Você está na página 1de 6

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/275348914

Habilidades visuoespaciais: Conceitos e instrumentos de avaliação

Article · March 2015

CITATIONS READS

0 8,079

2 authors:

Ricardo B. Garcia Cesar Galera


University of Brasília University of São Paulo
26 PUBLICATIONS   93 CITATIONS    69 PUBLICATIONS   185 CITATIONS   

SEE PROFILE SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

The contribution of Long-Term Memory in encoding and retrieval of information in the visuo-spatial short-term memory. View project

Attention and Working Memory: Intermodal aspects View project

All content following this page was uploaded by Ricardo B. Garcia on 24 April 2015.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


B•••••• SBN! | D••"#••$ C•%#•••&•$
H!"#$#%!%&' (#')*&'+!0#!#':
0*10&#2*' & #1'23)4&12*' %& !(!$#!56*

Ricardo Basso Garcia Cesar Galera

As habilidades visuoespaciais estão tais e, portanto, estão estreitamente relacio-


envolvidas em praticamente todas as nos- nadas com a memória operacional, o siste-
sas atividades quotidianas. Da percepção ma cognitivo responsável pela retenção
visual dos objetos em uma cena à capacida- temporária e pelo processamento da infor-
de de imaginar como esta cena seria altera- mação durante a realização de atividades
da pela manipulação ou pela adição de no- cognitivas complexas (Baddeley, 2012). Se-
vos objetos. Da percepção espacial à orien- gundo o modelo proposto por Logie (2011),
tação no espaço e ao planejamento de ro- as funções visuoespaciais são realizadas
tas, toda a nossa interação como mundo por dois subsistemas separados, o visual
depende de nossas habilidades visuoespa- cache e o innerscribe. O visual cache é um
ciais. A avaliação dessas habilidades é de armazenador passivo responsável por ar-
grande relevância no âmbito da neuropsico- mazenar o conteúdo visual de uma cena,
logia, visto a ocorrência de déficits específi- como a aparência visual de objetos e sua
cos em casos de desenvolvimento atípico, distribuição no ambiente. O innerscribe é
de envelhecimento patológico e de lesões responsável pelo armazenamento de se-
cerebrais. Neste artigo, fazemos uma breve quências de movimentos dirigidas a posi-
introdução e apresentarmos alguns dos ções específicas no espaço e pela recitação
principais instrumentos de avaliação. da informação contida no visual cache. Es-
Em termos gerais, as habilidades vi- tes dois subsistemas dependem do executi-
suoespaciais envolvem a ativação, retenção vo central, que é responsável por controlar
e/ou manipulação de representações men- recursos da atenção necessários à manipu-

MAR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 7


B•••••• SBN! | D••"#••$ C•%#•••&•$
lação das informações visuoespaciais e pe- 16), as habilidades visuoespaciais podem
la geração das imagens mentais. Nesse ser classificadas conforme o envolvimento
modelo, o visual cache è uma espécie de de recursos perceptuais, cognitivos e mne-
espaço mental de trabalho, o qual pode mônicos. Dentre as habilidades com forte
conter informações visuais provenientes componente visual, podemos mencionar a
tanto do ambiente quanto da memória de busca visual planejada, que é a capacidade
longo prazo, por exemplo, quando são ati- de rastrear uma determinada área do cam-
vadas por via tátil ou descrições verbais po visual ou de avaliar uma figura com rapi-
(Logie, 2011). dez e eficiência; a organização visual, que é
Como se pode notar, o que chama- a capacidade de organizar figuras ou pa-
mos de maneira genérica de habilidades drões visuais fragmentados ou incompletos;
visuoespaciais envolve o armazenamento e/ e a habilidade visuoconstrutiva, que é a ca-
ou o processamento de informação visual e pacidade de construir uma figura, dese-
espacial do ambiente, além da criação, ma- nhando ou organizando peças, de maneira
nutenção e manipulação de imagens men- livre ou a partir de um modelo fornecido.
tais (Baddeley, 2012; Cornoldi & Vecchi, Considerando aspectos mnemônicos, a me-
2003; Logie, 2011). Em vista disso, Cornoldi mória visual de curto prazo está envolvida
e Vechi (2003) defenderam uma abordagem no reconhecimento ou na reconstrução de
das habilidades visuoespaciais segundo um figuras que foram observadas momentos
modelo cognitivo de memória operacional, o antes, e a memória visual de longo-prazo
qual permite mapear os recursos cognitivos refere-se ao conhecimento consolidado so-
envolvidos segundo níveis de representa- bre propriedades visuais de objetos, locais e
ção mental (visual, espacial ou ambos), ní- eventos.
veis de atenção e processamento (baixo ou Outras habilidades possuem um forte
alto) e níveis de armazenamento temporário componente espacial, como a orientação
(baixo ou alto). Esse aglomerado de fun- espacial, que é a capacidade geral de avali-
ções complexas exige testes e procedimen- ar o posicionamento do corpo com relação
tos experimentais diversificados para avaliar ao ambiente e aos objetos circundantes, as-
cada uma de suas facetas. sim como de planejar rotas. Considerando
aspectos mnemônicos, a memória espacial
Habilidades visuoespaciais de curto prazo está envolvida em reconhe-
De acordo com a sistematização pro- cer ou reconstruir trajetórias entre posições
posta por Cornoldi e Vecchi (2003, pp. 15- específicas, e a memória espacial de longo

MAR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 8


B•••••• SBN! | D••"#••$ C•%#•••&•$
prazo refere-se ao conhecimento consolida- nização visual. Outro recurso para avaliar
do sobre disposições e relações espaciais essas habilidades em crianças e adultos é o
entre objetos (e.g. móveis), locais (e.g. sala, Teste Figuras Complexas de Rey, padroni-
quarto, cozinha etc.) e trajetórias. zado com indivíduos de 4 a 88 anos (Rey,
Por fim, algumas habilidades estão 2010; ver também Oliveira, Rigoni, Andretta,
relacionadas à imaginação, como a capaci- & Moraes, 2004; Pagliuso & Pasian, 2008).
dade de gerar imagens mentais visuoespa- Nesse teste, o examinando deve primeira-
ciais vívidas, congruentes e precisas, assim mente copiar uma figura rica em detalhes
como a capacidade de inspecionar suas geométricos e, posteriormente, deve repro-
propriedades (por exemplo, relações de ta- duzir de memória essa mesma figura. Ou
manho ou distância) ou manipulá-las men- seja, também permite avaliar aprendizagem
talmente (por exemplo, rotacionar, subtrair e memória visual.
ou adicionar elementos). O instrumento clássico de avaliação
da capacidade da memória espacial de cur-
Instrumentos de avaliação to prazo é o Teste de Blocos de Corsi
As escalas de inteligência Wechsler (TBC). O TBC consiste de um tabuleiro de
para crianças (WISC-III e WISC-IV) e adul- aproximadamente 23 x 28 cm, sobre o qual
tos (WAIS-III) (cf. Wechsler, 2002, 2013, nove cubos, com arestas de 3 cm, estão
2004) possuem um conjunto de subtestes distribuídos de forma irregular. A estimativa
que exigem habilidades visuoespaciais. Em de capacidade segue um procedimento si-
particular, o subteste Cubos é composto por milar ao utilizado na determinação do span
uma série de modelos geométricos de com- de memória para dígitos: o examinador
plexidade crescente, formados por quadra- aponta um certo número de cubos e, em
dos e triângulos brancos e vermelhos. A ta- seguida, o examinando deve apontar os cu-
refa do examinando é reproduzir o modelo bos apresentados, na mesma ordem em
com base no conjunto de peças (blocos) que foram apontados ou na ordem inversa,
disponíveis. Já o subteste Armar Objetos é conforme a etapa do teste. O desempenho
composto por uma sequência de “quebra- no TBC é sensível a transtornos de desen-
cabeças”, ou seja, objetos que foram frag- volvimento e de envelhecimento. Normas
mentados e que o examinando tem que para uma amostra de crianças brasileiras
montar, sem que haja um modelo. Esses entre 7 e 10 anos foram apresentadas por
subtestes permitem avaliar, respectivamen- Santos, Mello, Bueno e Dellatolas (2005).
te, habilidades visuoconstrutivas e de orga-

MAR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 9


B•••••• SBN! | D••"#••$ C•%#•••&•$
O Visual Pattern Test (VPT; Della Sa- deira, Trentini, & Hutz, 2013; Zanini, Wag-
la, Gray, Baddeley, Allamano, & Wilson, ner, Lannes, Salles, Bandeira, & Trentini,
1999) é um instrumento muito utilizado na 2012).
avaliação da capacidade da memória visual. A avaliação das funções cognitivas
O teste consiste de um conjunto de cartões em geral, e das habilidades visuoespaciais
com matrizes com um número crescente de em particular, exige instrumentos e procedi-
caselas, metade das quais preenchidas em mentos experimentais validados e com nor-
preto. Uma matriz de uma determinada mas bem estabelecidas. A criação de instru-
complexidade é apresentada ao participante mentos adequados é um passo fundamental
que, depois de um pequeno intervalo, deve para um processo de avaliação e de inter-
reproduzir em uma matriz em branco o pa- venção baseada em princípios científicos. O
drão apresentado na matriz original. A capa- surgimento de novos instrumentos de avali-
cidade da memória visual é definida pelo ação destinados à população indica que es-
número máximo de caselas pretas que o tamos no bom caminho.
participante consegue recordar, reproduzin-
do o padrão corretamente. Em geral, o teste Referências
Baddeley, A. D. (2012). Working Memory:
é interrompido quando as matrizes de um
Theories, Models, and Controversies. Annual Review
mesmo nível de dificuldade não são preen-
of Psychology, 63, 1-29.
chidas corretamente. Até onde é de nosso Cornoldi, C., & Vecchi, T. (2003). Visuo-
conhecimento não existem normas brasilei- spatial working memory and individual differences.
ras para o VPT. Hove: Psychology Press.
Della Sala, S., Gray, C., Baddeley, A., Alla-
Além desses instrumentos básicos,
mano, N., & Wilson, L. (1999). Pattern span: a tool
existem poucos instrumentos de avaliação
for unwelding visuo-spatial memory. Neuropsycholo-
de habilidades visuoespaciais e memória gia, 37(10), 1189-1199.
validados e normatizados no Brasil. Entre Logie, R. H. (2011). The Functional Organi-
as poucas exceções, além do trabalho de zation and Capacity Limits of Working Memory. Cur-
rent Directions in Psychological Science, 20(4), 240-
Santos e col (2005), podemos citar o Teste
245.
Pictórico de Memória (Rueda e Sisto, 2007)
Oliveira, M., Rigoni, M., Andretta, I., & Mora-
e o Teste de Retenção Visual de Benton, es, J. F. (2004). Validação do Teste Figuras Comple-
que foi validado e normatizado para amos- xas de Rey na população brasileira. Avaliação Psico-
tras de adolescentes e de idosos, e deve lógica, 3(1), 33-38.
Pagliuso, L., & Pasian, S. R. (2008). As Figu-
estar disponível aos profissionais da área
ras Complexas de Rey: Normas preliminares com
em breve (Segabinazi, Junior, Salles, Ban-
crianças de 9 e 10 anos. Psico, 38(2), 148-156.

MAR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 10


B•••••• SBN! | D••"#••$ C•%#•••&•$
Rey, A. (2010). Figuras Complexas de Rey:
teste de cópia e de reprodução de memória de figu-
ras geométricas complexas. São Paulo: Casa do Psi- R•'()*• B($$• G()'•(
cólogo. Doutor em Ciências (Psicobiologia) pela Univer-
Rueda, F. J. M., & Sisto, F. F. (2007). Teste sidade de São Paulo. Pesquisador de pós-
pictórico de memória (TEPIC-M). Manual. São Paulo: doutorado na Università degli Studi di Padova
Vetor.
Santos, F. H., Mello, C. B. Bueno, O. F. A., & C•$() G(••)(
Dellatolas, G. (2005). Cross-cultural differences for Professor Titular da Faculdade de Filosofia, Ci-
three visual memory tasks in brazilian children. Per- ências e Letras de Ribeirão Preto-USP. Depar-
ceptual and Motor Skills, 101(2), 421-433. tamento de Psicologia
Segabinazi, J. D., Junior, S. D., Salles, J. F.
D., Bandeira, D. R., Trentini, C. M., & Hutz, C. S.
(2013). Teste de Retenção Visual de Benton: apre-
sentação do manual brasileiro. Avaliação Psicológi-
Responsável pelo convite: Morgana Scheffer
ca, 12(3), 421-428.
Wechsler, D. (2002). WISC-III: escala de in-
teligência Weschsler para crianças: manual. São
Paulo: Casa do Psicólogo.
Wechsler, D. (2004). WAIS-III: escala de in-
teligência Wechsler para adultos: manual técnico.
São Paulo: Casa do Psicólogo.
Wechsler, D. (2013). WISC-IV: escala de
inteligência Weschsler para crianças: manual técni-
co. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Zanini, A. M., Wagner, G. P., Salles, J. F. D.,
Bandeira, D. R., & Trentini, C. M. (2012). Teste de
Retenção Visual de Benton (BVRT): evidências de
validade para idosos. Avaliação Psicológica, 11(2),
287-296.

MAR/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 11

View publication stats

Você também pode gostar