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Gramática e literatura em português I - aula 14

1. Resumo

Nesta aula, foi analisado o seguinte soneto de Camões:

O céu, a terra, o vento sossegado,


As ondas, que se estendem pela areia,
Os peixes, que no mar o sono enfreia,
O noturno silêncio repousado;

O pescador Aónio que, deitado


Onde com o vento a água se meneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado,

−Ondas −dizia− antes que Amor me mate,


Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita.

Ninguém responde; o mar de longe bate;


Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

Esse soneto se destaca na obra de Camões. Como vimos ao longo das aulas, a lírica de
Camões tem um caráter essencialmente discursivo, fundando-se acima de tudo em
conceitos, ideias e pensamentos; as imagens sensoriais surgem para acrescentar
tonalidades metafóricas à trama conceitual que é tecida ao longo dos versos. Neste, ao
contrário, as imagens sensoriais – no caso, imagens da natureza – dominam o poema,
tendo o elemento humano pouca participação direta, apesar de ser sugerido
incessantemente pela atmosfera do texto.

No primeiro quarteto, percebemos tanto a ausência do elemento humano como a de


uma voz em primeira pessoa, comum nos sonetos de Camões. O que temos é a
descrição quase pictórica de uma paisagem silenciosa. Entre céu e terra, o vento não
produz movimento. Aliás, o único movimento que vemos no poema é o moroso
estender-se das ondas sobre a areia, já que mesmo os peixes, no fundo do mar, estão
paralisados pelo sono. É noite; portanto, o céu, fonte da luz, não produz luz nenhuma.
Silêncio e escuridão dominam a paisagem.

No segundo quarteto, já no primeiro verso, surge o elemento humano, ao qual o poeta


faz referência na terceira pessoa: um pescador, deitado exatamente em um ponto em
que vento e água se unem para produzir um minúsculo movimento na cena estática. Na
natureza, água e ar se conjugam em movimento; no pescador, conjugam-se a água de
suas lágrimas e o vento de seus suspiros, em que o nome da amada não é mais que isso
mesmo: um nome, um sopro, um som sem efeito.
No primeiro terceto, temos a voz do próprio pescador, que pede às ondas que o
carreguem para juntá-lo à sua amada afogada, tão identificada com o mar que é
referida pelo pescador como uma ninfa. O pescador pede às ondas que o levem, pois a
morte que ele padece pelo Amor, esse gênio que mais de uma vez vimos nos poemas de
Camões, é por demais sofrida.

No segundo terceto, retorna a voz impessoal em terceira pessoa. Sabemos que os apelos
do pescador não encontram qualquer resposta. As ondas do mar seguem no mesmo
movimento monótono e indiferente, tão monótono e indiferente quanto o arvoredo que
se sacode ao vento, vento que leva a voz do pescador sem que essa possa ser ouvida.

2. Exercícios

1. O primeiro quarteto chama a atenção pela sensação de imobilidade que passa. A


estrutura gramatical do quarteto tem importante participação nisso. Que recurso
gramatical poderia ser citado como auxiliando tal atmosfera?
a. O fato de os verbos do quarteto, respectivamente concluindo os versos 1 e 4,
estarem no particípio, não havendo um único verbo que dê ideia de tempo.
b. O fato de não haver uma oração principal nessa construção; as duas orações
identificáveis que temos, nos versos 2 e 3, são adjetivas explicativas.
c. O fato de ser um período composto exclusivamente por coordenações
assindéticas, não havendo qualquer oração subordinada que possa
desenvolver uma articulação e uma dinâmica entre as ideias e imagens
apresentadas no quarteto.
d. O fato de não haver um único substantivo abstrato no quarteto, tornando-se
ele uma pura descrição da paisagem estática.
e. O uso de orações se sujeito em praticamente todo o quarteto.
2. No soneto que se inicia com o verso “Sustenta meu viver uma esperança”, analisado
na aula 13, vimos que, no último terceto, o ar e o vento adquirem importante
simbologia. O mesmo ocorre neste soneto. Que paralelo pode ser traçado entre a
simbologia do ar e do vento em um e outro poema?
a. Há forte associação entre o vento e a morte em ambos os poemas.
b. Nos dois casos, o vento é um agente de modificação e renovação.
c. Em ambos os poemas, o ar, quer em sua realização na paisagem, quer na
forma das palavras pronunciadas, não tem uma ação eficiente e
transformadora, sendo enfatizado como algo passageiro e vão.
d. O fato de o soneto anterior ser articulado na primeira pessoa – sendo o
poeta o sujeito que fala – e este estar articulado na terceira pessoa – o poeta
se referindo a alguém externo – faz com que o significado do vento como
símbolo seja completamente diferente nos dois poemas.
e. A diferença fundamental é que, no soneto anterior, o ar surge apenas na
forma de suspiros produzidos pelo poeta enquanto neste, o ar é estritamente
um elemento da natureza.
3. Que relação se estabelece neste soneto entre o mundo externo – a natureza – e o
mundo interno – os sentimentos – do pescador?
a. Relação de perfeito espelhamento: o sofrimento do pescador se reflete na
paisagem lúgubre, hostil e ameaçadora.
b. O mundo externo tem pouca importância neste poema, sendo apenas a
paisagem física onde o pescador se encontra enquanto lamenta a morte de
sua amada, seus sentimentos sendo o centro do poema.
c. Relação de forte contraste: o sofrimento do pescador está em dissonância
com a paisagem bela e alegre, em que imagens da vegetação e do mundo
animal transmitem a ideia de fertilidade e vida.
d. Há uma indiferença da paisagem em relação ao pescador. Diante das
exortações sofridas do pescador, a natureza mantém seu funcionamento
regular.
e. A natureza é vista essencialmente como cruel e perversa, já que a ela é
atribuída a culpa pela morte da amada do pescador.
4. Apesar das marcadas diferenças deste poema com os outros analisados, há algumas
constantes. Uma delas é a presença da figura de Amor como um gênio ou divindade
com vontade própria. O que se pode dizer da forma como Amor é visto neste
poema?
a. Assim como em “Busque Amor novas artes, novo engenho” e “Enquanto
quis Fortuna que tivesse”, Amor é visto como cruel e engenhoso, detentor de
diversas artes para atormentar o pescador das mais variadas maneiras.
b. Amor é visto como tão impiedoso e brutal que o pescador prefere ser
tragado e afogado pelo mar, onde crê poder rever sua amada morta.
c. Tal como os fenômenos da natureza, Amor é visto como indiferente e cego
ao destino e aos sofrimentos do pescador.
d. O sofrimento do pescador e a morte de sua amada são atribuídos às ações
maquiavélicas e cruéis de Amor.
e. Em contraste com o que ocorre nos outros poemas, aqui Amor é visto como
piedoso e benevolente.

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