonstrar a possibilidade do
trabalho em grupo na abordagem cognitivo comportamental bem como a sua eficácia a
curto prazo.

Sobre Comportamento e Coflnlçâo 193


Metodologia

Primeiro foram definidos todos os tipos de grupos, trabalho esse realizado princi­
palmente respeitando a demanda para os temas e buscando uma fila de espera que se
formava no decorrer do ano.

Sujeitos
Foi efetivado a formação de treze grupos:
• Grupos de orientação a mães; (total de 2 grupos).
• Grupos de adolescentes; (total de 2 grupos).
• Grupos de crianças com problemas de aprendizagem e comportamento; (total de 2
grupos).
• Grupos da terceira idade.
• Grupos de mulheres no climatério.
• Grupo de ansiedade e depressão
• Grupo de crianças com problemas emocionais (Total de 4 grupos).

Material

Para os grupos de crianças são utilizados jogos pedagógicos.


A bricolagem utiliza-se com diversos materiais para que a criança em dupla ou
individualmente faz o seu trabalho numa base de isopor.
Também nos grupos de crianças a partir de 06 anos são realizados trabalhos com
as crenças irracionais e aplicado o levantamento de crenças Ellis (1973).
Usa-se, vídeos para passar e discutir temas mais relacionados à faixa etária que
está sendo trabalhada. Ex.: adolescentes e idosos.
Retroprojetor - com a finalidade de expor algum tema relacionado também às
fases da vida ou faixas etárias.
Agendas para anotações e cumprimentos das tarefas de casa e RPD. (Levanta­
mento diário de crenças e pensamentos disfuncinais).

Procedimento

O procedimento para trabalhar cada grupo acontece dessa forma:


- Grupo da Terceira Idade.
O grupo da terceira idade possui hoje um total de treze pessoas com idades
variando entre 60 e 75 anos. As problemáticas trabalhadas desde o ano de 2000 têm

19 4 M arta V k Ira V ilrla, R. Mo*ena e Sandra Lopec


girado em torno dos seguintes temas: conflitos de gerações, aposentadoria, stress na
terceira idade, sexualidade, depressão e outros.

- Grupo de Adolescentes
Total de 20 participantes nas idades de 13 a 15 anos. Os temas gerais discutidos
tôm sido: orientação vocacional, stress na adolescência, relacionamento com pais e ami­
gos, alcoolismo e drogas.

- Grupos de Crianças de 7 a 10 anos com Distúrbios de aprendizagem.


Total de 16 crianças divididas em dois grupos. São trabalhados aspectos de aten­
ção, memória, raciocínio lógico, dificuldades específicas de aprendizagem e aspectos
gerais da Terapia Comportamental Cognitiva como, por exemplo: Treinamento de habilida­
des e crenças irracionais.

- Grupos de Crianças de 6 a 10 anos com problemas emocionais.


Total de 36 crianças distribuídas em 4 grupos. Nesses grupos são trabalhados
alguns comportamentos inadequados como birra, agressividade e hiperatividade. Os
recursos utilizados são reforçamento positivo, aproximações sucessivas, treinamento
de habilidades, trabalho com as crenças irracionais, dramatização, imaginação e
criatividade.

- Grupos de Orientação a Mães.


Esse grupo consta de um total de 30 mães divididas em dois grupos, que são
trabalhadas com orientações gerais sobre: Desenvolvimento humano e problemas de com­
portamentos nas crianças. Cada mãe tem a oportunidade de falar do seu filho que esta
realizando tratamento na clinica-escola.

- Grupo de MOlheres no Climatório.


Total de oito mulheres. São trabalhados aspectos gerais relativos a fase do climatório
e também conflitos pessoais.

- Grupo de Ansiedade e Depressão.


Os trabalhos têm girado em torno de assertividade, resolução de problemas e
crenças irracionais.

Sobre Comportamento e Cojjniç3o 195


Resultados

Quadro 1. Atendimento clínico individual, período de março de 2001 a maio de 2002.

2001 2002
Março 10 Março 5
Abril 161 Abril 300
Maio 548 Maio 185
Junho 669
Julho 455
Agosto 816
Setembro 874
Outubro 543
Novembro 685
Dezembro 40
Total geral de atendimentos 5.291.
Total geral em desistência em atendimento individual 1.587 = 30%.

Quadro 2. Atendimento em grupo, período de março 2001 a maio de 2002.

2001 20402
Março 0 Março 48
Abril 12 Abril 61
Maio 176 Maio 144
Junho 153
Julho 153
Agosto 153
Setembro 173
Outubro 198
Novembro 158
Dezembra 58
Total geral de clientes atendidos em grupo 1.487.
Total de desistência 148 =10%.

Percebe-se claramente que a clínica - escola durante o período de março de 2001


a maio de 2002 atendeu um número considerável de clientes, sendo 5.291 individuais e
1.487 em trabalhos grupais. Conclui-se que o trabalho em grupo a cada dia que passa
torna-se mais eficaz e também econômico. Consegue-se atender um número elevado de
pessoas em curto espaço de tempo. Levando-se em consideração que nos grupos de
dificuldades de aprendizagem a porcentagem de alta foi de 30% no de estagiários de
100%, no de adolescentes 80%, chega-se à conclusão de que o trabalho desenvolvido foi
altamente benéfico. Pela observação nos dois quadros percebe-se que também o número
de desistências é bem menor no trabalho em grupo do que no individual.

196 Murtd Vieira Vilela, R, M otena e Sandra l.opcs


A formação inicial desse trabalho ó demorada, mas uma vez em andamento, os
grupos prosseguem de maneira uniforme com poucas faltas e número bem pequeno de
desistência.

Local

O trabalho ó realizado numa clinica escola mais precisamente nas salas de grupo
que possuem aproximadamente oito metros quadrados dotados de salas de espelho.
Cadeiras distribuídas conforme a escolha do terapeuta. São locais agradáveis com ar
condicionado e devidamente preparado para o trabalho em questão.

Discussão e Conclusão

Os resultados desse trabalho vem demonstrando a importância do grupo terapêutico


e sua eficácia conforme Revière (1991). A experiência tem contribuído no sentido de
equacionar de uma forma objetiva o atendimento a um número considerável de clientes os
quais ficariam na fila de espera por muito tempo sem a existência desse trabalho.
Percebe-se que um dos objetivos do trabalho em grupo é a facilitação de novas
aprendizagens e novos comportamentos e cognições, isto foi um fato constatado e que
coincidiu com as observações de Lima e Derdyrk in Rangê e cols. (2001).
As crenças irracionais têm sido trabalhadas com êxito em todos os grupos, mes­
mo no de crianças a partir de seis anos.
Conclui-se, sobretudo, que apesar das dificuldades encontradas, como por exem­
plo, a freqüência devido as dificuldades de passe de ônibus pois a clínica ó em um local
afastado da cidade. Algumas resistências normais das pessoas para a participação de
um trabalho terapêutico no contexto grupai, os saldos tem sido considerados positivos
conforme se pode ver nos gráficos dos resultados obtidos.

Referônclas
Beck A. T., et é\J. (1997). Terapia Cognitiva da Depressào. Porto Alegre: Artes Módicas.

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(Orgs.), Sobre comportamento e cognição - psicologia comportamental e cognitiva da reflexão
teórica a diversidade na aplicação. Santo André: ESETec Editores Associados.

Dattilio, F., & Freeman, A. (Orgs). (1995). Estratégias cognitivo-comportamentais para Interven­
ção na Crise.

Ellis, A. (1973). Rational-emotive therapy. In R. Corsinl (Ed.), Current psychotherapies. Ita9ca, IL:
Peacock. Intervenção em crises. São Paulo: Psy Editorial.

Lima, C., & Derdyrk, P. R. (2001). Terapia Cognitivo Comportamental em Grupo para Pessoas
com Depressão. In B. Rangé (Org), Psicoterapia Cognitivo Comportamentais. Porto Alegre:
Artmed.

Sobre Comportamento e Cognição 197


Prazoff, M.( Joyce, A. S., & Azim, H. F. A. (1986). Brief crisis group psychotherapy: One therapist's
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Scoz, B., Rubinstein, E., Rossa, E., & Barone, L. (1987). Psicopedagogia: O caráter interdisciplinar
na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas.

Rangó, B. (2001). Psicoterapia Comportamental Cognitiva. Uma Relação com Psiquiatria: Por­
to Alegre: Artmed.

Yalom, I. D. (1985). The theory and pratice of group psychotherapy (3rd ed.). Nova lorque: Basic
Books.

198 Marla Vieira Vilela, R. Mosena e Sandra I opes


Capítulo 22
Terapia Comportamental c Cognitiva cm
grupo para Transtorno de Pânico
Terapia C om portam ental C ognitiva em grupo aberto:
Vantagens e desvantagens

Célia Vaisbich Inácio1

A psicoterapia em grupo diferencia-se das abordagens individuais pela ocorrência


de uma rede de múltiplas interações (Schoueri.1995). Assim sendo, ela favorece o pacien­
te no seu processo de aprendizagem das relações sociais, propiciando-lhe a identificação
de seus papéis e o desenvolvimento de suas habilidades sociais.
Na abordagem em grupo o terapeuta age como um facilitador, contribuindo para
que o paciente possa perceber o quanto pode colaborar com os demais membros do
grupo e se sentir aceito, apesar das suas dificuldades. Outro fator importante nesta abor­
dagem, é a possibilidade que o paciente tem de testar a realidade e desenvolver a empatia
para que possa perceber o outro e o mundo mais adequadamente.
A terapia em grupo pelo compartilhar das experiências, pensamentos e sentimen­
tos e não pela somatória dos problemas individuais.
Os grupos podem ser fechados ou abertos. Os fechados são aqueles que não
permitem o ingresso de novos elementos no decorrer do processo terapêutico e os aber­
tos permitem tal incorporação. O grupo de psicoterapia pode se formar com pessoas que
apresentam dificuldades diferentes ou quando há uma questão especifica a ser trabalhada
com objetivos determinados, como no caso dos grupos de auto ajuda. Importante ressal­
tar que o que diferencia os grupos de auto ajuda dos grupos terapêuticos ô que neste
último, há a participação efetiva de um profissional. Normalmente, o número de partici­
pantes na formação de um grupo varia de cinco a quinze pessoas, entre homens e mulhe­
res e dentro de uma faixa etária que pode variar amplamente no caso de adultos. O critério
de quorum para a sessão é optativo, mas deve-se tomar cuidado com o numero reduzido
de participantes para que a terapia em grupo não se transforme em várias psicoterapias
individuais e não perca o enfoque da troca de idéias e emoções, que é o que traz o
resultado do processo (Schoueri,1995).

1Psicóloga do Hospital das Clinicas - FMU3P

Sobre Comportamento c Cognlfclo 199


A psicoterapia em grupo ó muito utilizada na abordagem psicodramática na qual
Moreno, praticamente, só trabalhou em sessões abertas a um grande número de pesso­
as. Isto porque a ênfase desta abordagem está na relação inter humana e nas possíveis
ações transformadoras do homem sobre o meio (Szajnbok,1995). A abordagem cognitiva
comportamental tem feito pouco uso deste procedimento. Poderia ser vantajoso utilizá-lo
em alguns tratamentos como os de fobia social e dificuldades interpessoais, principal­
mente por se basear nas teorias de aprendizagem e no modelo cognitivo, que ó a forma
que o indivíduo percebe e interpreta os eventos que influenciam suas emoções e compor­
tamentos (Beck.1997). A Terapia Comportamental Cognitiva (TCC) é mais utilizada em
sessões individuais e no tratamento dos Transtornos de Ansiedade, Transtornos Alimen­
tares, Disfunções Sexuais e outros.
Dentre os Transtornos de Ansiedade, há o Transtorno do Pânico (TP), que se
caracteriza, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais(DSM
IV), por ataques de pânico recorrentes e inesperados, seguidos por pelo menos um
mês de preocupação persistente acerca de um outro ataque de pânico ou de uma
alteração comportamental significativa relacionada aos ataques. O ataque de pânico ó
representado pelo início súbito de intensa apreensão, temor ou terror, freqüentemente
associados com sentimento de catástrofe iminente e com sintomas de ansiedade,
como falta de ar, palpitação medo de "ficar louco" e outros. Há, também, o desejo de
fugir de onde quer que esteja ocorrendo o ataque (DSM IV). O Transtorno do Pânico
poderá ocorrer com ou sem Agorafobia, que se caracteriza pela presença de fobias de
múltiplas situações como o medo que a pessoa tem de ficar sozinha e de estar em
situações de difícil saída, entre outros.
Foram realizados alguns estudos para demonstrar a eficácia da TCC em grupo
em pacientes com TP. Martinsen et al.1998 realizaram um estudo para tratamento do TP
em TCC em grupo e compararam com os resultados obtidos em tratamentos individuais
em TCC. Eles concluíram que para haver uma boa dinâmica ó importante que os pacien­
tes tenham características comuns com pelo menos mais um membro do grupo. Por
exemplo: se houver algum paciente com depressão ou que faça uso de álcool deverá
haver, pelo menos, mais alguém com o mesmo problema. Esta condição ó importante
para que o paciente se identifique com outro participante do grupo, não se sentindo excluído,
o que poderia levá-lo a desistir do tratamento. Outro aspecto importante neste procedimento
é a participação dos familiares em uma das sessões. As vantagens encontradas na TCC
em grupo são o baixo custo e a possibilidade de ser tratado um número maior de pacien­
tes. Os resultados deste estudo indicaram que a TCC em grupo corresponde aos resulta­
dos individuais e demonstraram que as modalidades do tratamento psicossocial para o
TP podem ser utilizados com sucesso nos tratamentos clínicos.
Em 1198 Otto et al. demonstraram o nível de melhora do paciente durante o
tratamento do TP em TCC em grupo, verificando que essa melhora dos sintomas ocorria
logo no início do processo da terapia em grupo e que continuava durante todo o tratamen­
to. Em 1999 demonstraram a eficácia do tratamento do TP em TCC em grupo em pacien­
tes refratários a medicamento (Otto et al. 1999). Todos esses estudos concluíram que a
melhora mantinha-se após o tratamento.

200 Célia Vaiibich Inécto


O estudo descrito a seguir teve como objetivo verificar a melhora em pacientes
com TP em TCC em grupo aberto. A idéia inicial deste estudo era oferecer um tratamento
efetivo para o grupo controle do estudo prospectivo de evolução de peso e desenvolvimento
de disfunções sexuais em pacientes ambulatoriais com TP tratados com clomipramina,
fluoxetina e placebo.
A metodologia utilizada foi a de grupo aberto onde os pacientes ingressavam à
medida em que eram selecionados para o estudo e o número máximo era de 12 pessoas.
Os atendimentos eram realizados uma vez por semana com duração de 1h30min
e dois terapeutas conduziam as sessões. A amostra foi composta por adultos de ambos
os sexos, portadores de TP, segundo critérios diagnósticos do DSM IV. Além disto, se­
guiu os critérios de inclusão do estudo inicial, a seguir: Os pacientes não podiam:
- apresentar doenças clínicas que interferissem em ganho de peso ponderai ou com res­
posta sexual;
- apresentar diagnóstico de depressão maior e risco de suicídio clinicamente relevante;
- ter outro diagnóstico do DSM IV de Eixo I, que não o TP com ou sem agorafobia;
- fazer uso diário de doses superiores a 10mg de diazepam ou equivalente;
- ter realizado dieta para perda de peso dentro de um período prévio de 2 meses;
- ter ingestão de álcool superior a 2 unidades por dia ;
- os pacientes deviam saber ler e escrever.
As prescrições medicamentosas e ajustes de doses eram feitas pelo corpo módi­
co responsável pelo estudo.
Inicialmente foi realizado um grupo piloto onde as sessões eram estruturadas em
3 blocos de 3 sessões, que se repetiam trôs vezes, totalizando 9 sessões. As trôs ses­
sões seguiam o seguinte programa:

1a sessão: Psicoeducação e Contrato Terapêutico


Nesta sessão o paciente recebia um material didático sobre o TP, que continha
as seguintes informações:
- uma explicação sobre o que é ansiedade e quando ela se torna patológica;
- o que é o TP e a explicação sobre seu modelo cognitivo (Clark, 1986);
- os comportamentos de fuga, evitação ou amparo associados ao transtorno;
- o que são os pensamentos automáticos e sua importância (Rangé, 1995).
Os terapeutas liam o material junto com os pacientes, e esclareciam as dúvidas.
No Contrato Terapêutico estabeleciam-se os critérios de presença e a explicação
do funcionamento do grupo. Os pacientes tinham como tarefa de casa identificar e registrar
os pensamentos automáticos ocorridos durante a semana;

Sobre Comportamento e Cognição 201


2a sessão: Respiração Diafragmática e Relaxamento
Primeiramente, avaliava-se a tarefa de casa, sendo que um dos pacientes lia e
comentava seu registro e os outros participavam dando opiniões e colocando suas experiên­
cias da semana. A seguir, explicava-se a importância da respiração e do relaxamento para
o TP e então, realizava-se um treinamento das técnicas na sessão para sua aprendizagem.
Por fim, os terapeutas apresentavam a tarefa da semana que consistia em treinar
a respiração e relaxamento e também, em anotar as situações toleradas ou evitadas e
quais os pensamentos que estavam associados;

3a sessão: Exercícios Interoceptivos e Exposição


A sessão era iniciada com a avaliação da tarefa de casa, onde um dos pacien­
tes comentava suas experiências e os outros participavam incluindo suas dificuldades e
descobertas. Os terapeutas explicavam a técnica de exposição e sua importância e em
seguida os exercícios Interoceptivos eram realizados em duplas.. Novamente, as expe­
riências do exercício eram compartilhadas entre os membros do grupo e finalmente, os
pacientes eram instruídos e auxiliados a elaborar um plano de exposição, estabelecen­
do uma hierarquia das situações de menor grau de ansiedade para aquelas de maior
grau. A tarefa de casa solicitada para a semana seguinte era o exercício de exposição
e o respectivo registro.
Todos os pacientes deviam completar as 9 sessões. Caso um paciente começasse
a freqüentar o grupo a partir da 2* sessão, ele devia completar seu tratamento quando
repetisse pela 3a vez a sessão de Respiração Diafragmática e Relaxamento. Para que as
sessões não se tornassem repetitivas e desinteressantes os pacientes, que já estivessem
freqüentando o grupo, explicariam os procedimentos aos novos integrantes. Este procedi­
mento servia também, para garantir o entendimento e assimilação das técnicas ensinadas.
Ao término das 9 sessões, tanto os membros do grupo como os terapeutas,
perceberam a necessidade de um espaço para os pacientes falarem mais de si e tam­
bém, a necessidade da presença dos familiares em pelo menos uma sessão para que
entendessem melhoro problema. O programa de atendimento foi modificado introduzindo-
se uma 4° sessão, totalizandol 2 sessões de tratamento.
Na 4* sessão, além da avaliação dos registros de exposição eram utilizadas técni­
cas de Reestruturação Cognitiva. Esta técnica é um instrumento para o paciente tomar
consciência de seus processos de pensamento e corrigi-los ( Rangé,1995). Como muitos
pacientes queixavam se do receio da crítica do outro, no grupo ou em qualquer outra situa­
ção do cotidiano, o conceito de assertividade foi utilizado sempre que necessário .Quando
ocorriam palestras sobre TP para a comunidade os familiares eram convidados a assistir.
Apesar de haver uma sessão dedicada aos aspectos cognitivos, não se excluía a
possibilidade de abordá-los em outras sessões, principalmente porque o procedimento
em grupo colabora com essas questões por meio das relações estabelecidas.
Foram encaminhados para a TCC em Grupo Aberto 56 pacientes, sendo que 35
concluíram o tratamento(62,5%),16 desistiram (28,6%) e 5 nunca compareceram (8,9%).
Alguns destes pacientes que desistiram tinham a necessidade de um acompanhante para

202 Célia Vdiibich Inácio


virem à sessão. Muitas vezes era algum familiar como marido ou algum amigo, que não
podia se comprometer com o horário marcado. Outros pararam a terapia por terem melho­
rado dos sintomas e terem retomado as atividades do dia-a-dia, inclusive o trabalho. Em
função deste relato as sessões foram transferidas para o sábado, o que melhorou, consi­
deravelmente, a presença no grupo.
A avaliação do programa realizado foi baseada no modelo clínico, segundo o
depoimento dos pacientes e da observação. Por meio dos exercícios de exposição, pode-
se notar uma significativa melhora do nível de ansiedade e uma diminuição dos ataques de
pânico. Foi feito o levantamento dos pensamentos mais comentados e verificado que eles
estavam relacionados à baixa auto estima, como por exemplo : "as pessoas não me
agüentam mais "e" eu acho que sou diferente dos outros". Os sentimentos associados
eram os de insegurança, vergonha, desamparo, medo de passar mal, entre outros. O
procedimento em grupo favoreceu o trabalho cognitivo, levando a mudanças significativas
destes pensamentos distorcidos, por meio das relações estabelecidas. Os pacientes
eram encorajados pelos demais participantes a interpretarem as situações do dia a dia de
forma mais real e positiva.
Torres et al. 2001, por meio de um estudo do tratamento do TP com Terapia
Psicodramática, identificaram os mesmos padrões de comportamento citados acima e
concluíram que o processo em grupo pelo compartilhar das experiências e sofrimentos
comuns, propicia uma rápida coesão e suporte grupai, melhorando a capacidade da ex­
pressão dos sentimentos e da auto estima e o aprimoramento dos papéis sociais.
Esta melhora pode ter sido também, devido aos medicamentos utilizados no es­
tudo inicial, duplo cego.
As vantagens encontradas na TCC em grupo aberto, foram:
Com relação a Instituição:
- diminuição do custo em relação a contratação de profissionais,
- aumento do número de pacientes a serem atendidos,
- diminuição da fila de espera de pacientes e
- menor ocupação do espaço físico que costuma ser limitado nestes locais;
Com rejação aos pacientes:
- os pacientes ao se identificarem com os outros se tranqüilizam por saberem que não
são os únicos a ter o problema;
- os pacientes sentem-se mais seguros por compartilharem problemas semelhantes;
- os pacientes instrumentalizam-se para o controle dos ataques de pânico;
- os pacientes demonstram melhor auto estima por transmitirem conhecimentos e técni­
cas aos novos integrantes,
- há o estímulo para aqueles que ingressam no grupo em andamento por observarem a
melhora dos outros,
- o grupo passa a ter uma função social propiciando novos relacionamentos,

Sobre Comportamento e Cogniçdo 203


- o grupo favorece apoio, confiança, estímulo, treino de assertividade e expressão de
sentimentos e
- a repetição das sessões oferece melhor assimilação das técnicas utilizadas.
As desvantagens encontradas, foram:
- pouco tempo para o trabalho cognitivo que tem grande importância no tratamento do TP,
- o grupo aberto necessita de um terapeuta experiente para que o ingresso de um novo
elemento não desestruture o grupo,
- na maioria das vezes os pacientes querem continuar após as 12 sessões, o que não ó
possível em um trabalho institucional e
- as questões relacionadas ao TP em si, dificultam o comparecimento do paciente, o que
interfere na dinâmica grupai.
Há poucos estudos na literatura sobre este assunto e com base nas vantagens
observadas recomenda-se a realização de novos estudos sobre TCC em grupo para paci­
entes com TP e outros transtornos psiquiátricos.

Raferôncias
Beck, J. S. (1997). Terapia Cognitiva - Teoria e Prática. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas.

Hawton, K., Salkovskis, P. M„ Kirk, J., & Cíark, D. M. (1997). Terapia Cognitivo-Comporiamentai
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Martinson, E. W., Olsen, T., Tonset, E., Nyland, K. E., Aarre, T. F. (1998). Cognitive-Behavior Group
Therapy for Panic Disorder in the general Clinical setting: A Naturalistic Study With 1-Year Follow-
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Otto, M. W., Pollack, M. H., Penava, S. J., Zucker, B. G. (1999). Group cognitive-behavior therapy
for patients failing to respond a pharmacotherapy for panic disorder; a clinical case series.

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Rangó, B. (1995). Psicoterapia Comportamental e Cognitiva - Pesquisa, Prática, Aplicações e


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H. Elkis (1995). Psicoterapia Psicodramática (pp.457-461). Porto Alegre: Ed. Artes Módicas.

Torres, A. R., Lima, M. C. P., & Cerqueira, A. T. A. R. (2001). Tratamento do Transtorno de Pânico
com Terapia Psicodramática de Grupo. Rev. Bras. de Psiqulatr., 23(3), 141-8.

204 Célia Vdisbich Inácio


Capítulo 23
Transtorno Obsessivo-Compulsivo:
tratamento cognitivo-comportamental de
um caso de colecionismo
Mdriâ Amélia Penido'
Bernard PimentelKangé'
Leonardo F. Fontenelle1

Estudos recentes indicam que o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é um


transtorno comum que ocupa a posição de 4otranstorno psiquiátrico mais freqüente. É
um transtorno caracterizado pela presença de idéias obsessivas e de rituais compulsi­
vos tipicamente reconhecidos pelo paciente como excessivos ou irracionais. Existem
quatro grandes categorias principais de compulsão: compulsões de limpeza, de verifica­
ção, as obsessões puras e a lentidão obsessiva. Uma outra compulsão que atualmente
vem recebendo cada vez mais atenção é o colecionismo, estudos apontam que pacien­
tes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo que apresentam colecionismo associado ou
não a outro sintoma de TOC tendem a desenvolver um quadro mais grave e de tratamen­
to mais difícil.
É objetivo deste capítulo descrever o tratamento cognitivo-comportamental de um
caso de Transtorno Obsessivo-Compulsivo com a presença de colecionismo, realizado na
Divisão de Psicologia Aplicada (DPA-UFRJ).
O Colecionismo ó um comportamento intrigante encontrado por clínicos tratando
pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Esse comportamento foi primeira­
mente identificado como "colecionismo patológico" definido como um hábito de adquirir e
guardar um grande número de objetos inúteis e com pouco valor para outras pessoas.
Janet descreveu o colecionismo como uma característica de personalidade em pacientes
com psicastenia (Samuels et. al, 2002).
Atualmente o colecionismo ó definido pelo DSM-IV como um critério diagnóstico
para o transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo, caracterizado pela incapacida­
de de desfazer-se de objetos usados ou inúteis, mesmo quando não tem valor sentimen­
tal. Aparece também como um sintoma do transtorno obsessivo-compulsivo, com uma
prevalência de 20-30% (Frost, Krause e Steketee, 1996). Apesar do DSM-IV não conside-

' * ' Unlvcraldade Fed«ral do Rio d* Jarwtro - UFRJ.

Sobre Comportamento e Cognição 205


rar o colecionismo como critério para nenhum outro transtorno psiquiátrico, estudos de
caso têm apresentado evidências de sua ocorrência em outros transtornos como anorexia,
esquizofrenia, oligofrenia e depressão (Frost, Steketee, Williams e Warren, 2000).
Frost et al (1996) realizaram um estudo na população geral, comparando
colecionadores com não colecionadores e concluíram que colecionadores casam-se me­
nos, são mais perfeccionistas, apresentam maiores Índices de psicopatologias e que os
objetos colecionados não diferem em tipo ou qualidade, mas sim em quantidade. Dados
recentes indicam que o colecionismo tem inicio na infância, ocorre em famílias e que a
presença desse sintoma no transtorno obsessivo-compulsivo compõe um quadro mais
grave de difícil tratamento (Samuels et al, 2002).
Outro estudo realizado por Frost et al (2000) comparando pacientes com transtor­
no obsessivo-compulsivo, com e sem colecionismo, e pacientes com outros transtornos
de ansiedade, concluiu que colecionadores apresentam um quadro mais grave com um
índice mais alto de comorbidade. Os pacientes colecionadores se mostraram mais depri­
midos, ansiosos e com mais problemas de relacionamento com a família, além de apre­
sentarem dificuldades em habilidades sociais. Esse dado confirma a alta prevalência de
comorbidade existente entre colecionismo e ansiedade social.

Modelo Cognitivo-Comportamental do colecionismo

A partir da década de 80, houve um interesse maior pelo estudo do colecionismo,


com a publicação de algumas pesquisas que objetivaram investigar melhor esse compor­
tamento. Um artigo publicado em 1996 por Frost e Hartl propôs um modelo cognitivo-
comportamental para o colecionismo compulsivo. Esse artigo define o colecionismo como:
(1) aquisição de um grande número de objetos considerados inúteis e de pouco valor,
combinado a uma extrema dificuldade em desfazer-se desses objetos (2) a ocupação de
espaços pelos objetos colecionados de forma desorganizada, dificultando ou impedindo o
uso adequado desses espaços (3) o comportamento de colecionar causa um prejuízo
significativo na vida do indivíduo.
Nessa análise o colecionismo é considerado um problema multifacetado, influen­
ciado por dóficits no processamento cognitivo, comportamento evitativo, crenças errôneas
quanto á natureza do sentimento de posse e apego emocional excessivo aos objetos
colecionados.
O fator de déficit no processamento cognitivo se refere especificamente à defici­
ência na tomada de decisões, deficiência na categorização e organização, além de dificul­
dades no funcionamento da memória. A indecisão é uma característica marcante do TOC
e do colecionismo. Frost e Gross (1993) propõe que o colecionismo é um comportamento
que tem como objetivo evitar ter de tomar uma decisão e evitar cometer erros. Essa
hipótese vai ao encontro dos dados que mostram que o colecionismo no transtorno de
personalidade obsessivo-copulsivo está relacionado às características de perfeccionismo
e indecisão. Colecionar permite à pessoa evitar ter de decidir sobre jogar um objeto fora,
além de evitar a preocupação por ter cometido um erro. Tomar uma decisão em relação a
se desfazer de um objeto inclui avaliar a utilidade que esse objeto tem ou pode vir a ter e
avaliar o valor sentimental desse objeto. Colecionadores compulsivos parecem considerar

206 Maria Amélia ÍVnido, Rcrnard Pimcnlel Rangé c Leonardo F. Fontenclle


um número maior de objetos como tendo valor sentimental ou podendo ser úteis no futuro.
Esse fato sugere que a deficiência em tomar decisões se deve a uma dificuldade grande
em decidir o que deve ser jogado fora. Pessoas com esse problema parecem exagerar a
probabilidade de virem a necessitar no futuro de um item a ser descartado, além de consi­
derarem catastrófico não ter um item quando necessário.
Crenças quanto às conseqüências de se descartar um objeto útil podem de­
sempenhar um papel importante nesse problema. Colecionadores parecem ter um sen­
so de responsabilidade exagerado, sentindo-se responsáveis pelo objeto colecionado,
sendo um problema grande não tê-lo quando necessário.Tendem a passar mais tempo
pensando nas conseqüências negativas de não ter o objeto do que nos possiveis bene­
fícios de jogá-lo fora.
Quanto à deficiência em categorizar e organizar, esse modelo propõe que o
processamento cognitivo envolvido na categorização seja diferente em pacientes com
TOC, eles tendem a ter um pensamento mais complexo e detalhado, precisando de mais
informação para tomar uma decisão. Esses pacientes criam uma quantidade maior de
categorias que englobam poucos itens, não sabem o que pessoas normalmente guardam
e não guardam, têm dúvidas em relação a objetos que seriam facilmente descartados por
pessoas sem esse problema (embalagens de comida, catálogos velhos). Isso pode ser o
resultado de não terem aprendido, por experiência, do que é seguro se desfazer. Outra
evidência apontada por esse modelo é o fato de que ao pegar em um objeto seu valor é
aumentado, conseqüentemente a categorização baseada no valor do objeto não pode ser
feita, uma vez que ao dar atenção a um objeto o seu valor cresce. Esse fator pode ser
responsável pelos objetos se encontrarem misturados, coisas importantes misturadas a
coisas não importantes.
Em relação à dificuldade de memória, dois tipos de problemas são comuns: a
falta de confiança na memória e a supervalorização da importância de lembrar. Muitas
vezes o colecionador acredita que para lembrar de algo precisa guardar um objeto referen­
te, além disso, é comum o colecionador querer deixar os objetos à vista, precisa estar
vendo para poder lembrar. A hipótese desse modelo, considera que, talvez os
colecionadores percebam como mais grave as conseqüências negativas de não lembrar.
Essa característica estaria ligada ao perfeccionismo. A preocupação excessiva em lem­
brar pode também estar relacionada ao fato de considerarem uma grande quantidade de
itens como importantes. A maioria das pessoas se preocupa em lembrar de coisas impor­
tantes e se preocupam menos com coisas pouco importantes. Se colecionadores tendem
a considerar um número maior de coisas como importantes, lembrar de todas fica extre­
mamente difícil.
Um segundo fator considerado nesse artigo é o apego emocional excessivo, ape­
sar da definição de colecionismo como um sintoma de TOC e de TPOC no DSM-IV não
considerar esse fator, um número crescente de estudos indica que o apego emocional
ocorre com freqüência. Colecionadores consideram várias de suas possessões como
extensão deles mesmos, atribuindo, muitas vezes, características humanas às posses­
sões. Se outras pessoas tocam, mexem ou usam algum dos objetos o colecionador se
sente violado, como se estivesse perdido o controle sobre o ambiente. Um segundo tipo
de apego emocional se dá é em relação à sensação de segurança e conforto que os
objetos transmitem ao colecionador. O fato de comprar ou adquirir objetos, mesmo que

Sobre Comportamento e Cojjnlçâo 207


desnecessários, parece provocar algum grau de conforto para alguns colecionadores. É
nesse aspecto que se imagina existir uma relação entre colecionismo e o comprar com­
pulsivo. Apesar desse fato não ser comprovado, os autores relatam em sua experiência
clinica terem observado vários casos de colecionadores que também são compradores
compulsivos, especialmente comprando itens que nunca serão usados.
Segundo esse modelo, a evitação comportamental está ligada ao perfeccionismo,
à indecisão e ao apego emocional. Guardar objetos permite ao colecionador evitar ou
postergar a tomada de uma decisão, talvez pelo medo de cometer um erro. Colecionadores
são extremamente preocupados em não cometer erros. Pode ser que tomar uma decisão
errada quanto a descartar um objeto seja visto como um erro supervalorizado que é evitado
a todo custo. Também se evita ter de decidir onde guardar um objeto, por isso os objetos
vão sendo empilhados, para se decidir mais tarde. Evitar tomar uma decisão é evitar o
desgaste emocional vinculado a se desfazer de um objeto querido. Há autores que descre­
vem casos de colecionadores que tiveram reações intensas ao se desfazer de um objeto
querido (Frost e Halt, 1996). O interessante é que a reação negativa dura muito pouco
tempo, vindo em seguida uma sensação de alívio. Talvez o mais difícil não seja se desfa­
zer de um objeto, e sim tomar essa decisão, uma vez decidido o problema acaba.
O último fator desse modelo são as crenças que os colecionadores tôm em rela­
ção às possessões. Esse modelo indica trôs tipos de crenças mais comuns: (1) sobre a
necessidade de se manter o controle sobre as possessões (2) sobre a responsabilidade
em relação à possessão (3) sobre o perfeccionismo. Colecionadores parecem ter um
senso de responsabilidade exagerado em relação as suas possessões. Essa preocupa­
ção excessiva com responsabilidade se manifesta de duas maneiras; na primeira o
colecionador tem a responsabilidade de estar preparado para uma necessidade futura,
cada objeto ó visto como potencialmente útil no futuro; na segunda, o colecionador se vô
como tenóo responsabilidade em relaçào ao objeto, o vínculo emocional com o objeto ó
parecido com o vínculo emocional com uma pessoa, os objetos parecem ter um statusde
pessoa e devem ser protegidos contra qualquer dano. De acordo com a experiência de tal
autores é mais fácil para o colecionador se desfazer de objetos doando para reciclagem
ou vendendo (Frost e Halt, 1996).
Esse modelo foi proposto com base na experiência clínica dos autores e em
pesquisas anteriores, reunindo diversos fatores com o objetivo de explicar o colecionismo
sob uma ótica cognitivo-comportamental. O caso clínico, que é objetivo desse trabalho, se
encaixa, em muitos aspectos a esse modelo e o tratamento proposto constitui uma pos­
sibilidade de sua aplicação à prática.

Intervenção

M. C. é uma paciente de 65 anos que procurou atendimento na Divisão de Psico­


logia Aplicada da UFRJ, em abril de 2002. Relatou apresentar transtorno obsessivo-com­
pulsivo desde criança, além de depressão. Ao longo de sua vida tentou diversos tratamen­
tos, tanto medicamentosos quanto psicoterápicos, mas nunca conseguiu alcançar uma
melhora efetiva. Atribui esse fato à época, uma vez que na sua infância e adolescência o
transtorno obsessivo-compulsivo era muito pouco estudado. É também muito bem infor­
mada, tendo acompanhado o desenvolvimento dos estudos a respeito de seu problema, e

208 Marta Amélia Penldo, Bernard Pimrnteí Rangé c Leonardo F. Fontcncíle


apesar de desejar já há algum tempo fazer uma terapia cognitivo-comportamental, sentia-
se insegura e desesperançada. Porém, mesmo assim, decidiu fazer mais uma tentativa,
pois não queria morrer assim, não gostaria de deixar como herança sua bagunça.
Atualmente ó acompanhada pelo serviço de psiquiatria da UFRJ e faz uso de buspirona,
clomipramina e fluoxetina.
Devido ao TOC, ó solteira e nunca teve filhos. Aos 18 anos chegou a iniciar o
curso de Engenharia Química na UFRJ, porém só conseguiu cursar dois períodos, aban­
donando devido às dificuldades crescentes de seu problema. Vive com o irmão num apar­
tamento em Copacabana. Tem uma irmã dois anos mais nova, que é casada e que tem
um filho e um neto. Seus pais faleceram já há alguns anos. Ela não trabalha e se mantém
da herança deixada e com a ajuda do irmão.
Apresenta Transtorno Obsessivo Compulsivo com a presença de rituais mentais,
de limpeza, de verificação e colecionismo. No inicio do tratamento foi aplicado a escala Y-
BOCS e construída uma hierarquia das situações problemas em ordem crescente de
dificuldade. O tratamento reuniu trôs intervenções principais: treino na tomada de decisão
e categorização dos itens colecionados, reestruturação cognitiva e exposição e preven­
ção de resposta, e também, dada a questão específica, desfazer-se gradualmente dos
objetos colecionados. Nessa hierarquia, os itens relacionados ao colecionismo agrega­
vam até 95% de ansiedade, esta ordem foi respeitada, e o tratamento começado pelos
itens que causavam menos ansiedade. Como o objetivo deste trabalho é explicar o trata­
mento do colecionismo, ele se constitui num corte de um tratamento mais longo, dedica­
do a todos os rituais e compulsões, além da depressão apresentados peia paciente.
Quando chegamos na parte do tratamento referente ao colecionismo já havia se estabele­
cido uma boa relação terapêutica, fator fundamental para a efetividade do tratamento.
A primeira parte do tratamento consistiu em discutir informações sobre esse sin­
toma, uma vez que a paciente sentia muita vergonha dos itens colecionados, da casa
desarrumada e não conseguia entender esse seu comportamento, o porque de sua dificul­
dade em desfazer-se de alguns objetos. Esse momento da terapia ajudou a paciente a se
sentir compreendida, a ter um melhor entendimento do seu problema e dos passos se­
guintes da terapia, conquistando assim seu engajamento. Foi abordada a importância de
não colecionar mais, procurando deixar a paciente atenta a esse comportamento.
A segunda parte consistiu em fazer uma lista e especificar uma hierarquia dos
itens colecionâdos em ordem crescente de dificuldade. Com a lista pronta, investigamos
os pensamentos referentes a cada item, para através de questionamento socrático treinar
a habilidade de tomada de decisão e, em seguida, começar a exposição.

Hierarquia dos objetos colecionados e pensamentos associados:

1. Roupas, sapatos e bolsas: "tenho dificuldade em decidir sobre o que ainda posso usar
e me preocupo com o destino das roupas, pois jogar fora é pecado”.
2. Livros: “posso vir a precisar de algum".
3. Jornais antigos sem reportagens Importantes: "guardei pensando que um dia ficaria
melhor e ainda poderia ler".

Sobre Comportamento e Cognição 209


4. Revistas antigas sem reportagens importantes: "guardei pensando que um dia ainda
poderia ler".
5. Sacos de plástico: “podem ser usados como saco de lixo, não posso jogar fora algo
que ainda pode vir a ser útil”.
6. Papel de presente usado: "posso precisar algum dia".
7. Barbante: "posso precisar algum dia".
8. Velas: "posso precisar algum dia".
9. Canetas usadas: "tenho medo de não ter verificado direito, talvez elas ainda funcio­
nem”.
10. Pilhas: “posso não ter verificado direito, talvez ainda funcionem, e pilha é um lixo tóxi­
co, tenho medo de jogar fora e ser responsável pela contaminação de alguém ou de
algum solo".
11. Caixas de todos os remédios que ela tomou durante a vida: "anotava ao redor da caixa
o horário em que tomei cada comprimido, para poder mais tarde me certificar de que
havia tomado e guardava para se algum dia alguém duvidar de que tivesse tomado
certo, eu poderia provar".
12. Receitas antigas de remédio: “guardei na esperança de ser útil no futuro, tinha a espe­
rança de que novas drogas mais eficientes seriam fabricadas para o meu problema e
que essa informação poderia ser necessária para um psiquiatra".
13. Pedaços soltos de papéis com listas e anotações antigas: "tinha medo de esquecer
coisas importantes".
14. Correspondência antiga: “guardei pensando que poderia precisar algum dia e com medo
de jogar uma correspondência importante fora".
15. Material antigo de banco (talões de cheque e notas): "guardei pensando que poderia
precisar algum dia e com medo de jogar algum papel importante fora".
16.Material colecionado sobre TOC (reportagens de jornal, revista e material pego em
congressos): “guardo para poder estudar sempre o meu problema e ver que me esforço
para melhorar".
17. Cadernos com anotações pessoais (uma espécie de diário em que a paciente anotou ao
longo dos anos como se sentia em relação ao TOC): “pensava que essas informações
seriam úteis para tratamentos futuros, sempre na esperança de melhorar algum dia".

Podemos observar três preocupações básicas da paciente em relação ao seu


colecionismo: indecisão, sentimentos de responsabilidade pelos objetos colecionados e
pensamentos referentes à utilidade dos objetos colecionados no futuro. Identificados os
pensamentos e depois de questioná-los de maneira mais racional, nos concentramos em
soluções para facilitar a ação de desfazer-se deles. Combinamos que os objetos recicláveis
seriam doados, contactamos um grupo da igreja para fazer a doação de roupas, sapatos,
bolsas e livros e contactamos uma pessoa que recicla papel. Objetos tóxicos seriam
jogados em lixos apropriados (para baterias e pilhas).

210 Maria Amélia Pcnido, Bcrnard Plmcntcl Rangé e Leonardo h Fontcnelle


O terapeuta faria uma visita semanal a casa da paciente com o objetivo de fazer
uma pré-seleção dos objetos; no intervalo entre as sessões seria responsabilidade da
paciente olhar apenas mais uma vez os objetos, decidir quais objetos realmente iria se
desfazer e tomar as providências necessárias (levar na igreja, chamar a pessoa da
reciclagem de papel) desfazendo-se deles. A terapeuta jamais decidia pela paciente e
nem encostava em nenhum objeto sem autorização prévia do paciente.
Na sessão seguinte se discutiria com a terapeuta quais foram às dificuldades, os
pensamentos, e ficando algum objeto da semana anterior se discutiria com a paciente
maneiras para ajudá-la a treinar a habilidade de tomada de decisão.
Discutido o plano de ação começamos o tratamento. O apartamento possui cinco
quartos, uma sala, dois banheiros, cozinha e área de serviço, é um apartamento antigo
bastante espaçoso. Os objetos colecionados se encontravam concentrados em quatro
dos cinco quartos, incluindo o quarto da paciente que dormia na sala devido à falta de
espaço (o quarto do irmão era respeitado). Na sala havia apenas quatro caixas médias, a
paciente evitava guardar coisas na sala para não incomodar ao irmão.
Na primeira sessão em sua casa, ficou claro que a disposição dos pertences
seguia uma hierarquia, os objetos considerados de maior valor pela paciente ficavam
guardados em seu quarto (onde ninguém podia entrar) e os de menor valor no quarto de
empregada. Respeitamos essa hierarquia, começando pelo quarto de empregada, os
objetos ficavam guardados cada um em um saco e então dentro de uma caixa maior.
Escolhemos trôs caixas grandes para começar, abríamos as caixas selecionávamos de
acordo com a hierarquia, olhando um por um rapidamente e separando. Nesse dia sepa­
ramos 2 caixas grandes de roupa e uma com jornais e revistas antigas sem reportagens
importantes, além de uma caixa grande com os sacos que retiramos dos objetos. Era
permitido à paciente conferir uma vez, com o objetivo de fazer a presença da terapeuta
render mais, durante a sessão se fazia uma pré-seleção rápida, separando os objetos
em categorias de acordo com a hierarquia, para durante a semana a paciente separar o
que seria descartado e descartar. Sua tarefa de casa consistia em olhar mais uma vez
e desfazer-se dos objetos.
Na sessão seguinte verifiquei a tarefa de casa, ela se desfez de tudo que havía­
mos selecionado, relatou não ter sentido muita dificuldade, quando ficava em dúvida pro­
curava pensar mais racionalmente, tentando se colocar no lugar de uma pessoa que não
tem esse problema. Relatou que considerava o ritmo da terapeuta muito rápido e pediu
para que tentássemos separar as coisas mais devagar, concordei e procuramos acertar
um ritmo mais adequado.
Continuamos repetindo essa seqüência por mais três sessões, tendo se desfeito
de mais sete caixas grandes com o mesmo tipo de pertences das anteriores. É importan­
te notar que estávamos trabalhando com os itens de menor dificuldade da hierarquia.
Terminamos o quarto de empregada e passamos para o primeiro quarto do corredor. Co­
meçamos se desfazendo das caixas de roupa que totalizaram 5 caixas grandes, além de
três sacos de lixo de 50 litros cheios de sacos de plástico menores. Começamos a abrir
caixas com itens maiores da hierarquia, nessa fase diminuímos o rítimo, fazendo uma
caixa média por dia. As caixas estavam repletas de papeis misturados (correspondência,
anotações, papéis de missa, jornais velhos, reportagens antigas, caixas de remédio e
receitas). Combinamos de guardaras receitas mais recentes (seis últimos anos) para ela

Sobre Comportamento c Cognição 211


mostrar ao psiquiatra as diferentes combinações de medicação que havia experimentado.
As reportagens sobre TOC e os cadernos de anotações deixamos separados, pois faziam
parte do topo de sua hierarquia.
Esse momento da terapia foi um pouco mais difícil, pois estávamos subindo na
hierarquia. Alguns papéis e anotações traziam lembranças de épocas muito difíceis para
a paciente, gastávamos algum tempo conversando sobre esses períodos, nesses mo­
mentos a terapeuta procurava demonstrar uma atitude compreensiva, acolhedora e empática,
respeitando os sentimentos da paciente, buscando em seguida discutir a lógica do trata­
mento, levando a paciente a ver os ganhos de seus esforços.
Quanto mais avançávamos na hierarquia, mais difícil o tratamento ficava, chegou
um momento em que a paciente começou a ter dificuldade com a tarefa de casa. Procu­
ramos identificar os pensamentos que a impediam de cumprir a tarefa como antes. Rela­
tou ficar muito triste ao ler as anotações, pois deu-se conta do desperdício e sofrimento
que foi a sua vida. Martirizava-se, lamentando muito ter guardado tanta coisa inútil, além
disso, não cumprir a tarefa de casa significava mais um fracasso. Procuramos reestruturar
esses pensamentos e suspendemos a tarefa de casa, uma vez que estávamos subindo
na hierarquia e que a paciente já não colecionava mais. Identificamos a presença de um
pensamento obsessivo "vocô não consegue fazer nada direito, a culpa do tratamento não
dar certo é sua", esse pensamento desencadeava uma ansiedade muito grande na paci­
ente e a impedia de fazer qualquer coisa, ficava desesperada e chorava muito. Para solu­
cionar esse problema gravamos uma fita inteira com esse pensamento, tentando fazer
uma habituação. Ela deveria escutar primeiramente por 15 minutos, todo dia, sem fazer
ritual nenhum, aumentando gradativamente até chegar a 1 hora por dia, sempre resistindo
aos rituais. A terapeuta ficava a disposição da paciente por telefone, se estivesse muito
difícil de resistir, antes de fazer o ritual, a paciente deveria ligar para a terapeuta. Esse
procedimento deu certo, a paciente escutou a fita 1h por dia durante trôs semanas.
Paralelo a esse trabalho, continuamos a jogar coisas fora, no mesmo ritmo ante­
rior, uma caixa média por dia, com os mesmos tipos de itens citados anteriormente.
Tínhamos que olhar os itens um por um, uma vez que normalmente pacientes que
colecionam guardam coisas importantes misturadas com coisas inúteis. Comprovamos
esse fato na prática, encontramos um saquinho com duzentos dólares numa caixa e
depois um pingente de ouro. Como suspendemos parte da tarefa de casa , devido a
dificuldade crescente, a paciente passou a não poder mais conferir antes de se desfazer,
podendo sepafar os objetos apenas durante a sessão. Continuava responsável por se
desfazer dos objetos ao longo da semana, mas estava proibida de conferi-los, uma vez
que isso já havia sido feito durante a sessão. Esse ritmo, (1 caixa média por sessão)
apesar de lento, era considerado pela paciente como ideal. Mais rápido que isso a sessão
ficava extremamente cansativa, produzindo na paciente a vontade de desistir de tudo ou
de postergar essa parte do tratamento.
Aos poucos a terapeuta passou a interferir cada vez menos na categorização dos
itens e na decisão de se desfazer, porém a sua presença constituía um fator necessário,
mesmo sem falar nada. Como se estava subindo na hierarquia, e considerando a gravida­
de desse caso, optamos por deixar a questão da presença da terapeuta para mais tarde,
pensando em fazer uma hierarquia de itens para se descartar, sem a terapeuta, mais
adiante. É importante ressaltar que a paciente não estava mais colecionando objetos, ela

212 Maria Amélia Penido, Bemard Plmcntcl Rangé e Leonardo F. Fonlencllc


estava atenta a importância de não acumular mais coisas, procurando se desfazer o mais
rápido possfvel de objetos novos, como por exemplo às caixas de remédio vazias atuais,
jornais, revistas, canetas, pilhas entre outros.

Considerações Finais

Esse caso tem a presença de diversos dados encontrados na literatura e se


encaixa em muitos aspectos ao modelo cognitivo-comportamental do colecionismo pro­
posto por Frost e Gros (1996). O tratamento está se mostrando efetivo, tendo a paciente
, no momento atual, se desfeito de 70% dos objetos acumulados, além de não estar
acumulando mais objetos. O tratamento continua no mesmo ritmo, avançando um pouco
a cada semana, buscando cada vez mais desenvolver habilidades para tomada de deci­
são, tentando incentivar gradativamente a autonomia da paciente.
É importante notar que o caso de MC não se encaixa nesse modelo apenas no
que diz respeito ao apego emocional excessivo, a paciente não demonstrou ter apego
emocional aos objetos e também não apresentou nenhuma evidência de que o fato de
colecionar objetos proporcionasse uma sensação de segurança e conforto. A definição
de colecionismo encontrada no DSM-IV não considera o apego emocional excessivo
como um fator presente no colecionismo e apesar de alguns estudos (Frost e Gross,
1993; Frost, Krause e Steketee, 1996) indicarem que esse fator é freqüente, no caso em
questão, ele não foi observado.
Os resultados desse estudo de caso indicam que o colecionismo pode ser trata­
do com eficácia através da terapia cognitivo-comportamental. A intervenção feita através
de atendimento na casa da paciente,uma vez na semana.com sessões de 2hs, está se
mostrando eficaz; apontando evidências de que um tratamento que combine restruturação
cognitiva, treino na habilidade de tomada de decisão e exposição gradual com prevenção
de resposta para pacientes colecionadores é eficaz.

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214 Maria Amélia Penido, Bernard Pimentel Rangé e Leonardo F. Tontenelle


Capítulo 24
Arquitetura e psicobiologia do sono nos
transtornos de humor*

MakiUm Nunes Baptista'


Nancy/u/ieta Inocente"
Pauto Rogério Morais 3

Transtornos de humor

Embora a tristeza seja comum em alguns momentos da vida de qualquer pessoa,


particularmente quando eventos ambientais favorecem tal sentimento, algumas pessoas
podem apresentar flutuações no humor de maneira pouco usual, seja pela intensidade,
freqüência ou mesmo em termos de eventos desencadeadores de tais flutuações. Estas
flutuações de humor que fogem da normalidade é o que caracteriza um transtorno de
humor, ou afetivo (Guimarães, 1999).
Os transtornos de humor se constituem em um dos principais problemas de saúde
mental na atualidade. Uma pesquisa realizada por Kessler et al. apud Myers (1999)
demonstrou que a prevalência de transtornos do humor (estimada em 7,8% dos norte
americanos) só ó menor do que as prevalências das fobias (14,3%) e do abuso e/ou
dependência de álcool (13,8%). Estima-se que algo entre 2 e 3% da população está
hospitalizada ou experimenta importantes prejuízos em suas atividades diárias como re­
sultado de algum transtorno de humor (Guimarães, 1999).
Os transtornos de humor apresentados no DSM IV (APA, 1994) podem ser dividi­
dos em três grandes grupos:
a) os transtornos depressivos
a. 1) depressão maior
a.2)distimia
a.3) transtornos depressivos não classificáveis
* Pwmurntndhtx nrtof*lmon(f) dourtauJo rlaak) captiJu, rwxmandmw mMbra prtvta docapfcio *Scno. arguAntint Ktrtfieê t (HsSjrt*»", nf»(o mesmovolumo
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popartamonto da Psiquiatria • Psicologia Médica da Escola Pautala da Madkina - UNIFESP.
Doutoranda pala llnicamp a docanta da UNITAU-SP.
P»teólogo «xporlrnontal a profaasor untvursttAho da Unlvaraictada Braz Cubas. Maatra am Psloabiologla.

Sobre Comportamento e Cognição 215


b) os transtornos bipolares
b.1)tipo I
b.2) tipo II
b.3) cíclotímía
b.4) transtornos bipolares não classificáveis

c) os transtornos afetivos devido à problemas módicos gerais


c. 1) transtornos afetivos induzidos por drogas
c.2) transtornos afetivos não classificáveis

Didaticamente, pode-se estabelecer que existem dois grandes grupos de trans­


tornos de humor: o bipolar e o unipolar. O primeiro tipo caracteriza-se pela alternância
de momento de mania (humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritá­
vel) e de depressão (apresentação de humor deprimido a maior parte do tempo e a
acentuada perda do interesse ou prazer em todas ou quase todas as coisas - anedonia).
Geralmente, os episódios de mania, que podem durar de dias a meses, são seguidos de
períodos de depressão que costumam ter duração três vezes maior do que a período de
mania. A prevalência dos distúrbios bipolares é igual entre homens e mulheres (APA,
1994, Carlson, 1995).
O quadro depressivo apresentado por pacientes com transtorno bipolar não possui
características que o diferencie do quadro de depressão maior (Guimarães, 1999). Já nos
distúrbios unipolares, o paciente apresenta somente episódios de depressão. Tal depressão
pode ser continua e incessante (distimia), ou ocorrer em episódios que, quando não trata­
dos, podem durar de 6 até 24 meses (Stahl, 1998). Cerca de 30% dos pacientes apresen­
tam sintomatologia depressiva durante os intervalos entre crises (Guimarães, 1999).
Estudos epidemiológicos demonstraram que a prevalência dos transtornos de
humor unipolares são mais freqüentes em mulheres do que em homens. A depressão
unipolar atinge as mulheres duas a trôs vezes mais do que os homens. Quanto ao distúr­
bio bipolar, cuja-incidência na população ó relativamente baixa (menos do que 1%), a
prevalência é a mesma, tanto em homens quanto em mulheres (APA, 1994, Carlson,
1995, Guimarães, 1999).
Os transtornos de humor, além de potencialmente incapacitantes, também po­
dem colocar em risco a vida da pessoa. Estima-se que o suicídio seja a causa da morte
de algo entre 10 e 15% dos pacientes com transtornos de humor (APA, 1994, Baldessarini,
1996), além do que aproximadamente 80% dos pacientes com depressão podem apre­
sentar ideação suicida (Hawton, 1992).
Quanto a etiologia, também parece existir a tendência hereditária para o desenvol­
vimento dos transtornos de humor (Carlson, 1995). Em estudos familiares (parentes de
primeiro grau, gêmeos e estudo com adotivos) foram observadas taxas de concordância
significativas da presença de transtornos de humor. A existência de concordância consangü-
ínea indica que os transtornos de humor possuem base biológica em sua fisiopatologia,

216 Makilim Nunes Baptista, Nancy lulicta Inocente e Paulo Rogério Morais
mas também que fatores ambientais desempenham um papel importante no desencadeamento
de tais transtornos, já que, mesmo em estudos com gêmeos monozigóticos, a taxa de
concordância não chega a 100%. Para uma revisão dos fatores de risco psicológicos e
sociais da depressão, consultar Baptista & Assumpção Jr.(1999).
Com relação aos aspectos biológicos, ainda são poucos os conhecimentos acu­
mulados capazes de explicar adequadamente a fisiopatogenia dos transtornos de humor
(Manji, Drevets & Charney, 2001). Por apresentar manifestações bastante complexas e
até mesmo antagônicas (mania X depressão), acredita-se que os transtornos de humor
estejam relacionados a diferentes sistemas de neurotransmissão e diferentes estruturas
neuroanatômicas (Guimarães, 1999, Manji, Drevets & Charney, 2001). Diversas evidênci­
as acumuladas, desde a descoberta acidental na década de 50 dos efeitos antidepressivos
de uma substância que íníbe a destruição de uma categoria particular de neuro-
transmissores, as monoaminas, sugerem que os transtornos depressivos são causados
por anormalidades no metabolismo, liberação ou transmissão monoaminergica (Carlson,
1995). O grupo de neurotransmissores das monoaminas é formado pela dopamina,
noradrenalina, serotonina e histamina (Carlini, 1982).
A hipótese monoaminórgica pressupõe que a depressão seja resultado da defici­
ência de tais neurotransmissores, principalmente a noradrenalina e a serotonina, uma vez
que manipulações farmacológicas que aumentem a disponibilidade destes neuro­
transmissores resultam em melhora no quadro depressivo (Stahl, 1998).

Sono X Depressão

Uma das principais queixas de pacientes com transtornos de humor são os pro­
blemas com o sono, seja para iniciá-lo, mante-lo ou mesmo a sensação subjetiva de ter
tido um sono com pouca qualidade. Como foi abordado anteriormente, alterações no sono
fazem parte dos critérios para o diagnóstico tanto para o episódio de depressão maior
quanto para o episódio de mania (APA, 1995). As alterações no padrão de sono, geral­
mente são os sintomas mais precocemente detectáveis dos transtornos de humor, além
de serem também os mais freqüentes (Paprocki e Rocha, 1996). Somente uma pequena
parcela dos pacientes com depressão (10 a 15%) apresenta um sono eficiente e relatam
passar mais tempo na cama. No entanto, Reynolds III & Kupfer (1987), relatam que os
pacientes que compõe esta parcela, geralmente, apresentam os sintomas de retardamen­
to psicomotor e de falta de energia
As alterações no sono e as queixas apresentadas por pacientes com transtorno
de humor não são as mesmas em todos os transtornos, por exemplo os pacientes com
transtorno de humor bipolar queixam-se principalmente de hipersonolência, isto é, o ex­
cesso de sono ao longo do dia, e a maior parte dos pacientes com depressão maior
queixam-se de dificuldades para iniciar ou manter o sono, ou seja a insônia (Guimarães,
1999). Os pacientes dístímicos podem apresentar tanto insônia quanto hipersonia uma
vez que a distimia não constitui uma grupo homogêneo de pacientes (Paprocki e Rocha,
1996). Sabe-se que as queixas relacionadas ao sono e alterações polissonográficas es­
tão associadas a com a severidade da doença, com a resposta ao tratamento, a
vulnerabilidade e risco de ocorrência episódios de depressão (Perlis et al., 1997). Isto
indica que o clínico, ao tratar de pacientes com algum transtorno de humor (ou mesmo

Sobre Comportamento e Cognição 217


queixas que sejam indício da existência de tais transtornos), deve considerar a possibili­
dade de uma avaliação polissonográfica, tanto para um refinamento no diagnóstico como
também para estabeler estratégias adequadas de tratamento e/ou prevenção.
Além das queixas relacionadas ao sono, os pacientes com depressão, freqüen­
temente, também apresentam importantes alterações na arquitetura do sono (Carlson,
1996). Indivíduos saudáveis têm o sono dividido em cinco estágios, um estágio de sono
REM (do inglês Rapid Eye Moviments, ou movimentos oculares rápidos) e mais quatro
estágios de sono não-REM. O estágio 1 trata-se de um sono leve que dura aproximada­
mente cinco minutos, durante o estágio 2 registram-se elementos eletroencefalográficos
que parecem ter a função de evitar que o indivíduo desperte (os fusos de sono e os com­
plexos K), os estágios 3 e 4 compõem um sono profundo e são chamados em conjunto de
sono de ondas lentas, o estágio REM é caracterizado pela ocorrência de movimentos
oculares rápidos e atividade cortical semelhante àquela observada no período de vigília,
também é durante o estágio REM que ocorre a maior parte dos sonhos. Durante a noite,
estes estágios se sucedem passando do estágio 1 ao estágio 4 e, cerca de 90 minutos
após o indivíduo começar a dormir, inicia-se o estágio REM (Lent, 2001).
A primeira descrição das alterações do sono em pacientes deprimidos foi feita em
1946 por Días-Guerrero e seu colaboradores (Salín-Pascual, 1996). Desde então, muitos
estudos abordando o sono em deprimidos foram realizados e demonstraram claramente
que nestes pacientes a estrutura do sono é notadamente diferente do sono de indivíduos
saudáveis. Pessoas com depressão endógena, geralmente, apresentam um sono que
tende a ser superficial. Durante uma noite de sono, os estágios de sono profundo quase
não são observados, prevalecendo a ocorrência do estágio 1. Além disso, o sono é frag­
mentado, o indivíduo tem diversos despertares ao longo da noite e, geralmente, desperta
precocemente. Outra alteração observada no sono de pacientes deprimidos é o apareci­
mento precoce do estágio REM e, ao contrário do que se observa em indivíduos saudá­
veis, a maior proporção deste estágio do sono ocorre na primeira metade da noite (Carlson,
1996). A latência para iniciar o sono também é maior em deprimidos (Salín-Pascual,
1996). Pelis el al. (1997) observaram correlações moderadas entre sintomas cognitivos,
neurovegetativos, alterações de humor da depressão e o padrão de sono em pacientes
ambulatoriais, isto é, ocorreu a coincidência de alterações eletroencefalográficas durante
o período de sono e determinados sintomas depressivos.
A figura 1 apresenta a comparação entre o sono de um indivíduo saudável e o
sono de um paciente com depressão.

Figura 1. Comparação entre a arquitetura do sono de um indivíduo saudável e de um


paciente com depressão (adaptado de Carson, 1995).

Morande sono

218 Mdkllim Nunes Rdptistd, Ndncy lulietd Inocente e PüuIo Rogério Mordis
B)
alerta

■8

4-
IV i f PI
(f Y
liorusdc sono

O gráfico A representa o padrão de sono de um indivíduo saudável e o gráfico B o


sono de um paciente com depressão. Nota-se que o paciente com depressão apresenta
uma redução no sono de ondas lentas, menor latôncia para iniciar o sono REM e um sono
fragmentado, despertando várias vezes ao longo da noite.
Um fato que chama a atenção ó que manipulações sobre o sono têm se mostrado
úteis no tratamento agudo da depressão. A privação de sono, total ou seletiva, é um dos
tratamentos antidepressivos mais efetivos (Carlson, 1995).
Segundo Wu & Bunney (1990), a privação do sono total produz efeitos imediatos
sobre o humor deprimido. Embora seja um dos tratamento mais eficazes para a depressão
(Gillin, 1987), a duração dos efeitos terapêuticos cessam logo após a primeira ocorrência de
um período de sono, seja o sono noturno ou a sesta diurna (Salín-Pascual, 1996).
A privação total de sono tem efeito antidepressivo em 40 a 60% dos casos (Giedke
& Schwarzler, 2002). Geralmente, pacientes que apresentam humor estável ao longo do
dia não apresentam melhora após a privação de sono total. Os pacientes que freqüentemente
respondem a este tratamento apresentam o humor deprimido logo pela manhã e, ao longo
do dia, seu estado de humor melhora gradativamente (Haug, 1992). Estas observações
são concordantes com a hipótese apresentada por Wu & Bunney (1990), segundo a qual
durante o sono seria produzida no SNC alguma substância neuromoduladora que desen­
cadearia sintomas de depressão em pessoas predispostas.
Da mesma forma que a privação do sono total pode resultar em melhora de um
quadro depressivo, tambóm pode eliciar episódios maníacos em pacientes com transtor­
no bipolar (Riemann, Voderholzer, & Berger, 2002, Wehr, 1992). É comum observar, no dia
a dia, que pessoas sadias relatam sentirem-se "ligadas" após uma noite sem dormir.
Além da privação total do sono, a privação seletiva do estágio REM também
resulta em melhora de um quadro depressivo (Salín-Pascual, 1996). Mas, ao contrário da
privação de sono total, os efeitos terapêutico da privação seletiva do sono REM não ó
observada imediatamente. Assim como acontece com os medicamentos antidepressivos,
a melhora no quadro depressivo só ó observada quando a privação seletiva do sono REM
ocorre de maneira crônica, ao longo de algumas semanas (Carlson, 1995).
Winokur et al. (2001) apresentam uma revisão dos efeitos de diversas substânci­
as utilizadas no tratamento da depressão e seus efeitos sobre os padrões de sono. Ob­
servaram que os principais antidepressivos inibem a ocorrência do estágio REM, atrasan­

Sobre Comportamento c Cognição 219


do o início do primeiro episódio de sono REM e diminuindo a duração dos demais episódi­
os que ocorrem ao longo da noite. Em 1990, Vogel et al, sugeriram que o efeito primário
dos medicamentos antidepressivos seria a supressão do sono REM e que a melhora no
quadro depressivo seria resultado da diminuição do sono REM. Vale lembrar que nem todo
medicamento com efeito antidepressivo, como por exemplo a trimipramina, a bupropiona
e a nefazodona, possuí a capacidade de suprimir o sono REM (Carlson, 1995, Winokur et
al., 2001), deixando claro que os efeitos terapêuticos observados não se devem somente
à supressão do sono REM.
Pacientes tratados com algumas substâncias antidepressiva têm alterações no
padrão de sono antes mesmo de apresentar melhora dos sintomas de depressão. Vogel
et al. (1990) propuseram que um medicamento antidepressivo deveria possuir a qualidade
de inibir o sono REM.
Thase, Simons & Reynolds III (1996) verificaram, em um grupo de pacientes com
diagnóstico de depressão maior que não estavam recebendo tratamento medicamentoso
para a depressão, que após dezesseis semanas de terapia comportamental cognitiva
estes pacientes apresentaram alterações no padrão de sono. Foi verificada uma diminui­
ção significativa na densidade do sono REM, comparada com a linha de base. No entanto,
outros parâmetros característicos do sono de pacientes deprimidos (pouco sono de ondas
lentas e baixa latência para início do sono REM) não sofreram alterações.
Estudos com familiares saudáveis de pacientes com depressão revelaram anor­
malidades no padrão de sono que fortalecem a relação entre a depressão e o estágio REM
do sono. Parentes de primeiro grau de pacientes deprimidos apresentam menor latência
para iniciar o primeiro episódio de sono REM da noite (Giles, Roffwarg & Rush, 1987).
Além disso, também foi observada a correlação entre as alterações do sono ob­
servadas em pacientes com depressão e a responsividade á terapia comportamental
cognitiva. Existem evidências de que pacientes que apresentam anormalidades nas medi­
das eletroencefalográficas do sono apresentam baixa responsividade à terapia
comportamental cognitiva, provavelmente por que a privação do sono se relacione diretamente
à falta de atenção, motivação e outros fenômenos e processos básicos psicológicos funda­
mentais para a eficácia de qualquer psicoterapia. Observa-se também que as alterações no
sono podem indicar menor taxa de recuperação ou remissão e maior risco de recaídas e
recorrências (Thase, Simons & Reynolds III, 1996). Estes mesmos autores levantam a hipó­
tese de que as alterações neurofisiológicas subjacentes à anormalidade observada no pa­
drão de sono interfiram com a aquisição, aplicação e implementação das habilidades e
estratégias enfatizadas na terapia comportamental cognitiva. Tal hipótese merece ser consi­
derada, uma vez que muitos estudos já relataram a relação entre os estágios de sono e os
processos de aprendizagem e memória (Rotenberg, 1992).
Atkinson et al. (1994) citam que pessoas insones ficam ruminando pensamentos
que, pela sua natureza estressante, reduz a chance da pessoa conseguir dormir. Consi­
derando que, geralmente, o paciente com depressão irá despertar em momentos que os
outros estão dormindo, pode-se inferir que nestes momentos, o indivíduo crie um circulo
vicioso ao ruminar sozinho suas idéias autodepressíatívas, culposas e outros pensamen­
tos depressiogênicos enquanto não dorme.

220 Mdklllm Nune* Baptlstd, Nancy Julida Inocentf e P«iulo Rogério Morais
Considerações Finais

Muito embora os currículos dos cursos de graduação em Psicologia venham sis­


tematicamente negligenciando a relação entre os processos mentais e os aspectos de
cunho biológicos subjacentes a tais processos (Ladeira-Fernandez & Cruz, 1998), a abor­
dagem conjunta de aspectos biológicos e fenômenos psicológicos, em particular as
psicopatologias, tem gerado incontestável progresso no entendimento de tais fenômenos
e da inter-relação entre eles. Embora a cuidadosa avaliação clínica do paciente com sin­
tomas de algum transtorno de humor seja fundamental, conhecer os múltiplos eventos
relacionados a tais transtornos poderá ajudar o terapeuta a fornecer um serviço de melhor
qualidade para aqueles que o procura.

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222 Makilim Nune* Baptista, Nancy Julicta Inoccntc e Paulo Rogério Morais
Capítulo 25
Alterações neuroquímicas da depressão
Sandra Obredccht Vargas Nunes1

A depressão é um grande problema de saúde devido sua alta prevalência ao longo


da vida, estimada em 20% das mulheres e 10% dos homens.Na atenção primária sua
prevalência varia de 9% a 20%. Em pacientes, com doenças médicas crônicas, a prevalência
da depressão maior varia de 15% a 36%. O impacto da depressão não limita apenas na
qualidade de vida e na sua interferência na vida pessoal profissional, social e familiar, mas
nos riscos devido à queda de seu funcionamento imunológico, contribuindo no risco de
morbidade e mortalidade (Irwin, 2002).
A melancolia (melan,negro, e cholis , bílis) foi descrita por Hipócrates (460 aC-
370 aC.) Sua descrição clássica de melancolia devido alterações na bílis negra era d e "
aversão à comida, falta de ânimo, insônia, irritabilidade e inquietação...", “ se o medo ou a
tristeza duram muito tempo, tal estado é próprio da melancolia". Da bile negra aos
neurotransmissores, em 1957, marca o início das drogas antidepressivas e a compreen­
são da hipótese de monoaminas (Táki Cordás,2002).
A hipótese de monaoaminas é uma teoria biológica acerca da depressão que
estabelecia que a depressão era devida à deficiência de neurotransmissores da classe de
monoaminas, notadamente catecolam inas (noradrenalina e dopamina) e
indolaminas(serotonina). Certas drogas que depletavam as monaminas como
antidepressivos reserpina causavam depressão. As monoaminas estão relacionadas com
sintomas da depressão. A noradrenalina está relacionada com o humor, retardo, motiva­
ção, vigilância e funções cognitivas e a serotonina está relacionada com humor, função
cognitiva, impulsividade, sexo, apetite e agressividade( Baldessari, 1975, Sthal, 1998)
Outra hipótese da depressão sugere que há uma relação causal entre a desregulação
do eixo hipotálamo-hipóflse-adrenal (HHA). A hiperatividade do fator liberador de corticotrofina
(CRF) está envolvida no início e manutenção da depressão (Bateman 1989).

' PrufoMoni du Pitquiatrla da Untvttraidaòo Fctadual da l ondrina, Moatro om Modkina Intema a Douturanda om Modtdna e Ciência» da Saúda

Sobre Comportamento e Cogniçâo 223


A hipótese macrofágica da depressão propõe que a excessiva secreção de citocinas pelos
macrófagos como a interleucina 1 (IL~1) pode provocar anormalidades hormonais ligadas
com a depressão (Smith, 1991).
A importância clínica das alterações psiconeuroimunolôgica da depressão é o
aumento das taxas de morbidade e mortalidade, particularmente em pacientes com doen­
ças cardiovasculares e predispondo o início e progressão de doenças infecciosas e infla­
matórias (Irwin, 2002).
A psicoimunologia marca uma nova era de pesquisas sobre a influência da de­
pressão e do estresse na saúde e no início e progressão de doenças auto-imunes, infec­
ciosas e neoplásicas( Nunes et al.1998).
A depressão maior ó uma forma comum do transtorno de humor, que se manifesta
por episódios únicos ou recorrentes. A depressão manifesta-se de várias formas. A de­
pressão unipolar tem mais alterações imunológicas do que a bipolar. As alterações
imunológicas estão mais positivamente correlacionadas em pacientes que sofrem de graus
graves de depressão (Connor et al. 1998).
O mais importante mecanismo de controle do sistema HHA na depressão é uma
retroalimentação atravós dos receptores de corticosteróides. Na depressão, a plasticidade
dos receptores dos glicocorticóides no cérebro está diminuída. Além disso, há evidências
de que uma redução nos níveis circulantes de glicocorticóides resulta em uma diminuição
no turnover da serotonina cerebral no hipocampo dorsal e uma supressão da formação do
AMP cíclico, estimulado pela noradrenalina no córtex e no hipocampo (Leonard, 1995).
O aumento de atividade do eixo hípotálamo-hipófise-adrenal (HHA) e a hipersecreçáo
de cortisol em depressivos e estresse estão associados à diminuição do número e da
sensibilidade dos receptores glicocorticóides no cérebro, com prejuízo na inibição da
retroalimentação negativa pelo cortisol ao nível de hipocampo, hipotálamo e pituitária
(Leonard, 1996).
Em adição à hipersecreçáo do cortisol, tem sido relatado o aumento da concen­
tração do fator de liberação de corticotrofina (CRF) no líquido cerebroespinhal de pacien­
tes depressivos. O CRF é o principal ativador do eixo HHA e um importante ativador do
sistema nervoso autônomo. A administração de CRF suprime a proliferação linfocitária e
atividades das células NK em ratos intactos e adrenalectomizados. O aumento de CRF
libera noradrenalina (NA), dopamina e serotonina (5HT). A desregulação noradrenérgica e
serotonérgica central tem sido relacionada a transtornos depressivos e de ansiedade.
Pacientes depressivos mostram diminuição de receptores glicocorticóides linfocitários e
diminuição de receptores de CRF no córtex frontal das vítimas de suicídio (Nemeroff,
1988,1998).
Muitos estudos relatam uma diminuição na resposta linfoproliferativa frente a
mitógenos em pacientes severamente depressivos e hospitalizados (Kronfol, 1986,2000)
e uma diminuição da atividade das células natural killers (NK), uma perda absoluta das
células supressoras/citotóxicas, um aumento da relação entre as células CD4 e CD8
(Irwin, 1987). Resultados contraditórios são relatados por outros autores. Schleifer et al.
(1985) não comprovaram a diminuição da resposta linfoproliferativa em pacientes com
depressão maior.

224 Sandra Obredecht Vargas Nunes


Um grupo de pacientes adultos jovens, com depressão maior unipolar, não medi­
cados e ambulatoriais apresentou maior número de leucócitos e granulócitos circulantes
e um menor número de células NK (Schleifer et al. 1996).
Em um estudo de 21 adultos jovens com depressão maior há relatos de evidênci­
as de um aumento da ativação de linfócitos frente aos mitógenos e uma diminuição do
número e função das células NK durante a depressão aguda, e esta atividade da célula NK
permanecia alterada durante os seis meses de farmacoterapia e após a melhora clinica
dos pacientes (Schleifer et al. 1999).
Em um estudo caso-controle com 40 pacientes depressivos e 34 controles
saudáveis revelou uma significante redução de albumina, elevação de a-1 a-2 e b globulinas,
aumento de receptores de interleucina 2 (IL-2) em depressivos comparados a controles. A
redução da reação linfocitária a mitógeno foi significativamente menor em depressivos
severos e moderados quando comparados ao controle (p<0,05 c2) (Nunes et al., 2002).
Outros autores (Maes et al., 1993) relatam um aumento da concentração plasmática
e da produção in vitro da IL-1 b e níveis elevados de cortisol após o DST em 28 pacientes
com depressão maior e menor. Em outras pesquisas (Mães et al. 1995) relatam que a
concentração plasmática da IL-6, do receptor solúvel de IL-6 (slL-6R), receptor solúvel de
IL-2 (slL-2R) e receptor de transferrina (TYR) estavam significativamente mais elevada em
pacientes com depressão maior do que nos controles saudáveis. Os autores relatam que
o tratamento com antidepressivos nâo afeta a concentração plasmática de IL-6, s!L-2R,
slL-6R e proteínas de fase aguda, concluindo que há um aumento das citocinas pró-
inflamatórias em pacientes com depressão maior presente, independentemente, da atividade
e severidade da doença.
As teorias biológicas da depressão envolvendo os fatores genéticos, monoaminas,
eixo hipotalâmico-hipófise-adrenal interagem com os acontecimentos vitais e estresse
ambiental. A hipótese estresse-diátese explica como interagem os fatores biológicos e
ambientais. O estresse que acompanha o primeiro episódio depressivo resultaria em alte­
rações duradouras na biologia do cérebro. Abuso físico e sexual na infância está associa­
do à depressão na vida adulta(McCauley et al. 1997). Os acontecimentos vitais na infância
tornam as pessoas depressivas na vida adulta. O abuso e a negligência na infância não
somente ativa a resposta ao estresse, mas induz atividade persistente e aumentada do
CRF (Nemerof, 1998).
O impacto de estresse de vida precoce e o desenvolvimento de transtorno de
ansiedade e afetivos na vida adulta foi constatado em pesquisas de animais, com privação
materna na vida neonatal, desenvolvendo hiperatividade do eixo Hipotalâmico-hipófise-
adrenal, principalmente aumento do CRF, na vida adulta (Arborelius et al. 1999).

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Sobre Comportamento e Cognição 227


=Capítulo 26
O estresse e as alterações imunológicas
Sandra Obredecht Vargas Nunes?

Introdução

O estresse é uma adaptação biológica do organismo a uma nova situação. O


conceito de estresse foi definido por Hans Selye, em 1936, significando um conjunto de
forças que atuam contra uma resistência.O estresse é uma parte essencial de nossas
vidas para adaptação em situações novas. Por outro lado, o estresse é o denominador
comum de todas as situações a que não se consegue com facilidade uma adaptação, um
estado de alerta que leva à ruptura do equilíbrio do organismo, tudo o que pode manter o
organismo em tensão e sofrimento ( Nunes et al. 1998).
Os eventos de vida que são percebidos como perda de controle, geralmente
vividos precocemente na vida e que permitem moldar uma pessoa para eventos similares
que podem ocorrer mais tarde. O estudo do estresse à lesão tem demonstrado que o
prejuízo na função imunológica está mais relacionado com a capacidade de lidar com a
situação adversa do que com o estresse em si (Nunes et al., 1998).
A mente e o corpo estão intrinsecamente ligados, e sua interação exerce, a cada
segundo, uma profunda influência sobre a saúde e a doença, a vida e a morte, A relação
da influência da mente sobre a saúde ó reconhecida pela medicina desde o seu início. A
relação da mente com a doença data do século IV antes de Cristo, Hipócrates igualou
a saúde a um equilíbrio harmonioso da mente, do corpo e do ambiente. Foi Hipócrates,
que descreveu a melancolia e relaciona-a com muito sofrimento, dores freqüentes e con­
tínuas. Mais tarde, no século II antes de Cristo, o médico Galeno observou que mulheres
melancólicas pareciam ser particularmente suscetíveis ao desenvolvimento do câncer de
mama (Goleman e Gurin, 1997).

' Profaaaor Ad|unto da Psiquiatria da Universidade estadual da londrina, coordenadora do grupo da estudo* em palconsuroandocrlnolmunologla da
Universidade Estadual da Londrina

228 Sandra Obredecht Vargai Nune*


O enorme interesse da conexão entre o sistema nervoso central (S.N.C.), siste­
ma imunológico, com doenças psiquiátricas e estresse, cresceu nos últimos anos, com o
novo campo de estudo a psiconeuroendocrinoimunologia.
Mesmo as emoções normais são sempre acompanhadas de repercussões bioló­
gicas. Do ponto de vista emocional, o estresse surge quando a pessoa se encontra diante
de uma situação entendida como geradora de insegurança, perda de controle e ameaça.
De qualquer forma, trata-se de resposta do organismo submetido à situação, pela qual
terá que lutar, se adaptar e sobreviver.
O mecanismo necessário para adaptação do estresse é o aumento da atividade
do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) e a hipersecreção de cortisol e catecolaminas
( Elenkov, Chrousos, 1999).
A ativação do eixo HHA está implicada com início da depressão e os estressores
psicossociais e eventos da vida desempenham papel desencadeante entre as pessoas
que têm predisposição genética á depressão. O estresse altera as catecolaminas do
locus coeruleus e aumenta o nível de secreção de glicocorticóides da adrenal, a secreção
do CRF do hipotálamo e de ACTH da pituitária (Elenkov, Chrousos, 1999).
A disfunção do eixo HHA pode ser o fator operativo em certas infecções, altera­
ções imunológicas e transtornos psiquiátricos(Leonard, Song, 1996).
As evidências da influência do estresse e doenças psiquiátricas no sistema
neuroendócrino e imunológico e vice-versa estão presentes em estudos tanto de animais,
como de humanos.

Estudos em animais das alterações imunológicas em depressão e estresse

Adere Cohen (1975) foram os primeiros que evidenciaram o comportamento con­


dicionado de ratos podendo modificar a resposta imunológica. Após condicionar a droga
imunossupressora ciclofosfamida com o gosto de sacarina nos ratos, apenas a apresen­
tação da sacarina era capaz de alterar a resposta imunológica.
Outros estudos relatam a relação de estresse em animais e alterações
imunológicas, mostrando o efeito do estresse em animais que receberam choques elétricos
escapáveis e inescapáveis (ambos os grupos haviam recebido injeções prévias de células
cancerosas, o grupo que recebera choque inescapável desenvolveu tumores mais rapida­
mente, aumento no tamanho dos tumores e diminuição do tempo de sobrevida ) (Skar,
Anisman, 1979).
Há também um estudo que mostra resposta imunológica suprimida em animais
que foram separados de suas mães. Esses macacos evidenciaram resposta linfocitária
suprimida a linfócitos (catorze dias após a separação) em comparação aos 14 dias prévi­
os ( Laudensíager et aí., 1982).
A reação linfocitária suprimida também foi verificada em um outro estudo de
animais, nos quais aplicaram-se choques escapáveis e inescapáveis e nos animais nos
quais foram aplicados choques inescapáveis observou-se reação linfocitária suprimida
(Laudensíager et al., 1983, Lysle etal., 1982).

Sobre Comportamento e Cognição 229


Alterações imunológicas e neuroendócrinas do estresse e depressão em
humanos

Em humanos, as relações entre o estresse e as alterações imunológicas, foram


estudadas em luto. Maridos de mulheres que morreram de câncer de mama tiveram reação
linfocitária a mitógeno reduzida dois meses após a morte da esposa( Schleifer et al.,
1983). Mulheres de maridos falecidos com câncer de pulmão tiveram aumentado o cortisol
e reduzido à atividade das células natural Killer (Irwin et al.1988)
Outro estudo avaliou em mulheres a relação conjugal ruim e mulheres separadas
que não abriam mão da separação conjugal e sua relação com alterações das funções
imunológicas( Kiecolt- Glaser et al., 1987).
Algumas pesquisas relacionaram a depressão e a sobrevida de câncer de mama
(Siegal, 1996). Spiegal (1989) relata que mulheres com câncer de mama submetidas a
psicoterapia de apoio tiveram uma sobrevida de dezoito meses a mais do que aquelas
com o mesmo estadiamento da doença, que não participaram do grupo de apoio.
Um estudo relacionou intervenção psiquiátrica, manejo e estado afetivo e sobrevida
de melanoma maligno (Fawzy et al., 1993).
Pesquisas em pessoas com sintomas depressivos facilitavam a recorrência do
herpes simples vírus e progressão do Vírus da imunodeficiência humana (HIV) ( Zorrila et
al., 1996).
Altos níveis de cortisol, estresse e depressão poderiam ser um grande fator de
risco para a progressão da infecção pelo HIV (Leserman et al.,2000).
A evidência de aumentar o risco de mortalidade e morbidade em pacientes
depressivos com comorbidade com doenças módicas gerais como: neoplasia, doenças
cardiovasculares (Nunes et al, 1998).
A hipótese da comunicação entre sistema neuroendócrino-imune associados ao
estresse e doenças psiquiátricas pode resultar das alterações do eixo hipotálamo-hipófise-
adrenal (HHA), locus coeruleus-noradrenalina, sistema nervoso autônomo simpático, que
podem modificar status imunológico e a susceptibilidade a doenças em indivíduos vulnerá­
veis (Arborelius e al. 1999, Black, 1994).

A conexão neuroendócrina e imunológica no estresse

O estresse tem sido associado ao perigo e ativa a amígdala. Por meio das trilhas
que vão da amígdala até o núcleo parventricular do hipotálamo secreta o fator de liberação
de corticotrofina CRF, que é enviado à hipófise, que por sua vez, libera o hormônio
adrenocorticotrópico (ACTH) na corrente sangüínea. O ACTH por seu turno tem uma ação
no córtex supra-renal fazendo-o liberar glicocorticóides no sangue. O cortisol atravessa
livremente a corrente sangüínea rumo ao cérebro onde se vincula com receptores
especializados nos neurônios das regiões do hipocampo e amígdala e também outras
regiões. Graças ao hipocampo, os glicocorticóides inibem a liberação do CRF pelo
hipotálamo. Contudo enquanto estiver presente o estímulo emocional a amígdala tentará

230 Sandra Obredecht Vdrgas Nune*


provocar a liberação do CRF pelo hipotálamo. O equilíbrio entre as informações excitatórias
da amígdala e inibitórias do hipocampo para o hipotálamo é que determina a quantidade
da secreção do CRF, ACTH e finalmente, de glicocorticódes. A persistente hiperatividade
do cortisol reduz a expressão dos receptores glicocorticóides do hipocampo levando ao
bloqueio do feedback negativo. Enquanto estiver presente o estimulo emocional a amíg­
dala tenta provocar a liberação do CRF pelo hipotálamo. Se a hiperatividade do CRF per­
siste na vida adulta, células ficam hipersensíveis e reagem vigorosamente mesmo em
estresse leve. (LeDoux, 1998 p.221)
Abuso e negligência precoce não somente induzem a resposta ao estresse, mas
induzem ativação do eixo Límbico-Hipotálamo- Hipófise-Adrenal(LHHA)., aumento da con­
centração do fator de liberação de corticotrofina (CRF) no líquido cefalorraquidiano e redu­
ção do número de receptores do CRF no córtex frontal( Heim e colaboradores, 2000)
Na hipótese de que estresse precoce resulta em persistente sensibilização ou
hiperatividade do CRF no SNC, mesmo a estresse leve na vida adulta, contribuindo para
transtorno de humor e de ansiedade foi conduzido um estudo em mulheres com e sem
abuso sexual e físico na infância, com e sem depressão na vida adulta resposta do nível
do cortisol, ACTH e freqüência cardíaca a estressores psicossociais laboratoriais.
Mulheres com história de abuso na infância exibiram aumento de resposta hipófise-
adrenal e autonômica ao estresse comparado ao controle. Este efeito foi mais intenso em
mulheres com depressão e ansiedade (Heim et al. 2000). No estudo de resposta alterada
do eixo hipófise-adrenal ao teste provocativo de administração do CRF em adultos sobre­
viventes de abuso na infância. A resposta plasmática do ACTH e cortisol a administração
de CRF e resposta plasmática do cortisol a administração de ACTH teve alterações nas
mulheres abusadas com depressão (Heim et al., 2001
A exposição crónica do estresse e o aumento dos níveis de glicocorticóides po­
dem induzir a mudanças morfológicas como diminuição da árvore dentrítica e mesmo
contribuir para morte neuronal no hipocampo (Wolkowitz et al. 2001).
Em mulheres que foram vítimas de abuso sexual na infância tiveram o volume do
hpocampo reduzido (Stein et al., 1997).
Pesquisas na área de psiconeuroendocrinoimunologia podem dar novas pistas para
a compreensão das relações entre os fatores psicológicos e de comportamento associados
a transtornos físicos ou doenças, e no futuro poderá levar a contribuição de como as
psicoterapias contribuirão para normalizaras alterações neuroendocri-noimunológicas.

Conclusão

As alterações imunológicas e neuroendócrinas do estresse podem contribuir na


predisposição de mudar o curso e prognóstico de doenças relacionadas com a
imunocompetência. No futuro, novos estudos poderão analisar como o estresse pode
influenciar no risco de morte prematura por condições módicas relacionadas com altera­
ções imunológicas e neuroendócrinas.
A relação das alterações imunológicas e neuroendócrinas na compreensão da
fisiopatologia de algumas formas de estresse tem relevância na prática clínica e no futuro

Sobre Comportamento c CoRnlçJo 231


poderá ter melhor entendimento em novas estratégias de psicoterapias. A psicoterapia
tem como objetivo ajudar o individuo com seu problema e o efeito pode ser alcançado
auxiliando o córtex pré-frontal a adquirir o controle sobre a amígdala.
A amígdala e suas conexões fazem com que o cérebro detecte perigos e situa­
ções sem controle. Através da psicoterapia, as conexões do córtex são auxiliadas a
expandirem para que possam adquirir o controle crescente sobre a amígdala, permitindo
que os seres humanos fiquem treinados a controlarem suas emoções (LeDoux, 1998).

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Sobre Comportamento e Cojjnlç3o 233


Capítulo 27
Insônia e tratamento comportamental
Nancyjulicta Inocente1
Sandra Lcdl Calais?
Paulo Rogério Morais*
Màkilim Nunes Baplistâ1
Rubens Reimid'

O sono pode ser definido como um estado fisiológico caracterizado por abolição
prontamente reversível da consciência, por quiescência motora relativa e por elevação do
limiar de respostas ao meio ambiente, que ocorre em episódios periódicos.
O sono é composto por estágios que sofrem alterações no decorrer da noite,
constituído em torno de quatro a seis ciclos sucessivos, cada qual de 90 minutos, com
alternância entre dois estados fisiológicos distintos: sono REM e não-REM (Reimão, 1985;
Reimão, 1997).
O sono REM (Rapid Eyes Movment) é ativo, desincronizado, recebe este nome
por ocorrerem surtos de movimentos oculares rápidos e a maioria dos sonhos. O Nrem é
caracterizado por um ritmo lento dos movimento dos olho, dividido em quatro estágios de
acordo com sua profundidade; parece estar projetado para o repouso, pois a tensão mus­
cular, o movimento corporal, a temperatura e o metabolismno apresentam-se reduzidos
(Reimão, 1985; Reimão, 1997; Souza & Guimarães, 1999; Santos et al., 2002).
Os transtornos do sono, especificamente a insônia, devido a sua freqüência na
população geral, representa uma importante fonte de deteriorização do rendimento laborai
e social, produzindo agravos médicos e psiquiátricos (Ribas; Gómez & Rodés 2001).
Estudos prospectivos indicam que a insônia é fator de risco para a depressão,
distúrbio de ansiedade em geral, distúrbio de pânico e abuso de álcool (Martinez, 1999;
Rocha, Lage e Costa, 2001; Alho Filho, 2002).

Doutoranda pala Untcamp e docente da UNI TAU SP


sPsicóloga, Docente na Universidade Estadual Paulista 'Juko de Mesquft* Fftio* UNESP-Bouru. doutore pela PantJflds Universidade Católica de Campinas
4Psicólogo Experimental/Professor universitário Universidade Bnu Cubes Meatre em Psioobiologia
Doutor em cMnde pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Escola Paulista de Medldna - UNIFESP Psicóloga Clinico/ Professor
^niversitArio Centro Universitário Hermlnlo Ometto (UNIARARA8) e Universidade Broz Cubas.
llvre-docente da Dlvlséo de Clinica Neurológica do Hospital das Cilnlcas da Faculdade de Medtdns da Unlversldado de Sfto Paub. Presidenta do
Departamento de Neurologia da Associação PauHstJi de Medidna

234 Nancy J. Inocente, Sandra L Calai», Paulo R. Morais, Makilim N. Baptista e Rubens Relmâo
A insônia é o distúrbio comum e pouco diagnosticado nos serviços de cuidados
primários de saúde (Souza, 2001a). Um de cada quatro pacientes sofre algum tipo de
transtorno do sono, sendo que a maioria desconhece que os transtornos podem ser trata­
dos (Hernández, 2002).
A insônia é a falta de sono no período, quando por convenção o indivíduo deveria
estar dormindo (Souza e Guimarães, 1999). Trata-se de uma queixa subjetiva de algo de
sono não reparador, ou dificuldades em iniciar ou manter o sono, comprometendo as
atividades diárias. As causas da insônia variam e incluem problemas físicos, sociais,
emocionais, ambientais, higiene inadequada do sono e situações de estresse (Martinez,
1999; Souza, 2001b).
A prevalência da insônia varia na população geral de 12 a 76,3% (Souza, 2001a);
30 a 35,% dos adultos têm dificuldade para dormir e 10 a 15% relatam problemas crônicos
ou severos (Souza, 1999; 2001a), sendo 18, 1% de insônia leve e 16, 4% de insônia
moderada e grave (Rocha Lage& Castro, 1999).
O conceito de insônia é de não dormir ou dormir pouco ou mal durante uma série
de dias. A dificuldade em iniciar o sono é chamada de Insônia Inicial: o paciente se queixa
que não conseguir conciliar o sono ao deitar-se na cama. Dificuldade em manter o sono é
chamada de Insônia Intermediária ou Insônia de Despertares Múltiplos: o paciente dorme
mais ou menos com facilidade, porém, ao deitar-se desperta logo após, concilia o sono
novamente, desperta, resultando em poucas horas dormidas. Por último, o sono excessi­
vamente curto: chamado de Insônia Terminal ou de Despertar Precoce, em que o paciente
dorme com relativa facilidade, porém ao chegar nas primeiras horas da madrugada, des­
perta e não consegue conciliar mais o sono.
Os transtornos do sono são freqüentes em crianças, sendo que 10a 20% desper­
tam habitualmente durante a noite e necessitam de ajuda para dormir. Têm-se associado
distintos fatores com a insônia infantil: complicações peri-natais, estresse familiar, hábi­
tos inadequados e dinâmica da relação das crianças com os pais. Dentre os diversos
tipos de transtornos do sono, a insônia constitui em um preditor de risco psicossocial de
primeira magnitude em investigações longitudinais (Pedreira e Martins Álvarez, 2001).
A etiologia da insônia na infância possui causas multifatoriais, sendo um proble­
ma habitual em crianças com problemas neurológicos (Estivill et al., 2002; Poley, 2003),
geralmente se observando mais do que uma falta de sono, como uma inadequação entre
o ritmo da necessidade de sono próprio da criança e o seu ambiente familiar e social.
A causa mais habitual da insônia é ambiental, comportamental e de ordem psico­
lógica e o diagnóstico da insônia infantil baseia-se na determinação do diagnóstico dife­
rencial com parassônias, perturbações motoras do sono e do despertar (Poley, 2003).
O ritmo do sono é a primeira função fisiológica a ser submetida a uma organiza­
ção a partir do nascimento (Ranna, 2000; Sirerol, et al., 2002).
Em geral, os pais realizam de forma inadequada o ato de dormir de seus filhos
que favorecem o despertar de forma habitual durante a noite. A maneira mais eficaz é criar
o hábito de sono desde os primeiros meses de vida, cabendo ao pediatra oferecer informa­
ção correta aos pais para prevenir estes transtornos (Sirerol et al. 2002).

Sobre Comportamento e Cognição 235


Freitas e Bulgari (2002) estudaram insônia e sonolôncia excessiva em 292 crian­
ças do ensino fundamental de 5 a 8° série, com idade média de 12 anos e 3 meses. Os
resultados apontaram que 56,7% dos entrevistados apresentaram insônia inicial; 41,7%
insônia intermediária; 62,9% insônia final e 50,9% sonolôncia excessiva.
Em outro estudo as autoras citadas avaliaram a insônia e sonolôncia excessiva em
232 alunos do Ensino Médio na faixa etária de 14 a 18 anos. Os resultados apontaram que
62% apresentavam insônia inicial; 36% insônia intermediária; 56% insônia final e 32,5%
sonolôncia excessiva. As pesquisas indicam que os adolescentes constituem a faixa etária
mais privada de sono. Entre a infância e a puberdade, a quantidade de sono diminui de 10 a
11 horas para 8,5 horas por noite (Bulgari e Freitas, 2000). Nesta faixa etária, o excesso de
atividade física pode provocar estresse, insônia e baixo rendimento escolar.
Álvarez e Sánchez (2002) realizaram um estudo epidemiológico em uma amostra
de 864 jovens que se incorporaram ao serviço militar. Da amostra pesquisada 36,7%
referiram demorar mais de 20 minutos em conciliar o sono e 42,1 % relataram que tinham
episódios de hipersonolôncia diurna.
Os distúrbios do sono e queixas de insônia sâo prevalentes em adultos e ocor­
rem, no mínimo em um a cada 10 adultos da população geral (Fichten et al., 1994; Espie,
et al., 2001; Edinger, et al., 2003). Diversos estudos epidemiológicos constatam que a
insônia é mais prevalente na mulher do que no homem e sua aparição aumenta quando se
acerca a menopausa (Bayo, 2003).
Segundo Souza e Reimão (2002) pacientes criticamente doentes exibem eficiên­
cia do sono reduzida, sono reparador reduzido, freqüentes despertares e acordares pro­
longados.
A prevalôncia da insônia em mulheres é de 22%, a porcentagem aumenta em
35% quando chega a menopausa e 40% depois desta etapa da vida. A falta de estrógenos
e de progesterona, própria desta etapa da vida da mulher, produz um atraso na conciliação
do sono e aumenta a sua fragmentação. A incorporação da mulher na vida laborai, exigên­
cia de horários, dedicação ao trabalho pode provocar situações de estresse, depressão e
ansiedade que conduzem a este transtorno (Espie, et al., 2001; Bayo, 2003).
A prevalência da insônia na terceira idade é alta, e, quando crônica, provoca
irritabilidade, déficit de atenção e memória sendo fator de risco para quadros de depressão
e ansiedade (Rossini, 2002).
Os problemas de sono mais comuns em idosos consistem em iniciar e manter o
sono, despertar precoce e excessiva sonolência. Observam-se alterações no ciclo-vígilia
decorrentes das seguintes alterações: artrites; doenças hipertensivas; doenças cardía­
cas; doença de audição e ouvido; sinusite crônica; doenças oculares e visuais; diabetes;
varizes; hemorróidas; constipação intestinal; doenças do sistema urinário; doenças febris
e hérnias (Alho Filho, 2000).

Insônia e Tratamento Comportamental

Intervenções não-farmacológicas para transtornos do sono, empregam, na maior


parte, técnicas da terapia comportamental com eficácia comprovada (Fitchen et al., 1994;

236 Nancy J. Inocente, Sandra L. Caiais, Paulo R, Morai», Makilim N. Baptista e Rubens Reimâo
Buysse et al., 1997; Souza e Guimarães, 1999; Inocente e Reimão, 2001; Edinger, et al.
2001; 2003; Espie et al., 2001; Smith et al., 2002).
Smith et al. (2002) conduziram uma revisão quantitativa na literatura sobre os
resultados de alguns tratamentos, a fim de comparar a eficácia em curto prazo da
farmacoterapia e da terapia comportamental em insones. Os resultados obtidos mostra­
ram que não haviam diferenças de magnitude entre os tratamentos farmacológicos e
comportamentais. A terapia comportamental demonstrou maior redução do tempo de es­
pera para dormir do que a farmacoterapia. Os autores concluíram que a terapia
comportamental e a farmacoterapia produzem resultados a curto prazo similares.
Geralmente, as técnicas de tratamento comportamentais são usadas predomi­
nantemente em pacientes com insônia primária, que apresentam hábitos de dormir mal
adaptados e aprendidos que precisam ser modificados.
A eficácia do tratamento comportamental para a insônia foi demonstrada em di­
versos estudos, utilizando técnicas de controle do estímulo, restrição do sono, relaxa­
mento e educação de higiene de sono (Fichten et al., 1994; Edinger et al., 2001; 2003;
Inocente e Reimão, 2001; Espie et al., 2001; Smith, et al., 2002). A seguir serão aborda­
das algumas técnicas utilizadas no tratamento da insônia, que devem somente ser aplica­
das após uma ampla avaliação de cada cliente.

Controle de Estímulos

A Terapia de Controle de Estímulos consiste de um conjunto de procedimentos


projetados para eliminar os comportamentos incompatíveis com o sono e regular o pro­
cesso de dormir/acordar dos pacientes. Estes procedimentos são os seguintes:

Ir para a cama somente quando tiver sono.


• Usar a cama e o quarto somente para dormir e fazer sexo (isto é, sem leituras, sem ver
televisão, comer, trabalhar, se preocupar no quarto, tanto durante o dia quanto a noite).
• Levantar da cama e ir para a sala sempre que estiver indisposto para dormir ou retornar
para dormir dentro de 15 a 20 minutos e retornar para a cama somente quando estiver
novamente com sono.
• Repetir este último passo tão freqüentemente quanto necessário durante toda a noite.
• Acordar pela manhã a mesma hora, não importando a quantidade de sono obtida na
noite anterior.

De acordo com o paradigma de Controle de Estímulo, a insônia é resultado de


condicionamento mal adaptado no qual o estímulo temporal (tempo de cama) e o estímulo
ambiental (a cama e o quarto de dormir) que eram anteriormente condutores para o sono,
tornaram-se associados com o despertar, frustração e permanecer em atividade.
O principal objetivo terapêutico é restabelecer o controle associativo entre o sono
e aquelas condições sobre as quais ele ocorreu previamente.

Sobre Comportamento e Cognição 237


Restrição do Sono

Os que dormem pouco freqüentemente aumentam o seu tempo na cama em um


esforço mal dirigido para oferecer mais oportunidades para dormir, resultando em sono
fragmentado.
A restrição ao sono ó projetada para limitar a quantidade de tempo gasto na cama
em relação ao tempo de sono atual. Faz-se necessário elaborar um programa individuali­
zado entre o dormir e acordar, determinado para a duração do sono estimado, a partir de
um registro diário de sono, mantido por pelo menos uma semana.
Ajustes semanais na janela do sono são feitos contingencialmente com a eficiên­
cia do sono (isto é, o tempo total do sono dividido pelo tempo na cama multiplicado por
100%). O tempo permitido na cama ó aumentado em 15 a 20 minutos a uma dada semana
quando a eficácia do sono exceder a 90%, diminuindo pela mesma quantidade de tempo
quando a eficiência do sono for menor do que 80% e mantido estável quando a eficiência
do sono cair entre 80 a 90%. Estes ajustes são feitos periodicamente até que seja atingi­
da uma duração de sono ótima. No entanto, o critério usado par modificar o tempo permis-
sível na cama pode ser alterado de acordo com as necessidades de cada situação clínica.
O tempo na cama ó raramente restrito a menos de que 4 a 5 horas por noite.
O principal efeito da restrição ao sono é produzir uma privação de sono leve, a
qual por sua vez, promove um rápido surgimento do sono, melhorando a sua continuidade
e aprofundamento. É preciso cautela com pacientes que executam atividades perigosas
como ó o caso de motoristas de caminhão. O procedimento pode ser modificado para
pacientes idosos, permitindo um breve cochilo após o almoço.

Relaxamento

As intervenções baseadas no relaxamento compartilham a premissa de que o


estresse, ansiedade ou despertar excessivo interfere com o sono. Diversas técnicas de
relaxamento podem ser usadas, tais como o relaxamento muscular progressivo, o treina­
mento autógeno e o biofeedback eletromiográfico, que são principalmente direcionados
para o despertar somático, isto é, situações de tensão muscular.
Contrariamente, o foco do tratamento com treinamento de imagens reforçadoras e
parada de pensamentos indesejáveis são aplicados para interromper a seqüência de com­
portamentos de pensar intrusivos.

Educação de Higiene do Sono

A Higiene de Sono está preocupada com práticas de saúde, dietas, exercícios,


uso de substâncias e fatores ambientais (luz, barulho, temperatura, colchão) que podem
ser tanto maléficos ou benéficos para o sono. Embora estes fatores sejam raramente de
severidade o suficiente para ser a principal causa da insônia crônica eles podem compli­
car um problema de sono existente e impedir o progresso do tratamento. As linhas guias
de Higiene de Sono incluem o seguinte:

238 Nancy J. Inocente, Sandra L.. Calai», Paulo R. Morai«, Makilim N. Baptista c Rubens Reim.Io
• Cafeína, nicotina são ambas estimulantes do sistema nervoso central e não devem ser
usados 4 a 6 horas antes de ir para cama.
• Álcool é um depressivo e embora possa facilitar o surgimento do sono ele produz inter­
rupção do sono.
• Exercícios regulares no final da tarde ou no inicio da noite podem aprofundar o sono;
evite o exercício muito perto do tempo de ir para a cama.
• Minimizar o ruido, a luz e temperatura excessiva durante o período de sono, com protetor
de ouvido, blindagens de janelas ou um cobertor elétrico ou ar condicionado.
Embora os insones sejam geralmente melhor informados a respeito da higiene
do sono eles também se engajam mais em práticas não saudáveis do que aqueles que
dormem bem. Assim, o objetivo da educação da Higiene do Sono não ó só elevar a
atenção e o conhecimento destes fatores, mas promover melhores práticas que favore­
cem o sono.
A importância de dormir bem como fator de saúde requer medidas preventivas e
educativas nas diferentes faixas etárias do desenvolvimento humano. Recomenda-se a tera­
pia comportamental para comportamentos inadequados ligados aos transtornos do sono.

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Sobre Comportamento e Cognição 241


Capítulo 28
Sono: arquitetura, funções e distúrbios
Paulo Rogério Morais '
M akilim Nunes Baptista'
Sandra Leal Calais'

A exibição de ciclos regulares de atividade e repouso é um fenômeno universal­


mente encontrado entre os animais vertebrados. A alternância entre períodos de sono e
vigília pode ser observada em todos os mamíferos, pássaros e repteis. Peixes e anfíbios
também apresentam períodos de quietude que certamente podem ser chamados de sono
(Ayala-Guerrero & Mexicano, 1996; Carlson, 1995).
Geralmente, o sono é tido como período de repouso, no qual ocorre um mínimo de
atividade. Mas, a despeito de serem observados somente poucos movimentos durante o
sono, o mesmo não pode ser descrito simplesmente como um período de redução de
atividade, uma vez que o sistema nervoso central (SNC) apresenta intensa atividade neste
período. Existem células nervosas que apresentam atividade de cinco a dez vezes maior
durante algumas fases do sono do que durante a vigília, como por exemplo grupos celula­
res localizados na formação reticular pontina (Lent, 2001).
O sono é considerado por muitos autores como um estado de consciência. Brandão
e Cardoso (2000) titam que os estados de consciência podem variar entre o alerta máxi­
mo, caracterizado pela presença de ondas eletroencefalográficas dessincronizadas e alta
responsividade aos estímulos ambientais, até o sono profundo, no qual o registro
eletroencefalográfico e sincronizado e a responsividade para estímulos ambientais fica
claramente reduzida.
O sono é também um comportamento (Carlson, 1995). Existem inegáveis altera­
ções na consciência, mas as alterações comportamentais que acompanham este fenô­
meno também são marcantes. A ausência de movimentos, a adoção de uma postura

1Psicólogo F-xparimantal / Pmfaasor unlvorsttârto, Unlvarsldade Braz Cuba* M«atr« «m Pakxibiotogia


‘ Psicólogo Clinico/ Profassor Unh/aretUhrto, Contra Universitário Hemilnto O m ttto (UNIARARAS) • Universidade Br«/ Cubai Doutor «m dènda polo
pepartamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Escola PaoHata d * Madldna - UNIFESP.
Psicóloga. Docente na Universidade Estadual Pautaa ‘Júlo da MaaquHa F t» ” UNESP-flauru, ckjutnm pala Ptmdfkia IMvoreldade Católica da Campinas

242 Püulo Rogério Mordi», Mdkllim Nunes Itaptistd e Sundra I.c jI Cdldis
peculiar, a baixa responsividade aos estímulos do ambiente, além dos comportamentos
associados à procura de um local quieto, seguro e confortável, são algumas das caracte­
rísticas deste comportamento.
Com todas estas alterações comportamentais que acompanham o sono, a sim­
ples observação e registro dos comportamentos que ocorrem durante este período foi a
primeira abordagem para o estudo do sono. A aparente imobilidade em uma determinada
postura talvez seja a característica observável mais marcante dos períodos de sono. Estu­
dos mostram que a postura adotada durante os períodos de sono estão ligadas a fatores
ambientais, como por exemplo a temperatura e o local onde se dorme. A postura adotada
durante o sono é sempre aquela capaz de evitar que o desconforto gerado por eventos
ambientais interrompam o sono. Em ambientes frios, ratos (e humanos também) apresen­
tam pronação geral, isto ó, flexionam a cabeça o tronco e os membros sobre o ventre,
enquanto que em ambientes mais quentes dormem estirados. Tais posturas podem ser
alteradas por condicionamento (Schmideck et al., 1972).
Embora a observação do comportamento durante os períodos de sono tenham
apresentado resultados relevantes, as alterações mais marcantes que ocorrem durante
estes períodos não podem ser estudadas a partir da simples observação e registro do
comportamento. Tais alterações ocorrem dentro do organismo, em seu sistema nervoso
central. Durante a primeira metade do século XX, descobriu-se a relação entre algumas
medidas fisiológicas e o sono. Os fisiologistas americanos Loomis, Harvey e Hobart des­
creveram, ao longo da segunda metade da década de 1930, alterações eletroencefalográficas
que ocorriam ao longo do período de sono (Timo-laria, [199-]).
Atualmente, o sono também pode ser estudado através da ressonância funcional,
que avalia alterações no fluxo sangüíneo em regiões encefálicas ativadas durante o sono,
e da tomografia por emissão de pósitrons (PET scan), usada para avaliar o consumo de
glicose em estruturas envolvidas com o sono. Mesmo assim, as técnicas eletrofisiológicas
ainda continuam sendo as mais utilizadas no estudo do sono (Timo-laria, [199-]).
As medidas eletrofisiológicas tradicionalmente empregadas no estudo do sono
são o eletroencefalograma (EEG), que registra a atividade do córtex cerebral; o
eletromiograma (EMG), usado para avaliar o tonus muscular; e o eletro-oculograma (EOG),
que monitora os movimentos oculares. Por tratar-se da medida de múltiplos parâmetros
relacionados ao sono, em conjunto, tais medidas recebem o nome de polissonografia
(Guiot, 1996). “
O estudo dos padrões eletrofisiológicos do sono, principalmente os eletroencefalo-
gráficos, forneceram informações que teriam sido impossíveis de se obter a partir da
observação comportamental do sono. Tais pesquisas demonstraram, por exemplo, que o
sono não é um evento único e muito menos uma forma de completo repouso (Brandão e
Cardoso, 1995, Carlson, 1995). O sono, em humanos, é dividido em cinco estágios que
possuem características polissonográficas distintas e funções específicas e que se repetem
em ciclos ao longo da noite. Destes cinco estágios, um estágio apresenta características
muito diferentes das outras quatro, por isso uma divisão mais simplista divide os estágios
de sono em dois: o sono REM (do inglês Rapid Eye Moviment) e o sono não-REM. A
divisão do sono em estágios, embora arbitraria, é precisamente definida pelas características
eletrofisiológicas de cada estágio.

Sobre Comportamento c Cognição 243


Os estágios do sono

Antes de tratar dos estágios de sono, é necessário abordar o estágio que precede
o sono: a vigília. Durante o período de vigília, ocorrem comportamentos extremamente elabo­
rados e a interação e responsividade aos estímulos ambientais ocorrem de forma plena. O
funcionamento do SNC permite a atenção seletiva a estímulos comportamentalmente rele­
vantes, concentração em tarefas motoras e cognitivas. Nos períodos de sono isto não acon­
tece, exceto em algumas patologias relacionadas ao sono, como por exemplo o sonambu-
íísmo ou a ausência de atonia muscular durante a ocorrência dos sonhos.
Em períodos de vigília, uma pessoa normal apresenta em seu registro eletro-
encefalográfico dois padrões básicos de atividade cerebral. Quando o sujeito encontra-se
de olhos abertos, atento aos eventos ambientais ou pensando ativamente (resolvendo um
problema, por exemplo) a atividade cortical ó caracterizada pelas ondas beta, que são
irregulares, com alta freqüôncia e baixa amplitude (de 13 a 30 Hz). Já quando a pessoa se
encontra descansada, quieta e não está engajada em nenhuma atividade mental ativa, ou
quando está sonoíenta, o córtex cerebral apresenta atividade predominantemente alfa,
que consiste de ondas irregulares, de média freqüôncia e amplitude (entre 8 e 12 Hz).
Cerca de 2% do tempo total de sono ó constituído por este tipo de atividade.
Em um estágio intermediário entre o sono e a vigília, o estágio 1, o córtex passa
a apresentar principalmente ondas teta (entre 3,5 e 7,5 Hz). Durante este estágio, tam­
bém chamado de sono leve, e que dura cerca de 2 minutos, o indivíduo apresenta movi­
mento oculares rotatórios e pode mesmo abrir e fechar os olhos lentamente. Pode tam­
bém experimentar alucinações hipnagôgicas, que sâo experiências sensorials sem
estimulação ambiental que desaparecem se o indivíduo for acordado. Segundo Myers
(1999) tais sensações podem ser incorporadas às memórias. Alucinações deste tipo dão
origem a relatos de visitas de espíritos, deuses ou seres extraterrestres (Sagan, 1996).
No estágio 2, que dura aproximadamente 20 minutos, um relaxamento muscular
mais pronunciado pode ser observado, os olhos não apresentam mais os movimentos
rotatórios e a atividade cortical passa a apresentar fusos do sono (rajadas curtas de ondas
de 12-14 Hz que ocorrem de duas cinco vezes por minuto) e dos complexos K (ondas
súbitas, bem definidas e encontradas quase que exclusivamente durante o estágio 2 do
sono). Bowersox, Kaitin e Dement (1985) sugeriram que os fusos do sono representam
uma atividade cerebral que diminui a sensibilidade a estímulos sensoriais e ajudam a
manter a pessop dormindo. Já os complexos K, ocorrem espontaneamente durante o
estágio 2 do sono, mas podem ser eliciados por ruídos do ambiente.
Os próximos dois estágios do sono compõe o sono profundo e são chamados em
conjunto de sono de ondas lentas. No estágio 3 do sono, inicia-se o aparecimento da
atividade delta, ondas de alta amplitude e baixa freqüência (abaixo de 3,5 Hz), mas ainda
são observadas ondas teta e fusos do sono e, eventualmente, complexos K. Neste está­
gio, a responsividade a estímulos ambientais é mínima tornando o indivíduo difícil de ser
acordado. Mesmo os complexos K são difíceis de serem eliciados por ruídos. Não há uma
distinção muito clara entre os estágios 3 e 4 do sono. O estágio 4 do sono diferencia-se do
anterior pela presença maciça de ondas delta. Enquanto o estágio 3 é composto por de 20
a 50 por cento de atividade delta, o estágio 4 contém mais do que 50% de atividade delta
e a supressão dos fusos do sono e dos complexos K. É interessante notar que os episó­
dios de sonambulismo se dão no final deste estágio (Reimão, 1996).

244 Pdulo Rogério Mordls, Mdkilim Nunei Baptista e Sdndra l eal Cdidlt
Os estágios 1, 2, 3 e 4 são também chamados de sono sincronizado ou sono
não-REM. A primeira denominação se deve a presença de ondas de baixa freqüência e
alta voltagem, já a segunda foi um definição dada por exclusão a todo sono que não é
REM. A seguir são apresentadas as características desta fase de sono que por muito
tempo escapou da análise dos estudiosos.
Embora os estágios do sono já tivessem sido claramente demarcados na década
de 1930, somente em 1953 foi descrito um estágio de sono no qual ocorria a
descrincronização da atividade cortical e o aparecimento de intensos movimentos ocula­
res. Aproximadamente uma hora e meia após o início do estágio 1 do sono, e quando o
sujeito encontra-se em sono profundo, inicia-se um estágio de sono com características
polissonográficas completamente diferentes das dos estágios anteriores. Algumas medi­
das eletrofisiológicas apresentam uma mudança brusca. O EEG toma-se dessincronizado,
com aspecto muito semelhante ao observado durante o período de vigília e estágio 1 do
sono. A perda de tónus muscular, uma quase paralisia, pode ser observada no EMG e o
registro do EOG mostra uma atividade irregular, rápida, periódica e com alta freqüência. E,
justamente por causa desta atividade registrada pelo EOG, que Kleitman e Dement deram
o nome deste quinto estágio do sono de sono REM (Dement, 1994). Esta fase do sono
também recebeu o nome de sono paradoxal, por causa da atividade cortical beta que é
característica dos períodos de vigília (Timo-laria, [199-]). É nesta fase que ocorrem aproxi­
madamente 75% dos sonhos que são relembrados durante a vigília (Brandão e Cardoso,
1995, Weiten, 2002)
Muitas outras alterações são observadas neste estágio de sono. O córtex motor
apresenta intensa atividade, mas qualquer expressão comportamental desta atividade são
inibidas na região do bulbo cerebral. A despeito da maior parte dos neurônios motores
estarem fortemente inibidos, nota-se pronunciada atividade cerebral, sendo que o fluxo
sangüíneo e o consumo de oxigênio no cérebro mostram-se acelerados. Também ocorre
um aumento na atividade simpática, resultando em variações na pressão arterial, nos
batimentos cardíacos, na respiração, entre outras. Em homens saudáveis, observa-se
ereção peniana, e na mulher ocorre o aumento na secreção vaginal, mesmo quando os
sonhos não apresentam um enredo sexual (Carlson, 1995).
O aparecimento de ereção peniana durante o sono REM, independente de
estimulação sexual ou mesmo do conteúdo erótico dos sonhos, tem sido utilizado clinica­
mente para se avaliar as causas de impotência (Sierra, 1996). Através da medida da
circunferência cio pênis ao longo da noite, pode-se descartar causas fisiológicas para a
impotência. É interessante notar que, após descobrirem que são capazes de alcançarem
um ereção, muitos homens apresentam melhora na disfunção erétil sem necessitarem de
qualquer outro tratamento específico (Carlson, 1995).
Outra característica marcante do estagio REM é a intensa atividade onírica, mes­
mo em indivíduos que relatam não lembrar de terem sonhado. Quando uma pessoa é
acordada durante o sono REM, esta pessoa apresenta-se alerta e ativa. Se alguém per­
guntar o que está acontecendo a esta pessoa, ela provavelmente relatará seu sonho. O
mesmo não acontece se a pessoa for acordada durante os outros estágios do sono (Carlson,
1995, Myers, 1999).
A maior parte dos sonhos relembráveis ocorre durante o sono REM. Os sonhos
que ocorrem neste estágio do sono tendem a ser como uma história, com uma seqüência

Sobre Comportamento e CognlçAo 245


de eventos que são narradas de maneira bastante precisa e lógica, ao contrário dos so­
nhos que ocorrem em outros estágios do sono. Brandão e Cardoso (2000), afirmam que o
substrato neural dos sonhos possivelmente esteja localizado no hemisfério direito do cé­
rebro, uma vez que pacientes com o corpo caloso secionado não relatam ter sonhado,
embora apresentem a ocorrência do estágio REM no hemisfério direito e a ausência deste
estágio no hemisfério esquerdo. O corpo caloso é um feixe de fibras neuronais que faz a
ligação dos hemisférios direito e esquerdo. Sendo o hemisfério esquerdo responsável pela
“tradução" do sonho em palavras, percebe-se a impossibilidade da expressão verbal daquilo
que acontece no hemisfério direito.
Em indivíduos saudáveis, com um tempo total de sono médio de 7,5 horas, os
estágios do sono se repetem de quatro a seis vezes, em ciclos de aproximadamente 90
minutos, ao longo de uma noite normal de sono. Na primeira metade da noite, predomina
o sono de ondas lentas (estágios 3 e 4), que praticamente desaparece na segunda meta­
de do período de sono (Carlson, 1995).
A arquitetura do sono não se mantém a mesma ao longo da vida. Nas descrições
acima enquadram-se o sono de jovens e adultos de meia idade. Crianças e idosos apre­
sentam padrões diferenciados de sono. Recém-nascidos podem dormir cerca de 16 horas
por dia, sendo que cerca de 50% do tempo total de sono é ocupado pelo sono REM. Com
o avanço da idade, o tempo total de sono e o tempo ocupado pelo estágio REM diminuem
gradativamente (independente de pressões sociais, tais como trabalho e estudo). Ao lon­
go da vida, o sono se torna mais superficial, havendo uma nítida redução na ocorrência
das ondas delta dos estágios 3 e 4 e dos fusos de sono do estágio 2 (Tankova e Buela-
Casal, 1996). Possivelmente estas características tenham relação com o sono leve e
fragmentado das pessoas idosas.

Funções do sono

Embora cerca de um terço da vida humana seja gasto com este comportamento,
a ciência do sono não encontrou uma resposta totalmente convincente para explicar por­
que o sono é um fenômeno observado em todos os animais vertebrados. Com a exceção
dos efeitos da dor extrema e da necessidade de respirar, o sono é provavelmente o mais
forte impulso na vida dos animais (Carlson, 1995). A privação de sono tem efeitos muito
mais incapacitantes do que a privação de alimento ou bebida. Um indivíduo pode até
mesmo tentar (e conseguir) se suicidar deixando de ingerir líquidos ou alimentos, mas não
atigirá seu objetivo se optar por deixar de dormir, o impulso para dormir será mais forte.
As explicações que existem hoje para esta questão são somente teorias e hipó­
tese, uma vez que os resultados dos estudos não são conclusivos. Atualmente, existem
duas teorias que tentam explicar este fenômeno: a) o sono seria uma resposta adaptitativa;
e b) o sono serviria como um processo reconstituinte.
A explicação do sono como uma resposta adaptativa é sustentada por algumas
observações concordantes com as idéias de Darwin, que enfatizava que todas as caracte­
rísticas de um organismo (morfologia, coloração e comportamento) possuem função para
a perpetuação da espécie. Levando em consideração a disponibilidade de alimentos e o
risco de ser encontrado por um predador, não parece ser funcional para um animal manter-
se ativo durante todo o tempo.

246 Paulo Rogério Morais, M akilim Nunes Baptista e Sandra Leal Calais
Considerando o ciclo natural de claro-escuro de 24 horas de um dia, os animais,
em geral, tendem a dormir nos períodos que teriam maior probabilidade de serem encon­
trados por um predador e menor chance de encontrar alimentos. Períodos de quiescôncia
mostram-se funcionais pois, ao mesmo tempo que evitam os riscos que teriam estando
ativos, os animais gastam menos energia. Animais que possuem esconderijos seguros e
não necessitam de alimento em curtos intervalos de tempo, tendem a dormir mais. Gran­
des predadores, como o leão, por exemplo, também passam boa parte do dia dormindo.
Uma regra geral mostra que os animais que estão em uma posição ecológica privilegiada,
isto ó, não precisam temer predadores, ou que necessitem alimentarem-se em intervalos
curtos de tempo, devido ao seu metabolismo acelerado, dormem menos que os demais
animais ou tem curtas ocorrências de sono ao longo do dia (Carlson, 1995, Myers, 1999).
No entanto, existem animais cujo comportamento que apresentam são contrários
à teoria de que o sono seria uma resposta adaptativa, pois aparentemente viveriam melhor
sem dormir. Uma espécie de golfinho (Platanista indi) que vive em águas barrentas no
Paquistão, não possuí visão, mas um sistema de sonar que lhe permite a navegação e a
busca de alimentos. Este animal nunca pára de nadar, pois as fortes correntezas e a
grande quantidade de escombros que é levada pelas águas, certamente poderiam lhe
causar danos se dormisse. No entanto, este golfinho dorme aproximadamente 7 horas por
dia, em breves cochilos que duram de 4 a 60 segundos (Pilleri apudCarlson 1995). Embo­
ra a visão destes animais tenha deixado de existir por não ter função, o mesmo não
aconteceu com sono. De fato, algumas espécies de mamíferos aquáticos apresentam um
padrão de sono bastante peculiar, enquanto um dos hemisférios cerebral dorme, o outro
apresenta-se alerta (Ayala-Guerrero & Mexicano, 1996).
A presença universal do sono entre os vertebrados, com clara influência ambiental
em sua ocorrência, sugere que o sono não se trata de uma simples resposta de necessi­
dades fisiológicas, mas mostra que ao menos uma determinada quantia de sono deve
cumprir alguma função fisiológica (Carlson, 1995).
A outra teoria afirma que o sono teria a função de recuperar o organismo dos
efeitos do desgaste que ocorre durante o período de atividade. Os estudos que se propõe
a avaliar esta hipótese baseiam-se em procedimentos que teoricamente aumentariam o
desgaste físico ou intelectual dos sujeitos Carlson, 1995). Também são avaliados os efei­
tos da privação de sono, tanto em humanos quanto em animais de laboratório.
Estudos com humanos (Home, 1978) mostram que a privação total de sono não
interfere com a fiabilidade na execução de exercícios físicos, além de não existirem evi­
dências de uma resposta de estresse fisiológico. Situações estressantes que podem
causar o aparecimento de doenças ou até mesmo danos em órgãos, geralmente são
acompanhadas de alterações fisiológicas relevantes como o aumento da pressão arterial
e os níveis sangüíneos de cortisol e adrenalina (Mills, 1985). As mesmas alterações fisio­
lógicas não são observadas em pessoas privadas de sono (Carlson, 1996).
De fato, os efeitos da privação de sono são bastante sutis. Ocorre a supressão
do sistema imunológico (Irwin et al., 1994), além do prejuízo em tarefas cognitivas (Dotto,
1996). A privação de sono também pode induzir estados alterados de consciência, como
o aparecimento de alucinações (Huxley, 1983).
Os efeitos da privação de sono são muito mais drásticos em ratos do que em
humanos. Quando privados de sono, ratos ficam com um aspecto doente, ficam fracos,

Sobre Comportamento e Cognição 247


perdem a capacidade de regular a temperatura corporal e embora aumentem o consumo
de alimento, perdem peso progressivamente (Carlson, 1995). Após cerca de 15 dias de
privação total de sono ocorre a morte destes animais (Velluti, 1996). Tais alterações podem
indicar que os resultados obtidos em estudos com humanos devem ser interpretados com
cuidado, uma vez que nestes estudos, a privação de sono não é mantida a ponto de
causar danos sérios aos sujeitos. Fatos com o uso da privação de sono como uma técnica
empregada para a tortura e lavagem cerebral de presos políticos (Tuker, 1968) pode ser
indicativo de que a motivação e os métodos usados para manter o sujeito experimental
acordado pode ser um fator relevante e que mereça ser melhor estudado. Quando participa
de um experimento de privação de sono, o sujeito humano sabe que nenhum mal poderá
lhe acontecer, além de poder desistir do experimento a qualquer momento. O rato, ao
contrário, é colocado em uma situação aversiva na qual não tem nenhum controle (Carlson,
1995)
Se o sono tem como função recuperar o organismo do desgaste que ocorre ao
longo do período de atividade, é de se imaginar que sujeitos expostos a mais atividades
físicas ao longo do dia durmam mais do que sujeitos que não praticaram tais atividades.
No entanto as evidências disso não são convincentes. Mesmo após seis semanas de
descanso, sujeitos saudáveis não apresentam alterações em seu padrão de sono (Rybank
e Lewis apud Carlson, 1995).
Alguns estudos mostram que existe um aumento no sono de ondas lentas após
exercícios físicos, enquanto outros não relatam alteração alguma. Horne (1981) percebeu
uma variável importante relacionada aos resultados contraditórios de tais estudos, o cli­
ma. Quando o exercício era executado em altas temperatura e umidade, ocorria um au­
mento no sono de ondas lentas. Estudos posteriores indicaram que o aumento do sono de
ondas lentas está relacionado à temperatura do cérebro. Em altas temperaturas observa-
se o aumento do sono de ondas Jentas, enquanto que manipulações que diminuem a
temperatura do cérebro eliminam este aumento. O aumento na temperatura do cérebro,
aumenta também a sua taxa metabólica, e consequentemente a exigência de mais sono
de ondas lentas.
Atividades que exigem atenção e atividade mental, como por exemplo resolver um
problema, aumentam o metabolismo cerebral de glicose no cérebro, com um aumento
mais expressivo nos lobos frontais (Roland, 1984). Sujeitos submetidos a tarefas intelec­
tuais não apresentam um aumento no tempo total de sono, mas apresentam um claro
aumento no sonò de ondas lentas, particularmente no estágio 4.
O sono de ondas lentas, além de ajudar o cérebro a se "recompor", depois de
períodos de atividade, também parece auxiliar na recuperação do corpo. A evidência mais
relevante para esta observação é que durante o sono ocorre a liberação do hormônio de
crescimento (Carlson, 1995). Além disso, drogas que inibem a liberação deste hormônio,
também inibem o sono de animais de laboratório (Obál et al. 1991).
Vale lembrar que, para algumas espécies, como os ratos, o período de sono é o
único momento em que efetivamente ficam parados, descansando. O ser humano, ao
contrário, pode permanecer em períodos de descansos sem efetivamente dormir. Foi ob­
servado que a taxa metabólica de uma pessoa quieta, descansando, não é nem 10%
maior do que quando está dormindo (Carlson, 1995). O metabolismo humano observado
no período de sono parece não refletir uma necessidade de economizar energia.

248 Paulo Rogério Morais, M dklllm Nunes Baptistd e Sandra Leal Calais
Além das peculiaridades já citadas, o sono REM também parece ter funções
diferentes dos demais estágios de sono. O sono REM parece ter recente origem filogenética,
pois somente animais de sangue quente (pássaros e mamíferos) apresentam, incontesta­
velmente, este estágio de sono. E, ao contrário do sono de ondas lentas, o sono REM é
acompanhado de intensa atividade fisiológica. Sujeitos privados seletivamente do sono
REM tendem a iniciar o estágio REM mais rapidamente e permanecer neste estágio
durante mais tempo do que o habitual, um fenômeno conhecido como efeito rebote (Myers,
1999). Este rebote indica que existe a necessidade de uma quantia de sono REM que não
pode ser reduzida. Se a privação causa um déficit neste montante de sono REM, tal déficit
é compensado assim que se permite o sono sem interrupção (Carlson, 1995).
As funções do sono REM são conhecidas somente de maneira incipiente, mas
algumas teorias já acumulam fortes evidências. Snyder sugeriu, em 1966, que a atividade
cortical apresentada durante o sono REM, muito semelhante à atividade apresentada
durante a vigília, permitiria aos animais ficarem mais sensíveis aos estímulos ambientais
evitando que fossem surpreendidos por predadores. Por constituir a maior parte do tempo
total de sono das crianças, e ir proporcionalmente diminuindo com o aumento da idade,
Roffwarg, Muzio e Dement (1966) sugeriram que o sono REM estaria associado ao de­
senvolvimento cerebral. Outros pesquisadores relacionam o sono REM aos processos de
aprendizagem e memória. Greenberg e Pearlman apud Carlson (1995) foram os primeiros
a sugerirem que durante o sono REM ocorreria a consolidação das memórias relevantes.
Jouvet (1980) propôs que durante o sono REM ocorreria a adequação de sistemas neurais
responsáveis pelos comportamentos instintivos às exigências e experiências obtidas a
partir da relação animal com o ambiente.

Distúrbios do sono

A despeito do forte impulso que leva pessoas e animais dormirem periodicamen­


te, existem algumas situações nas quais o sono torna-se um problema, seja pela dificul­
dade em iniciar o sono, mantê-lo ou mesmo outras condições em que mesmo ocorrendo
o sono ele não é percebido como reparador.
O DSM IV (A.P.A., 1994) divide os transtornos do sono em quatro diferentes
seções usando como base a suposta etiologia do transtorno. Os transtornos do sono
estão divididos em:

a) Transtornos primários do sono: engloba transtornos que acredita-se ser resultado de


anormalidades endógenas nos mecanismos de geração e manutenção do sono ou no
ciclo sono/vigília. Os transtornos relacionados nesta seção podem ser modificados por
condicionamento
b) Transtornos do sono relacionados a outro transtorno mental: a queixa de sono envolve
ou está associada a um transtorno mental diagnosticável, por exemplo transtorno de
humor ou ansiedade;
c) Transtornos do sono devido a uma condição médica geral: as queixas relacionadas ao
sono estão relacionadas a alguma condição módica;

Sobre Comportamento e CoRnlçdo 249


d) Transtornos de sono induzido por substância: neste caso, o transtorno e resultado do
uso ou abstinência de alguma substância química, inclusive medicamentos.
Neste capítulo serão abordados os transtornos primários do sono. Tais transtor­
nos são divididos em dissônias (alterações na qualidade, quantidade ou tempo de sono) e
parassônias (eventos comportamentais ou fisiológicos anormais que ocorrem em associ­
ação como o sono, com estágios específicos do sono ou mesmo na transição dos perío­
dos de sono e vigília).
Um problema relacionado ao sono que afeta cerca de 20% da população em
algum momento das suas vidas é a insônia. Trata-se da dificuldade que algumas pessoas
tem em iniciar ou manter o sono. A insônia não é uma doença em si, mas resultado de
estresse, depressão, doenças orgânicas, dores ou expectativa por eventos agradáveis
(Carlson, 1995).
O que define a insônia não ó o número de horas que uma pessoa dorme menos do
que a média de horas de sono da população, mas sim na necessidade de sono de cada
indivíduo (Souza e Guimarães, 1999). Já foi verificado, em estudos controlados, que as
pessoas superestimam tanto a dificuldade que têm para dormir quanto a quantidade de
sono perdido (Carskadon, Mitler e Dement apudAtkinson et al., 1995)
Paradoxalmente, a principal causa de insônia parece ser justamente alguns re­
cursos utilizados para facilitar a ocorrência do sono, os medicamentos para dormir e as
bebidas alcoólicas (Carlson, 1995). Por tratar-se de um sintoma e não uma doença, a
insônia não pode ser tratada adequadamente por medicamentos. O que deve ser tratado
não ó a insônia, mas os outros fatores que podem estar causando-a. De maneira geral, o
uso dos medicamentos para dormir, além do álcool, desenvolve a tolerância a tais subs­
tâncias, fazendo com que a pessoa necessite doses cada vez maiores para se atingir o
objetivo inicial. Weiten (2002) apresenta um esquema didático de como a insônia pode se
instalar com do uso de medicamento para dormir. Por causa da dificuldade para dormir, a
pessoa inicia o uso de medicamento para este fim. Em pouco tempo, pode sentir-se
dependente de tais medicamento, visto que tal comportamento ó reforçado, pois quando
os utiliza dorme rapidamente. Com o uso continuado do medicamento o corpo pode de­
senvolver tolerância à substância e doses maiores tornam-se necessárias para se atingir
o objetivo. E este aumento da dose passa ocorrer periodicamente, pois o corpo vai desen­
volver tolerância às doses aumentadas. Com o aumento progressivo das doses passa a
existir o risco de overdose.
Além disso, estas substâncias também possuem um efeito colateral imperceptí­
vel para quem as usa, elas inibem a ocorrência do estágio REM do sono, resultando em
um mal-estar generalizado na pessoa (Myers, 1999).
Enquanto não são descobertos medicamentos capazes de produzir um sono que
mimetise adequadamente o sono fisiológico, as queixas de insônia podem ser amenizadas
através do uso de alguns procedimentos comportamentais. Diversos autores (Myers, 1999,
Atkinson et aí. 1994, Weiten, 2002) apresentam alguns comportamentos que facilitam a
ocorrência de um sono reparador. A seguir, estão listados alguns destes comportamentos:
• Estabecer horários regulares tanto para dormir quanto para despertar;
• Evitar o uso de bebidas, alimentos e medicamentos que possuam substâncias estimu­
lantes em sua composição (cafeína, por exemplo);

250 Paulo Rogério Mordi*, M akillm Nunc* Baptista e Sandra Leal Calali
• Evitar refeições fartas antes de ir para a cama;
• Exercícios físicos regulares (mas não logo antes de ir para a cama, pois ocorrerá a
excitação do organismo);
• Evitar o uso de bebidas alcoólicas ou medicamentos com a finalidade de facilitar o ínfcío
do sono;
• Evitar pensamentos estressantes na cama;
• Evitar cochilos durante o dia;
• Em último caso, estabelecer um período mais breve de sono, indo para a cama mais
tarde e/ou acordando mais cedo.

Existe também uma forma de insónia secundária causada por uma patologia do
sono na qual a pessoa não consegue dormir e respirar adequadamente ao mesmo tempo,
trata-se da apnóia do sono. Pessoas com este distúrbio param de respirar em intervalos
irregulares.
Mesmo indivíduos saudáveis apresentam ocasionalmente alguns episódios de apnéia
ao iongo da noite, especialmente pessoas que roncam. Nestes indivíduos, tais paradas
respiratórias não chegam a comprometer a qualidade do sono, pois além de ocorrerem
eventualmente, também são paradas de curta duração. Os indivíduos com apnéia chegam a
apresentar mais de 400 episódios de paradas respiratórias ao longo de uma noite de sono.
Durante o período de apnóia, ocorre o aumento dos níveis sangüíneos de dióxido de carbono
que estimula receptores específicos em neurônios do SNC que provocam a interrupção do
sono para que a pessoa volte a respirar (Carlson, 1995). Pessoas com apnóia do sono são
privadas principalmente do sono de ondas lentas (Averbuch, 1996).
Ao contrário da insônia e da apnóia do sono, que caracterizam-se marcadamente
pelas dificuldades de iniciar ou manter o sono, existe uma patologia na qual a pessoa
sofre de um incontrolável ataque de sono, como sugere a própria etimologia da palavra
que dá nome este distúbio: a narcolepsia (narco- sonolência e lepsy= ataque). De fato,
o sintoma primário da narcolepsia ó a apresentação de períodos de sono intenso a qual­
quer momento do dia, em momentos inadequados e até mesmo incompatíveis com o
comportamento de dormir. No entanto ó mais comum que tais ataque ocorram em situa­
ções monótonas (Carlson, 1995). Estes ataques de sono costumam duram entre dois e
cinco minutos.
Um outro sintoma da narcolepsia ó a catalepsia, ou o aparecimento súbito da
atonia muscular característica do estágio REM do sono. Diferentemente do ataque
narcolôptico, a catalepsia usualmente é precipitada por fortes emoções ou por esforço
físico inesperado. Outros fenômenos característicos do estágio REM que também estão
presentes em pacientes com narcolepsia são a paralisia do sono (atonia muscular que
ocorre logo antes ou depois do sono normal quando a pessoa já encontra-se deitada) e as
alucinações hipnagógicas (experiências oníricas que ocorrem durante os períodos de pa­
ralisia do sono). Em muitos casos, o tratamento medicamentoso dos sintomas da
narcolepsia obtém sucesso, sugerindo a existência de anormalidades neuroqulmicas na
fisiopatologia deste transtorno (Aldrich, 1990).

Sobre Comportamento e Cogniçáo 251


Outro transtorno associado ao estágio REM do sono, mas que ocorre durante os
períodos de sono é o distúrbio comportamental do sono REM. Nesta patologia, o estágio
REM nâo é acompanhado pela ausência de tônus muscular e o indivíduo passa a emitir os
comportamentos que estaria emitindo em seus sonhos. O sono REM sem atonia ó o
oposto da catalepsia, neste caso não existe a inibição dos neurônios motores. O fato de
substâncias normalmente empregadas para o tratamento da catalepsia agravarem os sin­
tomas deste distúrbio também indica a existência de alterações neuroquímicas em sua
gênese (Schenck e Mahowald, 1992).
Os estágios que compõem o sono de ondas lentas também podem apresentar
problemas. Normalmente, é durante o sono de ondas lentas, especialmente no estágio 4,
que ocorrem a enurese noturna, os episódios de sonambulismo e o terror notumo (Carlson,
1995). De maneira gerai, tais problemas são benignos ocorrendo durante a infância mas
desaparecendo espontaneamente com o aumento da idade. A enurese noturna caracteri-
za-se pela incontinência urinária durante o sono e apresenta melhora quando tratada com
técnicas de treino comportamental (Donavan, 1993).
O sonambulismo, que tem como principal característica a pessoa deambular en­
quanto dorme, não deve ser confundido com o distúrbio comportamental do sono REM
pois a pessoa não esta se comportando como esta atuando em seus sonhos, ela nem
mesmo está sonhando, já que o sonambulismo ocorre durante o sono de ondas lentas
(Reimão, 1996).
Os episódios de terror noturno, nos quais a pessoa pode apresentar tremores e
até mesmo gritos angustiados, também não são relacionados aos pesadelos que, assim
como os sonhos, também ocorrem durante o estágio REM do sono. A pessoa que apre­
senta terror noturno, geralmente, não chega a despertar completamente e normalmente
nem mesmo se lembra dos eventos e imagens que lhe causaram o terror (Carlson, 1995).
Tanto o sonambulismo quanto o terror noturno não possuem nenhum tratamento
eficaz mas tendem a evoluir para a melhora do quadro com o aumento da idade. No
entanto, tais problemas podem persistir mesmo na idade adulta (Reimão, 1996).

Considerações finais

Como (jode ser observado ao longo deste texto, o sono e os transtornos relacio­
nados a ele são campos abertos tanto para a pesquisa quanto para atuação profissional
do psicólogo. O que a ciência conhece atualmente sobre o sono ainda é muito pouco
comparado com a complexidade deste fenômeno. No entanto, o pouco conhecimento
acumulado já tem repercussões diretas na prática profissional do psicólogo, por exemplo,
sabe-se que pacientes deprimidos que apresentam alterações eletroencefalográficas du­
rante o sono são menos responsivos á terapia comportamental cognitiva, existindo uma
clara correlação entre a responividade à psicoterapia e a severidade das alterações do
sono (Thase, Simons e Reynold, 1996). Também já existem evidências validando a
efetividade da terapia comportamental cognitiva para os casos de insônia. (Backhaus e
cols., 2001).
Muito embora algumas linhas teóricas que fazem parte do saber psicológico já
tenham investido, desde o início do século passado, no estudo e uso clínico do sono e de

252 Pdulo Rogério Mordi», M dkllim Nunes Baptiíta c Sandra Leal Calai»
fenômenos a ele relacionado, as novas descobertas e a abordagem clinica baseada em
fatos verificáveis à luz da ciência moderna muito provavelmente trarão benefícios tanto
àqueles que têm problemas diretamente relacionados com o sono, como para Indivíduos
com outros distúrbios que poderão ser melhor compreendidos a partir do estudo do sono.
O psicólogo pode, e deve, aproveitar o sono e seus componentes segundo procedimentos
baseados em evidências.

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Sobre Comportamento e Cognição 255


Capítulo 29
Transtornos dc personalidade e
Psicoterapia Cognitiva

Mdkilim Nunes Baptista'


Pauto Rogério Morais *

Os transtornos de personalidade (TP), dentro da avaliação multiaxial do Manual


Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV (APA, 1995), se refere aos
aspectos da personalidade do sujeito, bem como seus mecanismos de defesa mal-
adaptativos. Um transtorno de personalidade poderia ser considerado como um padrão
persistente de comportamento e cognição, invasivo e inflexível, estável ao longo do tempo,
além de ter como característica, divergências com o padrão cultural e social, causando
prejuízo funcional e sofrimento subjetivo significativo.
Ainda segundo o DSM-IV (APA, 1995, p.593-634), diversos critérios se fazem
necessários para o diagnóstico de tais transtornos, como por exemplo a manifestação
dos sintomas por de pelo menos duas áreas, dentre cognição, afetividade, funcionamento
interpessoal ou controle de impulsos; sofrimento clínico ou prejuízo funcional, seja
organizacional, social ou demais abrangências; padrão estável e de longa duração, po­
dendo iniciar na fase da adolescência ou começo da idade adulta; não pode ser conseqü­
ência de outro transtorno mental, nem de utilização de substâncias ou condição médica
geral ou específica.
É importante citar que o clínico deve avaliar os traços de personalidade, em
termos de constância, no decorrer do tempo, a fim de diagnosticar de forma adequada
tais transtornos, já que os sintomas não podem ser caracterizados como conseqüência
de períodos de estresse. É importante ressaltar que, nem sempre o indivíduo com algum
transtorno de personalidade avalia seus padrões como problemáticos. No entanto, a
sintomatologia pode ser agravada com a presença de estressores potentes no decorrer
da vida.

' Psicólogo dlnloo e professor universitário do Centro UniveraltAflo Hermlnto Ometto (UNIARARAS) • Universidade Brw Cubes Doutor em oMkida pelo
pepartamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Escota PauNata da Medicina - UNIFESP
Psicólogo experimental a professor universitário da Universidade Braz Cubas Meetre em PstaotoMoola.

256 M akllim N u n « Baptista t Paulo Rofjério M orai*


Basicamente, pode-se citar dez tipos diferentes de transtornos de personalidade,
com suas possíveis prevalôncias (APA, 1995), expressos na tabela a seguir.

Tabela 1. Prováveis prevalôncias dos Transtornos de Personalidade (APA, 1995).


Transtorno de personalidade Prevalência
Paranóide 0,5 a 2,5% na população geral;
10 a 30% em internações psiquiátricas
Esquizóide raro em contextos clínicos
E8quizotlpico 3% da população geral
Anti-Social 3% em homens e 1% em mulheres em
amostras comunitárias; 3 a 30% em
contextos clínicos
Borderline 2% da população;
20% dos pacientes psiquiátricos
Histriónico 2 a 3% da população;
10 a 15% em ambientes psiquiátricos
Narcisista menos de 1% na população geral;
2 a 16% na população clínica
Esquivo ou evitativo 0,5 a 1% na população geral;
10% em ambientes psiquiátricos
Dependente freqüente em ambientes clínicos e de saúde
mental
Obsessivo-Compulsivo 1% em amostras comunitárias;
3 a 10% entre pacientes clínicos
psiquiátricos

Alguns instrumentos específicos, para avaliar os transtornos de personalidade


foram descritos e aplicados em diversas pesquisas, como por exemplo, o Personality
Diagnostic Questionnaire (PDQ), relatado por FOSSATI et ali (1998) e o Structured Clinical
Interview for DSM-III-R Personality Disorders, relatado por DREESSEN, HILDEBRAND E
ARNTZ (1998). Este último, também intitulado de SCID, parece ter tido aceitação maior
para a utilizaçâatanto em pesquisas, como em ambientes clínicos (DREESSEN e ARNTZ,
1998). Na última década, instrumentos como o SCID ou baseados em entrevistas
diagnósticas dos DSM já possuem suas versões computadorizadas, o que facilita de
forma expressa o trabalho do pesquisador, ao desenvolver estudos epidemiológicos (NEAL,
1997).
Segundo GRILO, SANISLOW e MCGLASHAN (2002), a co-ocorrôncia entre os
transtornos de personalidade ó um fenômeno bem estabelecido na literatura, com impor­
tantes implicações para a nosologia, modelos de psicopatologia e tratamento. Por exem­
plo, SANSONE (1998), avaliando um grupo pequeno de pacientes (N=39) encaminhados
para a atenção psiquiátrica primária (com possível diagnóstico de distimia) encontrou
comorbidade em mais de 90%, sendo que os transtornos de personalidade mais freqüentes
foram o dependente e o evitativo.

Sobre Comportamento e Cognição 257


Da mesma forma, os transtornos de personalidade também podem predispor o
indivíduo a desenvolver transtornos clínicos do eixo I, como apontaram ALNAES e
TORGERSEN (1997), sendo que os transtornos bordeline, evitativo e dependente foram
preditores de sintomatologia depressiva em pacientes psiquiátricos, em uma avaliação
longitudinal de seis meses. No entanto, os autores não relatam o controle, na análise
estatísticas, de indivíduos que já haviam apresentado episódios anteriores de sintomatologia
depressiva. Este dado pode ser considerado um viés em pesquisas cognitivas, já que,
segundo as teorias baseadas na diátese-estresse, o sujeito com um primeiro episódio de
depressão teria maior probabilidade de evocar esquemas depressiativos na presença de
fatores estressantes potentes posteriores, além do que, segundo o DSM-IV (APA, 1995),
indivíduos que tiveram um episódio depressivo em sua vida aumentariam as chances de
ter o segundo e, assim sucessivamente, em termos de probabilidade.
SALAZAR et ali (1998) apontam os transtornos de personalidade como fatores de
risco, principalmente quando associados a transtornos de humor, para a maior probabili­
dade de tentativas e suicídios consumados. Sendo assim, como apontam VAN-GASTEL,
SCHOTTE e MAES (1997), em um estudo com 338 pacientes internos psiquiátricos,
observou-se que pacientes depressivos com algum tipo de transtornos de personalidade
também relatava mais ideação suicida quando comparados a pacientes depressivos com
a ausência de transtornos de personalidade.
Os modelos cognitivos de psicopatologia, segundo RISKIND (1999), tem ganhado
bastante atenção e um aumento proeminente de citações na literatura nos últimos anos,
propiciando um entendimento diferencial dos padrões de organização cognitiva, diferente­
mente da psicopatologia mais tradicionalista e nosológica.
A Terapia Cognitiva (TC) se constitui em uma das principais propostas
psicoterápicas da atualidade, observando-se um aumento significativo de publicações sobre
tal modelo teórico, principalmente artigos de pesquisas experimentais, comparando a TC
com outras formas de psicoterapias e, com a utilização de psicofármacos. Os principais
resultados demonstram a importância do tratamento em conjunto entre psicoterapia cognitiva
e tratamento medicamentoso (MOHR et ali, 2001; KUPFER e FRANK, 2001)
BECK (1998) relata diversos estudos preliminares com a psicoterapia cognitiva
nos transtornos da personalidade, apontando resultados eficazes. É importante citar que
a mesma a autora relata que o processo psicoterápico se torna mais complexo e demora­
do, na presença de Transtornos de Personalidade, quando comparado com psicoterapia
abordando somente os transtornos do eixo I. Devido a tal complexidade, algumas modifi­
cações devem ser pensadas pelos clínicos, ao atender pacientes com tais transtornos,
como por exemplo: grande foco na relação psicoteràpica, variações nas estruturas das
sessões, bem como a utilização de estratégias específicas para alterar as crenças
disfuncionais e comportamentos compensatórios.
Segundo BECKe FREEMAN (1993; p.17-43), as unidades fundamentais da per­
sonalidade são os esquemas, que selecionam e sintetizam as informações, aíém do que,
acabam por interagir diretamente com os processos afetivos, motivacionais e
comportamentais. Neste sentido, os Indivíduos que apresentam algum transtornos de
personalidade apresentam regularidades em seus modos de avaliar as situações e se
comportarem, como se fosse um padrão de personalidade.

258 M akillm Nunes Bapticta e Paulo Rogério Morai«


Os esquemas podem ser vistos como conjuntos de regras cognitivas que, através
dos processos de aprendizagem são desenvolvidos e mantidos, possuindo inter-relação
direta com a forma como o indivíduo discrimina os estímulos do ambiente e avalia-os, com
a utilização dos processos e fenômenos psicológicos básicos, como as sensações, per­
cepções, memória de longo prazo, consciência, pensamento, dentre outros (CAMPOS e
BAPTISTA, 1998; BAPTISTA e BAPTISTA, 2000). Esquemas também poderiam ser defini­
dos como estruturas cognitivas ou regras específicas que organizam a experiência
(processamento de informação) e o comportamento, podendo ser de ordem familiar, pro­
fissional, amorosa, religiosa, dentre outras.
Um exemplo pode ser útil para ilustrar as funções dos esquemas. Imaginemos
que um indivíduo seja tímido e esteja assistindo a uma palestra na qual o palestrante
começa a solicitar a participação de diversos membros da platéia, de uma forma seqüencial
(três pessoas por cada fila). Tal estímulo, pode ser discriminado por ser altamente perigo­
so (para este indivíduo em particular), ativando um esquema afetivo, um motivacional, um
de ação e um de controle.
O indivíduo avalia a situação como perigosa, o que justifica um esquema cognitivo,
que propiciará a apresentação de sinais e sintomas de ansiedade, através da ativação do
sistema nervoso autônomo simpático, o que justificaria a ativação do esquema afetivo.
Conseqüentemente, o indivíduo apresentará, se for possível, um esquema de ação/instru­
mental, ou seja, a mobilização para a fuga e, caso o palestrante aborte o seu comporta­
mento de pedir a participação da platéia, o indivíduo pode inibir esta iniciativa de fuga,
através de um esquema de controle.
Segundo BECK e FREEMAN (1993; p.17-43), um transtorno de personalidade se
caracterizaria por crenças e atitudes disfuncionais, afetos, estratégias e comportamentos
inadequados, lembrando que algumas estratégias que são adaptadas a determinados
ambientes podem não ser a outros, como no caso do perfeccionismo, que pode ser ade­
quado em determinado tipo de função profissional, mas inadequada quando aplicada em
um contexto amoroso. Por exemplo, para um neurocirurgião, é importante o perfeccionismo,
pois um simples deslize em um procedimento cirúrgico pode afetar, de sobremaneira, as
funções cerebrais e cognitivas de seus pacientes. De forma contrária, o perfeccionismo ao
preparar um prato de comida em família pode gerar tanto estresse nas pessoas que estão
preparando a refeição em conjunto, que acaba atrapalhando a atividade e, esta deixa de
ser percebida como prazeirosa, o que poderá diminuir as chances de novos eventos deste
tipo no futuro. Caso o perfeccionismo seja muito utilizado em outras atividades familiares,
pode ocorrer na diminuição drástica de eventos prazeirosos familiares, o que atrapalharia
na dinâmica familiar.
Sendo assim, os sentimentos e condutas disfuncionais seriam produtos de es­
quemas que produzem julgamentos viciosos e inadequados. Além disso, deve-se levar em
conta que tais sentimentos e condutas disfuncionais também reforçam os esquemas,
constituindo-se assim em uma espécie de ciclo vicioso.
Pacientes com TP são considerados de difícil adesão, com baixas taxas de mu­
danças e propiciando maior trabalho em psicoterapia, além do que, muitas vezes estão
adaptados a alguns âmbitos de vida e não conseguem perceber as perdas causadas pelo
transtorno. Nem sempre são capazes de perceber como os esquemas se instalaram e, a
maioria deles não quer mudar ou não percebem as perdas causadas pelo transtorno.

Sobre Comportamento c CogniçAo 259


Pode-se hipotetizar que, em muitos casos, o custo benefício, avaliado pelo paciente não
traz perspectivas de mudança, já que é mais fácil continuar com os padrões de costume
à ter de passar por mudanças, que geralmente geram ansiedade e insegurança.
Antes mesmo de serem apresentadas as principais características dos transtor­
nos de personalidade, através de uma visão cognítívísta, ó importante lembrar algumas
precauções que o psicólogo deve tomar ao avaliar, diagnosticar e oferecer tratamento
psicoterápico à indivíduos com TP, dentre elas:
• apesar dos transtornos de personalidade serem bem explicitados, com características
definidas e estratégias bem argumentadas, o psicólogo não deve tentar colocar as pes­
soas em "enlatados" de características, pois cada um pode se comportar de maneiras
diferentes;
• as definições dos vários transtornos de personalidade servem apenas como um guia na
avaliação e procedimentos psicoterapeuticos, sendo o psicólogo responsável por reali­
zar uma análise mais contingencial de cada caso, bem como as funções das cognições
e comportamentos;
• os transtornos de personalidade devem ser bem diagnosticados, pois as características
podem ser confundidas com traços comportamentais adaptados/adequados à determi­
nadas situações da vida do paciente.

Indivíduos com transtornos de personalidade tendem a apresentar algumas regras


específicas, consequenciando estratégias de atuação nos ambientes. Da mesma forma,
tende-se a apresentar alguns padrões hipertrofiados/subdesenvolvidos ou hiperdesenvolvidos,
sendo que, no caso dos esquemas serem hipervalentes, o limiar de ativação é baixo e
sendo considerados prepotentes (se sobrepõem as esquemas mais adaptativos).
A seguir, os autores do capítulo darão, brevemente, as características predomi­
nantes de alguns dos principais transtornos de personalidade descritos por BECK e
FREEMAN (1993). É interessante notar que o leitor interessado em conhecer especifica­
mente as características de cada transtornos, bem como as possíveis intervenções tera­
pêuticas, deve Jer a bibliografia (livro) citada anteriormente, já que, devido ao espaço dispo­
nível em um capitulo de livro, nem sempre é possível abordar, de forma satisfatória, as
principais características de cada transtorno:
• Transtorno Paranóide de Personalidade - estes indivíduos possuem uma tendência
persistente e inadequada de perceber que as ações de outras pessoas são ameaçado­
res, questionam a lealdade de amigos, geralmente esperam ser maltratados, tendem a
guardar rancor, dentre outros critérios. A regra cognitiva mais comum está relacionada
com: “As pessoas são adversários em potencial”. Possuem estratégias
hiperdesenvolvidas baseadas na vigilância, desconfiança e suspeita, além do estratégi­
as subdesenvolvidas, tais como confiança e aceitação do outro.
• Transtorno Esqulzólde e Esqulzotlpico de Personalidade - as principais caracte­
rísticas destes transtornos se baseiam na falta de relacionamentos sociais e/ou íntimos,
falta de desejo de obter tais relacionamentos e dificuldade de vivenciar e expressar
emoções, sendo que os outros são vistos como intrusivos e indesejáveis. Uma das
possíveis crenças destas pessoa é “Simplesmente não vale a pena se preocupar com

260 M dklllm Nune» Baptista c Paulo Roflírlo M o rai*


relacionamentos humanos", sendo comum o isolamento e a autonomia como estratégi­
as hiperdesenvolvidas e a intimidade e reciprocidade como estratégias subdesenvolvidas.
Transtorno Anti-Social de Personalidade - estes indivíduos geralmente não conse­
guem se adaptar às normas sociais. De forma constante, apresentam-se irritáveis e
agressivos, além de não conseguirem manter as obrigações profissionais e familiares.
As crenças principais são baseadas em idéias de que os pensamentos e opções des­
tas pessoas geralmente estão corretas e que os outros devem ser usados para se
atingir os objetivos de vida. As estratégias hiperdesenvolvidas são a combatividade,
exploração e predação, enquanto que as subdesenvolvidas são a empatia, reciprocida­
de e sensibilidade social.
Transtorno Bordelineàe Personalidade-estas pessoas geralmente possuem rela­
cionamentos interpessoais e humor instáveis, impulsividade, perturbação da identidade
(confusão constante relacionado com valores e objetivos), freqüentes acessos de raiva,
sentimento de vazio constante, comportamentos autopunitivos e/ou autodestmtivos, dentre
outros critérios. No transtorno bordelinepode-se observar diversos esquemas mal adap­
tados, baseados em diferentes princípios, o que dificulta a sua clara distinção enquanto
características nosológicas específicas.
Transtorno Histriõnico de Personalidade - as principais características se baseiam
na excessiva emotividade (expressão de emoção de forma inadequada) e busca de
atenção constantes, necessidade de se sentir como o centro das atenções, busca de
reforçamento imediato e autocentrismo. A crença central está relacionada com a ne­
cessidade de impressionar e ser amado, tendo como um dos objetivos ter atenção
constante. As estratégias hiperdesenvolvidas se baseiam no exibicionismo, alta
expressividade e impressionismo, enquanto que a subdesenvolvida está relacionado
com o controle de impulsos.
Transtorno Narcisista de Personalidade - tais indivíduos possuem características
tais como um padrão de grandiosidade, preocupam-se com sucesso ilimitado, poder,
brilhantismo, além de necessidade de constante admiração. As crenças primordiais
estão baseadas na concepção de que são especiais e merecem maior privilégios do
que os outros. As estratégias hiperdesenvolvidas estão associadas ao auto-engrandeci-
mento constante e competitividade, já as estratégias subdesenvolvidas são o
compartilhamento (inclusive empatia) com as outras pessoas, além da não identifica­
ção com grupos sociais, já que tais pessoas se julgam superiores aos outros.
Transtorno Evitativo de Personalidade-tais indivíduos possuem padrões de evitações
interpessoais generalizadas (evitam envolvimentos com outras pessoas, através de fuga/
esquiva), além de desconforto social, medo de avaliação negativa e timidez. As crenças
principais se baseiam em receio de se ferir, ao contato com o outro, além do medo de
rejeição ou críticas. As estratégias hiperdesenvolvidas são a vulnerabilidade social,
evitação e inibição, já as estratégas subdesenvolvidas são a auto-afirmação e a noção
de gregarismo (pertença ao grupo).
Transtorno Dependente de Personalidade - as pessoas diagnosticadas com tal
transtorno possuem um padrão difuso de submissão e dependência de outrem, com
dificuldades de tomada de decisão, necessitam de reasseguramentos constantes, de
que estão fazendo a "coisa certa", possuem dificuldades para iniciar projetos ou voluntariar-

Sobre Comportamento e CogniçJo 261


se em diversas situações, observa-se freqüentes preocupações de abandono, geral­
mente concordam com outras pessoas, mesmo quando elas estão erradas, no intuito
de manterem os relacionamentos. A principal crença se intitula como "Sou indefeso” ou
“Preciso dos outros para poder viver" (no sentido de dependência). Como estratégias
hiperdesenvolvidas podem ser citadas a constante busca de ajuda e o apego e, como
subdesenvolvidas a auto-suficiência, auto-eficácia e mobilidade.
• Transtorno Obsessivo-Compulsivo de Personalidade - atenção aos detalhes,
autodisciplina, controle emocional, rigidez, perfeccionismo, ruminação (de idéias) e in­
flexibilidade são algumas das principais características deste transtorno. As crenças
mais proeminentes podem ser "Eu devo evitar erros para ser digno", "Cometer erros é
fracassar” e "Devo ter perfeito controle sobre o meu ambiente". As estratégias
hiperdesenvolvidas estariam relacionadas com o controle, responsabilidade e sistemati­
zação, enquanto que as estratégias subdesenvolvidas seriam a espontaneidade e
flexibilização.
• Transtorno Passivo-Agressivo de Personalidade - as características mais marcantes
deste transtornos estão relacionadas a um comportamento opositor ou disruptivo e
obstrutivo, incluindo procrastinação de atividades. Geralmente, tais indivíduos vêem as
figuras de autoridade como arbitrárias e injustas, além do que, quando solicitados a
desempenharem determinadas funções ou tarefas indesejadas, tendem a serem agres­
sivos, não aceitando sugestões de outras pessoas. As crenças são baseadas em medo
de dominação de outrem e a visão de que os outros tiram vantagem do indivíduo com
este transtorno. As estratégias hiperdesenvolvidas são a autonomia/resistência, passi­
vidade e sabotagem, enquanto que as subdesenvolvidas são a intimidade, assertividade
e cooperação.

Comentários Finais

BECK e ALFORD (2000, p.31-34) citam a personalidade como um conceito com­


plexo, incluindo sistemas cognitivo, comportamental, motivacional e emocional, sem dei­
xar de concsiderar os aspectos biológicos (genéticos) e sociais.
É importante citar que o exato diagnóstico dos transtornos do eixo II são de suma
importância para o efetivo tratamento dos casos, pois muitas destas características po­
dem ser encontradas na maioria das pessoa e, não necessariamente haver um transtorno
de personalidade. Os esquemas inadequados, nos transtornos de personalidade, atuariam
de forma mais contínua e padronizada, quando comparados com pessoas que possuem
alguns esquemas citados, mas não são diagnosticadas com tendo um transtornos de
personalidade. Neste sentido, os transtornos de personalidade poderiam ser detectados
como padrões de sistemas idossincráticos (particulares), que de maneira constante,
ativariam esquemas mal adaptados, que seriam considerados componentes básicos da
personalidade.
O conhecimento específico dos vários transtornos de personalidade podem auxi­
liar o psicólogo à detectar tais casos em sua prática profissional, seja ela clínica,
organizacional, educacional ou qualquer outra área emergente da Psicologia, a fim de
manejar estratégias cognitivo-comportamentais para a execução de seus objetivos dentro
destas áreas.

262 Mdkilim Nunes Baptista e Paulo Rogério Morais


O psicólogo clínico que se especializar em transtornos de personalidade terá uma
ampla área de trabalho e reconhecimento profissional, já que o manejo psicoterápico de
tais casos necessitam de adaptações nas estratégias-padrão de tratamento.

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264 M akilim Nunes Baptist* e Paulo Rogtrio Morais


Capítulo 30
O Desenvolvimento e o uso do Software
"C M " 1 na Reestruturação da Memória
Pós-Traumática
Renato M . Caminhtf
Juliane Lima'
Vanessa Qalarragd1
lodySchafei*

Nos últimos dez anos nossa equipe de trabalho tem pesquisado e formulado
modelos de intervenção numa das mais graves psicopatologias que pode acometer crian­
ças e adolescentes ao longo de seus processos de desenvolvimentos - o Transtorno de
Estresse Pós-Traumático.
Esta psicopatologia se caracteriza pelo contato, pela exposição, que pode ser
direta ou indireta, com um agente gerador de estresse. É normal que a partir da exposição
a um evento estressante o sujeito exposto desenvolva o quadro de Transtorno de Estresse
Agudo, entretanto, passados trinta dias se os sintomas de estresse agudo se mantiverem
ou evoluírem em intensidade e freqüôncia, estamos diante de um quadro de TEPT (DSM-
IV-TR, 2002).
O TEPT, quando não tratado devidamente, devido seu alto poder de desestruturação
neuropsicológica e conseqüentemente cognitivo-comportamental, pode ser considerada
uma psicopatologia primária, ou seja, a partir de seu desenvolvimento são agregadas
outras psicopatologias do tipo Transtorno Desafiador Opositivo (TDO), Transtorno de
Hiperatividade com Déficit de Atenção (TDAH), Transtornos de Conduta, Depressão e
Fobias, principalmente na infância.
Nosso foco de intervenção e pesquisa tem se voltado a situação de crianças
expostas a violência doméstica. Segundo Perry (1997) os maus-tratos infantis (negligên­
cias, abusos psicológicos, abusos físicos e abusos sexuais) são os responsáveis pelas
piores formas de estresse na infância, e ainda são os agentes estressores que mais
desencadeiam o quadro de TEPT na infância.

1O êottwar» 'CM" deaanvoMdo por noesa aqirtpa M ratef» • "Caixa da MamAria*


* Paloótogo, Meatra am Palcoloola, Profaaaor Paaqulaador a Coordanador da EapadaKzaçAo am Paluotarapiaa CognlBvo-Comportamartala da Unlalnoa/
Mecnbro fundador da 8odadada Braaftaira da íaraplaa CognWvaa (SBTC).
AuadAmlooa da Patcologla da Untalnoa/RS

Sobre Comportamento e Cognição 265


Geralmente Isso ocorre por que a imensa maioria das situações de violência
contra as crianças ocorrem no âmbito doméstico, ficando, portanto, as crianças expostas
ao agente estressante durante um período suficiente para desenvolver respostas de TEPT,
na média 1,5 ano, apenas para os casos de abuso sexual, nosso principal foco de traba­
lho (Caminha, 2003).
O mesmo tipo de afirmativa é encontrada no estudo promovido em 1997 pelo
Jornal da Associação Módica Americana (JAMA) que elaborou um ranking, a partir da
medida do componente dissociativo da personalidade, dos eventos mais estressantes
aos quais as pessoas poderiam estar submetidas. Em primeiro íugar ficou submeter al­
guém a uma reclusão em campo de concentração, ficando em segundo lugar Abuso
Sexual Infantil, levando-se em conta que situações de campo de concentração são raras
ou inexistentes em países com regime democrático, podemos considerar que o abuso
sexual infantil é definitivamente a pior forma de trauma a qual uma pessoa pode ser expos­
ta (Dancu & Foa, 1998; Calhoun & Resick, 1999; Perry, 1998).
Yehuda & Davidson (2000) referem que estudos recentes da prevalência do TEPT
têm demonstrado que este é o quarto mais comum distúrbio psiquiátrico, afligindo em
média 10,3% dos homens e 18,3% de mulheres em algum momento de suas vidas. A alta
prevalência na população norte americana, atualmente, relatam os autores, é primaria­
mente causada pelas estarrecedoras taxas de violência interpessoal naquela sociedade.
O transtorno também pode ser desenvolvido após desastres naturais e acidentes. Esti­
mativas citadas por Davidson et al. (1991) sugerem que a maioria da população
experienciará ao menos um evento extremamente traumático durante o curso de suas
vidas, e aproximadamente, 25% dos sobreviventes de trauma irão desenvolver TEPT (Ca­
minha & Lessinger, 2003).

As conseqüências do TEPT na infância

Sempre foi evidente ao pesquisador que atua junto aos pacientes que desenvol­
vem TEPT que esta patologia é deveras debilitante para o sujeito submetido ao trauma,
entretanto, antes do início dos anos 90 ninguém havia encontrado os resultados descriti­
vos do efeito de TEPT na estrutura neuropsicológica dos pacientes.
Os exames clínicos, os testes neuropsicológicos, os check lists, nos deixavam
claro que algo de muito grave deveria ocorrer nas estruturas relacionadas às funções
psíquicas superiores dos pacientes examinados. A pergunta que pairava sem resposta
era a seguinte: o trauma psíquico é capaz de gerar alteração na arquitetura neural dos
pacientes com TEPT?
Perry (1997) num artigo intitulado “Encubados no Terror” demonstrou que crianças
vítimas de violência doméstica possuíam um impacto negativo sob seus desenvolvimentos
neurológicos. O autor demonstrou que o cérebro é capaz de alterar sua Arquitetura Neural
em resposta as alterações hormonais motivadas pelo estresse, sendo que numa amostra
de doze crianças severamente maltratadas, sete delas apresentaram atrofia cortical.
Os resultados do autor apontam ainda para diminuição da capacidade de modula­
ção da impulsividade nas áreas subcortical e cortical com diminuição das áreas nas crian­
ças severamente vitimadas.

266 Robrrto M . Caminha, Julianr I ima, V a n rs u (yalarraga e Jody Schafcr


Conforme os trabalhos de Perry (1997) sabemos que o cérebro modula sua estru­
tura, entretanto, são os trabalhos de Edelman (2000), que nos dão pistas mais contunden­
tes do motivo pelo qual ocorrem estas modulações.
Há tendências, pela plasticidade neural, do estabelecimento de “homeostases
urgentes", ou seja, uma reorganização cerebral que permita a adaptação a nova ordem do
meio ambiente.
O cérebro humano funciona pela lógica do darwinismo neural, o que quer dizer
que toda a modulação decorrente do trauma nada mais é do que uma tentativa de respos­
ta adaptativa a nova ordem imposta por eventos que quebram os Esquemas Rotinas, até
então, gerenciadores cognitivo-comportamentais.
A repercussão é sentida não apenas na estrutura neural, mas também em seus
efeitos funcionais como nas cognições formadas a partir do evento traumático, nas im­
pressões afetivas, nos comportamentos e nas reações fisiológicas.
O trauma força o organismo a criar um persistente grupo de respostas compensa­
tórias, estas formam um novo estado de equilíbrio, mas menos flexível. Conforme Perry &
Pollard (1998) há um gasto energético elevado e mal adaptativo nos eventos traumáticos.
Segundo eles o organismo tem sobrevivido ao trauma, mas com um elevado custo. A
percepção ou imaginação de um estímulo avaliado como ameaçador ou desafiador, gera
um padrão característico de estimulação da memória e estruturas corticais e subcorticais
associativas. As experiências traumáticas são armazenadas em várias memórias: cognitiva,
emocional e motora, possibilitando o cérebro armazenar e fazer associações entre os
estímulos sensoriais presentes ao evento e diferentes experiências futuras semelhantes.
A esse processo chamamos de emparelhamento nas TCCs.
Conforme Caminha & Habigzang (2003) o foco do tratamento se dará a paritr da
reestruturação da memória traumática, sendo a memória, portanto, o cerne do tratamento
cognitivo-comportamental.
Quando o meio interno ou externo igualam padrões neuraís armazenados, associ­
ados com uma experiência prévia ameaçadora, os sistemas cerebrais que respondem ao
estresse são ativados (Perry & Pollard, 1998).
Nosso cérebro nos permite não só armazenar o evento específico, mas fazer asso­
ciações entre este e as informações sensoriais presentes ao evento, permitindo ao sujeito
generalizar a infoflnação em eventos futuros, conforme demonstrado no esquema abaixo:

NO VA ÁRKAS INFORMAÇÃO
INFORM AÇÃO CORTICAIS APRFNDIDA
ANTERIORMRNTE

ASSOCIAÇÃO

Sobre Comportamento c Cognição 267


Temos, assim, uma notável capacidade de fazermos associações e generaliza­
ções, ou seja, nosso cérebro armazena informações de um evento específico (estímulos
ameaçadores) e generaliza-as. Desenvolve-se, então, uma certa vulnerabilidade para fal­
sas associações e falsas generalizações, de um evento traumático em relação a outras
situações não ameaçadoras. Dessa forma, em casos de exposição sucessiva ao estresse
ou situações ameaçadoras e de alarme toda arquitetura neurofisiológica e neuroqulmica
estão “ligadas", fazendo com que ocorra a armazenagem destes eventos em diferentes
partes do cérebro, provocando muitos estados de memórias (Perry, 1999).
Conforme a lógica funcional da memória humana o modelo de intervenção tera­
pêutica no tratamento de TEPT recai intensamente na reformulação, na recodificação, na
alteração do conteúdo semântico multisensorial, associativa e generalista da memória.

Técnicas de Intervenção em TEPT

O modelo de Caminha (2002) utiliza tanto no tratamento grupai quanto individual o


seguinte conjunto de técnicas integradas:
-Técnicas de Entrevista Motivacional na Aliança Terapêutica
- Automonitoramento (RPDs; afetivogramas)*
-Treino de Inoculação Estresse (TIE)*
- Treinos de Auto Instrução (TAI)*
- Treinamento de Habilidades Sociais (THS)
-Técnicas de Relaxamento Muscular Progressivo e Respiração
- Dessensibilização Sistemática (pareando memórias)*
- Aliança terapêutica com Amparo Social
-Técnicas de Prevenção à Recaída
* Conjunto de técnicas integradas presentes no software CM.
Há toda uma fase preparatória para o uso da CM virtual com as crianças. Isto
envolve treino tanto para o terapeuta quanto uma preparação da criança para o uso do
software. Em nossa modalidade o tratamento que está sendo desenvolvido em forma de
manual prático será devidamente publicado assim que os testes de validação do instru­
mento estiverem prontos com amostras significativas.
A base da intervenção está pautada nas técnicas de Treinamento de Inoculação
de Estresse e de Reprocessamento Emocional e Cognitivo. O instrumento CM é uma
forma de integração dos elementos presentes nestas modalidades técnicas.
O tratamento busca a reestruturação cognitiva, comportamental, afetiva e fisioló­
gica. As habilidades de manejo ensinadas e as estratégias construídas para lidar com as
lembranças intrusivas do trauma proporcionam aos pacientes respostas mais funcionais,
estabelecendo relações intra e interpessoais mais adaptativas.

268 Roberto M . Caminha, Jullane Uma, Vanetta Qaldrragd e Jody Schafer


No modelo integrado os terapeutas criam junto aos pacientes repertórios
multisensorias relativos a memória traumática, mas o fazem igualmente para memórias
com valência positiva (boas lembranças). O paciente aprende, primeiramente, a identificar
o acionamento e o efeito da memória traumática e, posteriormente, aprende a evocar
voluntariamente as memórias com diferentes valências, com razão intercalada, gerando
uma forma de dessensibilização sistemática.

O uso de Softwares como Instrumentos Terapêuticos

À medida que os computadores tornam-se menores, mais acessíveis e podero­


sos, também se transformam em ferramentas atrativas à prática clinica, uma vez que o
uso desta tecnologia pode contribuir para um nível significativamente mais alto de eficácia
do tratamento psicológico (James W. Sturges 1998). Mais precisamente a partir da déca­
da de 80, quando nota-se um grande número de lançamentos para o tratamento de fobias,
depressão, transtornos de pânico e adições, as terapias assistidas por softwares de trata­
mento têm sido amplamente testadas. Além disto, tais programas implementam
efetivamente técnicas comportamentais e de relaxamento.
Ao trabalhar com pacientes fóbicos, Carr (Carr, A. C., Ghosh, A. & Marks, I. M.
1988) fez um estudo comparativo entre um grupo submetido à exposição acompanhado
pelo terapeuta e um grupo submetido à exposição assistida por um software. Em ambos
os grupos, a melhora foi significativa e similar (aproximadamente 50% de cada grupo
demonstrou alívio total dos sintomas).
Em tratamento de depressão moderada (Selmi, P. M., Klein, M. H., Greist, J. H.,
Sorrell, S. P. & Erdman, H. P. 1990), a primeira sessão ensina o modelo terapêutico,
inclusive como os pensamentos automáticos afetam a depressão, testa o entendimento
do participante sobre o modelo, e elabora tarefas para a semana. Em comparação com os
pacientes submetidos ao tratamento convencional, o grupo acompanhado pelo software
resultou em melhoras muito similares.
Newman (Newman, M. G., Kenardy, J., Herman, S. & Taylor, C. B.1997) usou
palmtops para a apresentação de frases de apoio no tratamento do pânico. A ferramenta
exibe frases para reestruturação cognitiva, instruções para sessões de exposição, ques­
tões para avaliação e monitoramento de emoções, reforço verbal e técnicas de respiração.
Terapias didáticas, como treinamento de habilidades em pais de crianças
hiperativas, foram desenvolvidas em um programa interativo (Newman, M. G., Kenardy, J.,
Herman, S. & Taylor, C. B.1997). Em conjunto com o terapeuta, são assistidos vídeos que
demonstram a reação adequada diante de diversos comportamentos apresentados pela
criança, de forma que as respostas dos pais podem ser monitoradas.
Burling (1986) desenvolveu um programa de controle de fumo que reúne diaria­
mente informações sobre o comportamento do indivíduo (número de cigarros fumados,
baforadas por cigarro fumado, etc.) e determina quando um fumante deve substituir o
cigarro por um de nível de nicotina mais baixo, ou parar de fumar no dia em questão. Mais
tarde, Brandon, Copeland e Saper (1995) desenvolveram Terapeutas Digitais, toca-fitas
controlados por computador. Quando desejar fumar um cigarro, o paciente aciona a fita
com mensagens gravadas por seu terapeuta, estimulando-o a executar técnicas
comportamentais de enfrentamento da situação.

Sobre Comportamento e Cognição 2Ó 9


O Behavioral Self-Control Training(Hes\er&De\aney, 1997) é um programa interativo
para consumidores de álcool considerados em risco de alcoolismo. Ele auxilia no estabele­
cimento de objetivos, contratação de comportamentos com punições e recompensas, ava­
liação de situações que instiguem o consumo excessivo, resolução de problemas para lidar
com estas situações, análise funcional do ato de beber, e prevenção à recaída. Por ser um
programa interativo, cada participante tem seu arquivo de dados confidenciais, acessível
somente a este, e ao seu terapeuta. É possível revisar sessões anteriores, prever as próxi­
mas, reavaliar objetivos, e imprimir gráficos do progresso feito ató o momento.
O Programa de Educação Terapêutica (Gould, 1989) é um programa genérico e
interativo que permite ao paciente lidar com qualquer problema psicológico contanto que o
objetivo seja especificado em forma de comportamento. É utilizado como complemento
terapêutico e representa uma integração de conceitos psicodinâmicos e cognitivo-
comportamentais. O programa, constituído por 10 sessões, ó apresentado ao usuário
como uma experiência psico-educacional, criando um ambiente onde é possível explorar
uma área problemática e desenvolver estratégias para lidar com esta.
Um programa desenvolvido para o tratamento de transtorno de pânico (Neuman,
Kenardy & Taylor, 1996), dividido em quatro sessões, demonstrou resultados de melhora
dos sintomas idênticos aos de uma terapia cognitivo-comportamental convencional de 12
sessões. O programa, instalado em palmtops levados pelos pacientes, pode ser acionado
de duas formas diferentes: o cliente o aciona voluntariamente, o computador dispara um
sinal quatro vezes ao dia. O programa contém três módulos: o módulo de exposição, o de
controle dos sintomas, e o módulo de pós-pânico. Estes módulos exibem uma série de
sugestões que ajudam o paciente a alterar seu pensamento, e permanecer na situação
em que estão inseridos, além de práticas de respiração e auto-reforço.
A partir do início da década de 90, porém, as ferramentas em psicoterapia têm
evoluído para um nível bem mais complexo. A Realidade Virtual (RV), em particular, tem
mostrado um grande potencial terapêutico em diversas áreas, entre elas* procedimentos
cirúrgicos, medicina preventiva, educação médica, e treinamentos em geral (Riso, 2001).
Entretanto, têm se reconhecido progressivamente os benefícios psicoterápicos proporcio­
nados pela RV, tanto pelo realismo e imersão que proporciona, quanto pelas amplas
possibilidades de monitoramento do paciente (Ohsuga & Oyama, 1998).
Um dos grandes potenciais da RV deriva principalmente do papel central que a
imaginação q,a memória têm na psicoterapia. Estes dois elementos fundamentais, im­
põem limites relativos para o potencial individual. A experiência virtual possibilita ao indiví­
duo transcender tais limites, recriando um mundo mais vivido e real do que muitos sujeitos
conseguem descrever através de sua memória e imaginação (Vincelli & Molinari, 1998).
Utiíizada amplamente no tratamento de fobias específicas, transtornos alimenta­
res, transtornos de pânico e transtornos de estresse pós-traumático, há uma série de
ambientes virtuais em constante desenvolvimento. Como base metodológica, são utiliza­
das as terapias cognitivo-comportamentais.
No âmbito das fobias específicas, existem diversos ambientes virtuais para o
tratamento do medo de falar em público (Lee, 2002; Jo, 2001), para o medo de voar (Maltby
et ali., 2002; Rothbaum et ali., 2002; Jang et ali., 2002; Wiederhold et ali., 2002; Bafios et
ali., 2002; Mühlberger et ali., 2001; Rothbaum et ali., 2000; Rothbaum et ali., 1996), para

270 Roberto M . Caminha, Juliane Uma, Vanessa Qalanatta e )oôy Schaler


aracnofobias (Garcia-Palacios et ali., 2002; Renaud et ali., 2002) e acrofobias (Ku, 2002;
Emmelkamp, 2002; Emmelkamp, 2001).
Para transtornos de imagem corporal, o tratamento aborda principalmente as ati­
tudes em relação à auto-imagem e as distorções corpóreas produzidas pelos pacientes
(Riva, 2001; Riva, 1999; Riva, 1998).
Mesmo havendo trabalhos descritos principalmente a partir do final dos anos 80 e
inicio dos anos 90 propostas terapêuticas através de softwares ainda não são muitas. Em
todas as bases de dados disponíveis para o Brasil e América Latina não encontramos
referências a este tipo de trabalho em nosso contexto científico-cultural.

O Software CM como Instrumento Terapêutico e de Avaliação em TEPT

O software foi desenvolvido por nossa equipe a partir do trabalho desenvolvido com
crianças vítimas de violência doméstica, abusos físicos e sexuais, predominantemente no
Pipas/Unisinos, clínica escola da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, RS (Programa
Interdisciplinar de Promoção e Atenção á Saúde).
O trabalho era direcionado ao tratamento do TEPT decorrente da exposição as
situações de violência vividas pelas crianças atendidas em nosso grupo de pesquisa.
A caixa virtual é decorrência de uma caixa real, dividida em compartimentos do
tipo "gavetas" nas quais havia a representação de que as memórias eram como gavetas
que armazenam informações, lembranças (memórias) e que nós poderíamos intervir nes­
tas lembranças de modo ativo.
A caixa real era feita de papelão (primeira versão, após madeira com gavetas) e
cada lado seu estava relacionado a memórias diferenciadas. Um dos lados da caixa era a
memória traumática sendo os lados restantes de memórias positivas. Cabia ao paciente
instruído pelo terapeuta e pelo grupo (utilizado inicialmente em grupoterapia) mudar o lado
da caixa, ou seja, acionar outra memória quando evocado o evento traumático.
Desse modo surge o software CM numa primeira versão voltada ao treinamento da
memória traumática conforme a figura representativa abaixo;

Sobre Comportamento e Cognição 271


Na abordagem da memória traumática elaboramos junto a criança um repertório de
memórias. A criança deverá rememorar de um modo multisensorial, envolvendo os mais
diversos niveis perceptivos, a memória traumática e atribuir a ela um peso matemático numa
escala de 0 a 10 associada juntamente a paleta de cores situada no lado direito abaixo da
tela. A memória traumática será, conforme a escala de cores será representada pela gaveta
vermelha possuindo o peso 0 de lembrança positiva e 10 em lembrança negativa.
Na mesma lógica de avaliação e rememoração multisensorial criamos um reper­
tório de memórias positivas, com valências positivas atribuídas pela criança e conforme a
escala delimitada pela paleta de cores.
Desse modo, quando é dado o comando iniciar, acima da figura à direita e aberto
o arquivo eletrônico contido no programa relativo ao paciente com o qual estamos traba­
lhando de modo individualizado, a gaveta vermelha, relativa ao trauma, é aberta revelando
ícones escolhidos pelo paciente como representativo do trauma, por exemplo, desenhos,
figuras, proposições verbais ou imagísticas que remetem a situação traumática.
A gaveta vermelha se abre de um modo incontrolável no programa, através de uma
razão variável, em espaços de tempo diferentes, alheia a vontade do paciente no manejo
do programa.
As demais gavetas, o repertório de lembranças com valência positiva são capa­
zes de ser abertas voluntariamente. Inicialmente o paciente aprende a identificar quanda a
gaveta vermelha se abre e os efeitos que ela produz ao nlvel afetivo, cognitivo, comportamental
e fisiológico do paciente, posteriormente, o paciente aprende a intervir neste processo.
O principal instrumento terapêutico associado ao programa utilizado para o paci­
ente se dar conta das memórias automatizadas e do efeito que elas produzem ó o botão
vermelho chamado do "Botão de Emergência” (no alto da caixa à direita), que nada mais é
do que uma instância metacognitiva gerada através da representação lúdica do botão de
emergência para o paciente.
No manejo do programa após o paciente aprender a identificar que a gaveta ver­
melha abriu e os efeitos negativos que ela produz ele aprende a apertar o botão de emer­
gência ficando então liberadas ao seu comando as demais gavetas que devem ser abertas
igualmente em razão variada, evitando a perda da eficácia terapêutica através da saciação
ou habituação. Cada gaveta possui uma valência positiva que se contrapõe a valência
negativa da gavçta vermelha gerando desse modo uma dessenssibilização sistemática.
Quando o repertório de valências positivas é acionado pelo paciente os ícones
representativos das memórias positivas também são acionados, desenhos, proposições,
sendo que a gaveta vermelha começa a se fechar conforme a contraposição de valências
das memórias, positiva X negativa.
Durante todo o processo o humor do paciente é mensurado na escala disposta no
programa que inclui cores, números, termômetros de humor e carinhas representativas de
estados emocionais, sendo que o programa permite gráficos de desempenho por sessão
e ao final do processo terapêutico que deve ocupar de 8 a 10 sessões com os pacientes.
Assim, o programa acaba sendo não apenas um instrumento terapêutico como
também um instrumento de mensuração dos sintomas do TEPT (relativo as memórias)
pré e pós uso.

272 Roberto M . Caminha, lulíane Lima, V aneiw Qalarraga e Jody Schafer


O programa permite que as crianças criem representações e aprendam a manejar
com suas memórias traumáticas num processo lúdico dentro de suas cabeças fora do
setting terapêutico, num processo que envolve sons (um alerta no uso do botâo de emer­
gência), cores, na relação humor/cor, números representativos da intensidade, escalas de
0 a 10, carinhas de humor, termômetros etc.
O programa trabalha a reconfiguração de memória traumática permitindo que o
paciente aprenda no software habilidades a serem executadas individualmente fora do
contexto terapêutico apenas com as representações geradas pelo programa.
Na figura abaixo vemos as gavetas escolhidas pelo paciente com suas respecti­
vas valências positivas sendo abertas a fim de contrapor o efeito involuntário e negativo da
gaveta vermelha, bem como a utilização do “Botão de Emergência" no canto direito acima
da caixa.

Figura 2. Passos 1, 2 e 3: abertura involuntária da gaveta vermelha, uso do botão de


emergência e a abertura voluntária de outras gavetas com valências positivas.

Numa lógica darwiniana a memória traumática tende a um replay conforme o


esquema acima. Ele ocorre com o propósito de deixar o Esquema Hipervalente (trauma)
em destaque se comparado as outras memórias e demais esquemas visando exclusiva­
mente à adaptaçSo e a preservação da vida do organismo. É como se o cérebro ficasse
emitindo mensagens do tipo "nâo esqueça, não esqueça" para não subestimarmos situa­
ções de potencial perigo.
Quando o Esquema Hipervalente está acionado ele dificulta o acesso a outros
arquivos de memória, bem como a mediação metacognitiva. O sujeito sozinho não conse­
gue identificar que embora ele esteja ansioso por estar numa rua, a situação atual é
diferente do dia do assalto e, portanto, não há nada a temer no momento.
Identificadas multisensorialmente as memórias traumáticas entram em ação as
técnicas de formação de repertório relativas às memórias de valência positiva, a criação
de novas “gavetas" que se contraponham a "gaveta vermelha", o replay, que abre
involuntariamente e, conseqüentemente, o treinamento de novas habilidades sociais de
enfrentamento do problema.

Sobre Comportamento e Cognição 273


O paciente varia o repertório de memórias e atualiza, atravós do uso da
metacognição, o sentido e a validade da memória traumática, tendo como produto final à
reestruturação cognitiva e a dessensibilização sistemática de estímulos pareados.
Relaxamento e Respiração são técnicas auxiliares quando o paciente experimen­
ta fortes aumentos de ansiedade, entretanto, são técnicas que sem a auto-instrução e a
variação do repertório (abertura das gavetas) não garantem por si só a eficácia terapêutica.
Desde o momento que o paciente começa a apresentar significativas melhoras o
terapeuta deve introduzir os elementos de prevenção da recaída para que não se percam os
progressos conseguidos até então e se prepare o paciente para potenciais situações futuras.

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276 Roberto M . Caminha, Juliane Lima, Vane**a Galarraga e Jody Schafer


Capítulo 31
O transtorno da compulsão alimentar
periódica - técnicas cognitivas e
comportamentais
Mônicá Duchesne1

O transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) caracteriza-se pela ocor­


rência de episódios de compulsão alimentar (ECA), na ausência de comportamentos com­
pensatórios inadequados para evitar o ganho de peso. Durante os ECA o indivíduo apre­
senta um sentimento de falta de controle sobre o seu comportamento alimentar; ingere
grandes quantidades de alimento, mesmo estando sem fome; come mais rapidamente do
que o normal e até sentir grande desconforto físico. Em geral, esses episódios ocorrem
escondido dos demais e se caracterizam por um sentimento de embaraço, causado pela
quantidade exagerada de alimento consumido. Eles são sucedidos por um mal estar
psicológico, intenso sentimento de culpa e repulsa por si mesmo (DSM-IV.1994).
A maior parte dos portadores do TCAP apresenta obesidade associada. Entretan­
to, os obesos com TCAP apresentam maior gravidade da psicopatologia associada (geral­
mente ansiedade e depressão) e uma pior resposta às abordagens de tratamento, quando
comparados aos obesos sem ECA (Fairbum e Wilson, 1993).
A prevalência do TCAP na população geral encontra-se em torno de 0,7 a 4%
(DSM-IV.1994). Entretanto, a prevalência do TCAP nos indivíduos obesos que procuram
tratamento para emagrecer ó maior. No Brasil ela varia entre 15% e 27% (Appolinario e
cols., 1995; Borges, 1998; Coutinho, 2000). Esse transtorno ocorre predominantemente
em mulheres, numa razão estimada de 3:2 (Spitzer e cols., 1992).
O tratamento do TCAP envolve uma equipe multidisciplinar, que pode incluir; psi­
quiatras, endocrinologistas, nutricionistas e psicólogos.
No tratamento do TCAP, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) objetiva o desenvol­
vimento de estratégias para obter controle dos ECA; a modificação de hábitos alimentares; a
redução gradual do peso, quando há obesidade associada; o aumento da auto-estima; a redu-

1PtkxMoga. coordanadoni da PakxMorapia do Qrupo da Obaaldada • Transtorno» Atmantarea InstNuto Estadual d« Dtabataa a Endoolnotogía da Untvor-
aldada Fadaral do Rio da Janatro

Sobre Comportamento e Cognição 277


çáo da ansiedade associada a aparência e a modificação do sistema de crenças disfíincionais
que esses pacientes apresentam (Devlin 2001; Duchesne e Almeida, 2002). Para atingir esses
objetivos, diversas técnicas podem ser utilizadas. O primeiro passo ó obter uma conceituaçâo
das dificuldades do paciente, a qual permite a seleção das técnicas a serem utilizadas.

Regulação do peso corporal

Uma questão problemática em casos de TCAP ó a definição de uma meta de peso


razoável uma vez que, muitas vezes, o paciente tem a expectativa de obter um peso abaixo
do que seria indicado. O ideal ó manter como meta um intervalo de peso (em vez de um
peso específico). Esta medida pode ajudar o paciente a lidar melhor com as eventuais
flutuações do peso. Às vezes a definição do peso ideal tem que ser adiada até que o
paciente já tenha obtido um maior controle sobre sua alimentação (Fairburn e cols., 1993).
Parece haver uma relação entre dieta muito restritiva e a ocorrência de episódios de
compulsão alimentar (Polivy e Herman, 1993). Assim, para obter a redução do peso no
TCAP, são preferencialmente utilizados o aumento do nível de atividade física e as modifica­
ções graduais de hábitos alimentares (Devlin, 2001). Entretanto, em alguns casos de TCAP
alguma restrição dietética é necessária, em função do grau da obesidade e dos riscos para
a saúde associados. Nestes casos, deve ser escolhida uma dieta que não facilite a ocorrên­
cia de ECA. Além disso, um padrão regular de alimentação deve ser sempre mantido,
perfazendo cinco ou seis refeições. Para facilitar a aceitação de um dieta flexível e de um
emagrecimento gradual, o paciente deve ser informado de que a privação acentuada de
alimentos é um dos fatores responsáveis pelos pensamentos intrusivos relacionados à ali­
mentação e pelo aumento da frequência dos ECA (Fairburn e cols., 1993).

1- Automonltoração

A automonitoração consiste em fazer o paciente registrar dados associados à sua


alimentação. Ela permite a obtenção de informações sobre os hábitos alimentares do paci­
ente e sobre as circunstâncias que favorecem a ocorrência dos comportamentos disfuncionais.
Em segundo lugar, e mais importante, ao tornar o paciente mais consciente do que está
ocorrendo, ela o ajuda a modificar seus hábitos alimentares, pensamentos e sentimentos
disfuncionais. Os itens a serem registrados são selecionados de acordo com as dificulda­
des do paciente,-e podem incluir: tipo e quantidade do alimento ingerido; situações, senti­
mentos e pensamentos associados; a ocorrência de ECA etc. (Fairburn, 1993).

2- Modificação de Hábitos Alimentares

Devem ser fornecidas ao paciente informações sobre nutrição e regulação do peso


corporal, favorecendo que ele faça escolhas alimentares adequadas, com flexibilidade.
As estratégias para controle de estímulos podem facilitar a modificação dos
hábitos alimentares. Estas consistem na diminuição da exposição do paciente às con­
dições que favorecem a alimentação inadequada como, por exemplo, diminuir exposi­
ção do paciente aos alimentos que devem ser ingeridos em baixa frequência. (Duchesne
e Almeida, 2002; Marcus e cols., 1988).

278 Mônica Ducheinr


2- Aumento da atividade ffsica

As estratégias para o aumento da adesão à atividade física incluem o estabeleci­


mento de modalidades de exercício que sejam reforçadoras. O programa de atividade
física deve ser flexível, podendo-se incluir uma combinação de exercidos diferentes e,
para alguns pacientes, a associação de outras pessoas no programa de exercícios. Tam­
bém é importante avaliar as situações que poderiam dificultar a execução do exercício, e
planejar antecipadamente possíveis soluções (Duchesne, 2001).

Controle dos episódios de compulsão alimentar

Diversos fatores podem desencadear episódios de compulsão alimentar. Além da


restrição dietética, já citada, eles podem ser desencadeados pela visão de determinados
alimentos; por diversos tipos de pensamento; e por sentimentos de ansiedade, tristeza,
raiva, ócio, entre outros (Fairburn, 1993). Assim, faz-se necessário que o paciente desenvol­
va estratégias para lidar com esses fatores sem apresentar ECAs. O treinamento em reso­
lução de problemas pode facilitar a aquisição de comportamentos alternativos, modificando
assim a forma como o paciente lida com as situações que antes facilitavam a ocorrência
dos ECA. A ingestão de uma porção de determinados alimentos também pode desencadear
ECA e, eventualmente, a exposição e prevenção de respostas pode ser utilizada para ensi­
nar o paciente a lidar com esta situação (Duchesne e Almeida 2002, Fairburn, 1993).

1- Treinamento em resolução de problemas

O treinamento em resolução de problemas inicia-se com a identificação e


especificação de uma situação que favorece a ocorrência de ECA. Em seguida, o pacien­
te deve gerar o maior número de soluções alternativas que ele conseguir. Os passos
seguintes envolvem a avaliação da provável eficácia e exeqüibilidade de cada alternativa, e
a escolha da alternativa que parece ter maior probabilidade de ser eficaz. Subseqüente­
mente, os passos necessários para realizar a solução escolhida são delineados e a solu­
ção escolhida é executada. Por último, as consequências da resolução escolhida são
avaliadas e o paciente deve rever cada passo do processo de resolução de problemas,
decidindo como este poderia ter sido melhorado. O objetivo desse procedimento é tornar
o paciente capàz de solucionar problemas de modo geral, aumentando seu autocontrole,
e não apenas encontrar uma boa solução para a situação específica. Assim, o paciente
deve treinar esse procedimento utilizando diferentes tipos de problemas. Este procedi­
mento pode favorecer o desenvolvimento de crenças de auto-eficácia (Garner e cols.,
1985; Weiss e cols., 1985).

2 - Exposição e prevenção de resposta

A exposição e prevenção de resposta consiste em expor o paciente às situações


que favorecem a ocorrência dos ECA, e em incentivá-lo a não comer de modo excessivo.
Por exemplo, o paciente deve ingerir alimentos que usualmente desencadeiam ECA e
deve utilizar as técnicas de autocontrole, previamente treinadas, para não comer de modo

Sobre Comportamento c Cognição 279


excessivo. A exposição aos alimentos é feita inicialmente com a ajuda do terapeuta e de
forma gradual. Assim, deve ser organizada uma hierarquia dos alimentos que facilitam a
ocorrência dos ECA, e o paciente é exposto inicialmente aos alimentos que tem menor
probabilidade de desencadeá-los. Ao longo desse procedimento, o paciente deve relatar
seus pensamentos e os níveis de premência para comer excessivamente, e o procedi­
mento termina quando os níveis estão baixos. Este procedimento deve ser inicialmente
executado no consultório, e a medida em que o paciente aumenta sua capacidade de
autocontrole pode-se pedir que repita o procedimento em casa, além de introduzir os
demais alimentos da hierarquia (Rosen e Leitenberg, 1985).

Reestruturação cognitiva

Os sentimentos e comportamentos problemáticos que os indivíduos com TCAP


apresentam são mediados por crenças disfuncionais. A modificação dessas crenças é
fundamental para a obtenção das alterações de comportamento desejadas (Beck, 1997).
Os obesos com TCAP prestam muita atenção aos estereótipos sociais associ­
ados à obesidade. Além disso, são mais preocupados com seu formato e peso corporal
do que os obesos sem compulsão alimentar. Embora muitos deles não utilizem o formato
e o peso corporal como fatores únicos para avaliar seu valor como pessoa, eles desem­
penham importante papel na auto-estima. Assim, são comuns os sentimentos de vergonha
e inferioridade, em decorrência da obesidade e da dificuldade para controlar os ECA. A
reestruturação cognitiva deve ser utilizada para modificar as crenças disfuncionais que
mediam esses sentimentos. (Duchesne e Almeida, 2002; Fairburn, 1993).
Dentre as tendências disfuncionais de raciocínio, no TCAP ó muito comum o
raciocínio dicotômico (pensamento tudo ou nada). Este consiste em uma tendência para
pensar em termos absolutistas e extremos, sem meio termo. Dessa forma, o fato de
ingerirem uma porção de alimento avaliado como uproibidonos leva a abandonar qualquer
tentativa de controle da alimentação pelo resto do dia. Um pensamento freqüentemente
encontrado é: “Estraguei tudo. Como amanhã começarei a dieta novamente, desta vez
para valer, tenho que aproveitar hoje” (Fairbum, 1993).
O sistema distorcido de crenças pode perpetuar-se em decorrência de várias outras
tendências disfuncionais de raciocínio. Uma das tendências freqüentemente encontradas ó
a de atentar, de modo seletivo, para as informações que confirmam suas crenças, ignorando
ou distorcendo os dados que poderiam questioná-las (Beck, 1997; Fairbum e Cooper, 1991).
Muitas vezes os pacientes com TCAP tiram conclusões a partir de detalhes iso­
lados em uma situação. Assim, o fato de terem perdido o controle sobre a alimentação em
determinado momento pode ser usado como evidência de que não são capazes de exer­
cer controle sobre o seu comportamento alimentar, de modo geral. Fatos que se contra­
põem a tais conclusões são desconsiderados ou minimizados. Desta forma, os dados
são adaptados de forma a se conformar com o sistema de crenças predominante (Beck,
1997; Fairburn e Cooper, 1991).
Para modificar o sistema de crenças a TCC utiliza diversas técnicas. Uma delas
consiste em ensinar o paciente a identificar pensamentos que possam conter alguma
distorção. Em seguida, utilizando o questionamento socrático, o terapeuta incentiva o

280 Mônicd P uchfine


paciente a analisar todos os argumentos e evidências disponíveis que possam confirmar
ou refutar o pensamento distorcido. Pode-se também ajudar o paciente a considerar se há
modos alternativos de raciocínio, gerando a idéia de que os pensamentos devem ser
encarados como opiniões, ao invés de fatos incontestáveis e que, portanto, são passíveis
de erros. Além disso, "experimentos comportamentais" podem ser organizados de forma
a juntar evidências que facilitem a análise das crenças Esses procedimentos favorecem
uma avaliação mais objetiva do grau de precisão do pensamento, tornando-o mais funcio­
nal (Beck, 1997; Fairburn e Cooper, 1991).
Explorar as origens das crenças e valores do paciente pode ser útil. Isto o ajuda a
ganhar entendimento dos fatores que levaram ao desenvolvimento de suas dificuldades,
dando um sentimento de mestria sobre o passado e alguma diretriz sobre como assegurar
que o problema não ocorra no futuro (Beck, 1997).
O paciente deve assim reformular suas crenças, adotando perspectivas mais rea­
listas, que possam ser implementadas em resposta aos pensamentos disfuncionais que
ocorrem nas situações de risco.
O processo de análise das crenças é realizado de forma colaborativa, sendo o
terapeuta inicialmente mais ativo, ajudando o paciente a treinar as habilidades necessári­
as e, progressivamente, incentivando o paciente a comportar-se como se fosse seu pró­
prio terapeuta (Beck, 1997).

Abordagem da auto-estima

As técnicas de reestruturação cognitiva podem favorecer o aumento da auto-esti­


ma dos pacientes com TCAP. Eles devem ser incentivados a focalizar em suas diversas
qualificações pessoais e incorporá-las em seu conceito de valor pessoal. É importante
fazê-los focalizar em seus sucessos pessoais de modo geral e nas as melhoras que
obtidas por ele ao longo do tratamento, de modo a aumentar suas crenças de auto-eficá-
cia (Duchesne e Almeida, 2002; Fairburn, 1993).
Além disso, o paciente deve manter expectativas realistas com relação a meta de
peso, modificando as crenças relacionadas a peso e formato corporal e alcançando um
equilíbrio entre auto-aceitação e mudança. Como parte do processo de estabelecimento
de um esquema mais funcional para a auto-avaliação, os pacientes devem ser encoraja­
dos a enfrentar«ituações eventualmente evitadas, tais como: eventos sociais, atividade
física, etc. (Devlin, 2001; Fairburn, 1993)
O treino em habilidades sociais pode ser utilizado para minimizar estressores
interpessoais, que de outro modo poderiam favorecer ECA. O tratamento em formato de
grupo pode facilitar a redução da ansiedade social, além de fornecer importante incenti­
vo, e diminuir o sentimento de isolamento e vergonha (Loro e Orleans, 1981; Wooley e
Wooley, 1985).

Comentários finais

Estudos sobre a eficácia da TCC no TCAP descrevem uma redução da frequência


dos ECA, sem que esta venha acompanhada de uma redução significativa do peso corpo-

Sobre Comportamento e Cognição 281


ral (Agras, 1994; Devlin, 2001 ). A necessidade de associação de estratégias que endere­
cem diretamente a redução do peso já foi ressaltada e sua utilização, em geral, obtém
bons resultados no curto prazo com dificuldades para manutenção no longo prazo (Agras
e cols. 1994; Marcus e cols., 1988).
As estratégias para prevenção de recaída são importantes para facilitar a manu­
tenção dos resultados. É importante que o paciente mantenha expectativas realistas.
Muitos pacientes esperam nunca comer demais. Esta expectativa deve ser questionada,
uma vez que os torna vulneráveis a reagir catastroficamente frente a qualquer lapso, enca­
rando-o como uma evidência de recaída completa. O paciente deve ter como parâmetro
que a maioria das pessoas comem demais, às vezes, e que isso não é sinal de que seu
autocontrole está diminuindo. É importante avaliar os eventos que precipitaram as recaí­
das no passado e fazer um planejamento das estratégias que serão utilizadas para que
isto não ocorra no futuro (Fairburn e cols., 1993, Sternberg, 1985).
O envolvimento da família no tratamento pode tornar o meio facilitador das mudan­
ças a serem implementadas, bem com ajudar na manutenção das novas habilidades
desenvolvidas (Duchesne, 2001 ).

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Sobre Comportamento e Cogniçdo 283


Capítulo 32
Terapia comportamental para enurese
noturna com uso do aparelho de
alarme para urina
Diferenças e sim ilaridades no tratam ento de crianças e adolescentes

RosemarA. Prota da Silva'


N oelJ. Dias da Costa?
Edwiges f. de Mattos Silvares3

Como a Psicologia vem ganhando um papel proeminente na área da Saúde, cada


vez mais tem investido no conhecimento de vários temas, entre eles o da enurese noturna,
hoje em dia concebida como um distúrbio bio-comportamental, no qual variáveis biológi­
cas e psicológicas atuam sobre o organismo na determinação e manutenção dos proble­
mas de controle vesical (Houts, 1991).
De acordo com Quincy-Lefebvre (2001), desde o século XVIII, entretanto, atenção
especial tem sido dada às capacidades e habilidades físicas e morais das crianças jo­
vens. Ao definir os estágios da vida, especialistas usam o treino de toalete em determina­
das idades como um sinal de normalidade na infância. Como um problema social ou como
um sintoma médico, a enurese geralmente ímpfica em fenômeno de rejeição entre famíli­
as e aparece aos especialistas com um campo de pesquisa e experimentação.
Esta disfunção pode ter muitas conseqüências sobre o indivíduo, incluindo efeitos
sobre sua auto-pélrcepção, com auto-estima reduzida, dificuldades no comportamento
interpessoal, na atividade sexual (no caso de enurese em adultos e adultos jovens) e na
qualidade de vida em geral (Nappo et ai, 2002).
A intervenção comportamental da enurese noturna em crianças e adolescentes
apresenta alguns aspectos comuns e outros distintos. A compreensão destes aspectos
favorece o tratamento, ampliando sua eficácia e diminuindo custos. É objetivo deste capí­
tulo comparar os efeitos do atendimento psicológico a crianças e adolescentes com enurese
noturna na Clínica-escola da Universidade de São Paulo - USP, através da metodologia do
estudo de caso.

' USP-FAPESP.
*U8P
*USP FAPESP

284 Roiemar A . Prota da Silva, No«l J. Dia* da Co*ta t Fdw ijjf* F. df Mattos Silvares
1. A etiologia da enurese

Butler, Holland & Robinson (2001) afirmam que a enurese noturna ó uma condição
multifatorial com várias etiologias, sendo marcadamente prevalente em crianças, afetando
9-13% das crianças de nove anos e 1-2% dos adolescentes e adultos jovens. Segundo
estes autores, as crianças afetadas por esta condição podem se tornar isoladas social­
mente, com problemas emocionais e baixa auto-estima. Uma melhora no funcionamento
psicológico, incluindo a auto-estima, tem sido reportada depois de tratamentos bem suce­
didos, complementam os autores. Butler et a i (2001) relatam que, apesar de a maioria
dos pais de enuróticos serem suportivos, há um número significante, acima de 30%, que
se tornam intolerantes à enurese noturna de seus filhos. Então, a enurese pode ter um
efeito marcado sobre a dinâmica familiar e as formas de tratamento para esta condição
não podem ser ignoradas.
Djurhuus & Rittig (2002), em revisão da literatura, afirmam que um dos fatores
etiológicos centrais da enurese noturna é a deficiência na secreção da vasopressina mas
que outros mecanismos etiológicos atuam concomitantemente no organismo. O estudo
da capacidade de armazenamento da bexiga tem ganho notoriedade pois este fator tem
provado ser um dos maiores preditores da resposta de tratamento. Vários aspectos do
sistema nervoso central, incluindo capacidade de excitação e reflexos estão em foco e a
genética molecular tem trazido firmes evidências da relação entre a enurese e diferentes
marcadores cromossômicos.
Ainda segundo Djurhuus & Rittig (2002), a despeito dos avanços recentes em
nosso entendimento sobre enurese noturna, nós ainda estamos muito longe da completa
compreensão desta condição cientificamente intrigante e socialmente desconfortante.
Felizmente, contudo, o fato de a enurese ser uma condição heterogénea, que requer
pesquisas diferenciadas, tem servido como embasamento para progressos posteriores.
Butler & McKenna (2002) afirmam que a enurese notuma pode ser uma experiência
devastadora para a criança ou para o jovem pois ela pode levar a sentimentos de culpa,
embaraço e vergonha, determinando esquiva de atividades sociais, um senso de ser diferen­
te dos outros, atitude de vitimização e auto-estima baixa. Os pais tipicamente se adequam
ao problema com um senso resignado de falta de ajuda. Segundo os autores, os pais
tendem a acreditar que a enurese não é passivel de controle. Eles tipicamente procuram
explicações causais nas áreas de sono pesado, reatividade emocional e dotação genética.
Houts 0 991) apresenta uma concepção biocomportamental da enurese noturna
na infância apontando dois importantes parâmetros fisiológicos envolvidos: (1) deficiente
liberação circadiana do hormônio antidiurético (ADH) e (2) deficientes respostas muscula­
res inibitórias espontâneas. Avanços em pesquisas básicas sobre a patofisiologia da enurese
constituem uma oportunidade para pesquisadores das áreas da saúde e comportamental
identificarem os mecanismos de ação de tratamentos comprovadamente eficazes como o
aparelho de alarme.

2. O tratamento da enurese e o aparelho de alarme de urina

O aparelho de alarme para enurese foi usado primeiro por Pfaundler em 1902.0
modelo inicial, não muito diferente do atual, consistia de uma esteira detectora sobre a

Sobrr Comportamento e CogniçJo 285


qual a criança deitava-se e que era ativado pela urina e acordava a criança com um alarme
(Jalkut, Learman & Churchill, 2001).
Em 50 anos de pesquisas de tratamentos com o aparelho de alarme para enurese
constatou-se que ele possibilitaria a 77% das crianças enuréticas pararem de "molhar a
cama”. Acredita-se que estes 23% de casos mal sucedidos se devam a um dos seguintes
fatores: a) complicações orgânicas; b) uso do aparelho sem acompanhamento psicológi­
co de orientação familiar; ou c) uso do aparelho sem seguir adequadamente as instruções
(Houts, 1991).
Explica-se a atuação do alarme com base tanto nos princípios de condicionamen­
to clássico (respondente) (Jalkut, Learman & Churchill, 2001) como no de aprendizagem
operante (Oliveira, Santos e Silvares, 2000). O aparelho inicialmente age como um esti­
mulo incondicionado que desperta a criança quando a micção ocorre. Idealmente, a crian­
ça então desperta ou é despertada pelos pais, inibe a passagem da urina, levanta-se e vai
ao banheiro terminar de urinar. Com o tempo, o alarme cria uma resposta condicionada
em que o estímulo fisiológico que causa a micção inibe o urinar e o despertar da criança
(Jalkut, Learman & Churchill, 2001). Como paralelamente ao tratamento ocorrem as tro­
cas afetivas que têm seu foco deslocado do ato de urinar na cama para o ato de acordar
seco, então não se pode descartar a possibilidade de um reforçamento positivo através do
qual a criança adquira ganhos sociais ao deixar de ser enurótica. Além dos ganhos soci­
ais, e outros, como deixar de acordar molhada, com cheiro de urina, tendo que apressar-
se em tomar banho, a criança ganha autonomia para viajar e dormir fora de casa sem a
insegurança da probabilidade de acordar involuntariamente molhada (Oliveira, Santos e
Silvares, 2000).
De acordo com Woodhouse (2001), grande parte dos adolescentes e adultos
que sofrem de descontrole urinário podem possuir um entre os seguintes problemas:
bexiga neurogênica, problemas na válvula da bexiga ou outros, e nestes casos seria
requerida intervenção cirúrgica. O diagnóstico diferencial destas possibilidades e da
enurese noturna deve ser realizado a fim de que se faça uma intervenção bem sucedida
com o parelho de alarme.

3. Variáveis envolvidas na compreensão funcional da enurese

De acordo com Silvares (2002), algumas das variáveis envolvidas na compreen­


são funcional da enurese são: (a) o grau de tolerância da família com relação ao descon­
trole esfincteriano do cliente; (b) o grau de seguimento, pelo cliente, das instruções a
ele fornecidas; (c) expectativas da família quanto à forma mais adequada de tratamento
terapêutico para a criança; (d) concepções dos pais quanto ao papel da família na defi­
nição e superação dos problemas dos clientes; (e) capacidade de compreensão da
racional do tratamento, ponto essencial para participação da família no processo
terapêutico; e (f) grau de discórdia da d/ade conjugaI com relação aos problemas do
cliente e a outros aspetos.
A autora complementa que, quando o clínico se depara com uma destas variáveis
trazendo obstáculos para a evolução do tratamento, deve buscar soluções de contorno
para diminuir a ação negativas deles. Baseado na compreensão funcional do caso o clíni­

286 Rosemar A . Prota da Silva, Noel J. Pia* da Co*la e Fdwiges h. de M a lto * Silvarei
co pode tornar a vida dos clientes infantis e adolescentes muito mais satisfatória por ser
capaz de auxiliar na obtenção do controle da enurese de forma rápida e eficiente.
Explica Silvares (2002) que, além da capacidade de compreensão da racional
do tratamento, ponto essencial para participação da família no processo terapêutico, a
experiência do psicólogo é um fator essencial para a vinculação do cliente à terapia. No
caso da enurese noturna, a disponibilidade de um aparelho detector de urina pode ser
considerado o terceiro fator de sucesso na intervenção, uma vez que possibilita, ao
psicólogo, auxiliar ao cliente enurético em sua dificuldade para obter o desejável contro­
le urinário.

4. Enurese e Adolescência

Nappo et al. (2002) relatam que adultos enuréticos afirmam ter relutância em
sair à noite para se divertir, por sentirem a enurese como uma experiência terrível, com
uma influência enorme sobre suas vidas e que complica seus relacionamentos. Se as­
sumirmos, segundo os autores, a prevalência de 5-10% na idade de 6-7 anos, e ao
menos 0,5% em adultos, então de 5 a 10% das crianças enuróticas continuarão a
molhar suas camas por toda a vida, caso não sejam tratadas ou não sejam bem sucedi­
das no tratamento.
Laberg, Tremvlay, Vitaro & Mont Plaisir (2000) fizeram um estudo com crianças e
adolescentes enuréticos aplicando-lhes escalas que mensurariam o nível de ansiedade e
o índice de adversidade familiar. Os autores consideraram a enurese noturna como uma
parassonia mas não acharam co-relação entre a enurese e a ocorrência de outras
parassonias. O nível de prevalência achado aos 13 anos (2%) é similar à prevalência de
1,5% a 3% achado na população adulta. Os resultados também confirmaram uma maioria
de enuréticos do sexo masculino. O estudo achou relação entre todas as parassonias
estudadas, inclusive a enurese, com altos índices de adversidade familiar. Neste estudo,
não houve correlação entre o nível de ansiedade da criança e a enurese.
Van Kampen (2002) sugere que a terapia de amplo espectro, envolvendo aparelho
de alarme para urina, treino de retenção de urina e terapia motivacional é o tratamento
mais eficaz, independente de idade, gênero, capacidade da bexiga e história familiar do
cliente.
Van Son, Van Heesche, Mulder & Van Londen (1995) utilizaram o aparelho de
alarme para enurese em adultos. O tratamento durou em média seis meses e meio e foi
bem sucedido num seguimento de seis meses em 9 dos 11 clientes participantes do
estudo. O estudo conclui que a cura deve ser uma meta real no tratamento de enurese
para adultos. Os autores relatam ainda que a enurese noturna gera grande desconforto
psicológico e estresse na vida dos adultos enuréticos, e que mesmo assim a literatura
sobre enurese em adultos é muito escassa.
A despeito da grande quantidade de estudos levantados não foram encontrados
trabalhos que comparassem as similaridades e diferenças na avaliação e intervenção
entre adolescentes e crianças, o que caracteriza a proposta deste estudo.

Sobre Comportamento c CojjnlçJo 287


5. Mótodo

Participaram desse trabalho duas crianças, sendo um menino de nove anos (Mil­
ton) e uma menina de oito anos (Sabina) e dois adolescentes, sendo uma moça de 13
anos (Melissa) e um rapaz de 14 anos de idade (Sandro). As crianças foram atendidas
pela terapeuta, primeira autora deste texto. Os adolescentes foram atendidos pelo terapeuta,
segundo autor deste texto e os terapeutas foram supervisionados por Silvares.
Ao início e ao término do atendimento promovemos uma avaliação cuidadosa do
cliente procurando entender melhor suas expectativas e a de seus pais, as conseqüênci­
as de seu comportamento de enurese e as relações desta com os demais comportamen­
tos do cliente. Após a avaliação, os participantes e seus pais foram orientados sobre a
utilização do aparelho. Neste período foi-lhes explicado de que forma o aparelho pode
ajudar a superar o descontrole vesical.

Os instrumentos utilizados na avaliação foram:


• CBCL (Inventário do Comportamento Infantil, Achenbach, 1991), através do qual coletamos
informações sobre a percepção dos pais a cerca de seus filhos antes e após a intervenção.
• YRF (Questionário de Auto-Avaliação para Jovens, Achenbach, 1991), através do qual
coletamos informações sobre a percepção dos adolescentes sobre si mesmos antes e
após a intervenção.
• Escala de Intolerância á Enurese de Morgan & Young (1975), através do quaf aferimos o
nível de tolerância ou rejeição dos pais a cerca da enurese dos filhos.
• Formulário de Avaliação de Enurese, de Blackwell (1989), que delimita se a enurese é
noturna ou diurna, primária ou secundária, múltipla ou não, sua freqüência, etc.
• Entrevista semi-estruturada de Butler (Blackwell, 1989), que retrata a percepção do
indivíduo a respeito de sua enurese e do comportamento dos outros (família e colegas)
com relação a ela.

O atendimento foi realizado na clínica-escola do Instituto de Psicologia da USP,


em sessões semanais envolvendo a criança ou o jovem e depois seus pais. Durante sua
sessão a criançâ ou adolescente conversava sobre sua semana e sobre os episódios de
descontrole esfincteriano com a terapeuta com a mediação de atividades lúdicas. Na
sessão com os pais, mediados pelo mesma terapeuta, estes apontavam questões e fazi­
am considerações sobre sua semana em interação com o cliente. O uso do aparelho de
alarme foi tópico central em duas reuniões envolvendo pais e cliente.
Durante as sessões de orientação aos pais, dúvidas e fantasias a respeito da
enurese eram colocadas e este conteúdo era trabalhado através de esclarecimento sobre
a etiologia, formas de tratamento e prognóstico da enurese. Os terapeutas procuraram
enfatizar que as trocas afetivas deviam ocorrer sempre positivamente especialmente nos
momentos em que a criança conseguisse adquirir algum controle esfincteriano. Cada dia
de controle deveria ser valorizado e percebido como um progresso da criança. Por outro
lado, quando a criança acordasse molhada, isto não deveria ser motivo para punição.

288 Rosemar A . Prota da Silva, Noel I. Dia* da Costa e Fdwlge* F. de Mattos Silvares
O aparelho de alarme de urina neste tratamento foi empregado como instrumen­
to auxiliar. Este consiste em duas unidades: (a) uma esteira de plástico com um sensor
que fica sobre o colchão e sob o lençol. No início do processo de urinar, (b) um alarme
sonoro, que fica na cabeceira da cama, é acionado. O aparelho de alarme para enurese
sinaliza o inicio do processo de urinar. Ao acordar, o cliente percebe os sinais da bexiga
excessivamente cheia, podendo, então, dirigir-se ao banheiro para acabar de urinar,
desligando, antes, o controle sinalizador do aparelho. Volta a dormir, depois de ter a
cama trocada com o auxílio de seus pais e de ter o aparelho ligado novamente (Silvares
& Souza, 1996).
A intervenção comportamental foi promovida de acordo com o modelo triádico,
delineado por Tharp & Wetzel, em 1969, tendo como premissas básicas: a) para que
ocorram mudanças comportamentais positivas, os comportamentos inadequados não
devem ser reforçados, entretanto os comportamentos adequados, sim; e b) as manipula­
ções comportamentais, promotoras de mudanças comportamentais devem ser operadas
por quem disponha dos reforçadores (no caso das famílias, isto se aplica, com alta proba­
bilidade, aos pais).
Neste trabalho, utilizamos treino familiar de resolução de problemas, segundo o
qual é impossível levar adiante contratos comportamentais sem a participação ativa do
cliente nas contingências determinantes de suas próprias mudanças comportamentais
(Silvares, 1995). O funcionamento sistêmico da família em atendimento e as mudanças
que devem ser geradas para favorecer a aquisição do comportamento desejado no cliente,
no caso, o controle mictório foram focalizados sempre que necessário. Neste modelo de
intervenção não apenas o cliente participa da intervenção, mas também seus responsá­
veis, possibilitando-se mudanças na dinâmica familiar a fim de promover alterações
comportamentais no cliente.

6. Relato de Caso

No caso de Milton, a mãe possuía dúvidas sobre sua adequação enquanto educa­
dora, pois sentia o filho muito imaturo e dependente para a idade. Estas questões foram
tratadas tanto no aconselhamento psicológico com a mãe como nas sessões de ludoterapia
com a criança. Ao término da intervenção, a mãe passara a achar seu filho com maturida­
de adequada pára a idade. Houve mudança no comportamento da criança, que passou a
ser mais independente e responsável, e na auto-estima da mãe, que passou a se julgar
mais capaz enquanto educadora. O follow-up feito por telefone confirmou os ganhos obti­
dos com o tratamento.
No caso de Sabina foram tratadas questões referentes à interação mãe-filha e à
ansiedade da menina. Ao término do atendimento, os pais da menina continuaram rela­
tando que ela se encontrava como uma criança ansiosa. Depois de sete meses, os pais
solicitaram que a menina voltasse ao atendimento pois estava molhando a cama cerca
de uma vez por quinzena e apresentava mais comportamentos de ansiedade, teimosia e
agressividade. Ela então voltou a ser atendida, estas questões foram trabalhadas e,
tanto os episódios de molhadas como a ansiedade e dificuldade de interação foram
superados.

Sobre Comportamento e Cognição 289


Fig 1. Frequência semanal absoluta de episódios de molhadas (acidentes enuréticos) das
crianças, antes, durante e após a intervenção.

A figura 1 nos permite visualizar a evolução dos dois atendimentos realizados a


crianças, sendo um menino de nove anos e uma menina de oito. Os resultados positivos
foram alcançados em ambos os casos.
Melissa foi atendida em triagem para que integrasse um grupo de pré-adolescen-
tes enuréticos com idades entre 9 e 13 anos. Ela freqüentou as primeiras sessões, mas
logo deixou de comparecer aos atendimentos alegando vergonha. Neste momento a equi­
pe entendeu que, por Melissa ser a mais velha e ter um desenvolvimento físico mais
adiantado do que o restante do grupo, para evitarmos a evasão da garota devido a seu
desconforto inicial, passamos a atendô-la individualmente. Os pais de Melissa descreve­
ram-na inicialmente como irritada, talvez em decorrência da adolescência, disseram eles.
Em sua auto-avaliação inicial, ela declarou que às vezes ficava com raiva e reagia aos
gritos, reclamou de seu peso excessivo, de sua timidez e disse ser teimosa em demasia.
Através do CBCL aplicado antes do tratamento, a mãe apontou o estado de ansiedade da
filha e o pai apontou o estado agressivo. Após a alta, estas questões já não estavam
presentes na vida da família. Os objetivos do tratamento foram alcançados, o que foi
verificado no follow-up, feito através de contato telefônico.

290 Roicmar A . f’ rotd dd Silva, N o fl J. Did* dd Cocta c hdwlflw F. d? Mdttos Silvarrs


A história de vida de Sandro, o adolescente atendido por nossa equipe, parece
mostrar como este comportamento se instalara e como se mantinha. Sendo o terceiro
filho entre seis irmãos, era o mais tímido. Os irmãos mais velhos possuíam mais habilida­
des nas interações sociais, era-lhes confiadas responsabilidades e desfrutavam de algu­
mas vantagens tais como liberdade para brincar com outros colegas do condomínio. Es­
tes irmãos conseguiram aumentar seu campo social; ele, ao contrário, não conseguia
aproximar-se de pares a fim de estabelecer relações. Quando ele atingiu os treze anos, a
mãe, não suportando mais o problema, decidiu ameaçá-lo. Com receio da punição, ele
passou a não dormir à noite para poder ir ao banheiro no momento em que a bexiga
estivesse cheia. Certa vez, sentindo sono tentou obstruir a micção através de um pregador
de roupa colocado no pénis. Em conseqüência disto houve lesões e dores que o levaram
ao médico. O pai, durante entrevista inicial, manifestou sua dificuldade em interagir com o
filho. Estas questões foram discutidas durante as sessões e, ao término do atendimento,
Sandro, além de haver ampliado seu campo social, inseriu-se em grupos artísticos com
atividades regulares. O follow-up feito por telefone confirmou o dado de que as trocas
afetivas familiares passaram a ocorrer de maneira mais positiva após o tratamento.

Fig. 2. Freqüência semanal absoluta de episódios de molhadas (acidentes enuréticos)


dos adolescentes, antes, durante e após a intervenção.

Sobre Comportamento e Cognição 291


Vemos a partir da Figura 2 a evolução dos atendimentos à Melissa (13 anos) e a
Sandro (14 anos). Em ambos os casos os objetivos foram alcançados, ou seja, os adoles­
centes deixaram de molhar suas camas.

7. Comparação entre o tratamento de crianças e adolescentes

Entre as similaridades no tratamento de crianças e adolescentes, observaram-se


as seguintes:
a) Tanto para as crianças como para os adolescentes os efeitos do tratamento
foram positivos; crianças e adolescentes relataram melhorias em sua vida social após
deixarem de ser enuróticos, principalmente pela possibilidade de poder dormir na casa de
amigos e viajar sem a preocupação de ‘molhar a cama’;
b) A dinâmica familiar tende a melhorar uma vez que os pais deixam de ter a
preocupação com o fenômeno da enurese, cujas causas desconheciam antes de compa­
recerem ao tratamento;
c) Por serem deslocadas as trocas afetivas familiares dos dias em que ocorrem
as molhadas para os dias em que a cama amanhece seca, a/o criança/adolescente co­
meça uma interação mais positiva e integrada com a família;
d) Neste estudo, percebeu-se uma relação entre o nlvel de ansiedade da criança
e a enurese;
e) Os resultados do CBCL dos pais de crianças e dos pais dos adolescentes
apresentam semelhanças, pois os dois grupos de pais percebiam seus filhos como não-
clínicos. Contudo, os pais de Sabina a percebiam como ansiosa e os pais de Melissa a
percebiam como agressiva. Apesar de, nos dois casos, os escores referentes a estes
itens serem moderados.

Tabela 1. Variáveis que podem intervir negativamente no tratamento.


Crianças Adolescentes
Variáveis
Sabina Milton Sandro Melissa
A) Baixa tolerância da família com - X X -
relação à enurese
B) Baixo grau de seguimento das - X - X
instruções, pelo cliente
C) Descrença da família quanto ao - - - -
tratamento
D) Engajamento dos pais no - - - -
tratamento
E) Baixa compreensão da racional do - - - -
tratamento
F) Presença de discórdia na dlade X - - X
conjugai.

O ( X ) indica a presença de variáveis e ( - ) indica a ausência.

292 Roiemar A . Prota dd Silva, N o í I J. Dias da Cofta e Edwlgtt K dc Mattos S ilvam


A Tabela 1, põe em evidência as similaridades na ocorrência das variáveis A (grau
de tolerância da família com relação à enurese noturna); B (grau de seguimento pelo
cliente das instruções fornecidas) e F (grau de discórdia da díade conjugal com relação às
questões do cliente e outros aspectos).
f) Outra semelhança ocorreu quanto à tolerância da enurese por parte dos pais.
Os pais de Sabina e os pais de Melissa demonstraram-se mais tolerantes. Entretanto, os
pais de Milton e os de Sandro, apresentaram menos tolerância.
g) Houve também similaridade quanto às variáveis envolvidas na compreensão
funcional da enurese (Silvares, 2002), conforme pode-se observar através da seguinte
tabela comparativa:
Já as diferenças verificadas no tratamento de crianças e adolescentes foram:
a) Os resultados do tratamento parecem ser mais rápidos nos adolescentes do
que nas crianças, porém, como os terapeutas eram diferentes, não temos como confirmar
esse dado;
b) A família do adolescente costuma ter muitas dúvidas referentes ao próprio
processo de adolescência, o que indica necessidade de orientação; para os pais das
crianças, emergem mais comumente questões relacionada a limites e seguimento de
regras por parte de seus filhos.
c) Para os adolescentes, emergem questões próprias de seu estágio de vida
pessoal, ao passo que para as crianças emergem mais as questões ligadas à sua vida
escolar.
d) As crianças parecem ser, de modo geral, mais receptivas a regras seguindo a
orientação dos pais sem maiores questionamentos. Os adolescentes parecem ter uma
maior necessidade de questionar as razões pelas quais seus comportamentos precisam
ser mudados. Esta diferença, se pensarmos em termos de psicologia do desenvolvimen­
to, nos parece esperada e natural, requerendo apenas atenção do terapeuta a este fato.

8. Resultado do seguimento de caso

Durante o seguimento realizado após sete meses, ao contrário do menino e dos


dois adolescentes, Sabina teve alguns episódios de descontrole esfincteriano durante o
sono, embora a freqüência não mais caracterizasse enurese.
Sabina esteve entâo em atendimento para que a questão da ansiedade, baixo
limiar à frustração e comportamento agressivo na família e na escola, fosse resolvida.
Independente da idade, todos julgaram a enurese algo ruim, implicando em não
poder dormir fora de casa ou, quando isto ocorresse, ocasionando insegurança e receio
de molhar a cama sem que isto possa ser controlado. A sensação do não controle sobre
o fluxo urinário foi relatada como algo angustiante pelos quatro clientes.
O tratamento, tendo auxiliado o controle sobre seu fluxo urinário, possibilitou a
todos melhor qualidade de vida, pois agora podem desfrutar de viagens escolares, por
exemplo, sem tanto receio de molhar-se involuntariamente. A interação familiar também

Sobre Comportamento e Cognição 293


melhorou em decorrência, inclusive, de nâo haver mais lençóis para lavar na mesma
freqüência de que se tem quando o indivíduo é enurético; os colchões já não precisam ser
postos ao sol e nem trocados com tanta freqüência; o banho já não precisa ser tomado às
pressas antes do colégio, pela manhã; o cheiro de urina já não mais existe nos quartos.

9. Conclusão

Este trabalho é relevante para a psicologia enquanto ciência porque inaugura no


Brasil uma nova forma de atendimento a crianças e adolescentes com enurese noturna,
que é a união da orientação psicológica com o uso do aparelho sonoro.
Salientamos a necessidade de que o tratamento seja feito de uma maneira am­
pla, levando em consideração todas as demandas da criança e da relação que a família
estabelece com ela. Isto justifica e enaltece o papel do psicólogo nesta situação.
Há, contudo, necessidade de um maior número de pesquisas sobre o tema para
obter-se maior compreensão do mesmo. É incrível a escassez de material sobre enurese
na adolescência e idade adulta. Este fator nos convida a realizar novos estudos nesta
direção, uma vez que, como psicólogos e pesquisadores, estamos preocupados sobre­
maneira com o bem-estar psíquico das pessoas. Como podemos atuar eficazmente nas
questões bio-comportamentais, como a enurese noturna, de modo a possibilitar uma maior
integração interpessoal do indivíduo que tem a disfunção e, mais, como podemos ajudá-lo
a livrar-se desta disfunção?
Esperamos ter começado a responder a esta pergunta neste capítulo, mas muito
conhecimento ainda está por vir para nos orientar neste nosso objetivo.

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Sobre Comportamento c Cognição 295


Capítulo 33
Diagnóstico de depressão no idoso
/ feber Odebrecht Vargas1
Tiemi Matsutf
Sérgio Luis Blay*

1. Introdução

O envelhecimento ó uma realidade mundial que, em países em desenvolvimento,


como o Brasil, já representa quase 9% de nossa população. Esta é uma faixa etária que
apresenta algumas características diferentes quanto ao perfil sócio-demográfico, com al­
gumas enfermidades mais prevalentes entre os idosos.
Segundo Garrido e Menezes (2002) esta parte da população brasileira, composta
por pessoas com 60 anos ou mais, tem um perfil demográfico característico. Neste estudo
os autores citam dados do Programa Nacional por Amostra de Domicílios os quais demons­
traram que somente 12% viviam sozinhos, com um predomínio de Idosas (55%) e entre
elas, as viúvas, contrariamente ao que ocorre com os idosos do sexo masculino, entre os
quais os casados eram a maioria. Outro dado relevante deste estudo demonstrou que cerca
de 37% declararam-se analfabetos. Neste mesmo estudo os autores citam dados do IBGE
de 1999, dos quais se destaca o de que, de 86,5 milhões de pessoas que declararam ter
consultado pelo menos um médico no último ano, 73,2% eram maiores de 65 anos, sendo
este o grupo que mais freqüentemente é submetido à internação hospitalar.
Segundo análise de Almeida (1999), o envelhecimento da população, traz como
uma de suas conseqüências, aumento na prevalência dos problemas de saúde caracterís­
ticos do idoso, tais como: doenças cardiovasculares, neoplasias, diabetes, doenças
reumatológicas e alguns transtornos mentais. A demência, por exemplo, afeta aproxima­
damente 5% dos idosos aos 65 anos de idade e 20% daqueles com 80 anos ou mais. A
depressão é um transtorno mental bastante freqüente entre os idosos, com taxas de
prevalência variando de 5 a 35%, de acordo com o nível de gravidade da depressão.

( Professor Ma. d« Psiquiatria da Unlvaotidade Estadual da Londrina.


t ProfaMora Dra da Bloaatatlstlca da UnJvarakteda Estadual da Londrina
Profeaaor O. da Psiquiatria da Untvariidada ^adaral da SAo Pauto

296 Hfber Odrbrrcht Vurjjai, Tlcmi Mdtsuo t Sérjjlo Lul» Blay


A depressão ó uma síndrome psiquiátrica caracterizada por humor deprimido,
perda do interesse ou prazer, alterações do funcionamento biológico, com repercussões
importantes na vida do indivíduo e com duração que pode variar de meses a anos, quando
não tratada adequadamente. Trata-se de uma fonte de sofrimento que interfere em atribu­
tos preciosos do ser humano como a capacidade de pensar, de sentir, de interagir e cuidar
de outras pessoas, de compartilhar os mesmos objetivos, de trabalhar, de experimentar
gratificações, de cuidar de si mesmo e de amar. Pode acarretar desarmonia familiar e nem
sempre ser compreendida por aqueles que estão mais próximos ao enfermo. A presença
de quadro depressivo interfere significativamente na recuperação e reabilitação de outras
doenças, além de estar associada a um aumento da morbidade e mortalidade por suicídio
e outras causas.
Snowdon (2002) salienta que a prevalência de transtornos depressivos no idoso,
que requer intervenção clínica, é de 10%, e que a doença física é um dos fatores de risco
mais significativos, ainda que esta associação dificulte aos clínicos reconhecer a depres­
são. Este autor reforça que o tratamento pode ser útil e recomenda a alocação de recur­
sos adequados para treinar profissionais na avaliação e no manejo destes pacientes.
Existe consenso entre os clínicos e pesquisadores sobre a prevalência dos
transtornos depressivos ser alta e, segundo Lima (1999), este fato independe do local
em que a pesquisa é realizada, do tipo de instrumento diagnóstico usado e dos períodos
de tempo para os quais a prevalência se aplica. Pessoas deprimidas estão mais sujei­
tas a consultar módicos e a serem hospitalizadas. O custo e a eficácia dos tratamentos
para depressão devem ser balanceados com os altos custos individual e social associ­
ados à enfermidade.
Alexopoulo (2000) ressalta as conseqüências módicas, sociais e econômicas
das desordens geriátricas do humor. O autor enfatiza, ainda, o sofrimento dos pacientes e
de seus familiares, a exacerbação de outras enfermidades módicas, a incapacitação e a
necessidade de um suporte oneroso. Apesar da importância, da incidência e das graves
conseqüências, os sintomas depressivos em idosos continuam sendo subdiagnosticados.
Clínicos e pacientes freqüentemente atribuem os sintomas depressivos ao processo de
envelhecimento. Outra razão para isso é que as pessoas idosas enfatizam os sintomas
somáticos e minimizam o humor deprimido. A depressão geriátrica ocorre no contexto
das doenças neurológicas ou médicas, cujos sintomas são similares aos dos transtornos
do humor. Em aiguns casos, quando a sintomatologia se sobrepõe, somente podem ser
diagnosticados após o sucesso da terapêutica.
O estudo da freqüência das perturbações mentais na terceira idade, bem como
dos fatores associados, é de interesse para a determinação da prevalência e investigação
de risco de morbidade psiquiátrica na idade avançada (Forlenza 2000). A depressão no
idoso parece interferir no funcionamento cognitivo e nas atividades de cuidados pessoais
em maior grau do que nas pessoas mais jovens. Segundo Harper e colaboradores (1990),
a identificação e a triagem desta condição teria o objetivo de reduzir a dependência des­
ses pacientes, dos sistemas de saúde. Os autores salientaram ainda que grande parte
destes pacientes com sintomatologia psiquiátrica procurou os serviços de atenção primá­
ria, enfatizando mais suas queixas físicas que as emocionais, fato que dificultou ainda
mais o diagnóstico de profissionais não especialistas.

Sobre Comportamento c Cognição 297


Roberts e colaboradores (1997) relataram que as altas taxas de episódios depressivos
não eram devidas ao simples processo de envelhecimento característico desta fase de vida,
mas que outros fatores de risco como problemas da saúde física, incapacidade e isolamen­
to social são mais importantes que o envelhecimento fisiológico. Estes autores avaliaram
ainda mudanças das estratégias de tratamento com ônfase nas dietas, exercícios físicos,
mudanças de hábitos de saúde e melhoria do suporte social, sugerindo que estas novas
estratégias levariam a uma redução na prevalência e no impacto da depressão.
Vários são os fatores que dificultam o diagnóstico desta enfermidade no idoso.
Dentre esses, podem-se destacar a baixa freqüência de psiquiatras e outros profissionais
de saúde mental nos serviços, a ausência de exames complementares que confirmem o
processo depressivo, o fato de tanto o paciente quanto o módico priorizarem as queixas
somáticas e, finalmente, a carência de instrumentos diagnósticos validados para esta
idade que auxiliem o clínico no diagnóstico em todos os níveis de atendimento.
Esta realidade do baixo índice de diagnóstico e indicação de tratamento também
acontece em nossa população de idosos. Em recente trabalho ainda não publicado avali­
amos 495 idosos com 60 ou mais anos que estavam em atendimento em diversos ambu­
latórios do Hospital Regional do Norte do Paraná, no qual constatou-se que 39,8% dos
pacientes avaliados apresentavam depressão e destes somente 17,4% receberam indica­
ção para tratamento

2. Diagnóstico da Depressão Geriátrica

A psiquiatria apresenta uma formulação diagnóstica eminentemente clínica (Jor­


ge e Custódio, 2000), contrastando com outras áreas nas quais os recursos diagnósticos
subsidiários, exames laboratoriais e métodos de imagem são utilizados.
Uma detalhada história clinica sobre a situação atual do idoso, seus anteceden­
tes familiares e pessoais, bem como a investigação de episódios prévios de depressão no
paciente e em seus familiares, tratamentos anteriores, exame psíquico e físico são subsí­
dios importantes que contribuem para o esclarecimento diagnostico.
Nas ultimas décadas, houve um crescimento do interesse pelo diagnóstico e classi­
ficação dos transtornos mentais, motivando a Organização Mundial de Saúde a atualizar a
décima versão do Código Internacional de Doenças (CID-10), bem como a Associação Ame­
ricana de Psiquiatria a atualizar seu Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos
Mentais, quarta revisão (DSM-IV), com a finalidade de descreveras categorias diagnósticas,
permitindo aos profissionais e investigadores ampliarem a comunicação entre si, diagnosticar
com mais precisão, através de critérios padronizados, e tratar melhor o doente mental.
O diagnóstico das doenças psiquiátricas, de uma maneira geral, vem sofrendo
reformulações nas últimas décadas. Essas reformulações visam melhorar sua concordân­
cia entre os psiquiatras e, desta forma, possibilitar que os trabalhos científicos possam
ser reproduzidos em todo o mundo, proporcionando uma melhor terap. Esta consciência
de otimizar o diagnóstico, segundo Del Porto (1986), tem facilitado o desenvolvimento de
instrumentos de avaliação diagnóstica de diferentes abordagens, que podem ser divididos
em três grupos: os questionários de auto-avaliação, as escalas de avaliação e as entrevis­
tas estruturadas ou semi-estruturadas.

298 Heber Odebrecht Vargai, Tieml Mdtsuo e Sérjjlo Luls Blay


As escalas de avaliação, segundo Blacker (2000), uniformizariam as informações
coletadas ao longo do tempo pelos observadores e tem como objetivos: fazer diagnóstico,
medir a severidade e a evolução de desordens especificas e finalmente facilitar o
rastreamento de condições que poderiam ou não estar presentes.
Andreoli e colaboradores (1998) questionaram a dificuldade do diagnóstico psi­
quiátrico pela falta de marcadores biológicos, referindo que a identificação de casos psi­
quiátricos por meio de escalas de rastreamento, contendo uma lista de sintomas, apre­
sentaram-se como um método razoável, desde que se tenha uma adequada compreensão
da doença mental, e ainda que se leve em conta a intensidade do sintoma e o grau de
incapacitaçâo funcional. Mais recentemente, estes mesmos autores (2000) definiram a
escala de rastreamento como sendo um instrumento que contém uma lista breve de ques­
tões que podem ser auto-aplicadas ou aplicadas por entrevistadores leigos. Eles relata­
ram ainda que, para classificar uma pessoa como doente, seria necessário ultrapassar
um valor mínimo dos sintomas da escala. Para cada escala, calcula-se um ponto de corte
que melhor discriminaria os indivíduos "doentes" dos "não-doentes".
A escala de depressão geriátrica (EDG), descrita por Yesavage e colaboradores
(1983), vem preencher esta lacuna por ser um instrumento de rastreamento específico
para o idoso, além de ser de auto-avaliação, fácil de responder e evitar erros diagnósticos
devido às más condições de saúde, muito comuns nesta faixa de idade.
De acordo com Yesavage e colaboradores (1983), o diagnóstico dos processos
depressivos acima dos 60 anos é de fundamental importância porque esses processos
apresentam algumas peculiaridades, tais como alterações do sono, declínio das funções
sexuais, dores e algias provocadas por enfermidades como artrite. É importante ressaltar,
entretanto, que esses sinais e sintomas também podem ocorrer em pessoas não depressiva,
e que sintomas depressivos que são multo relevantes no diagnóstico de depressão endógena
em pessoas mais jovens, têm utilidade menor em idosos. Várias escalas para avaliação
de intensidade e de Identificação de processos depressivos em determinada população
surgiram nos últimos anos. Porém, devido às características dos sintomas nas depres­
sões de aparecimento tardio, foi necessário o desenvolvimento de escalas específicas
como, por exemplo, a escala de depressão geriátrica. Essa escala não prioriza tanto os
sintomas somáticos e, desta forma, promove maior clareza no diagnóstico.
Segundo Yesavage e colaboladores (1983), a escala de depressão geriátrica (EDG)
foi criada como instrumento de triagem para discriminar idosos não deprimidos dos depri­
midos. Este instrumento foi desenvolvido por uma equipe de clínicos e pesquisadores
norte-americanos, que selecionaram 100 questões, que acreditavam ter maior potencial
de distinguir idosos depressivos dos normais. Estas 100 questões foram administradas
em 47 idosos normais e depressivos, sendo escolhidos as 30 questões mais significati­
vas, que foram distribuídas de tal forma que 20 questões indicavam a presença de depres­
são quando respondidas positivamente, e outras 10 indicavam depressão quando a res­
posta era negativa. Segundo os autores, tratava-se de uma escala apropriada para esta
população idosa pelo fato de ser simples e de fácil entendimento, podendo, inclusive, ser
auto-aplicada. Outra vantagem da escala, segundo os autores, é uma boa confiabilidade
do teste/reteste, quando se reaplicou a escala uma semana após.
Segundo Salamero e Marcos (1992), esta escala foi desenvolvida com questões
dicotômicas, ou seja, respostas sim/não, que avaliam os sintomas afetivos e
comportamentais da depressão, mas não incluem as queixas somáticas. Ainda segundo

Sobre Comportamento e Cognição 299


os autores, a EOG ó adequada para a detecção de depressão em idades avançadas,
evitando os erros de classificação decorrentes das más condições físicas de saúde e
mantendo sua validade quando comparada aos diagnósticos psiquiátricos.
A EDG foi desenvolvida inicialmente com 30 questões, no entanto, existem outras
versões que variam da versão completa até a de uma única questão. A versão brasileira
reduzida da escala de depressão geriátrica com 15 questões, descrita por Almeida e
Almeida (1999), também apresentou uma boa “performance”. Demonstrou ainda maior
confiabilidade quando comparada às versões de uma e de quatro questões.
Quando comparada ao diagnóstico psiquiátrico, a EDG demonstrou boa validade
concorrente em populações idosas da comunidade e das instituições ambulatoriais da
Califórnia, nos Estados Unidos, como constatado na pesquisa de Yesavage e colaborado­
res (1983), assim como em idosos hospitalizados recebendo tratamento médico ou psi­
quiátrico, como descrito no estudo de Koening e colaboradores (1992).
A EDG demonstrou ter boa sensibilidade e especificidade, fato que permitiu esta­
belecer um ponto de corte para melhor caracterização de um indivíduo com quadro
depressivo. O ponto de corte de 10 foi estabelecido por Yesavage e colaboradores (1983)
para uma população de idosos normais, recrutados de centros geriátricos, e idosos
depressivos internados e ambulatoriais, ainda que, para determinadas populações, foi
necessário alterar este ponto de corte do EDG.
Realizamos um estudo em pacientes ambulatórios, de diversas especialidades
do Hospital Universitário de Londrina, para avaliar os tipos de depressão mais comum
entre os idosos com enfermidades clínicas. Nesse estudo foram avaliados 485 pacientes
utilizando como padrão ouro de diagnóstico a entrevista semi-estruturada SCID-CV-IV
recentemente traduzida para o idioma português (Del Ben e colaboradores 2001). Os
resultados demonstraram que o tipo de depressão mais comum é a distimia com 14%,
seguido das depressões devido à uma condição médica com 13,8%. Em terceiro lugar
aparecem os episódios depressivos maiores com 9,7%, ficando os transtornos de ansie­
dade e depressão com 5,2%. Estes dados estão demonstrados na figura 1.

Figura 1. Distribuição diagnóstica em idosos ambulatoriais.

F r t q ü Anela d * Id o a o a (%)

300 Heb«r Odebrecht Vargas, Tieml Matsuo e Sérgio t.uis Blay


Segundo Stoppe Júnior (1997), a associação entre a depressão e a demência e
freqüente; nas demências, sintomas depressivos de tipo e intensidade diferentes podem
estar presentes, assim como, na depressão deficiências cognitivas são freqüentes sendo
que nos idosos além de comuns elas têm maior chance de desenvolver Alzheimer, mes­
mo nos casos de remissão completa com antidepressivo.
Muitas são as comorbidades físicas, neurológicas e psiquiátricas que determi­
nam dificuldades diagnósticas e complicações terapêuticas no paciente idoso. Os qua­
dros demenciais e outros distúrbios que ocasionariam prejuízo cognitivo poderiam gerar
um diagnóstico diferencial complicado entre essas enfermidades e os processos
depressivos. As dificuldades cognitivas poderiam ainda alterar a análise dos instrumentos
de triagem para avaliação dos processos depressivos, uma vez que dificultam a expres­
são e a capacidade de compreensão do entrevistado.
Ainda que existam vários testes para diagnóstico de prejuízo cognitivo, o teste do
“Mini Exame do Estado Mental" (MEEM), descrito por Folstein e colaboradores (1975), ó
o mais utilizado. Este é um teste, segundo Almeida (2000), de fácil aplicação, com boa
consistência interna e confiabilidade no teste/reteste e composto por questões agrupadas
com a função de avaliar funções cognitivas específicas. Ainda segundo Almeida (2000),
essas funções podem ser resumidas em: orientação temporal, orientação espacial, me­
mória de curto prazo, atenção e cálculo, memória de longa duração, linguagem e capaci­
dade construtiva visual.
No Brasil, a maioria dos idosos apresenta um baixo índice de escolaridade e isto,
segundo Bertolucci e colaboradores (1994), pode influenciar o escore total do MEEM.
Esses autores realizaram um estudo em idosos ambulatoriais, com várias enfermidades,
e propuseram o ponto de corte 13 para os analfabetos, 18 para escolaridade baixa e média
e 26 para alta escolaridade.
Em alguns casos, os sintomas demenciais e depressivos coexistem dificultando
o diagnostico. Provas terapêuticas podem ser úteis para elucidação.

3. Conclusões

Com o envelhecimento populacional, fenômeno que vem mudando o perfil


demográfico mundial, o aparecimento de doenças próprias da velhice e suas comorbidades
exigem uma precisão diagnostica atualizada e uniforme, tanto para doenças clínicas como
transtornos psiquiátricos.
No que se refere à depressão no idoso, além da entrevista clinica detalhada, do
exame psíquico e dos manuais de saúde mental que trazem os critérios diagnósticos para
esta enfermidade, o clínico e o pesquisador pode lançar mão de entrevistas padronizadas
e disponíveis em nossa língua que auxiliam no rastreio e diagnóstico destes transtornos.
A depressão é uma enfermidade com graves conseqüências clínicas e não rara­
mente apresenta comorbidades, o que colabora ainda mais para dificultar seu diagnóstico
e tratamento.

Sobre Comportamento e Cognição 301


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Sobre Comportíimcnlo r CoRniçJo 303


Seção III

Psicologia e Saúde
Capítulo 34
A Psicologia Comportamental na formação
dos profissionais da Saúde
Qâbríe/ Tarragô Santos'

Independentemente de suas especialidades, o profissional da área da Saúde atua


em contato direto com fenômenos biopsicossociais e, portanto, sua formação requer o
desenvolvimento de habilidades e competências que, no mínimo, contemplem a complexi­
dade de tais fenômenos. Nessa complexidade de fenômenos destaca-se o comportamen­
to humano, comumente tido como objeto de estudo da Psicologia (ela mesma, considera
uma área da Saúde).
Skinner (1953) chamou a atenção para o fato de ser o comportamento humano
um dos assuntos com os quais melhor nos relacionamos, pois “estarmos sempre na
presença de pelo menos um organismo que se comporta". Contudo, como reconhece
também o mesmo autor, esse relacionamento é difícil, uma vez que o comportamento é
"algo" extremamente complexo.
Sem querer cometer injustiça quanto a outros setores de atuação profissional, ó
lícito afirmar que o profissional da Saúde mantém um contato particularmente intenso ou
especial com a complexidade e riqueza do comportamento humano.
O objetivo dos idéias que aqui são desenvolvidas (ou mais corretamente,
esboçadas...) é traçar um quadro de algumas possibilidades/necessidades relacionadas
á intersecção entre a Psicologia Comportamental e as áreas de atuação dos profissionais
da área da Saúde, sobretudo no trabalho vinculado a equipes multi-/interprofissionais.

O trabalho do profissional da saúde em equipes multi-/interprofissionais

Como apontam Miyazaki e Silvares (2001), cada vez mais se tornam evidentes os
benefícios proporcionados pela atuação em equipes multi-interprofissionais, nas quais os

1PstcôloQo e Profettwr da Urriversldade de Moo) das Cruzes (UMC). Mestre em Psicologia Experimental. AnáNae do Comportamento peta PUC-8P.

Sobre Comportamento e Cognição 307


membros interagem entre si, em busca de uma melhor qualidade de vida para o paciente.
Assim, diversos contextos clínicos, entre eles os hospitalares, contam com uma diversi­
dade de profissionais da Saúde que se amplia para além de médicos, enfermeiros e auxi­
liares de enfermagem: fisioterapeutas, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, biomódicos,
psicólogos e outros passam a integrar um corpo de trabalhadores que, ainda que relativa­
mente, rompem com uma prática módica tradicional (Gorayeb, 2001).
Embora considerado esse novo aspecto, muito da atuação do profissional da
Saúde permanece se dando em contextos de crise, o que, em outras palavras, significa
que sua intervenção ocorre diante de situações envolvendo diferentes problemas relacio­
nados, por exemplo, a:
a) perda de funções fisiológicas;
b) experiências de dor ou incapacidade física;
c) tratamentos terapêuticos invasivos e
d) alterações orgânicas profundas e/ou irreversíveis etc.

No escopo social do usuário dos profissionais da área de saúde, podemos verifi­


car que relações interpessoais em geral, familiares ou de trabalho, costumam sofrer mu­
danças e, inclusive, podem ser desfeitas em decorrência desses contextos, aqui chama­
dos de crise.
Além disso, a urgência para a reversão ou atenuação desses quadros caracteriza
o que chamamos de “situações emergenciais", nas quais a tensão (também chamada de
estresse) emocional afeta grande parte das contingências vividas pelos envolvidos —
seja ele o cliente/paciente ou o profissional.
Também, a própria relação cliente/paciente-profissional ó influenciada, ganhando
contornos idiossincráticos que muitas vezes ultrapassam as características previamente
definidoras das "relações profissionaisn(que são, via de regra, delimitadas por imperativos
éticos culturalmente estabelecidos).
Dessa forma, o contexto de atuação dos profissionais da área da Saúde é carac­
terizado por contingências aversivas em operação, envolvendo situações nas quais as
pessoas estão perdendo ou já perderam os mais diferentes tipos de reforçadores, relacio­
nados a capacidades fisiológicas, comportamentais e sociais/culturais.

A Psicologia Comportamental

Misto de filosofia da ciência (o Behaviorismo Radical) e de ciência (a Análise do


Comportamento) a Psicologia Comportamental caracteriza-se, entre vários aspectos, por
se interessar pela previsão e controle do comportamento e ela tem feito magníficos avan­
ços nos mais diferentes campos da atividade humana, sempre em prol da melhoria das
condições de vida das pessoas.
Diversos psicólogos comportamentalistas têm aplicado com sucesso o conheci­
mento advindo da Análise do Comportamento na área da Saúde, em equipes multi- ou
interprofissionais.

308 C/dbrtel TdnafjÔ Santos


Tal sucesso vem se consolidando cada vez mais, graças a avanços teóricos e
empíricos resultantes da pesquisa e prática clínica, sobretudo quando envolvem as neces­
sárias análises dos eventos privados e dos comportamentos verbais.
Entretanto, a Análise do Comportamento e o Behaviorismo têm malogrado na
difusão do conhecimento acerca do comportamento humano para audiências estranhas à
comunidade “psi", de forma que uma análise focalizada deve perguntar a todo momento:

O que profissionais da Saúde precisam saber sobre o comportamento


humano?

Como bem afirma a sabedoria popular, “quantidade nâo ó qualidade”. Porém, dian­
te da complexidade dos fenômenos biopsicossocíais, ó inteiramente legítimo pensar que
quanto mais "coisas" soubermos sobre o comportamento humano, melhor - nesse ponto
vale a pena rever o tratamento que Luna (1998) dá a essa questão: em síntese, quando
falamos em caráter cumulativo da produção científica não necessariamente estamos nos
referindo à cristalização do conhecimento ou à mera superposição de resultados, como
se os produtos da pesquisa devessem ser “somados algebricamente".
Assim, poderíamos julgar necessário a todos aqueles que têm, em alguma di­
mensão, o comportamento humano como interface, a permanente ampliação do seu co­
nhecimento a respeito das forças controladoras da ação humana.
Já há algum tempo psicólogos de diferentes abordagens vêm chamando a aten­
ção para a importância de aspectos emocionais, variáveis cognitivas, histórias de vida e,
sobretudo, combatendo explicações de caráter simplistas e reducionistas. Porém, a
especificidade (ou seria melhor falar em abrangência?) da abordagem comportamental
pode contribuir para um conhecimento que o profissional da Saúde pode/precisa ter, nos
seguintes termos:

a) do ponto de vista da ciência-disciplina ou do conhecimento que existe sobre:


• a multidetermínação do comportamento (nâo mais procurar causas isoladas para aquilo
que as pessoas fazem, principalmente por meio de raciocínios apoiados na noção de
estímulo-resposta ou em eventos únicos do tipo "traumáticos");
• a relação do comportamento com suas conseqüências (enfatizando sobretudo as vanta­
gens do reforçamento positivo);
• o papel do contexto antecedente no controle do comportamento (discriminações,
contextualizações e equivalências de estímulos);
• as implicações do controle coercitivo (por exemplo, os determinantes do comportamen­
to agressivo e a aprendizagem por reforçamento negativo);
• o papel dos eventos privados (comportamentos encobertos e sentimentos) no compor­
tamento humano (e, no sentido inverso, o papel do ambiente físico - externo e interno
- e social na determinação dos comportamentos encobertos);
• as vantagens da variabilidade comportamental (treino de habilidades relacionadas à
ampliação de repertórios comportamentais adaptativos em diferentes contextos);

Sobre Comportamento e Cognição 309


• a distinção entre o comportamento modelado pelas contingências e o governado por
regras - ou verbalmente instruído (e as implicações do controle cultural).

b) do ponto de vista da ciôncia-processo ou do conhecimento que pode ser produzido


sobre:
• como os profissionais da Saúde devem aprender, eíes próprios, a formular questões
sobre o comportamento humano em termos de relações entre variáveis do organismo e
do ambiente 3A critério requerido para qualquer análise funcional do comportamento.
Nesse sentido, ainda que parcialmente, se resgataria inclusive a própria autonomia que
o profissional da Saúde deve ter, visto que nem sempre a ação profissional se dá em
contextos ideais de multi- ou interdisciplinaridade. Não se trata, portanto, de querer
transformar profissionais de outras especialidades em Analistas do Comportamento,
mas orientando-os para olhar na direção dos reais determinantes do comportamento e
os auxiliando a tornarem-se agentes menos dependentes de profissionais “psi" e mais
efetivos em sua prática específica (discussão parecida ocorre na psicologia clínica: até
que ponto, por exemplo, o cliente do terapeuta comportamental aprende a ser um Ana­
lista do Comportamento em sua busca pelo autoconhecimento e pelo autocontrole?).

c) do ponto de vista profissional ou dos usos do conhecimento:


• os profissionais da Saúde devem conhecer, no trabalho integrado aos profissionais da
Psicologia, as estratégias existentes, bem sucedidas ou em experimentação, para lidar
com os aspectos psicológicos envolvidos tanto na etiologia/manutenção/prevenção da
doença como na promoção da saúde.

Considerações finais

Evidentemente, muito do que se defende aqui requer um papel ativo e inovador


dos profissionais da Saúde, em parte pela própria coerência com um modelo psicológico
que entende a Psicologia Comportamental (e o Analista do Comportamento!) tanto como
parte do problema como parte da solução (Holland, 1978). Esse novo papel talvez já
esteja sendo vi^Jumbrado pelos novos currículos de formação nas áreas da Saúde, mas
certamente, no Brasil e em muitos outros países, a contribuição que podem oferecer o
Behaviorismo e a Análise do Comportamento ainda está muito aquém do necessário. É
urgente, por assim dizer, uma revisão dos programas de Psicologia Comportamental nos
currículos de graduação/pós-graduação dos diversos profissionais da Saúde.
Apesar de contarmos com experiências-modelo nacionais extremamente bem-
sucedidas e felizes nessa direção (Amaral, 2001; Gorayeb, 2001; Miyazaki e Silvares,
2001), precisamos incrementar em demasia nossa inserção como “embaixadores e tradu­
tores” da Psicologia Comportamental (Foxx, 1996) entre profissionais da área da Saúde.
Muitas pesquisas em parcerias precisam ser realizadas, muitos cursos "exotóricos" mi­
nistrados, artigos, livros e sites de divulgação publicados e, também, mais congressos
multi-/interdisciplinares precisam ser freqüentados.

310 Qdbrlcl Tdrrüflô Santos


R eferên cias
Amaral, V. L. A. R. (2001). Análise contingencial como modelo de intervenção breve em Psicolo­
gia da Saúde. In M. L. Marinho & V. E. Caballo (Orgs.), Psicologia Clínica e da Saúde. Londrina/
Granada: UEL/APICSA.

Foxx, R. M. (1996). Translating the Covenant: the behavior analyst as ambassador and translator.
The Behavior Analyst, 19(2), 147-161.

Gorayeb, R. (2001). A prática da psicologia hospitalar. In M. L. Marinho & V. E. Caballo (Orgs.);


Psicologia Clinica e da Saúde. Londrina/Granada: UEL/APICSA.

Holland, J. G. (1978). Behaviorism: part of the problem or part of the solution? Journal of Applied
Behavior Analysis, 11, 163-174.

Luna, S. V. (1998). Sobre critérios minimamente consensuais de fidedignidade e generalidade


do conhecimento produzido. In L. Souza, M. F. Q. Freitas & M. M. P. Rodrigues (Orgs.), Psicologia:
reflexões (Im)pertinentes. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Miyazaki, M. C. O. S., & Silvares, E. F. M. (2001). Psicologia da saúde em hospital escola:


extensão de serviços à comunidade acadêmica. In M. L. Marinho & V. E. Caballo (Orgs.), Psico­
logia Clinica e da Saúde. Londrina/Granada: UEL/APICSA.

Skinner, B. F. (1998). Ciênciaecomportamentohumano( 10th ed.). (Trad. J. C Todorov & R. Azzi.)


São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953.)

Sobre Comportamento c CoflniyJo 311


Capítulo 35
Estratégias lúdicas para intervenção
terapêutica com crianças em situação
clínica e hospitalar
M aria Rita Zoéga S o u k s '
Cynthia Borges de Mouré
Helena Baianelli Prebianchf

A efetividade de estratógias lúdicas tem sido demonstrada na intervenção


comportamental infantil, através do desenvolvimento de repertório do cliente, além da pre­
venção de dificuldades futuras (Regra, 1997; Conte, 1982; Gomes, 1998; Knell, 1995;
Conte & Regra, 2000; Gold-Steinberg & Logan, 1999; Rayfield, Monaco & Eyberg, 1999).
Bomtempo (1987) tem demonstrado que o brinquedo pode fornecer à criança um
ambiente planejado e enriquecido que possibilite a aprendizagem de habilidades. Tal con­
dição ó considerada imprescindível para o atendimento psicológico infantil. Nesse contex­
to o brincar pode ser explorado como alternativa de intervenção, instrumento de comunica­
ção e condição para o acesso aos comportamentos da criança, especialmente os enco­
bertos (Moura & Azevedo, 2000; Silvares, 2001; Guerrelhas, Bueno & Silvares, 2000).
Este capítulo pretende apresentar três alternativas de estratégias lúdicas que tem
se mostrado efetivas para atuação junto a criança, incluindo a simulação em ambiente
hospitalar, o jogo terapêutico entre pais e filhos e o contar histórias como técnica de
intervenção clínica.
Pretende-se demonstrar que existem alternativas, em diferentes contextos, para
a intervenção com crianças, onde o psicólogo analista do comportamento pode atuar,
identificando padrões relevantes e levantando possibilidades de atuação mais efetivas
através de estratégias lúdicas.

^•toôtofla, doutora, dooanta do am o d® P«ícotoflla da UnlvaretdadaEatadual da Londrina-Paraná


P»kxüofla, maatra, dooarta do cunw da Ptteotoflia da Unívanldada Ealadual da Londrina -Parané
Pstoótoga. maatni. douanta do curao d* Palcotogta da PonüfWa Unlvartldada Calólca da Campina«-Sâo Paulo

312 Maria Hitd Zoéga Soares, Cynthia Bor#« de Moura e Helena Bazanelli Prebianchi
Técnica 1. "O Brincar de Módico”: Estratégia de Simulação na Intervenção Psico­
lógica com Crianças Hospitalizadas
Maria Rita Zoéga Soares

Atualmente, a expectativa de instituições de saúde que atendem crianças, inclui


o manejo comportamental para que elas cooperem com a realização de procedimentos
módicos desconfortáveis e dolorosos (Amaral, 1997; Kole-Snijders, Goossens, Heuts,
Vlaeyen, Mõlken, Breukelen & Eek, 1999).
Nessa condição, fatores do ambiente são considerados oportunidades
contingenciais para a evocação ou emissão de respostas especificas. Segundo Costa Jr.,
(2001), a modificação de configurações de estimulo da situação (a intervenção), pode
proporcionar alterações na probabilidade de ocorrência de determinados comportamentos
do indivíduo.
A Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 1993) considerou
que a intervenção psicológica em hospitais, deveria ser realizada através da utilização de
estratégias de enfrentamento. O conceito de enfrentamento, apresentado como um pro­
cesso adaptativo, permite que a orientação teórica derivada da análise do comportamento,
priorize o interesse pela especificação de ambientes planejados e potencialmente reduto­
res de sensações desagradáveis (Costa Jr., 2001).
Estratégias de enfrentamento são habilidades treináveis, que possibilitam o indiví­
duo planejar como lidar com uma situação, cuja configuração de estímulos possa evocar
respostas de caráter emocional.
Metodologias de intervenção incluíram o material lúdico, a simulação e o role-play
como estratégias de preparação psicológica para procedimentos médicos com crianças
(Bragado & Fernandóz, 1997; Kendall, 1993; Slifer, Babbitt & Cataldo, 1995; World Health
Organization, 1993).
Para Guerrelhas, Bueno e Silvares (2000), a situação lúdica deve ser utilizada nos
procedimentos direcionados ao atendimento infantil, porque a criança ainda não tem um
repertório desenvolvido a ponto de se beneficiar de uma intervenção psicológica puramen­
te verbal. Nesse contexto, algumas habilidades de linguagem são necessárias ao teste de
hipóteses e alteração de contingências.
Silva Jr. (2000) descreveu que a aprendizagem é mais eficaz quando é divertida.
No hospital, brincadeiras devem ser exploradas porque provocam risadas melhoram a
oxigenação, induzem o estar relaxado e o aprender a se gostar.
Situações lúdicas e de fantasia têm sido utilizadas como instrumentos na avalia­
ção e intervenção com crianças, sendo relevantes na modificação de padrões
comportamentais de natureza aberta e/ou encoberta. Através da brincadeira a criança
pode analisar seu próprio comportamento, ficando ciente das contingências que o deter­
minam e, a partir disso, alterar sua relação com o ambiente (Conte, 1999; Moura & Aze­
vedo, 2000; Regra, 1997,2000).
A atividade lúdica no contexto hospitalar é um recurso que pode desempenhar:
função recreativa ou uma alternativa de diversão; função educacional, quando empregada

Sobre Comportamento e Cognição 313


como estimulo ao desenvolvimento da criança e função terapêutica, quando é direcionada
para a diminuição do medo e da ansiedade.
A participação da criança em atividades lúdicas pode ser apontada como um dos
fatores que acelera sua recuperação, contribui para a diminuição da permanência no hos­
pital e diminui o custo da hospitalização (Huerta, 1996; Jasinsky, 2000; Santos, 2000;
White Jr. e Gene, 2000).
A hospitalização pode interferir no conteúdo e na maneira como as crianças orga­
nizam as brincadeiras, caracterizando a atividade como do tipo contextualizado. Crian­
ças hospitalizadas demonstram maior preferência e brincam mais com temas relaciona­
dos à doença e à hospitalização (Gerrelhas, Bueno e Silvares, 2000; Lindquist, 1993;
Sager&Sperb, 1998; Soares & Zamberlan, 2001; Watson, 1994).
A habilidade da criança para se engajar em brincadeiras de fantasia, incluindo
situações que simulam eventos verdadeiros, está relacionada: positivamente com a busca
de informação sobre a situação e a utilização de estratégias eficientes de enfrentamento
e negativamente com o relato de sofrimento diante de procedimentos módicos (Arntz &
Weertman, 1999; Christiano & Russ, 1998; Costa Jr., 2001; Oliveira, 2000; Taylor, Pham,
Rivkin & Armor, 1998).
Durante a hospitalização ó imprescindível que o brincar esteja presente porque,
mesmo doente, a criança sente necessidade de brincar. O profissional deve observar o
comportamento dos pacientes porque, através do brincar, podem reviver cenas que envol­
vem temas considerados traumáticos ou negativos para eles (Sikilero, Morselli & Duarte,
1997; Watson, 1994).
Costa Jr. (2001b) sugeriu que a simulação, com a exposição controlada a
contingências, deve propiciar a observação do repertório de comportamentos do indivíduo
a cada nova configuração de estimulos; a investigação de como ele executa o procedimento
e como expressa seus sentimentos; a apresentação de estímulos potencialmente
evocadores de respostas emocionais e observação de como o paciente reage a estas
contingências; a busca de informações sobre o procedimento módico para completar a
tarefa de simulação proposta; a generalização de comportamentos colaborativos, adquiridos
no contexto da simulação para a situação real de procedimento médico.
Disponibilizando um tempo para brincar, um ambiente para explorar e materiais
que favoreçam a brincadeira de "faz-de-conta", adultos podem promover a aprendizagem,
possibilitando o treino de habilidades, ensaio de papéis, exploração do ambiente, desen­
volvimento do repertório e da capacidade de comunicação (Bomtempo, 2000). Com um kit
hospitalar, pode-se proporcionar a redução do caráter estressante de uma situação de
procedimento módico a que a criança será exposta (Costa Jr., 2001b; Field, Alpert, Veja-
Lahr, Goldstein & Perry, 1988).
Para Bomtempo (1992,1997 e 2000), quando crianças brincam, menos proble­
mas surgem para serem resolvidos, porque o brinquedo ó considerado uma condição para
o desenvolvimento social, emocional e intelectual.

1.1. Descrição da Técnica “Brincar de Módico”

A presente atividade foi uma das estratégias utilizadas por Soares (2002) para a
preparação da criança para procedimentos módicos. O objetivo principal foi descrever o

314 Miirid Rltd Zoéjjd Sodre», Lynlhld Borges de Mourd e 1Iclend Ba/anelli Prebidnchi
procedimento médico a que a criança seria exposta; possibilitar a verbalização de senti­
mentos em relação a essa condição; treinar comportamentos de adesão (ou colaborativos)
e intensificar a relação entre profissional e paciente.
Sugere-se que os materiais utilizados devam incluir bonecas, kit hospitalar de
brinquedo (maleta, estetoscópio, óculos, termômetro, seringa e aparelho para auscultar),
espátulas de madeira, faixa de gaze, esparadrapo, algodão. O material sucata (canudos,
garrafas plásticas, clipes de papel), pode ser explorado para a confecção de embalagens
de soro, máscaras de inalação e escalpo.
As atividades desenvolvidas obedeceram os seguintes passos;
1. Possibilitar que a criança explore materiais lúdicos antes de proceder à dramatização;
2. Solicitar que o paciente desempenhe o "papel" de profissional da saúde e o psicólogo
de paciente;
2.1. Informar que o “paciente" está doente (diagnóstico da criança) e que precisa de trata­
mento no hospital;
2.2. Instruir a execução do procedimento médico (auscultar, medir temperatura, observar
garganta com espátula, fazer inalação, dar injeção, fazer curativo e puncionar veia);
2.3. Fornecer modelo de enfrentamento relacionado ao padrão comportamental de ade­
são ao tratamento (falar, responder verbalmente, solicitar informação, buscar suporte
emocional, olhar para o procedimento, olhar para outro estímulo e auxiliar na execu­
ção do procedimento médico). Utilizar verbalizações do tipo;
"Tio, vai doer ?";
“Para que serve essa fumacinha ?";
"Não gosto de fazer isso";
“Deixa que eu seguro o aparelhinho”;
“Se eu ficar quieto vai acabar mais rápido";
“Se eu olhar para outra coisa não vai ser tão ruim";
“Eu prefiro que minha mãe fique perto."
2.4. Identificar cTpadrão comportamental de "profissional" que a criança está adotando
(agressivo, ausente, atencioso ou autoritário);
3. Trocar de "papel'’ com a criança. Assuma o de "profissional da saúde". Atente para o
padrão de comportamento da criança, com a finalidade de fornecer modelos mais
adequados à situação (respostas que não dificultam ou tendem a facilitar a execução
do procedimento módico);
4. Incentivar a troca de papéis sempre que houver necessidade de melhora em aspectos
relacionados ao padrão comportamental de adesão do paciente. Os comportamentos
concorrentes que a criança apresentar não devem ser discutidos;
5. Permitir o brincar livre ou entre pares para oportunizar novamente a observação do
comportamento da criança diante do brincar com a boneca ou com outra criança.

Sobre Comportamento e Cognição 315


Deve-se fornecer modelos mais adequados, aumentando a freqüência de emissão de
comportamentos de adesão;

1.2. Considerações sobre o uso da técnica

1. A técnica proposta auxilia na aquisição de conhecimento sobre a realização de pro­


cedimentos médicos. A criança pode receber explicações concretas sobre os procedi­
mentos utilizados, aspectos do atendimento, o manuseio de instrumentos, à visualização
de situações e às limitações presentes;
2. Após sua utilização espera-se aumento na freqüência de emissão de comportamentos
de adesão, diminuição na freqüência de emissão de comportamentos concorrentes
durante os procedimentos módicos, melhora no senso de controle sobre os procedi­
mentos clínicos e a própria doença;
3. A atividade proposta auxilia crianças a lidar com a sua doença de uma maneira que
não seja exclusivamente através do sofrimento, auxiliando-a na recuperação e na acei­
tação da hospitalização.

1.3. Conclusão

Instituições hospitalares devem investir no desenvolvimento integral da criança,


oferecendo um ambiente favorável e estruturando programas dirigidos especialmente a
elas. A humanização no ambiente hospitalar pode ser melhor trabalhada com a inclusão
do brinquedo e do brincar no atendimento.
Mesmo no hospital, o ambiente deve procurar enfatizar a saúde, através de
atividades, liberdade de escolha, mobilidade e espaço. Deve-se auxiliar o paciente a en­
frentar, da maneira mais sadia possível, aquilo que não pode ser evitado.
É necessário proporcionar à criança recursos que lhe facilitem a percepção dessa
experiência e de seu propósito. Estratégias de atuação com crianças hospitalizadas de­
vem ser devidamente elucidadas pela investigação científica, para que seja possível elabo­
rar propostas de cunho preventivo.

Técnica 2. “Jogo Terapêutico para Sessões Conjuntas com Pais e Filhos"


Cynthia Borges de Moura

Segundo Maldonado (1997), o relacionamento entre pais e filhos ó algo bastante


complexo e passa por muitas mudanças ao longo do tempo. Pais e filhos estão profunda­
mente inseridos num complexo sistema de trocas, onde um influencia e modifica o com­
portamento do outro, determinando as bases de um relacionamento saudável ou proble­
mático para ambos.
A dificuldade de interação entre pais e filhos tem sido identificada como um fator
que acompanha vários tipos de queixas clínicas em crianças (Wahler, 1976; Wells, 1981).

316 Maria Rita Zotga Soar«, Cynthia Borjjes dc Moura e I lelena Bazanelli Prebianchl
Os pais por não saberem lidar adequadamente com comportamentos e, principalmente
com os sentimentos das crianças, acabam desenvolvendo ou acentuando problemas que,
muitas vezes, eles mesmos poderiam resolver.
Pais podem atuar como importantes agentes terapêuticos, ajudando a criança a se
desenvolver de forma saudável, conseguindo utilizar os recursos e potencialidade de modo
pleno, podem auxilia-la a crescer como uma pessoa confiante, responsável, que gosta de si
mesma e dos outros. Tais resultados podem ser conseguidos pelos pais mesmo quando
falhas anteriores na educação e na relação afetiva entre ambos tenham ocorrido.
Quando as dificuldades de relacionamento entre pais e filhos aparecem claramen­
te na terapia infantil, o terapeuta pode propor que pais e criança, engajem-se num proces­
so de aprendizagem de trocas afetivas, de aprender a ouvir os sentimentos e necessida­
des uns dos outros e responder a eles de forma acolhedora e empática. Uma vez em
terapia, o espaço psicoterapêutico pode ser utilizado para ensinar formas de contato físico
entre pais e filhos, e sensibilizar para o prazer da companhia um do outro, da troca de
carinho, e da expressão de afeto.
O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de estratégia terapêutica a
ser usada na terapia infantil em sessões com pais e filhos: um jogo terapêutico (Moura,
2002) onde não há ganhadores, nem perdedores, pois ambos saem ganhando com o
conhecimento mútuo sobre o que cada um pensa, sente ou faz.

2.1. Descrição do Jogo

O jogo terapêutico para pais e filhos (Moura, 2002) foi elaborado para ser utilizado
em sessões psicoterápicas conjuntas entre pais e filhos, com dois participantes (criança/
mãe ou criança/pai), sendo que as perguntas são direcionadas para a faixa etária dos 07
aos 12 anos. O jogo é composto por 1 peão, 1 tabuleiro, 1 conjunto com 15 cartões "pais
respondem, criança adivinha", 1 conjunto com 15 cartões “criança responde, pais adivi­
nham", 1 conjunto com 15 cartões “tanto faz", 2 conjuntos de fichas de resposta (A, B, C,
D) e 10 cartões "comemoração".
O jogo contém perguntas sobre o cotidiano, preferências e comportamentos dos
pais e da criança. Cada pergunta é seguida de quatro alternativas de resposta, o jogador
da vez deve escolher a resposta que mais se parece com a escolha que seu parceiro faria
naquela situação. Assim, escolhe-se quem começará a jogar:
1. se for o pai (ou mãe) sorteia-se um cartão "pais respondem, criança adivinha", os pais
respondem a pergunta, escolhendo uma das quatro alternativas disponíveis (A, B, C
ou D) e o filho deve “adivinhar" a opção do pai (ou mãe);
2. após ambos terem selecionado a resposta, deverão mostrá-la um ao outro para verifi­
car se escolheram a mesma alternativa.
3. na vez da criança, sorteia-se um cartão "criança responde, pais adivinham" e os pais
devem então acertar a escolha do filho;
4. o jogo contém apenas um peão que avança uma casa por acerto; o objetivo é fazer
com que o peão chegue ao final do tabuleiro com o maior número de acertos;

Sobre Comportamento e Co^niçAo 317


5. quando o peão cair na casa “tanto faz” a próxima pergunta será sorteada dentre estes
cartões, e a regra continua a mesma;
6. quando a dupla chega na casa “comemoração" do tabuleiro, ambos sorteiam e reali­
zam uma atividade conjunta prevista no jogo (abraços, beijos, cafuné, massagem etc)
comemorando um certo número de avanços no jogo;
7. continuam jogando desta forma até chegar ao final do tabuleiro ou até os cartões
serem todos respondidos.
8. neste jogo não há ganhadores, pois ambos tem que chegar até o final juntos, com um
único peão. Porém, a) se acabarem os cartões, e o jogo não chegou ao fim, sinal que
a dupla precisa se conhecer melhor; b) se chegarem até o fim e sobrarem cartões,
sinal que a dupla está afinada e sintonizada; c) qualquer que seja o resultado, ambos
saíram ganhando pois puderam se conhecer melhor, brincar, e ensaiar vários carinhos
diferentes para outras ocasiões!

2.2. Considerações sobre o uso da técnica

Através da observação da interação da díade durante o jogo, pode-se obter dados


importantes para o processo terapêutico da criança e orientação dos pais;
1. A dupla parece confortável ou incomodada com a tarefa?
2. Como decidem quem iniciará o jogo? Quem decide? Quem se cala?
3. Quais as verbalizações que ocorrem durante o jogo? Exemplo:
Mãe: “Eu vou escolher o que vocô REALMENTE pensa quanto a isso".
Criança: "Acerta desta vez mãe, por favor!"
Pai: “)h, não sei! Vou chutar!"
Criança: “Não acredito que vocô errou pai! Já falei tanto isso pra vocô!"
4. Quem acerta mais? Os pais quanto à criança ou a criança quanto aos pais?
5. Quanto do tabuleiro foi percorrido em relação ao número de cartas respondidas? (o
tabuleiro contém um número de casas 50% menor do que o número de cartas, assim,
uma dupla que erre metade das perguntas, pode chegar ao final do jogo sem grandes
problemas).
6. Como se comportam quanto aos carinhos? Quem toma a iniciativa? Há risos? Parece
haver desconforto? Há críticas quanto a um carinho do "jeito errado"?
7. As próprias respostas, quanto às preferências e comportamento de ambos podem ser
anotadas pelo terapeuta para posterior discussão nas sessões individuais.

2.3. Conclusão

Este jogo é muito útil na observação dos padrões de interação afetiva entre pais e
filhos, assim como no ensino de respostas afetivas, de contato físico de uma forma lúdica,
descontraída e geralmente prazerosa. Por mais desconfortável que possa ser inicialmente,
cumprir as regras do jogo, o aspecto lúdico parece predominar e facilitar as respostas de

318 M aria Rita Zolgd Soares, Cynthia Borges de M oura e ►telena (W anelli Prebianchi
aproximação entre pais e filhos. A observação das interações durante o jogo pode fornecer
dados diagnósticos importantes para intervenções posteriores em sessões individuais.
Por outro lado, o próprio jogar já se constitui numa condição terapêutica a medida
que promove, ensina e facilita as respostas de aproximação e de conhecimento mútuo.
Após terem passado pela experiôncia promovida por este jogo, os pais relatam que “algo"
muda para eles. Os pais tendem a observar seus “erros" em função de conhecerem pouco
seus filhos, e a condição promovida no jogo deixa claro que as atitudes cotidianas preci­
sam ser mudadas.
Este jogo pode ser manejado de acordo com os objetivos terapêuticos de cada
caso clínico, porém os resultados obtidos a partir de seu uso geralmente apontam para
uma melhoria das interações, tanto verbais quanto afetivas, uma vez que promove a refle­
xão sobre o quanto pais e filhos realmente se conhecem, a importância do diálogo para o
relacionamento e para a transmissão de mensagens de amor e cuidado, principalmente
dos pais para com os filhos.

Técnica 3. “O contar histórias como técnica psicoterapèutica”


Helena Bazanelli Prebianchi

As culturas humanas têm na linguagem seu traço distintivo. E, por isso mesmo, a
linguagem ou comportamento verbal é essencialmente um comportamento compartilhado.
O comportamento verbal pode ser ocasionado tanto por estímulos verbais como
por estímulos não-verbais e suas consequências, do mesmo modo, podem ser verbais ou
não-verbais. Considerando as relações interpessoais, o comportamento verbal de quem
fala é o estímulo para o ouvinte e além disso, quem fala pode num momento depois,
tomar-se ouvinte. Como afirma Catania (1999): “...de uma forma ou de outra, a consequência
do comportamento verbal é geralmente uma mudança no comportamento do ouvinte".
No entanto, ainda de acordo com esse autor (Catania, 1999) o comportamento
verbal nunca teria se desenvolvido se não fizesse contato com eventos do ambiente. E
contingências sociais podem ser consideradas como uma espécie de tais eventos
Assim, uma das mais importantes funções do comportamento verbal na manuten­
ção e propagação da cultura, é possibilitar que as contingências sociais possam ser
tratadas como regras. Skinner (1974) salienta que o comportamento verbal ampliou a
esfera de ação do ambiente social, pois as regras descrevem as contingências sociais
que, então, não precisam estar presentes para modelar o comportamento.
Skinner (1969) definiu como regra o estímulo discriminativo verbal que indica uma
contingência. Um comportamento controlado por regra é um comportamento que está sob
o controle do estímulo regra, que é um estímulo discriminativo verbal (Baum,1999). Dessa
forma, o comportamento controlado por regras depende do comportamento verbal de outra
pessoa (o falante), o qual descreve para o ouvinte uma contingência, isto é, uma relação
entre ação e conseqüência.
Toda cultura possui suas regras, as quais na maior parte, indicam contingências
sociais. As regras funcionam para mútua vantagem daqueles que mantêm as contingênci­

Sobre Comportamento e Cognição 319


as e daqueles que sâo afetados por elas. Em suma, as regras sâo uma forma de autogoverno
para o grupo (Skinner, 1989).
A cultura inclui práticas de seguir regras, prescrever regras e formular regras.
Assim, um requisito para sua existência é a capacidade dos membros do grupo de
aprenderem uns com os outros. A maior parle das crianças aprende, primeiramente, por
intermédio de seus pais. Mais tarde, a eficácia em discriminar com base no comportamento
verbal do falante, generaliza para outras pessoas. Segundo Simon (1990) sem essa capa­
cidade nunca nos tornaríamos aculturados.
Entre as práticas de uma cultura encontram-se certas verbalizações tradicionais:
provérbios, histórias e mitos. Elas têm algo a ver com as regras porque normalmente
transmitem lições práticas ou de moral - isto é, normalmente se referem a contingências
de reforço ou punição (Baum, 1999).
Para Skinner os provérbios e máximas são conselhos públicos.

"Transmitidos por livros ou passados de boca em boca, eles tôm vida


em si próprios. -As vezes sâo específicos às situações em que ocorrem e frequen­
temente sâo simples metáforas." (Skinner, 1989,60)

No entanto, podemos imaginar que a despeito de se conformarem com o social­


mente aceito, essas verbalizações tradicionais (provérbios, histórias, etc), descrevem
contingências que atuam num prazo relativamente longo, que em geral só se percebe
depois de muito tempo. E sabe-se que consequências postergadas e definidas imprecisa­
mente tendem a ser ineficientes para controlar o comportamento (Baum, 1999).
De fato, muitos de nossos comportamentos começam com instrução (ou regra) e
passam a ser modelados pelas contingências quando se aproximam da sua forma final.
Como conclui Skinner:

“nâo 6 suficiente aconselhar as pessoas sobre como comportar-se de


modo que tomem possível o futuro da espécie; devem ser-lhes dadas razões
efetivas para comportar-se e isso significa contingências efetivas de reforçamento. ”
(Skinner, 1989,98)

No entanto, o próprio Skinner (1989) afirmou que um dos papéis da psicoterapia é


sugerir ao cliente um curso de ação alternativo para a correção do problema. E mais: na
terapia, apenas alguns poucos reforçadores podem ser usados, e na maioria das vezes,
para reforçar o comportamento social, principalmente verbal (Skinner, 1989).
Uma vez que na psicoterapia, o que acontece é uma preparação do cliente para
um mundo que não está sob o controle do terapeuta, este normalmente, aconselha, indi­
cando contingências sociais.
Porém, diversos estudos (Kaufman, Baron e Kipp, 1966; Harsen, Lowe e
Bagshew,1978; Lowe,1980; Shimoff, Catania e Mathews,1981 apud Catania.1999) demons­
traram que as respostas instruídas são insensíveis às suas conseqüências. Catania (1999)

320 M aría Rltd Zoéfla Soares, Cynthia Borges de M oura e ) telena Ba/anelli Prebianchi
adverte que essa propriedade do desempenho instruído é importante para aspectos de
habilidades: o desempenho habilidoso ó aquele em que o comportamento ó sensível às
suas conseqüências momento a momento e portanto, deve ser, de preferência, modelado
pelas contingências.
Tradicionalmente, quando o terapeuta instrui o paciente sobre um comportamen­
to, ele espera, que quando este último atender a instrução e desempenhar o comporta­
mento no ambiente natural, ocorrerá então, o contato direto com as contingências, que a
partir daí, controlarão o comportamento. No entanto, ao utilizar essa estratégia, o terapeuta
fica limitado pela impossibilidade de controle do ambiente natural e pela história de vida do
paciente. Por isso, estratégias que favoreçam o contato direto com as contingências, na
sessão, devem ser preferidas.
A necessidade de contingências efetivas de reforçamento para aquisição e manu­
tenção do comportamento, faz pensar a utilização de estratégias (provérbios, histórias,
anedotas etc) em terapia com o propósito de evocar comportamento pela primeira vez, de
forma que possa ser reforçado pelo terapeuta (entrando assim, em contato direto com as
contingências).
Por não se constituírem em instrução direta, as histórias têm a vantagem de
estarem, a primeira vista, imune às experiências passadas do indivíduo. Utilizadas com o
propósito de instruir sobre um comportamento que ocorre na sessão, poderiam facilitar o
seu contato direto com as contingências.
Se assim como os conselhos, as histórias instruem sobre a relação entre ação e
consequência social, imagina-se que sua utilização como instrumento psicoterapêutico
seria particularmente útil na prática psicoterápica infantil, dado que, a despeito de todos
os avanços tecnológicos as histórias (lidas ou narradas) ainda se constituem em elemen­
tos atrativos do mundo das crianças.
A utilização de recursos lúdicos é prática comum entre os terapeutas
comportamentais infantis e a narrativa de histórias tem sido agregada como instrumento
avaliativo para o terapeuta dos comportamentos manifestos e encobertos da criança
(Nalin.1993), assim como para a identificação pela criança de seus comportamentos pro­
blemáticos e a modelagem de comportamentos adequados (Salazar,1999).
Contudo, diferentemente, nesse trabalho, imagina-se que o contar história pode­
ria ser usado como contingência para o comportamento inadequado do cliente infantil, que
ocorre no contexto da sessão psicoterápica.
O emprego de histórias parece relevante, uma vez que ela se constitui em interes­
se característico da faixa etária em questão e faz parte das práticas culturais.
Num dos poucos trabalhos nacionais sobre a atividade de contar histórias, Coelho
(1990) reconhece que a despeito de as histórias agradarem a maioria das crianças, os
tipos de enredo que despertam o seu interesse variam em função da etapa do desenvolvi­
mento no qual se encontram.
Assim, o uso da narrativa de história adequada a fase de desenvolvimento na qual
o cliente se encontra,possui ainda a vantagem de não se constituir em elemento punitivo,
nem em instrução direta, a qual às vezes, não é eficaz porque se o sujeito tem uma
história de vida de instruções incoerentes com as contingências em vigor, ele pode apren-

Sobrc Comportamento e CognlçAo 321


der a responder em oposição ao instruído e manter esse comportamento, mesmo quando
as instruções são coerentes (Assis, 1995).

3.1. Descrição da Técnica

1. Identificação do comportamento-alvo: Mediante a avaliação funcional identificar os


comportamantos-problemas que ocorrem no contexto da sessão psicoterápica. Esco­
lher como comportamento-alvo.aquele que apresentar maior relevância clínica,quer
porque se trate do comportamento-problema per se,ou porque esteja intimamente a
ele relacionado.
2. Narrativa da história: Durante a sessão,quando o comportamento-alvo ocorrer,introduzir
a história dizendo: "Deixe-me lhe contar uma história...(narrar a história escolhida).
3. Análise das contingências: Se a criança concordar, analisar junto com ela as contin­
gências apresentadas na história e,em seguida,retomar a atividade interrompida.
4. Reforçamento do comportamento adequado ou da não ocorrência do comportamento-
alvo durante a sessão: Elogiar a criança pela não apresentação do comportamento-
problema e/ou pela apresentação do comportamento adequado.

3.2. Considerações sobre o uso da técnica

1. A técnica pode ser utilizada para comportamentos inadequados como insultar, burlar
regras de jogos, verbalizações auto-depreciativas e dificuldades discriminativas de con­
tingências.
2. Recomenda-se escolher ou criar uma história, cujo enredo apresente tanto o compor­
tamento-alvo, como o comportamento adequado incompatível ao primeiro e as conse­
qüências sociais de ambos.
3. Ao escolher ou criar uma história, o terapeuta deverá considerar os interesses predo­
minantes em cada faixa etária:
De 3 a 6 anos: Histórias de repetição e acumulativas, histórias de fadas.
De 7 a 8 anos: Histórias de crianças, animais e encantamento; aventuras no
ambiente próximo: família, comunidade; histórias de fadas.
De 8 a 9 anos: Histórias de fadas com enredo mais elaborado; histórias humorísticas.
De 9 a 10 anos: Histórias de fadas, histórias vinculadas à realidade.
De 10 anos em diante: Aventuras, narrativas de viagens, explorações; fábulas,
mitos e lendas.

3.3. Conclusão

O contar histórias se mostra eficaz como técnica psicoterapêutica para a evoca­


ção de comportamentos clinicamente relevantes, que traduzem maiores possibilidades
adaptativas para os clientes. A utilização desse procedimento traz múltiplas vantagens:

322 Miirtd Ritd Zoégd Soares, Cynthia Borges de Moura e l irlrna B<i7<inrlli Prebúinchi
Para o clínico, além de se constituir num procedimento de implementação sim­
ples, que pode ser utilizado facilmente em qualquer tipo de local onde ocorra o atendimen­
to do cliente (consultórios particulares ou instituições), a narrativa de histórias não apre­
senta os efeitos indesejáveis da punição; não produz as reações antagónicas às vezes
originadas pelo uso de instruções diretas e está afinada com os interesses e atividades
características da população infantil.
Para os clientes, as histórias podem ser eventos (estímulos) mais agradáveis do
que as instruções diretas, tanto porque se relacionam às necessidades dessa etapa do
desenvolvimento, como também por possuírem uma linguagem indireta, que não tem o
enfoque pessoal, o qual muitas vezes, como demonstra a prática clinica, ó evitado e difícil
para muitas crianças.
Através do contar histórias como técnica psicoterapêutica, o terapeuta
comportamental infantil pode fazer uso científico de uma prática cultural e, portanto, ficar
mais próximo do caráter histórico-cultural que condiciona o desenvolvimento humano.

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326 M aria Rita Zotga Soar«, Cynthia Borges dc M oura e I Iclcna Bazanelli Prcbianchi
.Capítulo 36
Apoio psicológico a famílias de diabéticos

Pen/se Cerqueira Leite / /<7/<v/


Patrícia Çuillon Ribeiro*

O final do século XX e esse início do século XXI têm sido marcados por grandes
transformações. Uma delas diz respeito aos hábitos da população mundial, especifica­
mente os alimentares. Hoje em dia, a alimentação das pessoas está muito mais industri­
alizada do que era no início do século passado em que as famílias ainda cultivavam suas
hortas e pomares no quintal de suas casas. Atualmente, o habitual tem sido a alimenta­
ção rápida e fora de casa, já que não se tem mais tempo para o preparo saudável do
alimento do dia-a-dia. Infelizmente, isso não se restringe somente aos adultos e tem
atingido igualmente a crianças e adolescentes.
Frente a tais mudanças, tem sido observada, em todo o mundo, a maior prevalência
de doenças como a obesidade e doenças como o Diabetes Mellitus. Conforme os estudos
estatísticos que têm sido desenvolvidos, estima-se que até o ano de 2010 serão 239.3 milhões
de diabéticos em todo o mundo: desses, 23.7 milhões de diabéticos Tipol e 215.6 milhões do
Tipo 2 (Negrato, 2001). Desde o ano de 1994, esse número praticamente duplicou. Os dados
sobre a prevalência de diabetes, especialmente no Brasil, são muito limitados, mas estima-se
que são aproximadamente 5 milhões de brasileiros com diabetes atualmente.
Existem 2 tipos distintos de Diabetes os quais são denominados Tipo 1 e Tipo 2.
Normalmente, o Diabetes Tipo 1 é encontrado em crianças e adolescentes e se caracteriza
pela falência total na produção de insulina pelo pâncreas. Trata-se de um distúrbio de causa
genética principalmente. Os sintomas aparecem de forma súbita: “Boa parte dos portadores
do tipol descobre o diabetes já numa situação de emergência, quando está urinando muito,
comendo muito e mesmo assim continua perdendo peso, sentindo dores de barriga, ânsia
de vômito, fraqueza e indisposição." (Lerário, 2001 p.4) Esses pacientes são também cha­
mados de insulinodependentes já que o tratamento inicia-se com a aplicação da insulina
que passa a ser tomada rigorosamente todos os dias conforme orientação módica.

' ' Unlvoraklad« Tulutl do Paniná.

Sobre Comportamento e Cognição 327


O tratamento do diabetes Tipo 1 é bastante trabalhoso já que dele fazem parte
exames diários de urina e sangue, dieta restritiva afóm de apiicaçáo diária de duas ou
mais injeções de insulina. Este tratamento é caro e não é totalmente passível de controle;
“Além disso, para o tratamento do diabetes, não há um conjunto de regras fixas que o
paciente deva seguir." (Malerbi, 2001 p128)
"É importante salientar que o bom controle do diabetes não depende exclusivamente
dos comportamentos de auto-cuidado e os resultados negativos produzidos pela auto-
monitoração podem funcionar como uma punição do comportamento de medir a glicemia."
(Malerbi, 2001 p128) Episódios de hipo ou hiperglicemia podem ser desencadeados tanto por
tratamento errado quanto por situações estressantes dai a dificuldade de controle glicômico.
Apesar de se tratar de uma doença que vem sendo amplamente divulgada nos
meios de comunicação e que vem ganhando espaço entre as doenças estudadas pelos
especialistas, o diabetes ainda ó desconhecido para a grande maioria das pessoas. Essa
falta de informação adequada se constitui em grande geradora de ansiedade nos pais que
não sabem exatamente com o que estão lidando. Soma-se a isso o fato do diagnóstico
normalmente ser feito diante uma situação grave em que a criança pode estar correndo
riscos de ser hospitalizada e/ou apresentando sintomas característicos tais como ema­
grecimento e cansaços repentinos.
A descoberta abrupta de uma doença crônica em um filho é, sem dúvida aJguma,
motivo de estresse e até desespero para muitos pais que se vêem, de um momento para
o outro, sem nenhum repertório para solucionar um problema novo, complexo e doloroso
que é o diabetes de seu filho. Uma etapa em que os pais podem se sentir paralisados
sem saber ao certo o que pensar e como agir diante da noticia: seu filho tem uma doença
que ainda não tem cura e precisa ser controlada com rigor."(...) para que uma situação
produza uma crise, mais importante que o nível de traumatismo sofrido é o inesperado da
nova situação que lhe ó exigido viver." (Sebastiani,1998 p. 147)
O sentimento de incontrolabilidade apresentado pelos pais diante do diagnóstico,
pode ser comparado à teoria do Desamparo Aprendido de Seligman (1977), que afirma
que acontecimentos imprevisíveis geram mais tensão e ansiedade do que acontecimen­
tos previsíveis.
Para o diabético, o diagnóstico é também um momento bastante difícií já que eíe
impõe limitações ao seu estilo de vida. Trata-se de uma doença que exige do paciente e
de sua família mudanças importantes em seus hábitos de vida. “(...) alguns sentem-se
extremamente limitados o que muitas vezes acaba gerando tristeza, com o pensamento
do tipo 'não tenho mais o direito de viver bem', isolando*se do grupo social em função das
concepções errôneas a respeito do diabetes." (Passos & Maciel, 2000 p.10)
Conforme Damaceno (2001):

"A descoberta do diabetes em uma criança ó sempre muito traumática


para a família (...) comumente surge o sentimento de culpa nos pais pela sua
participação hereditária na doença. Ê um sentimento profundo que aliado ás
necessidades naturais de cuidados e a maior vulnerabilidade da criança sobre­
tudo a Hipoglicemia, resulta em superproteção, o que interfere no desenvolvi­
mento da personalidade da criança"

328 Deniie Cerquetra Leite Heller e Patricia Çulllon Ribeiro


O tratamento psicológico na APAD

A APAD (Associação Paranaense de Amparo ao Diabético) é uma associação


filantrópica que funciona em Curitiba(PR) com o objetivo de dar apoio a famílias e pacien­
tes diabéticos.
A fim de atender a esta população foi criado pela pesquisadora um serviço de
atendimento psicológico a pais de crianças diabéticas o qual foi posteriormente estendido
às crianças e adolescentes diabéticos. Este serviço é gratuito e funciona há 15 anos da
seguinte forma: são contratadas com o cliente 8 sessões de aconselhamento psicológico
que podem ser estendidas até 12.
Este trabalho visa possibilitar a aquisição de comportamentos de enfrentamento
de situações problema (controle glicêmico; hipo e hiperglicemia; aplicação de insulina;
dieta, desenvolvimento de autonomia, auto-estima, etc.)determinadas a partir de pesqui­
sas anteriores feitas por Heller & Kerbauy(1988); Heller(2000) e Ribeiro & Heller(2002) em
Curitiba e São Paulo. Além disso, o tratamento psicoterápico visa promover uma maior
adesão ao tratamento e a manutenção da qualidade de vida tanto dos pais quanto do
diabético. Segundo Malerbi (2001), a pobre adesão ao tratamento está relacionada com a
sua duração (o tratamento é para sempre) e sua complexidade (o tratamento requer vários
comportamentos ocorrendo várias vezes por dia).
No caso de ser detectada a necessidade de se dar continuidade ao tratamento
psicológico, estes clientes são encaminhados a uma clínica escola de uma universidade
de Curitiba onde são atendidos por alunos do quinto ano da graduação e da pós-graduação
sob a supervisão de uma das autoras do presente texto.

Tabela 1. Principais queixas - Pais e Diabéticos


Pais Crianças
Fazer o filho seguir a dieta e realizar Seguir a dieta e realizar exames
exames de rotina
Aplicação de insulina Aplicação de insulina
Medo de hipo e hiperglicemia Superproteção dos pais: restrições: jogar
futebol, correr, andar de bicicleta, subir no
trepa-trepa
Medo de que o filho se machuque
Dificuldades conjugais

Na tabela 1 estão descritas as queixas mais freqüentes dos pais de crianças até
doze anos, segundo Heller (2000). São elas: dificuldade em fazer o filho seguir a dieta e
fazer os exames de rotina;, aplicação da insulina; medo que o filho se corte; medo que o
filho brinque demais e tenha hipoglicemia; medo do coma, se ele já ocorreu. Estes mes­
mos resultados foram observados por Heller e Ribeiro (2002).
As queixas dos pais mostram medo de que o filho se machuque o que é bastante
compreensível já que o diabético apresenta dificuldade de cicatrização e um corte pode

Sobre Comportamento e CogniçAo 329


ser bastante complicado de tratar. Estes medos paternos podem resultar em comporta­
mentos de superproteçáo em relação a criança.
É comum, passado o choque do diagnóstico, observar nos pais, especialmente
nas mães, um comportamento de superproteçáo com as crianças. Elas passam a contro­
lar desde os testes de glicemia, aplicação da insulina e dieta até as brincadeiras e inter-
relações que a criança constrói em seu meio social.
Diante dos riscos que a criança corre com o desequilíbrio das taxas glicômicas,
os pais aprendem que a única forma de manter a criança estabilizada é controlando-a.
Este controle desencadeia nos pais o comportamento de superproteçáo o que pode trazer
benefícios, mas também alguns prejuízos no desenvolvimento psicossocial da criança. “O
pai e a mãe atenciosos que guiam e dirigem todos os aspectos da vida da criança trans­
mitem-lhe a idéia de que o mundo é cheio de perigos que ela não pode enfrentar. A
superproteçáo passa a mensagem 'Você não é competente’ e não ‘Você é amado’. Ela
reduz o auto-respeito. (...) (Briggs,2000 p.62)
A superproteçáo exercida pelos pais é percebida pela criança como aversiva já
que ela impõe mais restrições à sua vida do que aquelas impostas pelo próprio tratamento
módico. Não poder correr, pular e brincar livremente pode fazer a criança sentir-se diferen­
te de seus pares o que pode resultar em rebaixamento da auto-estima e dificuldade no
desenvolvimento de habilidades sociais.

Tabela 2. Principais queixas - Pais e Diabéticos


Pais Crianças
Fazer o filho seguir a dieta e realizar Seguir a dieta
exames de rotina
Aplicação de insulina Realizar os exames de rotina
Medo de hipo e hiperglicemia Aplicação de insulina
Medo que o filho se envolva em acidentes Superproteçáo dos pais: restrições sair à
noite, viajar, praticar esportes radicais

Controlar o consumo de álcool e cigarros


Promover autonomia (saídas e viagens)

Na tabela 2 são apresentadas as queixas mais freqüentes de pais de adolescentes.


Observa-se que as queixas de pais de adolescentes diabéticos centram-se na
adesão ao tratamento e no receio de que o filho desenvolva autonomia para gerenciar a
própria vida o que poderia colocá-lo em situação de risco como, por exemplo, sair á noite.
Novamente a superproteçáo aparece e se de um lado ela é positiva, porque facilita a
adesão ao tratamento médico e nutricional (Heller,2000), por outro ela atrapalha porque
dificulta o desenvolvimento de independência por parte do adolescente o que pode gerar
rebaixamento de auto estima entre outros problemas.

330 Peniie Cerquetrii Leite Heller e Patricia C/uillon Ribeiro


Os adolescentes também reclamam da superproteçâo dos pais e sentem-se inva­
didos em sua privacidade. Muitos deles apresentam-se com dificuldades de interação
social e falta de limites. A figura 1 ilustra de forma esquemática como o comportamento
dos pais pode influenciar o comportamento dos filhos

Como resposta ao diagnóstico do diabetes e a todos os outros antecedentes já


discutidos, os pais se mostram bastante ansiosos. A fim de lidar com a própria ansieda­
de, os pais se comportam de forma superprotetora o que pode se apresentar em dificulda­
des para impor limites ao filho ou excesso de zelo o que pode levar à redução do repertório
comportamental da criança/adolescente ("tudo" passa a ser proibido). "(.••) o conceito que
temos de nós mesmos ó influenciado pelo tratamento que recebemos dos outros, o que
afeta o nosso comportamento."(Briggs, 2000 p.44)
Como conseqüência do comportamento paterno o diabético pode não desenvolver
habilidades sociais e pode tomar-se uma pessoa agressiva ou excessivamente introvertida
o que resultaria em dificuldades de convívio com os pares.
"O comportamento agressivo geralmente gera conflitos interperssoais; perda
de oportunidades; dano aos outros; sensação de estar sem controle, auto-
imagem negativa; culpa; frustração, tensão, rejeição dos outros 0 solidão. O
comportamento passivo promove efeitos tais como: conflitos interpessoais, auto-
imagem negativa, dano a si mesmo, perda de oportunidades, incontrolabilidade,
desamparo e depressão, tensão, solidão." (Caballo, 1991,p415)
Tais comportamentos passam a ser compreendidos pelos pais como respostas
"fragilidade" do filho, uma criança/adolescente que precisa ser constantemente cuidada. A
percepção das dificuldades do filho reforça nos pais a crença de que ele (diabético) preci­
sa ser protegido e, assim, o círculo vicioso se fecha se retroalimentando.
O atendimento psicológico centra seus objetivos na quebra da relação que se
estabelece entre a realidade imposta pela doença, a ansiedade dos pais, o comportamen­

Sobre Comportamento c Cognição 331


to de superproteção e o repertório comportamental reduzido dos filhos. O controle da
ansiedade, a reestruturação das idéias irracionais a respeito da doença (saúde X autono­
mia) são os primeiros comportamentos a serem trabalhados. A tendência à superproteção
consequentemente diminui e, assim sendo, a imposição de limites pode ser ensinada aos
pais o que os auxilia no comportamento de cuidado, além da dificuldade em impor limites
à criança ou adolescente.
Percebe-se claramente nestes atendimentos que, tanto os pais quanto os fi­
lhos, sofrem por não saberem como lidar com a doença o que só ressalta a importância
deste tipo de serviço. Apesar de ser bastante observado na prática clínica, a
interdependência existente entre o comportamento de pais e filhos acrescida da reali-
dade do Diabetes ainda é um assunto com poucas publicações a respeito. Estudos
como este são importantes à medida que tornam claros comportamentos que influenci­
am na adaptação à doença e adesão ao tratamento, além de facilitar, portanto, o manejo
terapêutico dessas famílías.

Referências
Briggs, D. C. (2000). A auto-estima do seu filho. São Paulo: Editora Martins Fontes.

Caballo, V. E. (1999). Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento. Sâo


Paulo: Ed. Santos.

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educação e tratamento do paciente portador de diabetes. In www.dlabeteson.com.br

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por mães de crianças diabéticas. São Paulo: USP (não publicado).

Heller, D. C. L. (2000). Dificuldades apresentadas por diabéticos no manejo diário da doença.


Palestra apresentada em Congresso de Humanidades UFPR, Curitiba (não publicado).

Heller, D. C. L., & Ribeiro, P. G. (2002). A influência do autoconhecimento dos pais para a
aquisição de comportamento social infantil. Trabalho apresentado para conclusão do curso de
Pós-graduação em Psicologia Clínica UTP, Curitiba (nâo publicado).

Lerário, D. (2000, Cfct./Nov./Dec). Encarando o diabetes sem medo. In BD Bom dia.

Malerbi, F. E. K. (2001). Estratégias para aumentar a adesão em pacientes com diabetes. In Guilhardi,
H. J., Sobre Comportamento e Cognição, v.7. Santo André: ESETec Editores Associados.

Negrato, C. A. (2001). Diabetes: educação em saúde. Bauru: EDUSC.

Passos, M. A., & Maciel, A. V. S. (2000 Apr./May/Jun.). Acompanhamento psicológico no diabetes


mellitus tipo 2. In BD Bom Dia.

Sebastiani, R. W. (1998). Roteiro de avaliação psicológica aplicada ao hospital geral. In V. A.


Angerami, E a psicologia entrou no hospital... Sâo Paulo: Editora Pioneira.

Seligman, M. E. P. (1977). Desamparo - Sobre depressão, desenvolvimento e morte. São


Paulo: Editora Hucitec-Edusp.

332 Penlte Cerquetra Lfite Heller e Patrícld C/uIllon Ribeiro


Capítulo 37
Obesidade mórbida e intervenção
Rosângela T. Cristani Arruda'

A obesidade mórbida merece atenção especial porque estudos epidemiológicos


tém evidenciado esta como uma das slndromes que tem aumentado acentuadamente no
mundo e no Brasil nas últimas décadas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)
“a obesidade mórbida é uma das doenças que mais matam no mundo. Na América Latina
ó provável que 200 mil pessoas morram anualmente em decorrência das comorbidades
relacionadas com a obesidade" (Coutinho, Benchimo, apud Garrido, 2003).

“Obesidade é uma doença universal de prevalência crescente e vem


adquirindo proporções alarmantemente epidêmicas, sendo um dos principais
problemas de saúde pública da sociedade moderna". (Walder, Ravussin, 1998).

A concepção da causa da obesidade tem mudado nos últimos 40 anos. Várias


teorias procuraiji esclarecer seu ponto de vista com relação a esse problema, porém hoje
sabe-se que a obesidade não é uma entidade solitária que pode ser explicada por uma
única causa, seja de aprendizagem, seja genética, de regulação neural, metabólica,
endocrinológica, psicológica ou social. “A obesidade é uma desordem heterogenia com
etiologia múltipla, por isso, com múltiplos fatores de risco” (Brownel & Wadden, apud
Arruda 1996).
A obesidade acarreta um risco aumentado de inúmeras doenças crônicas, como:
“diabete melito, dislipidemia, doenças cardio e cerebrovascular, alterações da coagula­
ção, doenças articulares degenerativas, neoplasia de vesícula biliar, esteatose hepática
com ou sem cirrose, apnéia do sono, câncer” (Mancini, Coutinho, Benchimol, apud Garri-

1PWcôtoga, pó*-gr»òu*òa am Educação EipecéaJ, pí»-ur*Joada em PMcoiogta Clinica Batiavtarlamo Maatra am Admlnlafrav*o da Racuraoa Humano«
Mambro da Socladada RraaM ni da Cirurgia Bariâtrica - inatttuto do Comportamanto a Núdao da Tratamanto a Cirurgia da Obaaidada Môftokln

Sobre Comportamento e Cognição 333


do 2003). "Pacientes obesos e com obesidade grave, também chamada de obesidade
mórbida, tem este risco magnificado, com aumento expressivo da mortalidade - 250% em
relação aos pacientes não obesos”. (Bray, 1991). Sendo que os fatores psicológicos são
considerados participantes em maior ou menor grau, neste mecanismo.

"É justamente o avanço do conhecimento médico sobre o aumento da


morbimortalidade que enfatiza a necessidade de intervenção médica no trata­
mento da obesidade" (Manclni, apud Garrido, 2003).

"No Brasil, a prevalência da obesidade aumentou muito na última déca­


da, em especial para os adultos do sexo feminino, chegando a 13,3%; a taxa de
ascensão da obesidade no Brasil é de 0,36 pontos percentuais ao ano para a
população feminina e de 0,20 pontos percentuais ao ano para a população mas­
culina" (Malheiros, apud Garrido, 2003).

Em 1991,61 % dos americanos adultos e 13% das crianças e adolescentes têm


excesso de peso. Destes, 20% a 30% dos homens são obesos e 30% a 40% das mulhe­
res são obesas. Os dados americanos trazem uma grande preocupação, mostram que a
cada ano 300.000 mortes ocorrem em conseqüência do excesso de peso. Os indivíduos
com excesso de peso têm um risco aumentado de morte prematura de 50% a 100% em
relação aos indivíduos de peso normal ou esperado para sua altura.

Obesidade mórbida

Pode-se estabelecer basicamente dois tipos de diagnósticos frente a um pacien­


te obeso: “um diagnóstico quantitativo, que se refere à massa corpórea ou à massa de
tecido adiposo, e um diagnóstico qualitativo que se refere à distribuição de gordura corporal
ou à presença de adiposidade visceral” (Bray, 1998).
Diagnóstico Quantitativo é feito através do "calculo do índice de massa corpórea
(IMC ou BMI, de bodymass index), também conhecido por índeice de Quetelet, que é o
peso (em kg) dividido pelo quadrado da altura (em m) é ainda o mais utilizado (tabela 1.1)"
(Bray, 1998). “

Tabela 1.1.
Classificação da obesidade segundo o indice de massa
corpórea (IMC) e risco de doença
(Organização Mundial da Saúde)
IMC (kg/m2) Classificação Obesidade Grau Risco de Doença
< 18,5 Magreza 0 Elevado
18,5-24,9 Normal 0 Normal
25 - 29,9 Sobrepeso I Elevado
30 - 39,9 Obesidade II Muito Elevado
? 40,0 Obesidade Grave III Muitíssimo Elevado

334 Rotángeld Î. Cristani Arrudd


No diagnóstico Qualitativo, o uso do IMC ignora a distribuição de gordura corpórea,
e pode ser feita da seguinte forma:

(...) o excesso de gordura pode estar mais concentrado na região abdo­


minal ou no tronco, o que define obesidade tipo andróide, superior (de upper),
central, abdominal, ou em maçã (apple), mas freqüentes mas nâo exclusiva no
sexo masculino, ou pode estar mais concentrada na região dos quadris, o que
define a obesidade tipo ginóide, inferior, periférica ou subcutânea, glúteofemural,
ou em pêra, mas freqüente mas nâo exclusiva do sexo feminino. A obesidade
andróide apresenta maior correlação com complicações cardiovasculares e
metabólicas que a ginóide, que apresenta como doenças complicações
vasculares periféricas e problemas ortopédicos e estéticos.
(...) Mais recentemente, a medida isolada da circunferência da cintura
tem mostrado ser suficiente para estabelecer risco, sendo considerados os
limites normais de circunferência <95 cm para homens e <80 cm para mulheres.
O risco de existir pelo menos um fator clássico de risco coronariano aumenta
substancialmente quando a medida em homens ultrapassa 104 cm (odds ratlo:
4,6) e em mulheres ultrapassa 88 cm (odds ratio: 2,6).(Bray, p.1-2, 1998).

Halpern (apud Garrido 2003), no seu trabalho sobre a fisiopatologia da obesidade,


define: "a obesidade é definida como um excesso de tecido adiposo; tal excesso dá-se,
segundo conceito generalizado, por uma ingestão calórica que sobrepassa o gasto calórico”.
Ela, então, é identificada quando há um desequilíbrio energético, ou seja, acúmulo de gordura
no corpo. O peso corpóreo e a distribuição de gordura são regulados por uma série de meca­
nismos neurológicos, metabólicos e hormonais que mantém um equilíbrio entre ingesta de
nutrientes e o gasto energético. Quando estes mecanismos de controle se desregulam tendem
a levar a um excesso de ingesta em relação ao gasto energético e ocorre o armazenamento
da sobra de energia sob a forma de gordura, traduzindo-se no aumento do peso corpóreo.
Quando este acúmulo atinge grandes proporções, passa a ser chamado de obesidade mórbida.

Abordagem terapêutica

O tratamento desta patologia requer uma equipe multidisciplinar, em que necessita


que a psicologia como ciência e profissão venha a colaborar neste tratamento. “Estudos
realizados mostram a importância da avaliação e do trabalho psicológico pré-operatório no
prognóstico e na aderência do paciente ao tratamento pós-operatório" (Franques, 2003).
Existem várias alternativas terapêuticas que, combinadas, conseguem significati­
vas perdas de peso, as dietas de baixas calorias, psicoterapia, a terapia comportamental,
o exercício físico e algumas drogas como a sibutramina e o orlistat, que incrementam o
artesanal terapêutico da obesidade. Porém, quando se trata da obesidade mórbida, essas
medidas, na maioria das vezes, sâo fugazes e ineficientes pelo quadro de comorbidade
que estes clientes severamente obesos apresentam, não conseguindo fazer sua manu­
tenção de peso (efeito-sanfona), com ameaça de vida, redução da qualidade de vida e
aíterações comportamentais que requerem abordagens eficientes na redução do peso e
de forma definitiva. O tratamento cirúrgico é praticamente o único método cientificamente

Sobre Comportamento c Cogniçào 335


comprovado que promove acentuada e duradoura perda de peso, reduzindo as taxas de
mortalidade, resolvendo e às vezes minimizando uma série de doenças associadas à
obesidade mórbida. “ A abordagem terapôutica do paciente obeso deve envolver sempre
um plano de reeducação alimentar, atividade física e uso de agentes antiobesidade. Nos
pacientes com obesidade mórbida a abordagem clínica geralmente é ineficaz e a cirurgia
bariátrica (nome para a cirurugia da obesidade mórbida - baros em grego= peso) se impõe
como uma importante opção de tratamento (Coutinho, Benchimol, apud Garrido, 2003).
A cirurgia bariátrica, torna-se um procedimento necessário por ser o único meio
cientificamente comprovado para a obtenção do controle do peso em longo prazo.

Tratamento cirúrgico

"Segundo Cabral (p. 35, apud Garrido, 2003)"... o tratamento clínico da obesida­
de mórbida, na maioria das vezes, é frustrante, sendo a cirurgia bariátrica, atualmente,
considerada a mais bem sucedida medida terapeutica, neste caso".
No que se refere a manutenção de peso pelo obeso mórbido, há muitos pacientes
que conseguiram emagrecer e até chegar ao seu peso saúde, após internação prolongada
em spa ou mesmo após meses de tratamento em consultório de endocrinologista, em
psicoterapia, com atividade física, porém os dados da literatura são desanimadores: "ape­
nas 20% dos pacientes que emagreceram conseguem manter a perda de peso durante
um ano e depois de cinco anos, apenas 5% dos pacientes conseguem manter seu peso
dentro dos limites aceitáveis (Coutinho, Benchimol, apud Garrido 2003).

HEm se tratando de pacientes obesos mórbidos podemos afirmar que


a imensa maioria dos que chegam à cirurgia bariátrica traz alterações emocio­
nais. ... A cirurgia bariátrica entra na vida do paciente obeso mórbido, provocando
não só o emagrecimento (trazendo inúmeras modificações para todos os as­
pectos da sua vida) como o impedimento de sua forma habitual de aliviar ten­
sões internas. (Franques, p. 75, apud Garrido, 2003).

Existem várias técnicas cirúrgicas que são utilizadas pelos médicos e discutidas
entre a equipe miritidisciplinar e depois com o cliente com o objetivo de adequação cirúr­
gica do paciente. Técnicas Utilizadas (Buckwald, 1984; Halberg, 1979).

Técnicas__________________________________________________
- Banda Gástrica Ajustável no Estômago_______ ________________
- Gastroplastia Vertical com Bandagem (Técnica de Mason)_________
- Gastroplastia Vertical com Bypass Gastrojejunal (Técnica de Capella)
- Bandagem Gástrica Laparoscópica (Lap-Band)__________________
- Derivação Biiiopancreática (Técnica de Scopinaro)_______ __ _____

336 Rosângela T. Cristanl Arruda


"Ao se discutir a respeito do melhor tratamento atual para a obesidade
mórbida, a conclusão que provavelmente será unânime é que a cirurgia bariátrica
constitui o tratamento mais eficaz desta doença por varias razões. Estudos
demonstram que os métodos voluntários de perda de peso são ineficazes no
manuseio da obesidade mórbida (ou grave). (...) Nenhum estudo a longo prazo,
até o momento que a reeducação alimentar, a atividade física regular, a terapia
comportamental e/ou uso de medicamentos antiobesidade contribuem para a
redução significativa da morbi-mortalldade do grande obeso e a melhora subs­
tancial da qualidade de vida” (Cabral, p.42, 2003).

A equipe para o atendimento do obeso mórbido:

A equipe que trabalhará com o obeso mórbido (ou cliente bariátrico) dependerá de
suas comorbidades. Geralmente a equipe ó formada pelo clínico e/ou cirurgiões, cardiologista,
pneumologista, psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta, psiquiatra e a equipe pró-cirúrgico
imediato (que é no hospital): anestesiologista, instrumentadores e enfermagem.
Segundo Cordas,
"Lastimavelmente o profissional de saúde mental, provavelmente mais o psiquia­
tra, mas também o psicólogo, teve uma chegada algo tardia ao campo da Obesi­
dade ou ‘Obesidades’, como preferem alguns. (...) Não há à luz das evidências
atuais razões para imaginar que a obesidade seja resultado direto de distúrbios
psicológicos; se ultrapassarmos esta barreira onde apenas os desavlsados su­
cumbem veremos que as conseqüências psicológicas da obesidade estão relacio­
nados com o estigma e o preconceito" (p. 71 apud Garrido, 2003.).
O papel do psicólogo dentro da equipe é de avaliar se o cliente está apto emocio­
nalmente para a cirurgia, auxilia-lo quanto a compreensão de todos os aspectos decorren­
tes do pré-cirurgico, do prô-cirurgico imediato (hospital) e pós-cirurgico. Analisar e discutir
com a equipe sobre os critérios necessários para a indicação da gastroplastia.

"Durante a fase pré-operatória normalmente o paciente é encaminhado


ao psicólogo através do clínico ou do cirurgião para a avaliação psicológica, com
o objetivo de detectar e tratar os pacientes portadores ou potencialmente sujei­
tos a distúrbios psicológicos graves. Aqueles que apresentam distúrbios psiqui­
átricos serão encaminhados para o psiquiatra. (...) Psicóticos, deprimidos, os
usuários de drogas, com transtornos alimentares (...) os que apresentam história
de tratamento psiquiátrico prévio ou que estejam fazendo uso de psicofarmacos."
(Franques, p.76-77, apud Garrido 2003).

Ajudar o cliente quanto a sua mudança definitiva de hábitos alimentares decorren­


te da cirurgia (juntamente com a nutrição); sua mudança comportamental no que se refere
à qualidade de vida (prática de atividade física), na diminuição de co-morbidades, isto é,
ajuda-lo a diminuir ou eliminar seus comportamentos inadequados e ajuda-lo a aumentar
seu repertório de comportamentos adequados.

Sobre Comportamento e Cognição 33 7


Os critérios para a indicação cirurgia bariátrica como tratamento são referenda*
dos pela Federação Internacional para a Cirurgia da Obesidade (IFSO) e pela Sociedade
Brasileira de Cirurgia Bariátrica (SBCB), onde adotam os seguintes parâmetros: (Boletim
de Cirurgia da Obesidade. 1(2):6 2000 e Cordero, 1998) 1
• O cliente tem que ter obesidade mórbida, ou seja, ter um IMC acima de 40kg/m2, ou IMC
entre 35 a 40kg/m2desde que haja alguma comorbidade.
• Insucesso de tratamento clínico por 3 anos.
• Risco cirúrgico aceitável, isto ó, ausência de patologias que aumentem o risco cirúrgico
comoenfisema pulmonar, nefropatia, cirrose.
• Ausência de doenças debilitantes (AIDS, câncer).
• Comportamento com ajuste social, isto ó ausência de comportamento de alcoolismo ou
utilização de drogas e psicopatias nâo controladas.
• Capacidade cognitiva para poder entender as implicações da cirurgia, os riscos, des-
confortos e os muitos exames pré-operatórios e aceitar o procedimento cirúrgico.
• Capacidade emocional para suportar a transformação somática e alterações de hábitos.
• Idade não superior a 60 anos.

Programa para o obeso mórbido considerado bem-sucedido

“O paciente mais bem preparado do ponto de vista técnico, nutricional e


psicológico tem um pós-operatório mais tranqüilo. Desta forma, estabelecer um
vinculo de confiança entre médico e paciente é de extrema importância, com a
equipe multidisciplinar atuando como intermediadora do conhecimento médico
leigo em toda sua essência". (...) a cirurgia funciona como um instrumento. O
cirurgião e toda sua equipe devem ensinar ao paciente como usa-lo adequada­
mente para obter melhores resultados pós-operatórios, tanto no aspecto físico
como emocionar'. (Rasera Jr, Shiraga, p.47, apud Garrido 2003).

Todo programa, para ser bem sucedido, depende de alguns fatores, na gastroplastia
poder/amos dizer que a equipe e a formação de seu protocolo de atendimento sâo por
demais importantes. Na formação do protocolo deve-se levar em consideração os aspec­
tos particulares de todas as áreas; a avaliação sistemática deste protocolo, juntamente
com as características comportamentais de toda a equipe; interesse pelo estudo e desen­
volvimento de pesquisas farão uma grande diferença entre as equipes que se propõe a
atender o obeso mórbido.
O sucesso da cirurgia se baseia nâo só na operação como também no fato do
paciente não abandonar o programa pós-operatório de atendimento multidisciplinar e aqui
se salienta novamente a importância do atendimento psicológico, pois ao suprimir a obe­
sidade o cliente poderá desenvolver outro comportamento inadequado como forma de lidar
com os conflitos psicológicos.

338 Rosdngeld (. Cristani Arruda


Programas bem-sucedidos: (IFSO, 1997)
• Cirurgião habilitado, com conhecimento em cirurgia da obesidade e dedicado ao programa.
• Equipe multidisciplinar com abordagem interdisciplinar.
• Dedicação e atendimento da equipe multidisciplinar quanto ao funcionamento do(s)
procedimento(s) e suas implicações em suas respectivas áreas.
• Conhecimento sobre todos os aspectos relevantes da obesidade mórbida.
• Conhecimento de todo o processo da gastroplastia por parte da equipe e não somente
pelo cirurgião.
• Responsabilidade de todos quanto a participar do desenvolvimento e eficácia do proto­
colo.

O Nosso Protocolo: protocolo seguido pelo Instituto do Comportamento e Núcleo


de Cirurgia e Tratamento da Obesidade Mórbida - Curitiba - Pr.
Etapas Ações
Pré-operatório • avaliação psicológica (entrevista, aplicação
de testes e/ou inventários, utilização de
dinâmicas)
• orientações gerais ao cliente
• contato com a família
• devolutiva da avaliação com orientação
• encaminhamentos
• reunião multidisciplinar
• laudos Dara os convênios
Pré-operatório • atendimento hospitalar
imediato • acompanhamento cirúrgico
• orientação familiar
• orientação á enfermagem
Pós-operatório • acompanhamento hospitalar
• acompanhamento psicológico em grupos ou
individual
• orientação familiar

O objetivo do pré-operatório pela psicologia é avaliar se o cliente está dentro dos


critérios para a indicação cirúrgica; orientá-lo sobre a cirurgia que vai ser submetido; ris­
cos e complicações; benefícios esperados; exames e seguimentos requeridos a longo
prazo; consequências emocionais, sociais e f/sicas a longo prazo; responsabilidades es­
peradas dos pacientes. Encaminhamento, quando se faz necessário, por exemplo, ao
psiquiatra. Reuniões com a equipe para a discussão do caso e dos procedimentos a
serem seguidos pela equipe para o sucesso do tratamento do cliente.(Mason,1994).
Orientação e acompanhamento familiar ó muito importante, pois desta forma po­
demos conhecer as contingências mantenedora do comportamento do cliente, como no
relato do caso que se segue:

Sobre Comportamento e Cojjnlçâo 339


"Mãe de um casal de filhos, a menina com sobrepeso e o garoto com
IMC normal, Insistia em ter doces e salgadinhos em casa porque o rapaz não
podia ser sacrificado. A gorda é que deveria controlar-se. Ela própria obesa
mórbida, compulsiva, seguia comprando porcarias. Questionamos, então, se
faria sentido manter um bar e comprar vinhos da melhor qualidade, se houvesse
um dos filhos com alcoolismo. O controle alimentar ainda é visto com preconcei­
to pelo próprio obeso, pela equipe de saúde, pelos educadores e também pelos
psicoterapeutas. Esta questão prejudica a comunicação interpessoal e faz com
que somente os próprios operados e seus estômagos e intestinos, e seus
vasos sanitários, saibam da verdadeira ingestão alimentar que fazem".
(Marchesini, p. 32 apud Garrido 2003).

A informação comunitária através dos profissionais de saúde ó por demais impor­


tante até para analisar medidas que são adotadas pelas autoridades. A revista Veja de 1°
de maio de 2002 publicou uma reportagem sobre saúde sob o titulo “Seu filho está gordo”,
na qual em um quadro nomeado “Lição de casa. Emagrecer", conta que no ano de 2000,
em Cingapura, o governo determinou que quem não emagrecesse seria reprovado na es­
cola, não importando quais as notas tiradas em provas escolares. A lei teria sido suspensa
em função de um caso de suicídio de um garoto que, ao prever que não emagreceria, teria
optado por esta solução trágica.
“O seguimento pós-operatório destes pacientes também é fundamental para se
atingir os resultados tão almejado pela cirurgia" (Rasera Jr., Shiraga, apud Garrido, 2003).

“O atendimento do cliente após a cirurgia, pela psicologia, tende a faci­


litar seu ajuste físico, emocional, social e familiar, alem do esclarecer dúvidas e
temores dos pacientes, promovendo informações e ajuda prática, incentivando a
procura da equipe módica e multiproflssional, sempre que necessário" (Buchwald,
1980).

Resultados

O tratamento cirúrgico da obesidade mórbida tem sido indicado e realizado há


vários decênios cômo opção terapêutica neste tipo de condições. A tentativa de uniformiza­
ção dos dados começou, a partir de 1997, com a introdução do BAROS (Bariatric Analysis
and reporting Outcome System), idealizado e confeccionado após consulta, através de
questionário, aos principais cirurgiões bariátricos (Oria, 1996). Este método analisa os
resultados da cirurgia bariátrica através de alguns critérios objetivos (perda do excesso de
peso e melhora da comorbidez), que são investigadas pelos médicos, e de critérios subjetivos,
informados pelos pacientes (melhora na auto-estima, atividade física, relações sociais,
disposição para o trabalho e atividade sexual) este critérios subjetivos relacionam-se com a
qualidade de vida. Existem vários tipos de questionários que permitem avaliar a qualidade de
vida na obesidade mórbida. Entretanto, por serem muitos extensos e pouco específicos, ou
em estudo, são pouco utilizados (Wadden, 2001). Através das pesquisas feitas observa-se
que através da gastroplastia o obeso tem uma melhora significativa em todas as suas áreas
de vida seja física, emocional, social ou sexual (Oria, Moorehead, 1998).

340 kotângeld T. Crlitani Arruda


Psicologia

É muito importante a participação da psicologia no tratamento, na avaliação, no


acompanhamento, no aconcelhamento destes clientes, família e da comunidade.
Estudos clínicos realizados, mostram que deixar de ser obeso implicará mudan­
ças na maneira de agir e na vida como um todo e ao reorganizar-se e estruturar-se nova­
mente, freqüentemente o ex-obeso necessita de ajuda (Loli, 2000).
Ninguém emagrece efetivamente, sem reorganizar a vida e preparar-se para este
evento (Martins, 1994). Já se constatou que os grandes obesos apresentam alta prevalência
de conflitos psicológicos e se modificam com a redução do peso, porém necessitam de
adequada avaliação psicológica e tratamento pré-cirurgico no sentido de evitar complica­
ções futuras.

H0 trabalho do psicólogo pode auxiliar o paciente a conhecer, a compreender


melhor a si mesmo, a aderir de forma mais eficiente ao tratamento, envolvendo-
se e tornando-se responsável pela vivência da criação de uma nova identidade e
pela sua participação efetiva no processo de emagrecimento. (...) O ato cirúrgico
ô apenas o começo". (Franques, p.79 apud Garrido, 2003).

A psicologia, como ciência, tem uma função muito importante junto a estes clien­
tes, uma função de ajuda, de ética, de humanização de pesquisa e compreensão, para
que no protocolo destes pacientes haja uma visão bio-psico-social.
O que se espera:
• desenvolvimento de trabalhos preventivos para a obesidade;
• desenvolvimento de pesquisas sobre o tema;
• demonstrar a importância da psicologia dentro da equipe multidisciplinar;
• trabalhar junto aos psicólogos a Humanização e a Ética Profissional.

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342 Rofántffld T. Crlstonl Arruda


Seção IV

Pesquisa
. C a p í t u l o 38
Pesquisa em Clínica Comportamental
Proposta M etod ológica e Resultados

Sonia Beatrii M eyer1

O interesse em desenvolver pesquisa clínica é que esta é uma das formas de


atividade e de estudo que propicia melhor entendimento de como ocorrem mudanças nas
pessoas. Do ponto de vista prático, evidências empíricas derivadas de pesquisas dão
suporte a decisões de terapeutas, a políticas do setor de saúde e de prestação de servi­
ços, como por exemplo o de cllnicas-escola, a professores no ensino de novos terapeutas
e ainda, ajudam na formulação de teorias que expliquem o fenômeno encontrado.

1. Delineamentos de pesquisa

Pode-se identificar dois grandes grupos de pesquisas experimentais clínicas, o


das pesquisas com delineamento de grupo, e o das pesquisas com delineamento de
sujeito único.
A lógica do delineamento experimental de grupo ó a de que se forem comparados
dois grupos de indivíduos similares entre si, em que apenas um deles recebeu um deter­
minado tipo de intervenção, as diferenças encontradas podem ser atribuídas ao efeito
desta intervenção. Testes estatísticos avaliam, então, a probabilidade das diferenças
encontradas serem devidas ao acaso.
Existem algumas vantagens em desenvolver pesquisas com delineamento de gru­
po. Uma delas é que os resultados obtidos em um estudo podem ser generalizados para
a população, já que se escolhe uma amostra representativa da população para participar
do estudo. Este ó o único delineamento de pesquisa que permite controlar variáveis como
características dos participantes (sexo, idade, escolaridade, nível sócio-econômico e inú­

1Palcóloga do Departamento de Psicologia Clinica do InatHuto da Psicologia da USP.

Sobre Comportamento e CoRniç3o 345


meras outras) e ainda este é o melhor delineamento para responder a perguntas de com­
paração entre tratamentos.
Mas existem, também, motivos importantes para não escolher delineamento de
grupo. Um destes se refere à inexistência de um indivíduo médio.
A previsão do que um indivíduo médio fará é, freqüentemente, de pouco ou ne­
nhum valor ao se tratar com um indivíduo particular. Os quadros estatísticos das compa­
nhias de seguro de vida não são de nenhum valor para um médico, ao prever a morte ou a
sobrevivência de um paciente (Skinner, 1989, p.31).
Um indivíduo particular que busca ajuda psicológica pode não se beneficiar dos
resultados de pesquisas de grupo por pelo menos duas razões. Uma é a de que não há
garantia de que ele pertença à parcela da população que poderia se beneficiar do trata­
mento, mesmo possuindo as mesmas características que as dos participantes da pesqui­
sa. É que uma pesquisa sobre eficácia de um tratamento, usando delineamento de grupo,
pode obter como resultado que a intervenção psicológica empregada produziu resultados
favoráveis com 75% dos participantes, e esse resultado é considerado satisfatório. Mas
fica a incômoda pergunta do porque nem todos participantes se beneficiaram do tratamen­
to. Ficamos sem saber o que teria que ser feito para que os outros 25% da população
possam também ser ajudados. Ficamos sem saber os padrões individuais de melhora.
A outra razão é a de que o indivíduo que procura a terapia pode não possuir as
mesmas características que as dos participantes da pesquisa. Conforme Echeburúa (2001),
participantes de pesquisas são homogêneos não apresentam comorbidades e têm grande
interesse pelo tratamento. Já na prática clínica as pessoas são heterogêneas, são
diagnosticadas como apresentando diversos transtornos e freqüentemente são menos
interessados pela terapia.
Questões de infra-estrutura para o desenvolvimentos de pesquisas também influenci­
am o delineamento de pesquisa clínica escolhido. Para poder estudar terapias com delinea­
mento de grupo há necessidade de que um grande número de clientes estejam disponíveis
para participar da pesquisa. É difícil conseguir este número necessário de clientes e de terapeutas
sem que haja um serviço instalado, de fluxo contínuo, com qualidade de prestação de serviços
conhecida e reconhecida. Isto costuma ser obtido em centros de pesquisa e atendimento,
mas no Brasil nem sempre pesquisadores clínicos estão engajados nestes centros.
Uma boa alternativa para os problemas apresentados com relação às pesquisas
com delineamento de grupo são as pesquisas com delineamento de sujeito único. Nestas
investigações o comportamento do participante serve como seu próprio controle. Procura-se
demonstrar, numa mesma história de vida, o efeito de uma variável independente, ao longo
de diferentes condições às quais o mesmo indivíduo é submetido. Pode-se, por exemplo,
comparar a força de um problema comportamental apresentado na ausência e depois na
presença de uma intervenção. Costuma-se denominar de linha-de-base o período de coleta
de dados sobre a variável dependente, ou seja, do ou dos comportamentos-alvo da interven­
ção, antes desta intervenção ser introduzida, para permitir posterior comparação. Controles
experimentais precisam ser exercidos para aumentar a segurança do pesquisador de que
os resultados obtidos se deveram à intervenção e não a outros fatores não controlados.
Descrições dos delineamentos experimentais utilizados com sujeitos únicos (como a rever­
são, a linha-de-base múltipla, o delineamento de multielementos) podem ser encontrados

346 Sonid Bcdtrl/ Mcycr


por exemplo em Barlow e Hersen (1984), Barlow, Hayes e Nelson (1986), Hayes (1986),
Johnston e Pennypacker (1993), Kazdin (1982 e 1998), Silvares e Banaco (2000).
Um dos motivos para se escolher delineamento de sujeito único é o de que este está
de acordo com o objetivo da ciência do comportamento de prever e controlar o comportamento
do organismo individual. Esta forma de pesquisa permite o entendimento de padrões individu­
ais de melhora de cada cliente. O processo de mudança terapêutica pode ser estudado.
Este delineamento se aproxima da prática clinica, permitindo estudar comporta­
mentos e variáveis múltiplas, que é a situação que geralmente se apresenta para o
clínico. Este tipo de pesquisa nâo requer uma grande infra-estrutura, como a que ó
necessária aos estudos com delineamento de grupo, tornado-os mais viáveis aos pes­
quisadores não engajados em centros de pesquisa. Por serem similares à prática dos
terapeutas, ajudam na generalização a outros casos, senão dos resultados, pelo menos
dos procedimentos adotados.
Mas, existem alguns problemas relacionados à sua utilização. Eles requerem
replicações para garantir generalização para outros clientes. Nenhum caso único é um
“experimento crítico”. Além disso, ó difícil e trabalhosa a coleta de medidas repetidas que
ó característica essencial dos experimentos com sujeito único.
O requisito de coleta de linha-de-base, freqüente nos delineamentos de sujeito
único, tem seu emprego limitado às variáveis que não são influenciadas pela relação
terapêutica. A relação terapêutica costuma ser estabelecida desde os primeiros momen­
tos do processo terapêutico, e os efeitos de procedimentos específicos interagem com
ela. Assim, quando tal interação ocorre, não é possível obter uma linha-de-base, ou seja,
uma observação do probíema antes da intervenção.

2. Medidas

Com qualquer dos delineamentos de pesquisa quantitativa, requer-se medidas.


Pode-se usar instrumentos de mensuração como testes e inventários, especialmente nos
estudos com delineamento de grupo. As vantagens destes instrumentos incluem padroni­
zação na aplicação e avaliação assim como a existência de normas, o que permite com­
parar um resultado individual com a população. Outra vantagem é a de que quando os
mesmos instrumentos de mensuração são usados em diferentes estudos, há maior pos­
sibilidade de haver comparação entre estudos, propiciando, desta forma cumulatividade
de conhecimentos.
Em experimentação com sujeito único medidas repetidas e especificação de uma
intervenção são características essenciais. É necessário que sejam obt/das uma sórie de
medidas no mesmo indivíduo, no decorrer de um período de tempo. Os comportamentos
repetidamente medidos podem ser pensamentos, sentimentos, reações fisiológicas ou
movimentos motores (Barlow, Hayes & Nelson, 1986).
As medidas freqüentes permitem estimativas sobre o grau de variabilidade no
comportamento de interesse, seu nível de ocorrência e tendências aparentes. Essas es­
timativas são usadas para determinar o impacto do tratamento. Se apenas tomamos uma
medida antes do tratamento e outra depois, não sabemos se uma eventual melhora é

Sobrr Comportamento c Cognição 347


devida ao tratamento ou a uma variação no procedimento de medida, ou a outros fatores
estranhos (Barlow, Mayes & Nelson, 1986).
Para aumentar a probabilidade de desenvolvimento de pesquisas clínicas por amplo
número de terapeutas, faz-se necessário desenvolver formas de mensuraçâo que facilitem
esta empreitada. Testes e inventários podem sobrecarregar o cliente ou serem influencia­
das pela prática. Além disso, clínicos freqüentemente reagem a elas por consumirem
muito tempo. E tem sido difícil encontrar medidas de variáveis dependentes e independen­
tes que sejam significativas, pouco reativas e que interfiram pouco na relação terapêutica,
e que, ainda, não sejam excessivamente trabalhosas de serem coletadas, como é o caso
de transcrições literais de cada sessão de atendimento.
Medidas são importantes para perceber ocorrência de mudanças no processo
terapêutico. Mas psicólogos clínicos não costumam aplicar instrumentos de medida em sua
prática cotidiana. Mas será que se pode afirmar que eles não têm maneiras de perceber
progressos em seu trabalho? Na realidade bons clínicos sabem discernir indicadores sutis de
progresso do cliente e sabem como eliciar essas dicas. Pode-se dizer que ao fazer esse tipo
de avaliação intuitiva, o terapeuta está em contato com variáveis relevantes para o trabalho
clínico. Mas intuição nem sempre corresponde ao que está ocorrendo. A capacidade se auto-
enganar do terapeuta pode levá-lo a achar que seu cliente está melhorando quando não está.
Um caminho promissor parece ser o da combinação da objetividade dos instrumen­
tos de medida com a subjetividade das avaliações informais dos terapeutas. A maneira de
se fazer isso seria a sistematização dessas medidas informais que bons clínicos utilizam.
Uma das características das avaliações informais ó que elas fazem contato com
múltiplos comportamentos dos clientes, sob diferentes condições. Comportamentos múl­
tiplos também têm sido enfatizados na pesquisa clínica já que a maioria dos clientes
apresentam múltiplos problemas, encadeados e relacionados (Sturmey, 1996), mas aná­
lise sistemática de relações entre respostas não tem sido prática amplamente usada.
Medidas múltiplas podem ser facilitadas pelo uso da gravação em áudio ou vídeo
das sessões de terapia, já que uma fita pode ser revista tantas vezes quanto necessário
para observar diferentes aspectos.
A gravação também ó útil para lidar com a seguinte situação: ó prática usual, ao
se desenvolver pesquisas, que se selecione antecipadamente os comportamentos que
vão ser registrados para comprovar o efeito da intervenção estudada. Mas, não raro, o
efeito observado é outro que aquele previsto. Se, no decorrer da terapia, surge um resultado
não antecipado e sobre o qual não foram feitos registros, fitas podem ser revistas para
obtenção dos dados sobre um novo comportamento desde o início do processo.
A gravação contribui também para evitar que o pesquisador se engane quanto á
avaliação dos resultados obtidos, e para identificar possíveis falhas. Facilita o acesso a outros
observadores que podem confrontar suas avaliações, verificando grau de concordância.

3. Proposta metodológica

Foi iniciada uma metodologia de pesquisa clínica já utilizada em dois estudos.


Para isso cada pesquisador-terapeuta desenvolveu categorias para a coleta e análise

348 Sonld Bcatrl/ M eycr


dos dados. As categorias foram individualizadas, isto é, definidas durante o tratamento
baseando-se na percepção do terapeuta sobre aquilo que era relevante para cada cliente
dentro de seus objetivos propostos na terapia. Este método permitiu a análise de rela­
ção entre respostas. Pode ser classificada como pesquisa de processo, dado que, por
implicar em medidas repetidas, foi possível acompanhar o processo de mudança, tes­
tando seu possível uso em um delineamento experimental de sujeito único. A identifica­
ção das categorias de análise pôde ser feita diretamente pela observação das fitas de
video sem necessidade da trabalhosa transcrição prévia das sessões, e, ainda assim ao
tornar explícitos os critérios usados permitiu teste de fidedignidade e possível replicação
do procedimento de medida.
O primeiro estudo (Barbosa, 2001) procurou verificar se redução de peso de dois
adolescentes obesos poderia ser obtida por uma terapia que não focalizasse os compor­
tamentos de comer e exercitar-se, mas outros comportamentos considerados problemá­
ticos e na competência social. Foi possível constatar a existência de grupos de respostas
que covariavam (relação entre respostas),e houve relação entre diminuição de peso e
comportamentos não relacionados com dieta.
Neste primeiro estudo foi registrada a ocorrência ou não ocorrência das categori­
as elaboradas e definidas pela pesquisadora. Onze categorias foram consideradas inde­
sejáveis e 15 desejáveis, os nomes e as definições de algumas foram: Indesejáveis:
Ansiedade: Sudorese, estalar de dedos, movimentação, e/ou gesticulação repetida de
partes do corpo durante a sessão; Dependência da mãe: Relato de fatos indicativos de
dependência, tais como busca de auxilio em tarefas cotidianas, atenção e companhia
freqüente da mãe. Algumas das categorias consideradas desejáveis foram: Espontanei­
dade no relato: Relato de eventos de forma fluente; Aproximação de colegas: Relato de
interação com pares; Atividade física; Análise do próprio comportamento.
Esta forma de mensuração não foi sofisticada, pois não levou em conta freqüência
ou outras dimensões da resposta.
O processo da terapia pode ser observado na Figura 1 que apresenta os resulta­
dos obtidos com um dos adolescentes obesos.

Figura 1. Totais das categorias desejáveis, indesejáveis e peso por sessão do cliente 2 do
primeiro estudo.

Sobrr Comportamento f Cognição 349


Nesta figura em uma das curvas ó possível observar o número de categorias
consideradas desejáveis que ocorreram em cada sessão, em outra curva o número de
ocorrências das categorias consideradas indesejáveis, e na terceira curva a evolução do
peso do adolescente durante as 17 sessões da terapia.
O segundo estudo já foi mais sofisticado, usando um sistema de pontuação.
Neste segundo estudo (Yano, 2002), foi desenvolvido um instrumento baseado na observa­
ção clínica do terapeuta, explicitando os critérios utilizados, aplicado de forma contínua,
para poder analisar tendências dos comportamentos. Foram coletadas medidas, princi­
palmente de relatos do cliente, sessão por sessão.
Primeiramente, todas as sessões foram gravadas e vídeo e transcritas de forma
não literal, Em seguida, os conteúdos foram agrupados por temas gerais e específicos.
Posteriormente, foram construídas categorias individualizadas para cada participante. No
decorrer da análise, foi observado que muitas das categorias formuladas eram semelhan­
tes entre os participantes, e então foram construídas categorias gerais e individualizadas.
Em cada categoria foi criado um sistema de pontuação, variando de zero a três
pontos, pior avaliação à melhor avaliação, respectivamente. Esse sistema de pontuação
teve por objetivo permitir comparações entre categorias e participantes. Para exemplificar,
os critérios de pontuação de uma das categorias foi:

Ataques de pânico
0. Vários: apresentou vários ataques na semana (critérios estabelecidos no DSM-IV)
1. Poucos: teve um ou dois ataques na semana
2. Só sintomas: não chegou a ter crises, mas apresentou menos que quatro dos 13
sintomas que fazem parte das características diagnósticas do ataque de pânico, de
acordo com o DSM-IV (ex. falta de ar, formigamento, tremor)
3. Nenhum: não teve nem crise e nem sintomas.

O objetivo da pesquisa foi o de comparar uma forma de tratamento padronizada


com um tratamento individualizado para nove indivíduos diagnosticados com transtorno do
pânico. O tratamento padronizado, usado com quatro participantes, constou de 12 ses­
sões de terapia comportamental cognitiva onde foram enfocados os procedimentos de
exposição ao estímulo temido, relaxamento progressivo, treino respiratório e reestruturação
cognitiva. O tratamento individualizado constou de no máximo 36 sessões com uso dos
mesmos procedimentos que os do outro grupo, acrescidos de trabalho com classes mais
amplas de respostas que abarcam a do diagnóstico, fortalecimento de comportamentos
alternativos e desenvolvimento de outros comportamentos, mais adaptativos, não enfocando
somente os relacionados ao transtorno do pânico ou depressão e, sim, os que estivessem
relacionados às outras áreas citadas pelos participantes e, por fim, o ensino ao cliente a
analisar os próprios comportamentos.
A titulo de exemplo são apresentados os resultados obtidos em duas das catego­
rias de um dos participantes da terapia padronizada (Figura 2), e das mesmas categorias
de um dos participantes da terapia individualizada (Figura 3).

350 Sonia Beatriz M eyer


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•. -O' • ■ Ataque» de pinico


— ■— Relacionamento com namorado

Figura 2. Exemplo dos resultados de duas das categorias de um dos participantes de


terapia padronizada do segundo estudo (Vano, 2002).

S2

A
S99ÊÕ 99

O • • Ataque« de pânico
- • — Relacionamento com mando

Figura 3. Exemplo dos resultados de duas das categorias de um dos participantes de


terapia individualizada do segundo estudo (Yano, 2002).

A escolha das categorias e dos participantes foi aleatória, o objetivo da apresen­


tação dos gráficos foi o de ilustrar a possibilidade de representação dos dados com a
metodologia de coleta de dados adotada.
O mótod© usado envolveu o desenvolvimento de categorias baseadas na observa­
ção clínica do terapeuta, com definições que permitissem juizes calcular o grau de con­
cordância na categorização, o que é um requisito para replicabilidade. Foi aplicado de
forma contínua, em todas as sessões - requisito para estudar o processo de mudança,
para poder analisar tendências dos comportamentos e para permitir um eventual delinea­
mento de pesquisa de sujeito único. Este método pareceu ser bastante promissor.

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Sobrr Comportamento e Cognição 351


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352 Sonta Beatriz M eyer


Capítulo 39
A ética em pesquisa com seres humanos:
Dos docum entos aos com portam entos

Antonio Bento Alves de Moraes'


Qustavo Satto/o R olinf

A discussão sobre ótica em pesquisa com seres humanos tem se difundido na


academia e nas reuniões científicas que agrupam clínicos e pesquisadores. A incorpora­
ção dos referenciais básicos de não-maleficôncia, beneficência, autonomia, justiça, equi­
dade, sigilo e privacidade á pratica clinica e à pesquisa, tem gerado reflexões e conflitos
sobre as distinções entre como proceder eticamente e respeitar as normas advindas da
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Neste texto, pretendemos abordar a
ótica em pesquisa com seres humanos analisando alguns aspectos dos documentos e
declarações de natureza ótica (documentos oficiais existentes), e em seguida os compor­
tamentos mais ou menos típicos dos pesquisadores, quando se confrontam com a nor­
mas orientadoras da pesquisa, assim como as normas dos Comitês de Ética que são
responsáveis pela análise dos protocolos de pesquisa e emissão de pareceres.
Selecionamos alguns documentos, levando em conta a sua relevância na construção do
conhecimento sobre ética em pesquisa. Iniciaremos a análise destes documentos e em
seguida abordaremos as questões sempre polêmicas dos comportamentos que tais do­
cumentos pratendem evocar, assim como aqueles padrões comportamentais
freqüentemente discrepantes.

Os Documentos

1. Juramento de Hipócrates

Hipócrates considerado o Pai da Medicina, nasceu na ilha de Cós, 460 anos a. C.


e pertence ao ramo Cós da família Esculápio por descendência masculina. O termo esculápio

' Danttota • PakxXogo. Doutor f n Ptloologl«, pm>m o r da Pitootoflto d« FäcukUriu d» Odontologia da Rradcaba-Unlcamp
’ Patoákjgo. PeequleedordoCwitrodePMquleeeAtendknenluOdonlolôglooperaPacMntw EapwJaia

Sobre Comportamento e Cognição 353


é igualmente empregado para designar os médicos em geral, na medida em que praticam
a arte de Esculápio, o deus da medicina na época clássica. O Juramento de Hipócrates é
considerado um dos primeiros documentos da ética módica; possui importante valor his­
tórico e representa a base do princípio moral da "não maleficéncia"; fundamento da ótica
em pesquisa com seres humanos. “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o
meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém”.

2. Código de Nuremberg

O Tribunal de Nuremberg, em 9 de dezembro de 1946, julgou 23 pessoas, vinte


das quais módicos, que foram consideradas como criminosos de guerra, devido aos bru­
tais experimentos realizados em seres humanos. O tribunal demorou oito meses para
julga-los. Em 19 de agosto de 1947, o próprio tribunal divulgou as sentenças, sendo que
sete de morte, e ao mesmo tempo um documento, que ficou conhecido como Código de
Nuremberg. Este código ó um marco na história da humanidade, pois pela primeira vez foi
estabelecida uma recomendação internacional sobre os aspectos óticos na pesquisa em
seres humanos: o consentimento voluntário.

"O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial.


Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser
legalmente capazes de dar consentimento: essas pessoas devem exercer o livre
direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, men­
tira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimen­
to suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão".

A exigência contemporânea de que aos voluntários seja solicitado seu con­


sentimento em participar de uma pesquisa a partir de um “Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido" está presente em todos os documentos de ótica nacionais (Reso­
lução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde) e internacionais (Belmont Report, 1978).
Esta prática reflete o princípio moral do “respeito" á pessoa humana. Isto ó, os partici­
pantes devem ser tratados como pessoas autônomas e as mais vulneráveis (por ida­
de, doença, situação social, status em relação ao pesquisador) devem ter seus direi­
tos protegidos.
O respeito pelas pessoas requer que os sujeitos, na medida de sua capacidade,
tenham a possibilidade de escolher o que acontecerá a eles. Esta possibilidade deve
ser oferecida por padrões adequados de consentimento informado. Embora não se ne­
gue a importância do consentimento informado, existem muitas controvérsias sobre a
natureza e as possibilidades de um consentimento realmente livre e esclarecido. Ape­
sar disso, existe uma aceitação generalizada de que o processo de consentimento deve
conter três elementos: informação, compreensão e vontade própria. Um acordo para
participar de uma pesquisa será válido somente quando o consentimento ó voluntaria­
mente dado. Isto requer que o indivíduo não seja coagido ou sofra influências indevidas
(Belmont Report, 1978).

354 Antonio Bento Alves de Moraes e QusLivo Sattolo Rollm


3. Declaração de Helsinque da Associação Módica Mundial

A Declaração de Helsinque estabelece “Princípios Éticos para Pesquisa Clínica


Envolvendo Seres Humanos", foi elaborada na 18aAssembléia Módica Mundial realizada
em Helsinque (Finlândia) em 1964 e posteriormente revista na 29* Assembléia Módica
Mundial (Tóquio, Japão,1975); na 35aAssembléia Médica Mundial (Veneza,Itália,1983),
na 41aAssembléia Médica Mundial (Hong-Kong,1989); na 48aAssembléia Módica Mun­
dial (Somerset, África do Sul. 1996) e finalmente na 52aAssembléia Módica Mundial (Edim­
burgo, Escócia, 2000). Pelo fato de sua primeira formulação ter sido realizada em Helsin­
que, sua denominação permanece como Declaração de Helsinque, mesmo após suces­
sivas revisões.
A Associação Médica Mundial estabelece que a Pesquisa Clínica deve restringir-
se a padrões óticos que promovam o respeito por todos os seres humanos e protegem
sua saúde e direitos. Além disso, reconhece que algumas populações são vulneráveis e
necessitam de proteção especial. Da mesma maneira, as necessidades dos desavantajados
economicamente e clinicamente devem ser reconhecidas. “Ê dever do módico, na pesqui­
sa clínica, protegera vida, saúde, privacidade e dignidade do ser humano".

"Em qualquer pesquisa envolvendo seres humanos, cada paciente em


potencial deve estar adequadamente informado quanto aos objetivos, métodos,
fontes de financiamento, quaisquer possíveis conflitos de interesse, afiliações
institucionais do pesquisador, os benefícios antecipados e riscos em potencial do
estudo e qualquer desconforto que possa estar vinculado. O sujeito devera ser
informado da liberdade de se abster de participar do estudo ou de retirar seu
consentimento em qualquer momento sem retaliação ..."

4. Relatório de Belmont

Em 12 de julho de 1974, o Departamento de Saúde, Educação e Bem Estar dos


Estados Unidos criou a Comissão Nacional para a Proteção dos Sujeitos Humanos em
Pesquisas Biomódicas e Comportamentais e em 1978 foi publicado o "Belmont Report'.

4.1 Princípios Éticos Básicos

a) Respeitos ás pessoas: O respeito às pessoas incorpora pelo menos dois aspectos


óticos: primeiro a convicção de que os indivíduos devem ser tratados como agentes
autônomos, em segundo lugar reconhecer que os indivíduos com autonomia diminuída
devem ser protegidos. Portanto o princípio de respeito às pessoas divide-se em duas
exigências morais distintas: a exigência de reconhecimento à autonomia e a exigência de
proteção àqueles que não a tem. Manifestar falta de respeito a um indivíduo autônomo ó
repudiar suas avaliações e julgamentos, negar ao indivíduo a liberdade de agir de acordo
com suas próprias convicções ou julgamentos, ou ainda não oferecer as informações
necessárias para a tomada de decisão, quando não existem razões para isso. Na maioria
dos casos de pesquisa envolvendo seres humanos, o respeito às pessoas exige que os
sujeitos entrem voluntariamente em uma pesquisa possuidores da informação adequada.

Sobre Comportamento e CojjnlçJo 355


b) Beneficência: As pessoas são cuidadas de maneira ótica, não somente respeitando
suas decisões e protegendo-as do dano, mas também realizando esforços para assegu­
rar seu bem estar. O termo beneficência não deve ser entendido com atos de bondade
ou caridade. Para este documento, a beneficência, em seu sentido mais forte, refere-se
a uma obrigação. Duas regras gerais tem sido formuladas como expressões comple­
mentares de ações beneficentes: 1) Não causar danos ou prejuízos, e 2) Maximizar os
possíveis benefícios. Há muitos anos a máxima hipocratica “não produza danos" tem
sido um princípio fundamental da ética médica. Claude Bernard estendeu este princípio
ao domínio da pesquisa, afirmando que um indivíduo não deve causar dano a outra pes­
soa independentemente dos benefícios que possam ser gerados a outros. Todavia, a
ação de evitar danos exige que aprendamos o que é danoso; e no processo de obter esta
informação, as pessoas podem ser expostas ao risco do dano. Mais do que isso, o
Juramento de Hipócrates estabelece que os médicos devem beneficiar seus pacientes
“...de acordo com seu melhor julgamento”. Aprender o que de fato produz benefíci­
os pode requerer que as pessoas sejam expostas a risco. A questão que aí se coloca é
decidir quando é justificável buscar benefícios apesar dos riscos envolvidos e quando se
deve renunciar os benefícios por causa dos riscos.

c) Justiça: Uma injustiça ocorre quando se nega um benefício que a pessoa tem direito
de receber sem uma boa razão ou quando algum encargo é imposto de forma indevida.
Outra forma de colocar esta questão é quem deve receber os benefícios de uma pes­
quisa e quem deverá contribuir para a realização da pesquisa? As questões de justiça
tem sido associadas a práticas sociais como punição, impostos e representação
social. Até bem recentemente estas questões não eram associadas à investigação
científica. Elas foram pouco consideradas mesmo nas primeiras reflexões sobre ética
em pesquisa envolvendo seres humanos. Por exemplo, durante os séculos 19 e 20 a
participação de indivíduos como sujeitos de pesquisa recaiam amplamente sobre
pacientes pobres, enquanto os benefícios da melhoria dos serviços módicos era rece­
bida por pacientes de clínicas particulares. Ao mesmo tempo, a exploração de prisio­
neiros como sujeitos de pesquisa nos campos de concentração nazistas foi condena­
da como uma flagrante injustiça. Mais recentemente nos EEUU o estudo Tukesgee
(1932) sobre a sífilis utilizou pessoas negras e pobres da zona rural para estudar o
processo da doença sem tratamento.

Em 1932, alguns pesquisadores aventaram a hipótese de que, em indivíduos de


raça negra, a sífilis era acompanhada de complicações cardiovasculares enquanto que
alterações neurológicas eram observadas em pessoas de raça branca. Entretanto, um
trabalho realizado na Noruega, onde não existiam negros, mostrava que a sífilis resultava
em seqüelas tanto cardiovasculares como neurológicas. Devido a este achado conflitante,
com o apoio do Departamento de Saúde, entidades norte-americanas, abriram um ambu­
latório para um "suposto” tratamento de sífilis, numa pequena cidade do estado de Alabama,
onde havia uma grande população negra e pobre. Aos indivíduos portadores de sífilis (400
negros), de fato, eram administrados somente placebos, enquanto íhes eram oferecidos
gratuitamente exames de sangue e... funerais. O estudo prolongou-se até 1972 com o
sacrifício injustificado daquelas pessoas, uma vez que a penicilina já fazia parte do arse­
nal terapêutico conhecido.

356 Antonio Brnto Alves de Mordet e Qustavo Sattolo Rol im


4.2 Aplicações

As aplicações dos princípios gerais para se conduzir uma pesquisa requer neces­
sariamente a consideração das seguintes exigências: consentimento informado, avaliação
dos riscos e benefícios e seleção dos sujeitos da pesquisa. (Belmont Report, 1978).

a) Consentimento Informado. O respeito as pessoas requer que os voluntários tenham


a oportunidade de decidir o que acontecerá a eles. Reconhece-se ao paciente a compe­
tência para decidir juntamente com o médico sobre o diagnóstico e alternativas terapêu­
ticas bem como a análise de custos e benefícios. Esta oportunidade é oferecida quando
os procedimentos adequados de consentimento esclarecido são formulados;

b) Avaliação de riscos e benefícios. A avaliação de riscos e benefícios requer um


cuidadoso levantamento dos dados relevantes, incluindo, em alguns casos, formas
alternativas para alcançar os benefícios que a pesquisa pretende. Assim, a avaliação
oferece tanto a oportunidade como a possibilidade de coletar informações amplas e
sistemáticas sobre a pesquisa proposta. Para um comitê de ótica, é um método para
determinar se os riscos apresentados aos sujeitos são justificáveis.

c) Seleção dos sujeitos. Da mesma maneira que o princípio de respeito as pessoas


expressa-se na exigência do consentimento, o principio da beneficência expressa-se
na avaliação de riscos e benefícios. Além disto, o principio de justiça requer que os
procedimentos de seleção dos sujeitos respeitem critérios de justiça.

5. Código de Ética Profissional dos Psicólogos

O Conselho Federal de Psicologia é uma autarquia federal legal, que tem o objetivo
de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de psicólogo em todo o Territó­
rio Nacional. Estas funções estão definidas no Código de Ética Profissional dos Psicólo­
gos (Resolução CPF n° 2 002/87 de 15 de Agosto de 1987). No que diz respeito à atividade
científica, este Código apresenta as seguintes diretrizes:

"Das Comunicações Científicas e da Divulgação ao Público”


“Artigo 30- Ao psicólogo, na realização de seus estudos e pesquisas, bem como
no ensino e treinamento, é vedado:
a) Desrespeitar a dignidade e a liberdade de pessoas ou grupos envolvidos em
seus trabalhos;
b) Promover atividades que envolvam qualquer espécie de risco ou prejuízo à
seres humanos ou sofrimentos desnecessários à animais;
c) Subordinar investigações a sectarismos que viciem o curso da pesquisa ou
seus resultados;

Sobre Comportamento e Cojjniçào 357


d) Conduzir pesquisas que interfiram na vida dos sujeitos, sem que estes tenham
dado seu livre consentimento para delas participar e sem que tenham sido infor­
mados de possíveis riscos a elas inerentes.
Parágrafo Único - Fica resguardado às pessoas envolvidas o direito de ter aces­
so aos resultados das pesquisas ou estudos, apôs seu encerramento, sempre
que assim desejarem.n

A tentativa de cumprir o disposto na letra Md" levaria, necessariamente, a uma viola­


ção do disposto na letra “b". Como não é possível estabelecer, a priori, que uma pesquisa
psicológica seja totalmente isenta de qualquer risco ou prejuízo, estabelece-se uma proibi­
ção que, se levada a sério, inviabilizaria toda a pesquisa psicológica no país (Hutz, 1999).

6. RESOLUÇÃO N° 196, DE 10 DE OUTUBRO DE 1996

No Brasil, em 1988, o Conselho Nacional de Saúde, órgão ligado ao Ministério da


Saúde, edita a Resolução 01/88 com diretrizes para pesquisas em saúde. Em outubro de
1996, este órgão, composto por representação governamental, dos prestadores dos servi­
ços de saúde, da comunidade científica, dos trabalhadores do setor de saúde e de repre­
sentantes do sistema público de saúde, emitiu a Resolução 196/96, sobre pesquisas
envolvendo seres humanos, após revisão da resolução anterior. Um dos méritos desta
Resolução é que suas diretrizes não se restringem ao campo biológico, mas orienta as
pesquisas em todos os campos do conhecimento científico. Assim o campo de aplicação
desta Resolução extrapola o das pesquisas farmacológicas ou medico-biológicas e abrange
todos os campos científicos que envolvem seres humanos - pesquisas ambientais,
nutricionais, terapêuticas, sociológicas, psicológicas, educacionais, económicas etc. A
abrangência da Resolução contempla toda pesquisa que envolva o ser humano, direta ou
indiretamente, no todo ou em parte, individual ou coletivamente, incluindo o manejo das
informações ou materiais biológicos (Fortes, P. Massarollo, M C. Zoboli, E. L. 1998). O
projeto de pesquisa deve ser elaborado sob a forma de um protocolo e submetido a apre­
ciação de um comitê de ótica em pesquisa (CEP) existente nos estabelecimentos de
saúde onde a pesquisa for realizada e/ou nas instituições científicas ou de ensino a que
estejam vinculado&os pesquisadores.
A organização e criação do CEP é de competência da instituição, respeitando-se
as normas da Resolução 196/96. A implantação de um Comitê de Ética deverá respeitar
algumas condições, a saber:

1. As instituições nas quais se realizam pesquisas envolvendo seres humanos deverão


constituir um ou mais Comitês de Ética em Pesquisa, conforme suas necessidades.
Na impossibilidade de se constituir CEP, a instituição ou o pesquisador responsável
deverá submeter o projeto à apreciação do CEP de outra instituição preferencialmente
dentre os indicados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS).

358 Antonio Bento Alves de Moraes e Qustdvo Sdttolo Rollm


2. O CEP deverá ser constituído por colegiado com número não inferior a 7 (sete) mem­
bros. Sua constituição deverá incluir a participação de profissionais da área de saúde,
das ciências exatas, sociais e humanas, incluindo, por exemplo, juristas, teólogos,
sociólogos, filósofos, bioeticistas e pelo menos um membro da sociedade represen­
tando os usuários da instituição. Poderá variar na sua composição, dependendo das
especificidades da instituição e das linhas de pesquisa a serem analisadas.
3. O CEP terá sempre caráter multi e transdisciplinar, não devendo haver mais que meta­
de de seus membros pertencentes à mesma categoria profissional, participando pes­
soas dos dois sexos. Poderá ainda contar com consultores M ad hoc", pessoas perten­
centes ou não à instituição com a finalidade de fornecer subsídios tócnicos.

A Resolução 196/96 fundamenta-se nos principais documentos internacionais


que emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos a
saber: o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a
Declaração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o
Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congres­
so Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para
pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as
Diretrizes internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemioíógicos (CíOMS, 1991).
As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências óticas e
científicas fundamentais.
a) Consentimento livre esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulneráveis e
aos legalmente incapazes (autonomia). Assim, a pesquisa envolvendo seres humanos
deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em sua autonomia e defendê-
los em sua vulnerabilidade;
b) ponderação entre riscos e benefícios tanto atuais como potenciais, individuais ou
coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo
de danos e riscos;
c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (nâo maleficência)’,
d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para o sujeitos da pesquisa
e minimizaçãç do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual considera­
ção dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio -
humanitária (justiça e equidade).

O Conselho Nacional de Saúde elaborou também quatro resoluções para áreas


temáticas especiais que são consideradas complementares da Resolução 196/96 (Con­
selho Nacional de Saúde - Normas para pesquisa envolvendo seres humanos, 2000).
Resolução 251/1997 - ética em pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas
e testes diagnósticos;
Resolução 292/1999 - ética em pesquisas coordenadas do exterior ou pesquisas com
participação estrangeira;

Sobre Comportdmrnto e Cognição 359


Resolução 303/2000-Área temática especial "reprodução humana";
Resolução 304/2000 - Área temática especial "populações indígenas".

Algumas considerações

Todos os documentos aqui sumariamente apresentados formulam diretrizes bá­


sicas para a ética em pesquisa com seres humanos e mostram-se coerentes uns com
outros ao destacarem valores como autonomia, beneficência, não maleficôncia, justiça
e equidade. Tais documentos tem sido amplamente divulgados à comunidade científica
e constituem um importante quadro de referência para a discussão ótica na pesquisa
com seres humanos. No entanto, o cumprimento de suas orientações tem, por um lado,
produzido um grande avanço na discussão sobre ética em pesquisa com seres huma­
nos, por outro, parece esbarrar em inúmeros problemas que ocorrem em vários níveis.
Abordarei estes obstáculos a partir de um termo bem amplo que chamarei de comporta­
mentos óticos.

Os comportamentos óticos

Atualmente, existem no Brasil 370 Comitês de Ética, sendo que 135 encontram-
se no Estado de São Paulo. Considerando que cada CEP deve ser composto de no
mínimo 7 membros e que estes reúnem-se pelo menos uma vez por mês, pode-se supor
que a cada mês 2590 profissionais e pesquisadores discutem ótica em pesquisa com
seres humanos no país. Além disso, muitos comitês organizam seminários para divulgação
de informação de natureza ótica e/ou treinamento de seus membros. Temas de natureza
ética tem sido abordados em Reuniões Científicas de inúmeras áreas do conhecimento
cientifico. A CONEP publica regularmente "Cadernos de Ética em Pesquisa" e os envia
gratuitamente a todos os Comitês de Ética do Brasil e às bibliotecas das Instituições de
pesquisa. Em agosto de 2000 a CONEP realizou em Brasília o I Encontro Nacional de
CEP's. A discussão sobre ética em pesquisa se amplia gradualmente no Brasil.
Ao final deste ano, no período de 30 de outubro à 3 de novembro de 2002 o Brasil
sediou em Brasília o 6 ' Congresso Mundial de Bioótica. Temas variados como: reprodu­
ção humana, genômica e o valor da vida humana, bioótica, vulnerabilidade e proteção dos
voluntários, poder e injustiça na pesquisa com seres humanos, morte assistida, conflitos
de interesse na atividade de pesquisa, clonagem, pluralismo mundial e fundamentos reli­
giosos, transplante de órgãos, etc, deverão ser amplamente discutidos por participantes
de diversas partes do mundo. Ató o ponto em que foi possível compreender o programa do
Congresso divulgado pela Internet, não se verifica uma participação significativa da Psico­
logia. Todos os temas, sem exceção, envolvem comportamentos humanos e parece que
os psicólogos estão fora dessa discussão. É essencial entender porque isso está ocor­
rendo em um país que apresenta uma significativa produção de conhecimento psicológico
e um grande número de psicólogos atuando em áreas de saúde.
Além disso, pesquisadores brasileiros planejam, executam e, as vezes publicam
seus trabalhos sem se preocuparem com os aspectos éticos desta atividade. As agênci­
as de fomento (com exceção da FAPESP), departamentos universitários e editores de

360 Antonlo Bento A lvc* de Morde* e Cyusttivo Sattolo Rolim


periódicos científicos também não parecem ter preocupações éticas com a pesquisa que
financiam, autorizam ou publicam (Hutz.1999).
Em um outro nível, fora do contexto das instituições de ensino e pesquisa em Psico­
logia, algumas ocorrências, mais ou menos freqüentes, ainda dificultam o funcionamento
regular de um Comitê de Ética assim como a emergência de comportamentos éticos.
1. Muitos pesquisadores ainda desenvolvem seus projetos de pesquisa sem a avaliação
prévia de um CEP;
2. Os pesquisadores demonstram ainda uma certa dificuldade para compreender um
parecer ótico sobre seu projeto de pesquisa;
3. Os relatores, membros do Comitê de Ética, precisam de treinamento para emitirem
pareceres objetivos e coerentes com a Resolução 196/96.
4. Os membros externos do Comitê de Ética freqüentemente não tem familiaridade com
a área e a metodologia de pesquisa dos projetos que recebem para analisar e emitir
parecer.
5. As reuniões do Comitê de Ética são longas e conflituosas. Assim diversos membros
não comparecem regularmente as reuniões, o quorum regimental não é atingido e a
reunião precisa ser cancelada atrasando a rotina de trabalho do Comitê e prejudicando
o pesquisador cujo projeto está em tramitação.
6. CEP sofre pressões continuas dos pesquisadores e eventualmente de instâncias ad­
ministrativas superiores da instituição.
7. CEP, em geral, não tem apoio regular da Coordenadorias de Pós-graduação.
8. CEP ainda é considerado como um obstáculo ou entrave para a realização da pesqui­
sa cientifica.
9. Os Comitês de Ética sâo entidades novas que ainda não foram totalmente assimiladas
pela cultura universitária brasileira;

Referências
Teixeira, A. M. S. (1999). Ética profissional: fatos e possibilidades. Revista Brasileira de Terapia
Comportamentahe Cognitiva, 1( 1), Ano I. Associação brasileira de psicoterapia e medicina
comportamental.

Guilhardi, H. J. (1995). Aspectos Éticos e Técnicos da Prática Psicoterápica. Mesa redonda do


evento Psicologia Clinica em Debate, CRP 06.

Fortes, P., Massarolfo, M. C., Zoboli, E. L. (1998, June). As experimentações com seres huma­
nos e a Universidade. Jornal da Universidade de São Paulo.

Juramento de Hipócrates. Site módico. Disponível em <www.sitemedico.com.br/medico/jura-


mento/htm>. Acesso em 03/08/2002.
Conselho Federal de Psicologia. (1997). Código de ética profissional dos psicólogos. Disponí­
vel em: <www.pol.org.br/codetica.html> Acesso em: 29/03/2000.

Sobre Comportamento e Couniçáo 361


Hutz, C. Problemas Éticos na Produção do Conhecimento. Instituto de Psicologia da Universi­
dade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.ufba.br/~conpsi/conpsi1999/
G017.html> Acesso em: 11/09/2002.

National Instltutes of Health. (2000). The Belmont Report. Disponível em:


<//ohrp.osophs.dhhs.gov/humansubjects/guidance/belmont.htm> Acesso em: 01/08/2002.

Tribunal Internacional de Nuremberg. (1947). Códiao Internacional de Nuremberq. Disponível


em <www.ufrgs.br/HCPA/gppg/nuremcod.htm>. Acesso em: 07/09/2002.

362 Antonio Bento A lve* dc Moraes e Qustdvo Sdttolo Rolim


Capítulo 40
Concepções de terapeutas comportamentais
sobre o Behaviorísmo1
Kâlph Strât/

O behaviorismo radical e seu principal representante, B. F. Skinner, têm sofrido


diversas criticas no decorrer dos anos. Algumas delas apontadas e consideradas falsas
pelo próprio Skinner (1974), se referem ao behaviorismo como sendo simplista e
antidemocrático, ignorando a consciência, os sentimentos, a criatividade, a arte e a rique­
za humana.
Alguns autores, nas décadas de 70 e 80, passaram a investigar as variáveis envol­
vidas nas criticas aos conceitos skinnerianos. Nye (1979) e Silva (1987) apontaram para a
visâo behaviorista de determinação do ser humano confrontando-se com a visão tradicio­
nalmente aceita de liberdade e livre-arbltrio. O conteúdo precário do material didático utili­
zado nas universidades e interpretações simplistas sobre o behaviorismo feitas por profes­
sores de Psicologia foram fatores identificados por Todd e Morris (1983). Já Luna (1979)
destacou a atuação inadequada dos próprios analistas do comportamento decorrente de
uma má análise e artificialidade dos procedimentos utilizados, contribuindo para a manu­
tenção de preconceitos.
Vários estudos identificaram em diversas populações a visão acerca do behaviorismo
e da análise do comportamento. Já foram analisadas as concepções de behaviorismo em
alunos universitários (Turkat, Harris e Feuerstein, 1979) e de Psicologia (Otta et al., 1983;
Sá, 1984; Miraldo, 1985; De Bell e Harless, 1992; Lamal, 1995; Miguel e Nakamura, 1996;
Nakamura, 1997 e Cazarine, 1998), em professores universitários que não eram behavioristas
(Amador, 1998) e em psicólogos que deixaram de ser behavioristas (Rodrigues, 2000). A
investigação e análise de concepções sobre o behaviorismo entre os próprios behavioristas
também é relevante, uma vez que estes profissionais podem estar perpetuando uma visão

' OtasertiK^k) da Montrwlo, Pontifícia UnlvereMade Cató*ca d« SAo Paulo, Programa d« tatudoa Pôa-Graduadoa am Patuulogta kxperimantal Anàllno do
^omportamanto, 2002
Psicólogo o mastro am Psicologia Experimental - PUC-SP

Sobre Comportamento c Cojiniçâo 363


inadequada com os princípios behavioristas. Dentre as diferentes áreas possiveis de atuação
do psicólogo behaviorista, a clínica apresenta uma quantidade considerável de profissio­
nais. Os terapeutas comportamentais podem ocupar uma posição de destaque, apare­
cendo no rádio, na TV e em revistas que tratam de problemas humanos, sendo solicitados
a fazer análises de situações diversas e propondo algum tipo de intervenção; vários estu­
dos de terapeutas comportamentais são publicados em diversas revistas cientificas. O
objetivo deste estudo é, exatamente, investigar como estes profissionais caracterizam o
behaviorismo, ou, em outras palavras, qual a visão que eles tôm sobre a concepção
behaviorista.

1. Método

Participaram deste estudo 87 psicólogos que atuam em consultórios ou em insti­


tuições (hospitais, centros de saúde, etc.). Alguns destes também são supervisores/
professores de terapia comportamental e/ou professores de Análise Experimental do Com­
portamento . Três critérios foram utilizados para a seleção dos participantes: 1) atuação
profissional na área clínica, 2) no Brasil e 3) auto-identificação como terapeutas
comportamentais na variante radical ou cognitivista.
O instrumento para a coleta de dados desta pesquisa foi um questionário conten­
do duas partes. A primeira era composta por 26 questões sobre a formação e atuação
profissional dos participantes. O objetivo desta parte do questionário era obter informa­
ções sobre o profissional e possibilitar a seleção dos participantes.
A segunda parte do questionário era formada por 31 questões sobre os conceitos
behavioristas radicais que foram abordados nos estudos apresentados anteriormente.
Destas questões, 30 eram fechadas e podiam ser respondidas com “verdadeiro" (V), “fal­
so" (F) ou "não sei" (NS). Uma questão era aberta e solicitava a opinião sobre um trecho de
texto de Skinner (1972) que se refere aos determinantes do comportamento.

Coleta de dados
O questionário foi aplicado de três formas: enviado por e-mail, pelo correio, ou
entregue pessoalmente. Junto com o questionário, foi anexada uma carta com os critérios
para a participaçãb e, no caso do envio por e-mail ou pelo correio, uma segunda carta
continha instruções específicas para preencher o questionário e retornar. Dos 278 questi­
onários enviados por e-mail, apenas 31 fizeram parte da amostra. Foram enviados pelo
correio 225 questionários e 155 entregues pessoalmente no X Encontro Brasileiro de
Psicoterapia e Medicina Comportamental, promovido pela ABPMC em 2001, em ambos
os casos um envelope selado acompanhava o questionário para o retorno. Destes 380,
somente 32 foram utilizados na pesquisa. Pessoalmente, foram aplicados mais 24 ques­
tionários. Do total de 658 questionários enviados ou entregues, 87 que retornaram se
adequaram aos critérios de participação na pesquisa.

1 D um ocrtraa paaquMNi »cíy» o maarno tama tonan daaanvnMdas. uma p o r GrfxM Tanagô Santo», oom auporvfaNxvWirufcMaorM d# tarapta oumportamaritaJ,
• outra por Marta TereeaNeveado«8«ntoe,comprofeeaonwideAEC.OmeemolnibumwitotolutllzadopaniealrAepwqulsae

364 Rdlph Stnlt/


Análise de dados

Após o recebimento dos questionários respondidos, eles foram misturados e nu­


merados a fim de manter o sigilo e não se identificar a pessoa que respondeu. Para a
tabulação das respostas, uma folha de códigos foi criada a fim de estabelecer números
correspondentes a cada resposta do questionário e assim montar uma planilha no progra­
ma SPSS for Windows. Este programa foi utilizado para medir frequências das respostas
e cruzar os dados.
Para analisar a questão aberta foram elaboradas categorias a partir das respostas
dos participantes. Eles tinham que escolher partes do texto de Skinner (1972) para justi­
ficar a concordância ou a discordância acerca da idéia central e explicar o porquê da
escolha. As categorias foram assim formuladas: 1) Nível filogenótico de determinação do
comportamento humano; 2) Nível ontogenótico de determinação do comportamento hu­
mano; 3) Dois níveis de determinação do comportamento humano: filogenótico e
ontogenótico; 4) Não indicaram os determinantes do comportamento humano; e 5) Não
responderam.

2. Resultados e discussão

Caracterização da população
Dos 87 terapeutas comportamentais que participaram deste estudo, 68 (78,2%)
concluíram a graduação na região sudeste do Brasil; 11 na região Sul; apenas 6 nas
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Ainda 2 participantes concluíram a graduação no
exterior, mas atuam profissionalmente no Brasil. A maioria dos participantes (93,1 %) fez
ou está fazendo pós-graduação, em maior concentração em cursos de mestrado e relaci­
onados á Análise do Comportamento. O conhecimento ou o contato com a abordagem
behaviorista também fica implícito em 87,3% dos participantes que são sócios da ABPMC,
em 56,3% que citaram Skinner como referência para analisar casos clínicos, e em 54%
que indicaram o behaviorismo radical como referencial teórico para orientação na prática
clínica. Em relação à atuação profissional, 66,6% dos participantes têm atividades docen­
tes além da clínica e 31 % são exclusivamente terapeutas.

Análise das concepções sobre o behaviorismo


As concepções dos terapeutas comportamentais sobre o behaviorismo foram
classificadas em: Consensuais (mais de 90% de respostas V ou F); Predominantes (entre
70% e 90% de respostas V ou F); Polêmicas (mais de 50% e menos de 70% de respostas
V ou F); Controversa (dividindo em 50% opiniões opostas) e indefinida (menos de 50% de
opiniões opostas, com mais de 20% de respostas NS). No Quadro 1, as concepções
estão distribuídas por tais categorias.

Sobre Comportamento e Cognição 365


Quadro 1. Distribuição das concepções pelas categorias.

Categorias Concepções
0 behaviorismo radical é influenciado por Skinner e se diferencia dos
behaviorismos de Watson, Hull e Tolman.
0 behaviorismo nâo predomina no Brasil.
Consensuais Os behavioristas:
• estudam eventos privados e tôm interesse por fenômenos que não são
diretamente observáveis;
• utilizam o método experimental para estudar comportamentos humanos
complexos;
• não tém concepção mecanicista de ser humano;
• podem utilizar dados obtidos em laboratório com animais infra-huma-
nos para compreender o comportamento humano;
• desenvolvem intervenções socialmente relevantes e não se restringem
a populações específicas;
• reconhecem a singularidade do indivíduo;
• defendem que a punição não seja utilizada.

Os behavioristas:
• explicam as realizações criativas e a linguagem;
Predominantes
• acreditam que o reforçamento positivo ó mais efetivo do que a punição;
• questionam o livre-arbltrio e afirmam que o ser humano nâo ó
autodeterminado;
• nâo utilizam necessariamente análises estatísticas rigorosas;
• defendem a construção de teorias e descartam a utilidade de constructos
hipotéticos para a Psicologia;
• acreditam que fatores genéticos desempenham um importante papel
no comportamento humano.
Os behavioristas:
Polêmica • acreditam que todo o comportamento pode ser explicado em termos de
respostas a estímulos ( 65,5% F X 26,4 V);
• acreditam que qualquer comportamento pode ser modelado. (62,1% V X
29,9% F).

Controversa Os behavioristas dão prioridade aos comportamentos que são observáveis


e mensuráveis. (48,3% V X 48,3% F; 3,4% NS).

Indefinida Õ behaviorismo ó a abordagem mais aceita entre os psicólogos nos Esta­


dos Unidos.
(32,2% V X 42,5% F; 25,3% NS).

Entre as concepções apresentadas, as consensuais e predominantes aparecem


em maior número, indicando uma convergência de opiniões entre os participantes em
relação aos temas abordados. A concepção relacionada à predominância do behaviorismo
nos Estados Unidos se mostrou indefinida por não haver uma freqüência claramente dife­
rente de respostas verdadeiras ou falsas, e uma quantidade considerável de participantes
que não souberam se posicionar.

366 Rdlph Strátz


Os aspectos polémicos e controverso retratam uma divergência de opiniões entre
os participantes em relação aos temas: a explicação de todo o comportamento por res­
postas a estímulos; a modelagem de qualquer comportamento; e a prioridade aos com­
portamentos observáveis e mensuráveis.

Análise da questão aberta: A Filogônese

Seguem abaixo o texto de Skinner e a questão aberta:

"Entre as condições que afetam o comportamento, os fatores hereditári­


os ocupam uma posição primária, pelo menos cronologicamente. Diferenças
entre membros de espécies diferentes são raramente, se é que o são, questiona­
das; mas diferenças entre membros da mesma espécie, possivelmente devidas
a fatores hereditários similares, estão tão intimamente atreladas a problemas
sociais e éticos que têm sido tema de debates aparentemente intermináveis. De
qualquer modo, o organismo recém concebido já começa a ser influenciado por
seu ambiente e quando entra em contato total com o mundo externo as forças
ambientais assumem um papel muito importante. Na medida em que o organis­
mo é considerado, as forças ambientais são as únicas condições que podem ser
mudadas. Entre elas estão os eventos que chamamos “estímulos", as diversas
trocas entre organismo e ambiente, como as que ocorrem na respiração e na
alimentação, os eventos que dão origem às mudanças no comportamento que
denominamos de emocionai e as coincidências entre estímulos ou entre estímu­
los e comportamento responsáveis pelas mudanças que chamamos de aprendi-
zagem. ” (Skinner, 1972, p.262)

Você concorda com a idéia do texto acima?


( ) Sim ( ) Não

Sublinhe ou indique as partes do texto que você considera importantes para justi­
ficar sua resposta acima.
Explique por que você selecionou essas partes do texto?

Concordaram com a idéia central do texto, 80,5% dos participantes. Destes,


27,6% destacaram o nlvel ontogenótico de determinação do comportamento em suas
respostas à questão aberta e 34,5% destacaram dois níveis de determinação: filogenético
e ontogenótico. Porém, um cruzamento das respostas à questão aberta com as respos­
tas à questão sobre a modelagem de qualquer comportamento foi feita, indicando uma
contradição daqueles que ressaltaram a importância do nível filogenético.

Sobrr C omportamento t Cognição 367


Tabela 1. Concepções dos participantes sobre a posição behaviorista referente à mo­
delagem de comportamentos, pelas categorias de respostas à questão aberta, em
porcentagem.
s— ConcspçAts Os behavioristas
Os behaviorista*
do* acreditam que nem Nâo
acreditam que Total
X .n artlclp an tes todos os sabem
qualquer
comportam ento com portam entos
Respostas
questão pode ser modelado podem ser
aberta \ modelados
Nlvel filogenético de 1.1 (1) 1,1 (1) 2,3 (2)
determinação do
comportamento
Nivel ontogenótico de 17,3 (15) 10,3 (9) 1.1 (1) 28,7 (25)
determinação do
comportamento
Dois níveis de 21,8 (19) 9,2 (8) 3.4 (3) 34,5 (30)
determinação:
filogenético e
ontogenético
Nâo indicaram os 15 (13) 9,2 (8) 1.1 (1) 25,3 (22)
determinantes
Não responderam 6,9 (6) 1,1 (1) 1.1 (1) 9,2 (8)
Total 62,1 (54) 29,9 (26) 8(7) 100 (87)

Podemos observar, na Tabela 1, que entre os 29,9% dos participantes que afirma­
ram que os behavioristas acreditam que nem todos comportamentos podem ser modela­
dos, 10,3% só destacaram a ontogônese na determinação do comportamento; entre os
62,1% dos participantes que têm a concepção de que os behavioristas acreditam que
qualquer comportamento pode ser modelado, 22,9% destacaram a importância de fatores
orgânicos, hereditários ou genéticos na determinação do comportamento, quando respon­
deram a questão aberta.
Estes dados indicam que o conceito de filogênese não está claro para 62,1%
dos terapeutas comportamentais que participaram deste estudo. A noção de que a
modelagem de comportamentos depende de fatores filogenéticos ó difícil de ser com­
preendida, mesmo entre aqueles que destacaram a importância da determinação
filogenética quando comentaram o trecho de Skinner (1972). Este "mito" de que qual­
quer comportamento pode ser modelado apareceu em alunos de todos os niveis acadê­
micos, pesquisados anteriormente por De Bell e Harless (1992), e apareceu também no
presente estudo em que foi observada a presença desta concepção em profissionais
que, em alguns casos, já terminaram o doutorado ou já têm mais de vinte anos de
experiência com o behaviorismo radical. É necessária a investigação, em estudos futu­
ros, das variáveis que incidem sobre esta concepção em psicólogos, uma vez que,
como observou Lamal, ela se mostra 7mune à mudança, mesmo depois do curso em
Análise do Comportamento” (Lamal 1995, p. 178).

368 Ralph Stràtz


Eventos Privados

Talvez a divergência de opiniões sobre a prioridade aos comportamentos observáveis


e mensuráveis esteja na forma como os participantes entendem a teoria behaviorista radi­
cal. Nesta, a relação entre organismo e ambiente é fundamental para a descrição de
qualquer comportamento.
Os participantes que têm a concepção de que os behavioristas não dão prioridade
aos comportamentos observáveis e mensuráveis, e estudam eventos privados, encon­
tram-se diante de um impasse metodológico. Os eventos privados, assim como os com­
portamentos públicos, desenvolvem-se diante das contingências ambientais. A introspecção
é uma forma de observar os eventos privados, porém a análise behaviorista vai recorrer ao
mesmo método (experimental) para estudar este observar introspectivamente que utiliza
para estudar outros comportamentos. O conhecimento introspectivo é produzido pelo
contato do indivíduo com a comunidade verbal em que está inserido e o que alguém pensa
ou sente é o resultado de sua história filogenética, de reforçamento e cultural. A formação
e manifestação de pensamentos e sentimentos são passíveis de observação pública,
portanto não são eventos exclusivamente privados.
Analisando as contingências vividas pelo indivíduo junto à sua comunidade verbal,
o behaviorismo coloca como possibilidade o estudo do comportamento verbal, incluindo o
pensar e o sentir. O comportamento verbal e as contingências ambientais podem ser
observados publicamente e são mensuráveis. Desta forma, o behaviorismo reconhece a
subjetividade como um produto social e estuda o processo que a constitui.

Referências
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sobre o behaviorismo radical. Relatório final de Pesquisa realizada no Programa de Iniciação
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Sobre Comportamento c Cognição 369


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sala de aula: Expectativas de estudantes de psicologia como determinantes nâo intencionais
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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370 Ralph Slrât/


Capítulo 41
Independência entre respostas e eventos
subseqüentes: efeitos no desempenho
individual
Vancssa D i Rienzo'

Para a Análise Experimental do Comportamento, o objeto de estudo é o compor­


tamento, ou seja, as interações do organismo com o ambiente no qual ele vive. O homem
modifica o ambiente por meio da emissão de respostas e é modificado por ele através de
conseqüências que suas respostas produzem no ambiente. Essas conseqüências alte­
ram a probabilidade futura das respostas ocorrerem novamente.
Essa relação, que enfatiza o controle exercido pelas conseqüências sobre o com­
portamento, ó denominada comportamento operante e o processo no qual uma resposta
produz determinada conseqüência e esta altera a probabilidade futura dessa resposta
ocorrer novamente é denominado reforçamento.
Existem situações nas quais respostas não produzem alterações ambientais;
estas ocorrem independentemente da emissão de respostas. Nestes casos, a probabili­
dade da alteração ambiental ocorrer é igual tanto na presença como na ausência da
resposta. Duas linhas de pesquisa têm investigado a relação de independência entre
emissão de respostas e alterações ambientais, obtendo diferentes hipóteses explicativas.
A primeira, proposta por Skinner (1948; 1953/1965; 1957/1972), estabelece que
nestas situações ocorre uma conexão acidental entre a resposta e a alteração ambiental
e a contigüidade entre estes termos ó suficiente para a manutenção do padrão operante.
A relação na qual ocorre uma conexão acidental entre uma resposta e uma modificação
ambiental foi denominada de comportamento supersticioso.
A segunda, proposta porOvermiere Seligman (1967), estabelece que os organis­
mos submetidos a tais situações, denominadas de situações incontroláveis, aprendem
que o seu responder não é efetivo no ambiente e que esta aprendizagem interfere na
aquisição futura de uma nova resposta instrumental. A falha ou demora na aprendizagem

' Ptlcótoga, PUC-8P; UNIP

Sobre Comportamento c Cognição 371


de uma nova resposta instrumental, após a exposição a alterações ambientais
incontroláveis, foi denominada de efeito de interferência. Este é um dos efeitos decorrente
da exposição à uma situação de incontrolabilidade, que compõe a hipótese explicativa do
desamparo aprendido.
Segundo Matute (1993), a literatura aborda esta problemática levando em consi­
deração apenas uma destas linhas de pesquisa. Ainda segundo a autora, devemos supor
que tanto o comportamento supersticioso como o efeito de interferência têm lugar em
situações de alterações ambientais independentes da resposta, porém estes são consi­
derados e investigados como fenômenos independentes.
A relação entre os resultados encontrados tanto na proposta de Skinner (1948;
1953/1965) como na proposta de Overmier e Seligman (1967) foi analisada por Matute
(1993; 1994; 1995), que investigou tanto a possibilidade de ocorrência do efeito de interfe­
rência como a ocorrência do comportamento supersticioso, resultante da relação de inde­
pendência entre uma alteração ambiental e a emissão de uma resposta.
A proposta do presente estudo foi realizar uma replicação do estudo de Matute
(1995). O objetivo foi verificar se sujeitos expostos a eventos aversivos: a) desenvolveram
algum padrão de respostas motoras que poderia ser caracterizado como supersticioso,
durante a exposição aos eventos aversivos cujo término independia do responder; e b) se
apresentaram o efeito de interferência nas respostas motoras de fuga em uma fase
subseqüente na qual foi apresentada uma tarefa controlável. Os eventos aversivos apre­
sentados foram sons breves ou longos, que ocorreram com diferentes porcentagens, ou
seja, foi apresentada uma maior quantidade de sons breves ou uma maior quantidade de
sons longos; e com diferentes distribuições, ou seja, os sons breves foram distribuídos
agrupados nas últimas tentativas ou distribuídos de uma maneira randômica.

Mótodo

Participantes
Participaram desta pesquisa 50 estudantes universitários, cursando o 4oou o 5o
ano do curso de Psicologia da PUC - SP.
Material
Local
O experimento foi conduzido em uma sala do Laboratório de Psicologia Experi­
mental da Pontifltíla Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP.
Equipamento
Foram utilizados um computador (notebook, marca: COMPAK e modelo: ARMA­
DA 7400), uma filmadora e um software, já desenvolvido especialmente para a primeira
replicação desta pesquisadora do estudo de Matute (1995) (Di Rienzo, 1999).

Procedimento

Sessão experimental
Todos os participantes foram submetidos às seguintes fases experimentais, com
exceção do grupo controle, que não participou da primeira fase.

372 Vantfid PI Rienzo


Fase 1: Todos os participantes, com exceção do grupo controle, receberam 40
tentativas para desligar um som de 3000 Hz. Eles foram instruídos a executar uma res­
posta que desligasse o som porém, o seu término ocorreu independente da emissão de
respostas.
A duração dos sons e sua distribuição ao longo das tentativas foram variáveis
manipuladas. Os sons tiveram duração de 1 e 5 segundos. Estes sons foram distribuídos
agrupados nas últimas tentativas ou randomicamente.
Os sujeitos foram aleatoriamente distribuídos em um dos grupos experimentais,
descritos a seguir:
(a) Grupo 75-L: a duração dos dez primeiros sons foi de 5 segundos e os 75% restantes,
os 30 sons finais duraram 1 segundo;
(b) Grupo 25-L: a duração dos trinta primeiros sons foi de 5 segundos e os 25% restantes,
os 10 sons finais duraram 1 segundo;
(c) Grupo 75-R: foram distribuídos randomicamente trinta sons com duração de 1 segun­
do, 75% do total das tentativas, e o restante, 10 sons (também distribuídos
randomicamente), tiveram 5 segundos de duração; e
(d) Grupo 25-R: foram distribuídos 10 sons com duração de 1 segundo, 25% do total das
tentativas, e o restante, 30 sons (também distribuídos randomicamente), tiveram 1
segundo de duração.
As instruções iniciais apresentadas na tela do computador foram as seguintes:
“De tempos em tempos, um som alto será apresentado. Tente encontrar uma
maneira de desligá-lo. Para isso, vocé poderá pressionar a tecla F1. Os sons têm duração
máxima de 5 segundos. Enquanto o som estiver ligado, vocô poderá tentar desligá-lo,
utilizando a tecla F1. Tente desligar o maior número possível de sons, tentando fazê-lo o
mais rápido possível. Pressione a tecla tfentertf quando estiver pronto para começar.”
Durante esta fase foram registradas todas as respostas de teclar emitidas pelos
participantes em cada grupo experimental e o tempo decorrido entre a apresentação do
som e a emissão da resposta.
Fase 2: Esta fase foi sinalizada por uma frase escrita no centro da tela do compu­
tador: "Para esta próxima tarefa, as instruções ainda são as mesmas. Pressione a tecla
enter quando estiver pronto para começar. * Para os participantes do grupo controle, que
não participaram da fase 1, foram dadas no inicio desta fase as instruções dadas para os
participantes dos outros grupos na fase anterior.
Todos os participantes foram submetidos a 20 tentativas para desligar um som
controlável, com duração máxima de 5 segundos. Para desligar o som, o participante
precisava apertar a tecla F1 quatro vezes.
Durante esta fase foi calculada a latência média das respostas de fuga. Foi con­
siderada latência da resposta de fuga o tempo decorrido entre o início e o término do som.
O término do som ocorria: a) caso o participante desligasse o som, pressionando a tecla
F1 quatro vezes, ou b) após 5 segundos caso o participante não conseguisse desligar o
som. Neste caso, foi considerado o valor máximo para a latência da resposta de fuga (5
segundos).

Sobre Comportamento e Cogniçflo 373


Resultados e Discussão

Fase 1
O objetivo desta fase foi verificar se participantes, expostos a eventos aversivos
cujo término independia do responder, desenvolveram algum padrão de respostas motoras
que poderia ser caracterizado como supersticioso.
Dos 40 participantes submetidos a esta fase experimental, 21 apresentaram
desempenhos classificados como supersticiosos. Estes desempenhos foram caracteri­
zados como o participante não parar de responder até o final da sessão experimental,
pressionando a tecla F1 ou combinações da tecla F1 com outras teclas durante a apre­
sentação do som. A Figura 1 apresenta um exemplo de desempenho classificado como
supersticioso.

Figura 1. Exemplo de um desempenho classificado como supersticioso, durante a fase 1

P a r t ic ip a n t e 7 - g r u p o 7 5 - L

Na Figura acima, os segmentos de linhas em rosa representam as respostas


acumuladas de pressões à tecla F1 durante a apresentação do som; os segmentos de
linhas em azul representam as respostas acumuladas de pressões à tecla F1 entre as
apresentações dos sons; e as linhas em verde representam pressões a outras teclas
distribuídas temporalmente durante a fase 1.
m
O participante cujo desempenho está representado nesta Figura emitiu respostas
de pressão à tecla F1, coincidindo com o término do som durante quase toda a sessão
experimental. Nas trôs últimas apresentações dos sons, a resposta supersticiosa modifi­
cou-se e o participante passou a emitir a combinação de pressão às teclas <F 1+seta para
baixo> contingente ao término dos sons.
Este desempenho pode ser classificado como supersticioso se considerarmos
que o término do som independia da emissão de qualquer resposta, mas pressões de
teclas ou combinação de teclas ocorreram temporalmente próximas ao término do som e
tiveram, após esta coincidência, sua freqüência aumentada. A emissão destas respostas
de pressões a teclas ou combinações de teclas foram se modificando até o final da ses­
são experimental. Estas respostas foram seguidas pelo término do som, sendo fortalecidas

374 VdnesM Dl Rltnzo


como resultado da correlação acidental entre pressão de teclas ou combinação de teclas
e término do som.
A maioria dos participantes (n=21 ) submetidos a esta condição experimental apre­
sentou padrões de respostas estereotipadas e idiossincráticas, tal como foram encontra­
dos alguns padrões no experimento de Skinner (1948), com pombos. Ono (1987) e Wagner
e Morris (1987) também encontraram resultados semelhantes, quando submeteram sujei­
tos humanos a condições de alterações ambientais independentes do responder. Estes
resultados provêem evidências que o comportamento humano pode emergir e ser mantido
por contingências acidentais.
O fortalecimento de uma resposta supersticiosa ocorre através da contigüidade
entre ela e alteração ambiental; a resposta não produz a alteração ambiental, esta sim­
plesmente segue a resposta sem que haja uma relação de dependência entre esses
termos, ou seja, a alteração ambiental independe das respostas que o organismo emite
no momento da sua apresentação; se, por acaso, o organismo não emitir qualquer res­
posta, do mesmo modo, a alteração ambiental será apresentada.
Durante esta fase experimental, 16 participantes apresentaram desempenhos que
foram classificados como não supersticiosos. Estes desempenhos foram caracterizados
como o participante parar de responder, não voltando a emitir respostas até o final da
sessão experimental. Ainda durante esta fase, 3 participantes não tiveram os seus de­
sempenhos claramente definidos, pois não foi identificado um padrão de respostas que se
repetiu tentativa após tentativa. A Figuras 2 apresenta um exemplo de desempenho clas­
sificado como não supersticioso.

Figura 2. Exemplo de um desempenho classificado como não supersticioso


I100
I I »0
I I(K)
lOflO
I 000 Participant* 1 8 - g r u p o 2 5 -I.
WA0
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A 00
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100
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200
ItOAitO
AO
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t « m p ii ( * » k )

Fase 2

Durante esta fase, foram apresentados sons com duração máxima de 5 segun­
dos. O término dos mesmos podia ser controlado caso o participante apertasse a tecla F1

Sobrr Comportamento c Cognição 375


quatro vezes. Esta fase teve o objetivo de verificar a ocorrência do efeito de interferência,
dada a exposição a alterações ambientais independentes do responder na fase anterior.
Dos 40 participantes submetidos à primeira fase experimental, 18 participantes
apresentaram o efeito de interferência. A Figura 3 apresenta um exemplo de um desempe­
nho que caracteriza o efeito de interferência.
Figura 3. Exemplo de um desempenho caracterizado pelo efeito de interferência, durante
a segunda fase

Podemos observar que o participante 13 não aprendeu a resposta de fuga do som,


apresentando latências que gradualmente foram elevando-se com o decorrer da sessão.
A aprendizagem de uma resposta é caracterizada pela diminuição nas latências
das respostas de fuga. No desempenho apresentado acima, podemos observar o efeito de
interferência (falha ou demora na aprendizagem de uma resposta instrumental dada a
exposição à uma situação de incontrolabilidade), através do aumento gradual das latências
das respostas de fuga do som.
A minoria dos participantes (n=18) submetida à incontrolabilidade dos eventos
aversivos breves e longos, durante a fase 1, apresentou, nesta fase, o efeito de interferên­
cia. Este resultado parece indicar que a contingência vivida pelos participantes durante a
fase 1 tornou-se incompatível com o desenvolvimento do efeito de interferência durante a
fase 2. Para a maioria dos participantes, a contingência vivida na fase 1 não foi a experi­
mentalmente arranjada (situações incontroláveis), mas uma situação de conexão aciden­
tal. Desse modo, a exposição a situações incontroláveis não ocorreu (ocorrendo apenas
no arranjo experimental) e não é surpresa que, por isso, o efeito de interferência não seja
encontrado.
Os resultados deste estudo podem indicar que há uma maior evidência para a
ocorrência do comportamento supersticioso do que para a ocorrência do efeito de interfe­
rência em sujeitos humanos submetidos a alterações ambientais independentes do res­
ponder. Isto porque a maioria dos participantes submetidos à primeira fase experimental,
na qual foram apresentados eventos aversivos cujo término não dependia da emissão de
respostas dos participantes, desenvolveu padrões de respostas supersticiosos. E, na
segunda fase, na qual foram apresentadas alterações ambientais dependentes do respon­
der, a minoria dos participantes apresentou o efeito de interferência.
Por outro lado, estes mesmos resultados podem indicar a fragilidade do delinea­
mento experimental para estabelecer a condição de incontrolabilidade. Apesar do arranjo
experimental ter sido planejado para ser uma condição de incontrolabilidade, para o sujei­

376 V aneiw P)i Rien/o


to a situação pode ter se apresentado como uma situação na qual havia alguma condição
de dependência entre alguma resposta emitida e o término do evento aversivo. Segundo
Hunziker (1982), “(...) se a questão básica dessa área é saber se os organismos são
sensíveis a arranjos onde a probabilidade de um evento ocorrer após R [resposta] é igual
à de ocorrer após R~[ausôncia de resposta], o ponto principal a se garantir é que haja
realmente uma igualdade entre essas probabilidades e não que ela ocorra apenas na
programação experimental" (p.72).
E mais ainda, os resultados deste estudo podem adicionar evidências, demons­
trando que o comportamento supersticioso também pode ocorrer sob condições nas quais
eventos aversivos incontroláveis foram apresentados, condições estas tradicionalmente
assumidas como favoráveis ao desenvolvimento do efeito de interferência.
Tal problema envolvido na situação de alterações ambientais independentes da
resposta ó de grande relevância e as discussões apresentadas até o momento não podem
ser dadas como encerradas. Um maior número de investigações permitirá a descoberta
das variáveis que interferem nos processos de desenvolvimento do comportamento su­
persticioso e na produção do efeito de interferência. Estudos que investiguem conjunta*
mente os processos envolvidos nestes fenómenos são importantes, pois através destas
investigações pode-se descobrir o contínuo existente entre controlabilidade/
incontrolabilidade. Um maior número de investigações, levando em conta ambos os pro­
cessos conjuntamente, também se justifica para aumentara generalidade dos resultados
obtidos.

Referências
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tamento Supersticioso. Trabalho de Conclusão de Curso, Faculdade de Psicologia, PUCSP,
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Sobre Comportamento c Cognição 377


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378 Vanrstd Pi Kien/o


Capítulo 42
Verbal 2.0: Um programa de computador
para estudos experimentais do
comportamento verbal sob
controle pelas conseqüências1*
Çerson Yukio TomanarF
Ivan Carlos Pavâ&
Marcos de Toledo Benassf

Comportamento verbal é um comportamento operante instalado e mantido por


suas conseqüências, assim como um operante não verbal (Baum, 1994; Skinner, 1938).
Comportamento verbal, todavia, destaca-se de outros operantes na medida em que o seu
estabelecimento e manutenção ocorrem por meio de um ouvinte pertencente à mesma
comunidade verbal do falante (Skinner, 1957).
A definição de comportamento verbal proposta por Skinner (1957) inclui essenci­
almente os aspectos funcionais - e não topográficos - deste comportamento. Portanto,
partindo-se desta definição, o comportamento verbal pode se dar na forma oral, gráfica,
gestual etc. (Catania, 1998; Skinner, 1957).
Na qualidade de comportamento operante, o comportamento verbal é instalado e
mantido por contingências de reforço (reforçamento positivo e negativo) e punição (puni­
ção positiva e negativa) (Baum, 1994; Skinner, 1957). Ou seja, as conseqüências do
comportamento verbal modificam e são modificadas por ele, bem como a probabilidade de
sua manifestação é função das condições ambientais antecedentes em que ocorre.
Ao longo dos anos, estudos experimentais acerca do comportamento verbal
têm merecido investimentos relativamente tímidos, em especial quando se considera a
importância do tratamento skinneriano a este tópico (de Rose, 1994). Uma das razões
para isso é possivelmente metodológica, dada a dificuldade de se isolarem os fatores
envolvidos em episódios verbais em condições experimentalmente controladas. Em vis­
ta disso, o aplicativo VERBAL 2.0 (Tomanari, Pavão e Benassi, 2003) foi desenvolvido no

' Trabalho apreaentado no XI Encontro Anual da AaaoctaçAo BraaMMra d« Rucotarapta e Medkina Comportamental (ABPMC)
' O daaenvoMmanto do programa aók i poaatvol graças aoauxlko recattdo da UntvMaidada da 8Ao Pauto por maio doa Programas SlAfc (Sistema Integrado
^eApok>aotnalno)an)auaaadlçAaada 1DBA «2000
t BoleJata Produtividade em Paaqulaa CNPq.
4Doutorando«, bolsistas FAPF8P

Sobre Comportamento e Cojjnlçio 379


Laboratório de Análise Experimental do Comportamento da Universidade São Paulo5
para servir, em sua função básica, como um instrumento de ensino e pesquisa do com­
portamento (verbal) sob efeito de diferentes conseqüências, à semelhança da proposta
descrita por Krasner (1958).
Contemplando condições eticamente aceitáveis, VERBAL 2.0 oferece a possibili­
dade de expor pessoas que possuam um repertório de leitura previamente estabelecido a
diferentes contingências de reforço. Investigar o desempenho humano sob contingências
de reforço negativo e punição, em particular, a despeito da relevância científica subjacente,
traz dificuldades claras ao experimentador no que diz respeito aos arranjos experimentais
possíveis de serem executados. Em VERBAL 2.0, os participantes constroem frases que
podem ser conseqüenciadas diferencialmente, seja por apresentação de pontos (reforço
positivo), seja por sua retirada (punição e reforço negativo).

VERBAL 2.0: Descrição Geral

O aplicativo VERBAL 2.0 teve origem na versão 1.51 (Tomanari, Matos, Pavão e
Benassi, 1999), posteriormente aprimorada na versão 1.62. Basicamente, o aplicativo
expõe o participante à tarefa de construir frases. Uma sessão experimental é iniciada e
finalizada com a apresentação de quadros de mensagens textuais nas quais o
experimentador pode fornecer informações ao participante (instruções ou agradecimen­
tos, por exemplo).
Iniciada a tarefa, é apresentada, no decorrer da sessão, uma seqüência de verbos
no tempo infinitivo; para cada um deles, uma frase deve ser elaborada. A construção das
frases é feita por seleção de seus componentes - pronome, tempo verbal e complemento-,
os quais são apresentados aos participantes já nas formas gramaticalmente corretas. Na
ocasião da configuração da sessão, o experimentador insere todos os elementos que irão
compor o rol de elementos que estarão disponíveis para as escolhas dos participantes.
A aparição do verbo no Infinitivo, na parte centro superior do monitor de vídeo,
marca o início da construção da frase correspondente (Figura 1). Simultaneamente à
apresentação do verbo, aparecem também na tela três menus tipo pop-down, alinhados
lado a lado, e situados logo abaixo do verbo, na região central da tela. O menu mais à
esquerda, o primeico a ser disponibilizado à seleção, apresenta uma lista contendo seis
pronomes [EU, TU, ELE(A), NÓS, VÔS, ELES(AS)], dentre os quais um deverá ser
selecionado pelo participante por meio do mouse (Figura 1, Painel Superior).
Feita a seleção de pronome, este menu é imediatamente desativado. O menu
central torna-se então disponível para seleção de modo que, acionado, expõe uma lista
contendo o verbo da frase corrente conjugado em seis diferentes tempos verbais. Em
função do pronome anteriormente selecionado pelo participante, os verbos são apresenta­
dos devidamente conjugados. Por exemplo, dada a seleção anterior do pronome EU,
podem aparecer como opções no menu de tempos verbais ANDO (presente), ANDEI (pre­
térito perfeito), ANDAVA (pretérito imperfeito), ANDARA (pretérito mais que perfeito), AN-

A tarefa axacutada por VERBAL 2 0 1 um« vormâoftfcmiattzada daquata propnrf» por Mato* a Tomanari (2002), a qual por mm wst, tora sugerida por SKÍnn*»
(1967), lmplamr»ntada por Kraaner (1968), a daaanvoMda no IPUSP, am tua varaio manual didática, com a parttdpaçAo da Maria da Louftfa» PaMos, Katta
Damlanl a 8érglo Dia« Ctrlno (Mato«. CWno, Paaaoa a Damtanl a Frochtengartan, 1905)

380 Qerton Yukio Tomanari, Ivan Carlos Pavio e Marco* de Toledo Renassl
DAREI (futuro do presente) e ANDARIA (futuro do pretérito)6, não nesta seqüência, neces­
sariamente, como as seis opções de tempo verbal dentre as quais o participante deverá
selecionar uma (Figura 1, Painel Central).

100

le«nbnr
**» I.\ ..... .

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lembrar

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Figura 1. Telas do computador que ilustram a seqüência de elaboração de uma frase por
meio da execução do aplicativo VERBAL 2.0. Verbos no tempo infinitivo são apresentados
na parte centro-superior da tela. A cada um deles, o participante constrói uma frase a
partir da seleção de um dentre seis pronomes (Painel Superior), seguida pela seleção do
verbo em um dentre seis diferentes tempos verbais (Painel Central) e, finalmente, pela
seleção de um dentre seis possíveis complementos (Painel Inferior).

Feita a seleção do tempo verbal, torna-se finalmente disponível para resposta o


menu mais à direita da tela no qual o participante deve selecionar um dentre seis com­
plementos para a frase. Advérbios e locuções adverbiais de modo, lugar, freqüência etc.
são opções típicas de complementos verbais freqüentemente utilizados (Figura 1, Pai­
nel Inferior).

* A Mentia ck» lampo» v*rb«M« ò*v» tar M a c^jkiackma • crt«rk»ainante p*(o ax{>»if1m*nt»òor no morrwrtn am que oonflgixn o exporlmanto, pota, naLInou*
Portuguaaa.héftaqOantarnantatomMaiootncIdanlaaarndNfantaalanvuavartiata Por «xamplo. o» tampa» v rtiata Praaanta a PraMrtto PorWto aprnanntarri
• maama oon|ugaçfc> para ■ primalra paaaoa do plural (nôa), bam como o Pratérito Partalto apnwanta ■ maama oon|ugaçAo do Pratéito>Mal» Quo Portalto
na taroatra paaaoa do plural (alaa). Evitando. portanto, o uao doa PratArttoa Partalto a Mala-Qu» ParMto, tamoa adotado am n ou a prática corranta oa
■•OiinlaatampoavwtMla.PrManla, PratériloknparWk), FutuodoPraaonta, Futuro do Pr^édlo, PartfclptaPaaaacto(oorT)Ovart»auxH^h»vw)oG<injndto

Sobrf Comportamento c Cognição 381


Os componentes da frase - pronome, verbo e complemento - devem, forçosa­
mente, ser selecionados nesta seqüência, não sendo possível alterar as escolhas feitas
encerrada cada uma das seleções. Abaixo dos menus, na região centro inferior da tela, há
um "botão" no qual inscreve-se a palavra CONFIRMA (Figura 1). Encerrada a seleção do
complemento, encerra-se a frase acionando-se com o mouse este botão. Imediatamente
após esta resposta, pode-se ou não seguir a apresentação de estímulos conseqüentes
específicos, detalhados a seguir. Na seqüência, o verbo no infinito é, então, substituído
pelo verbo seguinte, iniciando, assim, a possibilidade de construção de uma nova frase.
Este ciclo repete-se até que se conclua a elaboração da última frase —o número de frases
de uma sessão ó definido previamente pelo experimentador.
Como afirmado anteriormente, VERBAL 2.0 pode ou não apresentar uma conse­
qüência diferencial contingentemente à existência ou não de determinadas característi­
cas da frase construída pelo participante. Esta conseqüência, atribuída previamente pelo
experimentador, pode ser aplicada:
1) ao uso de um determinado pronome (por exemplo, EU);
2) ao uso de um tempo verbal específico (por exemplo, presente);
3) a uma combinação particular de pronome e tempo verbal (por exemplo, EU e Presente).
A utilização de qualquer elemento diferente daquele estabelecido previamente
pelo experimentador para reforçamento ô seguida por uma conseqüência diferencial co­
mum. Os estímulos conseqüentes podem ser pontos, figuras ou frases (Figura 2), acom­
panhados ou não por estímulos sonoros.

Muito bem!

Tente outra vez«

Figura 2. Exemplos de diferentes estímulos conseqüentes que podem ser utilizados em


VERBAL 2.0 —pontos, figuras, frases ou palavras.

382 Q m o n Yuklo fomanah, Ivan Cario« Pav«lo c Marcos de íoledo Ben.issi


A aplicação das conseqüências exemplificadas na Figura 2 pode se dar de acor­
do com diferentes contingências de reforço:

* reforço positivo, ao se conseqüenciar uma seleção por meio da apresentação de pon­


tos, por exemplo, fortalecendo-a;
• punição, ao se conseqüenciar uma seleção por meio da apresentação de pontos nega­
tivos (subtração de pontos), por exemplo, enfraquecendo-a;
• reforço negativo, ao se conseqüenciar cinco possibilidades de seleção por meio da
apresentação de pontos negativos (subtração de pontos), por exemplo, enfraquecendo-
as e, simultaneamente, fortalecendo a seleção alternativa.
* extinção, ao se encerrar uma frase na ausência de qualquer conseqüência explicita­
mente programada.

No que se refere a planejamento experimental, VERBAL 2.0 permite o uso de


delineamentos em que o desempenho do participante seja o seu próprio controle (Sidman,
1960; Perone, 1991 ). Nesse caso, o participante é exposto a uma seqüência programada
de condições experimentais que estabelecem delineamentos AB ou ABA em uma mes­
ma sessão (v. detalhamento abaixo).
A duração de cada condição ó determinada pelo número de verbos que a compõe,
o qual é previamente configurado pelo experimentador. Ao final da sessão, os dados po­
dem ser mostrados na tela e impressos na forma de tabela (Figura 3).
Figura 3. Exemplo de um relatório de dados de uma sessão.

Relatório de sessào
Cod ta il* 1 N iil
h if lo M m tlfi
C onflguravlo (P adrlo IU ) N* d * va rb o i 0
Parti olparta HJT N*d * va rb o i n t llr th t d * b u * Into. 0
N *d* va rb o i na llnha d * baa* final 0

Null Imo oom »Inal Nto


Null
Null * Cor«* ; Mlo
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Null t d l n f l o da a«*rtn Ntu
Raforoada l * r > f t o da arro N lo
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Sobre Comportamento e Cognição 38 3


VERBAL 2.0: Características Pormenorizadas

O aplicativo permite que, dentro das linhas gerais acima apresentadas, diferentes
variáveis envolvidas no comportamento verbal possam ser controladas experimentalmen­
te, assumindo papéis de variáveis independentes. O planejamento das diversas opções de
pronomes, verbos e complementos fazem parte da tarefa de configuração da sessão ao
cargo do experimentador.

Pronomes: Na configuração da sessão, o experimentador deve confirmar os pro­


nomes com os quais os participantes iniciarão as suas frases, no caso, EU, TU, ELE (A),
NÓS, VÓS, ELE(AS), ou inserir novos pronomes.
No decorrer de toda a sessão, a lista de pronomes apresentada ao participante
pode ter a ordem de seus elementos fixa de acordo com uma seqüência prévia configura­
da pelo experimentador. Pode, ainda, ter a seqüência dos pronomes aleatoriamente modi­
ficada a cada nova frase a ser construída. Esta segunda opção, como controle experimen­
tal, elimina a correlação direta e absoluta entre os pronomes e suas respectivas posições
no menu de escolha.

Verbos: O experimentador deve inserir um número de verbos no infinitivo igual ou


maior ao número total de verbos que irão compor uma sessão completa (Matos e Tomanari,
2002, p. 236, trazem uma lista como esta contendo 80 verbos). Estes verbos serão apre­
sentados ao participante em seqüência pré-determinada, de acordo com a configuração
estabelecida. Cada um desses verbos deverá ser conjugado corretamente pelo
experimentador, inclusive relativamente a cada um dos seis pronomes, de modo a alimen­
tar o banco de dados do aplicativo. Como padrão, VERBAL 2.0 traz cadastrados 120
verbos nos tempos verbais presente, particlpio passado, pretérito imperfeito, gerúndio,
futuro do presente e futuro do pretérito, todos adequados às pessoas EU, TU, ELE(A),
NÓS, VÓS e ELES(AS). Assim como a lista de pronomes, a seqüência de apresentação
de cada verbo no menu contendo os seis diferentes tempos verbais pode manter-se fixa na
sessão, ou aleatória, modificando-se a cada novo verbo apresentado.

Compierrfentos: Para cada um dos verbos cadastrados, o experimentador deve


introduzir seis complementos verbais tais como advérbios e locuções adverbiais de tem­
po, modo, lugar etc. A seqüência de complementos na lista apresentada ao participante é
sempre fixa e idêntica àquela configurada pelo experimentador.

Conseqüências Diferenciais: O aplicativo permite que diferentes estímulos pos­


sam ser usados como conseqüências diferenciais contingentes à elaboração das frases:

a) Pontos - Podem-se atribuir pontos positivos e negativos, que se acumulam em um conta­


dor na parte centro-superior da tela, contingentemente à seleção do pronome, tempo ver­
bal, ou combinação de pronome e tempo verbal cujo uso deve ser fortalecido ou enfraqueci­

384 Qerson Yuklo Tomanari, Ivan Carlos PavÜo e Marcos de (oledo Benassi
do. O experimentador pode estabelecer o valor com o qual o contador de pontos iniciará
a sessão (ou da fase de reforçamento, caso esta seja precedida por uma condição de
linha de base na ausência de conseqüências diferenciais). No caso de contingências
que envolvam o decréscimo de pontos, o experimentador deve atribuir um valor inicial de
pontos adequado às condições planejadas, pois o contador de pontos não admite valo­
res negativos, menores do que zero. A utilização de pontos como conseqüência permite
que a magnitude desta seja manipulada experimentalmente.
b) Frases, palavras e imagens - O experimentador pode estabelecer frases, palavras ou
imagens como conseqüências diferenciais (Figura 2).
c) Estímulos sonoros - Isoladamente ou acompanhando as conseqüências diferenciais
estabelecidas por pontos, frases, palavras ou imagens, o aplicativo permite o uso de
estímulos sonoros como conseqüências diferenciais ou não.

Quadros de Mensagens: O aplicativo prevê que mensagens possam ser apre­


sentadas aos participantes diretamente na tela do computador. Um quadro contendo texto
pode ser exibido assim que a sessão é iniciada. Ao pressionar OK neste, um segundo
quadro ó exibido em substituição ao anterior. Pressionando-se OK novamente, inicia-se a
sessão com a apresentação do primeiro verbo e os menus de seleção. Após a elaboração
da última frase, o programa mostra um quadro no qual um texto final pode ser inserido.

Delineamento Experimental: O aplicativo VERBAL permite que uma sessão


seja constituída por apenas uma condição experimental. Permite, ainda, que esta seja
antecedida por uma condição de linha de base (delineamento AB) ou inserida entre duas
delas (delineamento ABA). Diferentemente da condição experimental, as condições de
linha de base caracterizam-se pela ausência de reforçamento diferencial. O número de
verbos que irão compor cada uma das condições pode variar de 0 (ausência da condição)
a n. O número de verbos, assim como a existência ou não da condição, são determina­
ções do experimentador.

Registro, Impressão e Exportação de Dados: O aplicativo VERBAL 2.0 registra


todos os dados de configuração utilizados na sessão, permitindo ao experimentador acessar
posteriormente uma tabela contendo as frases elaboradas pelo participante, na seqüência
em que foram construídas, além das posições em que ocupavam o pronome, tempo verbal
e complemento usado em cada uma delas (Figura 3). O aplicativo VERBAL 2.0 permite
que os dados de uma sessão sejam visualizados na tela, impressos e exportados para
tratamento e análise em outros aplicativos.

Documentação Técnica: O aplicativo dispõe de um manual ilustrado de utilização.

VERBAL 2.0: Possíveis Aplicações

Por meio de manipulações nas variáveis disponíveis no programa VERBAL 2.0,


inúmeros fatores que envolvem o comportamento dos organismos, de modo geral, e o
comportamento verbal humano, em particular, são passíveis de estudo experimental.

Sobre Comportamento e Cognição 385


A título de exemplo, VERBAL 2.0 poderia ser empregado para se investigar o
estabelecimento e manutenção, em participantes humanos, do comportamento de cons­
truir frases em função de:

• diferentes contingências de reforço, incluindo-se inúmeras combinações destas;


• diferenças individuais e culturais que acompanham os participantes pró-experimental-
mente, bem como aquelas eventualmente planejadas e estabelecidas no próprio con­
texto experimental;
• diferentes características — natureza ou magnitude — dos estímulos conseqüentes.

Informações Técnicas

A instalação de VERBAL 2.0 requer a seguinte configuração básica do sistema:


• Computador IBM-PC 486 ou compatível (desejável Pentium 200 ou superior);
• 16 megabytes de memória RAM (desejáveis 32 Mb);
• Monitor padrão SVGA e placa de vídeo capaz de suportar uma resolução de 800x600 ou
acima;
• Placa e caixas de som, caso estímulos sonoros sejam empregados;
• Sistema operacional Microsoft Windows, versões 95 ou superior.

Referências
Baum, W. M. (1994). Understanding Behaviorism: Science, behavior, and culture. New York:
HarperCollins College Publishers.

Catania, A. C. (1998). Learning. Prentice Hall.

de Rose, J. C. (1994). O livro Verbal Behavior de Skinner e a perspectiva empírica sobre com­
portamento verbal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10, 495-510.

Kra8ner, L. (1958). Studies of the conditioning of verbal behavior. Psychological Bulletin, 55,
148-170.

Matos, M. A., Cirino, S. D., Passos, M. L., Damiani, K., & Frochtengarten, F. (1995). O comporta­
mento verbal como operante: uma experiência didática. Resumos de Comunicações Cientifi­
cas - Sociedade Brasileira de Psicologia, 5, 461.

Matos, M. A., & Tomanari, G. Y. (2002). A Análise do Comportamento no laboratório didático. São
Paulo: Editora Manole.

Perone, M. (1991). Experimental design in the analysis of free-operant behavior. In I. H. Iversen


& K. A. Lattal (Eds.), Experimental Analysis of Behavior (Part I). Amsterdam: Elsevier.

386 Q m o n Yuklo fomandri, Ivan Carlos Pavâo e Marcos de Toledo Benassi


Sidman, M. (1960). Tatics of Scientific Research: Evaluating Experimental Data in Psychology.
New York: Basic Books.

Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Tomanari, G. Y., Matos, M. A, Paväo, I. C., & Benassi, M. T. (1999). Verbal 1.51. Laboratório de
Análise Experimental do Comportamento. Sâo Paulo: IPUSP.

Tomanari, G. Y., Paväo, I. C., & Benassi, M. T. (2003). Verbal 2.0. Laboratório de Análise Experi­
mental do Comportamento. SSo Paulo: IPUSP.

Sobre Comportamento e CoRnlçâo 387


Capítulo 43
Inibição Latente: contribuição como modelo
animal de esquizofria

Cilene Rejdtie Ramos Alves'


Mâríâ TeresaAraújo Silvef

Em neuropsicofarmacologia, os modelos comportamentais animais podem ser


usados para estudar novos compostos terapêuticos, compreender funções cerebrais, ou
simular processos psicológicos. Esses modelos, correspondentemente, podem ser clas­
sificados como testes de triagem, ensaios comportamentais ou simulações. Desses as
simulações se referem a mimetização de um ou mais sintomas do transtorno mental, ou
em caso excepcional, de uma slndrome completa. Assim, quando se fala de modelo
animal de esquizofrenia, claramente a referência é a modelos de simulação (Alves & Silva,
2002; McKinney & Moran, 1981; Willner, 1991).
Os modelos animais de esquizofrenia dificilmente poderiam simular os quatro
aspectos básicos da slndrome em questão: etiologia, sintomatologia, tratamento e bases
fisiológicas, que são os critérios clássicos de validade de um modelo de psicopatologia
animal (McKinney & Bunney, 1969), pela simples razão de que o próprio transtorno ó mal
conhecido. Alguns modelos têm sido propostos para simular aspectos parciais da
esquizofrenia: os mais utilizados baseiam-se em mudanças produzidas pela anfetamina
ou outros agentes dopaminérgicos. Esses modelos têm como objeto de estudo a estere­
otipa motora, sintoma presente apenas em alguns tipos de esquizofrenia. Entretanto, a
deficiência fundamental da esquizofrenia é de ordem cognitiva, e parece envolver a aten­
ção. Procedimentos que avaliassem perturbações na atenção possibilitariam tanto um
teste direto do potencial das drogas propostas para o tratamento da esquizofrenia, os
antipsicóticos, quanto possibilitaria um melhor entendimento da neurofisiopatologia dessa
slndrom. O modelo de inibição latente propicia esse teste (Alves, Guerra, & Silva, 1999;
Alves & Silva, 2002; Moser, Hitchocock, Lister, & Moran, 2000).

11 Dofwrlamanto d« Psicologia F.xp#rim*rt»l, Unlvareldad« d« 8*0 Paulo. SP


Apoio Fln«ic«lfo FAPE8 P • CNPq.

388 Cllenc Rcjanf Rd mo* A lv r t e M aria Tcrcsd Ardujo Silva


A esquizofrenia

O transtorno esquizofrénico se caracteriza por apresentar distorções funcionais


em vários graus e de forma simultânea. A motivação, os estados afetivos, os processos
cognitivos e várias outras funções dos pacientes com essa síndrome se encontram altera­
dos. Em conseqüência dessas alterações, o paciente perde o senso de identidade pesso­
al, tendo extrema dificuldade de estabelecer contato social, ficando isolados em seus
pensamentos e fantasias, ou ouvindo alucinações (Alves & Silva, 2001; Andreasen, 2000;
Graeff, 1989; Louzâ Neto, 1996; Moser et ai., 2000). Os sintomas da esquizofrenia são
tipicamente classificados em sintomas positivos caracterizados por distorção do funcio­
namento normal das funções psíquicas (delírios, alucinações, pensamento incoerente,
etc), e sintomas negativos caracterizados por perda das funções psíquicas (deficiências
intelectuais e de memória, pobreza de discurso, isolamento social, etc).
O centro das anormalidades psicológicas na esquizofrenia pode estar relacionado
á disfunção de um processo cognitivo básico, a atenção seletiva. Numa análise metafórica
da atenção seletiva, de acordo com a interpretação cognitivista, ela é vista como um
processo ou filtro que controla a passagem de informação através do sistema sensorial. A
deficiência nessa filtragem da informação proveniente do mundo exterior resulta na inca­
pacidade de ignorar estímulos irrelevantes. Em uma análise comportamental o complexo
processamento de informação requerido por atos simples de percepção, linguagem e
pensamento envolvem seleção de estímulos relevantes: o comportamento passa a ser
controlado por uma gama reduzida de estímulos, os quais estão correlacionados a conse­
qüências importantes. Já no esquizofrênico o controle é exercido por um excesso de
estímulos vindos de diversos aspectos do ambiente, gerando o que se convencionou cha­
mar de deficiência na atenção seletiva: o indivíduo responde indiscriminadamente aos
estímulos do ambiente, tendo dificuldade de “filtrar” a informação importante ou relevante.
Muitas dessas informações são consideradas irrelevantes, porque nunca foram
correlacionadas a qualquer reforço. Porém, vale salientar que, mudadas as circunstâncias
ambientais, essas informações podem adquirir alto valor preditivo sobre o que ocorre no
meio. Nessa nova contingência, o esquizofrênico está em vantagem sobre o sujeito nor­
mal, pois será afetado por um estímulo que é irrelevante para outras pessoas. Essa carac­
terística é explorada pelo modelo de inibição latente, como será descrito mais adiante
(Alves et alM 1999; Alves & Silva, 2001; Andreasen, 2000; Ashton, 1992; Frith, 1979;
Graeff, 1989; Gray, Feldon, Rawlins, Hemsley, & Smith, 1991; Moser et al., 2000; Weiner,
Lubow, & Feldon, 1984).

A Inibição Latente como modelo de esquizofrenia

A inibição latente foi inicialmente observada por Lubow e Moore, em 1959. Anali­
sando os procedimentos experimentais utilizados para estudar a aprendizagem latente e

JApnmdl7«o«Kn latorto. foi damonatrada por ThlatJe<hwalta (1961) em um labirinto oorruataaprtvadoa de aHmento O» anlmala, dMdkk» em tré* Qfupoa
oxperimontala. Unham da percorrer um labirinto Para um grupo d« anlmala havia aampre «Imanto no compartimento d« chagada, para o aegundo (W * ’
o almento aó ara IntroduAki na décima tentativa, a para o taroetro grupo nunca havia rtmarto no compartimento da cfcegada O autor obeetvou que o* rat»
do aegundo grupo, embora Kvaaaam demonetrado alavario nOmaro da aníadea noa baooa iam aatda, igual aoa ratoa do ten»tro grupo no Inldo da aeaaâo
expertnental, paaaaram a paroonaro labirintocom tlopoucaaentrad— noa beooa tem aaldaa quanto o grupo que aampre enountmva almento ThtoltothwaKa
Interpretou eaaa reaultado afirmando que a aprendizagem no aagundo grupo floou latente* al* a Introdução do reforço, ou ae|a, o que havia «Wo aprendklo
aó fot demonatrado com a Introdução do almento (Catanla, 1990)

Sobre Comportimrnto c Cojjnlçâo 389


o pró-condicionamento4sensorial, esses autores observaram que esses procedimentos
tinham em comum: o fato de submeterem os animais a estímulos sem conseqüência.
Lubow e Moore (1959) sugeriram que os efeitos da exposição não reforçada a estímulos
são mediados por uma resposta aprendida durante as apresentações não reforçadas,
referindo-se ao conceito da mediação pela resposta de Osgood. Na tentativa de identificar
essa resposta Lubow e Moore, ainda em 1959, realizaram um experimento cujo objetivo
foi verificar se a exposição prévia a um estímulo neutro (luz) interferia na intensidade da
flexão do membro posterior eliciada pelo choque elétrico nas patas de cabras. O delinea­
mento experimental, proposto pelos autores, constava inicialmente de exposição a um
estímulo neutro (luz); em seguida, esse estímulo foi usado como estímulo condicionado
(CS) de um condicionamento clássico, ou seja, foi pareado com um estímulo incondicionado
(US — choque elétrico nas patas). Lubow e Moore verificaram que os animais pré-expos-
tos apresentaram, diante do CS luz, uma resposta condicionada (CR) menos intensa do
que a dos animais não pré-expostos, demonstrando assim o fenômeno que denominaram
inibição latente (LI, do inglês latent inhibition). Em um paralelo com a interpretação de
aprendizagem latente, os autores sugeriram que na fase de pré-exposição houve uma
"inibição" da resposta encoberta ao estímulo (luz), e essa "inibição" parece ter interferido
com o condicionamento subseqüente (luz-choque). Essa interferência parece ser respon­
sável pelo efeito final - diminuição da freqüência da CR (flexão de membro posterior) ao
CS (luz). Segundo Lubow e Moore a "inibição" permaneceu latente até se manifestar no
teste do condicionamento clássico. A LI foi então definida como “o efeito inibitório da pró-
exposiçâo não reforçada ao estímulo a ser condicionado sobre o condicionamento
subseqüente"(Alves et al., 1999; Lubow & Moore, 1959).
São vários os procedimentos através dos quais a LI tem sido estudada, por exem­
plo, CER, resposta de esquiva condicionada, "congelamento" (freezing) condicionado, aver­
são gustativa condicionada. O principal procedimento comportamental e o mais utilizado
é o de CER (do inglês, conditionedemotionalresponse). No procedimento de CER utiliza-
se como medida da força do condicionamento a resposta emocional condicionada, e o
animal passa por três fases: 1) pré-exposição a um estímulo neutro, 2) pareamento desse
estímulo com um estímulo incondicionado (US) tal como choque, e 3) teste da supressão
de uma resposta operante em curso, tal como o beber, pela apresentação do CS (Welner,
Izaraeli-Telerant, & Feldon, 1987). O animal que foi pré-exposto ao futuro CS tende a
ignorar esse estímulo na fase de condicionamento, e conseqüentemente não suprime a
resposta quando o CS é apresentado na fase de teste. Evidencia assim a "LI", que supõe
a aprendizagem dê que o estímulo pré-exposto não prediz nenhuma mudança relevante no
ambiente (Mackintosh, 1975). O animal controle, que não foi pré-exposto ao futuro CS,
suprime normalmente a resposta quando testado após o condicionamento. Nesse tipo de
procedimento a LI pode ser é avaliada sobre a resposta de supressão do beber ou do
comer sobre uma linha de base operante (do inglês, on-baseline) ou fora da linha de base
operante (do inglês, off-baseline). O que diferencia um procedimento do outro é a relação
com a resposta operante em curso (lamber, em geral). No primeiro caso (on-baseline) a
exposição ao futuro CS e o condicionamento CS-US se dão sobre a resposta operante em

Pré-condldonamenlu Mnaorial. toi deão*), primeiramente, por WHftud Uruyilon em 193B, atnivé* de um eatudo «obre o «farto da oombtnaçAo da oetlmuk*
neutro* «obre o condldonamentu «ubaeqtíente. Brudgan conduziu um oxptxtmento em que dote eetlmuloe neutro« (tom e luz) aram almuttinoa e ropotkln
mania apreaentadoa aam reforço a cachorro* Em «eguàla um deeaea (p ex., tom) em paraado com um choque (US - eetlmulo Incondicionado), adquirindo
a capacidade de aMdar um reflexo da movimenta (flexto do pema), tomandon» um eetlmulo condicionado (CS). Apôe o pareamerto do tom com o choquo,
o outro aetlmulo (luz) ara apraeentado ao animal. O autor obaorvou que a luz ara capaz da aNdar a raapoata condicionada (CR) apesar de nunca ter «Ido
pareada como choque AeaaeefetoBrodgandeuonomedapMt^ondkionamenloaeneorial (Cataria, 1800, Chance, 1994)

390 Cilene R r jd r tr Rd mos A lve* e M iirui lere« Araújo Silva


curso, enquanto que no segundo (off-baseline) a pré-exposição ao CS e o condicionamen­
to CS-US ocorrem em contexto dissociado da resposta de lamber. Em ambos o Teste é
realizado sobre a resposta em curso (Alves, DeLucia, & Silva, 2002; Alves & Silva, 2001;
Melo, Brandão, Graeff, & Sandner, 1997). Na CER utiliza-se, geralmente, dois tipos de
delineamentos experimentais: 1) para verificar efeito de facilitação, por drogas, um número
baixo de pré-exposições ao estimulo é apresentado ao sujeito (p.ex. 10 tons), enquanto
que para detectar efeito de abolição um alto número de pre-exposições é utilizado, p. ex.
40 tons (Alves et al., 2002; Alves & Silva, 2001; Lubow & Siebert, 1969; Moser et al., 2000;
Weiner & Feldon, 1987; Weiner, Feldon, & Katz, 1987).
O segundo procedimento utilizado é o da resposta de esquiva condicionada (CAR, do
inglês conditionedavoidance response): o animal se esquiva de um estímulo aversivo (choque
elétrico) sinalizado por um estímulo passando para o outro lado de uma caixa composta de
dois compartimentos (do inglês shuttle-box). Em geral, a sessão de pré^xposição consta
apenas de apresentações do estímulo que será o CS, e no teste mede-se o tempo de conge­
lamento frente ao estímulo de pré-exposição. Outro procedimento motivado aversivamente
para verificação do efeito de LI é o “congelamento condicionado". Nesse procedimento à pré-
exposição ao contexto é utilizada como CS. Em seguida, o contexto (p. ex. a caixa experi­
mental) é pareado com um choque elétrico. O efeito de LI é verificado no animal pré-exposto ao
contexto pela redução do tempo de congelamento. A aversão gustativa condicionada (CTA, do
inglês, conditioned taste aversion) é um procedimento experimental que vem ganhando impor­
tância atualmente no estudo da LI. Nesses trabalhos os experimentadores utilizam a exposi­
ção ao paladar, utilizando bebedouros contendo solução de sacarose ou glicose, como CS.
Em seguida, o CS é associado, imediatamente, com uma indisposição induzida por cloreto de
lítio (LiCI — US). Essa associação resulta em uma resposta de esquiva ao sabor da solução
de glicose ou sacarose. O efeito da LI é verificado por um aumento do consumo da solução
açucarada pelos animais pré-expostos em relação aos animais que não foram pré-expostos
(Alves, 1998; Moser et aí., 2000). Já nos procedimentos motivados apetftivamente o efeito de
LI é demonstrado sobre uma linha de base operante.
O procedimento de LI foi proposto como modelo de esquizofrenia por reproduzir a
distorção de atenção, apresentada nessa slndrome, a qual é expressa, como já mencio­
nado, pelo uso de estratégias não eficientes e inflexíveis para "filtragem de estímulos”. Em
outras palavras, a LI simula a deficiência no aspecto seletivo da percepção, que se encon­
tra deficiente na esquizofrenia. Essa deficiência pode ser interpretada como uma
desconsideração de informações irrelevantes: pode-se inferir que os estímulos irrelevantes
estão controlando a atenção do esquizofrênico. De fato, esquizofrênicos submetidos ao
procedimento de LI suprimem a resposta ao estímulo de pré-exposição, ou seja, não
exibem LI, não aprendem que o estímulo era irrelevante (Baruch, Hemsley, & Jeffrey, 1988;
Gray, Pickering, Hemsley, Dawling, & Gray, 1992; Moser et al., 2000; Weiner & Feldon,
1994); o mesmo ocorre com indivíduos de tendência psicótica (De la Casa, Ruiz, & Lubow,
1993; Williams et al., 1997). Ignorar um estímulo que não tem conseqüências é um proce­
dimento econômico, e tem provavelmente uma origem filogenética. No paradigma da LI, o
estímulo antes irrelevante passa a ser importante, e o esquizofrênico é capaz de detectar
essa mudança e agir de acordo, enquanto o indivíduo normal continua tratando o estímulo
como irrelevante. Nesse modelo, portanto, o esquizofrênico acaba mostrando um compor­
tamento mais adaptativo do que o indivíduo normal, numa reprodução de paradoxos obser­
vados na realidade da vida psicótica (Alves etal., 1999; Gray et al., 1991).

Sobre Comportamento e Cogniçío 391


Mediação neuroquimica da Inibição Latente

Alterações bioquímicas também estão presentes na esquizofrenia. A mais conhecida


e enfatizada é a alteração no sistema dopaminórgico. O sistema dopaminórgico é constituído
de cinco vias: 1) via mesolímbica-mesocortical, 2) via nigro-«striatal, 3) via tuberoinfundibular,
4) via medular-periventricular, 5) via incerto-hipotalâmico, ligadas respectivamente às emoções
e funções cognitivas, à coordenação de movimentos voluntários, a secreção de hormônios
hipofisários (como prolactina, hormônio sexual luteinizante, hormônio gonadotróficos e ACTH),
ao comportamento alimentar (provavelmente) e a funções ainda indefinidas. O sistema
dopaminórgico parece funcionar em excesso durante os surtos psicóticos. O papel patogênico
dessa disfunção na esquizofrenia deu origem à "hipótese dopaminérgica da esquizofrenia".
Essa hipótese é baseada em resultados de 1) estudos farmacológicos com substâncias que
alteram os sistemas dopaminórgicos, tais como drogas que aumentam a atividade
dopaminérgica e consequentemente agravam ou produzem sintomas esquizofrênicos
(anfetamina - agente dopaminórgico e levodopa - precursor de dopamina) e drogas que blo­
queiam essas atividades, p. ex., antipsicóticos; 2) exames de autópsia no cérebro de
esquizofrênicos que nunca haviam sido tratado com drogas antipsicóticas e tomografia por
emissão de pósitrons - PET, em que se verificou aumento do número de receptores
dopaminérgicos, e 3) análise bioquímica do líquor cefatorraquidiano, plasma e urina de pacien­
tes esquizofrênicos em tratamento, que revelou alteração na quantidade de ácido homovanílico
(HVA), metabóiito de dopamina. Todas essas observações demonstram que a neurotransmissão
dopaminérgica se encontra realmente alterada na esquizofrenia, fornecendo uma base sólida
para a hipótese dopaminérgica da esquizofrenia (Ashton, 1992; Graeff, 1989; Graeff, Guima­
rães, & Zuardi, 1999; Hollister, 1995; Hübner & Louzã Neto, 1993; Knable, Kleinman, &
Weinberger, 1995; Louzã Neto, 1996; Reynolds, 1992).
Levando em conta que alterações bioquímicas estão presentes na esquizofrenia,
descritas acima, o modelo de LI vem sendo extensamente utilizado para verificar a ação
de drogas que antagonizam ou promovem sintomas esquizofrênicos. Inicialmente investi­
gou-se a ação da anfetamina, droga que “mimetiza" a esquizofrenia. Essa droga foi admi­
nistrada aguda e cronicamente, em doses baixas durante as fases de Pré-exposição e
Condicionamento. A anfetamina produziu abolição da inibição latente tanto em animais
como em seres humanos quando expostos a uma grande quantidade de estímulos (p.ex.
30 estímulos neutros), em diferentes procedimentos experimentais. Uma interpretação
desses resultados é que a anfetamina reproduz, nesse modelo comportamental, o distúr­
bio de atenção apresentado na esquizofrenia (Alves, 1998; Bakshi, Geyer, Taaid, & Swerdlow,
1995; Feldon, Shofel, & Weiner, 1991; Gray et al., 1992; Killcross, Dickinson, & Robbins,
1994a; Moran, Fischer, Hitchcock, & Moser, 1996; Moser et al., 2000; Solomon et al.,
1981; Thornton et al., 1996; Warburton, Josefh, Feldon, Weiner, & Gray, 1994; Weiner,
Izaraeli-Telerantetal., 1987; Weiner, Lubow, & Feldon, 1981; Weiner et al., 1984; Weiner,
Lubow, & Feldon, 1988).
Além da anfetamina, outras drogas foram avaliadas no modelo de LI, tais como
fencanfamina, nicotina, SKF38393, quinpirol e apomorfina. Apenas a nicotina e a
fencanfamina foram capaz de abolir a LI, tal como a anfetamina, por atuar indiretamente
em terminais dopaminórgicos (Alves, 2003; Moser et al., 2000; Rochford, Sen, & Quirion,
1996). Já o SKF38393, o quinpirol e a apomorfina não produziram abolição da LI. A falta
desse efeito sobre a LI indica que sua abolição exige estimulação indireta dos receptores
dopaminérgicos, como a induzida por anfetamina, fencanfamina e nicotina.

392 C lient Rcjanc Ramos Alves e M a n a Teresa Araújo Silva


Por outro lado, drogas anti-dopaminórgicas como os antipsicóticos facilitam a LI
quando administrados de forma crônica e aguda antes das fases de Pré-exposíçÔo e
Condicionamento nos diferentes procedimentos apresentados anteriormente. Em outras
palavras, facilitam a aprendizagem de irrelevância, o que se torna visível quando os sujei­
tos sâo pró-expostos a uma pequena quantidade de estímulos (p. ex; 10 tons). O efeito de
facilitação da LI é confirmado com o uso do haloperidol (droga muito usada no tratamento
de pacientes esquizofrênicos) em diferentes procedimentos experimentais (Dunn, Atwater,
& Kilts, 1993; Feldon & Weiner, 1991; Moran & Moser, 1992; Moser et al., 2000; Weiner &
Feldon, 1987, 1997; Williams et al., 1997). Resultados semelhantes foram encontrados
com outras drogas antipsicóticas típicas, como flufenazina, clorpromazina, tiotixeno,
tioridazina, mesoridazina e metoclopramida, todas essas substâncias facilitam a LI (Dunn
et al., 1993). Outros estudos testaram o efeito de drogas com propnedades antipsicóticas
atípicas, como olanzapina (Gosselin, Oberling, & Di Scala, 1996), clozapina (Moran et al.,
1996; Weiner & Feldon, 1994; Weiner, Shadach, Tarrasch, Kidron, & Feldon, 1996),
ondansetron (Warburton et al., 1994), a-flupentixol (Killcross, Dickinson, & Robbins, 1994b),
sulpirida (Feldon et al., 1991), remoxiprida (Trimble, Bell, & King, 2002), sertindole (Weiner,
Kidron, Tarrasch, Arnt, & Feldon, 1994) e risperidona (Alves & Silva, 2001)— todos, também
produziram facilitação da LI, e mais uma vez validam a participação da dopamina na LI.
Um aspecto importante da LI como modelo de esquizofrenia é não exigir
estimulação dopaminórgica prévia, tornando-se por isso sensível também às drogas de
pouca ou nenhuma ação anti-dopaminérgica. Seu uso produziu indicações de que o siste­
ma serotonérgico, cujo papel na esquizofrenia tem sido focalizado (Meltzer, Matsubara, &
Lee, 1989), pode participar da mediação neuroquímica da LI. Sabe-se que drogas com
propriedades dopaminérgicas (DA), que como foi visto bloqueiam a LI, também elevam os
níveis de serotonina (5-HT) (Lyon, 1991). Além disso, agentes serotonérgicos como o 5-
HT RU 24969 (Cassaday, Hodges, & Gray, 1993) e o 5-HT DOI (Hitchcock, Lister,
Fistfher, & Wettstein, 1997) aboliram a LI, e os antagonistas s$fòtonérgicos risperidona,
MDL100,907, clozapina preveniram o efeito do DOI (Hitchcock et al., 1997). Já os antago­
nistas de receptores serotonérgicos, como o S16924 (antagonista 5-HT ), o MDL100907
(antagonista 5-HT potente e seletivo), a ritanserina (antagonista sêletivo 5-HT ), o
MDL73147EF, o oríftansetron e dolasentron (antagonistas 5-HT ), e a risperidona (antago­
nista 5-HT ), facilitam a LI (Alves & Silva, 2001; Cassaday et al * 1993; Moran et al., 1996;
Moser et aí., 2000; Warburton et al., 1994), sendo que o MDL100907 também bloqueia o
efeito da anfetamina e do DOI (Hitchcock et al., 1997; Moran et al., 1996) sobre a LI.
Várias dessas drogas são utilizadas como antipsicóticos atípicos no tratamento de paci­
entes esquizofrênicos.
Conclui-se portanto desta breve revisão que a LI é atualmente um dos modelos
experimentais de esquizofrenia mais utilizados devido a sua sensibilidade e fidedignida-
de, e por estar fornecendo subsídios importantes para o melhor entendimento dos as­
pectos comportamentais, neurofisiológicos e psicofarmacológicos envolvidos na
esquizofrenia humana.

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Sobre Comportamento e Cognição 397


Capítulo 44
Inibição Latente: contribuição como modelo
humano do distúrbio de atenção
Liana Uns M elo'
Elenice A . de Mordes Ferrarf
João Vinícius Salgado'

A atenção

O conceito de atenção, como um processo fundamental para o desempenho hu­


mano é um dos mais antigos na psicologia. Esse processo, tão importante, tem múltiplos
significados. Uma abordagem enfatiza o estado de alerta ou de vigilância que capacita os
organismos a detectarem e receberem as diferentes informações do ambiente. Numa
outra visão, a atenção ó considerada como um processo que nos permite a seleção de
algumas informações sensoriais, dentre as múltiplas informações concorrentes (Rosenzweig
et al., 2002). A característica seletiva desse processo já era ressaltada por Wiliam James
(James, 1890) nos primórdios da psicologia experimental no final do século XIX.

“Milhões de itens que sSo apresentados aos meus sentidos nunca in­
gressam propriamente em minha experiência. Por quê? Porque esses itens não
sào de interesse para minha pessoa. Minha experiência ô aquilo que consigo
captar... Todos sabem o que ó atenção, ê o tomar posse pela mente, de modo
claro e vívido, de um entre uma diversidade enorme de objetos ou correntes de
pensamentos que ocorrem simultaneamente. Focalizaçào, concentração da cons­
ciência sâo a sua essência. Ela implica abdicar de algumas coisas para lidar
eficazmente com outras." Willian James (1890)

Intuitivamente, sabemos o que ó a atenção. Prestar atenção ó focalizar a consci­


ência, concentrando-nos em uma única tarefa principal e colocando as demais em segun-

tPrata Aaeociada Doutora de FlalofcjQia, Centro de Ciéndae de Saúde, UnJvereldede SAo Franctaco
}Prata. Livre Docente, reeponaAvel peio Laboratório de SMemae Neurata e Comportamento. Departamento de FMologta e Btoflaloa - IB, UNICAMP.
Prof Ad|unto da Faculdade Míitropolltana de Boto Horizonte, Meetre em Farmaootogta (UFMG), Doutor em Neorodêncla» (UL P) e Pateobtotogia (U8P
RP), ResIdAncla médica em Palquiatrla (UFMO)

398 l.iana Lin* Melo, Elenice A . de M om cs Ferrari e Jo«lo Vinfcius SalRado


do plano (Lent, 2001). Esse processo de focalização e concentração implica aspectos
sensoriais, neurais e comportamentais (Gazzaniga, 1995).
Até recentemente, o estudo da atenção caracterizava-se por uma separação
entre aqueles que analisavam o processamento da informação humana e as abordagens
da neurociôncia que buscavam avaliar processos de atenção em animais. Os primeiros
consideravam que a atenção envolvia um mecanismo de “filtro" das informações que
impedia a sobrecarga da capacidade limitada de sistemas centrais; a atenção poderia
participar de vários sistemas de processamento central. Por outro lado, a visão da
neurociôncia enfatizava vários mecanismos neurais que poderiam estar envolvidos na
resposta de orientação e na manutenção do estado de alerta e ativação comportamental.
Atualmente verifica-se uma tentativa de integrar essas duas visões em um campo de
pesquisa denominado neurociência cognitiva da atenção (Posner e Petersen, 1990;
Nããtânen, 1992). Se compararmos com outras funções cerebrais, o nosso conhecimen­
to sobre a atenção é incompleto. Entretanto, os avanços realizados nos últimos anos
permitiram uma melhor compreensão dos princípios que regem a organização desse
fenômeno e sugerem que a atenção funcionaria como um sistema unificado no controle
de processos mentais.
Vale ressaltar algumas considerações básicas da atenção: (1) o sistema cerebral
da atenção é anatomicamente distinto dos sistemas que processam informações sobre
aferôncias específicas. Neste sentido, o sistema de atenção é semelhante a outros siste­
mas sensoriais. Ele interage com várias regiões do cérebro, mas mantém sua própria
identidade; (2) a atenção ó processada por um conjunto de regiões anatômicas. Portanto,
não é função de um único centro, nem uma função geral do cérebro funcionando como um
todo (Mesulan, 1981; Rizzolatti et al., 1985); (3) as áreas envolvidas na atenção realizam
diferentes funções e esses processamentos específicos podem ser definidos em termos
cognitivos (Posner et al., 1988).
Existem vários distúrbios que aparentemente estão relacionados com a atenção,
incluindo a síndrome de negligência, o traumatismo craniano fechado, a esquizofrenia e o
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. O estudo da atenção em termos de sua
anatomia e função torna-se útil para esclarecer as bases subjacentes dessas desordens.
Em particular, muitos desses distúrbios envolvem um processamento a nível cortical e sua
influência sobre os sistemas de neurotransmissores subcorticais.
O esforço para relacionar a atenção com circuitos cerebrais específicos depende
da existência de métodos disponíveis adequados que garantam essa relação.

A Inibição Latente como um procedimento de avaliação da atenção

A Inibição Latente (IL) é a propriedade comportamental caracterizada pelo fato de


que a pré-exposição não-reforçada a um estímulo retarda o condicionamento subsequente
a esse estímulo. Essa propriedade, inicialmente baseada na teoria clássica da aprendiza­
gem, tem sido útil para avaliar disfunções de atenção, inicialmente em modelos animais
de esquizofrenia, e também em grupos patológicos incluindo crianças hiperativas, pacien­
tes portadores do mal de Parkinson ou esquizofrenia (Gray et al., 1991; Lubow, 1997;
Lubow e Gerwirtz, 1995).

Sobre Comportamento c Coflnlçío 399


Embora a IL já tenha sido extensivamente demonstrada em animais e em seres
humanos, sua explicação ainda permanece obscura. Provavelmente a apresentação repe­
tida não reforçada do estímulo durante a pré-exposição favorece o estabelecimento de
uma associação estímulo-não-consequêncla. Além disso, nessa situação também se
estabelece uma associação entre o estímulo e o contexto no qual ele é apresentado. De
acordo com a Hipótese de Recuperação da Informação, a associação formada durante a
pré-exposição pode competir com a associação formada na fase de aquisição (Bouton,
1993). Outra teoria procura explicar a IL como a capacidade do organismo de aprender a
ignorar estímulos irrelevantes (Lubow, 1997). Segundo essa teoria, denominada de Apren­
dizagem de Irrelevância, durante a fase de pré-exposição o sujeito aprenderia que o estí­
mulo não sinaliza qualquer evento de importância ou relevância motivacional por não estar
associado a reforço. Desta maneira o estímulo perderia a sua relevância, o que pode
explicar porque o sujeito demora mais a perceber que esse estímulo tornou-se relevante
na fase de Condicionamento (Alves et al., 1999; Mackintosh, 1974).

Um procedimento de Supressão Condicionada para avaliar a Inibição La­


tente em seres humanos

Os procedimentos utilizados para estudar a IL nos animais de laboratório diferem


consideravelmente daqueles empregados em seres humanos, de tal modo que não se
pode afirmar com certeza que os estudos nos animais e no homem tratam do mesmo
fenômeno (Salgado, 2000a). Para a segura interpretação dos resultados obtidos em ani­
mais de laboratório, é necessário que seres humanos, inclusive portadores de esquizofrenia,
sejam testados em procedimentos similares.
Os modelos empregados em animais para estudar a relação entre IL e
esquizofrenia utilizam, em sua maioria, procedimentos de resposta emocional condicio­
nada, particularmente a supressão condicionada (SC). Na SC, um estímulo neutro (nor­
malmente um som) é associado a um estímulo incondicionado aversivo (usualmente um
choque elétrico nas patas). Feita a associação, o estimulo neutro, agora um estimulo
condicionado aversivo, passa a produzir medo que se traduz pela supressão do compor­
tamento em curso (geralmente lambidas em um recipiente com água pelo animal seden­
to). Na fase de teste, a IL é verificada pelo grau de supressão do comportamento obser­
vado durante a apresentação do som, comparando-se um grupo pré-exposto com um
não pré-exposto ao som (Killcross e Robbins, 1993). Além da SC, poucos procedimen­
tos foram utilizados para estudar a IL como modelo experimental de esquizofrenia em
animais. São eles a resposta emocional condicionada com estímulos apetitivos (Killcross
et al., 1994; Han et al., 1995), a aversão condicionada do sabor (Ellenbroek et al., 1995;
1996; 1997; Turgeon et al., 1998; Aguado et al., 1994; Gallo et al., 1998; Reilly et al.,
1993), o condicionamento palpebral (Schmajuk, 1994) e a esquiva de duas vias (Solomon
et al., 1981, Solomon e Staton, 1982). Todos esses procedimentos se baseiam em
respostas condicionadas frente a estímulos aversivos ou apetitivos. Note-se que as ca­
racterísticas da IL podem variar conforme o procedimento utilizado.
Em contraste com as pesquisas em animais de laboratório, a maioria dos estu­
dos da IL em seres humanos utilizou tarefas que envolviam aprendizagem de regras
(Ginton et al., 1975). Nessas situações, os sujeitos devem, por exemplo, aprender a

400 I lana Uns M elo, Flenlce A . de Moraes Ferrari e Joâo Vlnicius Salgado
relação de contingência entre um ruído e a alteração ocorrida em um placar eletrônico,
sendo que metade dos sujeitos foi pré-exposta ao ruído. AIL ocorre se os sujeitos pré-
expostos ao ruído necessitarem de mais tentativas para aprender a regra (o ruído sem­
pre precede a alteração no placar) do que o grupo não pré-exposto. A maioria dos estudos
de IL em pacientes com esquizofrenia ou em sujeitos com personalidade esquizotípica,
como também estudos farmacológicos com voluntários sadios, utilizaram esse tipo de
procedimento.
A tarefa de aprendizagem de regras ó muito diferente do procedimento de SC
utilizado em animais de laboratório. Na realidade, eles são similares apenas no fato de
que ambos envolvem uma fase de pré-exposição seguida de uma aprendizagem
associativa. Todos os outros pormenores diferem, especialmente o emprego de estí­
mulos aversivos com forte significado biológico, como o choque elétrico, na SC, en­
quanto na aprendizagem de regras o comportamento é motivado meramente pelo de­
sejo de completar a tarefa com sucesso. Além disso, esse procedimento necessita de
uma tarefa de mascaramento para evidenciara IL. Lubow (1989) argumenta que nor­
malmente os seres humanos conseguem reconhecer a mudança da fase de pré-expo­
sição para a fase de teste e assim o efeito da pré-exposição é reduzido. Na ausência
da tarefa de mascaramento apenas crianças abaixo de seis anos de idade evidenciam
IL no procedimento de aprendizagem de regras (Lubow, 1989). A tarefa de mascaramento
seria usada com o intuito de engajar a atenção dos sujeitos e prevenir esse artefato.
No caso, a tarefa de mascaramento consiste em contar sílabas sem sentido apresen­
tadas durante a pré-exposição.
Além da falta de semelhança com os procedimentos usados em animais de
laboratório, a tarefa de aprendizagem de regras apresenta outros inconvenientes para
testar a IL em pacientes com esquizofrenia. Primeiro, a aprendizagem ou se dá muito
rápido ou simplesmente não ocorre (Lubow, 1997). Tal padrão de resposta pode produ­
zir valores baixos (efeito piso), de tal forma que o desempenho um pouco abaixo do
normal resultará em resultados extremos. Isso é particularmente indesejável em tes­
tes com pacientes esquizofrênicos. Segundo, em virtude da utilização da tarefa de
mascaramento, esse procedimento envolve na verdade duas tarefas, o que dificulta
aplicá-lo e interpretá-lo em pacientes com esquizofrenia. Terceiro, o procedimento
inclui a estimativa de uma regra de contingência, função cognitiva sabidamente altera­
da em pacientes delirantes (Garety et al., 1996), como os portadores de esquizofrenia
em fase aguda.
Lubow (1997) propôs um procedimento de busca visual como alternativa ao proce­
dimento de aprendizagem de regras. Nele, pacientes com esquizofrenia apresentaram IL
limítrofe. Apesar de algumas vantagens potenciais (Lubow, 1997), trata-se de um procedi­
mento que, além de requerer tarefa de mascaramento, também está muito distante dos
modelos de IL utilizados em animais.
Vaitl e Lipp (1997) produziram abolição da IL em pacientes esquizofrênicos não-
medicados, por meio do procedimento de respostas condicionadas eletrodérmicas. Em­
bora seja modelo mais próximo dos utilizados em animais, o padrão não-usual e inconsis­
tente de respostas eletrodérmicas em pacientes com esquizofrenia pode desafiar a valida­
de desses resultados (Ohman, 1981).

Sobrr Comportamento e CoflniçJo 401


Dois outros procedimentos testaram a IL em seres humanos: o condicionamento
palpebral (Schnur e Ksir, 1969; Hulstijn, 1978) e a aversão condicionada do sabor (Cannon
et al., 1983; Arwas et al., 1989). O primeiro também necessita de tarefa de mascaramento.
O segundo é inviável em pacientes com esquizofrenia por razões éticas.
Outro problema com modelos de IL utilizados em seres humanos, até o presen­
te, é que, em conjunto, apresentam resultados inconclusivos quanto à avaliação da IL
em voluntários sadios sob efeito de fármacos dopaminórgicos bem como em pacien­
tes com esquizofrenia. Há estudos que mostram redução da IL em pacientes com
esquizofrenia em fase aguda e IL normal em voluntários sadios e em pacientes crônicos
sob tratamento (Baruch et al., 1988a; Gray et al., 1992a; Vaitl e Lipp 1997). Foram
excluídos os pacientes em fase aguda que estivessem em tratamento antipsicótico há
mais de duas semanas ou tivessem tomado alguma medicação antipsicótica nos últi­
mos seis meses. Outros estudos mostraram que sujeitos com personalidade
esquizotípica pronunciada possuem IL reduzida em relação àqueles com personalida­
de esquizotípica pouco pronunciada (Baruch et al., 1988b; Lubow et al., 1992; Lipp et
al., 1992; Lipp e Vaitl 1992; De la Casa et al., 1993). Existem, entretanto, estudos que
não demonstraram redução de IL em pacientes com esquizofrenia em fase aguda.
Gray et al., (1995) encontraram IL intacta em pacientes em fase aguda que nunca
tomaram medicação antipsicótica, mas que estavam doentes há mais de um ano.
Swerdlow et al., (1996) verificaram IL intacta em pacientes em fase aguda, indepen­
dentemente da medicação ou da duração da doença. Por fim, Willians et al., (1998)
evidenciaram IL intacta em pacientes em fase aguda, sem qualquer medicação
antipsicótica prévia, e redução da IL em pacientes em fase aguda, sob medicação
antipsicótica há menos de duas semanas. Os estudos sobre neurotransmissão
dopaminérgica e IL, em voluntários sadios, também apresentam resultados conflitantes.
Foi demonstrado que a administração de 5 mg, mas não 10 mg, de anfetamina reduz
a IL (Gray et al., 1992b; Thornton et al., 1996), enquanto a de haloperidol (0,5 e 1 mg)
a eleva (Willians et al., 1996,1997). Outro estudo, entretanto, mostrou que o haloperidol
(1 mg) reduz a IL (Willians et al., 1998) e outro mostrou que a nicotina não a altera
(Thornton et al., 1996).

O procedimento da Torre de Toronto

O procedimento da Torre de Toronto (TT) ó uma tentativa de se obter um modelo


para avaliar por meio do procedimento de supressão condicionada, semelhante ao aplica­
do a animais de laboratório e que mostre resultados coerentes e replicáveis quando utili­
zado em pacientes com esquizofrenia e em voluntários sadios sob efeito de fármacos
dopaminérgicos.
Para sua execução, os sujeitos são convidados a resolver a tarefa da TT (Saint-
Cyr et al., 1988), de modo a que essa integre um procedimento de supressão condiciona­
da, adaptado a seres humanos a partir do modelo de Estes e Skinner (1941). A TT é o
aparelho composto por uma base de madeira sobre a qual estão fixados trôs pinos de
plástico (altura 125 mm, diâmetro 8 mm, espaço entre-pinos 90 mm), direito, central e
esquerdo. Nesses pinos se encaixam quatro argolas de madeira (diâmetro 50 mm, altura
14 mm, peso 50g) de cores distintas: branca, amarela, vermelha e preta (Fig. 1).

402 liana l.ins M elo, Henice A . de Morae* Ferran e Joáo V iníciui Salfjado
Tarefa da Torre de Toronto

Figura 1. A Torre de Toronto: O sujeito deverá mover as argolas do pino esquerdo e


rearranjá-las na mesma ordem de cores no pino direito obedecendo a duas regras: mover
somente uma argola de cada vez e jamais colocar uma argola mais escura sobre outra mais
clara. Um sinal luminoso localizado na base da torre indica o momento de iniciar a tarefa.

A tarefa da TT ó realizada da maneira descrita a seguir.


O aparelho ó apresentado ao sujeito com as argolas arranjadas no pino esquerdo,
as mais escuras embaixo das mais claras, ficando o conjunto, de baixo para cima, na
ordem: preta, vermelha, amarela e branca. O sujeito é instruído a mover as argolas do pino
esquerdo e rearranjá-las na ordem original no pino direito, mas tendo de obedecer a duas
regras: mover somente uma argola de cada vez e jamais colocar uma argola mais escura
sobre outra mais clara. Uma luz vermelha localizada na base da torre sinaliza o momento
de iniciar a tarefa. Nenhuma informação adicional é dada aos sujeitos.
Cada pino da torre ó equipado com quatro detectores eletromagnéticos (S443A,
Honeywell, França) e cada argola possui um ímã em seu interior (101 M 67, Honeywell,
França). Isso permite que um computador conectado aos detectores eletromagnéticos
receba, de maneira constante, informações sobre a posição das argolas. Assim, progra­
mas nele instalados podem registrar o tempo de execução de cada movimento feito com
qualquer uma das argolas e mostrar graficamente a execução da tarefa da Torre de Toron­
to (TTT) na tela, atualizando-a todo o tempo, em relação à posição das argolas.
A torre fica sobre uma mesa encostada em uma parede da sala. Durante a reali­
zação da TTT, os sujeitos, sentados de frente para a torre, não podem ver nem o
experimentador sentado junto a outra mesa, nem a tela do computador.
A avaliação da IL pela TTT compreende dois momentos subseqüentes: a
automatização da tarefa e o experimento propriamente dito. Esta estratégia permite que,
durante o experimento propriamente dito, a realização da TTT fosse tarefa rotineira, reali­
zada sem esforço.
A automatização da tarefa ocorre antes do início do experimento propriamente
dito (Fig. 2). O sujeito é instruído a resolver a tarefa da TT várias vezes, sucessivamente,
até que adquira a capacidade de realizá-la automaticamente. Estudos prévios mostraram
que, com a prática, a execução da tarefa torna-se progressivamente mais rápida, regular

Sobre Comportamento e Cognlvão 403


e sem esforço (Michel et al., 1998). No presente texto, portanto, o termo automatização
refere-se à capacidade, adquirida atravós da repetição, de realizar a tarefa sem esforço e
de maneira regular. As regras para comprovar a automatização são:

Critérios para Automatização na Tarefa da


Torre de Toronto
• A tarefa deve ser resolvida em 15 movimentos.
• As laténcias dos movimentos devem ser homogéneas ao longo da tenta­
tiva: elas são classificadas em ordem decrescente e submetidas a re­
gressão linear de primeira ordem, cuja inclinação deve ser menor que 40
ms/movimento.
• Os dois primeiros critérios devem estar presentes em pelo menos 4 reso­
luções sucessivas.

Figura 2. Automatização da Tarefa da Torre de Toronto: Somente no momento em


que o indivíduo atingir os critérios acima será considerado apto para ser submetido ao
procedimento de IL.

1) a resolução da tarefa em 15 movimentos (número mínimo possível).


2) o resultado menor que 40 ms por movimento para a inclinação da reta obtida pelo
cálculo da regressão linear dos tempos, classificados em ordem decrescente, dos
diferentes movimentos da resolução. Após cada tentativa de resolução da tarefa, o
computador calcula automaticamente a inclinação da reta, permitindo ao experimentador
verificar imediatamente se o sujeito atingiu este critério de automatização.
3) a verificação do cumprimento das duas primeiras regras em, pelo menos, quatro tenta­
tivas sucessivas.
A fase de automatização da tarefa dura em média 40 min.
O experimento propriamente dito, que se inicia 15 minutos após o final da fase de
automatização, consiste em 26 resoluções sucessivas da TTT. Durante cada uma dessas
resoluções, vários tons neutros (85dB, 360 HZ, 1 s) e um ruído branco (105dB, 1s) são
apresentados ao sujeito. Os sons são gerados pelo computador e emitidos, de acordo
com a programação deste, por dois alto-falantes colocados, à direita e à esquerda, sobre
a mesma mesa onde está a Torre de Toronto, 30 cm atrás desta.
O experimento se divide em fase de pré-exposição (resoluções 1 a 17), fase de
aquisição (resolução 18) e fase de teste (resoluções 19 a 26; Ver Fig. 3). O som neutro
corresponde ao estimulo condicionado (EC) e o ruído branco ao estímulo incondicionado
(El). A apresentação dos estímulos durante as fases do teste se faz conforme o grupo
experimental em pauta.
Os sujeitos são alocados randomicamente a dois grupos experimentais compará­
veis quanto a sexo, idade e nível educacional, de modo que cada grupo seja composto por
12 sujeitos. Um grupo é pré-exposto ao estímulo a ser condicionado e o outros não é pré-
exposto. Os estímulos apresentados a cada grupo, em cada fase do teste, são descritos
a seguir. (Ver Fig. 4)

404 Liana l.ln i M elo, Henlce A . de Moraes Ferrari e Joâo Vinícius Salgado
PRE-EXPOSIÇÃO AQUIStÇAp. . j TESTE

GRU (P E )

5 apresentações 3 apresentações
do som StSBÇs do som

G R U P O N Â O P R E -E X P O S ' 0 (N P E )

0 apresentações [ „ um parta mento 3 apresentações


do som somtaiido do som
L_ ......... — .............. . -J . r-

Figura 3. Procedimento de IL utilizando a Torre de Toronto: Representação das três


fases a que serão submetidos os sujeitos do grupo PE e NPE após automatização da tarefa.

Procedim ento d e Inibição Latente (26 tarefas)

Grupo PE „ „. Fr

Figura 4. Esquematização do Procedimento de (L utííízando a Torre de Toronto: Os


quadrados em verde (VD) representam o momento em que é apresentado o som (EC) aos
indivíduos do grupo PE. A fase de condicionamento corresponde a 18* tentativa durante a qual
é apresentado o som seguido pelo ruído branco (EC-EI) (quadrados em vermelho (VM)) e
finalmente, na fase de teste, o som é apresentado na 22*. 24* e 26* tentativas (quadrados em
cinza(CN)). As fases de condicionamento e teste são iguais para ambos grupos PE e NPE.

Sobre Comportamento c Cognição 405


Grupo pré-exposto:

Fase de pró-exposição:
O EC é apresentado cinco vezes como se segue: ao final do quinto movimento da
5" tentativa, ao final do terceiro movimento da 8* tentativa, ao final do quarto movimento da
10atentativa, ao final do segundo movimento da 11atentativa e ao final do quarto movimen­
to da 14atentativa.
Fase de aquisição ou condicionamento:
Ao final do quinto movimento da 18atentativa, o EC é apresentado imediatamente
seguido pelo El, não ocorrendo qualquer intervalo entre os dois estímulos, Essa apresen­
tação de estímulos corresponde, portanto, ao pareamento EC-EI.
Fase de teste:
O EC ó apresentado, isoladamente, trôs vezes como se segue: ao final do tercei­
ro movimento da 22atentativa, ao final do quarto movimento da 24atentativa e ao final do
segundo movimento da 26atentativa
Grupo não pró-exposto:
No grupo não pré-exposto (NPE) o procedimento é idêntico ao utilizado no grupo
pró-exposto (PE), exceto pelo fato de que, durante a fase de pré-exposiçào, não ocorrem
apresentações do EC.
Os grupos são comparados em função da perturbação provocada pelo EC na fase
de teste. O EC, na ausência de condicionamento prévio, usualmente não interfere na
realização da TTT (Vidal, 1996). O El, por outro lado, ó aversivo e provoca perturbação que
corresponde à supressão temporária das atividades em curso. Essa perturbação provocada
pelo El se traduz, em 100% dos casos, pelo aumento no tempo de um ou mais dos quatro
movimentos que se seguem ao estímulo. Na maioria dos casos, a perturbação ocorre no
segundo movimento pós-estfmulo. Porém, no caso de um sujeito muito rápido, ela pode
ocorrer no terceiro ou no quarto movimento pós-estímulo. Inversamente, se o sujeito for
muito lento, a perturbação pode ocorrer no primeiro movimento pós-estímulo (Vidal, 1996).
Assim, para avaliar a perturbação provocada pelo EC na fase de teste, adota-se o valor em
segundos do maior dentre os tempos dos quatro movimentos posteriores ao estímulo.
Essa medida é chgmada de “latência de movimento pós-estímulo" (LAMPE). Foi estabe­
lecido o valor máximo (tempo de corte) de quatro segundos para a LAMPE. Experimentos
pilotos mostraram que a maioria das respostas se situam entre 1 e 4 segundos, e que um
valor eventualmente obtido acima do tempo de corte geralmente não traduz apenas a
perturbação pelo estímulo, mas também fatores associados, como comentários do sujei­
to a respeito do estímulo ou a queda da argola no chão.
Na comparação entre as LAMPEs uma diferença significativa entre o grupo NPE
e o grupo PE indica a presença de IL no grupo PE, pois a diferença entre estes grupos
ocorre na fase de pró-exposição. O grupo PE recebe cinco apresentações do EC e o
grupo NPE não recebe apresentações do EC.
No estudo de validação do modelo (Salgado, 2000a) utilizou-se um terceiro grupo
experimental, o pseudocondicionado (PS). O grupo PS é idêntico ao grupo NPE exceto

406 Liana Lins M tlo , fcfenice A . de Moraes Ferrari e /oáo Vinícius Salgado
pelo fato de o CS ó apresentado sem ser pareado ao El. Ele serviu para verificar se o
aumento da LAMPE no grupo NPE é uma forma de condicionamento pois a única diferen­
ça entre os grupos PS e NPE ó a presença da associação EC-EI no grupo NPE. Esse
condicionamento seria uma forma de supressão condicionada, pois se traôuz por supres­
são do comportamento em curso (Estes e Skinner, 1941). Nesse estudo as LAMPES do
grupo NPE foram significativamente maiores que aquelas dos grupos PE e PS, as quais
foram semelhantes entre si. Esse resultado indica a presença de supressão condicionada
no grupo NPE e de IL no grupo PE.
Salgado et al., (2000b) verificaram o efeito da anfetamina sobre a IL pelo procedi­
mento da TT. Foram utilizados três grupos PE (anfetamina 5mg. anfetamina 10mg e placebo)
e três grupos NPE (idem). A análise dos resultados mostrou que os grupos NPE não
foram afetados pela anfetamina. Os grupos 10 mg PE, por outro lado, mostraram valores
de LAMPE significativamente maiores que os demais grupos PE. Isso significa que a
anfetamina não afeta o condicionamento, mas na dose de 10 mg, abole a IL. Esse estudo,
portanto, constitui importante validação farmacológica para o procedimento da TT pois
mostra que a IL, como nos experimentos com animais de laboratório, é abolida pela
anfetamina.

Conclusões

Como discutido anteriormente, o procedimento da Torre de Toronto representa um


modelo para avaliar a supressão condicionada de uma resposta operante em humanos, de
modo semelhante ao que se faz com animais de laboratório. Esse procedimento seria
especialmente interessante na busca de resultados coerentes e replicáveis entre popula­
ções de pacientes portadores de esquizofrenia e de voluntários sadios, sob o efeito de
fármacos dopaminérgicos.
Nesse sentido, haveria a possibilidade de se utilizar procedimentos que permitiri­
am investigar (a) os processos comportamentais, implicados na aquisição de respostas
emocionais condicionadas; (b) processos de sobreposição operante-respondente envolvi­
dos nessa situação de aprendizagem; (c) as interações entre a exposição prévia a estímu­
los não reforçadores e a aquisição de novas relações funcionais entre esse estímulo e
outro estímulos (relação estímulo-estímulo) ou respostas (relação resposta-estímulo); (d)
a validação de procedimentos farmacológicos por meio dessas análises comportamentais;
e (e) maior compreensão dos mecanismos neurais subjacentes a esses processos.
A atenção coloca-se como um processo primordial no contexto dessa análise, na
medida que a detecção, orientação, transdução e codificação sensorial dos estímulos
utilizados constituem uma etapa essencial para a integração das informações fornecidas
por eles. O fato da IL retardar a aprendizagem imediatamente posterior fornece indícios de
que estaria relacionada com a alteração do processo de atenção. Essa argumentação
fundamenta a sua utilidade na análise de processos de atenção na esquizofrenia, atribuin­
do-lhe uma aplicabilidade clínica interessante.
O procedimento da TT, portanto, mostra-se bastante promissor para avaliar a
IL por meio de supressão condicionada em seres humanos. Estudos futuros que con­
tinuem a validação farmacológica desse modelo, contribuirão para o estudo de paci-

Sobrc Comportdmenlo c Cojjnlçâo 407


entes com esquizofrenia e a melhor compreensão desse transtorno que aflige uma
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Sobre Comportdmento e Coflniçao 411


Capítulo 45
Qualidade de vida em pacientes com
Transtorno Obsessivo-Compulsivo
Isabela IX Soares
Bernard Rangf
Mauro V. Mendiowicz
Leonardo F. FonteneUe’
Carlos Américo Alves Pereira*

O conceito de qualidade de vida vem sendo estudado há muitos anos sob pers­
pectivas diversas, tais como a filosófica, a sociológica e a médica. Este conceito é bem
amplo e abrange muitos aspectos da existência do indivíduo, como os culturais, os esté­
ticos, os políticos, os econômicos e os ecológicos. Sendo assim, não há um consenso
sobre sua definição.
Atualmente, há um interesse crescente no estudo da qualidade de vida em geral,
principalmente da qualidade de vida relacionada à saúde. Na ausência de um conceito
universalmente aceito, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reuniu diversos especia­
listas de nacionalidades diferentes e conceituou a qualidade de vida a partir de sua defini­
ção de saúde (Fleck, 2000).
Os transtornos de ansiedade correspondem aos transtornos mentais com maior
prevalência na população (Mendiowicz e Stein, 2000). Diversos estudos demonstraram a
ocorrência de deterioração da qualidade de vida destes indivíduos, variando sua gravidade
com o tipo do transtorno.
O transtorno obsessivo-compuísivo (TOC) é um exempío de transtorno de ansie­
dade de evolução crônica e de difícil tratamento, que causa um prejuízo substancial no
funcionamento do indivíduo, gerando um grande sofrimento tanto para os pacientes quanto
para suas famílias (Hollander e cols, 1996). Não há ainda muitos estudos sobre a qualida­
de de vida dos pacientes com TOC, nem tampouco sobre a influência dos diversos tipos
de tratamento em suas diversas dimensões.

•UFRJ

412 l&dbfJd IX Soarei, Bernard Rangé, M<i uro V . M rn d tn v ío , Leonardo h bonteneile, Carlos A . A . Perríra
Qualidade de vida relacionada à saúde

A relação entre saúde e qualidade de vida vem sendo estudada desde o nasci­
mento da medicina social, nos séculos XVIII e XIX (Minayo, Hartz e Buss, 2000). Em 1946,
a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu saúde como um completo estado de bem-
estar fisico, mental e social e não meramente a ausência de doença (World Health
Organization - WHO, 1946). Fleck (2000) ressalta que tanto as políticas como a própria
formação dos profissionais em saúde sempre colocaram a prioridade no controle da
morbidade e mortalidade, sendo recente a preocupação com a avaliação de medidas de
impacto da doença e comprometimento das atividades diárias, medidas de percepção da
saúde e medida de disfunçãoIstatus funcional.
Na ausência de um consenso sobre a definição de qualidade de vida, a OMS reuniu
especialistas de várias partes do mundo que a definiram como: u"a percepção do indivíduo
de sua posiçào na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em
relação aos seus objetivos, expectativas, padrões epreocupaçõesm(The WHOQOL Group,
1995). Como se vê, a qualidade de vida ó um conceito amplo que abrange a complexidade
do construtoe inter-relaciona o meio ambiente com aspectos físicos, psicológicos, nível de
independência, relações sociais e crenças pessoais (Fleck, 2000, p. 34).
Nos últimos anos, tem havido um crescente interesse na avaliação da qualidade
de vida em medicina. A qualidade de vida tem sido utilizada como um critério de avaliação
dos efeitos de intervenções tanto relacionadas à saúde como aos cuidados módicos em
geral (Patrick e Erickson, 1988). A partir da avaliação da qualidade de vida de pacientes
submetidos a determinados tratamentos, tanto psicoterápicos quanto farmacológicos, pode-
se decidir quanto a alternativas de tratamento, objetivando a melhora da qualidade de vida
dos pacientes.
Aaronson et al. (1988) sugerem que a avaliação da qualidade de vida deve abran­
ger pelo menos os quatro seguintes domínios: (1) estado físico funcional; (2) doença e
tratamento relacionados aos sintomas físicos; (3) funcionamento psicológico; e (4) funci­
onamento social. Domínios adicionais que possam ser relevantes em particular para uma
cultura específica ou população clínica (tais como função sexual, imagem corporal ou
sono) podem ser, algumas vezes, incluídos na avaliação para aumentar a margem de
cobertura (Aaronson, 1989).

Avaliação da qualidade de vida no âmbito da saúde

Os primeiros estudos sobre qualidade de vida relacionada à saúde tinham por


objetivo determinar se os tratamentos disponíveis para os portadores de câncer poderiam
não somente melhorar sua expectativa de sobrevivência, mas também melhorar seu sen­
so de bem-estar (Spitzer, Dobson e Hall, 1981). Posteriormente, diversos estudos foram
realizados para comparar tratamentos para uma patologia em termos de funcionamento,
bem-estar e satisfação de vida.
No âmbito da saúde, a avaliação da qualidade de vida se dá através de estudos
epidemiológicos e ensaios clínicos. Os diversos instrumentos de avaliação de qualidade de
vida disponíveis se dividem naqueles mais genéricos, que aferem a qualidade de vida em geral,
ou mais específicos, relacionados a determinadas doenças, condições ou populações.

Sobre ComporUmento e Cognição 413


Alguns autores sugeriram a utilização de um instrumento genérico associado a
um instrumento específico nos estudos sobre qualidade de vida. Isso se deve ao fato de
ambos os tipos de instrumentos possuírem algumas vantagens e limitações. Por exem­
plo, os instrumentos específicos permitem detectar mudanças quantitativamente peque­
nas que podem, no entanto, ter implicações significativas, mudanças para as quais os
instrumentos genéricos podem ser relativamente insensíveis. Entretanto, a utilização dos
instrumentos específicos impossibilita a comparação entre populações com diferentes
patologias, o que é possível com os instrumentos genéricos. Dessa forma, a escolha de
um instrumento de pesquisa deve ser feita a partir do objetivo do estudo (Mendlowicz e
Stein, 2000).

Qualidade de vida nos transtornos de ansiedade

Os transtornos de ansiedade constituem um dos transtornos mentais mais


freqüentes na população. Diversos estudos sugerem que a qualidade de vida de pacientes
com diferentes tipos de transtornos de ansiedade pode ser afetada de maneiras distintas
(Mendlowicz e Stein, 2000). Ainda que o estudo sistemático sobre a qualidade de vida de
pacientes com esses transtornos seja recente, identifica-se, cada vez mais, um prejuízo
substancial, outrora negligenciado, na qualidade de vida subjetiva, no funcionamento objetivo
e nas circunstâncias ambientais desta população (Schneier, 2000).
A avaliação da qualidade de vida nos transtornos de ansiedade tem permitido
identificar a extensão e impacto dessas condições na vida dos pacientes. Os transtornos
de ansiedade parecem afetar a qualidade de vida dos pacientes devido ao estresse provo­
cado pela ansiedade em si, à evitação que acompanha o medo do sofrimento e ao estigma
associado a ter problemas emocionais. Alguns pacientes podem ainda ser afastados do
trabalho, de seus relacionamentos e de suas atividades em conseqüência dos sintomas
cognitivos (como medo, preocupação e obsessão) ou pelos sintomas de ativação fisioló­
gica (como palpitação, sudorese, urgência urinária, náusea e vômitos etc.), presentes no
transtorno do pânico, na fobia social, no transtorno do estresse pós-traumático e no trans­
torno de ansiedade generalizada (Schneier, 2000). Recentemente, tem sido observado um
grande empenho de diversos pesquisadores em avaliar a qualidade de vida de uma forma
mais globaJ e completa usando diversos enfoques em amostras distintas, incluindo tanto
em pessoas da comunidade quanto em pacientes tratados em nível primário ou em servi­
ços de psiquiatria. Alguns estudos têm avaliado a qualidade de vida em transtornos espe­
cíficos, enquanto outros investigam apenas os sintomas de ansiedade ou transtornos de
ansiedade como uma categoria ampla e única.
De acordo com Mendlowicz e Stein (2000), na primeira geração de estudos sobre
o impacto dos transtornos de ansiedade na qualidade de vida dos pacientes eram, em sua
maioria, feitas comparações com a qualidade de vida de indivíduos com alguma doença
física ou com depressão maior. Estudos mais recentes mudaram seu foco de investigação
e passaram a comparar a qualidade de vida entre indivíduos com diferentes transtornos de
ansiedade. Há ainda a necessidade de pesquisas adicionais que corroborem os resulta­
dos observados até o momento (Mendlowicz e Stein, 2000).

414 Isabela D. Soares, Bernard Rangt, M aun) V . M endow ic/. Leonardo F. Fonlenellc, Carlos A , A . Pereira
Qualidade de vida no Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Ao longo da história, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) tem sido objeto de


interesse de diversas abordagens etiopatogênicas. Nos últimos 15 anos, embora não tenha
havido uma mudança significativa na definição do TOC, o entendimento sobre o transtorno
mudou radicalmente. Atualmente, o TOC já não é mais visto como um transtorno raro, sem
tratamento e determinado apenas por aspectos psicológicos (Hollander, 1997).
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) chegou a ser considerado o quarto trans­
torno psiquiátrico mais comum, com uma prevalência de 2 a 3% da população em geral,
de acordo com o estudo da área de captação epidemiológica (Karno e cols, 1988; Hollander
e cols, 1996). Estas taxas foram consideradas excessivamente elevadas e resultantes da
coleta de dados por entrevistadores leigos, sem treinamento adequado. Mais recentemen­
te, Stein e cols (1997) encontraram uma prevalência menor, de 0,6% da população em
geral, em um estudo com entrevistadores treinados. Apesar dessa discrepância, o TOC
continua acometendo um número extremamente elevado de indivíduos da população em
geral, sendo indubitavelmente considerado uma doença de grande importância para a
saúde pública (Del-Porto, 2001). O TOC freqüentemente apresenta um curso crônico e
produz um grande impacto, na vida de pacientes, familiares, amigos e sociedade (Hollander
ecols, 1996).
Atualmente, sabe-se que disfunções de determinados sistemas de
neurotransmissão e de alguns neurocircuitos possuem um importante papel na fisiopatologia
do TOC. Enquanto estudos terapêuticos sugerem que a serotonina é o principal
neurotransmissor envolvido, trabalhos com neuroimagem funcional realizados durante os
anos 90 apontam para a existência de um aumento da atividade do circuito que conecta o
córtex órbito-forntal, cabeça do núcleo caudato, globo pálido e tálamo (Hollander, 1997).
De acordo com o Manual Estatístico e Diagnóstico dos Transtornos Mentais, 4
edição [DSM-IV] (APA, 1994), as características essenciais do TOC são pensamentos
recorrentes e perturbadores (obsessões) e comportamentos repetitivos conduzidos com o
objetivo de aliviar a ansiedade resultante ou de acordo com regras rígidas (compulsões).
Esses sintomas consomem tempo e causam sofrimento acentuado ou prejuízo signi­
ficativo. Muito freqüentemente, o TOC se inicia na infância e na adolescência (APA, 1994).
Diversos tipos de tratamento foram testados em pacientes com TOC. Entretanto,
apenas dois tipos de abordagens apresentam um efeito significativo na intensidade dos
sintomas: o tratamento farmacológico com inibidores seletivos de recaptação da serotonina
(SRIs), e o tratamento comportamental. A melhora clínica associada a estes tratamentos
está acompanhada de uma diminuição da atividade metabólica em região orbito-frontal e
do núcleo caudado (Baxter e cols., 1992).
A eficácia de abordagens comportamentais no tratamento do TOC, particularmen­
te a técnica de exposição com prevenção de respostas, está bem estabelecida na litera­
tura internacional. Essa técnica é útil não somente imediatamente após o tratamento,
mas também resulta em benefícios após meses e até anos (Steketee, 1993). Entretanto,
em alguns casos, a resposta ao tratamento é insuficiente, como por exemplo, em pacien­
tes que apresentam episódio depressivo maior, em indivíduos com pouco insight, e em
pacientes com síndromes predominantemente obsessivas.

Sobrr Comporl.mien/o e Cognição 415


Nos últimos anos, diversos pesquisadores também tôm investigado ativamente
os aspectos cognitivos do TOC, já que os pensamentos disfuncionais parecem servir de
combustível essencial para a perpetuação dos sintomas em um grande número de paci­
entes resistentes ao tratamento (Torres, 1998). Dentre os mecanismos cognitivos envolvi­
dos no TOC encontramos: interpretações catastróficas, fusão entre o pensamento e a
ação, perfeccionismo e intolerância à incerteza, percepção exagerada do perigo, senso
de responsabilidade pessoal exacerbado, hipervalorizaçâo dos pensamentos intrusivos,
preocupação excessiva com o controle dos pensamentos e processos inferenciais ilógi­
cos envolvendo confusão entre imaginação e realidade (Torres, 1998). Estudos sugerem
que a terapia cognitiva pode ser útil em pacientes que não respondem satisfatoriamente a
terapia comportamental convencional (Lotufo Neto e Baltieri, 2001), incluindo aqueles com
episódio depressivo maior, predominância de pensamentos obsessivos ou pouco insight.
Ao contrário de pacientes acometidos por diversos transtornos psiquiátricos, pa­
cientes com TOC, em geral, escondem seus sintomas devido à sua estranheza e aos
sentimentos de vergonha e humilhação por ele experimentados. Os pacientes podem
desconhecer que profissionais de saúde mental estão habilitados a tratá-los, retardando o
início de seu tratamento (Hollander e cols, 1996).
Apesar do conhecido prejuízo que o TOC causa em seus portadores, existem pou­
cos estudos que avaliam a qualidade de vida desses pacientes na literatura internacional
(Mendlowicz e Stein, 2000). Os resultados encontrados até o momento, sugerem que o
TOC causa um prejuízo significativo na qualidade de vida dos indivíduos (Koran, 2000).

Síntese sobre os estudos de qualidade de vida no Transtorno Obsessivo-


Compulsivo

No primeiro estudo publicado na literatura internacional, Stein e cols. (1996) ava­


liaram a qualidade de vida de 200 pacientes com TOC, membros da "Obsessive-Compulsive
Disorder Association of South Africa", com um questionário auto-preenchlvel formulado
com questões acerca do impacto dos sintomas obsessivo-compulsivos sobre o funciona­
mento psicossocial do paciente e os aspectos econômicos da doença. Os questionários
foram enviados pelo correio e, dos 200 questionários enviados, apenas 75 deles (37,5%)
voltaram. Este estudo sugere existir redução da qualidade de vida dos pacientes com TOC
em vários aspectos. Mais da metade dos pacientes relatam que os sintomas obsessivo-
compulsivos acarretam uma interferência moderada ou severa em relação aos aspectos
sociais, relações familiares e capacidade de estudo; 30% dos pacientes relatam interfe­
rência moderada ou severa em relação à capacidade laborativa. Um pouco menos da
metade dos pacientes relataram sentir angústia moderada ou severa causado por suas
obsessões e compulsões, 75% dos pacientes relataram ter baixa auto-estima e 50%
relataram ter ideações suicidas.
Em estudo semelhante, Hollander e cols (1997) criaram um questionário de 410
perguntas sobre dados demográficos, curso da doença, custo do tratamento, resposta ao
tratamento e impacto da doença sobre educação, carreira e relacionamentos. Um total de
2600 questionários foram enviados aos membros da “Obsessive Compulsive Foundation
(OCF)" e 27%, 701 questionários, foram respondidos e devolvidos. Aproximadamente 90%
dos pacientes relataram sofrer angústia em relação aos sintomas obsessivo-compulsivos;

416 Isabela D. Soares, Bernard Rangé, M auro V . M endow ic/, Leonardo F. Fontenelle, Carlos A . A . Pereira
88% relatam sofrer grande interferência em suas relações sociais e funcionamento
ocupacional; entre 60% a 70% dos pacientes relataram que sofrem muita interferência na
capacidade de estudar, trabalhar, socializar, fazer amigos e nas relações familiares. No­
venta e dois por cento dos pacientes relataram ter baixa auto-estima em função aos
sintomas da doença e 13% já tentaram suicídio.
Koran e cols (1996) avaliaram a qualidade de vida de 60 pacientes com TOC
através do SF-36 e compararam os resultados com dados obtidos a partir da população
americana em geral, de pacientes com depressão e de diabéticos. Com relação aos
aspectos físicos da qualidade de vida, pacientes com TOC apresentaram escores seme­
lhantes aos obtidos pela população americana e escores superiores àqueles obtidos pe­
los pacientes com diabetes e depressão. Em contrapartida, nos aspectos de saúde men­
tal, os pacientes com TOC obtiveram escores inferiores do que os obtidos pela população
americana em geral. Os pacientes diabéticos obtiveram escores similares aos obtidos
pelos pacientes com depressão nesse aspecto. A gravidade dos sintomas obsessivo-
compulsivos não se correlacionou com os aspectos do funcionamento social.
Hollander e cols (1996) estudaram 419 pacientes com TOC, membros da
“Obsessive-Compulsive Foundation” através de questionários enviados pelo correio. Seus
resultados sugerem que as obsessões e compulsões causam muita angústia nos pacien­
tes, consomem muito de seu tempo e acarretam prejuízo significativo nas relações pesso­
ais e pessoais dos pacientes. Em muitos casos, indivíduos com sintomas moderados e
severos tornam-se isolados socialmente, tanto devido ao tempo consumido pelos rituais
quanto ao sentimento de vergonha sentido pelos pacientes. Neste grupo, 73% dos pacien­
tes relataram ter problemas familiares devido ao transtorno, 62% dos pacientes têm difi­
culdades em fazer e em manter amizades e a maioria dos pacientes (92%) relataram ter
baixa auto-estima. Os pensamentos obsessivos interferem nas atividades acadêmicas de
58% dos pacientes. Quanto ás atividades (aborativas dos pacientes, 66% relataram que o
TOC interfere em suas aspirações na carreira, 47% consideram que seu trabalho é preju­
dicado e 40% dos pacientes estão incapacitados para o trabalho. Treze por cento dos
pacientes já tentaram suicídio.
Bystritsky e cols (1999) avaliaram 30 pacientes com TOC, internados no hospital
para serem submetidos ao tratamento farmacológico associado ao tratamento cognitivo-
comportamental e intervenções psicossociais por 6 semanas, através da escala de Qua­
lidade de Vida de Lehman (QOL). Os resultados sugerem que a qualidade de vida dos
pacientes melhôrou a partir do tratamento em várias áreas. Observaram-se mudanças
significativas nas sub-escalas que avaliam os aspectos subjetivos, ou seja, que medem a
percepção do indivíduo sofre sua situação de vida. Não houve mudança significativa em
relação aos dos aspectos objetivos, incluindo emprego, incapacidade e suporte familiar.
Entretanto, nos aspectos relacionados à saúde, atividades gerais e atividades sociais
houve mudanças significativas que se relacionaram diretamente com os ganhos obtidos
através do tratamento.
A qualidade de vida de pacientes com TOC foi comparada, por Bobes e cols (2001)
com a qualidade de vida da população normativa espanhola, a população normativa america­
na, com pacientes esquizofrênicos, pacientes deprimidos, dependentes de heroína e pacien­
tes renais crônicos através do SF-36. Nesse estudo observou-se que pacientes com TOC e
pacientes esquizofrênicos obtiveram pior qualidade de vida nos aspectos relacionados a saú-

Sobre Comportamento c Cognição 417


de mental entre os 8 grupos estudados. Observou-se também redução da qualidade de vida
relacionados aos aspectos sociais e emocionais. Os pacientes relataram incapacidade nas
atividades académicas e laborativas, nas relações sociais e nas relações familiares.
Bystritsky e cols (2001) compararam a qualidade de vida de 31 pacientes com
TOC com 68 pacientes esquizofrênicos através da escala de Qualidade de Vida de Lehman
(QOL). Ambos os grupos de pacientes apresentaram redução da qualidade de vida relaci­
onada ao funcionamento social. A redução da qualidade de vida dos pacientes com TOC
sugere que esse transtorno causa grande sofrimento nesta população. A maioria dos
pacientes da amostra tinha insight preservado e estavam cientes de suas incapacidades,
causando enorme sentimento de desmoralização, depressão e tentativas de suicídio.

Objetivos do presente estudo

Este trabalho teve o objetivo de investigar a qualidade de vida de pacientes com


transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) através do SF-36 e compará-la com os escores
obtidos na Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale (Y-BOCS), no Inventário Beck de
Ansiedade e Inventário Beck de Depressão.

Participantes e métodos

Vinte pacientes com TOC, diagnosticados através da Entrevista Clínica Estruturada


para o DSM-IV (SCID), foram consecutivamente selecionados dentre aqueles que busca­
ram tratamento no Instituto de Psicologia da UFRJ. Os critérios de inclusão foram:
1. pacientes com TOC, com ou sem comorbidade psiquiátrica; quando presente a
comorbidade incluir apenas os pacientes cujo TOC seja o transtorno psiquiátrico pri­
mário, isto é, o primeiro transtorno a aparecer na história evolutiva e ou responsável
pela maior gravidade e importância do quadro clínico;
2. idade entre 18 e 65 anos;
3. ausência de quaisquer distúrbios neurológicos, endócrinos ou clínicos, que possam
resultar em prejuízo da qualidade de vida.

Os pacientes foram estudados com a escala para avaliação de sintomas obsessi­


vo-compulsivo de Yale-Brown (Y-BOCS), o Inventário Beck de Depressão (BDI) e o Inven­
tário Beck de Ansiedade (BAI). A qualidade de vida dos pacientes foi avaliada através do
SF-36. Foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman entre gravidade dos sinto­
mas (Y-BOCS, BDI e BAI) e os escores nas diversas dimensões do SF-36.

Resultados

A idade média da amostra foi igual a 29.16 +11.06. A gravidade média dos sintomas
obsessivo-compulsivos foi igual a 29.65 + 8.33 (Y-BOCS), enquanto a gravidade média

418 Isabela P . Soares, Bernard Ranflé, Mauro V. M endow icí, Leonardo F. Fontenelle, Carlos A . A . Pereira
dos sintomas depressivos e ansiosos foi igual a 20.58 ± 12.08 (BDI) e 16.58 + 9.08 (BAI),
respectivamente.
Os escores médios obtidos nas diversas dimensões do SF-36 foram: capacidade
funcional = 76.00+17.44; limitações por aspectos físicos = 28.75+39.13 dor = 66.95 +
27.25; estado geral de saúde = 50.45 +22.19; vitalidade = 35.50 + 20.25; limitações por
problemas sociais = 42.5 + 29.91; limitações por problemas emocionais = 31.54 + 32.30;
e saúde mental = 40.40 +18.53.
Uma correlação significativa entre os escores totais no Y-BOCS e o comprometi­
mento da capacidade funcional (r=-.476; p=.034) e a limitação devido a aspectos físicos
(r=-.488; p=.029) foi observada. Já a gravidade dos sintomas depressivos (BDI) se
correlacionou significativamente com a vitalidade (r=-.624; p=.004), a presença de limita­
ções por problemas emocionais (r=-.652; p=.003) e níveis reduzidos de saúde mental
(r=-.729; p=.000). A gravidade dos sintomas ansiosos (BAI) se associou com limitações
por problemas sociais (r=-.550; p=.015).

Discussão

Os sentimentos de escravidão e de subordinação dos pacientes a suas obses­


sões e compulsões relatados pelos pacientes são difíceis de serem avaliados, já que
possuem um caráter subjetivo. Alguns pacientes conseguem reprimir seus rituais em
público devido ao sentimento de vergonha, que pode levar muitos pacientes ao isolamento
social e à depressão. Isso explica as correlações encontradas em nosso estudo entre a
gravidade dos sintomas depressivos (BDI) com a vitaíídade, a presença de limitações por
problemas emocionais e níveis reduzidos de saúde mental. Em contrapartida, a gravidade
dos sintomas ansiosos (BAI) se associou com limitações por problemas sociais.
O tempo gasto pelos pacientes na realização de seus rituais e a maneira pelas
quais muitos deles são realizados, podem justificar a correlação encontrada entre os
escores totais no Y-BOCS e o comprometimento da capacidade funcional e a limitação
devido a aspectos físicos.
Embora resultantes de um estudo não controlado, nosso achados são compará­
veis com aqueles obtidos em populações internacionais e sugerem que pacientes com
TOC apresentam redução da qualidade de vida em diversas áreas. Estudos controlados,
comparando pacientes com TOC e indivíduos saudáveis ou pacientes com outros diag­
nósticos psiquiátricos, são necessários para confirmar esta hipótese. Também são impor­
tantes estudos que demonstrem a ação de diversos tipos de tratamento sobre a qualidade
de vida de pacientes com TOC.

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Sobre Comportamento e Co(jnlç3o 421


Capítulo 46
Adesão ao tratamento psiquiátrico de
pacientes portadores de Transtornos
de Ansiedade1
Maríâ Elisa de Siqueira Monteiro?

Um dos problemas mais importantes enfrentados pelos profissionais de saúde,


particularmente por aqueles que tratam de transtornos psiquiátricos, ô o não cumprimento
por parte dos pacientes das prescrições recebidas. A adesão ao tratamento tem sido
definida como a coincidência entre os comportamentos da pessoa e as recomendações
terapêuticas do profissional de saúde (Epstein e Cluss, 1982).
A adesão tornou-se tópico de intensa investigação e debate nos últimos vinte
anos. O aumento no número de pesquisas deve-se ao fato de que a falta de adesão não só
é clinicamente importante, como também tem sérias implicações econômicas, contribu­
indo para um aumento na quantidade de hospitalizações (Salzman, 1995). Adicionando-
se a isso o custo do medicamento prescrito e não consumido, o conhecimento gerado
pela pesquisa sobre adesão poderia ajudar a reduzir significativamente as despesas com
saúde (Demyttenaere, 1997).
Dunbar e Agras (1980) verificaram que quando a adesão se refere a tomar medica­
mentos, muitos pacientes (33 a 82%) não seguem as prescrições ou cometem erros ao
fazê-lo. Esses mesmos autores mostraram que 50% dos pacientes cardíacos abando­
nam os exercícios físicos prescritos durante o primeiro ano pós-infarto.
Revendo a literatura, Antón e Méndez (1999) identificaram como fatores que
afetam a adesão: variáveis do paciente (satisfação do paciente com relação ao seu
médico e percepção por parte do paciente de sua vulnerabilidade frente à doença), ca­
racterísticas do tratamento (duração e complexidade do tratamento, eficácia do trata­
mento, efeitos colaterais do tratamento), variáveis do contexto clínico (por exemplo, a
relação terapeuta-cliente).

f Projeto Integralmente ftnandedo pela FAPESP • Proceeao: 2M7-7.


Terapeuta Comportamental, Mestra em petcofcigia Experimental; anMae do comportamento e proM eora da UNINOVE - Centro Unlverritárío Nove de
Jutio

422 M aria H iia d f Siqueira Monteiro


Com relação às variáveis do paciente, há dados que mostram que pessoas insa­
tisfeitas com o médico e com o tratamento tendem a não seguir as prescrições médicas.
Além disso a forma como os pacientes percebem o envolvimento do profissional de saúde
em seu tratamento, o regime terapêutico e a doença têm implicações importantes para a
adesão (Antón e Méndez, 1999). A existência de diferença entre os modelos explicativos
da doença (etiologia, prognóstico e tratamento) defendidos pelo paciente e pelo médico
também contribui para a falta de adesão (Rosentock, 1985).
A complexidade do tratamento (número de medicamentos, freqüência do consu­
mo, combinação de diferentes tipos de intervenções, duração, etc.) está associada a
erros e a omissões no cumprimento das prescrições médicas. Quanto maior a freqüência
em que os cuidados devem ocorrer por dia, maior a probabilidade de o indivíduo deixar
de apresentá-los. Além disso, quanto maior o número de modalidades envolvidas no
tratamento, menos o indivíduo seguirá as recomendações do profissional de saúde.
Quanto mais complexas forem as demandas, pior será a taxa de adesão. Do mesmo
modo, pode-se afirmar que as taxas de adesão se deterioram com o transcorrer do
tempo (Rosentock, 1985).
Quando se trata de um tratamento farmacológico, os possíveis efeitos colaterais
dos medicamentos podem funcionar como um estímulo aversivo enfraquecendo a conduta
de adesão. Por outro lado, um rápido alivio de sintomas desagradáveis após seguir as
prescrições tende a aumentar a adesão; este efeito não se observa, todavia, quando as
recomendações terapêuticas são do tipo profilático e nas situações nas quais não haja
sintomas que causem evidente mal-estar (Antón e Méndez, 1999).
Um outro fator importante que influencia a adesão é a existência de barreiras
culturais em situações nas quais o tratamento proposto pelo médico choca-se com os
valores, por exemplo religiosos, do indivíduo (Malerbi, 2000).
Quando se analisam os comportamentos dos pacientes envolvidos no tratamento
de uma doença complexa (como no caso das doenças psiquiátricas), fica evidente que a
adesão engloba muitos comportamentos. Portanto, ao invés de considerar a adesão ao
tratamento uma característica do indivíduo, deveríamos considerá-la um conjunto de com­
portamentos diferentes. Pode-se chamar esses comportamentos, segundo a sugestão de
Glasgow, Wilson e McCaul (1985), de comportamentos de auto-cuidado. Os comporta­
mentos de auto-cuidado podem ser considerados comportamentos operantes, controla­
dos por eventosLambientais. Assim, diferentes contingências de reforçamento controlari­
am diferentes comportamentos de auto-cuidado (Malerbi, 2000).

Procedimentos de avaliação da adesão

Uma das dificuldades que encontramos na análise do comportamento de adesão


está relacionada á falta de procedimentos eficazes para sua avaliação (Malerbi, 2000).
Todos os métodos até hoje empregados possuem vantagens e desvantagens (Cramer e
Rosenheck, 1998). A seguir serão descritos alguns desses métodos.
Cramer e Rosenheck (1998) apontam que para avaliar a adesão ao medicamento,
perguntar ao paciente diretamente é um método simples. No entanto, o auto-relato do
paciente é sempre uma medida suspeita porque esse comportamento pode estar sob

Sobre Comportamento e Coflnlçâo 423


controle das suas conseqüências e não da ocorrência do evento que deveria ser relatado,
que é o comportamento de auto-cuidado (Malerbi, 2000).
Tentativas de avaliar a veracidade das informações obtidas através de entrevistas
têm empregado a técnica de marcador e dispositivos de memória em aparelhos de auto-
monitorização. Pede-se, então, ao paciente que registre seus comportamentos de auto-
cuidado. Levando-se em conta que só o profissional de saúde conhece o procedimento, o
número e o padrão de respostas corretas que o paciente apresenta é um indicador do
comportamento de adesão do indivíduo (Antón e Méndez, 1999).
Outro método consiste na contagem do número de pílulas ou cápsulas ao final de
um período de estudo. Este é um método simples e rápido para avaliar a adesão. Contudo
essa estratégia não é muito segura pois o paciente pode retirar comprimidos da embala­
gem e não tomá-los (Malerbi, 2000).
Cramer e Rosenheck (1998) comentam que a renovação das prescrições basea­
da no uso do medicamento pode também ser usada como um indicador da adesão. Entre­
tanto, a análise desse indicador requer que os pacientes recebam todas as reposições de
medicamento de uma única fonte. Além disso, este método, como o anterior, pode não
ser fidedigno, uma vez que o paciente pode renovar o medicamento e não tomá-lo.
Outra forma de se avaliar a adesão envolve a dosagem dos níveis de uma droga no
sangue ou na urina. No entanto, esta estratégia requer análises laboratoriais custosas.
Além disso, essas medidas biológicas podem levar a conclusões equivocadas porque o
paciente pode tomar o medicamento alguns dias antes do exame e o resultado se aproxi­
mar do valor esperado se tivesse tomado durante todo o período. Portanto, apenas resul­
tados extremos, como ausência total da droga, mostrariam claramente que não ocorreu
ingestão. Por outro lado, os testes de urina apenas fornecem evidência da ingestão de
aíguns medicamentos num período recente (Cramer e Rosenheck, 1998).
A adesão é também muitas vezes inferida pela estimativa subjetiva por parte do
médico. Esta estimativa é feita com base nos resultados terapêuticos, de modo que o
desaparecimento ou a manutenção dos sintomas passam a ser indicadores do cumpri­
mento ou não do tratamento prescrito (Antón e Méndez, 1999). Como foi apontado anteri­
ormente, os resultados terapêuticos podem não refletir necessariamente o comportamen­
to de adesão.
A observação por terceiros tem sido também utilizada para se avaliar a adesão.
Esse método baseia-se na observação realizada por pessoas que pertencem ao ambiente
do paciente (familiares, colegas de trabalho) como fonte de informações sobre o grau de
adesão ao tratamento prescrito (Antón e Méndez, 1999). No entanto, esse procedimento
de observação direta ô muito trabalhoso, requerendo treinamento dos observadores para
uma codificação fidedigna dos comportamentos e, além disso, o paciente que está sendo
observado pode alterar seu comportamento na situação de observação (Malerbi, 2000).
Como na atualidade não existe uma técnica que seja claramente superior às outras
no sentido de resoíver todos os problemas da avaliação, é necessário recorrer á utilização
de vários procedimentos ou estratégias simultaneamente (Antón e Méndez, 1999).

* A técnica do marcador cormtatu em Indulr um marcador Mao ou inativo no tratamanto, por axwmpto, arai Maas da avaftaçfto òa gkoamla, comprimido«
plücabo, comprimido» com saboreo dttarente«.

424 M aria Flisd de Siqueira Monteiro


Procedimentos de intervenção para aumentar a adesão

Para que ocorra a adesão é preciso que o paciente compareça às consultas


com os profissionais de saúde e que compreenda de modo adequado as prescrições,
sendo portanto importante reduzir os aspectos aversivos da situação de consulta (Antón
e Méndez, 1999).
Segundo Malerbi (2000) há alguns comportamentos que os profissionais de saú­
de devem apresentar para facilitar a adesão de seus pacientes. Esses profissionais de­
vem comunicar-se de forma adequada com o paciente, usando uma linguagem acessível,
informar pacientes e familiares sobre aspectos específicos da doença, adaptar o trata­
mento à rotina do paciente, solicitar auto-monitorização dos comportamentos de auto-
cuidado, principalmente no início do tratamento, introduzir gradativamente o tratamento
quando possível, envolver familiares e pessoas significativas no tratamento, estabelecer
objetivos realistas para o tratamento, acolher e apoiar o paciente, ajudar a construir um
repertório comportamental adequado, através de vários procedimentos como modelagem,
modelação etc. e acompanhar o tratamento.
Esforços para promover a adesão desde o momento do diagnóstico podem preve­
nir muitos dos problemas que ocorrem durante a administração do tratamento (Dunbar,
1990; Sherbourne, Hays, Ordway, DiMatteo e Kravitz, 1992; Saunders, Irwig, Gear e
Ramushu, 1991).
As intervenções usuais incluem medidas para lembrar o paciente do tratamento,
como chamadas telefônicas e cartas e instruções para que o paciente coloque avisos em
casa para lembrar dos horários de tomada do medicamento (Roter, Hall, Merisca,
Nordstrom, Cretin e Svarstad, 1998).
Também ó importante adequar o tratamento ao estilo de vida do paciente a fim de
reduzir a incompatibilidade entre o seguimento das prescrições e as atividades cotidianas
do sujeito( Antón e Méndez, 1999).
Técnicas de modificação de comportamento envolvendo a utilização de reforçamento
positivo, principalmente através de um programa de economia de fichas tôm sido descri­
tas (Antón e Méndez, 1999). O reforçamento social, em especial para adultos, tem se
mostrado eficaz, principalmente quando é possível envolver os amigos, os familiares e os
profissionais no tratamento (Antón e Méndez, 1999).
A auto-observaçáo ou o auto-registro também podem ser empregados para aumen­
tar o grau de cumprimento das prescrições módicas como sugerem Antón e Méndez (1999).
Uma das mais simples estratégias de intervenção para aumentar a adesão ao
tratamento medicamentoso está baseada no uso de dicas, tais como o estabelecimento
de um horário, de uma refeição ou a associação com outro hábito diário como o momento
da tomada do medicamento. A partir de instruções fornecidas pelo profissional de saúde
ou de procedimentos que envolvem reforçamento social, essas dicas podem funcionar
como estímulos discriminativos para o comportamento de tomar medicamentos, isto é,
podem estabelecer a ocasião que tornem provável a sua ocorrência.
Poucos estudos têm se preocupado em desenvolver estratégias de manutenção
da adesão (Malerbi, 2000). Essas estratégias são importantes no tratamento de transtor*

Sobre Comportamento e Cognição 425


nos psiquiátricos, uma vez que, em sua maioria, sâo doenças crônicas que exigem trata­
mento permanente.

Adesão ao tratamento psiquiátrico

No tratamento de indivíduos com transtornos psiquiátricos a baixa adesão é um


problema freqüente (Cramer e Rosenheck, 1999). A literatura a respeito de adesão ao
tratamento revela poucas alternativas de procedimentos específicos para pacientes com
transtornos psiquiátricos.
Cramer e Rosenheck (1998) comparam as taxas de adesão aos medicamentos
para o tratamento de esquizofrenia e de transtornos de humor com as taxas de adesão
aos medicamentos para transtornos físicos (epilepsia, glaucoma, hipertensão, infertilidade,
hiperlipidemia, talassemia, angina, câncer de mama e doença pulmonar) apresentadas na
literatura e verificaram que, se a baixa adesão representa uma dificuldade no tratamento
de doenças físicas, no caso de doenças psiquiátricas essa dificuldade é ainda maior.
Há também na literatura estudos que mostram como as diferenças entre as ava­
liações subjetivas do módico e do paciente com relação ao tratamento podem gerar pro­
blemas na adesão, como por exemplo, o paciente interromper o tratamento (Jamison,
Gerner e Goodwin, 1979).
Um outro aspecto freqüentemente encontrado na literatura como preditor de reca­
ídas nos transtornos psiquiátricos é a ocorrência de eventos estressantes na vida. Nos
indivíduos para s quais ocorreram acontecimentos desagradáveis levaram um período de
tempo três vezes maior para atingir a recuperação do que os que não tiveram essas
experiências. Com base nesses dados, os autores afirmam que apesar de a adesão ser
significativa para a recuperação mais rápida dos sujeitos, os eventos da vida do paciente
teriam papel preponderante em sua recuperação. Assim, eventos negativos seriam um
dos fatores fundamentais na recaída do paciente. Esses eventos não podem ser
desconsiderados em pesquisas que visam avaliar ou testar procedimentos para aumentar
a adesão ao tratamento ( Johnson e Miller, 1997).
Poucas pesquisas têm estudado procedimentos específicos para melhorar a
adesão ao tratamento por pacientes com transtornos de ansiedade. Alguns estudos, su­
gerem que as estratégias para garantir a adesão logo no início do tratamento podem
ajudar na recuperação do paciente (De Araújo, Ito e Marks, 1996).
Um indivíduo que apresenta transtorno de pânico deve receber tratamento
psicofarmacológico e/ou psicológico. Os tratamentos mais utilizados englobam o uso de
benzodiazepínicos, antidepressivos, terapia comportamental, exercícios de exposição,
antidepressivos combinados com exposição, ou terapia comportamental combinada com
exposição, sendo que cerca de 20% dos pacientes que recebem algum tipo de tratamento
para o transtorno de pânico desistem do tratamento e uma porcentagem ainda maior de­
monstra baixa adesão (Van Balkom, Bakker, Spinhoven, Blaauw, Smeenk, Ruesink, 1997).
Fava, Savron, Zielezny, Grandi, Rafanelli e Conti (1997) chamaram a atenção para o
fato de que a pobre adesão ao tratamento do transtorno de pânico, tanto farmacológico quanto
psicológico, tem sido pouco pesquisada, apesar de sua alta freqüência e importância.
4MiKJarçe de ddode, morte ou doença grave de famlIlanM ou amigo«. criMflnanceka ou Interpessoal

426 M d iid Elisa dr Siqueira Monteiro


Apesar da adesão ser um fator essencial para a eficácia do tratamento psiquiátri­
co, a literatura aponta que intervenções para aumentar a adesão ainda têm que ser melhor
estudadas e desenvolvidas. Roter et a/(1998) e Youssef (1984), verificaram que entre as
medidas eficazes para aumentar a adesão estão as estratégias de intervenção educacio­
nais e comportamentais realizadas em grupo.
O presente estudo compreendeu duas etapas. Na Etapa I objetivos foram: 1)
avaliar a adesão ao tratamento de pacientes portadores de transtornos de ansiedade que
recebem atendimento num ambulatório psiquiátrico de um hospital - escola de São Paulo
- o AMBAN - Ambulatório de Ansiedade da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, 2) realizar um levantamento de variáveis que pudessem estar associadas à
baixa adesão; 3) comparar as razões atribuídas pelos profissionais de saúde e pelos
pacientes para a freqüência baixa de adesão.
Na Etapa II pretendeu-se :1) propor um procedimento de intervenção para aumen­
tar a adesão em relação à tomada de medicamentos, ao com pareci mento às consultas
marcadas e à realização de outras atividades que fazem parte do tratamento e 2) descre­
ver os efeitos dessa intervenção sobre os comportamentos de alguns pacientes.

Etapa I

Método
Participantes
Pacientes. Cinqüenta e quatro pacientes do Ambulatório de Ansiedade (AMBAN)
do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi­
dade de São Paulo (HC-FMUSP) com diagnóstico de Transtorno de Ansiedade (DSM-IV)
cujo tratamento exigia a ingestão de pelo menos um medicamento oral, aceitaram o con­
vite para participar do estudo. Desses pacientes 55,6% eram do sexo feminino. Suas
idades variavam entre 20 e 63 anos com uma concentração (64,8%) entre 30 e 49 anos.
Quanto ao estado civil, a maior parte era solteira (46,3%).
Profissionais de saúde: quatro médicos psiquiatras (três do sexo feminino e um do
sexo masculino) e onze acadêmicos de Medicina (cinco do sexo feminino e seis do masculi­
no) diretamente responsáveis pelo tratamento dos pacientes participaram do estudo.

Aspectos óticos

Todos os participantes assinaram um termo de consentimento informado acei­


tando participar da pesquisa.
Este trabalho foi aprovado pelas comissões de ética da PUC-SP e da FMUSP
(Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Instrumentos

Com o objetivo de avaliar a ocorrência dos comportamentos de adesão ao trata­


mento e de levantar possíveis variáveis associadas a esses comportamentos assim como

Sobre Comportamento e Cognição 427


as razões atribuídas pelos profissionais e pelos pacientes para esses comportamentos
foram planejadas duas entrevistas estruturadas :
Na entrevista 1, dirigida aos profissionais de saúde, a pesquisadora seguia um
questionário contendo seis questões (anexo 8). Nessa entrevista, a pesquisadora procu­
rava obter dados referentes: 1) à avaliação que estes faziam da adesão do seu paciente a)
quanto a tomar o(s) medicamento(s) e b) a realizar as atividades pertinentes ao tratamen­
to e 2) às razões atribuídas por esses profissionais de saúde para o comportamento de
cada paciente de seguir ou não as prescrições.
Na entrevista 2 dirigida aos pacientes, a pesquisadora empregava um questionário
contendo 12 questões (anexo 9). Ao responder a essas questões, cada paciente relatava
o(s) medicamento(s) prescrito(s), as doses, os horários, a(s) funçáo(ções) deste(s), se
havia outras atividades propostas como parte do seu tratamento e quais eram elas, sua
opinião sobre o tratamento, a ocorrência ou não de comportamentos de adesão para os
diversos itens do tratamento e as razões atribuídas por eles para o comportamento de seguir
ou não as prescrições.

Procedimento

Realizou-se uma consulta aos prontuários dos pacientes do AMBAN do HC-FMUSP


com a finalidade de obter dados demográficos de cada paciente, seu diagnóstico, identifi­
car o profissional/acadêmico responsável polo seu tratamento e o tratamento prescrito,
além de possíveis sintomas que o paciente referia em relação à doença e havia registro de
efeitos colaterais do tratamento medicamentoso.
Após selecionar os pacientes com diagnóstico de Transtomo de Ansiedade (DSM-
IV) cujo tratamento exigia a ingestão de pelo menos um medicamento oral, a pesquisado­
ra entrou em contato com os profissionais/acadêmicos e com os pacientes nos dias das
consultas ambulatoriais, convidando-os a participar do estudo.
A pesquisadora apresentava-se aos participantes, explicava os objetivos do estu­
do, e caso aceitassem participar assinavam o termo de consentimento informado.
Depois disso, a pesquisadora entrevistava cada participante separadamente.
Além disso, a pesquisadora verificou o registro de comparecimentos dos pacien­
tes às consultas *io mês anterior ao início da pesquisa.
Foram avaliados os seguintes comportamentos de adesão: tomar os medicamen­
tos prescritos, comparecer às consultas com o psiquiatra, realizar outras atividades que
fazem parte do tratamento (terapia comportamental, realização de exercícios de exposi­
ção e técnicas de relaxamento, por exemplo).
A pesquisadora considerava um paciente como aderente se apresentasse todos
os comportamentos que faziam parte do seu tratamento.
Além disso, a pesquisadora exigia que o auto-relato do paciente concordasse
com os dados obtidos através da consulta aos prontuários, da consulta ao caderno de
registros de comparecimentos e da entrevista com os médicos e acadêmicos.
' Na entrevista m torturada, o paaqutaadof pergunta a reapetto d« pontoa preparados anteriormwnta a aa meamaa qiwattea aâo dirigidas para todos oa
participantes. nupartando a maarna ordam (Bordar», K_8a Abbott. BB.1B68)

428 M aria Flisa d f Siqueira Monteiro


Resultados e discussão da Etapa I

Os ciados obtidos na primeira etapa mostraram que menos de um terço (29,45%)


dos pacientes tomavam corretamente os antidepressivos e uma parte ainda menor (15,350
os ansiolíticos. Em relação aos ansiolíticos observou-se a ocorrência do abuso dessa
substancia em quase um terço dos pacientes (30,7%), o que poderia ser também consi­
derado um problema de adesão ao tratamento se definirmos adesão como a coincidência
entre as prescrições módicas e o comportamento dos pacientes. Esses dados são muito
semelhantes aos apresentados por estudos da literatura que constataram uma grande
ocorrência de pobre adesão ao tratamento medicamentoso (Dunbar-Jacob, Dwyer, e
Dunning, 1991; Dunbar, Burka e Puczynski, 1996; Mètry ,1998).
O abuso observado em relação aos ansiolíticos pode estar relacionado ao alivio
imediato dos sintomas físicos de ansiedade, proporcionado por essa droga, uma vez que
um rápido alivio de sintomas desagradáveis pode funcionar como reforçamento negativo
do comportamento de ingerir medicamentos (Antón e Méndez, 1999).
A adesão a outras atividades pertinentes ao tratamento, além do medicamento,
foi apresentada por menos da metade da amostra estudada. Verificou -se que a proporção
de pacientes que seguiam a recomendação de realizar atividades sem a supervisão de um
profissional (exercícios de exposição, relaxamento, higiene do sono) foi menor do que a
adesão ás atividades supervisionadas (terapia comportamental). A estratégia de envolver
familiares e pessoas significativas conforme sugestão de Malerbi (2000), poderia substi­
tuir o profissional de saúde nesse acompanhamento mais próximo da execução das
atividades que o paciente deve realizar em casa.
A taxa de adesão ao tratamento variou inversamente ao número de medicamen­
tos prescritos, ao número de vezes que o paciente deveria tomar esses medicamentos por
dia e ao numero de atividades compreendidas pelo tratamento, indicando que quanto
maior a demanda sobre o paciente piosr é a taxa de adesão.
Poucos pacientes foram avaliados como aderentes pela pesquisadora (16,7%). A
avaliação da adesão realizada pela pesquisadora divergiu daquela realizada pelos profissi­
onais e acadêmicos em mais da metade dos casos (51,6%). Todas as discordâncias
foram no sentido de uma avaliação mais favorável por parte dos profissionais e acadêmi­
cos. A comparação entre a avaliação realizada pela pesquisadora e pelos profissionais
mostrou que os critérios adotados foram diferentes uma vez que a pesquisadora utilizou
várias fontes de informação para avaliar a adesão, o que não ocorreu com os módicos, que
se apoiaram em dados clínicos ao avaliarem a adesão. Este fato deve ter contribuído para
uma obtenção de dados mais próximos da realidade pela pesquisadora.
A análise das razões atribuídas pelos profissionais/acadêmicos e pelos pacien­
tes para as falhas no seguimento das prescrições médicas apontou dados muito interes­
santes. Os pacientes atribuíram como razão o esquecimento do medicamento, a não
percepção de melhora com o tratamento, duvidas com relação à eficácia do medicamen­
to, dificuldades com os exercícios de exposição.
A gravidade do transtorno foi a razão mais apontada pelos profissionais e acadêmicos.
A literatura da área aponta que diferenças entre os modelos explicativos da doen­
ça (etiologia, prognóstico, tratamento) defendidos pelo paciente e pelo médico, bem como

Sobre Comportamento e Cognlfâo 429


as avaliações subjetivas em relação ao tratamento são fatores que contribuem para a
pobre adesão (Jamison, 1979; Rosentock, 1985).
Os tratamentos que requeriam alterações no estilo de vida dos pacientes como
por exemplo interromper o uso de álcool ou realizar atividades físicas foram os mais difíceis
de seguir. Esses dados reafirmam os achados de DiMatteo et a /(1993).
Constatou-se que 84% dos pacientes que relataram melhora ou remissão dos
sintomas foram avaliados como pouco aderentes pela pesquisadora. Podemos levantar a
hipótese de que ao sentir-se melhor o paciente não considere necessário prosseguir com
o tratamento. Dados semelhantes foram encontrados por Malerbi (2000).

Etapa II

Participantes
Entre os 54 participantes da etapa I, 27 pacientes com Transtorno de Pânico
pouco aderentes foram convidados para participarem da etapa II, sendo que apenas 3
aceitaram participar. Foram eles os participantes 31 (sexo feminino), 23 e 35 (sexo
masculino).

Material e instrumentos

• Gravador em áudio
• Material didático elaborado pela pesquisadora
• Tabelas de auto-registro individualizadas (TAR)
• Questionários semanais individualizados

Procedimento
A Intervenção envolveu estratégias educativas (informações a respeito da doença e do
tratamento) e comportamentais (“dicas" para evitar o esquecimento do medicamento no horá­
rio apropriado, reforçamento do relato de adesão, discussão de estratégias de enfrentamento
de dificuldades). Na primeira entrevista os pacientes eram instruídos a registrar, diariamente
por seis semanas, os comportamentos que faziam parte do seu tratamento. Uma vez por
semana, o grupo de pacientes reunia-se com a pesquisadora por uma hora. Cada encontro foi
planejado para atingir um objetivo específico relacionado ao tratamento dos participantes.
Foram discutidos o Transtorno do Pânico, medicamentos, Terapia comportamental, exercíci­
os de respiração e relaxamento, exercícios de exposição e ansiedade antecipatória.
Em cada encontro os pacientes eram solicitados a apresentar os seus registros
referentes aos comportamentos de adesão, além de relatar os eventos que poderiam ter
dificultado o cumprimento das prescrições. A pesquisadora reforçava diferencialmente os
relatos de adesão e aconselhava os pacientes sobre como proceder para enfrentar as
dificuldades. Cada participante possuía um tratamento específico para o seu caso e dife­
rente do dos demais.

430 M arid hlisd de Siqueira Monteiro


Um mês após o último grupo, a pesquisadora entrevistou cada paciente e avaliou
os comportamentos de adesão registrados durante o procedimento de intervenção.

Resultados da Etapa II

Comportamentos de adesão dos participantes 31,23 e 35 no decorrer do estudo

Ingestão de antidepressivos
Observou-se que todos os pacientes melhoraram a adesão e mantiveram a melhora
no seguimento.

Ingestão de ansioliticos
A paciente 31 não tinha problemas de adesão e no seguimento continuou com
uma boa adesão. Os pacientes 23 e 35 não haviam recebido prescrição de ansioliticos.
Consultas com o psiquiatra
Observou-se que a paciente 31 e o paciente 23 melhoraram e mantiveram essa
melhora na entrevista de seguimento. O paciente 35 teve um comparecimento irregular
durante a intervenção apresentando melhora na adesão na entrevista de seguimento.

Relaxamento
A paciente 31 não tinha instruções para fazer esess exercícios. O paciente 23
melhorou e manteve no seguimento enquanto que o paciente 35 piorou em função de
eventos estressores ligados á atividade e não ao procedimento de intervenção em si
(Monteiro, 2001).

Terapia comportamental
A paciente 31 e o paciente 23 não alteraram a pobre adesão e mantiveram esse
desempenho nã entrevista de seguimento. O paciente 35 compareceu irregularmente as
sessões de terapia e obteve boa adesão ao final do estudo.

Exercicio físico
A Paciente 31, única com essa recomendação terapêutica melhorou a adesão e
na entrevista de seguimento piorou, abandonando os exercícios físicos.

Preenchimento da TAR
O único paciente que aderiu a essa recomendação foi o paciente 35, mantendo
boa adesão até o final do estudo.

Sobre Comportamento e Cognição 431


Parar de fumar e de ingerir bebidas alcóolicas
Os pacientes 31 e 35 não tinha instrução para fazer pois não eram fumantes e não
ingeriam bebidas alcóolicas. O paciente 23 apresentou pobre adesão, mantendo tal de­
sempenho no seguimento.

Discussão
Houve melhora na adesão ao medicamento antidepressivo nos 3 casos, que se
manteve na avaliação de seguimento.
O procedimento de intervenção produziu diferentes efeitos sobre os comporta­
mentos dos participantes. A diferença observada entre os trôs tratamentos e os diferentes
efeitos do procedimento de intervenção observados em cada participante do presente
estudo sugerem que os comportamentos de adesão avaliados estavam sob controle de
contingências diferentes (Skinner, 1969).
Numa perspectiva comportamental, o tratamento do transtorno de pânico exige
uma gama de auto-cuidados (ingerir medicamentos, fazer exercícios de exposição, fazer
terapia comportamental), os quais são fundamentais para manter os sintomas do transtorno
sob controle. Desta forma, garantir que os pacientes realizem todos esses cuidados de
acordo com a prescrição dos profissionais de saúde é essencial para a obtenção de suces­
so terapêutico. No entanto, a análise das variáveis responsáveis pela ocorrência e pela
omissão dos comportamentos de adesão é extremamente complexa e deve ser feita indivi­
dualmente. Algumas estratégia empregadas com êxito para determinado paciente podem
ser completamente ineficazes para os demais. Os dados obtidos neste estudo corroboram
a concepção segundo a qual a adesão deve ser compreendida como um conjunto complexo
de diferentes comportamentos controlados por contingências diferentes.
O procedimento de intervenção não conseguiu sanar todas as dificuldades de
adesão, mas deve-se salientar o êxito obtido em relação ao comportamento de tomar
medicamentos de acordo com a prescrição.
Este estudo indicou muitas variáveis importantes que devem estar relacionadas á
adesão ao tratamento, apontando várias dificuldades relacionadas à avaliação e à modifi­
cação de comportamentos apresentados por pacientes com transtornos de ansiedade.
Pesquisfes futuras preocupadas com o desenvolvimento de procedimentos para
melhorar a adesão ao tratamento deveriam realizar um treinamento específico para os
médicos/acadêmicos salientando a importância da adesão ao tratamento para a boa evo­
lução dos pacientes com transtorno psiquiátricos.

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434 M d iid Elisd de Slqueird Monteiro


Capítulo 47
Comportamento alimentar: Influência
materna na obesidade infantil
Rita de Fátima Carvalho Barbosa de Souza1
Denise Cerqueira Leite I lellet*
Mônica de Caldas Rosa dos A nfof
Andrea Nogueira de Campos Aguirre4

A proposta deste estudo é identificar as relações parentais que contribuem para o


desencadeamento e a conseqüente manutenção da obesidade em crianças.
A obesidade é um tema que desperta a atenção de pesquisadores e profissio­
nais da saúde do mundo todo. Segundo dados da OMS, 25% das crianças e adoles­
centes brasileiros pesam acima do que seria ideal para suas idades. De acordo com
Kaufman (1999), "a obesidade atinge 13,5% dos meninos e 9,5% das meninas com
idade de 11 anos. Em 1980, esses valores eram de cerca de 6,5% para meninos e 7%
para as meninas".
Kaufman (1999), lembra que as crianças obesas são mais predispostas a apre­
sentarem hipertensão, diabetes, alteração da taxa de colesterol e transtornos como car­
díaco, respiratório e ortopédico.
Hoje, a pressão da sociedade é para que a pessoa se mantenha sempre magra,
o que afeta principalmente as mulheres. Desta forma, Ballone (2001) ressalta que a impli­
cação da obesiflade na auto-estima da criança é um fator muito importante. Para Chess e
Hassibi (1982), quando a obesidade ó desencadeada na infância, pode vir acompanhada
de problemas de imagem corporal, sentimento de inferioridade em comparação aos ami­
gos e dificuldades interpessoais.
Segundo o Consenso Latino Americano sobre obesidade (2001), apesar de não
existir uma psicopatologia específica, a pessoa portadora de obesidade apresenta um
sofrimento psicológico resultante do preconceito social com a obesidade e também com
características peculiares do seu comportamento alimentar.

' P*lcátoga, tspectaHsta em PsícoIoqUi Clinica pata UTP.


1Pnifaeaora da UTP, Mestre am Psicologia pala U SP
' Prnfauora a Diretora da Clinica da Nutrtçio da UTP, Mestre em CIAncla dos AMmentos pela U F8C
4 Prnfeaaora da UTP, Mestre em Nutrição pela UNIPESP

Sobrr Comportamento e CogniçAo 435


Segundo Escrivão, Oliveira, Taddei & Lopez (2000); Damiani, Carvalho & Oliveira
(2000) e Chess & Hassibi (1982) o risco de uma criança ser obesa é baixo quando ne­
nhum dos pais é obeso (apenas 9%), alto quando apenas um dos pais é obeso (40 a 50%
das crianças desenvolvem obesidade) e muito alto quando ambos são obesos (o risco de
obesidade é de 60 a 70%).
Damiani et al (2000) lembram que na obesidade Has slndromes genéticas e as
alterações endócrinas são responsáveis por apenas 1% dos casos; os outros 99%
são considerados de causa exógena". Sendo que as causas ambientais podem ser
modificadas.
Autores como Chess & Hassibi (1982), acreditam que o excesso de atenção
prestado à alimentação da criança, pode servir de estimulo para que ela possa chamar
atenção sobre si ou expressar raiva.
Os hábitos alimentares familiares inadequados são responsáveis pela maioria
dos casos de obesidade infantil. Ctenas & Vitolo (1999), fazem um alerta com relação às
mães que oferecem vários lanches ao dia, acrescentam açúcar ao leite ou exageram nos
cereais, pois estão na verdade, estimulando seus filhos a comer mais do que precisam e,
talvez criando um hábito de superalimentação nas crianças.
Segundo Damiani et al (2000), as mudanças de hábito alimentar principalmente
nos adolescentes que se alimentam mais de lanches e o hábito cada vez mais freqüente
de alimentar-se assistindo televisão, são causas importantes do agravamento da obesida­
de. "O círculo vicioso [obesidade - diminuição da atividade - assistir TV - comer sem ter
fome, mas pelo hábito - obesidade] deve ser quebrado, para se evitar a piora do quadro”.
Desde o seu nascimento, a criança Interage com o mundo externo através do
contato com sua mãe, que procura atender a todas as suas necessidades básicas,
entre elas a alimentação. E, neste contexto, Ross (1979) faz menção aos primeiros
anos de vida onde;
A presença da mãe ó, de fato, um inevitável estimulo discriminativo para a ingestão
de alimento. Além disso, esta ingestão, após um período de relativa privação alimentar,
representa uma conseqüência positiva para o comportamento de comer e, portanto, o
comportamento tem em si um reforço inerente. Esta combinação de circunstâncias, a
natureza reforçadora do comer e - pelo menos nos primeiros anos - a inevitável presença
da mãe enquanto ofcorre a ingestão, faz com que esta situação seja um ambiente podero­
so para a aprendizagem, (p. 133)
Estudos mostram que a obesidade como conseqüência da superalimentação
geralmente está associada a perturbações na relação mãe-filho. Para Lucas (1995), a
mãe mais inexperiente, com deficiências sociais e emocionais pode se sentir incapaz de
alimentar seu filho de forma satisfatória. A partir da( pode passar a superalimentá-lo, o que
durante o primeiro ano de vida pode preparar o M terreno” para a obesidade.
Este trabalho tem como objetivos: conhecer a relação mãe-filho e os hábitos
alimentares da família, detectar os aspectos emocionais que possam estar envolvidos
na instalação e na manutenção da obesidade na criança e verificar dificuldades que as
crianças possam ter em função de sua obesidade como autoconceito, ansiedade e
habilidades sociais.

43Ó Rita de F. C . B. de Sowa, [Jeniie C. L. Heller, Mônica de C . R. do* A njo * e Andreia N . de C. A fjulrrt
O problema central deste estudo ó verificar quais as características mais relevan­
tes da interação mãe-filho que podem estar contribuindo para a obesidade da criança
encaminhada para tratamento.
As seguintes hipóteses foram formuladas:
a) A pressão social exercida sobre a mãe, desencadeia nela o comportamento de
superalimentar o filho, que pode ser compreendido a partir do paradigma:

Estímulos do ambiente Respostas da mãe Conseqüências


Pressão para ser boa mãe; Autonômica: ansiedade; S+ a mãe é socialmente
pressão para ter fiího sau­ elogiada;
Cognitiva. eu tenho que ser boa
dável; filho saudável é igual
mãe (comportamento regido por S- a criança engorda e a
a filho gordo
regras); obesidade do filho ó aversiva
para a mãe;
Motora: superalimentar o filho.
Oferecer comida várias vezes Obs.\ 0 reforço imediato ó
ao dia para o filho. positivo. A punição demora
a ser aplicada, já que a cri­
ança não engorda imedia­
tamente.

b) Os hábitos alimentares inadequados da família podem favorecer o desenvolvimento da


obesidade infantil.

Método
Participantes
O estudo foi realizado com 10 crianças diagnosticadas como obesas, com idade
variando de 07 a 12 anos, sendo 05 do sexo feminino e 05 do sexo masculino e suas
respectivas mães.

Materiais
a) Questionâriœ: anamnese infantil e descrição de rotina;
b) Escala de Ansiedade Manifesta - Forma Infantil Simplificada (Rosamilha, 1971 );
c) Escala de Percepção do Autoconceito Infantil (Sánchez e Escribano, 1999).

Situação
Este trabalho foi realizado em uma das salas da Clinica de Nutrição da UTP.

Procedimento
Para a seleção dos participantes, o trabalho foi divulgado através de campanhas
nutricionais realizadas junto a comunidade, revistas da Instituição, entrevistas em progra­

Sobrc Comportamento e Cognição 437


mas de televisão e reportagens em jornais de circulação do Estado do Paraná. Ao procura­
rem a instituição, os interessados passaram por uma consulta nutricional na Clínica de
Nutrição da UTP, quando foi marcada a primeira entrevista de anamnese das mães com a
psicóloga, para conhecer o comportamento alimentar da criança e a evolução da obesidade.
O questionário abrangeu cinco situações a saber: a) motivo da consulta; b) ante­
cedentes pessoais; c) padrão alimentar; d) ambiente familiar e social; e) atividade física.
Posteriormente o trabalho da psicóloga centrou-se no atendimento individual das
crianças, com o objetivo de facilitar a adesão ao tratamento proposto pela nutrição e
verificar dificuldades que estas crianças porventura tivessem em função de sua obesidade
como autoconceito, ansiedade, habilidades sociais etc.
Para saber de sua motivação para o tratamento, nível de ansiedade e auto-estima,
foram aplicados os seguintes instrumentos: “Escala de Ansiedade Manifesta - Forma
Infantil" (AMFI) simplificada e “Escala de Percepção do Autoconceito Infantil" (PAI).
Para a aplicação da “Escala de Ansiedade Manifesta" procedeu-se da seguinte
forma: a psicóloga explicou que faria algumas afirmações às quais a criança responderia
"SIM", se a afirmação fosse verdadeira a seu respeito ou “NÃO", caso a afirmação não
correspondesse com a verdade a seu respeito.
Na aplicação da “Escala de Percepção do Autoconceito", a psicóloga explicou
que contaria uma pequena estória relacionada aos cartões com desenhos de algumas
cenas, os quais ficariam com a criança e em seguida faria uma pergunta a seu respeito. A
criança teria quatro opções de respostas para cada uma das 34 questões.
Para identificar as relações parentais que podem estar contribuindo para o
desencadeamento e a manutenção da obesidade nas crianças deste estudo, foram utili­
zados os dados das entrevistas de anamnese respondidas pelas mães, os dados das
entrevistas individuais realizadas com as crianças, assim como os escores de nível de
ansiedade e autoconceito destas. Em seguida, todos os dados foram categorizados e
analisados qualitativamente.

Resultados e discussão

O primeiro objetivo deste estudo ó investigar na entrevista de anamnese realizada


com as mães das crianças portadoras de obesidade, a relação mãe-filho e a dinâmica
familiar, no que diz respeito aos hábitos alimentares.
Analisando os questionários, observa-se que o padrão alimentar de todas as cri­
anças ó comer demais: comer com a televisão ligada, comer o dia inteiro. Uma das mães
relata que seu filho aumentou 10kg em um môs, após ter passado por uma cirurgia e, três
dias depois, ela (a mãe) foi hospitalizada por uma semana, ficando ausente no período de
recuperação do seu filho. Outra mãe relata que seu filho começou a engordar há quatro
anos, desde que ela começou a faculdade.
Estes dois casos parecem indicar que a preocupação da mãe em não deixar a
criança com fome, pode servir de sd (estímulo discriminativo) para desencadear na crian­
ça o comportamento de comerem situações estressantes (aversivas). Parece que muitas
vezes a criança pode compensar a ausência da mãe comendo em excesso.

438 Rlld de F. C . B. de Sou/a, Denise C. L. Heller, M ônica de C . R. dos A njo * e Andreia N . de C . Afluirre
Uma das mães coloca que, há um ano, seu filho vem apresentando problema
cardíaco e recebeu orientação médica para emagrecer. É comprovado que crianças obe­
sas têm maior propensão à hipertensão arterial, cardiopatias, diabetes, além de dificulda­
des respiratórias e complicações ortopédicas e dermatológicas.
Duas mães relatam que seus filhos passaram a apresentar problemas
comportamentais e sociais, tais como nervosismo, agitação, choro e timidez, quando
entraram para a escola. Viuniski (1999), lembra que ô bastante comum crianças obesas
apresentarem insegurança tanto interna, quanto nas relações interpessoais, pois muitas
vezes estas crianças sofrem críticas do meio externo, que acabam por inibir as manifes­
tações espontâneas de inteligência e criatividade.
Como se observa na tabela 1, frente ao comportamento de superalimentação do
filho, apenas duas mães procuram modificar a alimentação, enquanto que oito (mães)
apesar de interessadas, não fazem nada que efetivamente altere esse padrão alimentar da
criança. Uma mãe diz que se sente “culpada", pois sempre incentivou seu filho para que
comesse muito. Outra mãe relata que sempre permitiu que a criança decidisse o que iria
comer. Embora se dizendo muito preocupadas com a saúde dos filhos, estas mães de
uma maneira geral, mantém comportamentos ineficazes para modificar os hábitos alimen­
tares das crianças, por falta de informação ou dificuldade em manejar seu próprio compor­
tamento alimentar.

Tabela 1
Comportamento da Mãe Frente ao Problema.

Sujeitos Comportamento da mãe


Modificar a alimentação
S1
Não fazer nada
S2
Não fazer nada
S3
Proteger
S4
Brigar, criticar
S5 e chamar a atenção

Modificar a alimentação
S6
Sugerir que a própria criança mude
S7 seus hábitos

Não fazer nada


S8
Não fazer nada
S9
Não fazer nada
S10

Sobre Comportamento e Cognição 439


Conforme mostra a tabela 2, com relação ao diagnóstico clínico da mãe e da
criança no início do programa, das dez mães deste estudo, seis apresentam algum nível
de obesidade. Apenas uma delas nunca ficou acima do peso, entretanto, esta mãe é
adotiva. Isto é bastante significativo, podendo representar o grau de influôncia do compor­
tamento alimentar da mãe sobre seus filhos, pois ó a mãe quem está basicamente refor­
çando os comportamentos adequados ou inadequados dos filhos.

Tabela 2
Peso, Altura e Diagnóstico Clinico da Mâe e da Criança, no Inicio do programa.

Sujeitos Peso, altura e Peso, altura e


diagnóstico da mãe diagnóstico da criança

S1 89kg/ 157cm 50kg/ 132cm


Obesidade Obesidade mórbida

S2 72kg/ 155cm 45,8kg / 141,5cm


Sobrepeso Obesidade

S3 113kg/ 158cm 47,6kg/ 138,9cm


Obesidade mórbida Obesidade mórbida

S4 69kg / 150cm 35,5kg / 132cm


Obesidade Obesidade

S5 56kg / 163cm 52,6kg / 142,5cm


Peso saudável Obesidade mórbida

S6 66kg/ 150cm 43kg/ 131,5cm


Sobrepeso Obesidade mórbida

S7 75kg / 160cm 87,4kg / 152,3cm


Sobrepeso Obesidade mórbida

S8 5^ kg / 156cm 39,5kg / 138,5cm


Peso saudável Obesidade

S9 52,5kg/ 153cm 60,8kg /146,5cm


Peso saudável Obesidade mórbida

S10 50kg / 155cm 59,2kg /147,2cm


Peso saudável Obesidade mórbida

Com relação ao peso das mães durante a gravidez, oito delas engordaram mais
de 16 kg. No entanto, o sobrepeso materno, em nenhum dos casos influenciou no peso do
recém-nascido, pois todos eles nasceram com peso dentro de níveis aceitáveis.
Duas mães engordaram acima de 20 kg, sendo as únicas a apresentarem doen­
ças na gravidez. No documento do Consenso Latino Americano sobre obesidade (2001),
consta que existem três períodos críticos para o desenvolvimento da obesidade e suas
complicações e o primeiro ocorre durante a gestação e primeiro ano de vida.

440 Rita de F. C. B. de Souza, Penl*e C. L. I Idler, Mônica de C. R. do* A n jo i e A ndrria N . dc C . Afluirrr


Duas crianças foram amamentadas na mamadeira até após os quatro anos de
idade. Segundo Grünspun (1982), mães superprotetoras que amamentam e dão mama­
deira por um tempo prolongado, retardam a independência do filho.
A introdução da comida de sal aconteceu entre os quatro e nove meses das
crianças e quatro delas já rejeitou alguma vez a alimentação. Destas, duas mães substi­
tuíam a alimentação, sendo que apenas uma delas forçava seu filho a comer. Outra diz
que sempre substituía o alimento recusado pela criança por cereais.
Uma das mães conta que não força seu filho a comer, no entanto se contradiz
pois, diante da recusa do filho, relata que o força a comer, ou seja, nào o força, desde que
ele não se recuse a comer. Outra relata que brinca, até que seu filho coma e que muitas
vezes o obriga a comer. Para estas mães não importa se os filhos estão com fome,
apenas que comam. Segundo Kaufman (1999), algumas famílias têm pânico em relação a
crianças magras; que são “bombardeadas" com todo tipo de alimento para evitar que
fiquem anêmicas.
Com relação à rotina alimentar da família, constata-se na tabela 3 que o café da
manhã costuma ser a refeição com menos pessoas presentes e ó a mãe quem mais serve
a criança, sendo também a única figura presente nesta refeição, para seis das dez crianças.
No almoço a mãe está presente em sete casos, sendo a única pessoa presente
para quatro crianças. O horário do almoço é fixo para todas as famílias.
O jantar tem horário mais flexível, apenas três famílias tem horário fixo nesta
refeição. Observa-se também que o número de pessoas presentes é maior nesta refeição.
A mãe sempre está presente. Apenas duas crianças jantam sozinhas.
A lasanha, o macarrão, o purê e a batata frita, são os pratos preferidos pelas
crianças estudadas. No que se refere a repetição de alimentos, uma das mães relata que
seu filho "repete o que tiver." (síc) Outra diz que seu filho repete sempre que a comida está
“gostosa".
Os alimentos que as crianças não gostam, são especialmente os legumes e as
verduras; apenas uma mãe relata que seu filho foi ensinado a comer de tudo. Pode-se
pensar, que para esta mãe, não importa a preferência do filho e sim que ele coma. Grünspun
(1982), diz que a superalimeníaçào “é um meio pelo qual a màe compensa seus senti­
mentos de rechaço. Ela o faz, neste caso, dando alimentação excessiva, e o filho come
para ser aceito e agradar’’ (p.9).
Ainda na tabela 3 pode-se observar que, no jantar o número de famílias que se
alimentam assistindo televisão é muito maior que no almoço; sete famílias permanecem
com suas televisões ligadas durante o jantar. Uma das mães relata que sua filha toma
café da manhã com a televisão ligada e assim permanece durante todo o período da
manhã. O hábito cada vez mais freqüente de alimentar-se assistindo televisão, é uma
causa importante do agravamento da obesidade.
A atividade de lazer preferida por todas as crianças é assistir televisão.
Para Kaufman (1999), justamente a televisão é um dos fatores que mais contribui para a
obesidade na faixa dos 6 aos 17 anos de idade. Quanto maior o número de horas em
frente à TV, maior a prevalência da obesidade e mais inativa a criança.

Sobre Comportamento e Cognição 441


442 Rita de F. C. B. de Sou/a, Penlíe C. L. I Idler, Mônica de C . R. do* A njo* e Andreia N . de C . Aguirre
A falta de atividade física é outro fator que mais tem contribuído para o aumento da
incidência de obesidade. Metade das crianças do estudo pratica algum esporte ou outra
atividade física regularmente, embora algumas delas tenham começado a praticá-la no
momento em que entraram no programa de reeducação alimentar da UTP. Dois dos parti­
cipantes preferem atividades sedentárias e não praticam nenhum tipo de esporte. Segun­
do Grünspun (1976), as principais características da criança obesa são lentidão, inatividade,
adaptação passiva ao ambiente e apresentação de pouca agressividade.
Neste estudo, pode-se observar que a dificuldade destas crianças deixa de ser
apenas a obesidade e suas complicações clínicas, para ser como se sentem acerca dela
e como são tratadas por serem obesas.
Para detectar os aspectos emocionais envolvidos na instalação e na manutenção
da obesidade na criança, foram utilizados como instrumentos, a "Escala de percepção do
autoconceito infantil" e a “Escala de ansiedade manifesta forma infantil”.
Através da análise destas escalas, pode-se observar que há relação entre as
variáveis dependentes e a variável independente (quanto maior o nível de autoconceito e
menor nível de ansiedade, menor o índice de peso/estatura). Este resultado nos faz pen­
sar que quanto mais magra ó a criança, mais reforço positivo recebe do meio extemo (pais
e sociedade), assim, melhora sua auto-estima.
Com relação às crianças que apresentam maiores níveis de ansiedade e menores
níveis de autoconceito, observa-se que seus pais não conseguem determinar limites na
educação, estabelecer normas e fazer com que sejam respeitadas. Se a criança não
respeita regras de comportamento social, ou seja, se não colabora, certamente não res­
peitará regras alimentares. Talvez o fato de serem obesas, faça com que estas crianças
recebam atenção dos pais e esta contingência poderá explicar porque muitas delas não
aderem ao tratamento.
Observa-se que muitas mães não sabem colocar limites, oferecem comida como
recompensa ou punição para os filhos, liberam lanches fora de hora, durante o dia todo.
Falta persistência quando o filho recusa algum alimento, ele geralmente não ó oferecido
novamente e é freqüente que seja substituído por outro. Muitas mães não dão modelo
porque não comem saladas ou comem bombons depois do almoço.
As famílias deste estudo, apresentam-se com hábitos alimentares inadequados,
favorecendo o desenvolvimento da obesidade na criança, muitas vezes os pais falam o que
a criança deve fazer, mas eles próprios não conseguem manter comportamentos alimen­
tares saudáveis e portanto não dão modelo.
Com o objetivo de facilitar a adesão ao tratamento proposto pela nutrição, foi
criado um grupo com as crianças que apresentam distúrbios de ansiedade e autoconceito,
para trabalhar autonomia, habilidades sociais, confiança, auto-imagem etc.
A fim de sanar as deficiências observadas no repertório comportamentai dos pais
em relação à alimentação do seu filho, foi criado um grupo de apoio às famílias das
crianças obesas.
Estes dois trabalhos (grupo de crianças e grupo de adultos) obtiveram resultados
positivos e seus dados serão apresentados em outro estudo.

Sobre Comportamento e Cognição 443


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444 Rita de F. C . B. de Souza, Penise C. L. I teller, Mônica de C . R. do* Anjos e Andreia N . de C . Aguirre
Capítulo 48
Relação entre a presença de transtorno
alimentar, eutrofia e percentual de gordura
corporal em estudantes universitários do
sexo feminino
Denise Cerqueira Leite / iellei*
Mõnica de Caldas Rosa dos A n jof
Adihon dos A njos'

A preocupação com a beleza do corpo remonta à Grécia antiga, entretanto relacioná-


la à magreza é fato recente. A apologia do corpo magro, desencadeia em muitas mulheres
idéias irracionais que as fazem crer que só serão aceitas e valorizadas socialmente se
forem magras. Esta é a idéia central presente em todos os transtornos alimentares e não só
serve de gatilho para seu desenvolvimento como também os mantém.
Os transtornos alimentares caracterizam-se por perturbação no comportamento
alimentar que se traduz por comportamentos inadequados em relação a alimentação
associados a idéias irracionais a respeito da mesma. Embora não se tenha uma estima­
tiva real sobre sua incidência, estima-se que entre 0,5 a 1,0% das mulheres adolescentes
no início da vida adulta preencham totalmente o critério do DSM-IV para anorexia nervosa
e entre 1% a 3% para bulimia (American Psychiatic Association, 1994).
A prevalência dos transtornos alimentares tem aumentado nos últimos anos em
função da pressão social exercida pela mídia que atrela magreza excessiva a beleza. A
história dos transtornos alimentares é antiga, pois em 1694 Richard Morton forneceu uma
descrição clínica da anorexia nervosa. Morton descreveu um estado caracterizado por
caquexia, palidez, amenorréia, aversão por comida e emagrecimento(Duchesne,1995,
p. 184). William Gull, em 1874, também descreveu a anorexia nervosa ao mesmo tempo
que Charles Lasegue descreveu o quadro como anorexia histérica (D’Assunção e D’
Assunção, 2001). Em 1930, Berkman, Ryle e Hylland classificaram a anorexia nervosa
como uma desordem psicológica e em 1950 duas correntes divergentes aparecem: uma
considerava a anorexia como sendo uma doença específica e a outra afirmava que não se
poderia falar em slndrome, mas sim em um conjunto de sintomas que ocorreriam em
diferentes psicopatologias (D* Assunção e D' Assunção, 2001).

' Profesaora do Curvo de Palcologla da UTP, Meetra em Paèootogta Experimentei pata USP.
1Prufnaaore do Curao de Nutrição a Dkatora da Clinica de Nutrtçèo de UTP, Meatre em Ciência doa AMmentoe peta UFSC.
' Ptnfoaaur do Departamento de tatatlitlca ctaUFPR, Meatre em Eatattattoe e Experimentação agronômica peta ESALQ/USP.

Sobre Comportamento c Cognição 445


A bulimia nervosa demorou mais tempo para ser classificada e foi Russel que, em
1979, sugeriu este nome para descrever uma síndrome distinta, com notada relação com
a anorexia nervosa (D' Assunção e D' Assunção, 2001).
Há cerca de trinta anos, começou a haver um crescente interesse pelos transtor­
nos alimentares no meio cientifico e no público de maneira geral, com o aumento de sua
divulgação pela mídia, sua ocorrência em celebridades e uma maior valorização da apa­
rência física. Houve aumento de conscientização desses transtornos e dos métodos de
tratamento (Duchesne, 1995, p185).
De acordo com DSM-IV a Anorexia Nervosa caracteriza-se por:
a) Recusa em manter o peso no mínimo normal, adequado a idade e a altura ou acima
deste, levando a um peso corporal menor do que 85% do esperado.
b) Medo intenso do ganho de peso ou de se tornar gordo, mesmo com peso inferior.
c) Perturbação no modo de vivenciar o peso, tamanho ou forma corporal. O peso ou
formato corporal exercem influência indevida na auto-avaliação ou a negação da serie­
dade do baixo peso corrente.
d) Nas mulheres púberes, amenorréia de pelo menos 3 ciclos menstruais consecutivos.
Segundo DSM-IV, a bulimia nervosa caracteriza-se por;
a) Episódios de binge eating recorrentes que se caracterizam por:
1) comer, em um período limitado de tempo, uma quantidade de alimento maior do
que a maioria das pessoas comeria durante o mesmo período de tempo.
2) Sentimento de falta de controle sobre o comportamento alimentar durante tais epi­
sódios.
b) Empenho recorrente em comportamentos compensatórios para prevenir o ganho de
peso, tais como: vômito auto-induzido, uso inadequado de laxantes, diuréticos, lava­
gem intestinal, anorexígenos, jejum, dieta restritiva ou exercícios excessivos.
c) Os episódios de binge eating e comportamentos compensatórios inadequados devem
ambos ocorrer, em média pelo menos duas vezes por semana durante três meses.
d) A auto-avaliação é inadequadamente influenciada pelo peso e formato corporal.
Estudos realizados na Clínica de Nutrição da UTP demonstraram uma prevalência
de mulheres com percentual de gordura corporal elevado para os padrões de idade e sexo,
contrariando o diagnóstico do Indice de Massa Corporal (IMC), que as considerou eutróficas,
ou seja, apresentavam peso normal para a estatura.
Uma avaliação nutricional realizada de forma incorreta pode diagnosticar uma
pessoa como obesa, sendo esta eutrófica, ou vice-versa. Esta inexatidão de diagnóstico
pode desencadear o aparecimento de comportamento alimentar não usual, visto que os
padrões de beleza impostos pela sociedade giram em torno da magreza excessiva. O
diagnóstico incorreto do estado nutricional poderia promover a prática de atividade física
excessiva, ingestão alimentar inadequada e a prática de métodos para emagrecimento,
colocando em risco a saúde e a vida do indivíduo.

446 Denise Cenjurira Leilc I Ifllrr, Mônica dr Caldas Rosa dos Anjos e Adilson dos Anjos
Além desses fatores, a idolatraçâo da magreza vem trazendo conseqüências
para a saúde das adolescentes que chegam a apresentar distúrbio da imagem corporai,
iniciando com um quadro de bulimia e/ou anorexia nervosa (Bar-on, 2000).
Em estudos realizados para detectar distúrbios de imagem corporal, observou-se
que adolescentes eutróficos referiam querer perder peso, pois acham que estão acima da
média ideal de peso. Na maioria dos casos, a queixa principal ó com relação ao tamanho
do corpo, sendo que estas adolescentes, apresentam compleição óssea grande (Page &
Fox, 1998).
Brook e Tepper (1997) investigaram a relação entre composição corporal e distúr­
bio de imagem corporal de adolescentes de ambos os sexos, e detectaram que 44% da
população estudada referia estar obesa ou com sobrepeso, sendo que dados
antropomótricos revelaram que apenas 10% dos investigados apresentavam sobrepeso e,
53% referira querer ser mais magros do que realmente são. No mesmo estudo foi investigada
como ó a atitude destas adolescentes frente a uma pessoa com sobrepeso ou obesidade,
e os resultados mostraram que os mesmos apresentam repulsa a estas pessoas.
Em pesquisa realizada por Edlund; Sjuden & Gebre-Medhín (1999), foi verificado
que meninas que apresentaram pontuação elevada para teste de distúrbio de imagem
corporal apresentaram percentual de gordura corporal elevada, superior a das meninas
que apresentaram pontuação baixa para o mesmo teste.
Em estudo desenvolvido para verificar a percepção da imagem corporal frente a
gordura corporal, foi verificado que as mulheres tendem a se achar mais gordas do que
são e que os homens tendem a se achar mais magros do que sua atual composição
corporal (Sisson; Franco; Carlin & Mitchell, 1997).
Por estes motivos, o presente trabalho teve por objetivo, verificar a existência da
relação entre presença de transtorno alimentar, eutrofia e percentual de gordura corporal
em estudantes do sexo feminino em uma população universitária.

Mótodos

Participantes; foi realizado um estudo piloto com 66 estudantes universitárias


com idade entre 18 e 25 anos.
Materiais: foram utilizados para a realização de avaliação psicológica inventário
BITE e entrevista semi-estruturada contendo 18 perguntas. Durante a avaliação nutricional
utilizou-se balança digital, estadiômetro, fita de inserção, questionário de anamnese, registro
alimentar de 3 dias e software Oíetwin.

Procedimentos

Fase 1 - Divulgação

No primeiro momento foi realizada a divulgação da pesquisa através de cartazes e


panfletos entregues às alunas da universidade.

Sobrr Comportamento e Cojjniçáo 447


Fase 2 - Seleção

As participantes foram selecionadas através da idade que apresentavam e do


vínculo com a instituição de ensino. Os horários de avaliação foram agendados na Clínica
de Nutrição da própria universidade.

Fase 3 - Avaliação

As participantes agendadas passaram por uma avaliação nutricional, com uma


avaliação antropomótrica e dietética, seguida de aplicação do inventário BITE e entrevista.
Utilizou-se o teste Qui-quadrado para avaliar a associação entre as variáveis estudadas.

Resultados

Com relação ao padrão alimentar da população estudada verificou-se que 51,52% apre­
senta padrão alimentar não usual, 7,59% apresenta comportamento alimentar compulsivo com
grande possibilidade de bulimia e 40,89% apresenta comportamento alimentar normal. Os resul­
tados obtidos indicam que 9,72% das participantes apresenta bulimia. Muitas apresentam pa­
drão de comportamento alimentar não usual, a saber: 18% fazem jejum, que varia de 12 a 36
horas de duração, pelo menos uma vez por mês e, 20,8% têm pelo menos um episódio de
superalimentação semanal. Observa-se, também, a presença de comportamentos de purga,
como por exemplo: uso de anorexígenos (13,8%), uso de laxantes (18%) e uso de diuréticos
(8,3%). Estes dados se analisados em conjunto com peso e altura das participantes sugerem
que o corpo aparentemente magro é conseguido mediante comportamentos desadaptativos.
Um percentual de quase 10% de bulímicas na população estudada já é um dado bastante
alarmante se analisado isoladamente, entretanto toma-se potencialmente mais preocupante
quando se observa a presença, nestas moças, de comportamentos desadaptativos relativos a
alimentação (purga e binge eating) que podem ser um gatilho para o desenvolvimento de bulimia
e anorexia no futuro. Com relação a auto imagem,67% das participantes não gosta de seu corpo
e gostaria de mudá-lo através de cirurgia plástica Jipoaspiração ou emagrecimento.
Os resultados obtidos mostraram que 78,78% das mulheres avaliadas eram
eutróficas, 10,61-% apresentaram algum grau de desnutrição e 10,61% algum grau de
obesidade. Fazendo a análise do percentual de gordura corporal, foi verificado que 47,8%
das avaliadas apresentam percentual de gordura corporal superior ao padrão para sexo e
idade, 39,1% apresenta valores de gordura corporal normais e 12,9% apresenta percentual
de gordura corporal abaixo do padrão normal.
Na Tabela 1 pode ser visualizada a relação entre transtorno alimentar e estado
nutricional da população estudada.

448 Pcnlsc Cerqurird l.eite Hrllcr, Mônicd dc Cdldds Rom do* A njo* e Adilson dos Anjos
Tabela 1. Relação entre presença de transtorno alimentar e classificação do estado
nutricional de mulheres avaliadas na Cl/nica de Nutrição da Universidade Tuiuti do Paraná,
no período de março a junho de 2002.

Diagnóstico Cli ssIflcaçAc do «atado nutriclon ■1°

Psicológico* T 3 4 5 6
1 0% 1,52% 43,94% 6,06 % 0%
2 0% 0% 4,55 % 1,52% 1,52%
3 1,52% 7,58 % 30,30 % 1,52% 0%

* 1- Padrão alimentar não usual (critérios de bulimia); 2 - Comportamen­


to alimentar compulsivo, grande possibilidade de bulimia; 3 - Não há
indicativo de comportamento bullmico ou distúrbio alimentar
** 1- Magreza grau I; 3- Magreza grau III; 4- Eutrofia; 5- Sobrepeso; 6-
Obesidade classe I

Verificando a existência da associação entre transtorno alimentar e estado


nutricional, observou-se que 82% das mulheres avaliadas, que apresentam transtorno
alimentar, são consideradas eutróficas segundo avaliação pelo IMC. Este peso aparente­
mente dentro dos padrões, mascara a doença pois a bulimia nervosa não pode ser facil­
mente identificada visto que as bulímicas escondem sua doença por medo e vergonha. De
acordo com os resultados do teste de Qui-quadrado, existe associação entre as variáveis
estado nutricional e presença de transtorno alimentar (p<0,05).
Na Tabela 2 pode ser visualizada a relação entre transtorno alimentar e composi­
ção corporal da população estudada.

Tabela 2. Relação entre presença de transtorno alimentar e percentual de massa adiposa


de mulheres avaliadas na Clinica de Nutrição da Universidade Tuiuti do Paraná, no periodo
de março a junho de 2002.

Diagnóstico Ptrcantual da massa adiposa**

Psicológico* 1 2 3

1 1,52% 21,21 % 28,79 %


2 0% 1,52% 6,06 %
3 12,12% 15,15% 13,64%

* 1- Padrão alimentar não usual (critérios de bulimia); 2 - Comportamento alimen­


tar compulsivo, grande possibilidade de bulimia; 3 - Não há indicativo de compor­
tamento bullmico ou distúrbio alimentar
** 1- Baixo (< 20%); 2 - Normal (20 a 26%); 3 - Elevado (>26%)

Sobre Comportamento e CoflnlçJo 449


Os dados revelam que 59% da população estudada apresenta transtorno alimen­
tar e tem padrões de gordura corporal superiores aos considerados normais.
O percentual de gordura elevada pode ser devido a prática de dietas hipocalóricas
e de jejum prolongado. Sabe-se que a prática de dietas hipocalóricas faz com que o
organismo modifique seu metabolismo, poupando energia e utilizando substratos proveni­
entes de proteínas e de gorduras para liberação energética. Esta prática pode desencade­
ar uma degradação de proteínas musculares que acarretam em redução de percentual de
massa muscular e aumenta a concentração de massa adiposa.
A prática prolongada de jejum faz com que ocorra mobilização de glicose para
fornecimento de energia para o sistema nervoso central e de amino-ácidos e ácidos
graxos livres para fornecimento de energia para os tecidos. O indivíduo entre em
catabofismo, visto que as reservas de energia estáo diminuídas. Após 12 a 15 horas de
jejum, começa a ocorrer gliconeogônese, com degradação de 75 a 100g de proteína
muscular por dia. Após poucos dias, o dispêndio energético basal fica reduzido em 10 a
20% (Berne e Levy, 1998).
De acordo com os resultados do teste de Qui-quadrado, existe associação entre
as variáveis presença de transtorno alimentar e percentual de gordura corporal (p<0,05).
Na Tabela 3 pode ser verificado o grau de atividade física praticado pela população
estudada.

Tabela 3. Relação entre presença de transtorno alimentar e prática de atividade física de


mulheres avaliadas na Clínica de Nutrição da Universidade Tuiuti do Paraná, no período
de março a junho de 2002.

Diagnóstico Prática d* atlvkJada física**


Psicológico* 1 2 3
1 42,42 % 7,58 % 1,52%
2 7,58 % 0% 0%
3 39,39 % 1,52% 0%

* 1- Padrão.alimentar não usual (critérios de bulimia); 2 - Comportamento


alimentar compulsivo, grande possibilidade de bulimia; 3 - Não há indicativo
de comportamento bulímico ou distúrbio alimentar
** 1- Leve; 2 - Moderada; 3 - Intensa

Contrariando as expectativas com relação a prática de atividade física, pode-se


perceber que a grande maioria da população estudada (85%) pratica atividade física leve,
com associação positiva entre essa variável e a presença de transtorno alimentar (p<0,05).
Na Tabela 4 pode ser visualizada a relação entre transtorno alimentar e consumo
dietético da população estudada.

450 P e n iif O rqurirti l.eile Heller, Mônica dc Calda« Rosa dos Anjos c Adilson dos Anjos
Tabela 4. Relação entre presença de distúrbio alimentar e adequação calórica de mulhe­
res avaliadas na Clinica de Nutrição da Universidade Tuiuti do Paraná, no período de
março a junho de 2002.

Diagnóstico Adaquaçflo calórica**


Psfcológ/co* 1 2 3
1 34,85 % 9,09% 7,58 %
2 6,06% 1,52% 0%
3 33,33 % 4,55 % 3,03 %
* 1- Padrão alimentar não usual (critérios de bulimia); 2 - Comportamento
alimentar compulsivo, grande possibilidade de bulimia; 3 - Não há indicativo
de comportamento bulímico ou distúrbio alimentar
** 1- Hipocalórica; 2 - Normocalórica; 3 - Hipercalórica

Pode-se verificar que a grande maioria das participantes (69%) fazem prática de
dietas hipocalôricas, ou seja, consomem uma quantidade de calorias inferior a quantidade
necessária para manutenção das atividades diárias. Esta prática pode ser explicada em
função da preocupação com a magreza excessiva veiculada pela mídia nas sociedades
industrializadas. Este padrão alimentar pode servir de gatilho para o desenvolvimento de
transtornos alimentares. Sabe-se que a privação alimentar pode desencadear episódios
de Binge eating característicos da bulimia nervosa e que as dietas hipocalôricas geral­
mente estão presentes no início da anorexia nervosa. Foi encontrada uma forte tendência
para a presença de transtornos alimentares e prática de dietas hipocalôricas.

Conclusão

Estes dados, apesar de não serem conclusivos, revelam uma situação preocupante
entre a população jovem, que através da busca pelo corpo ideal, compromete sua saúde
com ingestão de dietas muito restritivas (59%) e pouco nutritivas.
A partir dos resultados obtidos nesta pesquisa criou-se, na universidade estuda­
da, um ambulatório para atendimento de pessoas com transtornos alimentares, tendo por
objetivo oferecer apoio psicológico e nutricional a população jovem, mais susceptível de
desenvolver este tipo de patologia.
Sugere-se mais pesquisas na área para coleta de dados que possibilitem a cria­
ção de um programa de prevenção primária e secundária em outros locais e instituições
de ensino.

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452 Denise Cerquelra l.elte Heller, Mônica de Caldas Ro*a do* Anjos e Adilson dos Anjos
Capítulo 49
Falsas memórias em pré-escolares:
l/ma investigação experimental
e suas implicações
Carmen Beatriz Neufeld1
Lilian Milnitsky Steirf

A memória pode ser considerada o coração do funcionamento intelectual huma­


no. No entanto, a memória não se refere apenas aos conhecimentos e experiências vividas;
também é com base nela que planejamos o futuro. Portanto, a memória não é apenas um
armazenador estanque do passado, mas torna-se uma base importante para toda nossa
vida mental. Como nossa memória não funciona como um gravador, as informações
armazenadas podem sofrer modificações, ou até mesmo se perder (Neufeld & Stein, 2001).
Ao longo do século passado os pesquisadores se interessaram pelo o fato de
lembrarmos de eventos que na realidade não ocorreram e de como se dá esse processo.
Inicialmente, as questões relacionadas á habilidade de crianças em relatar fidedignamen­
te os fatos testemunhados, influenciou e motivou a essa busca maior pelas falsas memó­
rias, principalmente nos EUA. Num segundo momento, os estudos em falsas memórias
passaram a direcionar-se para as implicações clínicas de tais erros mnemónicos. Vários
casos relatados na literatura (Andrews, Brewin, Ochera, Morton, Bekerian, Davis, & Mollon,
1999; Loftus, 1997) de recuperação de lembranças baseadas em procedimentos de
terapeutas têm preocupado os pesquisadores.
Os primeiros experimentos demonstrando efeitos de falsificação da memória em
crianças foram de Binet, em 1900, na França, e de Stern em 1910, na Alemanha. Já o
pioneiro no estudo deste processo em adultos foi Bartlett (Stein & Neufeld, 2001). Bartlett
(1932) ressaltou a importância das expectativas individuais para o entendimento e as
lembranças do sujeito. A partir de seu experimento clássico percebeu que os sujeitos
pareciam reconstruir os eventos com base na lógica cultural à qual pertenciam. Bem mais
tarde, Elizabeth Loftus e seus colaboradores introduziram um novo paradigma para o
estudo das falsas memórias em adultos, chamado de paradigma da sugestão de falsa

'Psicóloga, ooordanadora a doc*nta do Curao da Ptècotogla-FAG/Caacaval-PR. Doutoranda em PaloologlB-PUCRS


* Psicóloga, docantaortarKadora do Programa da Pôa-Omduaçêo am Patologia-PUCR8. Ptv D am Psicologia CognWva - Unlvaraldada do Arizona
(EUA)

Sobre Comportamento c Cognição 453


informação (Loftus & Palmer, 1974). Este paradigma consiste da apresentação de infor­
mação falsa entre o evento a ser recordado e o teste de memória e tem como principal
efeito a diminuição das memórias verdadeiras e o aumento das falsas memórias. O efeito
da sugestão de falsa informação tem sido vastamente replicado e evidenciado na literatura
com diferentes faixas etárias e amostras (Neufeld, 2000; Stein, 1998).
A partir dos anos 70, Mareia Johnson e seus colegas iniciaram um programa de
pesquisa sobre a fidedignidade da memória. Sua teoria ó denominada de Teoria do
Monitoramento da Fonte da Informação (Johnson, Hashtroudi, & Lindsay, 1993). Neste
aporte teórico o foco para compreensão da falsificação da memória centra-se em como os
sujeitos distinguem a fonte da informação que embasa a memória. Falsas memórias seriam,
então, erros de atribuição da fonte da qual a informação é derivada, ou seja, produzidas
devido a dificuldade do sujeito de identificar se as informações são derivadas de fonte
externa (eventos vivenciados) ou interna (eventos imaginados ou produzidos).

Explicação teórica para as falsas memórias

O modelo do Traço Difuso ó uma teoria ainda considerada jovem e foi proposta por
Reyna e Brainerd (1995). Ela busca responder as dúvidas e lacunas que as outras teorias
foram deixando e se formou a partir da década de 80 e anos iniciais da década de 90
(Neufeld & Stein, 2001). Esta teoria, segundo Bjorklund (1995), tem melhor dado conta de
explicar o fenômeno da falsificação da memória na atualidade.
A Teoria do Traço Difuso (FTT- Fuzzy Trace Theory) concebe a memória como
dois sistemas independentes, processados em paralelo: a memória da essência (gist) e a
memória literal (verbatim) (Reyna & Lloyd, 1997). Cada um dos dois sistemas tem objetivos
diferentes. Enquanto a memória da essência armazena o significado ou o sentido da
experiência, a memória literal retém a lembrança dos detalhes específicos do evento (ver
também Neufeld & Stein, 2001).
Como os traços são processados em paralelo e independentes um do outro, cabe
ressaltar que os traços da essência não são extraídos dos traços literais. Isto equivale a
dizer que em uma mesma experiência serão armazenadas informações nos dois sistemas
de memória e que estas informações não se encontram integradas e podem gerar dissociação
entre aspectos de um mesmo evento (Neufeld & Stein, 2001). Assim, a recuperação das
duas memórias é dissociada, e portanto geralmente alvos são melhores pistas para traços
literais do que para traços da essência (Brainerd, Reyna, & Kneer, 1995). Igualmente,
distratores relacionados são melhores pistas para traços da essência do que para traços
literais (Reyna & Kieman, 1994). Como os traços literais se tornam inacessíveis mais rapi­
damente do que traços da essência (Murphy & Shapiro, 1994), com a passagem do tempo
a base de memória decai mais rapidamente para alvos do que para falsos alarmes.

Classificação das falsas memórias

As falsas memórias podem originar-se de duas formas: espontaneamente ou im­


plantadas via sugestão externa. Tanto as falsas memórias sugeridas quanto espontâneas
são um fenômeno de base mnemónica, lembranças, e não de base social, como uma
mentira ou simulação por pressão social (Stein & Neufeld, 2001).

454 Carmem Beatriz Neufeld e l.ilian M ilnitiky Stein


As falsas memórias espontâneas são aquelas nas quais a distorção da memória
se dá de maneira interna ou endógena ao sujeito, através da auto-sugestão. Segundo
Brainerd e Reyna (1995), a auto-sugestão acontece quando o individuo lembra tão somente
do significado do fato ocorrido, ou seja, da memória da essência, devido a interferência
pela entrada de novas informações.
Já as falsas memórias sugeridas surgem a partir da implantação externa ou
exógena ao sujeito, através de sugestão deliberada ou acidental de falsa informação. O
efeito da sugestibilidade na memória pode ser definido como uma aceitação e subsequen­
te incorporação de informação (posterior ao evento ocorrido) na memória original sobre um
evento (Gudjonson, 1986). Essa definição implica alguns pressupostos quanto a suges­
tão: a não consciência do processo, bem como ser resultado de informação apresentada
posterior ao evento em questão.
Segundo Stein (1999), tanto nos estudos de falso reconhecimento (alarmes falsos
espontâneos) quanto nos estudos sobre o efeito da sugestão (alarmes falsos sugeridos)
podem ocorrer dois tipos de respostas: a rejeição incorreta de informações alvo ou aceita­
ção dos distratores (ver Stein & Neufeld, 2001 para mais detalhes).

Influências de algumas manipulações experimentais

As influências de algumas manipulações experimentais para a produção e perpe­


tuação das falsas memórias espontâneas e sugeridas podem ter implicações para situa­
ções aplicadas, principalmente na área jurídica, por exemplo na avaliação de testemu­
nhos. Além desta área, levando em conta o trabalho terapêutico, pautado principalmente
nas memórias dos eventos vivenciados pelos pacientes, torna-se clara a aplicabilidade
desses conhecimentos para a área de atuação da Psicologia Clínica (Neufeld, 2000).
Os dados de pesquisa têm apontado para alguns efeitos que influenciam decisiva­
mente as falsas memórias. Dentre estes efeitos podemos citar o momento da testagem e
da sugestão. Estas manipulações experimentais buscam compreender os efeitos causa­
dos pela passagem do tempo na acuracidade da memória.
Como memórias literais são perdidas mais rapidamente do que memórias da
essência, é provável que as pessoas baseiem-se em representações literais logo após a
apresentação de informação original, mas, transcorrido algum tempo, mudem para repre­
sentações da essência (Reyna & Kieman, 1994). Diversos estudos (Neufeld, 2000; Roediger
& McDermott,1995; Stein, 1998) que compararam a performance de diferentes amostras
em um teste de memória imediato e um teste de memória posterior (somente uma sema­
na depois da apresentação do material original) encontraram um aumento significativo no
índice de falsas memórias. Portanto, com o passar de apenas uma semana podemos
afirmar que houve um decréscimo das respostas verdadeiras e um aumento significativo
dos alarmes falsos (palavras reconhecidas como sendo apresentadas, mas que na reali­
dade não foram). Como no âmbito da psicoterapia, por exemplo, os relatos dos pacientes
(ou seja o teste de memória) se dão, geralmente, após intervalos significativos de tempo,
estes dados apontam para a importância de um maior conhecimento do terapeuta sobre
como identificar e minimizar os efeitos de falsificação da memória, já que sua fidedignida-
de pode comprometer o processo terapêutico em si.

Sobre Comportamento e Cognição 455


Em relação aos efeitos da sugestibilidade, a variável temporal também exerce influên­
cia. As manipulações experimentais do momento da apresentação da sugestão de falsa
informação trouxeram resultados interessantes. Warren e Lane (1995) observaram que a me­
mória de adultos era mais afetada pela sugestão de falsa informação quando esta era apresen­
tada uma semana após a apresentação do evento (ver também, Belli, Windschitl, McCarthy, &
Winfrey, 1992). A forma de entrevista ou de questionamento pode prover informação sugestiva
ao paciente. Como esta ocorre normalmente muito tempo depois do evento a ser recordado no
processo terapêutico os efeitos nocivos do tempo podem ser potencializadores da recordação
de eventos e/ou experiências que nunca ocorreram. Esta situação aponta para a importância
do conhecimento e aplicação de técnicas de entrevista que possam minimizar os efeitos
deletérios desta variável sobre a acuracidade da memória dos pacientes.
Outra manipulação experimental refere-se ao efeito da persistência ou durabilida­
de da memória ao longo do tempo. Este efeito já demonstrado com crianças (Brainerd,
Reyna, & Brandse, 1995; Neufeld, 2000; Poole, 1995; Stein, 1998) e com adultos (Payne,
Elie, Blackwell, & Neuschatz, 1996) e certifica que as falsas memórias podem sobreviver
tanto ou mais que as memórias verdadeiras, apesar de tais resultados Irem de encontro á
concepção do senso comum de que se lembramos por mais tempo e com maior riqueza
de detalhes de um evento ele deve ter ocorrido na realidade. Brainerd e Mojardin (1998)
observaram que o efeito da persistência não varia com a idade, e que este se apresenta
em níveis muito baixos para as memórias verdadeiras. Porém a lembrança de distratores
não-relacionados (considerados factualmente incorretos em contextos legais) são mais
persistentes do que a memória para os alvos.
A explicação para estes dados é que quando respostas corretas têm uma base
mnemónica, elas estão sustentadas principalmente por representações literais instáveis,
enquanto que alarmes falsos estão baseadas fundamentalmente em representações da
essência, que são bem mais estáveis (Stein, 1999). Assim, as falsas memórias persis­
tem por mais tempo do que as memórias verdadeiras.
O efeito de um mero teste de memória busca elucidar a influência de um teste
anterior sobre um teste posterior na acuracidade da memória. A mera testagem apresenta
dois componentes: a proteção das memórias verdadeiras contra o esquecimento e a cria­
ção de falsas memórias. A proteção da memória verdadeira contra o esquecimento leva a
um maior número de acertos no teste posterior quando os participantes receberam um
teste anterior (Brainerd & Ornstein, 1991). Já a criação de falsas memórias ocorre devido
a uma maior aceitação de distratores relacionados semanticamente ao evento original no
teste posterior, quando os participantes receberam um teste anterior (Brainerd & Reyna,
1996). Ao longo do processo terapêutico, as sessões desenvolvem-se em torno de uma
temática central (a queixa do paciente), estabelecendo-se assim sucessivos testes de
memória. Tomando por base estes resultados experimentais (por exemplo: Stein & Pergher,
2002) cria-se um ambiente propício para produção de falsos relatos baseados em relatos
e questionamentos anteriores.
Além dos efeitos citados acima, estudos recentes (Ceei, Leichtman, & White,
no prelo) obtiveram resultados interessantes. Ceei e Huffman (1997) obteviveram como
resultado um aumento de relatos falsos de crianças dependendo do status do entrevistador.
Goodman, Sharma, Thomas, e Considine (1995) utilizaram diversos tipos de
entrevistadores para testar a memória das crianças, desde adultos representando auto­
ridade até adultos afetivamente ligados ao entrevistado. Desta forma, concluíram que as

456 Carmem Beatriz Neufeld e l.ilian Milnitsky Stein


crianças são mais suscept/veis a sugestão quando entrevistados por figuras de autori­
dade e estranhos. Ceei, Ross, e Toglia (1987) utilizaram diferentes entrevistadores, in­
cluindo crianças, para apresentar a sugestão e chegaram a resultados semelhantes.
Ainda em relação ao entrevistador, observaram que crianças apresentavam mais alar­
mes falsos quando o entrevistador estava incorretamente informado sobre o evento origi­
nal ao qual as crianças haviam sido expostas.
Tomando por base as especificidades do processo terapêutico, onde exposição a
variável temporal, os sucessivos questionamentos sobre um evento, a maneira de fazer os
questionamentos, e até mesmo o status que o terapeuta assume para o paciente no decor­
rer do processo são alguns exemplos dos fatores que propiciam uma maior ocorrência de
falsas memórias. Estas são apenas algumas das implicações clinicas dos estudos em
falsas memórias. Atualmente, pesquisas com diferentes faixas etárias têm apontado para a
importância de se conhecer mais sobre este fenômeno e as possíveis formas de evitá-lo.
Resultados de pesquisas recentes (Bjorklund, 1995; Ceei & Bruck, 1996; Ceei, Ross,
& Toglia, 1987; Flavell, Miller, & Miller, 1999; Schneider & Pressley, 1997; Stein, 1998) indicam
que a memória se desenvolve com a idade e que a susceptibilidade à sugestão e à falsificação
da memória são maiores em crianças mais jovens. Com base nos estudos apresentados, o
presente estudo teve como objetivo comparar as falsas memórias espontâneas e sugeridas de
pré-escolares no que tange aos seguintes efeitos: momento da sugestão, momento da testagem,
persistência das memórias e efeito da voz da fonte da informação.

Método

O presente estudo envolveu um delineamento experimental fatorial misto 2 (Mo­


mento da Sugestão: imediato x posterior) x 2 (Momento da Testagem: imediato x posteri­
or) x 2 (Condição: espontânea x sugerida) x 3 (Tipo de Resposta: alvo x distrator relacio­
nado x distrator não-relacionado) x 2 (Fonte da informação: voz igual a da experimentadora
x voz diferente a da experimentadora) com medidas repetidas nas quatro últimas variáveis.

Participantes

A amostra foi composta por crianças de escolas particulares com idade entre 4 e 5
anos e 11 meses (M= 5anos e 3 meses, DP = 0,42) cujos pais consentiram na sua partici­
pação no estudo mediante assinatura do consentimento informado. As crianças foram de­
signadas aleatoriamente para uma das duas condições de sugestão de falsa informação:
imediata (apresentação da sugestão na mesma sessão da apresentação do material origi­
nal), ou posterior (apresentação da sugestão uma semana após a apresentação do material
original). O grupo de sugestão imediata foi composto de 30 crianças e o grupo de sugestão
posterior foi composto de 33 crianças, totalizando 63 participantes do estudo.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados foram desenvolvidos e testados para língua inglesa


por Stein (1998), e adaptados por Neufeld (2000) para o idioma e realidade brasileiros para

Sobrt ComporUmfnto e Cognição 457


o presente trabalho, com consentimento da autora. O material base original continha uma
lista com 42 frases constituídas por palavras em inglês, familiares para crianças america­
nas entre 6 e 14 anos, tornando-se, assim, necessária também a adaptação do material
para a faixa etária de pré-escolares. Para a adaptação do paradigma experimental o mate­
rial original foi traduzido por profissionais bilíngües. Posteriormente o material foi avaliado
por 3 juizes independentes (professores de pré-escola com experiência minima de 10
anos) quanto a adequação da linguagem para população de pré-escolares. Neste proces­
so de adaptação do paradigma foi realizado um estudo piloto cujos resultados indicaram a
adequação da adaptação para o português e para esta faixa etária.
Para a coleta de dados na amostra definitiva os instrumentos consistiam em
material original, material de sugestão e dois testes de memória, apresentando as seguin­
tes especificações:

1. Material original

O material original foi composto por 36 frases divididas aleatoriamente em quatro


grupos: (1) Alvos sugeridos: 10 frases alvo que eram posteriormente sujeitas a falsa infor­
mação; (2) Alvos controle: 10 frases alvos que não sofreram sugestão posterior; (3) Preen­
chimento: 8 frases não consideradas alvos; (4) Buffer ou Isolamento: 8 frases de isola­
mento inicial e final da lista, que não foram consideradas alvos. O material original foi
gravado, obedecendo uma ordem aleatória, sendo que 18 frases foram apresentadas por
voz igual a da experimentadora (feminina) e 18 frases por voz diferente (masculina).

2. Material de sugestão

Todas as 36 frases da lista estudada no material original foram repetidas durante


a etapa de sugestão, exceto para as frases alvo sugerida, que foram substituídas por
frases modificadas. Estas frases modificadas eram exatamente iguais às frases alvo,
porém uma palavra-chave em cada uma das frases alvo sugerida foi substituída por uma
palavra nova, da mesma categoria semântica da palavra alvo (ex.: na frase alvo "Minha
mãe me deu uma maçã para levar para a escola”, pêra substituiu maçã na fase de
sugestão). A posição na frase da palavra-chave variava aleatoriamente.

3. Testes de Memória de Escolha Múltipla

Os testes de reconhecimento de escolha múltipla consistiram em uma lista de


frases incompletas (ex.: Minha mãe me deu uma para levar para escola). As frases
incompletas eram idênticas as do material original estudado, exceto que a palavra-chave de
cada frase estava faltando. Quatro palavras eram apresentadas como opções possíveis para
completar cada frase: (1) AL - alvo (a palavra do material original, ex.: maçã); (2) DR -
distrator relacionado sugerido (a palavra sugerida no material de sugestão, ex.: pôra) ou
distrator relacionado (uma palavra relacionada semanticamente ao alvo, mas que não foi
sugerida, ex.: banana); (3) DN1 - distrator não-relacionado (uma palavra não relacionada

458 Carmem Beatriz Neufeld e Lilian Milnitsky Stein


semanticamente ao alvo, ex.: borracha); e (4) DN2 - distrator não-relacionado (outra palavra
não relacionada semanticamente ao alvo, ex.: caneta). Tanto o DN1 quanto o DN2 eram
semanticamente relacionados entre si, apesar de não estarem relacionados nem com AL,
nem com DR. As palavras alvo e distrator relacionados ou sugeridos eram itens típicos da
mesma categoria semântica. Assim, os dois distratores não relacionados, apesar de per­
tencerem a uma mesma categoria entre si, pertenciam a uma categoria diferente a dos
alvos e distratores relacionados (ou sugeridos). A ordem de apresentação das quatro op­
ções de resposta variou aleatoriamente ao longo das frases dos testes de memória.
O teste de memória imediato consistia de uma lista com 5 frases alvo com suges­
tão de faísa informação (isto é, 5 frases aleatoriamente selecionadas das 10 frases aívo
sugeridas), 5 frases alvo que não sofreram sugestão (isto é, 5 frases aleatoriamente
selecionadas das 10 frases alvo controle), 8 frases de preenchimento e 6 frases de isola­
mento (isto ó, 6 frases aleatoriamente selecionadas das 8 frases de isolamento). As 6
frases de isolamento foram apresentadas no início da lista como frases de prática.
O teste de memória posterior (uma semana após a apresentação do material
original) consistia de uma lista com 10 frases alvo com sugestão de falsa informação (isto
é, as 10 frases alvo sugeridas), 10 frases alvo que não sofreram sugestão (isto é, as 10
frases alvo controle), 5 frases de preenchimento (isto ó, 5 frases aleatoriamente selecionadas
das 8 frases de preenchimento), e 3 frases de isolamento (isto é, 3 frases aleatoriamente
selecionadas das 8 frases de isolamento). As 3 frases de isolamento foram apresentadas
no início da lista como frases de prática.

4. Atividade de Distração

A atividade de distração consistia de um jogo de procurar personagens entre a


multidão do tipo “Onde está Wally?". A atividade, que durava em módia 5 minutos, foi
apresentada logo após o material original, com objetivo de desviar a atenção da criança do
material original.

Procedimentos

Inicialmente, foi apresentado para a criança uma lista de frases alvo. Após a
apresentação do material alvo era feita a atividade de distração. Metade das crianças
receberam a sugestão de falsa informação na mesma sessão e a outra metade recebeu-
a uma semana depois. A sugestão consistiu de frases idênticas as frases alvo, porém
algumas delas continham sugestão de falsa informação. Todas as crianças responderam
a dois testes de memória de escolha múltipla: um imediato e outro uma semana depois.
A memória das crianças foi avaliada a partir de sua performance em dois testes
de memória, um imediato e um posterior. Os resultados de ambos os testes de memória
foram analisados através de procedimentos de análises de variância (ANOVA) para medi­
das repetidas. Os efeitos evidenciados pelas ANOVAs foram posteriormente confirmados
através de testes t. Também foram utilizadas análises de correlação de Pearson. Foi
fixado um nível de significância de p 30,05 para todos os testes estatísticos utilizados.

Sobre Comportomenlo c Coflniçüo 459


Resultados

Os resultados serão apresentados com base em trôs possibilidades de resposta.


Assim, foram computadas três variáveis dependentes com valores um ou zero conforme a
escolha feita pela criança como resposta para cada item nos testes de memória. A esco­
lha do item alvo pela criança referia-se a medida de respostas verdadeiras (RV). Quando
a criança escolhia um distrator relacionado (controle ou sugerido) pertencente a mesma
categoria semântica do alvo referia-se a medida de resposta falsa (RF). Na escolha de um
dos dois distratores não-relacionados nem com o alvo, nem com o distrator relacionado,
mas relacionados semanticamente entre si era computada a resposta enviesada (RE).
A partir das ANOVAs, dois efeitos principais foram encontrados, tipo de resposta
(Fs (1,61) > 7,341, ps < 0,05) e condição (Fs (1,61) > 19,030, ps < 0,001). Estes efeitos
principais foram qualificados por uma interação entre condição e tipo de resposta (F(1,61)
= 151,058, b < 0,001). Os índices de reconhecimento das RV para itens controle (M =
0,560, DP= 0,186) foram superiores aos índices das RV para itens sugeridos (M= 0,315,
DP = 0,150). Em relação aos índices de reconhecimento das RF observou-se que os
índices das RF para itens controle (M = 0,119, DP = 9.133E-02) foram inferiores aos
índices das RF para itens sugeridos (M = 0,466, DP - 0,179). Quanto as respostas de
viés, os índices de reconhecimento das RE para itens controle (M = 0,320 DP= 0,200)
foram superiores aos índices das RE para itens sugeridos (M = 0,219, DP= 0,148). Estes
resultados demonstram, no geral, uma boa qualidade da memória das crianças.
A ANOVA também produziu uma interação entre momento da testagem, condição
e tipo de resposta (F (1,61) = 5,932, p < 0,05), sendo as diferenças confirmadas por testes
posthoc(ts{62) > 2,918, ps < 0,05) (Figura 1).

Figura 1. Média de reconhecimento das respostas verdadeiras (RV) e respostas faísas


(RF) em relação à condição e ao momento da testagem.

imediato posterior Imediato posterior


C ontrole S ugerido

Como pode-se observar na Figura 1, no teste imediato os índices de reconhecimen­


to das RV para itens controle foram superiores aos índices de RV para itens sugeridos. Já
os índices de reconhecimento das falsas memórias espontâneas foram inferiores aos índi­
ces das falsas memórias sugeridas testados imediatamente. No teste posterior, os índices
de RV para itens controle foram superiores aos de RV para itens sugeridos. Em relação aos

460 Cirm em Beatriz Neufeld e Lilian M ilnitiky Stein


índices de falsas memórias observou-se uma direção contrária dos dados: falsas memórias
espontâneas foram inferiores do que falsas memórias para itens sugeridos.
Comparando os índices de reconhecimento de verdadeiro para itens sugeridos
testados no teste imediato com os mesmos, testados posteriormente, não houve diferen­
ça estatisticamente significativa. O mesmo ocorreu com os índices das RF, tanto para
itens sugeridos quanto para itens controle. Portanto, o efeito do momento da testagem foi
observado apenas para as respostas verdadeiras aos itens controle. A magnitude do efeito
da sugestão, que provoca uma supressão das RV e um aumento das RF foi independente
do momento da testagem.
As interações entre momento da sugestão, momento da testagem, condição e
tipo de resposta (F(1,61) = 40,789, p < 0,001) podem ser observadas nas Tabela 1.

Tabela 1. Média de reconhecimento das respostas verdadeiras (RV) e respostas falsas


(RF) em relação à momento da sugestão e ao momento da testagem.

Momento da testagem
Teste Imediato Teste Posterior*
Sugestão RV RF RV RF
Imediata <^0J93 0^62^> 0,387 0,427
Posterior 0,412 0,255 0,287 0,558

‘Apenna para Harta nio taatadoa

Testes post hoc (ts (29) > 2,845, ps < 0,05) revelaram que o grupo de sugestão
imediata apresentou uma supressão de RV e um aumento de RF no teste imediato. No
entanto não houve diferença entre RV e RF no teste posterior. No grupo de sugestão
posterior (ts (32) >2,118, ps < 0,05) as RV foram significativamente superiores do que as
RF no teste imediato. Já no teste posterior pode ser observado o efeito clássico da suges­
tão de falsa informação.
Comparando o efeito da sugestão de falsa informação entre os grupos, pode-se ob­
servar que a magnitude do mesmo foi superior quando a sugestão e o teste de memória foram
administrados imediatamente. Este resultado sugere que a sugestão posterior pode ter auxi­
liado a memória das crianças uma semana depois da apresentação do material original.
Quanto a questão referente á durabilidade da memória, testou-se o efeito de persis­
tência das respostas ao longo de uma semana, através de análises de correlação parcial
entre as respostas do teste imediato com as do teste posterior, com controle para os itens
não testados. As análises, de modo geral, demonstraram que para os itens controle, as
respostas verdadeiras (r= 0,311, p < 0,05) persistiram mais que as falsas ( r = 0,250, p <
0,05). Resultados semelhantes foram encontrados para os itens sugeridos, as RV (r =
0,373, p < 0,01) persistiram mais que as RF (/•= 0,367, p < 0,01). Ainda que as respostas
enviesadas não tenham uma base mnemónica, RE para itens controle (r = 0,415, p < 0,01)
e para itens sugeridos (r= 0,520, p < 0,001) foram persistentes no teste posterior.

Sobre Comportamento e Cognição 461


Quando examinado o efeito do momento da sugestão na persistência das respos­
tas nos testes observou-se que na imediata, RV e RF para itens controle obtiveram resul­
tados similares aos mencionados acima. O mesmo ocorreu em relação as RE para itens
controle e sugeridos. Constatou-se, no entanto, um efeito da sugestão imediata na persis­
tência para itens sugeridos, sendo que as respostas falsas (r= 0,642, p< 0,001) foram
mais persistentes que as verdadeiras (r = 0,552, p < 0,01).
Em relação a sugestão posterior, RV e RF tanto para itens controle quanto para
sugeridos não persistiram. No entanto, as RE persistiram, mantendo índices similares
aos já citados. Os índices das RE para itens controle (r = 0,379, p < 0,05) e para itens
sugeridos (r= 0,446, p < 0,05) persistiram no teste posterior.
Em suma, houve uma maior persistência dos índices verdadeiros para itens con­
trole, porém, o efeito da sugestão de falsa informação auxiliou numa maior persistência
dos reconhecimentos falsos para itens sugeridos. O maior efeito de persistência, no en­
tanto, foi atingido pelas respostas de viés, que persistiram independentemente da condi­
ção (controle vs. sugerida) ou do momento da sugestão.
A fonte da informação do material original influiu na qualidade da memória dos
sujeitos, ou seja, o efeito da lista original de frases ter sido apresentada por voz feminina
e posteriormente testada via mesma voz, auxiliou na performance das crianças. Os resul­
tados do teste de memória imediato e dos itens não testados do teste de memória poste­
rior foram analisados através de uma ANOVA para Momento da Sugestão (imediata vs.
posterior) x Momento da Testagem (imediato vs. posterior) x Fonte da Informação (voz
igual a da experimentadora vs. voz diferente a da experimentadora) x Tipo de Resposta
(RV vs. RF vs. RE), com medidas repetidas nas três últimas variáveis.
As análises não produziram efeito principal para fonte da informação, no entanto,
foram encontradas interações com esta variável. Os resultados da interação entre mo­
mento da testagem, fonte da informação e tipo de resposta (F(1,61) = 4,439, p < 0,05)
estão apresentados na Figura 2.

Figura 2. Média de reconhecimento das respostas verdadeiras (RV) e respostas falsas


(RF) em relação à fonte da informação original e ao momento da testagem.

Igual dlfer Igual dlfer


Teata lm a dla to P o sta rlo r

462 Carmem Brdtri/ Ncufdd e Lilian Milnítsky Stein


Testes posthoc(ts (62) > 2,243, ps < 0,05) evidenciaram que, no teste imediato,
os índices de reconhecimentos verdadeiros para itens apresentados por voz igual foram
superiores aos para itens apresentados por voz diferente. No teste posterior, observa-se
resultados similares. No entanto, quanto aos índices de alarmes falsos para itens apre­
sentados por voz igual, foram encontrados resultados opostos: estes foram inferiores aos
dos itens apresentados por voz diferente em ambos os testes de memória, imediato e
posterior. Assim, o efeito da mesma fonte da informação auxilia as memórias verdadeiras,
provocando um decréscimo das faísas.

Discussão

Ao contrário do que acreditam alguns autores (por exemplo, Howe, 1991) de que
a sugestão de falsa informação exerce um efeito superficial sobre a memória, o presente
estudo encontrou que crianças pré-escolares foram suscetíveis ao efeito da falsa informa­
ção, mesmo quando cuidadosamente instruídas a responder somente com base nos itens
ouvidos na fita, ou seja, no material original. O clássico efeito da sugestão de falsa infor­
mação (Loftus, 1979), isto é, a supressão das respostas verdadeiras e o aumento das
respostas falsas para ditratores relacionados ocorreu mesmo quando as crianças foram
testadas imediatamente após a apresentação do material original. Estes resultados corro­
boram com outros de estudos anteriores com crianças de mesma idade (por exemplo,
Ceei, Ross & Toglia, 1987; Neufeld, 2000), com crianças mais velhas (Stein, 1998) e com
diferentes paradigmas e instrumentos (Pezdek & Roe, 1995).
Portanto, a sugestão de falsa informação produziu dois efeitos distintos: a su­
pressão das respostas verdadeiras e o aumento das respostas falsas. Segundo a Teoria
do Traço Difuso, o sistema de memória não ó unitário (Reyna & Brainerd, 1995). A memó­
ria literal armazena dados específicos do evento, enquanto a memória da essência arma­
zena o sentido da experiência. As duas memórias são independentes e processadas em
paralelo. Os traços literais dão suporte às memórias verdadeiras (Brainerd, Reyna, &
Poole, 2000). A supressão das memórias verdadeiras ocorre devido a característica dos
traços literais de serem mais instáveis e suscetíveis à interferência pela sugestão de falsa
informação. No entanto, o aumento das falsas memórias, por efeito da sugestão, pode
ocorrer devido a dois diferentes fenômenos: ou pela recuperação literal da informação
sugerida (Reyna & Titcomb, 1996), ou pela recuperação da memória da essência do ma­
terial original (Bfainerd, Reyna, & Poole, 2000).
Porém, ao contrário dos resultados encontrados por estudos recentes com crian­
ças mais velhas (por exemplo, Stein, 1998), a magnitude do efeito nocivo da sugestão foi
superior quando a sugestão e o teste de memória foram imediatos, se comparado à suges­
tão e teste de memória posterior. Provavelmente, porque os resultados sobre o efeito do
momento da sugestão podem ter sido confundidos com outras manipulações dentro do
mesmo estudo, como ocorreu com Warren e Lane (1995). Por exemplo, como o material de
sugestão repete o material original que não sofre sugestão, esta repetição pode ter reforça­
do os traços literais, em especial uma semana após, quando a sugestão foi posterior, já que
traços literais tendem a se perder mais rapidamente do que os traços de essência.
Comparando as falsas memórias espontâneas e sugeridas, observou-se que as
primeiras ocorreram em níveis muito inferiores aos das segundas. Em relação a esta

Sobre Comportamento c CoRnl(3o 463


acentuada diferença entre os dois tipos de falsas memórias pode-se levantar algumas
hipóteses: crianças pré-escolares apresentam maior dificuldade de trabalhar com a es­
sência dos eventos, baseando sua memória basicamente em traços literais (Reyna &
Kiernan, 1995). O paradigma metodológico empregado na presente pesquisa reforça tra­
ços literais através da apresentação da sugestão de falsa informação, ajudando a memó­
ria das crianças para as frases alvo controle (frases que foram apresentadas na fase de
sugestão iguais a como haviam sido apresentadas no material original). Como conseqüência
disso, observa-se uma diminuição das falsas memórias espontâneas para os itens não
sugeridos.
Neste sentido, alguns pesquisadores (Loftus & Davis, 1984; Loftus, Schooler &
Wagernaar, 1985) propuseram que quando foi sugerida uma falsa informação, ela não
apenas criou falsas memórias para a falsa informação, mas também melhorou a memória
para o material original. Como, além do material original, foi apresentado para a criança o
material de sugestão, contendo, além da sugestão de falsa informação, parte do material
original, houve uma repetição dos itens controle (medida de falsas memórias espontâne­
as). Portanto, provavelmente, as crianças que receberam sugestão imediata basearam-se
em traços literais repetidos pelo material de sugestão para responder ao teste de memória
imediato, tanto para as frases controle quanto para as sugeridas. O mesmo pode ter
ocorrido com as crianças que receberam sugestão posterior, baseando-se em traços lite­
rais da sugestão para responder o teste posterior.
A característica das crianças pequenas de basearem suas memórias em traços
literais parece explicar os baixos índices de falsas memórias espontâneas (respostas falsas
para itens controle). Estes resultados sugerem que a memória de crianças pré-escolares
pode ser considerada fidedigna, quando não sofreu sugestão de falsa informação.
Observou-se também uma melhora na memória das crianças para os itens que
foram testados pela mesma voz da fonte da informação original. Como as informações
específicas sobre a fonte da informação, por exemplo voz feminina ou masculina, são
armazenadas na memória literal (Reyna & Lloyd, 1997), o fato de itens serem testados
pela mesma voz do material original, auxilia na recuperação de traços literais (Reyna &
Lloyd, 1997). Como crianças pequenas baseiam suas memórias, fundamentalmente, em
traços literais, o auxílio proporcionado pela mesma voz na recuperação destes traços,
produz um maior reconhecimento de itens verdadeiros, já que estes se encontram
embasados também por traços literais (Brainerd, Reyna, & Poole, 2000).
As memórias verdadeiras para os itens que não sofreram sugestão persistiram ao
longo de uma semana. Porém, o efeito da sugestão de falsa informação parece ter contri­
buído numa maior persistência dos reconhecimentos falsos para itens sugeridos. O maior
efeito de persistência, no entanto, foi atingido pelas respostas de viés, que persistiram
independentemente da condição (controle vs. sugerida) ou do momento da sugestão (ime­
diata vs. posterior).
Brainerd e Mojardin (1998) colocam que a maior persistência de respostas de viés
é comumente encontrada em crianças pequenas, assim como níveis muito baixos de
persistência para memórias verdadeiras. Respostas verdadeiras são sustentadas basica­
mente por traços literais. Respostas falsas podem ser sustentadas por traços literais da
sugestão ou por representações da essência, mais estáveis com a passagem do tempo

464 Carmem Beatriz Neufeld e l.ilian M iln fU ky Stein


(Stein, 1999). Já as respostas consideradas factualmente incorretas, sem ligaçào semân­
tica com os alvos, as respostas enviesadas, apresentaram uma maior persistência do que
as respostas verdadeiras e as falsas. O fato de responder a um teste de memória, faz com
que novas memórias sejam armazenadas em relação a este. Como crianças pequenas
tendem a basear suas respostas em memórias literais, provavelmente suas respostas
sem ligação semântica com o alvo foram pautadas em lembranças literais da sua respos­
ta no teste anterior.
A concepção de duas memórias independentes e processadas em paralelo, con­
segue explicar o efeito de dissociação dos resultados encontrado em algumas interações.
Por exemplo, no que concerne a interação entre momento da testagem, condição e tipo
de resposta, houve uma dissociação entre os resultados dos itens controle e dos itens
sugeridos. Quando o teste foi imediato, as memórias verdadeiras aumentaram e as falsas
diminuíram, já no teste posterior, ocorreu o contrário, as memórias verdadeiras diminuíram
e as falsas memórias aumentaram. O mesmo efeito pode ser observado na interação
entre momento da testagem, fonte da informação e tipo de resposta, na qual ocorreu uma
dissociação entre os resultados dos itens apresentados por voz igual e os apresentados
por voz diferente. As memórias verdadeiras para itens apresentados por voz igual diminu­
íram após uma semana, já as falsas memórias aumentaram. Em relação aos itens apre­
sentados por voz diferente, pode-se observar resultados semelhantes.
As teorias que concebem a memória como unitária não conseguem dar conta
destes achados. Se a memória fosse unitária, à medida que as memórias verdadeiras
aumentam ou diminuem, as falsas memórias obrigatoriamente teriam que aumentar ou
diminuir, respectivamente. O efeito de dissociação dos resultados está em acordo com a
noção de que não existe uma memória e sim sistemas de memória independentes e que
se processam em paralelo.
Os resultados do presente estudo paralelamente a outros encontrados na literatu­
ra (Brainerd & Mojardin, 1998; Ceei & Bruck, 1996; Stein, 1998), que apontam que crian­
ças são suscetíveis a sugestão de falsa Informação e que o simples fato de terem sido
questionadas sobre um evento aumenta os índices de falsas memórias em seus relatos.
Porém, o que poderia causar mais espanto ainda, ó que, as respostas incorretas (que não
tem nenhuma ligação semântica com o evento original) são as que mais tempo persistem
na memória das crianças. Isto é, crianças podem ter lembranças mais duradouras sobre
fatos que em nada se parecem ao que realmente aconteceu, do que sobre a realidade
vivida por elas. Este dado torna-se ainda mais preocupante no âmbito da Psicologia Clíni­
ca. Além de possuírem lembranças sobre fatos que não ocorreram, crianças podem ter
sentimentos traumáticos em relação a estes eventos que são lembrados por elas, mas
que na realidade, não foram vividos. As sucessivas entrevistas (testes de memória) sobre
estes fatos reforçam a importância e a persistência destas lembranças, tornando-as cada
vez mais vívidas e nocivas para a criança.
Finalmente, como a memória de crianças pequenas parece estar fundamentalmen­
te baseada em traços literais (Reyna & Lloyd, 1997; Neufeld, 2000), os dados igualmente
apontam algumas estratégias que podem prevenira produção de falsas memórias. Uma das
estratégias seria entrevistar a criança o mais próximo possível do evento, já que as crianças
apresentam uma melhor qualidade de memória quando testadas imediatamente após terem
vívencíado o fato. No entanto, para não sofrer o efeito da sugestão, a entrevista deve ser

Sobrf Comportamento e Cognição 465


pautada em perguntas abertas, do tipo M conte-me tudo que você lembra sobre o que aconte­
ceu naquele dia”. A acurácia da memória das crianças parece ser auxiliada igualmente pelo
efeito da fonte da informação, já que esta auxilia na recuperação dos traços literais. Portan­
to, pode-se supor que se o contexto da entrevista mantiver condições similares às do evento
provavelmente auxilie a acuracidade da memória das crianças.

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468 Carmcm Beatrl/ Neufeid e Lilian M ilnltsky Stein


Capítulo 50
Um proccdimcnto de treino de discrimnação
condicional com bebês
D iscrim inação com bebês

M ariä Stella Coutinho de Alcântara QiF


Thais Porlan de O tiveirtf

O investimento na elaboração do modelo de equivalência de estímulos tem permi­


tido avançar hipóteses explicativas para o comportamento simbólico, com base nas con­
tingências de quatro e cinco termos respectivamente (Sidman, 1986; 1990; 1994). A rela­
ção entre um estímulo discriminativo e um estímulo modelo parece requerer um quarto
termo na relação de contingência e produzir um fenômeno emergente: a equivalência entre
modelos e respectivos comparações. Esta equivalência, por sua vez, pode estar sob o
controle de um quinto termo, um estímulo contextuai. A equivalência seria, assim, um
modelo explicativo do desenvolvimento da relação simbólica.
A expansão e o teste do modelo enfrentam alguns desafios conforme discutiu de
Rose (2000). Um dos desafios está relacionado ao procedimento chave destes estudos
que são as dificuldades usuais produzidas pelas variações do procedimento de pareamento
com o modelo (Zygmont, Lazar, Dube e Mcllvane, 1992). Outro consiste no investimento
em investigações que incluam populações ainda não estudadas, como por exemplo, ma­
cacos e bebês fiumanos. Ao considerarmos os bebês humanos há um desafio adicional
relacionado às peculiaridades das crianças que tem até 24 meses: encontrar situações e
procedimentos experimentais atraentes o bastante para mantê-los em atividades que per­
mitam estudar a aquisição de relações condicionais por bebês. É deste último desafio que
tratará o presente capítulo.
As dificuldades da pesquisa experimental com bebês decorrem do fato que crian­
ças jovens são instáveis nas situações experimentais o que, de acordo com Kagan (1981),
interfere nas reações do bebê à situação experimental. A tentativas de análise da emer­
gência de relações de equivalência entre estímulos com crianças pequenas são recentes
e escassas (Boelens, Broekk e Klarenbosch, 2000; Devany, Hayes e Nelson, 1986; Lipkens,

' Profaaaora da Enalno Superior-Pô» Doutor Univeraldade Fadaral d« 8*o Carta«


1Pikyitoya - Mestre - Doutoranda Untvoraidacki Federal de Sêo Carlo«

Sobre Comportamento c Cognição 469


Hayes, Hayes, 1993; Pilgrin, Jackson e Galizio, 2000; Wilkinson e Mcllvane, 1997) e os
estudos realizados com participantes de baixo repertório verbal têm sido questionados
quanto à realidade do baixo repertório (Carr e col.f 2000; Mcllvane e col. 2000).
Desde as afirmações a respeito da competência dos bebês (Bruner, 1972) até
recentemente, muito se avançou em relação à compreensão do desenvolvimento da orga­
nização visual (Slater, 1997) e da percepção de aspectos da fala pelos bebês (Juczyk,
Houston e Goodman, 1997). Há, entretanto, inúmeras questões a serem enfrentadas nes­
se domínio no que diz respeito às premissas adotadas e às divergências da comunidade
de pesquisadores especializados sobre resultados díspares e sobre a pertinência dos
procedimentos de análise de dados empregados. Parece necessário, portanto, empreen­
der uma cuidadosa revisão dos procedimentos e resultados derivados dos estudos sobre
desenvolvimento perceptual realizados com bebês e crianças pequenas, sob a ótica da
análise de contingências na aprendizagem de relações entre estímulos por bebês, em
uma abordagem comportamental.
Paralelamente, recuperar os dados que caracterizam o repertório das diversas
etapas do desenvolvimento da criança pequena e que foram amplamente explorados na
Psicologia do Desenvolvimento, evitaria que se propusessem situações experimentais
que solicitam respostas incompatíveis ou pouco usuais para o estágio de desenvolvimento
em que o participante se encontra, conforme discute Kagan (1981). Ao mesmo tempo,
haveria a possibilidade de se buscar no cotidiano dos participantes dos experimentos os
arranjos ambientais que porventura se aproximem da situação experimental desenvolvida
e vice-versa. Os subsídios metodológicos para tais investigações são encontrados, sobre­
tudo na longa experiência de pesquisas que enfatizaram a percepção social dos estímu­
los em bebês ( Barret, Goldfarb e Whitehurst, 1973; Condon e Sandeer, 1974; Rosenthal,
1982) e de pesquisas sobre as interações sociais entre adultos e crianças, realizadas por
meio de procedimentos de observação e classificação de comportamentos. O conheci­
mento acumulado nestas áreas contribuiria para a construção de um instrumental de
análise de dados imprescindível à análise funcional da aprendizagem de relações entre
estímulos em situação natural e experimental.
A definição de “estímulo” e de resposta, entretanto, não é uma tarefa simples. Em
1981, Stoddard e Mcllvane apresentaram uma revisão dos procedimentos e resultados
das pesquisas sobre os comportamentos que emergem sem treino direto, visando aumen­
tar a eficiência do ensino e da prática clínica, sobretudo na abordagem de indivíduos
mentalmente retardados. Os autores assumiram, então, as dificuldades e os obstáculos
que a área de pesquisa enfrenta na elaboração e implementação dos procedimentos
adotados. Mais recentemente, Mcllvane (1992) retomou esta análise apresentando os
avanços e as restrições para a definição dos estímulos em vigor no controle do comporta­
mento nas situações experimentais. De acordo com o autor, as dificuldades superadas e
aquelas enfrentadas, longe de significarem a impossibilidade de se estabelecer controles
experimentais efetivos, refletem, principalmente, os ganhos na compreensão do "caráter
dinâmico e flexível do controle de estímulos" (p.67).
Considerando a possibilidade de encontrar alternativas para a compreensão do
comportamento simbólico em bebês se propôs um conjunto de estudos que tem por
objetivo estabelecer procedimentos, estímulos discriminativos e reforçadores e classes

470 Mdríd Stella de Alcântara C/il e Tliais Porlan de Oliveira


de respostas para o estudo da aquisição de relações condicionais por bebês. O trabalho
aqui relatado permite ilustrar e discutir alguns avanços possiveis e as dificuldades ainda
encontradas.
Um dos desafios chave deste trabalho era o de manter o rigor da pesquisa expe­
rimental em uma investigação realizada no ambiente cotidiano do bebê: a sua creche.
Alóm disso, pretendia-se empregar recursos metodológicos elaborados para a realização
da análise de contingências em situação natural para distinguir os controles experimen­
tais planejados daqueles que estivessem em vigor embora não previstos. Neste estudo se
propôs, então, realizar o treino de discriminação simples e de reversão da discriminação
com um bebê de 24 meses.
Durante três semanas, duas pesquisadoras freqüentaram diariamente a sala de
atividades dos bebês de um berçário de uma creche para se familiarizarem com os bebês
e para permitir que eles se adaptassem á presença de estranhos nas suas atividades. Lá,
elas brincaram com todos os bebês, lhes deram bolacha e água e os levaram para as
trocas de roupa ou para a realização de atividades programadas pela creche. Quando os
bebês já as acompanhavam em diferentes ambientes ou recorriam espontaneamente ás
pesquisadoras, considerou-se que eles estavam adaptados o suficiente para permanece­
rem apenas com uma delas na situação experimental. Neste capítulo relatam-se as con­
dições, procedimentos e resultados oferecidos e obtidos para apenas um dos bebês: um
menino que tinha 24 meses no inicio do estudo.
O ambiente experimental foi montado em uma pequena sala da própria creche
que o bebê freqüentava diariamente. Nesta sala, foi construído um aparato que resultou da
adaptação do equipamento empregado por Mcllvane & Stoddard (1981) conforme se dis­
cutiu anteriormente. Visto de frente, o aparato consistia em uma grande caixa na qual
estavam recortadas duas janelas paralelas. As janelas funcionavam como se fossem duas
vitrines que expunham brinquedos previamente planejados e confeccionados para exerce­
ram as funções de estímulos discriminativo e reforçador. Os estímulos poderiam ficar
expostos simultaneamente nas duas janelas, mas estariam inacessíveis por estarem atrás
de uma placa de acrílico transparente ou poderiam tornar-se acessíveis quando era retira­
da a placa de acrílico. Uma terceira condição era a vista das janelas “fechadas" quando
estavam vedadas com placas de papelão, usualmente durante os intervalos entre as ten­
tativas dos treinos de discriminação. Os brinquedos-estlmulo eram porcos estilizados,
confeccionados em tecido macio de cores lisas (verde, azul, amarelo e vermelho) ou
estampado (listado e com bolinas também em padrões nas cores básicas). Ao serem
manuseados pelo bebê, os brinquedos produziam sons de músicas infantis e algumas
luzes se acendiam e piscavam no ritmo da música tocada. Alóm dos brinquedos-estlmulo
alguns brinquedos familiares ao bebê estavam na sala.
Apenas a frente da caixa com as suas janelas era visível para o bebê, pois a caixa
estava embutida em uma cortina que dividia a sala em duas partes. Na parte de traz ficava
uma das pesquisadoras que operava os estímulo e as placas de acrílico e papelão que
permitiam ou impediam o acesso do bebê aos estímulos. Na parte da frente, o bebê e a
outra pesquisadora sentavam-se no chão, diante das janelas. Duas câmeras foram dis­
postas na sala de modo a focalizarem os movimentos do bebê e da pesquisadora e as
janelas do aparato.

Sobre Comportamento e Cognição 471


As sessões iniciavam-se com a abertura das janelas. As placas de papelão eram
erguidas e os estimulos eram expostos nas janelas através das placas de acrilico que
impediam o acesso do bebé aos brinquedos. Quando o bebé escolhia uma das janelas,
tocando-a com os dedos, a mão ou os pés, apontando-a ou andando até ela e encostando
seu rosto na placa de acrílico, a resposta era seguida do acesso ao brinquedo (no caso da
escolha do S+) ou as janelas fechavam-se até a nova tentativa (no caso da escolha do S).
Após o treino de discriminação simples, no qual aumentou a freqüência de respostas do
bebê ao S+, foi realizado o treino de reversão, quando as funções dos estímulos invertiam-
se, ou seja, o estímulo anteriormente designado S+ passava a exercer função de S- e
vice-versa. Após os treinos de discriminação e reversão da discriminação realizados com
quatro conjuntos de estímulos que assumiram em igual número de tentativas as funções
de S+ e de S- foi realizada uma sessão na qual o bebê recebia um porco para brincar.
Tendo este estímulo nas mãos, o bebê deveria selecionar, em uma das janelas, os brin-
quedos-estímulo semelhantes ao modelo que estava sendo manuseado.
Imediatamente após as três semanas de adaptação, foram realizadas oito ses­
sões de treino de discriminação e de reversão da discriminação, distribuídas em duas
semanas. Ao longo das oito sessões foram introduzidas alterações no procedimento vi­
sando refiná-lo. Cada uma das alterações foi decidida a partir do estudo diário das prová­
veis contingências presentes no ambiente experimental: planejadas ou não. Esta análise
foi realizada por meio do registro dos videoteipes em um protocolo no qual se transcreviam
classes de respostas do bebê, classes de respostas da pesquisadora que o acompanha­
va, as condições de estimulação presentes (desde os brinquedos-estímulo, brinquedos da
creche até as condições de iluminação, ruídos e falas das experimentadoras).
A organização das informações considerou os desempenhos da pesquisadora,
seus respectivos produtos e eventos físicos do ambiente como os eventos antecedentes e
subseqüentes às classes de respostas do bebê. O confronto dos dados obtidos por meio
do protocolo de transcrição dos registros e dos dados de aquisição de discriminação,
representados pelas curvas de freqüência acumulada do desempenho do bebê, permitiu a
identificação dos possíveis controles em vigor do desempenho do bebê. Identificados os
controles não planejados, mas em operação, procedia-se a alterações no procedimento e
se voltava às análises. O exame das prováveis contingências operando na aquisição de
discriminação pelo bebê produziu resultados importantes relacionados a diretrizes
metodológicas para pesquisas empíricas sobre aprendizagem de discriminação por bebês.
A inspeção da Figura que resume os dados da aquisição de discriminação pelo
bebê permite acompanhar as modificações propostas e seus respectivos resultados. Na
Figura 1 encontra-se a freqüência de respostas acumuladas para os estímulos S+ e S- ao
longo das tentativas de treino de sete sessões.
Nos treinos de discriminação 1 e de reversão 1, os porcos dispostos simultanea­
mente nas janelas como estímulos eram vermelhos e listrados, e os brinquedos-estímulo
definidos pelas experimentadoras como S+, no treino de discriminação inicial, eram os
vermelhos: no treino seguinte, de reversão, os brinquedos-estímulo listrados assumiam a
função de S+ e, conseqüentemente, os vermelhos de S-. Os treinos de discriminação e
reversão indicados pelo dígito 2 foram realizados com novos pares de brinquedos-estímu­
lo, agora porcos amarelos e porcos estampados com bolinha.

472 M aria Stella dc Alcântara (yil e Thai* Porlan df Oliveira


Figura 1. Freqüência de respostas acumuladas ao S+ e ao S-, ao longo das tentativas do
bebê, nas sessões de 1 a 7.

Sobre Comportamento e CognlçAo 473


Os estudos realizados com bebês pela Psicologia do Desenvolvimento apontam
muitas das características peculiares desta população também observadas no presente
estudo. Dentre os principais aspectos do comportamento dos pequenos podemos
selecionar o fato de que bebês mudam freqüentemente de lugar e de atividade e, ao
mesmo tempo, interessam-se pelos mais diferentes objetos e acontecimentos em uma
situação: o interruptor de luz, a luz no teto, outros brinquedos na sala, um fiapinho de
barbante, ruídos provenientes de fora da sala e muitas outras coisas que os adultos já não
vêem nem ouvem. Alóm disso, bebês são sensíveis à proximidade com os adultos e
buscam garanti-la por alguma forma de contato, mesmo que seja pelo contato visual.
Contar com a participação de bebês como sujeitos para a realização de um estudo
experimental requer decisões metodológicas que algumas vezes corroboram aquelas do
laboratório animal e em outras se desviam da prática usual. A primeira delas é a previsão de
uma duração máxima para as sessões, com a condição de encerrá-las ao menor sinal de
desconforto do bebê. Observando a Figura 1, nota-se que nas sessões 3 e 4, quando
comparadas às demais, houve um número de tentativas muito maior. Neste caso o maior
número de tentativas representa maior dispêndio de tempo tanto nas tentativas como nos
intervalo entre as tentativas de treino e, portanto, sessões longas para um bebê.
A duração está relacionada também às oportunidades que se oferecem ao bebê
de prestar atenção a aspectos do ambiente diferentes daqueles planejados no experi­
mento. Quanto maiores os intervalos entre tentativas, maior oportunidade de o bebê
voltar-se para outros aspectos do ambiente diferentes do aparato, o que inclui o pesqui­
sador que o acompanha. Não sendo possível diminuir o intervalo entre tentativas ó preci­
so atentar para o tipo e quantidade de outros objetos presentes na situação tais como
brinquedos, móbiles, pedacinhos de papel no chão e mais uma indescritível variedade
de estímulos. Identificá-los como tal em estudos futuros dependerá não só da capacida­
de de previsão adquirida peia familiaridade com a população na situação experimental,
mas, em grande parte, do comportamento do bebê na situação experimental. Dito de
outro modo, a análise sistemática e constante das relações entre as respostas do bebê
e os aspectos do ambiente informará os cuidados a serem tomados. Retomando a
paráfrase: o sujeito tem sempre razão!
A par da diminuição dos intervalos entre tentativas e do número de tentativas
previsto para cada sessão, pelos motivos apontados, um outro cuidado relaciona-se à
quantidade de objetos que se colocou à disposição do bebê. A presença de brinquedos
familiares ao bebê, por pertencerem à creche, pode ser um recurso necessário no período
de adaptação do bebê ao ambiente experimental. Entretanto, ao longo do trabalho os
brinquedos da creche tornam-se concorrentes dos brinquedos-estímulo. Algumas vezes,
a realização de uma tentativa de treino deveria interromper a brincadeira com um desses
objetos criando uma condição pouco favorável ao prosseguimento da sessão. Os brinque­
dos foram então retirados e, partir da sessão 4, apenas um brinquedo familiar ao bebê
permaneceu - o pesquisador recorria a este brinquedo apenas quando o bebê se interes­
sava por outros aspectos do ambiente durante os intervalos entre tentativas. Por exemplo,
quando ao devolver o brinquedo-estímulo o bebê se dirigia ao interruptor de luz ou a fecha­
dura de um armário, ou qualquer outro aspecto físico do ambiente
Entretanto, o controle da duração das sessões e dos objetos e estímulos físicos
presentes na situação não seriam suficientes para explicar a mudança observada no de­

474 Mdrid Stella de Alcântara Q ll e Fhals Porlan d f Oliveira


sempenho do bebê que se pode acompanhar nas curvas referentes às sessões 3 e 4
quando comparadas aquelas referentes às sessões 5,6 e 7. Uma outra variável importan­
te é o comportamento do pesquisador que estava em contato direto com o bebê
É de conhecimento daqueles que trabalham com bebés novos e ô comprovado
pela literatura que eles resistem a ficar sem um adulto familiar nas proximidades (Kagan,
1981). Dada esta condição, os experimentos com os pequenos prevêem a permanência
de um adulto, tanto por esta necessidade do bebê, quanto pelos cuidados necessários
para se garantir a sua integridade física. O comportamento do adulto, contudo, é uma
fonte de controle poderosa e constitui-se, por este motivo, em uma variável importante a
ser considerada.
O controíe, pelo menos parcial, dos efeitos desta variável na aquisição de discri­
minação pelo bebê, implicou em algumas decisões. Aumentou-se a proximidade do
bebê em relação ao aparato de modo que o bebê estivesse afastado do adulto durante a
realização da tentativa. Ao aproximar o bebê da caixa evitava-se o contato com o adulto
e aumentava-se a probabilidade de que houvesse a observação dos brinquedos-estímu-
lo. Foram reduzidas as falas da pesquisadora dirigidas ao bebê. Foi definida uma única
instrução a ser dada pela pesquisadora caso o bebê não apresentasse nenhuma res­
posta de escolha de uma das janelas. A pesquisadora apenas dizia: "Qual você quer?",
e mantinha^se em silêncio enquanto o bebê brincava com os estímulos depois da esco­
lha dos brinquedos S+.
O conjunto de modificações realizadas durante as quatro sessões iniciais resulta­
ram em um procedimento melhor definido e flexível. O procedimento final empregado nas
sessões cinco, seis e sete, consistiu de: sessões de no máximo 12 minutos, que poderi­
am ser menores caso o bebê deixasse a sala ou manifestasse qualquer desconforto;
número máximo de 15 tentativas por sessão; e intervalo entre tentativas de aproximada­
mente 15 segundos; critério de aquisição de discriminação de quatro escolhas consecu­
tivas do S+ pelo bebê, seja na mesma sessão, seja em sessões diferentes; permanência
de apenas um brinquedo familiar, além dos brinquedos; redução e controle das interações
do pesquisador com o bebê.
Quanto à flexibilidade dos procedimentos, a principal característica envolveu con­
siderar a disposição do bebê em cada dia para decidir se haveria ou não sessão de treino.
Iniciada a sessão considerava-se as condições do sujeito para decidir o momento do
término, pois deipendendo da sua rotina, das suas condições fisicas, como resfriado, fome
ou sono, os bebês mudavam rapidamente de ''humor”. Respeitando as condições dos
participantes, era possível pré determinar a duração máxima das sessões e o número
máximo de tentativas em cada uma, mas nunca a duração e o número mínimo de tentati­
vas. Apenas se desprezavam as sessões nas quais houvesse a realização de uma única
tentativa.
Ao considerar as decisões tomadas durante a definição do procedimento, dois
aspectos se destacam. A análise permanente das contingências que estão controlando o
comportamento dos bebês na situação experimental é um deles. Esta estratégia consis­
tiu em associar a análise de contingências aplicada à situação natural à inspeção visual
das curvas de discriminação. A cada sessão, foram examinados os protocolos que conti­
nham a transcrição dos eventos ambientais e das respostas dos bebês e as curvas cor­
respondentes apresentadas na Figura 1. Desse exame resultou a identificação da classe

Sobre Comportamento c Co#nlçáo 475


de respostas de seleção dos estímulos pelo bebê que seria considerada no estudo e
permitiu desprezar definitivamente a topografia das respostas no estabelecimento das
respostas de interesse. Tal decisão eliminou a necessidade de modelar as respostas do
bebê com toda a implicação que tal procedimento teria. Resultou, também, na identifica­
ção do controle por outros estímulos de comportamentos do bebê que concorriam com a
seleção de S+ ou S - .
O controle da atenção do bebê é outro aspecto, não menos importante que o
anterior e estreitamente relacionado ao controle sobre a diversidade de estímulos presen­
tes na situação experimental. As diversas decisões relacionadas à retirada dos brinque­
dos e de qualquer estimulação adicional, à diminuição do intervalo entre tentativas, à
aproximação do bebê do aparato resultaram no aumento das respostas de observação
dirigidas aos brinquedos-estímulo e diminuição de respostas dirigidas a outros aspectos
do ambiente (Dube e Mcllvane, 1999). A dificuldade a ser superada nesta etapa da pesqui­
sa realizada com a população de bebês está em se estabelecer, de maneira prazerosa
para eles, o controle das respostas de observação que os bebês devem dirigir aos brinque-
dos-estímulo na situação experimental.

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Sobre Comportamento e Cognição 477


Capítulo 51
Perfil do condutor infrator da cidade de
Curitiba em 2001*
Mdrilza Mestre,
Amdmid Amardntes, / /enrique Stum, Isdbe/ld Sdntos, Ju/idne Qequelin,
ietícid AssumpçJo, Mdridne Louise Rondto, Thdlitd Freire-Mdid ,
And Ddlvd Andrddè,
l.edd Mdrd R. S. de Ferrdnte

As constantes modificações da sociedade atual, capitalista, ocasionou maior


número de veículos circulando, o que torna o trânsito nas grandes cidades intenso, caóti­
co e perigoso.
A presente pesquisa teve por objetivo traçar um perfil do condutor infrator da
cidade de Curitiba, ou seja, aqueles motoristas que, após completarem 20 pontos ou
cometerem infração gravíssima, perderam a habilitação para dirigir um veículo motoriza­
do. Partindo do pressuposto de que são atitudes individuais, de desrespeito às regras
de convivência, que ferem a sociedade e ocasionam infrações ao Código de Trânsito,
será possível a manipulação e modificação de alguns comportamentos, visando à pre­
venção de acidentes.
Dentro disto foram analisados pelos acadêmicos do curso de Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, quarenta e três questionários socioeconômicos
e assertivos, elaborados pela psicóloga Ingrid Schaffel, como acadêmica de 5° ano UTP-
2000, sob orientação da psicóloga Ms. Marilza Mestre, de onde foram tirados dados que,
após articulados teoricamente e discutidos, possibilitaram conclusão a respeito do tema.
Esses questionários Joram aplicados aos infratores do Código Nacional de Trânsito, que
tiveram suas carteiras de habilitação apreendidas e que participaram do curso de reciclagem
(maio de 2000), proporcionado pelo DETRAN- PR.

Revisão de Literatura

Segundo Rozestraten (1998), trânsito é o conjunto de deslocamentos de pessoas


e veículos nas vias públicas, dentro de um sistema convencional de normas, que tem por

* Pesquisa aubvondonada pela Universidade Tutu« do Paraná (UTP)e polo DETRAN-PR.


Psicóloga Clinica (UFPR), Mestre om Psicologia (U8P-SP), protoaaora de Psicologia na gwduaçéo e póe-graduaçéo daUTP ePUCPR (até 2001),
yuporvtaora da pesquisa, diretora do CPEM, doutoranda em História (UFPR)
a Académicos do 2“ ano do curso de Psicologia, na dledpllna da AEC (PUCPR), peaquiaadoree.
4Psicóloga dlnloa, fündonária do DETRAN, supervisora local da peequlaa.
Advogada, diretora do Setor de EducaçAo a Instrutora do curso de raeducaçio para o trénsto, DFTRAN PR

478 M cí<rc' Amundd Amarante», I lenriquc Stum, kibclld Santos, julianr Qcvjuclin, Lctlcla A«umpç3o,
M a ria n f I . Bonato, Hialita Frrlrr-M ala, A na D. Andrade, I cda M . R. S. dc Ferrantc
fim assegurar a integridade de seus participantes. Este autor considera trânsito um siste­
ma complexo que torna possível o entrecruzamento diário de pessoas e veículos, com
normas cuja observância tem como alvo principal a redução de acidentes. Dentro deste
sistema, considera-se o homem um subsistema que o autor entende ser a maior fonte de
acidentes por ter maior probabilidade de desorganizar o sistema em sua totalidade.
Dessa forma, Vasconcelos (1985) afirma que trânsito não é apenas uma questão
técnica, mas sobretudo uma questão social e política, diretamente ligada às característi­
cas de nossa sociedade capitalista. E acrescenta que para entender o trânsito não basta
discutir os problemas diários como congestionamentos e acidentes, ó preciso também
analisar como o trânsito se forma, como as pessoas participam dele, quais seus interes­
ses e necessidades.
Rozestraten (1998) considera o aspecto ideológico do ser humano referindo-se à
posição que as pessoas se atribuem na sociedade e que vai condicionar sua atuação na
disputa pelo espaço, conforme as pessoas sintam-se ou não iguais perante seus direitos
à circulação. Este comportamento está ligado ao nosso processo político e econômico,
ao autoritarismo que caracteriza as relações na sociedade, à falta de conscientização
sobre os direitos do cidadão numa sociedade moderna e à importância do automóvel
como símbolo de afirmação pessoal, de status.
Ainda pensando no ser humano dentro do complexo sistema que ó o trânsito,
Rozestraten (1998) considera importantes os aspectos biológicos como a idade, a condi­
ção física e até a estatura da pessoa. É importante também considerar o aspecto psico­
lógico: personalidade, cultura e a "visão de mundo". Essas características condicionarão
o comportamento a cada situação dada. Tudo depende de uma série complexa de fatos,
mas também das condições do momento e da pessoa.
Segundo o Manual de Habilitação do DETRAN-PR (1999), constitui infração de
trânsito tudo aquilo que contraria ou desobedece ao que dizem as leis de trânsito que
fazem parte do Código de Trânsito Brasileiro, da legislação complementar ou das resolu­
ções do CONTRAN.
Uma das penalidades aplicadas ao motorista infrator é a suspensão do direito de
dirigir, que se refere ao fato de o motorista ficar impedido de dirigir qualquer tipo de veículo
por prazo determinado em lei e ocorre em várias situações como resultante de infrações
cometidas. Sempre que a penalidade aplicada for a suspensão do direito de dirigir, terá
como medida administrativa o recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação. (Manual
de Habilitação do DETRAN-PR, 1999)
Ainda de acordo com o Manual de Habilitação do DETRAN-PR (1999), o tempo de
suspensão ao direito de dirigir pode variar de 1 a 12 meses e pode ser de 6 meses a 24
meses, no caso de reincidência na suspensão do direito de dirigir, no período de 12 me­
ses. Já a respeito dos fatores que propiciam a suspensão do direito de dirigir, pode-se
citar os seguintes:
- Atingir a contagem de 20 pontos previstos nas infrações.
- Dirigir sob influência de substância alcoólica ou substância tóxica.
- Dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via ou os demais veículos.

Sobre Comportamento r Cojjniç3o 479


- Disputar corrida por espirito de emulação (pega, racha etc.).
- Quando o condutor, envolvido em acidente deixar de: prestar ou providenciar socorro à
vítima, ou adotar providências, podendo fazê-lo, no sentido de evitar perigo para o trânsito
local; preservar o local de forma a facilitar os trabalhos da policia ou da perícia; adotar
providências para remover o veículo do local, quando determinadas por policial ou agente
da autoridade de trânsito; identificar-se ao policial e de prestar informações necessárias à
confecção do boletim de ocorrência.
- Promover ou participar de competição esportiva na via pública sem a autorização.
- Sempre que o infrator somar 20 (vinte) pontos (de infração).
- Utilizar veículo para demonstrar ou exibir manobra perigosa.
-Transpor, sem autorização, bloqueio viário policial.
- Transitar em velocidade superior à permitida no local.
O comportamento, de modo geral, não ê um assunto que se torne acessível
somente com a invenção de um instrumento. Todas as pessoas do mundo conhecem
inúmeros fatos sobre o comportamento, pois em todos os momentos os indivíduos estão
na presença de organismos que se comportam. (Skinner, 1981). O comportamento é
qualquer ação do indivíduo que possa ou não ser observada por outra pessoa, porém, é
uma matéria difícil, não porque seja inacessível, mas porque ó extremamente complexo.
Segundo De Rose (1997), em uma definição ampla, o comportamento refere-se à
atividade dos organismos, sejam eles animais, incluindo o homem, que mantêm intercâm­
bio com o ambiente. Quando se faz referência ao termo comportamento, está se falando
em andar, correr, comunicar, sentar, cozinhar, comer, amar, enfim, as ações das pessoas
no ambiente. (Sidman, 1995).
Ainda de acordo com Sidman (1995), o nível de interesse em qualquer comportamen­
to particular depende de sua importância na vida do sujeito. Alguns comportamentos como
respirar, andar, falar, pegar algo, são extremamente automáticos e raramente adentram a
consciência. De acordo com o mesmo autor, o mundo não reage a pensamentos e sentimen­
tos, mas àquilo que os indivíduos podem ver e ouvir, aos comportamentos e ações visíveis.
"O comportamento não ocorre em um vácuo. Eventos precedem e seguem cada
uma das ações dos^ndivfduos" (Sidman, 1995, p. 76). O que as pessoas fazem ó forte­
mente controlado pelo que acontece a seguir, pelas conseqüências da ação. As conseqü­
ências das ações passadas determinarão quão prováveis serão as ações futuras. Quão
freqüentemente uma pessoa falaria com alguém que nunca respondesse com palavras,
gestos ou expressões faciais? Tudo o que as pessoas fazem tem conseqüência. Algu­
mas conseqüências fazem com que os comportamentos ocorram mais freqüentemente,
outras, menos freqüentemente e algumas são neutras.
As conseqüências do comportamento podem retroagir sobre o organismo. Quan­
do isto ocorre, podem alterar a probabilidade de o comportamento ocorrer novamente.
(Skinner, 1981).
Esse comportamento que está sendo referido é chamado de comportamento
operante. Este, por sua vez, opera no ambiente que opera no comportamento. Opera no

480 ^ dr^/d M eitre, Amanda Amarante*, ) (enrique Stum. Iiabella Santo», luliane Qequelin, l.etfcta Aíiumpçâo,
M a r in e !.. Bonato, Thaïita Freire-Maia, A na D. Andrade, l.eda M . R. S. de Ferrante
ambiente e modifica-o. É controlado pelas conseqüências que imediatamente o seguem e
é utilizado na aprendizagem de comportamento mais complexo. (HALL, 1973).
Bandura e Mischel (1974) propõem, como Skinner, que todos os comportamen­
tos são aprendidos, e a história de reforço do indivíduo ô de suma importância para a
aquisição da personalidade. No entanto, para eles não apenas o reforço seria necessário
para a aprendizagem, Eles propõem a aprendizagem por observação, que se dá peJa
observação de um comportamento em determinada situação e sua conseqüência. Quan­
do se der a situação parecida na vida do observador, este comportar-se-á (ou não) de
forma semelhante ao modelo, buscando obter as mesmas conseqüências naquela deter­
minada conjuntura.
Segundo esses autores, a forma mais rápida e segura de se obter respostas
sociais ó mediante a influência combinada dos modelos e do reforçamento diferencial. As
pessoas são vistas como auto-reguladoras do comportamento, capazes de manipular o
ambiente da mesma forma que o mesmo as manipula. Se têm essa capacidade, não são
passíveis de um processo mecânico de aprendizagem por observação e imitação, e sim
influenciam o processo por suas próprias características e levam em conta as caracterís­
ticas do modelo.
Na sociedade existem comportamentos e atitudes ensinadas e consideradas
corretas, mas que, segundo Roberti e Alberti (1983), são comportamentos que muitas ve­
zes não vão de acordo com o verdadeiro sentimento do indivíduo. Para esse autor, situações
conflitivas podem causar comportamentos agressivos ou passivos nos indivíduos.
Quando o indivíduo desenvolve respostas passivas, Roberti e Alberti (1983) afirma
que pode tornar-se incapaz de escolher da maneira que gostaria. Este indivíduo normal
mente nega seus próprios direitos e inibe seus sentimentos, deixando que os outros
escolham por ele, sem atingir seus objetivos. Diante desse comportamento é comum o
indivíduo sentir-se ferido e constantemente ansioso.
Esses autores também consideram outro tipo de resposta desenvolvida, que seria
o outro extremo, ou o comportamento agressivo. Este indivíduo normalmente eleva seu
sentimento e desejo excessivamente, respondendo vigorosamente às situações e negan­
do os direitos alheios. Geralmente esses indivíduos atingem seus objetivos ferindo os
outros, escolhendo por eles e desvalorizando-os.
"Acreditamos que cada pessoa deveria ser capaz de fazer sua própria opção
sabre a maneira de agir numa determinada circunstância (...). Esta liberdade de escolha e
exercício de autocontrole se tornam possíveis com o desenvolvimento de respostas
assertivas à situações que produziriam anteriormente comportamento não-assertivo ou
agressivo baseados na ansiedade." (Roberti e Alberti, 1983 p. 26).
Entendem esses mesmos autores que um comportamento assertivo toma a pessoa
capaz de agir em seus próprios interesses, a se afirmar sem ansiedade, a expressar
sentimentos sinceros sem constrangimento e a exercer seus próprios direitos sem negar
os alheios. Os autores prosseguem considerando que, quando uma pessoa se torna capaz
de agir por iniciativa própria, reduz consideravelmente sua ansiedade e tensão em situações
críticas e aumenta seu senso de valor como pessoa. A pessoa assertiva ó aberta e flexível,
preocupada com os direitos alheios e concomitantemente capaz de estabelecer muito
bem seus próprios direitos.

Sobre Comportamento e Cognição 481


Mas, ainda segundo Roberti e Alberti (1983), a verdadeira importância de se ter
um comportamento assertivo é a possibilidade de sempre e em qualquer situação o indi­
víduo poder expressar honestamente seu sentimentos e pensamentos, de forma firme
porém delicada, sem retrair-se nem se exaltar, atingindo desta maneira autovalorização e
sendo mais bem avaliado pela sociedade.
Os organismos agem para controlar o mundo a seu redor, e essa é uma caracte­
rística da vida, tanto quanto a respiração ou reprodução. O comportamento de uma pes­
soa é controlado mais por sua história genética e ambiental do que pela própria pessoa
como agente criador e iniciador. De acordo com Skinner (1982), o próprio comportamento
humano é uma forma de controle.
O controle não ó uma fase passageira. “Não há um gênero de vida no qual não
haja controle. O que pode se feito ó mudar as condições controladoras, mas não deixa de
existir o controle do comportamento". (Skinner, 1982, p. 163).
Segundo Lundin (1977), embora os indivíduos não estejam totalmente de acordo,
todos estão constantemente engajados em controlar o comportamento, seja o próprio
(autocontrole), seja o de qualquer organismo. Ainda de acordo com Skinner (1982), o
objetivo do autocontrole é comumente chamado de auto-realização ou auto-atualização. A
satisfação parece estar relacionada com a realização; já a atualização parece estar mais
voltada para o engrandecimento de histórias genéticas ou ambientais, a fim de livrar a
pessoa de seus cenários imediatos.
Na linguagem cotidiana, ser coagido é ser compelido sob jugo ou ameaça a fazer
algo contra a vontade. “Coerção, é uma forma de controle do comportamento quando
ações são controladas por reforçamento negativo ou punição." (Sidman, 1995, p. 51).
"Uma pessoa controla outra no sentido de que se controla a si mesma, assim
como modifica o comportamento de outra mudando o mundo em que vive." (Skinner, 1982,
p. 156). Assim, em situações em que o indivíduo se vê "obrigado’ a "obedecer" regras
que têm em vista o bem geral, às vezes contra seus próprios interesses, sente-se coagido
e rebela-se contra elas, quebrando-as, na tentativa de se autogovernar.
Muitos igualam os termos coerção e controle, como se tivessem o mesmo signi­
ficado. Porém, o controle comportamental ó um fato da vida, como afirma Sidman, (1995),
e dessa forma não precisa ser coercitivo. O controle pode assumir várias formas, algumas
coercitivas, outras nãp. Coerção é uma subcategoria do controle.
Dentre as agências controladoras, cabe evidenciar as agências do governo, da
economia e da educação. Talvez o mais óbvio tipo de agência empenhada no controle do
comportamento humano seja o governo. Estritamente definido, o governo é o uso do poder
para punir. A fonte do poder de punição determina a composição da agência no sentido
mais estrito. (Skinner, 1998, p.367)
Ainda segundo Skinner (1998), a agência governante adota a distinção entre "le­
gal" e "ilegal". Um governo que possui apenas o poder de punir pode fortalecer o compor­
tamento legal somente pela remoção de uma ameaça de punição a ele contingente.
Um ponto importante no desenvolvimento de uma agência governamental é a
codificação de seus procedimentos controladores. De acordo com Skinner (1998), a lei
tem dois aspectos importantes; em primeiro lugar ela especifica o comportamento; em

482 ^ a r ilía MestTC, Amanda Amarantes, Henrique Stum, Isabeila Santo«, luliane Qequelin, Letlcia Assumpçáo,
Marianc L Bonato, Thalitu Freire-Maia, A na P . Andrade, Leda M . R. S. de Ferrante
segundo lugar, a lei especifica ou dá a entender certa conseqüência, usualmente punição.
A lei é então o enunciado de uma contingência de reforço mantida por uma agência gover­
namental.
Em relação ao controle econômico, pode-se falar de "bens”, no sentido de serem
positivamente reforçadores. Para Skinner (1998), este termo tem uma conexão etimológica
semelhante ao reforço positivo, mas inclui também reforçadores condicionados generali­
zados, como dinheiro e crédito, que são eficientes porque podem ser trocados por bens.
No que diz respeito à educação, pode-se dizer que esta dá ênfase à aquisição do compor­
tamento em lugar de sua manutenção.
Diz-se tradicionalmente que a entidade elevada ao máximo pela educação é o
"saber". Algumas vezes usa-se o termo para representar simplesmente a probabilidade do
comportamento hábil. Usualmente, entretanto, o saber se refere a uma relação controladora
entre o comportamento e os estímulos discriminativos. Por exemplo, os movimentos habi­
lidosos são necessários para se guiar um carro, mas saber como dirigir um carro é emitir
as respostas em tempos apropriados. (Skinner, 1998).
Uma maneira de controlar comportamento, tradicionalmente utilizado pela comu­
nidade, quer governamental, quer pela sociedade civil, é a punição. "Punição refere-se
ao procedimento de fazer seguir a um comportamento uma conseqüência que diminua
sua força ou probabilidade futura. Assim, qualquer evento que diminua a força de um
comportamento ao qual se segue é chamado de evento punitivo." (Hall, 1973 p. 21). Para
Keller e Schoenfeld (1973), a punição é capaz de eliminar o comportamento assim como
a recompensa o imprime.
No entanto, ó só com a observação dos efeitos posteriores ao comportamento
punido que se determinará uma conseqüência punitiva e a provável interrupção do compor­
tamento. Não se pode afirmar que todas as coisas que pareçam aversivas sejam agentes
punitivos. (Hall, Lundin e Jackson, 1968).
A punição é uma técnica questionável, como afirma Skinner (1998), apesar de
ser uma maneira de controle muito comum e evidente na vida moderna e nos padrões
familiares. Quando alguém não se comporta como é o desejado, é castigada. Até mesmo
os sistemas legais costumam utilizar a técnica de punição na aplicação de multas,
açoitamento, encarceramento e trabalhos forçados. Em geral, o grau em que se usa
punição como uma técnica de controle parece se limitar apenas ao grau em se pode obter
o poder necessário. E tudo isso é com a intenção de reduzir comportamentos julgado
inconvenientes pela sociedade em que se está inserido.
Ainda citando Skinner (1998), a punição tem efeito imediato na redução de uma
tendência e, por isso, funciona, mas quando analisada a longo prazo a redução na
freqüência do comportamento desagradável tende a ser passageira. A longo prazo funcio­
na como desvantagem tanto para o organismo punido quanto para ao agente punidor.
“O homem, diferentemente dos outro animais, não necessita experienciar
diretamente as contingências que existem no mundo para que seu comportamento seja
influenciado por elas. O comportamento das pessoas pode ser influenciado pela descri­
ção das contingências, através do comportamento verbal. Quando isso ocorre, o compor­
tamento é denominado regido por regras." (Lòhr e Ingberman, 2000 in Machado, 2001).

Sobrr (.'omporkimrnto e t o jjn jfí o 483


Sendo assim, regra é um estimulo discriminativos verbal, que pode ser falada ou
escrita, e que descreve as contingências futuras. Desta forma, o comportamento que ó contro­
lado por estas regras é um comportamento adquirido no convívio social. (Catania, 2000).
Segundo Skinner (1982), em geral, as regras podem ser aprendidas mais rapida­
mente do que o efetivo comportamento. As regras tornam mais fácil tirar proveito das
semelhanças entre contingências. Para ele, o controle exercido por orientações, conse­
lhos, regras ou leis é mais ostensivo do que o exercido pelas próprias contingências, em
parte porque é menos sutil, enquanto o outro, por isso mesmo, parecia significar maior
contribuição pessoal e valor interno. Dentro deste contexto, o autor ainda afirma que o
comportamento regido por regras é chamado de verniz da civilização, pois é na aquisição
do conhecimento que as regras são construídas, visando sempre ao bem-estar social. É,
então, na relação que nascem habilidades, ditas sociais, que permitem aos seres se
comunicar e conviver.
Conforme Del Prette e Del Prette (1996), as habilidades sociais correspondem a
um universo mais abrangente das relações interpessoais e se estendem para além da
Assertividade, incluindo habilidades de comunicação, de resolução de problemas, de co­
operação, e aquelas próprias dos rituais sociais estabelecidos pela subcultura grupai.
De acordo com o DSM-IV (1994), o Transtorno Personalidade anti-social é um
padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que inicia na infância ou
começo da adolescência e contínua na idade adulta. E, ainda segundo o DSM-IV, o
Transtorno Desafiador Opositivo é um padrão recorrente de comportamento negativista,
desafiador, desobediente e hostil para com figuras de autoridade, que persiste por, pelo
menos, seis meses e se caracteriza pela ocorrência freqüente de, pelo menos, quatro
dos seguintes comportamentos: perder a paciência, discutir com adultos, desafiar ativamente
ou recusar-se a obedecer a solicitação ou regras dos adultos, deliberadamente fazer coisas
que aborrecem outras pessoas, responsabilizar outras pessoas por seus próprios erros
ou mau comportamento, ser suscetível ou facilmente aborrecido pelos outros, mostrar-se
enraivecido e ressentido, ou ser rancoroso ou vingativo. Em geral, “os indivíduos com este
transtorno não se consideram oposicionais ou desafiadores, mas justificam seu compor­
tamento como uma resposta a exigências ou circunstâncias irracionais". (DSM-IV, p.90)
Pessoas negativistas tendem a comportar-se de modo inassertivo e elaboram
sistemas de fuga para livrarem-se das conseqüências de seus atos anti-sociais. Segundo
Catania (2000), os procedimentos de fuga são os exemplos mais simples de reforço nega­
tivo: a resposta de um organismo suspende um estímulo aversivo. Essa terminologia é
consistente com o uso cotidiano: fugimos de circunstâncias aversivas presentes, mas
nos esquivamos de circunstâncias potencialmente aversivas que ainda não ocorreram.
"Reforçamento negativo gera fuga. Quando encontramos um reforçador negativo
fazemos tudo que podemos para o desligar, para escapar dele. Se o encontramos nova­
mente, faremos o que funcionou antes". (Sidman, 1995, p. 106)
Quando uma resposta de esquiva bem-sucedida ocorre, a conseqüência impor­
tante é que nada ocorre ao organismo. O responder de esquiva ó mantido porque o orga­
nismo está fugindo de algumas propriedades da situação que acompanharam os estímu­
los aversivos passados.

M d fil/d M cítrc, Amandd Amarantef, Henrique Slum, Isabella Santos, lullane Qequelin, l.etícia Assumpçâo,
Mdriane L Bonato, íhalita freirr-M aia, A na I). Andrade, l.edd M . R. S. de Fcrrante
Método

O trânsito se tornou uma relevante problemática na cidade de Curitiba (PR) decor­


rente das significativas mudanças da sociedade atual capitalista, com o aumento da po­
pulação ativa e conseqüente aumento de veículos circulando, acarretando em maior nú­
mero e freqüência de acidentes, normalmente ocasionados por infração ao Código Nacio­
nal de Trânsito.
O objetivo da presente pesquisa foi traçar um perfil do condutor infrator da cidade
de Curitiba, que possibilite um trabalho de prevenção da qualidade do Trânsito nesta cida­
de e que permita ampliar a construção de conhecimento do presente tema.
Os instrumentos utilizados foram: 1) questionários socioeconômicos e assertivos,
elaborados e aplicados pela psicóloga Ingrid Maria Schaffel (então aluna de 5° ano de
Psicologia na UTP, sob supervisão da psicóloga Marilza Mestre - em 2000), durante o
curso de reciclagem proporcionado pelo DETRAN-PR; 2) Entrevista com a "instrutora"
do curso de reciclagem.
O local foi o DETRAN-PR, setor de Educação, localizado à Rua Victor Ferreira do
Amaral, na 2940, Bairro Tarumã.
Os sujeitos foram indivíduos maiores de 18 anos que obtiveram carteira de habi­
litação, o que lhes deu o direito de conduzir algum tipo de veiculo motorizado, mas que por
cometerem infração ao código de trânsito brasileiro, tiveram esta carteira apreendida e
para recuperá-la passaram pelo curso de reciclagem, no ano de 2000.
O procedimento foi executado por meio de análise prévia dos resultados obtidos
por meio de amostra-piloto. Em seguida, foram selecionados os questionários socio-
econômico e de assertividade, respondidos por condutores nos cursos ministrados pela
advogada Leda, no DETRAN-PR e, aplicados pela psicóloga, então aluna, Ingrid. A escolha
sobre os alunos-condutores de tal “instrutora" se fez por ser possível aos pesquisadores
investigar junto a ela, em entrevista direcionada, questões pertinentes às aplicações dos
questionários e de idiossincrasias de cada turma.

Resultados e discussão

Em só tratando de trânsito, ó importante discutir como o fator socioeconômico


pode influenciar no comportamento dos condutores de trânsito. Torna-se importante tra­
çar um perfil dos condutores infratores e, assim, possibilitar estratégias de ampliação
dos benefícios que o curso de reeducação para o trânsito já vem alcançando.
Tem-se como certo que o meio ambiente (social, econômico, orgânico e cultu­
ral) influencia o comportamento do indivíduo, assim como sua história, tanto singular
quanto coletiva.
Foram analisadas as respostas a dois tipos de questionários de 43 pessoas. As
questões visavam detectar o tipo de valores sociais que poderiam estar controlando o
comportamento destas pessoas, de modo geral, e relacionar tais valores ao controle do

' Em« curao èdm tkwdo a motorittM» qu*. por conwtem rt Intrwçào no tràmtto, pettíoram tua C.H.

Sobre Comportamento e Co^nlçâo 485


comportamento na situação de trânsito. Com relação ao questionário sobre questões
socioeconômicas.a maioria (83,7%) é do sexo masculino, sendo 48,8% de homens ca­
sados (21), seguidos de 34.8% de homens solteiros (15). Poucas são as mulheres infratoras.
Seis são casadas, sendo que apenas uma mulher é solteira. A idade variou, na maioria
(68%), entre 18 e 34 anos.
Figura 1. Divisão por gênero e estado civil dos infratores

24
21 -

18 -
15 -
12 -

9-
6 -

3 -
0 -

Casado Solteiro Casada Solteira


Homem Mulher
36 7

Fonte: DETRAN PR - setor de Educação

A figura 2 demonstra que, das 43 pessoas cujos questionários foram analisados,


a maioria tem nivel de estudo superior (35%).

Figura 2. Divisão por nível de escolaridade dos infratores.

1 n fundamental
completo
2 ■ fundamental
incompleto
3 □ Médio completo

4 ■ Médio
incompleto
5 ■ Superior
completo
6 □ Superior
incompleto
7 □ não respondeu

Fonte: DETRAN - PR setor de Educação

486 ^ dr^/d Mestre, Amanda Amarantes, I lenrique Stum, Isabrlla Santos, Julianc Qequelln, Lctlda A ssum pto,
M arlanc L Bonato, Thalita Freire-Maia, A n a D. Andrade, l.eda M . R. S. de ferrante
Uma hipótese explicativa para os dados analisados, gênero, escolaridade e po­
der aquisitivo, é a de que nossa sociedade é culturalmente patriarcal, e a posição social
dos homens ó considerada mais elevada do que a das mulheres. Por causa disso, muito
provavelmente devido à morosidade da mudança nos valores de controle social, às mulhe­
res, apesar de serem em maior número de indivíduos na sociedade, no dado estatístico
de número de motoristas habilitados, são minoria. Apesar de cada vez mais terem poder
aquisitivo e cultura que lhes permita ter automóvel próprio, ainda não incorporaram a
possibilidade de assim procederem. Elas são minorias nesta amostra de infratores, e a
hipótese explicativa para tal dado pretende ser analisada nas questões relativas à
assertividade.
Mas, no trânsito, as mulheres, ainda, são vistas como “barbeiras", lentas, pesso­
as que atrapalham o trânsito, colocando o homem num nível mais elevado em relação à
direção. Pode-se dizer, então, que esse comportamento foi aprendido e reforçado positiva­
mente pois “quando um comportamento tem o tipo de conseqüência chamada reforço, há
maior probabilidade de ele ocorrer novamente. O reforçador positivo fortalece qualquer
comportamento que o produza". (Skinner, 1982, p. 43). Pode-se pensar o que estaria
mantendo o comportamento de ousadia masculina, no trânsito, se o homem causa tantos
acidentes?
É importante enfatizar outros dois fatores que traçam o perfil do condutor infrator,
que são o grau de escolaridade e a renda mensal. Em ambos, os condutores possuem
nível elevado - superior completo, seguido de ensino médio completo e renda mensal com
alto padrão aquisitivo, atestado por possuírem carro próprio, vários televisores, computa­
dores em domicílio e fazerem viagens de lazer, inclusive para o exterior.
Segundo Skinner (1998), o poder que domina o controle econômico naturalmente
permanece com aqueles que possuem o dinheiro e os bens necessários. O indivíduo usa
sua riqueza por razões pessoais. A condição econômica favorecida pode ser positivamen­
te reforçadora, pois inclui também reforçadores condicionados generalizados, como di­
nheiro e crédito, que são eficientes porque podem ser trocados por bens.
Em se tratando de bens é possível identificá-los a partir das perguntas referentes
ao meio pelo quaí os condutores infratores mantêm-se atualizados, que são jornais, TV,
rádio e internet. A maioria respondeu que possui estes bens e que fazem uso sempre,
seguido à alternativa às vezes.
A análfee de tal questão mostra a importância do treino da pessoa que vai minis­
trar o curso de reeducação conhecer os valores de tal grupo de pessoas. Como se vê,
embora haja uma minoria com baixo conhecimento do ponto de vista informativo, a grande
maioria é composta de pessoas bem informadas. São, portanto, conhecedoras das re­
gras sociais e das conseqüências legais de desobedecê-las. Lêem, utilizam a internet,
possuem cultura elevada. Poderia ser pensado na construção de vocabulário que atinja
seus valores, uma vez que a desobediência às regras de trânsito não passa por uma
questão de falta de conhecimentos.
A figura 3 demonstra que, das 43 pessoas, a maioria possui habilitação por mais
de 8 anos (59%), seguidos pelos que possuem habilitação em até 2 anos (14 %), e pelos
que possuem habilitação d e 2 a 5 e d e 5 a 8 anos (11%); 5% omitiram-se a responder ou
responderam erroneamente a questão.

Sobre Comportamento e Cogniçáo 487


Figura 3. Divisão por tempo de habilitação.

5% 14%
■ Ató2 anos
■ 2 a 5 anos

BB ■ 5 a 8 anos
■ mais de 6 anos
■ não respondeu

Fonte: DETRAN - PR setor de Educação

Dentre os condutores infratores, a maioria possui habilitação por mais de oito


anos (59%). Não é válida a premissa, como muitas pessoas pensam, que o bom motoris­
ta ó aquele com muitos anos de experiência. Pode-se comprovar este fato com a questão
“já se envolveu em acidente de trânsito" na qual a maioria dos condutores infratores res­
pondeu que sim. Porém, ó de se pensar que o fato de não terem freqüentado escolas de
condutores os tenha privado do conhecimento do novo código de trânsito, uma vez que a
obrigatoriedade de cursar tais escolas é recente.
A figura 4 demonstra que, das 43 pessoas cujos questionários foram analisados,
a maioria já se envolveu em acidentes de trânsito (55%), seguidos dos 5% que omitiram a
resposta ou responderam erroneamente a questão.

Figura 4. Divisão por ter se envolvido em acidentes.

5%

Fonte: DETRAN - PR setor de Educação

O bom motorista é aquele que adota um procedimento preventivo (direção defen­


siva) no trânsito, sempre com cautela e civilidade. Possui uma postura pacífica, consciên­
cia pessoal e de coletividade, com uma postura de humildade e de autocrítica. (Manual de
Habilitação do DETRAN-PR, 1999)

488 Mestre, Amanda Amarantes, \ lenrlque Stum, Isabella Santos, Jullane Qequelln, Letída Assumpçâo,
M ariane !.. Bonato, íhallta Frelre-Mala, A na D. Andrade, l.eda M . R. S. de Ferrante
Considerando que a maior parte dos condutores infratores já se envolveu em aci­
dentes, pode-se levantar a hipótese de que parte destes acidentes aconteceu em rodovi­
as. Com isso relaciona-se a pergunta “com que freqüência costuma viajar", na qual a
maioria dos condutores respondeu que viajam mais de quatro vezes por ano.
Fazendo um cruzamento com as questões “fez auto-escola", "você sente neces­
sidade de se atualizar sobre o trânsito", “acha necessário fazer o curso de reciclagem",
pois estas, de certa forma, referem-se ao conhecimento que os condutores possuem
sobre o trânsito e, considerando que os condutores possuem habilidade para guiar o carro
(já que a maioria possui carteira de habilitação há mais de oito anos e que todos foram
aprovados em um exame avaliado por peritos do DETRAN-PR) e, considerando ainda, que
as leis de trânsito são tipos de regras - dado que a regra implícita ou explicitamente indica
uma contingência, e que o importante em uma regra é o fato de fortalecer um comporta­
mento que só trará compensações depois de um certo tempo, estas não foram eficazes
no controle do comportamento dos condutores infratores, pois com a perda da Carteira
Nacional de Habilitação os motoristas ficam privados de dirigir. Considerando também que
as regras são internalizadas pela vivência de experiências próprias ou de outrem que se
tem como modelos, portanto pessoas com quem se identifica pelos valores ou modo de
viver, percebe-se que as regras de trânsito aprendidas e, portanto, sabidas, não estão
tendo força de controle de comportamento no trânsito, para as pessoas da amostra. "Usu­
almente, o saber se refere a uma relação controladora entre o comportamento e estímulos
discriminativos". (Skinner, 1998, p.444).
O comportamento apresentado pelos condutores, de infração às normas regula­
doras do trânsito, nesta amostra, revela que a existência de regras, o conhecimento do
porquê existem, a elevada habilidade mediante tempo de treino, o grau cultural geral, não
estão sendo suficientes para exercer controle do comportamento e bem dirigir. Tais resul­
tados sugerem a necessidade urgente de encontrar a motivação correta para empreender
tanto a ducação quanto a reeducação para o trânsito.
Afirmam Roberti e Alberti (1983) que um comportamento assertivo torna a pessoa
capaz de agir em seus próprios interesses, a se afirmar sem ansiedade, a expressar
sentimentos sinceros sem constrangimento e a exercer seus próprios direitos preservan-
do.os direitos alheios. O autor prossegue considerando que quando uma pessoa se torna
capaz de agir por iniciativa própria, reduz significativamente sua ansiedade e tensão em
situações críticas e aumenta seu senso de valor como pessoa. A pessoa assertiva é
aberta e flexível,‘ preocupada com os direitos alheios e concomitantemente capaz de esta­
belecer muito bem seus próprios direitos e os de sua comunidade.
Quando o indivíduo desenvolve respostas passivas, Roberti e Alberti (1983) afir­
mam que pode-se tornar incapaz de escolher a maneira que gostaria de agir. Esse indiví­
duo normalmente nega seus próprios direitos e inibe seus sentimentos, deixando que os
outros escolham por ele, sem atingir seus objetivos. Diante desse comportamento é co­
mum que ele se sinta ferido e constantemente ansioso. São indivíduos capazes de deso­
bedecer regras sociais quando as regras de seu grupo de conviviabilidade se acham em
'ameaça'.
Os autores também consideram outro tipo de resposta desenvolvida, que seria o
outro extremo, ou seja, o comportamento agressivo. Esse indivíduo normalmente eleva
seu sentimento e desejo excessivamente, respondendo vigorosamente às situações e

Sobrr Comportamento e CoRnlçâo 489


negando ou descuidando dos direitos alheios. Geralmente atinge seus objetivos ferindo os
outros, escolhe por eles e os desvalorizam, as regras sociais são desconsideradas ou
são obedecidas quando lhe convém.
A princípio, a principal hipótese desta pesquisa era de que os infratores que per­
deram a habilitação de condutor de veículos teriam, em sua maioria, comportamento agres­
sivo. A pesquisa traçou um perfil de comportamento assertivo, com forte tendência à
agressividade, confirmando-se parcialmente a principal hipótese.
Pode-se relembrar, ainda, que a maioria dos condutores infratores possui grau de
escolaridade e renda mensal de nível elevado, o que, de certa forma, poderia estar levando-os
à onipotência, fazendo com que possuam mais segurança e mais “autoridade" no trânsito.
O questionário assertivo, constituído de 35 perguntas que avaliam o comporta­
mento social do condutor infrator, foi analisado de forma quantitativa e qualitativa. Em
porcentagem, pôde-se concluir que a maioria (48,6%) dos sujeitos, o que eqüivale a 17
indivíduos, tem comportamento assertivo. Os infratores com comportamento agressivo
são 14, correspondendo a 40%. E, finalmente, em minoria, ficam os 3 indivíduos com
comportamento passivo, ou seja, 8,6%, e que são considerados infratores de trânsito.
Qualitativamente esse resultado significa que os infratores que perderam suas carteiras
de habilitação, nessa amostra de 43 indivíduos, são assertivos, com tendência à
agressividade.
Há estudos que indicam que desajustes pessoais estão relacionados a acidentes
de modo geral. Segundo Mc Murray (1970) in Lehfeld (1981), há grande número de pesso­
as cujo histórico revela um breve intervalo entre o divórcio e acidentes, com provável inten­
ção de suicídio, consciente ou não. Desajustes sociais que Tilmann e Hobbs (1949,) in
Lehfeld (1981, p. 132) concluíram então que, “provavelmente os riscos assumidos e o alto
nível de acidentes são simplesmente uma manifestação do método de vida demonstrada
em suas vidas particulares." Outra provável causa ó a satisfação de outras necessidades
pois, segundo Black (1966) in Lehfeld (1981), entre as maiores virtudes que o automóvel
proporciona, estavam o sentimento de liberdade, de poder, e um sentido de superioridade.
Segundo Nagayama (1976) /n Lehfeld (1981), mulheres se interessam pela vida e
pela saúde de seus semelhantes e isso as impede de conduzir brutalmente e de violar as
regras da circulação; o sexo masculino ao contrário estaria, por força de cultura, mais
propenso a envolver-se em situações de risco ou anti-sociais.
Pensando no questionamento "você acha difícil tomar decisões", conclui-se que,
quanto ao trânsito, seria preciso que os condutores fossem assertivos com tendência à
agressividade, respondendo que não têm dificuldades em tomar decisões. Isso porque, no
trânsito, não há muito tempo para tomar decisões. A maioria dos sujeitos, nesta pesqui­
sa, mostra comportamento assertivo (63,4%), para a sociedade em que se acham inse­
ridos. É possível diante disto levantar algumas hipóteses sobre o fato de que, embora
sejam pessoas adequadas ao restante do trato social, respondam no trânsito com
agressividade, pois foi isso que lhes foi passado por seus modelos familiares e da socia­
bilidade do século XX. Não se pode esquecer que o carro é invenção do fim dos XIX e que
o século XX foi o século da competição. O capitalismo, do qual o carro é produto, valoriza
o que ganha tempo (“tempo é dinheiro, é poder", diz o dito popular). Não deixar o "outro"
passar à frente, chegar antes é o lema da maioria.

490 M a rli/d Mcslrc, Amanda Amarante», I lenrtquc Slum, Isubdlu Sanfos, Juliane (/equelin, I etfcia A**umpç«lo,
Mariane I . Bonalo, Fhalita Frcirc-Maia, A na I). Andrade, I eda M . R. S. de herranle
Na questão que pede ao infrator para responder se protesta em voz alta quando
tomam seu lugar na fila, a maioria é assertiva, tendendo ao comportamento passivo. Esse
comportamento de protestar é importante em algumas situações, para fazer valer as re­
gras sociais, mas no trânsito seria mais interessante um comportamento passivo diante
disso, pois geralmente o protestar não trará soluções e sim ocasionará maiores confu­
sões no tráfego. Portanto, esta questão evidencia um perfil de tais sujeitos da amostra,
como adequados, na sua grande maioria.
Questionando se o indivíduo evita pessoas ou situações por medo, pode-se pen­
sar que, no trânsito, o comportamento assertivo é o mais adequado, ou seja, evitar algu­
mas situações por medo, como, por exemplo, acelerar ao semáforo amarelo, ou guinar
bruscamente o automóvel. Isso porque, por ausência do medo, muitos condutores cau­
sam acidentes e, por outro lado, evitando demais as situações podem tornar o trânsito
lento. No caso dos infratores, essa questão demonstrou comportamento assertivo com
grande tendência ao agressivo. Relacionando esta questão com a literatura descrita por
Sidman (1995), pode-se afirmar que pessoas que procuram evitar acidentes de trânsito
dirigindo defensivamente agem de acordo com o comportamento de esquiva adaptativa, ou
seja, são pessoas prevenidas. Elas já conhecem diretamente ou por instrução verbal os
choques dos quais se esquivam efetivamente; ou as contingências de esquiva em geral
têm regulado suas vidas de tal maneira que elas automaticamente se preparam para o
pior. Lundin (1977) concorda com a afirmação feita por Sidman dizendo que o comporta­
mento de esquiva impede o aparecimento dos estímulos aversivos. Se estes condutores
se mostraram tendendo à agressividade, significa que o medo anda ausente do seu reper­
tório, mas como não discutem com autoridades, leva a pensar que obedecem às regras
na presença do agente de coerção, ou seja, o guarda de trânsito. Seria interessante um
processo de sensibilização às regras de forma mais contundente, observando quais
reforçadores sociais são mais importantes ao perfil desses infratores.
Perante a questão da confiança no próprio julgamento, que muitas vezes ó a
causa de acidentes no trânsito, o indivíduo julga situações e toma decisões sem pensar
muito. Comprovando esse fato, o inventário acusa que a grande maioria dos infratores é
agressiva nessa questão (57,5%), ou seja, confia no seu julgamento. De acordo com
Sidman (1995), uma coisa chamada consciência não dirige ou suprime a atividade dos
indivíduos. É uma maneira resumida de referir-se à tendência de fazer a coisa certa quan­
do contingências conflitantes empurram para direções opostas, quando pelo menos uma
dessas contingências levaria à punição.
Quanto á pergunta que diz respeito a geralmente tomar a frente e decidir pelos
outros, pode-se pensar que, em determinadas situações, este comportamento ó algo posi­
tivo, pois a pessoa mostra-se decidida e tenta resolver algumas situações, porém, muitas
vezes este ó um comportamento do qual os demais indivíduos discordam, pois desconsidera
a opinião das demais pessoas. Por se tratar de trânsito, este ó um comportamento inade­
quado para o tráfego, pois cada um deve tomar as decisões quanto ao sentido das vias,
modo de trafegar, e uma pessoa que decida pelas outras, desconsiderando as decisões
alheias, pode tumultuar muito o trânsito. No entanto, em determinadas ocasiões quando os
próprios motoristas desconhecem o que fazer, é pertinente um comportamento com essas
características. De acordo com os dados colhidos na pesquisa, 54,7% das pessoas mos­
traram-se assertivas, e o comportamento assertivo é o mais adequado para situações de
trânsito, em que deve existir um certo equilíbrio entre passividade e agressividade.

Sobre Comportamento e CognlçAo 491


As duas questões explicitadas anteriormente complementam-se, entretanto, as
respostas mostram-se ambíguas. Quanto a confiar no próprio julgamento, mostram-se
agressivos. Já em decidir pelos outros, mostraram-se assertivos com tendôncia à passivi­
dade. Porém, quem confia demais no seu próprio julgamento, tende a decidir pelos outros.
Como a situação do trânsito ó uma situação em que o privado e o particular se mesclam,
gera conflito de interesses e o interesse privado acaba suplantando o interesse da comu­
nidade. Aqui aparece de forma bem clara a necessidade de dinâmicas de grupo no treina­
mento, nas quais os indivíduos pudessem "vivenciar" contingências em que ser egoísta
causasse lesão imediata, relacionada ao trânsito.
Outra questão importante é a da propensão a perder o controle. No trânsito é
essencial manter a calma e paciência para não perder o controle e agir de maneira que
possa causar algum acidente; portanto, seria interessante um comportamento passivo
diante desta questão. Constata-se que uma grande maioria em determinadas situações
perde o controle. Via de regra, isso aparece em situações em que se julga estar sendo
lesado em detrimento do grupo.
Questionando se o indivíduo demonstra raiva dizendo obscenidades ou xingando,
pensa-se na violência no trânsito. É bastante importante que os condutores sejam 'passi­
vos' diante disso para manter no trânsito um ambiente agradável, de bem-estar. Poucos
foram os infratores que demonstraram comportamento agressivo, sendo a grande maioria
de comportamento assertivo. Isso significa que esses infratores às vezes demonstram a
raiva desta maneira.
Nos dois últimos casos, o importante, de acordo com SKINNER (1982), é o indi­
víduo manter o autocontrole, isto é, manipular diretamente os próprios sentimentos e
estados mentais, pois nestes casos confusões no trânsito seriam evitadas. Ainda de
acordo com Skinner (1982), o comportamento resultante de autocontrole é mais eficaz e,
por isso, ó generosamente reforçado de outras maneiras. Na linguagem cotidiana, ser
coagido é ser compelido sob “jugo" ou "ameaça" a fazer algo "contra a vontade". Quem faz
esta afirmação ó Sidman (1995), que também diz que todo o comportamento ó controlado,
e neste sentido tudo o que os indivíduos fazem é contra a vontade. "Jugo" e "ameaça"
fazem referência ao comportamento de coerção e refere-se a classes de conseqüências
que controlam o comportamento.
Em determinadas ocasiões de trânsito é importante uma certa agressividade; e, os
pesquisados ao mostrarem-se confiantes em si mesmo demonstram essa habilidade. Po­
rém, é interessante manter um comportamento flexível. Quando questionados se defendem o
seu ponto de vista mesmo desrespeitando a pessoa que diverge de sua opinião, os motoristas
dessa amostra deram respostas que demonstram um comportamento agressivo. Muitas ve­
zes os sujeitos ao respeitarem e/ou aceitarem comportamentos alheios, e repensarem seu
próprio comportamento, possibilitam adaptação às contingências do momento, o que propicia
uma convivência pacífica e assertiva. Então, para esta questão, o comportamento ideal seria
o assertivo, e isto vem ao encontro da hipótese levantada de que o motorista infrator tem fortes
tendências à agressividade, e esta pergunta comprova este fato.
Interrogados se são capazes de recusar pedidos irrazoáveis feitos por amigos,
apresentaram comportamento agressivo e assertivo, praticamente na mesma proporção.
Este fato tem relevância, pois alguns elevam a amizade acima das condutas irrazoáveis,
e esta ação interfere de maneira significativa no comportamento dos condutores de trânsi­

4 9 2 M arilza Mestre, Amanda Amdrdntes, Henrique Stum, Isabella Santcw, Jultanc Qequelin, l.etfcld Assumpçüo,
Mdriane L. Bonato, Thalita Freirr-Maia, A na l>. Andrade, l eda M . R. S. de Ferrante
to, pois por mais que a amizade seja importante, preservar as demais pessoas de condu­
tas pouco adequadas é essencial quando se fala de trânsito. Este fato pode ser funda­
mentado com as agências controladoras descritas por Sidman (1995), que podem ser, no
caso, a educação, governo, economia ou a religião, que controlam o comportamento do
indivíduo para que ele seja considerado bom ou mau, certo ou errado, cujo controlador
presente é o grupo social. Sendo assim, é possível haver dificuldades de negar favores a
amigos, remetendo ao resultado desta questão.
Referente a questão que pede ao infrator responder se ele expressa seus senti­
mentos, a grande maioria respondeu assertivamente, ou seja, em algumas situações
expressa os sentimentos, enquanto em outras não. Relacionando esta situação ao trânsi­
to, é possível dizer que no trânsito o interessante seria um comportamento passivo, isto é,
muitas vezes deixar de expressar os sentimentos. Isto porque, diante de uma situação
que nâo agrada o indivíduo é importante não expressar este sentimento a fim de evitar
possíveis discussões que podem acarretar grave acidente.
Ante o questionamento “quando uma pessoa se mostra bastante injusta você lhe
diz isso", a grande maioria dos infratores respondeu que sim, que falam perante uma
injustiça (46,3%). Outra parte dos infratores (36,5%) disse que algumas vezes falam e
outras não, e a minoria dos entrevistados respondeu que se calam. No trânsito, o interes­
sante é o indivíduo ter um comportamento assertivo com tendência à passividade nessa
situação decorrente pois o sujeito pode acabar causando discussões e desatenção preju­
dicando o tráfego e levando a possíveis acidentes.
Na questão referente à situação de um vendedor insistir na compra de uma merca­
doria mesmo que esta não lhe interesse e o indivíduo achar difícil dizer não a grande maioria
respondeu que não acha complicado dizer que realmente a mercadoria não interessa. Isto
pode refletir no fato de essas pessoas serem autênticas para tomar decisões, e este ó um
comportamento coerente para motoristas, pois indivíduos de fácil influência não agem de
acordo com suas decisões, deixando-se levar pelas idéias de passageiros ou outras pesso­
as, mas no trânsito o importante é comportar-se segundo o que achar mais correto.
Também cabe aqui pensar numa hipótese de que a população de comportamento
passivo desta pesquisa pode corresponder a pessoas que não são de fato os infratores,
mas sim portadores das carteiras de cujos pontos foram descontados. Esta hipótese se
torna muito interessante quando, ao analisar os questionários socioeconômicos, encon-
trou-se uma resposta escrita à mão que informava: "meu marido ó o infrator". O mesmo
dado é discutido com a advogada Leda Mara Rigonatto Salomão de Ferrante, aplicadora
dos cursos de reciclagem do DETRAN-PR, que relata ter ouvido e visto a mesma respos­
ta em alguns questionários aplicados anteriormente.
Tal comportamento passivo traz em si uma questão social de profundidade. A
que ponto o grupo comunitário sofre perdas em favor de elementos do grupo menor, em
geral, o do núcleo familiar? Este comportamento perpetua a “regra" não escrita de que
sempre ó possível “dar um jeitinho" em favor dos “nossos". A pessoa que assume a pena­
lidade em seu nome, com o fim de “poupar" seu familiar, parece não enxergar que tal
comportamento ó uma infração mais grave que uma infração de trânsito, desde o ponto
de vista legal. Assumindo no lugar daquele que cometeu a infração, essa mesma pessoa
está cometendo infração de "falsidade ideológica", pois nosso Código Civil diz ser crime
assumir a identidade de outro.

Sobre Comportamento e Cognição 493


As aparentes contradições nas respostas poderiam ser investigadas por meio de
entrevistas com alguns dos motoristas infratores em que o psicólogo pudesse ter acesso
a maior número de dados esclarecedores.

Considerações Finais

Conclui-se, então, que o condutor infrator possui um perfil socioeconômico alto,


sendo a maioria do sexo masculino, casado e com terceiro grau, e tendo entre 25 e 34
anos. Além disso, são indivíduos com comportamento assertivo com tendência à
agressividade, o que de certo modo é esperado, pois dificilmente um indivíduo de compor­
tamento passivo obteria tal sucesso em sua vida.
A hipótese lançada primordialmente na pesquisa era de que os motoristas infratores
eram realmente sujeitos de nível socioeconômico elevado e com comportamento agressi­
vo. A análise socioeconômica comprovou a hipótese, porém a análise assertiva deixou
evidente que esses indivíduos não possuem um constante comportamento agressivo.
Isso leva à questão da validade do instrumento aplicado, pois muitas vezes as
pessoas não são totalmente sinceras quando respondem questionários, então, traçar um
perfil do condutor infrator pela exclusiva análise de questionários não remete a um resulta­
do inteiramente confiável. O Instrumento mostrou-se VÁLIDO, o modo como foi aplicado
talvez tenha causado os vieses observados.
A pesquisa ocorreu partindo de uma pequena amostra de questionários, o que
não dá segurança e sustentação necessárias para afirmar um verdadeiro perfil do condutor
infrator. Sugere-se a análise de nova amostra de material semelhante para avaliação
de possíveis ajustes no mesmo. Sugere-se, ainda, que outro instrumento pudesse ser
aplicado como auxiliar e complementar, por exemplo, a possibilidade de realização de
entrevistas com uma amostra randômica extraída de dentro da amostra maior de questio­
nários analisados.
Ainda assim, para que haja um real aproveitamento do curso de reciclagem, bem
como dos questionários aplicados, já é possível listar algumas sugestões. Entre elas:
1. Proceder a uma revisão das questões do inventário assertivo, incluindo questões mais
pertinentes ao tema trânsito, além de eliminar questões do inventário socioeconômico
que se repetem. *
2.Estudar a possibilidade de contar com profissionais capacitados para a aplicação dos
inventários
3. Manter profissionais que estejam constantemente analisando esses questionários e
concluindo a respeito dos condutores infratores para manter presente um trabalho de
prevenção de acidentes direcionado a estes indivíduos.
4. Refletir sobre a possibilidade de o valor competitividade ser o foco dos cursos de educa­
ção e reeducação para o trânsito. Talvez com a participação de uma equipe multidisciplinar
atuando em conjunto. O advogado ensinado as regras, o profissional paramédico de­
monstrando o efeito sobre nossos corpos de desobediência das regras, o psicólogo
atuando com dinâmicas de grupo em que o infrator sofresse ali, no ato, conseqüências
positivas de obediência à regras.

494 M a ril/a Mestre, Amandd Amarantes, I lenrique Stum, IsabelI.» Santos, Juliane Qequelin, l.ctlda A ssum pto,
Mariane L Bonato, Tbalita Freire-Maia, A na r>. Andrade, I eda M . R. S. de Ferrante
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Vasconcelos, E. A. (1985). O que é trânsito. Sâo Paulo: Brasiliense.

Sobre Comportimcnío c Cognlçdo 495


Mais uma vez, a ABPMC tem a grata tarefa de compilar
trabalhos que refletem os avanços em pesquisa, clinica e reflexão
do ano de 2002, em um retrato do que vem sendo produzido pela
comunidade na área da Terapia Comportamental e Cognitiva. O
resultado do esforço desta diretoria já está sendo amplamente
reforçado pelos mais de 100 autores que enviaram suas
contribuições neste ano.

(...)

No volume 11, iniciamos com a recuperação de importantes


autores que tiveram influência sobre o pensamento de analistas
do comportamento. Em seguida, passamos a autores que têm
influenciado o pensamento e a prática clínica de terapeutas
comportamentais no Brasil, refletindo suas preocupações com
princípios teóricos e com a apreciação de suas práticas. Temos,
também, aí, trabalhos refletindo preocupação, demonstrada por
analistas do comportamento, com a pesquisa voltada à clínica.
Segue-se com a questão da formação de novos terapeutas e
aplicações da análise do comportamento a trabalhos em
educação e na comunidade.

No volume 12, contamos com importantes contribuições


teóricas para o trabalho em clinica, seguidas de relatos de
experiências com tratamento. Neste volume, o leitor vai encontrar,
ainda, um tópico sobre psicologia e saúde, e outro sobre relatos de
pesquisa básica e em clínica, que têm enriquecido nossos
encontros anuais.

Estes volumes são o retrato deste momento da ABPMC, que


é de muita produção de nossos filiados e de sua disposição em
compartilharem, em ambiente não punitivo, de suas experiências
na pesquisa e na clínica, em mais um passo para descrever a
consolidação de suas ações em nosso meio, contribuindo para o
estudo e o ensino da Terapia Comportamental e Cognitiva no
Brasil.

ESETec
Editores A ssociados

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