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Fundamentação da Administração Pública:

artigos técnicos e ilustrações

Eduardo A.C. Garcia

Brasília - 2012
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Material para fins didático

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 3

1.1 Definições, Processos, Propósitos e Categorias: Administração e Administração Pública 3

1.1.1 Processos da Administração 4

1.1.1.1 Processo de Planejamento (P) 5

1.1.1.2 Processo de Organização (O) 6

1.1.1.3 Processo de Direção (D) 10

1.1.1.4 Processo de Controle ( C ) 11

1.1.2 Propósitos da Administração 15

1.1.3 Categorias da Administração 15

1.2 Definições e Fundamentos da Administração Pública 17

1.2.1 Administração Pública em vários sentidos, vertentes e natureza 18

1.3 Princípios da Administração Pública 20

1.4 Síntese Histórica da Administração

2 Principais abordagens teóricas acerca da Administração Pública

2.1 Aspectos conceituais e organizacionais da Administração Pública


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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

3 Reforma do Estado e modernização do setor público


3.1 Ciclo de transformação na Administração Pública
3.2

4 Evolução histórica da Administração Pública no País


4.1 Desafios da administração pública brasileira: governança, autonomia, neutralidade

5 Planejamento na Administração Pública

6 Ética
6.1 Introdução
6.2 Princípios para gerenciar a ética no serviço público

7 Tendências contemporâneas no Brasil e no mundo


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Material para fins didático
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

1 INTRODUÇÃO
Compreender a administração em períodos, como os atuais, de complexidades organizacionais,
de rápidas mudanças – ajustes aceleradas pela tecnologia da informação e comunicação, de incertezas
na gestão e conservação de recursos e de ambientes mercadológicos globalizados, representa um dos
mais importantes compromissos e desafios da sociedade e do capitalismo.
Da sociedade moderna composta por organizações cada vez mais exigentes por profissionais da
administração. Exigências para a administração caracterizada como um conjunto de processos (para
TOMAR DECISÕES, arbitrar, avaliar, controlar, dirigir etc.) que tratam situações instáveis e de
incertezas em ações e esforços integrados. Processos baseados em procedimentos e arranjos
estratégicos, em técnicas e métodos, em artes e ciências fundamentais que requerem o esforço
cooperativo a ser dirigido para uma das mais importantes áreas do conhecimento na atividade humana:
tomar decisões.
Um conhecimento que se refere à seleção, combinação e aplicação de recursos organizacionais,
- humanos, materiais, econômico-financeiros, informação e tecnologia, para alcançar certos objetivos e
atingir um bom desempenho. Conhecimentos para orientar os processos de planejar, organizar, dirigir
e controlar a aplicação de recursos organizacionais aplicado na obtenção de objetivos.
Tais processos são o resultado histórico e integrado de contribuições cumulativas de numerosos
precursores, filósofos, físicos, economistas, estadistas, empresários (...) que, ao longo do tempo,
apresentaram teorias da administração mais ou menos consistentes com as suas realidades, ambientes e
condições; resultados históricos que acompanharam a desenvolução do homem.
SÃO CONHECIMENTOS, CARATERIZAÇÕES E ASPECTOS, ENTRE
OUTROS, ABORDADOS NO CURSO “FUNDAMENTOS DA
ADMINISTRAÇÃO COM VIÉS PARA O SETOR PÚBLICO”. UM CURSO
QUE ESPERA O ENTUSIASMO E COMPROMETIMENTO DO ALUNO A
FIM DE ALCANÇAR PLENAMENTE OS OBJETIVOS PROPOSTOS.

1.1 Definições, Processos, Propósitos e Categorias: Administração e


Administração Pública
Algumas definições procuram associar ou vincular a acepção de administração a determinadas
escolas (por exemplo, Clássicas: Funcionais, Relações Humanas, Tomada de Decisão, Sistêmica e
Contingencial) e abordagens (Quadro 3) para enfatizar um ou outro aspecto. Delas podem-se extrair
ideias gerais em que se destacam conceitos chaves como processo de tomar e colocar em prática
decisões sobre objetivos a alcançar na organização com a utilização eficiente e eficaz 1 de recursos.

1 São dos conceitos chaves da administração, repetidos ao longo do texto, que podem sintetizar-se como:
EFICIÊNCIA: fazer corretamente (certo) as coisas; preocupar-se com os meios; ênfase em métodos e
procedimentos; informar para comunicar regulamentos, diretrizes (...) internos; treinar e aprender; saber
trabalhar; pontualidade, responsabilidade, comprometimento no trabalho (...).
EFICÁCIA: fazer as coisas necessária e certas; preocupar-se com os fins; enfatizar e atingir os alvos, objetivos e
resultados; saber e conhecer; agregar valor e riqueza a organização.
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Processo = (significa): marcha para frente, avanço, progresso (...; tem outras conotações);
atividade dinâmica e/ou ação consciente na tomada de decisões sobre objetivos e recursos; modo de
proceder, necessário ao válido exercício do ato ou poder; sequência de atos que visam a produzir um
resultado e, em determinado contexto (jurídico, da administração etc.) estão previstos em dispositivos
vigentes.
O processo de administrar é inerente a qualquer situação onde haja pessoas utilizando recursos
para atingir algum tipo de objetivo:   (símbolos para designar: implica a existência de...): pessoas,
recursos e objetivos.
Em última instância, a administração é um processo que procura aumentar e garantir a
qualidade e a efetividade das decisões sobre objetivos e recursos disponíveis na empresa.
Processo administrativo (elemento de caráter instrumental com função de norma geral aplicada
subsidiariamente  : de lei ou norma específica de disciplinamento do ato) = meio pelo qual o
Estado estabelece normas gerais e isonômicas para alcançar a solução de conflitos entre a
Administração Pública e qualquer outro interessado, com base em um conjunto de princípios e
normas, - as que regem a solução de conflitos de interesses, mediante o exercício do processo
Administrativo.
Esse elemento, - o processo administrativo, busca garantir a legalidade do ato administrativo e
tem por escopo a proteção dos administrados para (objetivos) a proteção de seus direitos e o melhor
cumprimento dos fins da Administração (isto, com base em diretrizes do processo administrativo).

1.1.1 Processos de Administração (Processos Administrativos)


O processo administrativo 2 compreende quatro tipos principais de decisões ou de escolhas
necessárias para se alcançar os propósitos da organização. Esses processos são:
a) P: PROCESSOS DE PLANEJAMENTO: abrange as decisões sobre objetivos, ações previstos no
presente a serem desenvolvidas no futuras e recursos necessários para alcançar os objetivos.
Determina-se, com suficiente antecipação, o que um grupo de pessoas deverá fazer no futuro, -
horizonte de planejamento, e quais as metas que serão atingidas nesse horizonte.
b) O: PROCESSO ORGANIZACIONAL: compreende decisões sobre diversos aspectos, entre
outro:
b.1) a divisão de autoridade, tarefas e responsabilidades entre pessoa; e
b.2) a divisão de recursos para realizar as tarefas;

2 Na literatura aparecem dois conceitos: Processos de administração ou administrativos e a administração por


processos, onde, neste último, as atividades se realizadas numa sequência lógica com o objetivo de gerar um
bem ou serviço importante e com valor para um grupo específico de clientes; bens e serviços que atendam
efetivamente aos clientes da empresa (externo e interno. Os processos, neste “enfoque” ou destaque do conceito
geral, são condicionadores de funções ou decisões tratadas e ilustradas no texto, com indicadores de
funcionamento como os do tempo do ciclo e o tempo de processamento. São tempos que na prática se
relacionam, conforme se ilustra em figuras do texto, com as funções de planejar, organizar, dirigir e controlar
– coordenar.
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b.3) a estrutura a empresa, reunindo pessoas e equipamentos necessários para realizar o trabalho de
acordo com o planejamento e efetuado.
c) D: PROCESSO DE DIREÇÃO: significa: c.1) ativar o comportamento das pessoas por meio de
ordens; c.2) conduz e coordena o trabalho do pessoal.
d) C: PROCESSO DE CONTROLE / COORDENAÇÃO; significa; d.1) ajudar a tomar decisões;
d.2) verifica se tudo está sendo feito de acordo com o que foi planejado e as ordens dadas.
São quatro processo que se inter-relacionam – integram (complementam, sinergizam,
potencializam) para ... (discutir em aula esses propósitos) conforme se ilustra na Figura1.

Conjunto de processos
inter-relacionados
Necessidades
para atender:

Soluções de
atendimento

Figura 1. Inter-relações de processos em ações da administração

1.1.1.1 Processo de Planejamento (P)


O ato ou efeito de planejar ao decidir antecipadamente o que deve ser feito no futura para
alcançar determinado objetivo ou meta; de elaborar planos; de preparar a base para tomar de decisões
por meio de processos analíticos (...) compreende:
a) definir o estado atual das coisas / PROBLEMA, oportunidades etc.; diagnósticos administrativos
integrados; diagnose no sentido de configurar a situação da organização com seus desafios,
ameaças e oportunidades e, com base nessa informação, como se preparar e responder a estes
desafios;
b) especificar os objetivos que atendam ao cliente, às condições do ambiente, aos interessados –
afetados pelo problema;
c) procurar – prever os meios - recursos para alcançar os objetivos;
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d) desenvolver premissas sobre condições futuras / CENÁRIOS, PROSPECÇOES; e


e) implementar os planos de ações necessárias e de conformidade com o previsto.
É a primeira função administrativa de antecipação de ações - estratégias a serem desenvolvidas
no futuro, com previsões que poderão se realizar em três níveis (Figura 2).
Destaca-se, no curso, o planejamento estratégico.
Planejamento que faz parte da administração estratégica (conceito que apareceu no início do
século XX, com os pioneiros Pierre Du Pont e Alfred Sloan; fortaleceu-se com Igor Ansoff ao
publicar, 1965, “Estratégia corporativa”: Quadro 1; consolidou-se em 1970; processo de planejamento
estratégico: Figura 3) e de estratégias organizacionais, - as relacionadas com: a especificação de metas
e de objetivos de longo prazo; a adoção de ações – táticas; e a alocação de recursos necessários para
alcançar os objetivos.

NIVEL ESTRATÉGICO. DECISÕES NÍVEL TÁTICO. DIVISÃO TÁTICA.


ESTRATÉGICAS. PLANEJAMENTO PLANEJAMENTO TÁTICO. Elaborado em
ESTRAT´RATÉGICO. É o mais amplo, envolvente e cada departamento no nível intermediário da
abrangente de toda a organização; é um sistema único organização; cada unidade organizacional deve
e aberto, caracterizado por: projetado para longo prazo, elaborar seu planejamento tático subordinado ao
com efeitos e consequências por vários anos; envolve a planejamento estratégico. Suas principais
empresa como uma totalidade, abrange todos os seus funções são: médio prazo, em geral corresponde
recursos e áreas de atividade e preocupa-se em atingir ao exercício anual ou fiscal da empresa; envolve
objetivos globais da organização; é definido pela cada departamento ou unidade da organização,
cúpula da organização e se situa no nível institucional, abrange seus recursos específicos e preocupa-se
corresponde ao plano maior ao qual todos os demais em atingir objetivos departamentais; é definido
planos estão subordinados; voltado para a eficácia da no nível intermediário da organização para cada
organização e alcançar seus objetivos globais, departamento ou unidade da empresa; voltado
apresentar resultados = excelência organizacional. para a coordenação e integração, diz respeito ás
atividades internas da organização

NÍVEL OPERACIONA. DECISÕES OPERACIONAIS.


PLANEJAMENTO OPERACIONA. refere-se a cada
tarefa ou atividade em particular. Suas principais
características são: projetado para o curto prazo, para o
imediato e normalmente lida com o cotidiano e com a HIERARQUIA DE PLANOS em três
rotina diária, semanal ou mensal; envolve cada tarefa ou níveis distintos de planejamentos,
atividade isoladamente, preocupa-se com o alcance de porém inter-relacionados,
metas específicas; é voltado para a eficiência, na
execução das tarefas ou atividades: fazer bem feito e
corretamente = excelência operacional.

Figura 2 Níveis de planejamentos ao longo da estrutura hierárquica organizacional


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Quadro 1 Síntese de estratégias de planejamento a


Estratégias do planejamento

Produto
Comportamento Estratégia da
Diferenciação
defensivo estabilidade
Tradicional Novo

Penetração no Desenvolver Liderança de Comportamento Estratégia do


Tradicional
Mercado

mercado produto custo analítico crescimento

Desenvolvimento Comportamento Estratégia da


Novo Diversificar Foco
de mercado de reação redução custos

Estratégias segundo Estratégias segundo Estratégias


Estratégias (Matriz), segundo Igor Ansoff
Michel Porter Miles e Snow segundo Samuel
a
Fonte: Maximiano (2007; simplificado

AMBIENTE

Figura 3 Processo de planejamento estratégico


Fonte: Maximiano (2007)

O planejamento, em função da natureza ou propósito, pode ser:


a) especial; aquele que, atingindo o objetivo que se propõe, deixa de ser utilizado; não tem mais
razão de ser, porque o programa foi cumprido e alcançado o objetivo desejado ou proposto-
planejado;
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b) geral (permanente) das as condições e exigências de fatores e ambientes.


A figura que segue (Figura 4) esquematiza esses dois tipos de planejamento na empresa:

Figura 4 Esquematiza de dois tipos de planejamento na empresa

A Figura 3 destaca um aspecto interessante não apenas para a administração, mas para a vida em
sua preocupação de sustentação: o meio ambiente.
O Ambiente é o contexto que envolve externamente a organização. Como a organização é um
sistema aberto, ela mantém transações e intercâmbio com o ambiente que a rodeia (...)  tudo o que
ocorre externamente no ambiente passa a influenciar internamente à organização. Dessa forma, a
análise e estudo da organização, dentro de abordagens múltiplas, - multidisciplinar, é essencial para
entender e posicionar a organização. Esse estudo foi iniciado pelos estruturalistas. Na medida em que
a análise organizacional passou a ser influenciada pelas abordagens de sistemas abertos, aumentou a
ênfase no estudo do meio ambiente para a compreensão da eficácia das organizações. Ainda hoje, as
organizações pouco sabem ainda a respeito de seus ambientes. Que aspectos ou elementos da análise e
estudo do meio ambiente interessam a organização?
a) Mapeamento do meio ambiente. A organização precisa mapear seu espaço ambiental; um espaço
que é extremamente vasto e complexo, com uma ampla variedade de condições, fatores,
agentes,, interações (...) difíceis de serem abordadas no seu conjunto e analisadas com
objetividade.
b) Seleção ambiental. Para tentar lidar com essa complexidade, as organizações selecionam
elementos, partes, condições (...) de seus ambientes e passam a visualizar o seu mundo exterior
apenas com base nesses elementos (...) escolhidos e selecionados. Essa parte não é uma amostra
estatística do que está objetivamente ao alcance da organização, mas o resultado de uma seleção
de estímulos ambientais; estímulos que dependem de três fatores localizados no mapeamento: a
natureza dos estímulos ambientais; o que a organização está preparada para perceber; e os
motivos específicos que estão visão, missão, filosofia (...).
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c) Percepção ambiental subjetiva de acordo com as expectativas, experiências, problemas,


convicções e motivações. Percepções que podem variar entre organizações; significa, portanto,
que um mesmo ambiente pode ser pode ser percebido e interpretado diferentemente por duas ou
mais organizações. Esta é a percepção ambiental como uma construção dependente daquilo que:
cada organização considera relevante; e do espaço ambiental que responde a uma necessidade
fundamental de todo organismo articulado e dotado de mobilidade: a necessidade de deslocar-se
e de posicionar-se de maneira inteligente nesse espaço Quanto maior a ambiguidade e a
complexidade de “estados”, condições e variáveis ambientais, maior a necessidade de sua
interpretação e decodificação. Ao interpretar estímulos ambíguos, a organização assume
presunções sobre a realidade que a cerca e dado que o ambiente não é estático nem fixo, mas
extremamente mutável, as organizações são informadas das variações (claras, importantes,
relevantes e bem comportadas  que se produzam dentro de certa fronteira de sensibilidade
capaz de alerta-lhes a atenção. A percepção ambiental está ligada à captação e ao tratamento
imediato da informação externa considerada útil. A resposta organizacional às variações do
meio exterior visa à adaptação e à sobrevivência da organização a um ambiente mutável; dessa
forma, a percepção torna-se um mecanismo regulador essencial da atividade adaptativa da
organização.
d) Consonância e Dissonância; é a necessidade de acordo (pressuposto confirmados na prática) e
de coerência na vida das organizações com seu meio; consonância e coerência que são difíceis
no estudo das relações entre a organização e seu ambiente. Por outro lado, a organização deve
ser diferenciada do seu ambiente ou existir algumas separação entre a organização e seu
ambiente sem que essa diferenciação ou separação sejam plenamente definidas. É o caso de uma
organização com várias filiais e unidades situadas em várias cidades diferentes em que é difícil
delimitar as fronteiras dessa organização Além disso, os limites organizacionais que separam a
organização de seu ambiente externo são muitas vezes ambíguos uma vez que uma organização
pode ter diferentes contornos e limites, dependendo de quais fenômenos organizacionais estão
sendo observados ou percebidos; pode ocorrer que um específico componente organizacional
apareça como um elemento central, quando medido por algum fenômeno (considerada uma
referência) ou como um elemento periférico e secundário, quando medido por outro fenômeno
(outra referência). São os componentes da dissonância no estudo e análise ambiental.
e) Limites ou Fronteiras. São os aspectos (fatores ou condições) que definem e diferenciam o que é
a organização e o que é o ambiente; permitem, portanto separar a organização do contexto
ambiental que a envolve. Tais limites podem ser definidos em termos de:
e.1) valores e atitudes de seus empregados: identificam-se com as regras e regulamentos internos da
organização;
e.2) termos legais: definem o “território” da organização;
e.3) uma infinidade de outras abordagens diferentes.
Outro aspecto importante, ao considerar o ambiente da organização, é o relativo à tipologia em
dois segmentos:
a) O Macroambiente ou ambiente geral constituído de diversas condições:
a.1) Tecnológicas; provocam influencias na organização.
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a.2) Legais, como leis vigente que afeta direta ou indiretamente a organização, tais como leis
comerciais, trabalhistas, ficais, civil, trabalhista, fiscal, civil etc.
a.3) Decisões e definições políticas tomadas em nível federal, estadual e municipal que influenciam
as organizações.
a.4) Econômicas; conjunturas que determinam o desenvolvimento econômico ou a retração
econômica e que condicionam as organizações; elementos como inflação, balança de
pagamentos, distribuição da renda interna etc.
a.5) Demográficas: como taxa de crescimento, população, raça, religião, distribuição geográfica,
distribuição por sexo, idade etc., que determinam as características do mercado atual e futuro das
organizações.
a.6) Ecológicas: é, em geral, o ecossistema de intercâmbio entre os seres vivos e seu meio
ambiente; compreende, no caso específico das organizações, a ecologia social: as organizações
influenciam e são influenciadas por aspectos como poluição, clima, transportes, comunicações
etc.
a.7) Culturais: a cultura de um povo penetra nas organizações através das expectativas de seus
participantes e de seus consumidores.
As condições tecnológicas, econômicas, sociais, legais, políticas culturais, demográficas e
ecológicas formam um campo dinâmico de forças que interagem entre si e tem um efeito
sistêmico; mais do que isso, um efeito sinergético, com resultante são difíceis de prever; daí, a
incerteza a respeito do ambiente, associada a enorme complexidade dos fatores integrantes.
Enquanto o ambiente geral é genérico e comum para todas as organizações, cada organização
tem seu ambiente particular e próprio: o ambiente de tarefa.
b) O Microambiente ou ambiente de tarefas é mais próximo, imediato e operacional de cada
organização; este ambiente é constituído por:
b.1) Fornecedores de entradas: todos os tipos de recursos de que uma organização necessita para
trabalhar.
b.2) Clientes ou usuários: consumidores das saídas da organização.
b.3) Concorrentes: a organização não está sozinha nem existe no vácuo, mas disputa com outras
organizações os mesmos recursos (entradas) e os mesmos tomadores de seus resultados (saídas);
são os concorrentes quanto a recursos e os concorrentes quanto a consumidores.
b.4) Entidades reguladoras: cada organização está sujeita a outras organizações que procuram
regular ou fiscalizar as suas atividades: sindicatos, associações de classe, órgãos
regulamentadores do governo, órgão protetores do consumidor, organizações não–
governamentais etc.
Uma síntese ilustrativa de elementos ambientais e do processo desenvolvido pela organização é
mostrada na Figura 5.
O planejamento, na administração seja ela privada ou pública, tem diversos instrumentos, um
deles é o projeto. Uma ferramenta da administração, para um empreendimento temporário (com
começo, meio e fim bem definidos e justificados), que, ao ser decido no escopo, tempo, custo etc.,
possibilita:
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Figura 5 Fatores (condições) do mapeamento macroambiental de uma organização com um sistema


adaptativo.
Fonte: Teoria da contingência; site do administrador.. Disponível em: http://www.portaladm.adm.br/Tga/tga89.htm.
Acesso em: 10 de março de 2012.

a) avaliar as vantagens e desvantagens de reunir ou combinar os fatores de produção num


investimento empresarial;
b) aferir a capacidade dos administradores e empresários para realizar o empreendimento dentro de
condições e restrições como as orçamentária, de tempo, de qualidade – quantidade, de
expectativas de interessados etc.;
c) uma forma de planejamento de constituição, implantação ou expansão da organização que
escolhe produzir ou aumentar a produção de mercadorias (bens) ou serviços de consumo.
O projeto, na sua visão, pode ser:
a) social para, por exemplo, acelerar o desenvolvimento econômico do país; e proporciona maior
número de emprego aos trabalhadores disponíveis; ou
b) empresarial para, por exemplo, justificar um programa de produção e a obtenção e aplicação de
fatores de produção; permitir reduzir os riscos de investimentos; ou avaliar a capacidade técnico-
administrativa dos empresários e administradores, com o propósito de: montagem, instalação ou
expansão das unidades produtoras (empresas) nos sistemas econômicos.
Os projetos, conforme sejam os objetivos propostos, podem ser: comerciais; industriais
(extrativos, transformação, constr. civil e utilidade pública); agrícolas e pecuários (agropecuários ou
do agronegócio); financeiros (bancários e não bancários); de transportes e comunicações (estradas –
telefone – internet – etc.); e de prestação de serviços, entre outros.
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O estudo de projetos na administração, - uma disciplina especial que compreende diversas áreas
(como, por exemplo, administrativa, econômica, financeira, contábil, jurídica, produção, marketing,
engenharia, tecnologia da informação e direito), envolve várias fases, entre outras, as seguintes:
a) Anteprojeto. Procura-se, em linhas gerais, estabelecer um confronto entre as vantagens e
desvantagens de se realizar um investimento empresarial.
b) Projeto Final. Deve conter todos os dados (econômicos, técnicos, financeiros, administrativos e
legais) para a instalação ou expansão da empresa.
c) Implantação. Significa construir e instalar a empresa de acordo com as especificações constantes
no projeto final devidamente aprovado.
d) Funcionamento Operacional. Consiste em entrar em pleno desenvolvimento das operações, ou
seja, produzir mercadorias e/ou serviços de consumo para atender ao mercado consumidor.
Essas fase constituem ciclos da vida do projeto e aspectos da gerência do projeto ilustrados (sem
informações) nas figuras que seguem (Figura 6).

ENCERRAMENTO
Ideia Desenho PROJETO
ENTREGA
ANTEPROJETO DESENVOLVIMENTO RESULTAOS

Figura 6 Fases (parte superior) e nível de atividade-sequencial temporal (parte inferior) de um projeto
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1.1.1.2 Processo de Organização (O)


O segundo processo de administração é o de organização, da estrutura organizacional. Visa à
estruturação da empresa, reunindo pessoas, equipamentos (materiais) e infraestrutura necessária de
acordo com o planejamento efetuado.
Neste processo, estabelecem-se (definem-se) os meios e recursos necessários para possibilitar o
planejamento que reflete como a organização ou empresa tenta cumprir os planos: atribuição de
tarefas e alocação de recursos (diferença da economia).
É oportuno mencionar que a sociedade é formada por organizações, isto é, por:
a) pessoas juntas (integradas conforme determinados arranjos), - lideres e subordinados, para
alcançar um objetivo;
b) trabalho coletivo que é “facilitado” com a divisão do trabalho;
c) normas e critérios organizacionais que definem as estruturas e poderão variar conforme seja o
tipo de modelo; para o caso do modelo organizacional clássico, por exemplo, observam-se:
c.1) disciplina em primeiro lugar;
c.2) unidade de comando: o executor recebe ordens de um único supervisor; e simplicidade de
estruturação: fácil esquema da empresa;
d) gestão por administradores responsáveis pelos recursos que utilizam para alcançar os objetivos.
e) obtenção de benefícios (maximizados ou otimizados): objetivos como os de obter lucros
(particulares ou empresários) ou de bem-estar coletivo, da organização na administração pública;
atender necessidades espirituais (organização na administração de igrejas); fornecer serviços e
entretenimento; desenvolver cultura etc.
Há diversas formas (tipos) de Estrutura Organizacional como, segundo a teoria organicista, a
empresa sendo um organismo e segundo a teoria comportamental, a empresa constituída por conjunto
- a reunião de pessoas.
O tipo de organização para grandes empresas pode ser:
a) unidade de negócio; criam-se áreas ou setores independentes como, por exemplo, setores de
previsão orçamentária, de apuração de custos e de resultados operacionais;
b) organizações horizontais que surgiram, em 1990, com a reengenharia de negócios; procura-se,
neste tipo de organização, o tamanho certo da empresa (“rightsizing”) e a redução dos níveis
hierárquicos (“downsizing”) e, com isto, a empresa estará se horizontalizando, com vantagens o
da rapidez na tomada de decisão;
c) redes ou organizações virtuais (não confundir com redes comerciais), sem as características de
grandes empresas, porém, com grandes movimentos econômico-financeiros de subsidiária
espelhadas por muitos lugares; um tipo de organização favorecido pela moderna tecnologia da
informação e comunicação (TIC).
Na administração se consideram diversos tipos de estruturas, algumas delas definidas e
ilustradas a seguir:
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a) Estrutura de Organização Formal; deliberada pelos administradores, segundo o planejamento


efetuado. Destacam-se, nessa decisão:
a.1) o estabelecimento da linha de autoridade: quem tem autoridade sobre os subordinados;
a.2) a linha de responsabilidade: quem tem de prestar obediência a determinada autoridade.
Consideram-se, na estrutura organizacional formal, os seguintes tipos tradicionais de
organização:
a.3) A Estrutura Linear: a disciplina está em primeiro lugar, pois a autoridade vai em linha reta,
desde o superior até o subordinado, incluindo todos nos diversos órgãos. O executor recebe
ordens de um único chefe. Segue um exemplo simplista da estrutura linear (Figura 7).

Figura 7 Disposição de uma estrutura linear de organização formal

a.4) A Estrutura Funcional: Cada dirigente terá um número limitado de funções ou atribuições, de
conformidade com as suas qualidades e aptidões: habilidades e competências.
Um condicionante ou efeito (da limitação de funções e das habilidades e competências) é a
diversificação de funções, em que funcionários executam serviços diferentes, prestando contas e
recebendo ordens de duas ou mais pessoas do mesmo ou de outros departamentos. Trata-se de
casos parecidos aos de organizações funcional e subordinação. Apresenta-se um exemplo
simplista deste tipo de estrutura na Figura 8.
a.5) Estrutura de Linha e Assessoria: acrescentam-se, na escala hierárquica, órgãos assessores de
consultores, orientadores, técnicos especializados (...) em áreas específicas; formam linhas
paralelas para auxiliar diretores, gerentes, supervisores ou chefes. Trata-se, com frequência, de
assistência especializada em áreas como econômica, financeira, legal, jurídica, contábil,
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ambiental. A Figura 9 mostra a disposição, simplista, uma estrutura linear com assessoria, para
um tipo de organização formal.

Figura 8 Disposição de uma estrutura linear funcional de organização formal

Figura 9 Disposição de uma estrutura linear com assessoria de organização formal

b) Estrutura de Organização Informal. Em geral, não é visível nas empresas, mas, a sua existência
é real. Há motivos ou “justificativas” para a existência das mais variadas alterações ou desvios
daquilo que foi planejado e organizado, como, por, iniciativas de pessoas, de acordo com seus
interesses ou conveniências para “formar” arranjos ou relações informais como as de
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Subordinado/Superior, Superior/ Subordinado, responsabilidades, prestação de contas e divisão


do trabalho, - algo como “jeitinho brasileiro”, como “fuga”, “recurso” etc. (Figura 10)

Figura 10 Disposição de uma estrutura de organização informal

Outra forma de estudo e análise da organização, no contexto da administração, é pelo


estabelecimento de níveis de organização e correspondentes agentes da administração. Neste caso
podem considerar-se os seguintes estados:
a) Institucional ou estratégico; corresponde ao nível mais elevado da empresa constituído pelo
presidente, proprietários, diretores, acionistas e altos executivos da alta administração; a cúpula
que tomam as principais decisões da organização. Um nível que é, na maioria das vezes,
extrovertido, ao manter a interface com o ambiente; mas, com sérias dificuldades, pois: lida com
a incerteza; não tem poder ou controle sobre os eventos ambientais alguns imprevisíveis ou sem
previsibilidades de razoável precisão de eventos ambientais futuros.
b) Intermediário, nível gerencial tático ou mediado; defronta-se e articula internamente o nível
institucional com o nível operacional; dois componentes diferenciados, um, sujeito à incerteza e
ao risco (ambiente externo mutável e complexo); o outro, voltado à certeza e à lógica que se
ocupa com a programação e execução de tarefas cotidianas muito bem definidas e delimitadas, o
nível operacional. É o nível intermediário que amortece e limita os impactos como os das
incerteza e os leva ao nível operacional
c) Operacional, nível técnico ou núcleo técnico localizado nas áreas de base da organização;
relaciona-se os problemas ligados à execução cotidianas e eficiente das tarefas e operações da
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organização e orientado para as exigências impostas pela natureza da tarefa técnica a ser
executada, com os materiais a serem processados e com a cooperação de numerosos especialistas
necessários ao andamento dos trabalhos; é o nível no qual as tarefas são executadas e as
operações realizadas com o trabalho básico da produção de bens e serviços da organização; é
composto pelas áreas encarregadas de programar e executar as tarefas e operações básicas da
organização. É nele que estão as máquinas e equipamentos, instalações físicas, linhas de
montagem, escritórios e balcões de atendimento. A estruturação-acomodação dos níveis da
organização, os níveis com seu correspondentes agentes administrativos; e os níveis
organizacionais e seus relacionamentos com a incerteza são ilustrados na Figura 11.

Figura 11 Arranjo dos níveis da organização (parte superior); disposição dos níveis de organização com
seus correspondentes agentes (parte intermediária); e os níveis organizacionais e seus relacionamentos com a
incerteza (parte inferior) (Fonte: Chiavenato (2000); complementado)
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Material para fins didático

Para cada um dos níveis da organização especificam-se funções (funções do processo


administrativo, repetindo, as de: planejar, organizar, dirigir e controlar), visões, perspectivas,
contextos, comportamentos, preocupações básicas, lógicas e decisões sintetizadas no Quadro2.

Quadro 2 Subsistema organizacional com seus níveis de atuação, abrangência e amplitude; e suas
correspondentes visões, perspectivas, contextos, comportamentos, preocupações básicas, lógicas e decisões.
AMPLITUDE CONTEXTO LÓGICA
NIVEL ATUAÇÃO ABRANGÊNCIA PERSPECTIVA
VISÃO PREOCUPAÇÃO DECISÃO

Imprevisível- Sistema aberto


Institucional Estratégica Global Longo prazo Futuro incerteza
Judicativo
Eficácia

Amortecer Bifocal
Intermediário Tática Parcial Médio prazo Futuro-presente
Elo - ligação Meio-termo

Previsibilidade – Sistema fechado


Presente- certeza
Operacional Operacional Específico Médio prazo Computacional
cotidiano
Eficiência

Fonte: Fonte: Teoria da contingência; site do administrador.. Disponível em:


<http://www.portaladm.adm.br/Tga/tga89.htm>. Acesso em: 10 de março de 2012. Chiavenato (2000).
Complementadas.

1.1.1.3 Processo de Direção (D)


Representa o posto em marcha daquilo que foi planejado e organizado; é a função administrativa
que envolve o uso de influência para ativar e motivar as pessoas a alcançar os objetivos
organizacionais.
O processo de direção compreende, portanto, conceitos e seus desdobramentos – aplicações
como: motivar pessoas; treinar; e alcançar os objetivos organizacionais: acionar e dinamizar a
empresa.
A direção está diretamente relacionada com a atuação sobre os recursos humanos da empresa.
Significa que as pessoas sejam devidamente aplicadas (colocadas) em seus cargos e funções;
treinadas, capacitadas, guiadas – orientadas para os cargos e funções; e motivadas para que possam
atingir os resultados que delas se esperam.
~ 21 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Dessa forma, a direção se constitui na função administrativa que se refere às relações


interpessoais dos gestores em todos os níveis da organização e seus respectivos subordinados. Para
isso os gestores precisam:
a) Comunicar (discutir em aula: dado, informação e comunicação para ...);
b) Liderar. Aspecto importante da administração, o
da liderança, ao desempenhar funções ativadoras
como, além da liderança, o uso adequado de
incentivos para obter motivação. Os líderes
devem estar presentes não apenas no nível
institucional, mas em todos os níveis da empresa
e nos grupos informais de trabalho.
A liderança pode ser estudada em termos de
estilos 3 em relação aos seus subordinados =
maneiras pelas quais o líder orienta sua conduta.
Esses estilos podem ser (Figura 12):
b.1) Autocrática: ênfase no líder; o líder é duro e
impositivo.
b.2) Democrática: ênfase no líder e subordinado; o
líder é atuante, consultivo e orientador.
b.3) Liberal (“Laissez faire”: liberalismo
Figura 12 Relações em estilos de liderança
econômico: “deixar fazer, deixar ir, deixar
passar"): ênfase nos subordinados; o líder deixa
todos à vontade; na prática utiliza os três estilos de liderança conforme: a situação, as pessoas e a
tarefa a executar.
c) Motivar; é fundamental entender que o comportamento humano pode ter mais de uma motivação,
complementando-se; que a motivação envolve adaptações como as do: homem ao trabalho; do
trabalho ao homem e do homem ao homem; e que a administração participativa, ao evidenciar
conceitos como os de: informar, envolver, delegar, cooperar, consultar e perguntar (...), evidência
a motivação.
A motivação como um impulso interno (atração, instinto etc.; hedônico psicológico, - busca ativa
de situações positivas de prazer e de evitar situações negativas de dor; motivação intrínseca e
extrínseca etc.) leva à ação.

3
Os estilos de direção dependem, em parte, de suposições que o administrador tem em relação ao
comportamento humano dentro da empresa. Neste sentido tem-se duas concepções opostas de estilos de direção,
baseadas em concepções antagônicas acerca da natureza humana. Essas concepções são: a) a Teoria X ou
tradicional que pressupõe: o homem é indolente e preguiçoso por natureza; evita o trabalho ou trabalha o
mínimo possível em função do salário; falta-lhe ambição; não assume responsabilidades; prefere ser dirigido;
e possui grande resistência à mudanças na empresa; e a Teoria Y ou moderna: o trabalho é uma atividade tão
natural quanto brincar ou descansar; as pessoas procuram e aceitam responsabilidades e desafios; são
esforçadas e gostam de ter o que fazer; são criativas e competentes.
~ 22 ~
Material para fins didático

Trata-se de um tema complexo, - o da psicologia da motivação, que procura a explicação, ao


estudar a motivação, de princípios auxiliares na compreensão de por que seres humanos e
animais em determinadas situações específicas escolhem, iniciam e mantém determinadas ações;
de por que o indivíduo se comporta da maneira como ele o faz. Entendimento necessário para:
c.1) planejar e gerir pessoas com base em motivações não impostas, mas estimuladas: surge dentro
das pessoas diante incentivos, satisfação de suas necessidades etc.
c.2) compreender os fatores motivacionais dos colaboradores para atrai-los;
c.3) associar a motivação: produção, qualidade, efetividades de processos e resultados
A teoria da motivação desenvolvida por Maslow afirma que as necessidades humanas estão
organizadas hierarquicamente na forma de uma espécie de pirâmide. Exemplo (Figura 13).
Quando uma necessidade se torna ativa ou se evidencia pode ser considerada: a) um estímulo à
ação que impulsiona uma atividades; b) determina o que passa a ser importante; e c) molda o
comportamento do indivíduo.
Dessa forma, na teoria de Maslow, as necessidades se constituem em fontes de motivação, de
ação.
O comportamento motivado pode ser visto como uma ação que o indivíduo se obriga a tomar
para aliviar a tensão (agradável ou desagradável) gerada pela presença da necessidade ou desejo.
A ação é intencionalmente voltada para um objeto ou objetivo que aliviará a tensão interior.
A teoria de Maslow sobre o comportamento motivado, por analogia, poderia ser utilizada para
entende melhor os clientes das organizações como, por exemplo, o ato de um cliente comprar um
produto ou serviço é motivado por uma tensão interna dele, gerada por uma necessidade. Após a
compra do produto ou serviço, essa tensão é aliviada, conforme se ilustra na Figura 13.
Embora a necessidade seja o motor da decisão racional da compra, na forma de um desejo com
suporte emocional, desempenha um papel importante no processo de compra.
Difícil perceber que se deixa de comprar algo necessário se não for desejado e se estiver atrelado
à satisfação de uma necessidade. Contudo, também se compram coisas que não são necessária
para definir o consumismo, isto é, o ato de consumir produtos e/ou serviços,
indiscriminadamente, sem necessidade ou sem a noção de que podem ser prejudiciais. Um tema
dominado por discussões a respeito como o tipo de influência que as empresas, por meio da
propaganda e da publicidade e a cultura industrial, por meio da TV e do cinema, exercem nas
pessoas, induzindo-as ao consumo desnecessário, sem a necessária relação estabelecida na
pirâmide da “teoria da motivação” desenvolvida por Maslow (Figura 14).
Apesar da teoria de hierarquia das necessidades de Maslow ser muito utilizada como base
motivações humanas, de motivações para agir, no entanto, é questionável o fato de que
efetivamente exista uma hierarquia de tais necessidades, - das fisiológica na base, até as de auto
realização no alto da pirâmide. 4

4
Fonte: A Hierarquia das Necessidades de Maslow – Pirâmide de Maslow. Disponível em:
http://www.cedet.com.br/ index.php? /Tutoriais/Gestao-da-Qualidade/ (...) Acesso em 12 de março de 2012.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

MOTIVAÇÃO PROFISSIONAL: conjunto de


fatores psicológicos, - conscientes ou inconscientes
e de ordem fisiológica, intelectual ou afetiva, que
agem entre si e determinam a conduta de uma
pessoa, despertando sua vontade e interesse para
fazer uma tarefa ou uma ação conjunta; surge
dentro da pessoa, não é imposta, desperta
interesse. Depende de variáveis como: percepção
de estímulos; necessidades; e cognição da pessoa.
DETERMINA OU ESTÁ ASSOCIADA

Fonte: Ficheiro: Hierarquia das necessidades de Maslow. Disponível em: < http://pt.
wikipedia.org/wiki/Motiva%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 12 de março de 2012.

Figura 13 Pirâmide da “teoria da motivação” desenvolvida por Maslow

Figura 14 Suposta relação causal necessidades (tensão) – alívio (satisfação) da


“teoria de motivação” desenvolvida por Maslow
~ 24 ~
Material para fins didático

É evidente que a necessidade de alimentação, vestuário, abrigo é em grande parte a motivação


para o trabalho, mas, não é correto afirmar que somente no
momento em que estas necessidades estão satisfeitas é que o
homem passará a outros patamares da pirâmide.
Não é rara a existência de pessoas que abrem mão das suas
necessidades básicas em função de um sonho, de uma auto
realização, pervertendo o sentido hierárquico da pirâmide.
Ao considerar, por exemplo, a necessidade de associação e
conforme essa hierarquia, ela somente se tornaria uma
motivação após outras necessidades terem sido satisfeitas,
como as necessidades básicas e as necessidades de
segurança. No entanto, os seres humanos vivem em
comunidade e buscam associar-se ao mesmo tempo em que
buscam satisfazer suas necessidades fisiológicas e de segurança.
A família, muitas vezes, é uma fonte de motivação muito mais forte para determinados
indivíduos que a satisfação de uma necessidade física, a associação muitas vezes é necessária
para garantir a segurança física das pessoas.
Outro fator gerador de motivação é a “vontade de sentido” (logoterapía de Viktor Frankl) ,que
explora o sentido existencial e a dimensão espiritual da existência. Nesta teoria, o ser humano
vive motivado, fundamentalmente, pela vontade de realizar sentido na vida (...), empenha-se na
realização de valores na forma de criações, vivências e atitudes (...).
A pesquisa de Frankl teve sua comprovação empírica em campos nazistas de concentração (...) o
fator decisivo para a sobrevivência naqueles campo não era ser forte, jovem ou inteligente:
muitas vezes um idoso sobrevivia, enquanto um jovem morria; várias vezes os homens mais
robustos eram os primeiros a caírem em desespero, enquanto os mais franzinos aguentavam
todas as provações (...).
Frankl concluiu que o fator decisivo da sobrevivência dos prisioneiros era a questão do sentido
da vida. Aqueles que viam na vida algum sentido, pelo qual eles deveriam continuar existindo,
possuíam uma capacidade de resistência muito maior. APLICA-SE??
Os procedimentos de motivação das pessoas que: apresentam diferenças e são diferentes entre
si; comportam-se conforme sua própria personalidade, cultura e valores; e reagem de formas
variadas diante fatores motivacionais, exigem do administrador e gestor de pessoas habilidades
e competências ao delinear e implantar os procedimentos para motivar as pessoas.
Procedimentos importantes e básicos como os de:
c.4) Valorizar as pessoas: pelo mérito, pelo comprometimento – responsabilidade (...);
c.5) Reconhecer os avanços diante o encorajamento da pessoa para progredir: elogios verdadeiros e
demonstrações de reconhecimento, de respeito e solidariedade (...);
c.6) Encorajar iniciativas de pessoas ou equipes;
c.7) Oferecer incentivos; segundo Taylor (administração científica), se os funcionários são bem
remunerados, realizam tarefas que os motivam e tem o reconhecimento da gerência, vão realizar
~ 25 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

suas tarefas com eficiência e bom desempenho, mesmo que a empresa ofereça novos incentivos.
além disso, a remuneração com excelentes ganhos financeiros, conforme a Teoria de Herzberg, 5
não é o bastante para motivar os funcionários.
c.8) Enriquecer (valorizar etc.) as funções; as pessoas têm preferências por trabalhos mais difíceis e
menos tediosos (...); gostam de saber que fazem serviços que requer certa habilidade, tornando o
funcionário um especialista e ficam motivados quando recebem o reconhecimento por isso;
c.9) Delegar autoridade; as pessoas podem-se tornar especialistas nos trabalhos em que atuam, e
com o passar do tempo e sua experiência, capazes de sugerir e dar opiniões para os
procedimentos da empresa; o líder deve procurar este funcionário para aperfeiçoar o trabalho;
c.10) Fazer avaliações como parte de um plano para o desenvolvimento de pessoas; são
procedimentos que avaliam os desempenhos anteriores dos funcionários, possibilitando ter uma
visão mais clara de seus desempenhos, para que no futuro possam melhorar e assumir
responsabilidades maiores.
c.11) Promover mudanças na empresa; para Mayo, 6 - da Escola das Relações Humanas no
Trabalho, a motivação dos funcionários aumenta no momento em que são feitas mudanças nas
condições de trabalho; as faltas diminuem (...); a explicação é a de que para os funcionários ver
mudanças e participar delas causam-lhes interesse, autoestima e desenvolve o espírito de equipe,
independentemente da mudança que estiver ocorrendo.
c.12) Pode sintetizar-se os fatores de motivação agrupados em: Intrínsecos como: realização
pessoal e profissional; reconhecimento; responsabilidade; desenvolvimento profissional;
autonomia; criatividade e inovação do trabalho; e participação. Extrínsecos como: decisões
organizacionais; relacionamento supervisor/ subordinado; remuneração; relacionamento com
os colegas; status/prestígio; segurança/permanência trabalho; e comunicação.

5 A Teoria de Herzberg (Frederick Herzberg; 1923 – 2000; autor da "Teoria dos Dois Fatores": a situação de
motivação e satisfação das pessoas; a satisfação no cargo é função do conteúdo ou atividades desafiadoras e
estimulantes do cargo = "fatores motivadores". A insatisfação no cargo é função do ambiente, da supervisão,
dos colegas e do contexto geral do cargo = "fatores higiênicos". A teoria é baseada na atitude e motivações dos
funcionários e contrária a outras teorias como a de Maslow. Orienta-se para o entendimento de fatores que
causariam insatisfação e aqueles que seriam os responsáveis pela satisfação no ambiente de trabalho; teoria de
dois fatores: Motivação e Higiene. Os fatores de Higiene são os necessários para evitar a insatisfação no
ambiente de trabalho, mas não são suficientes para provocar satisfação. Para motivar um funcionário, não basta
que os fatores de insatisfação estejam ausentes; pelo contrário, os fatores de satisfação devem estar bem
presentes. Relaciona, como fatores que provocam insatisfação, aspectos crítico em: política da empresa,
condições do ambiente de trabalho, relacionamento com outros funcionários; segurança e salário. Como fatores
que levam à satisfação: crescimento, desenvolvimento, responsabilidade, reconhecimento e realização.
6 Eltom Mayo (1880/1947), autor da Teoria das Relações Humanas que surgiu nos Estados Unidos como efeito
das conclusões obtidas na Experiência em Hawthorne (...). Foi um movimento de reação e de oposição à Teoria
Clássica da Administração. Tinha como origem: a) a necessidade de humanizar e democratizar a administração,
libertando-a dos conceitos rígidos e mecanicistas da Teoria Clássica e adequando-a aos novos padrões de vida
do povo americano; b) o desenvolvimento das ciências humanas, principalmente a psicologia e a sociologia; c)
as ideias capitais na administração da filosofia pragmática de John Dewey (...) e da Psicologia Dinâmica de Kurt
Lewin (...).
~ 26 ~
Material para fins didático

No contexto do direito administrativo, o administrador tem a obrigação de motivar todos os atos


que edita parra que tenham efeitos concretos. É considerada, entre os demais princípios, um dos
mais importantes, uma vez que sem a motivação não há o devido processo legal; isto, porque a
fundamentação surge como meio interpretativo da decisão (...), sendo meio de viabilização do
controle da legalidade do ato da administração. Nessa linha de raciocínio, motivar significa: -
mencionar o dispositivo legal aplicável ao caso concreto; e relacionar os fatos que
concretamente levaram à aplicação daquele dispositivo legal.
Em outro contexto a motivação se relaciona com a inovação tecnológica.

1.1.1.4 Processo de Controle ( C )


Corresponde ao acompanhamento (para que?), monitoração (para que?) e a avaliação (para
que?) do desempenho organizacional para verificar se as coisas estão acontecendo de acordo com o
que foi planejado, organizado, e dirigido.
O processo de acompanhamento compreende várias atividades como, entre outras: monitorar as
atividades; e manter a organização no cominho certo. Que é o que define o caminho certo? A
conformidade de desempenho e de resultados às diretrizes e metas, permitindo, mediante o
monitoramento e referências adequadas as caso, fazer essa avaliação e controle.
Todos os processo, no conjunto, podem ser representados e aplicados pelas seguintes figuras
(Figura 15 e Figura 16), exigindo, em cada caso, habilidades(?) e competências (?) do administrador.
São exigências que ser agrupadas em:
a) Técnicas: utilizar conhecimentos, métodos, técnicas e equipamentos necessários para realizar
tarefas especificas; habilidade obtida pela instrução e ou experiência.
b) Humanas: capacidade e discernimento para:
b.1) trabalhar com pessoas;
b.2) compreender suas atitudes e motivações;
b.3) aplicar uma liderança eficaz;
c) Conceituais: capacidade para:
c.1) compreender a complexidade da organização global e o ajustamento do comportamento das
pessoas dentro da organização; e
c.2) permitir que o administrador se comporte de acordo com os objetivos da organização total e
não apenas de acordo com os objetivos e as necessidades de seu grupo.
O controle, para o caso da Administração Pública, pode ser definido como a atribuição de
vigilância, orientação e correção de certo órgão ou agente público sobre a atuação de outro ou
de sua própria atuação.
Essas atribuições poderão ser exercidas para confirmar (se o ato for legal, conveniente, oportuno
e eficiente) ou para desfazer o ato (se não for legal, conveniente, oportuno e eficiente).
~ 27 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

No primeiro caso tem-se o heterocontrole (confirmar algo como um processo, resultado etc, ao
atender requisitos como os de qualidade = controle externo); no segundo, o autocontrole
(desfazer = controle interno. A Figura 15 indica as relações entre níveis de atuação e funções
(subsistemas organizacional: Quadro 2) da administração e as funções que ela desempenha nos
correspondentes subsistemas.

Figura 15 Relações entre funções,(com seus elementos, da administração

Figura 16 Relações entre níveis de atuação e as funções da administração


~ 28 ~
Material para fins didático

As habilidades e competências nos processos de controle nos diversos níveis da administração


podem ser exercidas tanto na execução de operações (nos três níveis) como no realizar e executar,
conforme se ilustra na Figura 17.

Figura 17 Relações entre níveis de atuação e competências - habilidades

1.1.2 Propósitos da Administração


O estudo e aplicação criteriosa da administração têm vário propósitos, entre outros:
a) Melhorar o modo como às organizações são administradas; melhoria que poderá ter diversas
fontes e meios, destacando-se a interação entre todos os recursos dentro das organizações.
b) Evitar (eliminar, reduzir aos níveis toleráveis?...) o desperdício de tempo na realização de
operações.
c) Evitar perdas, falências etc.
d) O reflexo positivo do desempenho das organizações nas quais certos objetivos só podem ser
alcançados por meio da ação coordenada de grupos de pessoas, por processos orientados com
base em teorias da administração. Teorias como:
d.1) Conhecimentos descritivos: A teoria descritiva da administração é baseada em explicações ou
interpretações das organizações e do processo administrativo, com o objetivo de entender as
organizações e os administradores, para poder explicá-los.
d.2) Conhecimentos prescritivos. A teoria prescritiva da administração se propõem a recomendar o
que fazer, indicando soluções ou determinando quais decisões devem ser tomadas; oferece
alternativas de soluções ou técnicas para resolver problemas e auxiliar os gerentes a administrar
as organizações. Este conhecimentos compreendem duas categorias: os conhecimentos
~ 29 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

doutrinários ou declarações de princípios ou valores (orientar julgamentos) para definirem o que


é importante e onde a atenção deve estar concentrada; e os conhecimentos técnicos ou soluções
para problemas específicos como os de estudar a eficiência de um processo ao tratar tempos e
movimentos.

1.1.3 Categorias da Administração


Os diversos (multidisciplinaridade) e integrados (interdisciplinaridade) conhecimentos que
compõem a teoria geral da administração para gerar um resultado (transdisciplinar) agrupam-se em
três categorias principais:
a) Enfoque ou abordagem: aspecto particular da organização ou de um processo administrativo
selecionado que estuda e gera dados para informações de novos conhecimentos. Essas
abordagens podem ser com enfoques sistêmico, humanístico, social ou comportamental, entre
outros que são apresentados – discutidos neste curso.
b) Escola. Conjunto de autores que utilizam o mesmo enfoque ou escolheram o mesmo aspecto
específico para analisar ou adotaram a mesma linha de raciocínio teórico (preferência por
determinado aspecto, uma perspectiva ou maneira particular de observar e analisar as
organizações, os administradores e o processo administrativo).
Pode expressar, também, autores com diversos enfoques, que nunca se encontraram ou viveram
em épocas e locais diferentes, mas que compartilham um interesse ou ponto de vista, ou que é
possível associar em função de algum critério como, por exemplo, a escola das relações
humanas no trabalho que congrega autores e adeptos do enfoque humanístico; enquanto o
movimento da administração científica também pode ser associado a uma escola, a escola da
eficiência e da racionalização do trabalho.
Conforme seja a perspectiva o enfoque da abordagem pode se transformar em escola: o enfoque
da qualidade focaliza a satisfação do cliente, enquanto a escola da qualidade compreende todos
os autores associados a esse enfoque. Uma escola, em resumo, abriga aqueles que aceitam
determinada doutrina.
c) Modelo de gestão ou de administração; conjunto de doutrinas e técnicas do processo
administrativo, com frequência associadas a uma base cultural como o modelo japonês de
administração.
O modelo de organização resulta da utilização de determinadas doutrinas e técnicas como é o
modelo burocrático de organização que explica tanto as empresas que seguem o modelo japonês
quanto as que seguem o modelo americano ou o modelo brasileiro.
O Quadro 3 sintetiza aspectos e autores dos conceitos enfoque, escola e modelo.

1.2 Definições e Fundamentos da Administração Pública


Afirma-se, em várias referências, que a Administração Pública não tem uma definição
geralmente aceita e/ou satisfatória, dada a abrangência e o discutível (controverso) de assuntos tratados
por ela, sendo mais fácil explica-la do que defini-la.
~ 30 ~
Material para fins didático

Quadro 3 Características dos conceitos enfoque escola e modelo em administração


ENFOQUE PRINCIPAIS
ASPECTOS ENFATIZADOS
ESCOLA MODELO AUTORES

Escola clássica, modelo


tradicional de Administração cientifica, processo Taylor, Ford, Fayol,
organização e administrativo, burocracia Weber.
administração

Definição de administração, papel dos


Processo administrativo Fayol, Follett, Barnard.
gerentes.

Organização racional do trabalho,


engenharia da eficiência, métodos
Administração cientifica Taylor, Gilbreth, Gantt.
científicos para estudar e aprimorar o
trabalho

Definição de autoridade, natureza e


Burocracia Weber, Blau, Etzioni
estrutura das organizações formais

Relações humanas no Sistema social, diferenças individuais, Mayo, Lewin, Maslow,


trabalho comportamento humano no trabalho McGregor.

Organizações como conjuntos de partes


Enfoque sistêmico interdependentes, todos e totalidade, Wiener e Bertalanffy.
organização e ambiente

Organização e ambiente, eficácia (...);


compreende as cinco funções da
Administração estratégica Mintzberg
administração para a empresa
dinamizar

Sistema da qualidade, administração da Feigenbaum, Ishikawa,


Qualidade total
qualidade total. Juran, Deming.

Qualidade total, eficiência produção Deming, Juran, Toyoda,


Modelo japonês
enxuta. Ohno, Ishikawa.

Do ponto de vista acadêmico e de acordo com o Centro Nacional para Estatísticas da Educação
(NCES) nos Estados Unidos, define-se o estudo da Administração Pública como um programa que
~ 31 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

prepara as pessoas, - administradores, para servir como gestores em âmbitos executivos locais,
estaduais e federais; estudos que compreendem: 7
a) aspectos sistemáticos de organização e da gestão executiva com instrução de funções,
desenvolvimentos e princípios da Administração Pública, de gestão de políticas públicas;
b) relações entre Executivo e Legislativo;
c) processos públicos orçamentais e de gestão financeira;
d) direito administrativo;
e) gestão de pessoal público;
f) ética para profissional da Administração Pública;
g) métodos de pesquisa na Administração Pública.
De acordo com a acepção da Encyclopædia Britannica, a Administração Pública, considera, com
frequência, responsabilidades na determinação de políticas públicas e programas de governo;
especificamente, o planejamento, organização, direção, coordenação e controle de operações
[processos] do governo. É uma característica de todas as nações, independentemente da seu sistema de
governo. A Administração Pública, dentro das nações, é praticada nos níveis central, intermediário e
local (...) as relações entre os diferentes níveis de governo dentro de uma nação constituem um
problema crescente da Administração Pública.

1.2.1 Administração Pública em vários sentidos, vertentes e natureza


Os sentidos podem ser:
a) Formal, subjetivo ou orgânico = conjunto de entes que tem a incumbência de exercer uma das
funções do Estado como, por exemplo, a função administrativa = órgãos instituídos para
alcançar os objetivos do governo.
b) Material, objetivo ou funcional = designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes
(pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos); expressa o sentido como função administrativa
exercida, entre outros, pelo Poder Executivo = o conjunto das funções necessárias aos serviços
públicos em geral;
c) Operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do
Estado (QUAIS? POR QUE?...) ou por ele assumidos em benefício da coletividade (BEM
COMUM?...).
As vertentes de SERVIR E EXECUTAR e de DIREÇÃO OU GESTÃO para se alcançar um
resultado de utilidade coletiva (PENSAR NO MEIO AMBIENTE, NA RESPONSABILIDADE DA
ADMINISTRAÇÃO... nessas vertentes).

7 Fonte: Administração pública. Disponível em: < http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-


BR&langpair=en%7Cpt&u=http://en.wikipedia.org/wiki/Public_administration>. Acesso em: 13 de março de
2012.
~ 32 ~
Material para fins didático

As vertentes, no contexto da Administração Pública, podem ser objetiva (material ou funcional)


e subjetiva (formal ou orgânico). São contextos que tem sido utilizados, - no direito administrativo,
para analisar (e ainda, definir) a Administração Pública, quando, no sentido formal = quem executa a
vontade estatal / a estrutura orgânica criada formalmente para executar = entidades políticas e
administrativas, compostas de órgão públicos e agentes públicos, isto é, o conjunto de órgãos
instituídos para consecução dos objetivos do Governo. Em sentido material, é o conjunto das funções
necessárias aos serviços públicos em geral.
A administração, na acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico,
dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Dessa forma e
dentro de uma visão global, a Administração é todo o aparelhamento do Estado preordenado à
realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.
A materialização da forma de Estado brasileiro na composição da Administração Pública pode
ser Direta ou centralizada. É formada pelos entes políticos ou federados juntamente com seus órgãos
públicos e agentes públicos = União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com características das
entidades federativas: possuem autonomia político-administrativa e são pessoas jurídicas de direito
público interno
As competências administrativas de cada uma das entidades federativas são estabelecidas pela
Constituição e por critérios de interesses: nacionais, regionais e locais. Tais entidades podem da
Administração Pública direta ou centralizada podem:
a) desconcentrar as suas atividades criando órgãos públicos para si próprias;
b) estabelecer uma estrutura de descentralização administrativa, criando outras pessoas jurídicas
para executar atividades que lhe serão repassadas com titularidade;
c) delegar a terceiros não integrantes da Administração Pública o exercício da atividade
administrativa.
Direta = exercida pela administração por meio dos órgãos internos; constitui-se dos serviços
integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.
Na outra vertente, encontra-se a administração pública indireta ou descentralizada formadas por
uma série de pessoas jurídicas que necessitam serem criadas pela entidade federativa.
A União cria a sua administração indireta e, em consonância ao princípio da simetria, todos os
demais entes também têm a competência exclusiva de criar a sua própria estrutura; Indireta =
atividade estatal delegada (a delegada é dotada de personalidade jurídica própria); são entidades,
tais como:
a) Autarquia: entidade a desempenhar serviço autônomo, criada por lei, com patrimônio e receita
próprios, para executar atividades peculiares e com personalidade jurídica própria; entidades
que exigem, em seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.
Podem ser: autarquias comuns e autarquias especiais como agências reguladoras e agências
executivas Algumas características das autarquias:
a.1) pessoa jurídica de direito público;
a.2) desempenham atividades administrativas típicas;
~ 33 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

a.3) criação por lei específica, independe de registro para serem constituídas;
a.4) submetem-se a um regime jurídico administrativo e gozam de prerrogativas processuais como
as de prazos (quádruplo para contestar, em dobro para recorrer); pagamentos (custas somente ao
final, quando for vencida); dispensa de mandatos de procurador; e livre de falência, entre outras;
a.5) seus bens são considerados bens públicos (podem ser alienáveis nos termos e condições legais,
imprescritíveis e impenhoráveis)
b) Empresa Pública: entidade dotada de direito privado e com personalidade jurídica própria,
patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade
econômica a desenvolver por força de contingência (QUAIS? EXEMPLIFICAR) ou de
conveniência administrativa (QUAIS? EXEMPLIFICAR) podendo revestir-se de qualquer das
formas admitidas em direito.
b.1) Sociedades de Economia Mista; a entidade de direito privado e com personalidade jurídica
própria, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade
anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da
Administração Indireta. Se a atividade for submetida a regime de monopólio estatal, a maioria
acionária caberá à União, em caráter permanente.
b.2) Fundações Públicas; entidade de direito privado e com personalidade jurídica própria, sem
fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de
atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia
administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento
custeado por recursos da União e de outras fontes. São entidades que requerem inscrição da
escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas (EXEMPLIFICAR
COM ALGUNS CASOS).
O Quadro 4 resume as principais diferenças entre as entidades que prestam serviço público e
desempenham atividades econômica e entre as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

1.3 Princípios da Administração Pública


O conceito de princípio que se repete no texto e destaca na Administração Pública deve ser
entendido como elemento de interpretação das demais normas e como caminho a ser seguido para
eliminar lagunas e oferecer coerência e harmonia no ordenamento.
A Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil, notadamente no que diz respeito à
Administração Pública, prestigiou o setor público com a introdução de um capítulo a ele destinado.
Nesse capítulo foram estabelecidos cinco princípios a serem observados nas três esferas de Governo.
Portanto, estão submetidos a esses princípios a Administração direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e as Autarquias, Fundações Públicas,
Agências reguladoras e executivas, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Esses
princípios são:
~ 34 ~
Material para fins didático

Quadro 4 principais diferenças entre as entidades que prestam serviço público e desempenham
atividades econômica e entre as empresas públicas e as sociedades de economia mista a

Prestação de serviços públicos Exploração de atividade econômica

Submetem-se à licitação, mas nos termos da leia: o


estatuto da empresa disporá acerca das regras de
licitação e contratação, respeitados os princípios
Submetem-se integralmente às normas de da Administração Pública (eficácia limitada).
licitação da lei.
Nos casos de atividades-fim das empresas estatais
Os bens são privados (controvertido: se os exploradoras de atividade econômica a licitação
bens forem empregados na prestação do não é obrigatória.
serviço público são considerados bens
públicos. Os bens são considerados privados
Submetem-se a responsabilidade civil objetiva. Não se submetem a responsabilidade civil objetiva,
mas podem ser responsabilizados objetivamente
como no caso de danos ao consumidor e danos
ambientais.

Empresas Públicas Sociedades De Economia mista

Composição do capital: totalmente público,


desde que a maioria do capital votante
permaneça de propriedade da entidade Composição do capital: misto (o Estado tem
federativa, será admitida na empresa pública participação majoritária), mas as ações com
a participação de outra pessoas jurídicas de direito a voto pertençam em sua maioria à
direito público interno, bem como de entidade federativa ou a entidade da
entidades da Administração Indireta da Administração Indireta;
União Estados, DF e Municípios) Forma de constituição societária: apenas sob a
Forma de constituição societária: a empresa forma de sociedade anônima
pública pode assumir qualquer forma
admitida em direito como LTDA, S/ª...
a
Fonte: A administração pública. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/5577011 (...) >. Acesso em: 12 de março de
2012.

a) Legalidade = fundamento do Estado democrático de direito, tendo por fim combater o poder
arbitrário do Estado; os conflitos devem ser resolvidos pela lei e não mais através da força. O
conceito de “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei” representa, simultaneamente, um limite da atuação do Poder Público, visto que este só
poderá atuar com base na lei e uma garantia ao administrador, visto que só deverá cumprir as
exigências do Estado se estiverem previstas na lei. Se as exigências não estiverem de acordo com
a lei as ações serão inválidas e, portanto, estarão sujeitas a um controle do Poder Judiciário; o
~ 35 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

administrador não pode fazer o que bem entender na busca do interesse público: tem que agir
segundo a lei, só podendo fazer aquilo que a lei expressamente autoriza e no silêncio da lei esta
proibido de agir. Já o administrado pode fazer tudo.
a) Impessoalidade = A Administração deve manter-se numa posição de neutralidade em relação aos
administrados; implica a proibição de estabelecer discriminações gratuitas, com exceção das que
sejam justificadas em razão do interesse coletivo, pois as gratuitas caracterizam abuso de poder e
desvio de finalidade (ilegalidade). Essa posição de neutralidade deve ser observada em
a.1) no ingresso na Administração Pública: o administrador não pode contratar quem quiser, mas
somente quem passar no concurso público, respeitando a ordem de classificação; contudo, o
concurso pode trazer discriminações, mas não gratuitas, devendo assim estar relacionada à
natureza do cargo;
a.2) na contratação de serviços ou aquisição de bens; o administrador só poderá contratar através de
licitação; o edital de licitação pode trazer discriminações, mas não gratuitas;
a.3) na liquidação de seus débitos; a Administração tem que respeitar a ordem cronológica de
apresentação dos precatórios para evitar privilégios; se for quebrada a ordem pode gerar
sequestro de verbas públicas, crime de responsabilidade e intervenção federal; a exceções como
as de créditos de natureza alimentar e pagamentos devidos pela Fazenda (...) em virtude de
sentença judicial.
c) Moralidade = A Administração deve atuar com moralidade, isto é, de acordo com a lei; trata-se
de um princípio que integra o conceito de legalidade para concluir que ato imoral é ato ilegal, ato
inconstitucional e, portanto, o ato administrativo estará sujeito a um controle do Poder Judiciário.
A lei prevê instrumentos combater a imoralidade dos atos administrativos, tais como: a Ação
Civil Pública promovida por pessoa jurídica; e a Ação Popular promovida por pessoa física que
esteja no pleno exercício dos direitos políticos. Exemplos de imoralidade administrativa:
improbidade administrativa como as de enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário, atentado
contra princípios da administração, fraude à licitude de concursos, crime de responsabilidade
d) Publicidade = a Administração tem o dever de manter plena transparência de todos os seus
comportamentos, inclusive de oferecer informações que estejam armazenadas em seus bancos de
dados, quando sejam solicitadas, em razão dos interesses que ela representa quando atua. Há
exceções como:
d.1) determinadas informações que deverão permanecer em sigilo;
d.2) informações que comprometam o direito a intimidade das pessoas (“são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”);
d.3) “habeas data” = informação pessoal de meu interesse privado (...); mandato de segurança etc.
c) Eficiência ( ver nota de rodapé 1) = A Administração deve buscar o aperfeiçoamento na
prestação dos serviços públicos, mantendo ou melhorando a qualidade dos serviços, com
economia de despesas: qualidade nos serviços + racionalidade de gastos.
d) Outros princípios previstos da Administração Pública, tais como:
~ 36 ~
Material para fins didático

d.1) Isonomia ou igualdade formal = constituem objetivos fundamentais (...): promover o bem de
todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e qualquer outras formas de
discriminação”; “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” “São
direitos dos trabalhadores: Proibição de diferença de salário, de exercício de funções e de critério
de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”
d.2) Motivação = A Administração está obrigada a motivar todos os atos que edita, até mesmo os
atos discricionários (aqueles que envolvem juízo de conveniência e oportunidade), pois quando
atua representa interesses da coletividade.
No Estatuto do servidor público da União consta o duplo significado de motivas: o ato de
imposição de penalidade sempre mencionará o fundamento legal e causa da sanção disciplinar
para àquela situação concreta. A falta de motivação leva à invalidação e à ilegitimidade do ato.
d.3) Autotutela = A Administração tem possibilidade de revisar (rever) seus próprios atos, devendo
anulá-los por razões de ilegalidade (quando nulos) e podendo revogá-los por razões de
conveniência ou oportunidade (quando inoportunos ou inconvenientes).
d.4) Continuidade da Prestação do Serviço Público = a execução de um serviço público não pode
vir a ser interrompida; é o caso, por exemplo, de greve dos servidores públicos não pode implicar
em paralisação total da atividade, caso contrário será inconstitucional.
d.5) Razoabilidade = o Poder Público está obrigado, a cada ato que edita, a mostrar a pertinência
(correspondência) em relação à previsão abstrata em lei e os fatos em concreto que foram
trazidos à sua apreciação; um princípio que tem relação com o princípio da motivação.
Se não houver correspondência entre a lei o fato, o ato não será proporcional como, por exemplo,
o servidor que chegou atrasado no serviço; embora nunca tenha faltado, o administrador, por não
gostar dele, o demitiu; há previsão legal para a demissão, mas falta correspondência para com a
única falta apresentada ao administrador.
Pela importância do assunto, transcreve-se, na parte que segue, o Título VII da Constituição,
com destaque dos princípios da Administração Pública (complementados).
Destacam-se, também partes do texto, tanto em itálico como em negrito. Estas são formas, além
de realce colorido, de chamar a atenção em determinados trechos dada a conotação ou importância de
seu conteúdo.
O aluno observará que se repetem conceitos, definições, ideias, assuntos (...) e isso não é
descuido, mas tem um propósito deliberado, ... facilitar a aprendizagem pela reprodução e diversidade
de contextualizações desses conceitos, definições (...).

Capítulo VII - Da Administração Pública


Seção I - Disposições Gerais
Art. 37. A Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de:
~ 37 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Legalidade = o agente público deverá agir em conformidade com a Lei, fazendo


estritamente o que esta determina: legalidade estrita. Diferentemente do particular,
a quem é lícito fazer tudo o que a Lei não proíbe (por exclusão, portanto), o
Destaque não consta no texto citado

servidor pode e deve agir exatamente conforme previsto em lei, limitando, assim,
a sua autonomia
Impessoalidade = o agente público deve ter sua conduta orientada para (e conforme)
o interesse público, em detrimento de interesses particulares, próprios ou de
terceiros, sob pena do ato ser caracterizado pelo desvio de finalidade = ato nulo;
os que estiverem em situações idênticas devem receber o mesmo tratamento =
isonomia.
Moralidade = percebida no comportamento do “bom” administrador. Diante de
alternativas, escolhe aquela que resultará em maior ganho para a coletividade; é
característica, portanto, dos atos praticados com legitimidade. Vale ressaltar que
algumas obras, apesar de legais na observância das regras de licitação e de direito
financeiro, podem ser imorais, por não representarem o interesse público.
Publicidade = requisito de eficácia, do que produz efeito positivo do ato
administrativo e deve ser levados ao conhecimento público: informar para
comunicar, tais como resumo de contratos celebrados ou atos de nomeação de
pessoal. Apenas os atos classificados como secretos ou reservados podem deixar
de ser publicados.
Eficiência = relaciona-se com o “modus operandi” ao estabelecer, por exemplo, o
uso adequado (criteriosos) de insumos em determinado processo

Também, aos seguintes princípios:


I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os
requisitos estabelecidos em lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por
igual período;
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em
concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre
novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira;
V - os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos, preferencialmente, por
servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições
previstos em lei;
VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar;
~ 38 ~
Material para fins didático

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de
deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público;
X - a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre
servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data;
XI - a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos
servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes,
os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do
Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus
correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os
valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito;
XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser
superiores aos pagos pelo Poder Executivo;
XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de vencimentos, para o efeito de remuneração de
pessoal do serviço público, ressalvado o disposto no inciso anterior e no art. 39, § 1º;
XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem
acumulados, para fins de concessão de acréscimos ulteriores, sob o mesmo título ou idêntico
fundamento;
XV - os vencimentos dos servidores públicos, civis e militares, são irredutíveis e a remuneração
observará o que dispõem os arts. 37, XI, XII, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver
compatibilidade de horários:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos privativos de médico;
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, empresas
públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo poder público;
XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de
competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da
lei;
XIX - somente por lei específica poderão ser criadas empresa pública, sociedade de economia
mista, autarquia ou fundação pública;
XX - depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades
mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa
privada;
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações
serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições
~ 39 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas


as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências
de qualificações técnicas e econômicas indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações.
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá
ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes,
símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores
públicos.
§ 2º A não-observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da
autoridade responsável, nos termos da lei.
§ 3º As reclamações relativas à prestação de serviços públicos serão disciplinadas em lei.
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda
da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,
servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvados às respectivas ações de
ressarcimento.
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Art. 38. Ao servidor público em exercício de mandato eletivo aplicam-se as seguintes
disposições:
I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo,
emprego ou função;
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe
facultado optar pela sua remuneração;
III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as
vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo,
e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;
IV - em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato eletivo, seu tempo de
serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto para promoção por merecimento;
V - para efeito de benefício previdenciário, no caso de afastamento, os valores serão
determinados como se no exercício estivesse.
Seção II - Dos Servidores Públicos Civis
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua
competência, regime jurídico único e planos de carreiras para os servidores da Administração
Pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
§ 1º A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos para
cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos
~ 40 ~
Material para fins didático

Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e


as relativas à natureza ou ao local de trabalho.
§ 2º Aplica-se a esses servidores o disposto no art. 7º, IV, VI, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI,
XVII, XVIII, XIX, XX, XXII, XXIII e XXX.
Art. 40. O servidor será aposentado:
I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrentes de acidente em
serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei,
e proporcionais nos demais casos;
II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de
serviço;
III - voluntariamente:
a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se mulher, com proventos integrais;
b) aos trinta anos de efetivo exercício em funções de magistério, se professor, e vinte e cinco, se
professora, com proventos integrais;
c) aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco, se mulher, com proventos
proporcionais a esse tempo;
d) aos sessenta e cinco anos de idade, se homem, e aos sessenta, se mulher, com proventos
proporcionais ao tempo de serviço.
§ 1º Lei complementar poderá estabelecer exceções ao disposto no inciso III, a e c, no caso de
exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.
§ 2º A lei disporá sobre a aposentadoria em cargos ou empregos temporários.
§ 3º O tempo de serviço público federal, estadual ou municipal será computado integralmente
para os efeitos de aposentadoria e de disponibilidade.
§ 4º Os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre
que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos
inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em
atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou
função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei.
§ 5º O benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos
do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o disposto no parágrafo
anterior.
Art. 41. São estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de
concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em
julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa.
§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o
eventual ocupante da vaga reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização,
aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade. § 3º Extinto o cargo ou declarada
~ 41 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade remunerada, até seu


adequado aproveitamento em outro cargo.
Administração Pública = todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus serviços,
visando à satisfação das necessidades coletivas.
Nas organizações públicas encontram-se assuntos comuns da administração; pontos de
convergências entre a Administração Pública e a administração privada. Organizações com problemas
a resolver com os objetivos a alcançar; atividades a realizar; recursos a utilizar (...); decisões a tomar.
Assuntos como:
1) Recursos Humanos: As ilustrações a seguir solicitam do aluno uma profunda reflexão após
estudo analítico, complementação, discussão em grupo (...) (Fonte: Presidência da República-
Secretaria de Administração, Diretoria de Gestão de Pessoas, 2012; simplificada).
A redemocratização do País e a globalização impuseram aumento de demandas sociais e a
consequente necessidade do Estado em supri-las; isto acarretou a busca de um novo modelo de gestão
de pessoas (os chamados recursos humanos), com propósitos como os de eficiência e participação da
sociedade, pois o modelo burocrático se apresentava insuficiente para atender a nova realidade.
Desenvolver uma área de gestão de pessoas com mais eficiência e eficácia como um ponto estratégico.
REPETINDO (ver nota de rodapé 1) Eficiência = fazer certo a coisa; preocupação com o meio;
ênfase em métodos e procedimento; cumprir regulamentos; treinar e aprender; saber trabalhar e ser
pontual no trabalho; usar método de trabalho (...). Eficácia = fazer a coisa necessária; preocupação
com os fins; ênfase em objetivos e resultados; atingir metas e objetivos; saber e conhecer; ganhar;
alcançar resultados (...). São conceitos de interesse (?) tanto para a Administração Pública como para
a administração privada: comuns.
~ 42 ~
Material para fins didático
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

3º. PILAR: GESTÃO POR


COMPETÊNCIAS
Bases teóricas:
Alinhar desempenho das
pessoas aos resultados
institucionais. Tornar a gestão
ESTRATÉGICA. Otimizar
investimentos no
desenvolvimento das pessoas.
Simplificar e transparência.
Maior comprometimento de
chefes e servidores na gestão
de pessoas. Orientar a
programação, execução e
avaliação de capacitação e
desenvolviemento profissional
e institucional (...).
~ 44 ~
Material para fins didático
~ 45 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Atividade Financeira: Toda ação que o


Estado desenvolve para obter, gerir e
aplicar os recursos necessários para
satisfazer as necessidades da coletividade e
realizar seus fins.
2) Finanças Públicas. Pesquisa Ingressos públicos: Entradas que não se
documental, pense, reflita e responda: A alocação incorporam ao patrimônio público de
(restituíveis), como são: fianças, cauções e
recursos (financeiros, econômicos...) determinada
empréstimos públicos.
pelo mercado livre é desejável na perspectiva Receitas públicas: entradas de dinheiro nos
social, ambiental (...)? Existe espaço para que a cofres públicos, que se incorporam ao
patrimônio do Estado, são irrestituíveis.
Receitar originárias: as que provem do
patrimônio do Estado
Receitas derivadas
Receitas TRIBUTÁRIAS: como impostos,
taxas, contribuições, empréstimos
compulsórios etc.
~ 46 ~
Material para fins didático

intervenção do Estado (a brecha das Finanças Públicas) melhore a vida das pessoas?
Interprete as seguintes funções do Estado: alocativa: provisão de bens públicos (?)/forma de ação;
distributiva: repartição de renda mais adequada (?) que aquela que o mercado faria/forma de gestão;
estabilizadora: políticas de estabilização de preços e emprego/ forma de arte, habilidade;
desenvolvimento: crescimento com alterações estruturais e elevação do padrão de vida da sociedade
como um todo/ forma de ciência (ver essas formas no Quadro 1).
~ 47 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública
~ 48 ~
Material para fins didático

O que é TRIBUTO? Todo valor em dinheiro,


pago pela pessoa, conforme a lei que o
criou, para atender às atividades próprias do
Estado. O tributo se caracteriza: a)
compulsório; b) não constitui sanção de ato
ilícito; c) instituído em lei; d) cobrado
mediante atividade administrativa
vinculada.
Que é IMPOSTA? Tributo pago pelo
cidadão, em dinheiro, arrecadado pela
União, pelo Estado, Distrito Federal e
Municípios, para atender às necessidades
públicas, sem a obrigatoriedade de
retribuição direta àquele que paga.
Exemplos: Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços – ICMS, Imposto
de Renda – IR, Imposto Predial e Territorial
Urbano – IPTU.
Que e TAXA? Tributo pago por um serviço
que o cidadão utiliza ou está à sua
disposição e que gera despesa para o poder
público, como, por exemplo, coleta de lixo
e licença para funcionamento.
~ 49 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

3) Administração de Materiais: exemplificado apenas um conceito e, ainda, em termos


mínimos.

Dest
aca-
se,
na
admi
nistra
ção
de
comp
ras
de
mate
riais,
o
conc
eito
de
LICI
TAÇ
ÃO
=
seleç
ão da
prop
osta
mais
vanta
josa para o contrato de seu interesse; busca, além dessa vantagem, propiciar as mesmas oportunidades
aos que desejam contratar com o Poder Público. Alguns princípios da Licitação: legalidade;
moralidade e probidade administrativa; igualdade e impessoalidade; publicidade; vinculação ao
instrumento convocatório; julgamento objetivo; adjudicação compulsória ao vencedor. São
modalidades de licitação: concorrência; tomada de preços; convite; concurso; leilão; pregão e pregão
eletrônico.
~ 50 ~
Material para fins didático

4) Contabilidade. A contabilidade pública possui critérios, normas e conceitos próprios que a


regem, com algumas peculiaridades e estabelecem diferenciações de outras formas contáveis. O
Quadro 3 sintetiza características da contabilidade pública e da contabilidade empresarial.

Quadro 3. Características gerais da contabilidade pública e da contabilidade empresarial–geral a

CONTABILIDADE PÚBLICA CONTABILIDADE EMPRESARIAL


(GERAL)

Maior liberdade – além das normas que a


Natureza conservadora: registro dos atos e
regem, baseia-se em consenso da classe
fatos baseados em normas legais.
contábil.

Regime contábil misto: caixa para receitas e Regime contábil de competência para as
competência para as despesas; há exceções. receitas e despesas.

Objetiva apurar lucro, com exceção para as


Não apura lucro, mas déficit ou superávit.
entidades sem fins lucrativos.

Demonstra no resultado geral do exercício e na Em princípio, na Demonstração do Resultado


Demonstração das Variações Patrimoniais – do Exercício – DRE, o resultado é apurado
DVP, toda e qualquer alteração no mediante comparação entre receitas e
patrimônio, inclusive fatos meramente despesas, não envolvendo contas
permutativos. patrimoniais.

Acompanha e registra a execução orçamentária Não registra a execução dos orçamentos, pois
(art. 85, da Lei nº 4.320/64). trata-se de atos administrativos.

Os bens móveis de almoxarifado são avaliados


Os bens móveis de almoxarifado podem ser
pelo preço médio ponderado das compras e
avaliados pelo PEPS, UEPS, Preço Médio
são classificados no ativo permanente ou não
Ponderado Móvel ou Fixo e são classificados
financeiro (art. 106, inciso III, da Lei nº
no ativo circulante do balanço patrimonial.
4.320/64).

A reavaliação é facultativa – geralmente é


A reavaliação é facultativa – na prática não é realizada,
realizada (art. 106, § 3º, da Lei nº 4.320/64).
em especial pelas S/A.

A depreciação é prevista somente para


A depreciação é facultativa – geralmente as
Autarquias e Outras Entidades (art. 108, § 2º
empresas realizam, pois é vantajoso em
da Lei nº 4.320/64) - na prática não é
função dos tributos.
realizada.

Na União possui sistema único, integrado, Os sistemas de controle e registros contábeis


informatizado e padronizado para fins de não são padronizados, geralmente são
~ 51 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

registro dos atos e fatos contábeis – SAIFI. adquiridos no mercado ou elaborados pela
própria empresa.

As receitas e as despesas devem ser incluídas


As receitas e as despesas, para serem
na apuração do resultado do período em que
consideradas arrecadadas e executadas,
ocorrerem, sempre simultaneamente quando
respectivamente, passam por diversas fases
se correlacionarem, independentemente de
ou estágios. Receitas (previsão, lançamento,
recebimento ou pagamento (art. 9º da Res. Nº
arrecadação e recolhimento) despesas
750, do Conselho Federal de Contabilidade –
(fixação empenho, liquidação e pagamento).
CFC).

O exercício social terá duração de 1 (um) ano e


a data do término será fixada no estatuto (art.
Exercício financeiro – coincide com o ano civil 175 da Lei nº 6.404/76). Na constituição da
e vai de 1º de janeiro a 31 de dezembro (art. companhia e nos casos de alteração
34 da Lei nº 4.320/64). estatutária o exercício social poderá ter
duração diversa (Parágrafo único do art. 175
da Lei nº 6.404/76).

Quadro 3 Características gerais da contabilidade pública e da contabilidade empresarial – geral a

CONTABILIDADE PÚBLICA CONTABILIDADE EMPRESARIAL


(GERAL)

Possui quatro sistemas contábeis As contas são registradas em um só sistema,


independentes: orçamentário, financeiro, envolvendo contas patrimoniais e de
patrimonial e de compensação. Os débitos e resultado. As contas patrimoniais não se
créditos são escriturados dentro de cada misturam com as de resultado na apuração e
sistema. Exemplo, quando houver débito em demonstração do resultado do exercício -
uma conta do sistema patrimonial, haverá um DRE. Nos lançamentos contábeis existem
ou mais créditos correspondentes dentro do registros simultâneos de contas de resultado e
mesmo sistema patrimonial.

Registra a formalização de convênios,


Em princípio não registra contratos, garantias,
contratos, avais, garantias, etc. no sistema de
avais, etc. apenas evidencia em notas
compensação. São as contas de controle (art.
explicativas.
87 da Lei nº 4.320/64).

Classifica-se como material permanente


Classifica como material permanente os bens
somente aquele com vida útil estimada
destinados à manutenção das atividades da
superior a dois anos (art. 15, § 2º, da Lei nº
empresa, ou exercidos com essa finalidade.
4.320/64).

Seu objeto é o patrimônio e o orçamento,


O objeto é apenas o patrimônio das entidades
exceto os bens de uso comum (praças,
(pessoas físicas e jurídicas).
estradas, rios, mares etc.).
~ 52 ~
Material para fins didático

a
Fonte: Diversas

5) Orçamento.
Parte do ciclo
evolutivo que
compreende o
orçamento
público se
observa no
gráfico ao lado.
O Orçamento
público é um
instrumento de
planejamento
(Ministério de
Planejamento)
e de execução
das Finanças
públicas
relacionado
com a previsão das Receitas e a fixação das Despesas públicas. Sua natureza jurídica é considerada
como sendo de lei em sentido formal, ao conservar o caráter simplesmente autorizativo das despesas
públicas ali previstas. O orçamento contem as estimativas das receitas e as autorizações para
realização de despesas da Administração Pública direta e indireta em um determinado exercício, -
coincide com o ano civil.
Os instrumentos do planejamento (meio para se alcançar um fim) o ciclo de gestão –
competências e o sistema de Administração Pública são:
Nos instrumentos do planejamento se
destacam: a) o PPA = vigência 4 anos;
conteúdo: diretrizes, objetivos e metas
regionalizadas para despesas de capital
e despesas de programas de duração
continuada. Foco em prioridades do
Gov. Promoção da integração Plano e
Orçamento; b) a LDO = vigência
anual; conteúdo metas e prioridades;
orientação da execução do orçamento;
alteração da lei tributária; política de
aplicação financeira de fomento; c) a
LOA, anual com os orçamentos
fiscais, seguridade social e
investimento das Estatais.
~ 53 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

No ciclo de gestão-competências compreende


sete etapas de um processo com suas
correspondentes instituições que as
desenvolvem na transformação gerencial:

.
O sistema de administração
pública se relaciona tanto com o
ciclo de gestão (vários órgãos)
com conceitos maiores como, por
exemplo, com a
GOVERNABILIDADE e a
GOVERNANÇA. O primeiro, ao
reunir condições políticas,
conferidas pela sociedade ao
Estado e expressas nesses órgãos,
- os do ciclo de gestão e
competência, para o exercício de
governo. O segundo, o efeito da
harmonia, da efetividade (...) dos
sistemas da administração pública
que possibilitam ao Estado
formular e implementar suas
políticas para transformar em
resultado, em realidades (...) as
decisões políticas.

6) Prestação de Serviços. Simplificação do atendimento público prestado ao cidadão. Atendimento


Integrado; reunião de vários órgãos prestadores de serviços públicos, entidades da sociedade
civil e empresas prestadoras de serviços de natureza pública, num único.
Finalidade: estabelecer um novo paradigma no serviço público no que diz respeito ao padrão de
atendimento ao cidadão, oferecendo serviços públicos com eficiência, qualidade e rapidez.
Desafios: elevar o padrão dos serviços prestados aos Cidadãos mediante o aumento da
capacidade das organizações públicas para fornecerem os serviços desejados pelos cidadãos.
Ações – estratégias: investir em capacitação de servidores e em tecnologia para a prestação de
serviços com qualidade; mapear e simplificar processos que impactam negativamente na vida do
cidadão; avaliar sistematicamente o grau de satisfação do cidadão/usuário com o atendimento
recebido.
~ 54 ~
Material para fins didático

7) Atendimento ao Público. Paradigmas: Todo cidadão tem direito a um serviço público de


qualidade. Uma reclamação é (ou pode ser) a última oportunidade que um cidadão lhe dá para
que você possa melhorar os seus serviços.
Como pode ser avaliado o desempenho da Administração Pública federal? Análise reflexiva das
ilustrações que seguem permitem tiram algumas conclusões:
Problemas e desafios:
definir (acordar) e
institucionalizar o
Planejamento Estratégico;
escolher, testar, adequar e
implantar indicadores de
desempenho; vincular
resultados da avaliação de
desempenho aos programas de
capacitação e
desenvolvimento; manter
sinergia entre o Planejamento
Institucional e a Gestão de
Pessoas
Objetivos. As
referências de avaliação –
julgamento são os princípios e diretrizes gerais da Sistemática de Avaliação de Desempenho instituída
pela Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008, e regulamentada pelo Decreto nº 7.133, de 19 de março
de 2010. Avaliações e julgamentos orientados para promover a melhoria da qualificação dos serviços
públicos e subsidiar políticas como as de gestão de pessoas, principalmente quanto à capacitação,
desenvolvimento no cargo ou na carreira, remuneração e movimentação de pessoal condizentes com
planos como os de trabalho, metas institucionais (...).

Os Referencias teóricos são princípios e


diretrizes gerais da Sistemática de
Avaliação de Desempenho
Conceitos (definição): Define-se como
Avaliação de Desempenho o
monitoramento sistemático e contínuo da
atuação individual do servidor e
institucional dos órgãos e das entidades de
lotação dos servidores tendo como
referência as metas globais e
intermediárias destas unidades.
~ 55 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

8) Tecnologia de Informação;

Entre outros.

Há tendências que apontam, nas organizações públicas, incorporarem procedimentos, conceitos,


técnicas (...) há muito empregadas nas organizações privadas, uma vez que os desafios e problemas
organizacionais são, sob muitos aspectos, semelhantes entre esses dos setores, - público e privado.
Contudo, cabe destacar algumas características que tornam a Administração Pública diferente
(diferenciada) da administração privada, o que, por consequência, faz com que as formas de gestão
apresentem determinadas feições conforme se sintetiza no Quadro 4.
Administração Pública suas tarefas (parte do sentido objetivo), como atividade concreta ao
executar a vontade do Estado contida na Lei, expressão da comunidade através do voto no regime
democrático:

Quadro 4. Diferenciação entre a Administração Pública e a Administração Privada

CRITÉRIO ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ADMINISTRAÇÃO PRIVADA

Forma de obtenção de
recursos para funcionar a Receitas derivadas de Tributos como Receitas advindas de pagamentos
Organização, isto é, a impostos, taxas e contribuições; feitos por livre e espontânea
entidade social formada caráter compulsório, sem uma vontade por parte dos clientes
por pessoas, estruturada necessária contrapartida em termos (consumidores dos produtos e
e orientada para alcançar de prestação direta de serviços. serviços).
um objetivo comum.

Forma para caracterizar o O cidadão: membro da sociedade O cliente: indivíduo que manifesta
destinatário das ações que possuem direitos e deveres. suas escolhas no mercado.
empreendidas pela Interesses coletivos, sociais, Interesses particulares, privados,
~ 56 ~
Material para fins didático

organiza-ção ou natureza difusos. individualizados.


do interesse atendido

Formas para avaliar,


selecionar e aplicar Controle político, por meio de Controle pelo Mercado, através da
mecanismo de controle eleições periódicas dos concorrência com outras
do desempenho dos governantes. organizações.
dirigentes.

Tudo o que não está juridicamente


determinado está juridicamente Tudo o que não está juridicamente
proibido. proibido está juridicamente
Subordinação ao
facultado; preponderância de
ordenamento jurídico Princípio da Legalidade; normas de direito privado
existente. preponderância de normas de (contratual; direito civil e direito
direito público (direito comercial).
constitucional e administrativo).

Sobrevivência depende da
Garantia da sobrevivência Tempo de existência indeterminado: eficiência organizacional;
das organizações o Estado não vai à falência. competitividade acirrada no
mercado.

Decisões mais lentas, influenciadas Decisões mais rápidas, buscando


Características do por variáveis de ordem política. a racionalidade.
Processo de Tomada de
decisão Políticas Públicas de acordo com os Políticas Empresariais voltadas
programas de Governo. para objetivos de mercado.

Modo de criação,
Através de instrumento contratual
alteração ou extinção da Através de Lei
ou societário
pessoa jurídica.

a) Fomento: Incentivo à iniciativa de utilidade pública (subvenções, financiamentos, favores


fiscais); essa expressão tem a finalidade de buscar os meios e satisfazer necessidades dentro dos
fins do Estado, dentro de um regime jurídico, - o DIREITO PÚBLICO.
b) Polícia Administrativa: Compreende toda atividade de execução das chamadas limitações
administrativas;
c) Serviço Público: Toda atividade que a Administração Pública executa, diretamente, para
satisfazer a necessidade coletiva, sob regime jurídico preponderantemente público.
Administração Pública, como parte do sentido subjetivo, classifica-se como: direta (estrutura
administrativa da Presidência da República e dos Ministérios; órgãos de direção de direção,
consultivos e de execução); e indireta: através de entidades dotadas de personalidade jurídica própria,
~ 57 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

tais como: Autarquias; Empresas públicas; Sociedades de Economia Mista; Fundações públicas. A
prestação do serviço pode ser centralizada ou descentralizada.

A Administração Pública compreende todos os órgãos e agentes que, em qualquer dos poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário) e em qualquer dos entes políticos (União, Estados, Distrito
Federal ou Municípios), exerçam uma função peculiar do Estado ou legalmente o represente no
exercício de suas funções. O Estado constituído realiza os seus fins através de três funções peculiares
em que se reparte a sua atividade; a função legislativa está ligada aos fenômenos de formação do
direito, enquanto as outras duas, administrativa e jurisdicional, se prendem à fase do sua realização.
Legislar, administrar e julgar são três fases da atividade estatal, que se completam e que a
esgotam em extensão, com o exercício dessas funções distribuído pelos órgãos denominados Poder
Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. É de ressaltar que cada um desses órgãos não exerce,
de modo exclusivo, a função que nominalmente lhe corresponde, e sim tem nela a sua competência
principal ou predominante.
A Administração Pública compreende, também, os meios pelos quais, o povo, detentor do poder
constituinte desse Estado, pode regular o exercício da Administração ao seu fim primeiro que é o
interesse da coletividade; fim como o de estabelecer as diretrizes que regerão o desempenhar dos
trabalhos e a fiscalização dos mesmos pelos poderes e entes da administração, observando-se critérios
impostos pelo interesse público: ser eficiente e útil o agir da Administração Pública.
Dessa forma, qualquer ente estatal ineficiente e desnecessário ou qualquer atividade inoportuna
ou inconveniente ao interesse público deve ser modificada ou suprimida, ainda que legítima.
Modificada, se passível de tornar-se eficiente e útil. Suprimida, se inoportuna ou inconveniente, ou se
impossível de se tornar eficiente e útil. Ressalta-se como premissa, ainda a existência do controle
administrativo como corolário do Estado Democrático de Direito.
Destarte, a Administração Pública deve observar a ordem jurídica pertinente, atender ao
princípio da eficiência (entre outros a considerar no curso 200794) e, para tornar efetiva sua
submissão a esses vetores, o ordenamento prescreve mecanismos ou sistemas de controle de suas
atividades que podem ser utilizados em sua própria defesa e na defesa dos direitos e garantias dos
administrados. Por esses controles confirma-se ou desfaz-se a atuação da Administração Pública.
~ 58 ~
Material para fins didático

Confirma-se se legal, conveniente, oportuna e eficiente, e desfaz-se se ilegal, inconveniente,


inoportuna e ineficiente.

1.4 Síntese Histórica da Administração Pública


O ato ou processo (modelo ??) de gerir, reger ou governar negócios 8 sejam eles públicos ou
particulares – privados; a atividade de fazer as coisas com pessoas de maneira eficiente e eficaz; ou,
ainda, a tarefa de interpretar os objetivos propostos pela organização e transforma-os em ação
organizacional por meio do planejamento, organização, direção e controle de todos os esforços
realizados em todas as áreas e em todos os níveis da organização, a fim de alcançar certos objetivos
da maneira mais adequada à situação é um resultado HISTÓRICO E INTEGRADO DA
CONTRIBUIÇÃO CUMULATIVA DE NUMEROSOS PRECURSORES, FILÓSOFOS, FÍSICOS,
ECONOMISTAS, ESTADISTAS E EMPRESÁRIOS.
Um resultado desenvolvido ao longo da história e com a evolução do homem que pode ser
compreendido em períodos com diversas influencias.
I Período Inicial
Exemplificações de poucas civilizações e povos, em que se destacaram atividades com traços
administrativos.
Na Suméria há mais de 5.000 a.C, quando aquela civilização procurava melhorar a maneira de
resolver seus problemas práticos (por exemplo, na construção de canais de irrigação, barragens e
diques; construção de cidades como Ur (assombrosa maquina burocrática, pesada, minuciosa e de
infinitas ramificações; essa época ficará como a do estatismo mais avançado: por intermédio dessa
administração, a influência do palácio é onipresente...), Nipur (...), Lagash (...) e Eridu (...).
Inventaram a escrita cuneiforme em placas de barro com registros cotidianos, ADMINISTRATIVOS,
econômicos e políticos da época), exercitando, dessa forma, a arte de administrar.
Na Mesopotâmia (“terra entre rio”: Tigre e Eufrates / Oriente Médio = Iraque; uma das mais
antigas civilização). Na Babilônia: construíram suas cidades nas margens do rio Eufrates; responsáveis
por um dos primeiros códigos de leis, - Hamurabi = conjunto de leis para organizar e controlar a
sociedade; e Nabucodonosor II = conhecido por sua administração na construção dos Jardins
Suspensos da Babilônia para satisfazer sua esposa e a Torre de Babel. No Egito, onde agrupamentos
humanos desenvolveram atividades extrativistas e faziam a transição para atividades de cultivo

8
Ao longo do texto são utilizados diversos recursos, tais como: entre aspas "..." para: a) Comunicar o início e o
fim de uma citação ou transcrição (ABNT (2002: NBR 10520. b) Apresentar uma definição resumida ou
diferenciada (sentido distinto do literal). c) Destacar o significado incomum ou realçar a acepção não usual de
uma palavra ou de uma expressão como, por exemplo, “sistema” e “pensamento sistêmico”. d) Sobressair, do
texto, o título de uma obra. Outros recursos utilizados são: parêntesis para destacar expressões interpostas no
texto que agregam informações explicativas e/ou complementares; apresentar breves reflexões e comentários;
isolar ações intercaladas. O uso de três pontos é para expressar: um pensamento que transmite reticência de algo
por terminar ou que podia ser escrito; dessa forma, convida-se o aluno para completar a frase (pode ser sugerir,
avaliar, inferir etc.) e participar da linha de raciocínios; marcar a suspensão da melodia na frase. Trechos de
textos em itálico devem ser lidos com atenção e incitam à reflexão; a importância do texto, quando destacado
em negrito, é maior.
~ 59 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

agrícola e pastoreio, - início da a “Revolução Agrícola”; nesses processos precisavam de


procedimentos administrativos. No Egito, Ptolomeu dimensionou um sistema econômico que não
poderia ser operacionalizado sem uma administração pública sistemática e organizada.
Na China 5.000 a.C, a necessidade do império de se adotar um sistema organizado de governo
criou um quadro de pessoal, servidores do Imperado, do mais elevado escalão ao menor serviçal,
conforme se depreende da Constituição de Chow (século XII a.C) e dos oito regulamentos e regras de
Administração Pública de Confúcio: exemplificação da definição de normas e princípios de
administração em que para cada função era designada uma tarefa com deveres e responsabilidades.
A obra “A Arte da Guerra”, escrita em 500 a.C. por Sun Tzu 9 apresenta ideias importantes para
a estratégia em diversos aspectos da administração.
Os gregos, no período 400 e 350 a.C., reconheceram a administração como uma arte separada e
defendiam uma abordagem científica. Destacam-se, desse período, os filósofos Platão (429 a. C. – 347
a. C.) discípulo de Sócrates, e Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.), discípulo de Platão, com notáveis
contribuições Platão preocupou-se com os problemas de natureza política e social relacionados ao
desenvolvimento do povo. Aristóteles impulsionou o pensamento da filosofia e no seu livro “Política”
estudou a organização do Estado.
Os romanos descentralizaram a administração de seu extenso império antes do nascimento de
Cristo.
Durante o período Medieval, os venezianos padronizaram a produção com a utilização de linhas
de montagens; construção de armazéns; e utilização de sistemas de estoques para monitorar os
conteúdos. Indicam-se, ainda, outras raízes históricas da administração, tais como:
a) Instituições otomanas, pela forma como eram administrados seus grandes feudos;
b) Prelados católicos, já na Idade Média, destacando-se como administradores natos; deve-se
acrescentar que na história da administração são destacadas duas instituições; uma delas é a

9
“A Arte da Guerra” (chinês: 孫子兵法; pinyin: sūn zĭ bīng fǎ literalmente "Estratégia Militar de Sun Tzu"), é
um tratado militar escrito durante o século IV a.C. pelo estrategista Sun Tzu. Um tratado é composto por treze
capítulos, onde em cada capítulo é abordado um aspecto da estratégia, de modo a compor um panorama de
todos os eventos e estratégias que devem ser abordados em um combate racional. São estratégias com
aplicações e implicações na Administração no mundo globalizado competitivo: as guerras de marketing e a
acirrada competição entre empresas tem exigido da Administração uma postura mais proativa, mais ágil e,
principalmente, mais abrangente. Dessa forma, os conceitos da Arte da Guerra de Sun Tzu tornam-se
ferramentas indispensáveis para a aplicação prática das ações de Administração. Conceitos que podem ser armas
poderosas para enfrentar as exigências competitivas no mundo dos negócios; para valorizar e transformar a
Administração de Negócios de uma ação meramente técnica, operacional e processual, em ações práticas,
eficazes e com mensuração de resultados. Os cinco de “ A Arte da Guerra” com aplicações em: A Arte do
Marketing; A Arte das Carreiras Profissionais. A Arte das Vendas. A Arte das Pequenas Empresas. A Arte da
Administração e Negócios. Fonte: A arte da guerra. Disponível em: <
http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Arte_da_Guerra>. Acesso em: 12 de março de 2012. Complementado.
~ 60 ~
Material para fins didático

Igreja Católica Romana tida como a organização formal mais eficiente da civilização ocidental
(a outra são as Organizações Militares 10);
c) Surgimento, na Alemanha e a Áustria, no período 1550 a 1700, de um grupo de professores e
administradores públicos chamados os fiscalistas ou cameralistas. 11
II Período Medieval
Os mercantilistas ou fisiocratas franceses (práticas econômicas da Europa medieval, - século XV
a XVIII, como acordos entre os Estados e a forte intervenção do Estado na economia) que valorizavam
a riqueza física e o Estado; ao lado das reformas fiscais preconizavam uma administração sistemática,
especialmente no setor público.

Muitos filósofos, pensadores e estudiosos fizeram importantes contribuições para a história da


administração, relacionando-se, a seguir, alguns deles:

Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), historiador, filósofo político italiano e um dos


grandes teóricos do Renascimento. Em sua obra “O Príncipe” refere-se à
forma de como um governante deve se comportar. Algumas ideias
simplificadas (frases) de sua obra são:

“Se tiver que fazer o mal, o príncipe deve fazê-lo de uma só vez. O bem, deve
fazê-lo aos poucos.”

“O príncipe terá uma só palavra. No entanto, deverá mudá-la sempre que for necessário.”

“O príncipe deve preferir ser temido do que e amado”

“Uma mudança sempre deixa o caminho aberto para outras”.

“Não há nada mais certo que nossos próprios erros; vale mais fazer e arrepender, que não fazer e
arrepender”.

10
As Organizações Militares evoluíram das displicentes ordens dos cavaleiros medievais e dos exércitos
mercenários dos séculos XVII e XVIII até os tempos modernos com uma hierarquia de poder rígida e adoção de
princípios e práticas administrativas comuns a todas empresas da atualidade.
11
A Escola Cameralista da Alemanha e Áustria do século XVI ao XVIII foi orientada para o estudo dos meios
pelos quais se pode criar e administrar o patrimônio pública, com ideias científicas ao ligar os objetivos do
Estado aos aspectos técnicos da administração financeira. Aspectos, tais como: patrimônio público;
administração geral; finanças nacionais; reforma fiscal para o melhor controle e eficiências das receitas
governamentais; assumir (a empresa pública) as funções necessárias ao desenvolvimento nacional que as
empresas privadas não querem ou não podem empreender (justificativa da cobrança de impostos e da
intervenção governamental na atividade econômica) e dívida pública com alicerce ou razão na confiança que
existe entre o governo e a sociedade civil e na mobilização de forças produtivas
~ 61 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

“Empreendedores são aqueles que entendem que há uma pequena diferença entre obstáculos e
oportunidades e são capazes de transformar ambos em vantagem”.

“É necessário que o príncipe proceda de maneira temperada com a prudência e humanidade, a fim de
que confiança em demasia não o torne imprudente e que desconfiança em excesso não o tornem
intolerável”

Francis Bacon / Bacon de Verulâmio (1561 – 1626), filósofo, político e


estadista inglês pioneiros do pensamento científico moderno, fundador da
Lógica Moderna (método experimental e indutivo : do específico para o geral) e
teórico que exerceu grande influencia nos paradigmas científicos e da
administração que marcaram a sociedade industrial. O rigor experimental
científico, o uso da razão nos atos do dia a dia, a primazia do método indutivo ea
ideia de que todo conhecimento tem por finalidade ser posto em prática,
formam o corpo de sua obra que marcou a sociedade e influenciou a
construção da chamada abordagem científica da administração. Antecipou-se ao princípio da
Administração “prevalência do principal sobre o acessório”.

René Descartes (1596 – 1650), filósofo, matemático e físico francês, considerado o fundador da
Filosofia Moderna e iniciador da tradição racionalista. Em sua obra “O Discurso do Método”
descreve os principais preceitos do seu método filosófico (método cartesiano) com seus princípios, tais
como:

a) Dúvida Sistemática ou da Evidência – não é verdadeiro até que se saiba com


evidência, - como realmente verdadeiro.

b) Análise ou da Decomposição: dividir e decompor cada parte de um problema para


analisar as suas partes separadamente.

c) Síntese ou da Composição: ordenamento dos pensamentos, dos mais fáceis e simples para os mais
difíceis e complexos.

d) Enumeração ou da Verificação: em tudo fazer recontagens, verificações e revisões de modo a


tornar-se seguro de não ter havido qualquer omissão durante o processo de raciocínio (algo como um
“check list”).

Seu aforismo, - “penso, logo existo”, base de sua filosofia, exprime sua convicção de que a verdadeira
existência aflora a partir do campo racional. Esse modo de pensar se aplica à administração como:
“lidero, logo existo”; um bom líder não deve deixar de se perguntar sempre: como pode se tornar cada
dia melhor, sendo necessário que o líder passe a agir sempre de forma racional se esforçando sempre
para se aperfeiçoar.
~ 62 ~
Material para fins didático

Descartes traz ideias sobre onde agir, inspirar e motivar outras pessoas que podem significa liderar.
“Uma boa liderança é determinada pelas tomadas de decisões e não por quem as toma (...) só se chega
a resultados positivos quando se conhece o limite de sua responsabilidade”; o verdadeiro líder só aceita
como verdade aquilo que realmente conhece, de modo claro, não dando espaço para qualquer dúvida:
um dos princípios fundamentais para se tornar um líder confirmado por chefes de departamento ou
empresas quando mostram os resultados no final de cada período. A boa liderança garante que o poder
delegado seja exercido de acordo com o interesse do líder. Só se chega a resultados positivos quando
cada um conhece os limites de sua responsabilidade, entre outras.

Thomas Hobes (1588 – 1679), filósofo e teórico político inglês. Ideias como o homem primitivo
era um ser antissocial por definição, atirando-se uns contra os outros pelo desejo de poder, riquezas e
propriedades – “o homem é o lobo do próprio homem”. Em sua obra “Leviatã” explanou suas ideias
sobre a natureza humana e a necessidade de governos e sociedade.
No estado natural, enquanto que alguns homens possam ser mais fortes ou mais inteligentes do
que outros, nenhum se ergue tão acima dos demais que possa estar além do medo de que outro homem
lhe possa fazer mal; por isso, cada um de nós tem direito a tudo, e uma vez que
todas as coisas são escassas (economia ou administração??), existe uma
constante guerra de todos contra todos; no entanto, os homens têm um desejo, que
é também em interesse próprio, de acabar com a guerra, e por isso formam
sociedades entrando num contrato social; tal sociedade necessita de uma
autoridade à qual todos os membros devem render o suficiente da sua
liberdade natural, de maneira que a autoridade possa assegurar a paz interna e a
defesa comum. Este soberano, quer seja um monarca ou uma assembleia deveria ser o Leviatã, uma
autoridade inquestionável Nessa ideia surge o conceito de Estado: resultante da questão, que, de forma
absoluta, impõe a ordem e organiza a vida social. Acreditava que a ciência é o conhecimento das
consequências e da dependência de um fato em relação a outro (?) com implicações na administração.

Karl Heinrich Marx (1818 – 1883); intelectual alemão e considerado um dos


fundadores da Sociologia; considerado, também, grande influenciados em
outras áreas do conhecimento, em especial filosofia, economia e história. Teve
participação como intelectual e como revolucionário no movimento operário
junto com Friedrich Engels (1820 – 1895). Marx e Engels, propuseram uma
teoria da origem econômica do Estado. Ideias como a de dominação
econômica do homem pelo homem que gera o poder político do Estado e passa a se
constituir uma ordem coativa imposta por uma classe social exploradora. Na obra
conjunta “Manifesto Comunista” afirmam que a história da humanidade sempre foi a história da luta
de classes, resumidamente, entre exploradores , - “mais-valia”, taxa de exploração e alienação e
explorados.

É oportuno destacar, na história da administração e, em particular, do administrador - pensador, a


influencia de economistas clássicos liberais, tais como:

Adam Smith (1723 – 1790), filósofo e economista escocês (Iluminista Escocês; pai do liberalismo
econômico) considerado como criador da Escola Clássica da Economia; em 1776 publicou “Uma
~ 63 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

investigação sobre a natureza e as causas da Riqueza das Nações”, mais conhecido como “A Riqueza
das Nações”. Smith, nesta obra, procurou demonstrar que a riqueza era o resultado do crescimento
econômico e da inovação tecnológica, que por sua vez tinha como causa a atuação de indivíduos
movidos apenas pelo seu próprio interesse (“self-interest”); acreditava que a iniciativa privada deveria
agir livremente, com pouca ou nenhuma regulamentação. A livre competição levaria não só à queda do
preço dos produtos, mas também a constantes inovações tecnológicas no afã de baratear o custo de
produção e vencer a competição com os concorrentes. Destaca-se de suas ideia a metáfora da ‘mão
invisível do mercado’: acreditava que um negociante, movido apenas pelo seu próprio interesse, é
levado por uma 'mão invisível' a promover algo que nunca fez parte do interesse dele: o equilíbrio das
forças do mercado e o bem-estar da sociedade. No âmbito da administração propus os princípios da
especialização dos operários e da divisão do trabalho em uma manufatura de agulhas para destacar a
necessidade da racionalização da produção; abordou, também, a especialização de tarefas e o estudo
dos tempos e movimentos, ideias que, depois fundamentaram a Administração Científica.

David Ricardo (1772 – 1823), economista britânico, em sua obra “Princípios de


Economia Política e Tributação”, de 1817, tratava de teorias baseadas em
seus estudos sobre a distribuição da riqueza a longo prazo: o crescimento da
população tenderia a provocar a escassez de terras produtivas; a qualidade do
trabalho contribuía para o valor de um bem; o princípio dos rendimentos
decrescentes, devido a renda das terras; teoria do valor a partir da aplicação do
trabalho; ideias a respeito do custo do trabalho e sobre os preços e mercados (...).
Oportuno destacar que suas ideias, no contexto histórico, tais como: o
crescimento do mercado externo; a busca do lucro; a promoção da inovação tecnológica; o crescimento
da indústria têxtil e metalúrgica; a revolução industrial; a teoria do valor; a “mão invisível”; a
DIVISÃO DO TRABALHO; e o PLANEJAMENTO E ORGANIZAÇÃO DAS FUNÇÕES
ADMINISTRATIVAS foram fundamentais no ideário do liberalismo, - lidar com os conflitos das
classes e estabelecer uma harmonia social

John Stuart Mill (1806 – 1873); filósofo e economista britânico; em sua obra “Princípios de Economia
Política” apresenta conceitos, relacionados com a administração, como:

a) o controle com o objetivo de evitar furtos nas empresas;

b) atributos da qualidade como os de fidelidade e zelo.

Suas contribuições distribuem-se pelos campos da Lógica, da


Psicologia, do Direito, da Economia, da Política e da Administração.
Procurou combinar o utilitarismo (doutrina ética desenvolvida pelo filósofo
inglês do direito Jeremy Bentham, 1748-1832) com o socialismo, (uma das
teorias de organização econômica sustentada na propriedade pública ou
coletiva e na administração dos meios de produção e distribuição de bens;
teoria caracterizada pela igualdade de oportunidades/meios para todos os
indivíduos com um método mais igualitário de compensação) tendo como
resultado o valor do altruísmo, como forma de superação do egoísmo. O
princípio da utilidade se orienta para a busca da felicidade: felicidade entendida como prazer e
~ 64 ~
Material para fins didático

ausência de dor. [...] únicas coisas desejáveis como fins [...] seja pelo prazer inerente a elas , seja como
meio de promoção do prazer e prevenção da dor ("As ações são corretas na medida em que tendem a
promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a promover o reverso da felicidade").

III Período da Revolução Industrial

Condições, fatos e fenômenos que provocaram o surgimento da empresa e da moderna administração


ocorreu no final do século XVIII e se estendeu ao longo do século XIX, chegando ao limiar do século
XX.

Fatos e fenômenos, associados e/ou decorrentes de dois eventos importantes – o surgimento das
fábricas e a invenção das máquinas a vapor por James Watt em 1776, que revolucionaram a produção
e a aplicação dos conhecimentos administrativos em rápidas e profundas mudanças econômicas,
sociais e políticas. Nesse período são destacados:

a) A revolução que trouxe o carvão (principal fonte de energia) e o ferro (principal matéria-prima) e
passou a se constituir a Primeira Revolução Industrial (1780 – 1860), com a introdução da máquina de
fiar, no tear hidráulico e, depois, do tear mecânico, do descaroçador de algodão. Introduções que
provocaram mudanças em oficinas e na agricultura. O trabalho do homem, do animal e da roda
d’água foi substituído pelo trabalho da máquina: sistema fabril; o antigo artesão passou a ser operário
e a pequena oficina patronal cedeu lugar à fabrica e à usina. As novas oportunidades de trabalho
provocaram impactos, tais como:

a.1) migrações e consequente urbanização ao redor de centros industriais;

a.2) revolução nos meios de transportes e comunicações; foi o surgimento da navegação a vapor, da
locomotiva a vapor, do telégrafo e telefone. É o início do Capitalismo

b) A revolução que trouxe o aço e a eletricidade. A Segunda Revolução Industrial da eletricidade e de


derivados do petróleo, como as novas fontes de energia e do aço como a nova matéria-prima. Novos
elementos do maquinário automático e da especialização do operário que trouxeram grandes
transformações dos meios de transporte e comunicações: surge a estrada de ferro, o automóvel, o
avião, o telégrafo sem fio, o rádio (...) que consolidaram o capitalismo financeiro; surgiram grandes
organizações multinacionais (Standard Oil, General Electric, Westinghouse, Siemens, a Dupont,
United States Steel etc.). Surgiu, ao final desse período, a moderna administração em resposta a dois
efeitos:

b.1) o crescimento acelerado e desorganizado das empresas que passaram a exigir uma administração
científica capaz de substituir o empirismo e a improvisação;

b.2) necessidade de maior eficiência e produtividade das empresas, para enfrentar à intensa
concorrência e competição no mercado.
~ 65 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

No Quadro 5 se estabelecem datas, com sobreposições de abordagens da história da administração.

1. Administração Sistemática. Teve início em ideias de Adam Smith ao observar e adjetivar a


administração das fábricas no centro do crescimento norte-americano como caótica e necessária de
sistematização.
A maioria das tarefas organizacionais era subdividida e executada segundo o trabalho especializado;
contudo, a coordenação entre os subordinados e entre os diferentes níveis administrativos causava
problemas frequentes e paradas no processo produtivo.

Quadro 5 Fases (períodos) históricas da administração

1890
Administração
sistêmica
1900
Administração
científica Era Clássica (1900 – 1950): Inicio da Industrialização:
1910 estabilidade, poucas mudanças, previsibilidade,
Administração
Burocracia regularidade e certeza.
1920 Compreende:
Gestão Administração Científica (Frederick W. Taylor)
Administrativa
1930
Teoria Clássica (Henri Fayol)
Administração Relações Humanas (Elton George Mayo)
Relações Humanas
Teoria da Burocracia (Max Weber)
1940
Administração (detalhes no texto)
Quantitativa
1950
Administração
Comportamento organizacional
1960
Administração
Era Neoclássica (1950 – 1990): Teoria de sistemas
Teoria Neoclássica 1970
Teoria Estruturalista Administração
Teoria Contingencia
Teoria Comportamental 1980
Teoria de Sistemas Administração
Gestão Qualidade
Teoria da Contingência 1990
(detalhes no texto) Administração
Org. Inteligente
~ 66 ~
Material para fins didático

Era da Informação ( Após 1900): 2000


Administração
Produtividade Reengenharia
Qualidade
Competitividade Após 2000
Administração
Cliente
Na TIC Informática
Globalização
(detalhes no texto)

A administração sistemática foi baseada em:


 construir procedimentos e processos específicos em operações para assegurar a coordenação de
esforços;
 enfatizar operações econômicas;
 buscar assessoria adequada;
 manter estoques para atender à demanda dos consumidores; e
 controle organizacional, entre outros aspectos.
2. Administração Científica, criada por Frederick Winslow. Taylor. (1985, Filadélfia – 1915,
Filadélfia). Descobriu:
 a produção e o pagamento eram ruins;
 a ineficiência e as perdas eram prevalentes; e
 a maioria das empresas possuía um grande potencial não utilizado
(falha da administração sistemática).
Concluiu que as decisões administrativas eram assistemáticas e que não
existia pesquisa para se determinarem os melhores meios de produção.
Com essas brechas introduziu uma segunda abordagem, o da
administração científica, na qual defendia a aplicação de métodos
científicos para analisar o trabalho e determinar como completar as tarefas de
produção de maneira eficiente.
O uso de gratificação diferenciada = pagamento de quantias adicionais aos trabalhadores quando
eles excedessem níveis-padrão de resultado em cada trabalho, concluindo que tanto os trabalhadores
quanto a administração poderiam se beneficiar disso.
3. Burocracia; surgiu com a publicação de um livro onde, Maximilian Carl
Emil Weber (Erfurt, 1864 – Munique, 1920), sociólogo, economista,
jurista e historiador alemão, mostrou como a administração em si
~ 67 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

mesma poderia ser mais eficiente. Weber acreditava que com a burocracia os resultados diferentes
pudessem ser eliminados, numa organização onde os administradores possuíssem habilidades
variadas. Experiência e objetivos. Weber recomendava que os cargos fossem padronizados de modo
que a mudança de pessoal não desintegrassem a organização. Ele enfatizava a existência de uma
rede estrutural e formal de relacionamentos entre posições especializadas numa organização. As
regras e regulamentações padronizaram o comportamento e a autoridade agora era sobre as posições
e não sobre os indivíduos. Como resultado a organização não precisaria apoiar-se em apenas um
individuo, mas obteria eficiência e sucesso seguindo as regras e regulamentações.
4. Gestão Administrativa, defendida por Jules Henri Fayol (Istambul 1841 – Paris, 1925) engenheiro
de minas e executivo surgiu através de um livro publicado por ele com suas
experiências administrativas. Fayol adicionou uma função básica às
quatro já identificadas antes, que são: planejar; organizar; comandar;
coordenar e controlar, e também definiu catorze princípios: divisão do
trabalho; autoridade; disciplina; unidade de comando; unidade de direção;
subordinação do interesse individual ao interesse geral; remuneração;
centralização; hierarquia; ordem; equidade; estabilidade e manutenção do
pessoal; iniciativa e espírito de equipe. A abordagem da gestão
administrativa enfatizava a perspectiva dos altos administradores dentro da organização e
sustentava que a administração era uma profissão e poderia ser ensinada.
5. Relações Humanas; abordagem deve muito às escolas de pensamento. As ideias de Gilbreths
(administração cientifica), Barnard e Follet (gestão administrativa) influenciaram o
desenvolvimento das relações humanas entre 1930 e 1955.Na verdade, a abordagem surgiu de um
projeto de pesquisa que começou com um estudo de administração cientifica. A abordagem de
relações humanas visava entender como os processos psicológicos e sociais interagem com a
situação de trabalho para influenciar o desempenho. Relações Humanas foi a primeira grande
abordagem a enfatizar os relacionamentos de trabalho informal e a satisfação do trabalhador.
Abordagens Contemporâneas
6. Administração Quantitativa; durante a segunda Guerra Mundial, os planejadores militares
começaram a aplicar técnicas matemáticas para defesa e para problemas logísticos. Após a guerra,
corporações privadas constituíram equipes de especialistas em métodos quantitativos para lidar com
as questões complexas que confrontavam a maioria das organizações. Essa abordagem então
chamada de administração quantitativa. Essa abordagem enfatiza a aplicação de análise quantitativa
aos problemas e decisões administrativas. A administração quantitativa auxilia o administrador a
tomar decisões pelo desenvolvimento formal de modelos matemáticos do problema. Apesar da
promessa que a administração quantitativa traz, os administradores não se baseiam nesses métodos
como sendo a principal abordagem para a tomada de decisão. Muitos utilizam os resultados
considerados por eles como consistentes juntamente com sua experiência, intuito e julgamento, mas
rejeitariam resultados que contradissessem suas crenças.
7. Comportamento Organizacional; partiu do reconhecimento de que a produtividade do trabalhador e
o sucesso organizacional são baseados em mais coisas do que em satisfação de necessidades
econômicas e sociais. A perspectiva revisada é conhecida como comportamento organizacional.
Essa abordagem estuda e identifica as atividades de administração e promove a eficácia às
~ 68 ~
Material para fins didático

atividades de administração e promove a eficácia do empregado por meio do entendimento a


natureza complexa do individuo, do grupo e do processo organizacional.
8. Teoria dos Sistemas; baseada numa abordagem cientifica e voltada para os detalhes da organização,
a teoria dos sistemas fornece um meio para interpretar as organizações, traz uma visão holística de
todo o processo e enfatiza os processo. A teoria dos sistemas possui alguns conceitos importantes,
sistemas abertos: são organizações dependentes de insumos que provêm do mundo
externo(matérias-primas); sistemas fechados: são aqueles que não interagem com o meio ambiente
externo; eficiência: é a razão dos resultados pelos insumos; eficácia: é o grau em que os resultados
de uma organização correspondem às necessidades e aos desejos do ambiente externo; Subsistemas:
é um componente do todo e interdependente dos outros sistemas; equifinalidade: é o mesmo que
existir diversos caminhos que chegam no mesmo resultado; sinergia: é quando o todo é maior que a
soma das partes.
9. Teoria da Contingência; construída a partir das ideais dos sistemas, a perspectiva contingencial
refuta os princípios universais da administração pela afirmação de que uma variedade de fatores
podem afetar o desempenho da organização, sejam eles internos ou externos. Entender as
contingências auxilia o administrador a saber quais os conjuntos de circunstâncias que ditam as
ações administrativas. Com um olho nessas contingências, um administrador pode caracterizar a
situação e depois escolher a estratégia competitiva, a estrutura organizacional ou o processo
administrativo adequado às circunstâncias.
10. Gestão da Qualidade Total; conhecida por pessoas do ramo dos negócios como TQM (“total
quality management”). A gestão de qualidade total refere-se extensamente a uma abordagem
administrativa integrativa para a satisfação dos consumidores por meio de ampla gama de
ferramentas e técnicas destinadas a atingir alta qualidade em bens de serviços. A TQM inclui a
prevenção de defeitos antes que eles ocorram o atingimento de zero-defeito na fabricação, o projeto
de produtos para a qualidade e o fornecimento de serviços de qualidade, bem como o de produtos.
11. Organizações Inteligentes. À medida q as velhas regras de fazer negócios tornam-se obsoletas, as
empresas devem ser flexíveis e adaptáveis aos tempos de rápidas mudanças. Mais do que realmente
reagir às mudanças, elas devem antecipas as mudanças e estar à frente delas. Na organização
inteligente, é dada aos empregados a oportunidade de saber o que está ocorrendo, de pensar
construtivamente sobre importantes questões, de buscar oportunidades para aprender novas coisas e
procurar soluções criativas para os problemas da organização.
12. Reengenharia. Além de as empresas precisarem estar sempre se renovando, mudando e
aperfeiçoando-se, elas precisam de mais, precisam reinventar-se para melhorarem seu desempenho.
E a reengenharia não é nada mais além disso, ela constitui o processo de iniciar tudo novamente do
zero, reconstruindo a empresa e revisando seu modo de negociar. De acordo com seus proponentes,
a reengenharia esta para a próxima revolução nos negócios, assim como, a especialização do
trabalho de Adam Smith esta para a Revolução Industrial. A reengenharia adota uma perspectivas
de sistemas, melhorando a qualidade de matéria prima e de insumos-chaves, assegurando que cada
processo de transformação adicione valor ao produto e também monitorando a satisfação do
mercado.
VI Períodos no século XX: eras da administração. Revolução Industrial
~ 69 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Era Clássica (1900 – 1950): Inicio da Industrialização com determinadas característica como:
estabilidade, pouca mudança, previsibilidade, regularidade e certeza.
* Administração Científica (Frederick W. Taylor)
* Teoria Clássica (Henri Fayol)
* Relações Humanas (Elton George Mayo)
* Teoria da Burocracia (Max Weber)
Era Neoclássica (1950 – 1990): Desenvolvimento Industrial, aumento da mudança, fim da
previsibilidade, necessidade de inovação.
* Teoria Neoclássica
* Teoria Estruturalista
* Teoria Comportamental
* Teoria de Sistemas
* Teoria da Contingência
Era da Informação (Após 1990): Tecnologia da Informação, globalização, ênfase nos serviços,
aceleração da mudança, imprevisibilidade, instabilidade e incerteza. Nesta era, o ênfase é em:
* Produtividade
* Qualidade
* Competitividade
* Cliente
* Globalização
No próximo post vou entrar em detalhes quanto a estas Eras da Administração e suas teorias.
Vamos continuar nosso estudo sobre a trajetória histórica da Administração: Eras da Administração do
Século XX e suas Teorias.
Segue a Cronologia:
• 1903 – Administração científica
• 1909 – Teoria da burocracia
• 1916 – Teoria clássica da administração
• 1932 – Teoria das relações humanas
• 1947 – Teoria estruturalista
• 1951 – Teoria dos sistemas
• 1954 – Teoria neoclássica da administração
• 1957 – Teoria comportamental
• 1962 – Desenvolvimento organizacional
~ 70 ~
Material para fins didático

• 1972 – Teoria da contingência


• 1990 – Novas abordagens (Era da Informação)

* Era Clássica (1900 – 1950): Inicio da Industrialização, estabilidade, pouca mudança, previsibilidade,
regularidade e certeza.
* 1903 - Teoria da Administração Científica (Ênfase nas Tarefas)
Criada por Frederick W. Taylor (1856 – 1915), um jovem engenheiro americano, que descobriu que a
produção e o pagamento eram ruins, que a ineficiência e as perdas eram prevalentes e que a maioria
das empresas possuía um grande potencial não utilizado, uma falha da administração sistemática. Ele
concluiu que as decisões administrativas eram assistemáticas e que não existia pesquisa para se
determinarem os melhores meios de produção. Essa teoria provocou uma verdadeira revolução no
pensamento administrativo e no mundo industrial. Para o aumento da produtividade propôs métodos e
sistemas de racionalização do trabalho e disciplina do conhecimento operário colocando–o sob
comando da gerência; a seleção rigorosa dos mais aptos para realizar as tarefas; a fragmentação e
hierarquização do trabalho. Investiu nos estudos de tempos e movimentos para melhorar a eficiência
do trabalhador e propôs que as atividades complexas fossem divididas em partes mais simples
facilitando a racionalização e padronização. Propõe incentivos salariais e prêmios pressupondo que as
pessoas são motivadas exclusivamente por interesses salariais e materiais de onde surge o termo
“homo economicus”.
As propostas básicas de Taylor trouxeram decorrências sociais e culturais da sua aplicação. Há
algumas décadas, vem–se debatendo os efeitos negativos da organização do trabalho taylorista/fordista
sobre os trabalhadores destacando–se: a fragmentação do trabalho com separação entre concepção e
execução, que associada ao controle gerencial do processo e à hierarquia rígida tem levando a
desmotivação e alienação de trabalhadores, bem como a desequilíbrios nas cargas de trabalho.
Dentre as críticas principais podemos citar a pouca atenção dada ao ser humano e sua robotização
(bem explorada no filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin).

Mas apesar das decorrências negativas para a massa trabalhadora, as propostas de Taylor – não se pode
deixar de admitir - representaram um enorme avanço para o processo de produção em massa.
Em 1911, Taylor publicou o livro considerado como a “bíblia” dos organizadores do trabalho:
PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO CIENTÍFICA, que tornou-se um best-seller no mundo inteiro.
São exemplos de seguidores da Administração Científica: Carl Barth (1860/ 1939); Henry Gantt
(1861/1919); Harrington Emerson (1853/1931); Frank Gilbreth (1868/1924) e Lilian Gilbreth
(1878/1961).
* 1909 - Teoria da Burocracia
O sociólogo alemão Max Weber (1864 – 1920), identifica certas características da organização formal
voltada exclusivamente para a racionalidade e para a eficiência. Em suas dimensões essenciais muitos
dos aspectos do modelo burocrático podem ser encontrados em Taylor e Fayol: a divisão do trabalho
~ 71 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

baseada na especialização funcional; hierarquia e autoridade definidas; sistema de regras e


regulamentos que descrevem direitos e deveres dos ocupantes dos cargos; sistema de procedimentos e
rotinas; impessoalidade nas relações interpessoais, promoção e seleção baseadas na competência
técnica, dentre outros.
Segundo suas teorias, toda organização é composta de seis funções básicas: financeira, técnica,
comercial, contábil, administrativa e de segurança. Porém, é a função administrativa que coordena e
integra as demais funções.
A Teoria da Burocracia desenvolveu-se dentro da administração ao redor dos anos 40, principalmente
em função dos seguintes aspectos:
1 – A fragilidade e parcialidade tanto da Teoria Clássica como da Teoria das Relações Humanas, que
não possibilitam uma abordagem global, integrada e envolvente dos problemas organizacionais;
2 – A necessidade de um modelo de organização racional capaz de caracterizar todas as variáveis
envolvidas, bem como, o comportamento dos membros dela participantes, é aplicável não somente à
fábrica, mas a todas as formas de organização humana e principalmente às empresas;
3 – O crescente tamanho e complexidade das empresas passam a exigir modelos organizacionais bem
mais definidos;
4 – O ressurgimento da Sociologia da Burocracia, a partir da descoberta dos trabalhos de Max Weber,
o seu criador. Segundo essa teoria, um homem pode ser pago para agir e se comportar de certa maneira
preestabelecida, a qual lhe deve ser explicada, muito minuciosamente e, em hipótese alguma,
permitindo que suas emoções interfiram no seu desempenho. A Sociologia da Burocracia propôs um
modelo de organização e os administradores não tardaram em tentar aplicá-los na prática em suas
empresas. A partir daí, surge a Teoria da Burocracia na Administração. Então a burocracia é uma
forma de organização que se baseia na racionalidade, isto é, na adequação dos meios aos objetivos
(fins) pretendidos, a fim de garantir a máxima eficiência possível no alcance dos objetivos.
Weber identifica três fatores principais que favorecem o desenvolvimento da moderna burocracia:
• O desenvolvimento de uma economia monetária: Na Burocracia, a moeda assume o lugar da
remuneração em espécie para os funcionários, permitindo a centralização da autoridade e o
fortalecimento da administração burocrática;
• O crescimento quantitativo e qualitativo das tarefas administrativas do Estado Moderno;
• A superioridade técnica – em termos de eficiência – do tipo burocrático de administração:
serviu como uma força autônoma para impor sua prevalência.
O desenvolvimento tecnológico fez as tarefas administrativas tenderem ao aperfeiçoamento para
acompanhá-lo. Assim, os sistemas sociais cresceram em demasia, as grandes empresas passaram a
produzir em massa, sufocando as pequenas. Além disso, nas grandes empresas há uma necessidade
crescente de cada vez mais se obter um controle e uma maior previsibilidade do seu funcionamento.
Segundo o conceito popular, a burocracia é visualizada geralmente como uma empresa, repartição ou
organização onde o papelório se multiplica e se avoluma, impedindo as soluções rápidas e eficientes.
O termo é empregado também com o sentido de apego dos funcionários aos regulamentos e rotinas,
causando ineficiência à organização. O leigo passou a dar o nome de burocracia aos defeitos do
sistema.
~ 72 ~
Material para fins didático

Entretanto para Max Weber a burocracia é exatamente o contrário, é a organização eficiente por
excelência e para conseguir esta eficiência, a burocracia precisa detalhar antecipadamente e nos
mínimos detalhes como as coisas devem acontecer.
* 1916 - Teoria Clássica (Ênfase na Estrutura)
A Gestão Administrativa defendida por Henri Fayol (1841-1925), engenheiro de minas e executivo
francês, surgiu através de um livro publicado por ele com suas experiências administrativas –
Administração Industrial Geral (“Administration Industrielle et Generale”), publicado em 1916.
Complementou o trabalho de Taylor, substituindo a abordagem analítica e concreta de Taylor por uma
abordagem sintética, global e universal. Propôs a racionalização da estrutura administrativa e a
empresa passa a ser percebida como uma síntese dos diversos órgãos que compõe a sua estrutura.
“Não existe nada rígido nem absoluto em matéria administrativa; tudo nela é uma questão de medida.
Quase nunca se aplicará o mesmo princípio duas vezes em condições idênticas.”
A preocupação maior de Fayol é para com a direção da empresa dando ênfase às funções e operações
no interior da mesma. Estabeleceu os princípios da boa administração, sendo dele a clássica visão das
funções do administrador: organizar, planejar, coordenar, comandar e controlar.(Vamos falar
claramente: Fayol acreditava que a especialização nas tarefas reduziria o nível de atenção e esforço a
serem aplicados naquela atividade e que aumentaria a produtividade por meio da repetição.)
Também definiu catorze princípios básicos: divisão do trabalho; autoridade; disciplina; unidade de
comando; unidade de direção; subordinação do interesse individual ao interesse geral; remuneração;
centralização; hierarquia; ordem; equidade; estabilidade e manutenção do pessoal; iniciativa e espírito
de equipe.
A abordagem de sua gestão administrativa enfatizava a perspectiva dos altos administradores dentro da
organização e sustentava que a administração era uma profissão e poderia ser ensinada.
Traçando-se um paralelo entre a Administração Científica e a Administração Clássica, conclui-se que
enquanto Taylor estudava a empresa privilegiando as tarefas de produção, Fayol a estudava
privilegiando as tarefas da organização. A ênfase dada pelo primeiro era sobre a adoção de métodos
racionais e padronizados e máxima divisão de tarefas enquanto o segundo enfatizava a estrutura formal
de empresa e a adoção de princípios administrativos pelos altos escalões.
Recentemente, a Escola Clássica reapareceu com Peter Drucker e a chamada Escola Neoclássica,
preocupada com a administração por objetivos.
* 1932 - Teoria das Relações Humanas
Georges Elton Mayo (1880 – 1949), cientista social australiano, chefiou uma experiência em uma
fábrica da Western Eletric Company, situada em Chicago, no bairro de Hawthorne. Esta experiência
caracterizou-se como um movimento de resposta contrária à Abordagem Clássica da Administração,
considerada pelos trabalhadores e sindicatos como uma forma elegante de explorar o trabalho dos
operários para benefício do patronato. Na época, a alta necessidade de se humanizar e democratizar a
Administração nas frentes de trabalho das indústrias, aliado ao desenvolvimento das ciências humanas
– psicologia e sociologia, dentre outras – e as conclusões da Experiência de Hawthorne fez brotar a
Teoria das Relações Humanas.
~ 73 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Apesar de este movimento ter surgido da crítica à Teoria da Administração Científica e a Teoria
Clássica, não se contrapõe ao Taylorismo. Combate o formalismo na administração e desloca o foco da
administração para os grupos informais e suas inter–relações, oferecendo incentivos psicossociais, por
entender que o ser humano não pode ser reduzido a esquemas simples e mecanicistas. A Escola das
Relações Humanas depositou na motivação a expectativa de levar o indivíduo a trabalhar para atingir
os objetivos da organização. Defende a participação do trabalhador nas decisões que envolvessem a
tarefa, porém essa participação sofre restrições e deve estar de acordo com o padrão de liderança
adotado.
Mais recentemente, esta escola ressurgiu com novas ideais, com o nome de Teoria do Comportamento
Organizacional, preocupada mais com o comportamento global da empresa do que propriamente com
o comportamento de pessoas ou de grupos sociais tomados isoladamente.
Só por curiosidade: Depois de Mayo vieram outros pensadores que também questionaram a teoria
mecanicista. O desagrado ao modelo – e da sua conseqüente visão de mundo – foi expresso de maneira
clara por vários grandes cientistas, como Albert Einstein, Werner Heisenberg, Niels Bohr e tantos
outros. Só por curiosidade, vejamos estas passagens:
“O quadro científico do mundo real à minha volta é muito deficiente. Ele nos dá muitas informações
fatuais, coloca toda a nossa experiência numa ordem magnificamente consistente, mas mantém um
silêncio horrível sobre tudo aquilo que está realmente próximo de nossos corações, de tudo aquilo que
é realmente valioso e caro em nossas vidas, aquilo que realmente nos interessa. Este quadro não nos
pode dizer nada sobre o valor do vermelho ou do azul, do amargo e do doce, dor física e prazer físico;
nada sobre o belo e o feio, o bom e o mau. É incompetente para dizer qualquer coisa válida sobre Deus
e a eternidade… Assim, em suma, não pertencemos realmente a este mundo descrito pelo quadro
científico. Não estamos realmente nele. Estamos fora dele. Somos como espectadores de uma peça que
insiste em demonstrar que o mundo é uma máquina cega, onde aparecemos fortuitamente para, logo,
desaparecer.
Apenas nossos corpos parecem se enquadrar no quadro, sujeitos às leis que regem o quadro,
explicados linearmente pelo quadro… Eu não pareço ser necessário como ser humano, ou como
autor… As grandes mudanças que ocorrem neste mundo material, das quais eu me sinto parcialmente
responsável, cuidam de si mesmas, segundo o quadro – elas são amplamente explicadas pela interação
mecânica direta (…) Isso torna o mundo operacional para o entendimento pragmático. Permite que
você imagine a manifestação total do universo como a de um relógio mecânico que, pelo o que sabe e
crê a ciência, poderia continuar a funcionar do mesmo jeito sem que nunca tivesse havido consciência,
vontade, esforço, dor, prazer e responsabilidade (…)”(Erwin Schrödinger em Guimarães, 1996, p. 21,
22)
“O ser humano vivência a si mesmo, seus pensamentos como algo separado do resto do universo –
numa espécie de ilusão de ótica de sua consciência. E essa ilusão é uma espécie de prisão que nos
restringe a nossos desejos pessoais, conceitos e ao afeto por pessoas mais próximas. Nossa principal
tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja
todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza. Ninguém conseguirá alcançar completamente
esse objetivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte de nossa liberação e o alicerce de nossa
segurança interior”. (Albert Einstein)
Uau, eles estavam certamente bem contrariados com o modelo mecanicista e a pouca preocupação com
os homens… e, em minha modesta opinião, concordo com eles! Não é à toa que Einstein é Einstein! =)
~ 74 ~
Material para fins didático

Era Neoclássica (1950 – 1990): Desenvolvimento Industrial, aumento da mudança, fim da


previsibilidade, necessidade de inovação.
1947 – Teoria Estruturalista
Desenvolvida a partir de 1950. Preocupada em integrar todas as teorias das diferentes escolas acima e
numeradas. A Escola Estruturalista teve início com a teoria da burocracia com Max Weber. Parte da
análise e limitações do modelo burocrático e declínio da teoria das relações humanas, de quem na
verdade aproxima–se conceitualmente. Inaugura um sistema aberto das organizações. Avança em
relação às demais teorias ao reconhecer a existência do conflito nas organizações, assumindo que este
é inerente aos grupos e às relações de produção.
A Teoria Estruturalista focaliza o “homem organizacional”, a pessoa que desempenha diferentes
papéis em várias organizações. Na sociedade de organizações, moderna e industrializada, avulta a
figura do homem organizacional que participa de várias organizações. O homem moderno, ou seja, o
homem organizacional, para ser bem-sucedido em todas as organizações, precisa ter as seguintes
características de personalidade:
• Flexibilidade, em face das constantes mudanças que ocorrem na vida moderna e da diversidade
de papéis desempenhados nas organizações.
• Tolerância às frustrações para evitar o desgaste emocional decorrente do conflito entre
necessidades organizacionais e necessidades individuais, cuja mediação é feita através de normas
racionais, escritas e exaustivas.
• Capacidade de adiar as recompensas e poder de compensar o trabalho rotineiro na organização
em detrimento de preferências pessoais.
• Permanente desejo de realização para garantir cooperação e conformidade com as normas
organizacionais para obter recompensas sociais e materiais.
As organizações sociais são conseqüências da necessidade que as pessoas têm de relacionar-se e
juntar-se com outras a fim de poder realizar seus objetivos. Dentro da organização social, as pessoas
ocupam certos papéis. Papel significa um conjunto de comportamentos solicitados a uma pessoa; é a
expectativa de desempenho por parte do grupo social e conseqüente internalização dos valores e
normas que o grupo, explícita ou implicitamente, prescreve para o indivíduo. O papel prescrito para o
indivíduo é reforçado pela sua própria motivação em desempenhá-lo eficazmente. Cada pessoa
pertence a vários grupos e organizações, e desempenha diversos papéis, ocupa muitas posições e
suporta grande número de normas e regras diferentes.
* 1951 - Teoria de Sistemas
A teoria geral de sistemas (também conhecida pela sigla, T.G.S.) surgiu com os trabalhos do biólogo
austríaco Ludwig von Bertalanffy, publicados entre 1950 e 1968. Desenvolvida a partir de 1970.
Passou a abordar a empresa como um sistema aberto em contínua interação com o meio ambiente que
o envolve.
A T.G.S. não busca solucionar problemas ou tentar soluções práticas, mas sim produzir teorias e
formulações conceituais que possam criar condições de aplicação na realidade empírica. Os
pressupostos básicos da T.G.S. são:
• Existe uma nítida tendência para a integração nas várias ciências naturais e sociais;
~ 75 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

• Essa integração parece orientar-se rumo a uma teoria dos sistemas;


• Essa teoria de sistemas pode ser uma maneira mais abrangente de estudar os campos não físicos
do conhecimento científico, especialmente as ciências sociais;
• Essa teoria de sistemas, ao desenvolver princípios unificadores que atravessam verticalmente os
universos particulares das diversas ciências envolvidas, aproxima-nos do objetivo da unidade da
ciência;
• Isso pode levar a uma integração muito necessária da educação científica.
A importância da TGS é significativa tendo em vista a necessidade de se avaliar a organização como
um todo e não somente em departamentos ou setores. O mais importante ou tanto quanto é a
identificação do maior número de variáveis possíveis, externas e internas que, de alguma forma,
influenciam em todo o processo existente na Organização. Outro fator também de significativa
importância é o feed-back que deve ser realizado ao planejamento de todo o processo.
Teoria dos sistemas começou a ser aplicada a administração principalmente em função da necessidade
de uma síntese e uma maior integração das teorias anteriores (Científicas, Relações Humanas,
Estruturalista e Comportamental) e da intensificação do uso da cibernética e da tecnologia da
informação nas empresas.
Os sistemas vivos, sejam indivíduos ou organizações, são analisados como “sistema abertos”,
mantendo um continuo intercâmbio de matéria/energia/informação com o ambiente. A Teoria de
Sistema permite reconceituar os fenômenos em uma abordagem global, permitindo a inter-relação e
integração de assuntos que são, na maioria das vezes, de natureza completamente diferentes.
* 1954 – Teoria Neoclássica
A teoria neoclássica da administração é o nome dado a um conjunto de teorias que surgiram na década
de 50 e que propõem uma retomada das abordagens clássica e científica da administração. A teoria têm
como principal referência Peter Drucker, mas também inclui um grupo amplo de autores como Willian
Newman, Ernest Dale, Ralph Davis, Louis Allen e George Terry.
Dentre os principais conceitos abordados por essa teoria, destacam-se:
• Ênfase na prática da administração;
• Reafirmação relativa das proposições clássicas;
• Ênfase nos princípios gerais de gestão;
• Ênfase nos objetivos e resultados.
Esta nomenclatura é utilizada apenas no Brasil. Foi popularizada no livro texto de Chiavenato, que é
utilizado no ensino da administração de empresas no país. Chiavenato diz:
“Os autores aqui abordados, (…) muito embora não apresentem pontos de vista divergentes, também
não se preocupam em se alinhar dentro de uma organização comum. Em resumo, os autores
neoclássicos não forma propriamente uma escola bem definida, mas um movimento relativamente
heterogêneo. Preferimos a denominação teoria para melhor enquadamento didático e facilidade de
apresentação”.
Fora do Brasil, pode-se associar essa escola de pensamento à abordagem teórica proposta por Drucker,
que é considerada uma ruptura com a abordagem vigente. As teorias depois de Drucker são chamadas
~ 76 ~
Material para fins didático

de “modernas” por ser ele reconhecido como “pai da administração moderna”(“modern management”
em inglês), embora o termo “administração moderna” seja mais abrangente que a proposta de
Chiavenato.
* 1957 – Teoria Comportamental
A Teoria Comportamentalista tem sua ênfase mais significativa nas ciências do comportamento e na
busca de soluções democráticas e flexíveis para os problemas organizacionais preocupando–se mais
com os processos e com a dinâmica organizacional do que com a estrutura. Amplia a discussão sobre a
motivação humana com base nas teorias da motivação de Maslow e a teoria sobre os fatores que
orientam o comportamento das pessoas de Herzberg. O estilo japonês de administração, que se
preconizou chamar Teoria Z da administração. A teoria Z fundamenta–se nos princípios de: emprego
estável; baixa especialização; avaliação permanente do desempenho e promoção lenta; democracia e
participação nas decisões; valorização das pessoas. Esta abordagem ganha impulso no início da década
de 80 quando começam a aparecer um conjunto de idéias, experiências e princípios provenientes do
A teoria comportamental (ou teoria behaviorista) da administração trouxe uma nova concepção e um
novo enfoque dentro da teoria administrativa: a abordagem das ciências do comportamento (behavior
sciences approach), o abandono das posições normativas e prescritivas das teorias anteriores ( teorias
clássica, das relações humanas e da burocracia) e a adoção de posições explicativas e descritivas. A
ênfase permanece nas pessoas, mas dentro do contexto organizacional mais amplo.
Sua características são:
• a ênfase nas pessoas;
• preocupação com o comportamento organizacional (processo de trabalho);
• estudo do comportamento humano (motivação humana – teoria de Maslow).
Seu ponto crítico é a relatividade: todos os indivíduos possuem as mesmas necessidades e estas são
hierarquizadas.
* 1962 – Teoria do Desenvolvimento Organizacional
O desenvolvimento organizacional surgiu em 1962 para facilitar o desenvolvimento e o crescimento
das organizações. Sua definição é de comportamentalismo característico que se refere à organização
como um conjunto de atividades diferentes realizadas por pessoas diferentes que trabalham em prol da
mesma.
O desenvolvimento organizacional se opõe a organizações tradicionais que utilizam sistemas
mecânicos que enfatizam os cargos da empresa e as pessoas individualmente, que mantém o
relacionamento entre patrão e funcionário através da imposição, divide o trabalho e supervisão de
forma rígida, centraliza o controle organizacional e soluciona conflitos por meio da opressão.
A principal função do desenvolvimento organizacional é converter as organizações que adotam
sistemas mecanizados em sistemas orgânicos que enfatizam a união dos funcionários que se
relacionam, a confiança entre patrão e funcionário, responsabilidade compartilhada, participação de
todos os grupos que compõem a organização, descentralização do controle organizacional e solução de
conflitos através de soluções e negociações.
O desenvolvimento organizacional visa métodos para encarar ameaças e solucionar difíceis situações,
compartilhar a administração da empresa com os funcionários através do relacionamento entre
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

indivíduos com cargos de chefia e os demais, a responsabilidade das equipes em desempenhar suas
funções e gerenciá-las, transformar gerentes e supervisores em orientadores e estimuladores, utilizar
pesquisas internas para conhecer as dificuldades e necessidades enfrentadas pelos trabalhadores e por
meio destas melhorar a organização.
* 1972 – Teoria da Contingência
A Teoria da contingência ou Teoria contingencial enfatiza que não há nada de absoluto nas
organizações ou na teoria administrativa. Tudo é relativo. Tudo depende. A abordagem contigencial
explica que existe uma relação funcional entre as condições do ambiente e as técnicas administrativas
apropriadas para o alcance eficaz dos objetivos da organização. As variáveis ambientais são variáveis
independentes, enquanto as técnicas administrativas são variáveis dependentes dentro de uma relação
funcional. Na realidade, não existe uma causalidade direta entre essas variáveis independentes e
dependentes, pois o ambiente não causa a ocorrência de técnicas administrativas. Em vez de uma
relação de causa e efeito entre as variáveis do ambiente (independentes) e as variáveis administrativas
(dependentes), existe uma relação funcional entre elas. Essa relação funcional é do tipo “se-então” e
pode levar a um alcance eficaz dos objetivos da organização.
A relação funcional entre as variáveis independentes e dependentes não implica que haja uma relação
de causa-e-efeito, pois a administração é ativa e não passivamente dependente na prática da
administração contingencial. O reconhecimento, diagnóstico e adaptação à situação são certamente
importantes, porém, eles não são suficientes. As relações funcionais entre as condições ambientais e as
práticas administrativas devem ser constantemente identificadas e especificadas.
É com a Teoria da Contingência que acontece o deslocamento da visão de dentro para fora da
organização: a ênfase dada para o ambiente e as demandas ambientais sobre a dinâmica
organizacional. Para a abordagem contingencial são as características ambientais que condicionam as
características organizacionais, assim, não há uma única melhor maneira de se organizar. Tudo
depende das características ambientais importantes para a organização. Essa visão relativista da teoria
da contingência mostra que as características da organização não dependem dela própria, mas das
circunstâncias ambientais e da tecnologia que ela utiliza. Ela se baseia em outras teorias para explicar
os fenômenos.
Os contingencialistas tiraram muito a responsabilidade de evolução e desenvolvimento da empresa
colocando uma maior responsabilidade nas características ambientais, dizendo que elas condicionam
as características organizacionais, quando na realidade, mesmo com situações adversas e ambientes
não tão agradáveis para se trabalhar é possível realizar um bom trabalho. Não pode-se ficar
condicionado apenas ao fator ambiente, é preciso olhar para o potencial evolutivo do funcionário e sua
capacidade de adaptação e flexibilidade.
Era da Informação (Após 1990): Tecnologia da Informação, globalização, ênfase nos serviços,
aceleração da mudança, imprevisibilidade, instabilidade e incerteza. Nesta era, o ênfase é em:
* Produtividade
* Qualidade
* Competitividade
* Cliente
* Globalização
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Material para fins didático

Era da Informação é o nome dado ao período que vem após a Era Industrial, mais especificamente
após a década de 1980, embora suas bases tenham começado no princípio do século XX e,
particularmente, na década de 1970, com invenções tais como o microprocessador, a rede de
computadores, a fibra óptica e o computador pessoal.
Peter Drucker, renomado consultor de empresas e autor de dezenas de livros sobre o assunto, foi a
primeira pessoa a chamar o momento que estamos vivendo de Era da Informação. É dele também o
livro [[Administração em Tempos de Grandes Mudanças]], que expõe claramente esse novo paradigma
II Guerra Mundial, tinham como uma das principais exigências as suas colocações imediatas em
alguma universidade. Hoje isso pode parecer óbvio, mas na época foi muito marcante visto que
aqueles que voltaram da I Guerra1946, o conhecimento já estava sendo mais valorizado do que o
trabalho simplesmente operacional. social. Este livro demonstra que podemos determinar o início da
Era da Informação a partir da atitude dos soldados americanos que, após voltar da aspiravam apenas
por um emprego seguro. Neste momento, por volta de
O sociólogo estadunidense Daniel Bell (nasceu nos Estados Unidos em 1919) determina que a Era da
Informação tem seu marco primordial uma década depois, em 1956, quando o número de “colarinhos
brancos” ultrapassou o de operários no seu país. Ao perceber isso ele advertiu: “Que poder operário
que nada! A sociedade caminha em direção à predominância do setor de serviços.” Ou seja, o poder
direcionava-se àqueles que possuíam algum tipo de conhecimento que interessava a outros.
Algumas tendências já podem ser determinadas:
1. O aprendizado contínuo se torna imprescindível.
2. É preciso especializar-se, unindo conhecimento teórico ao pragmatismo.
3. As empresas devem esquecer a premissa de conquistar resultados com baixos salários.
4. A vantagem hoje está na boa aplicação do conhecimento.
5. A Era da Informação está sendo mais do que uma mudança social. Ela é uma mudança na condição
humana.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública
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Material para fins didático
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública
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Material para fins didático

REFORMA DO ESTADO. Fernando Henrique Cardoso


Vivemos num cenário global que traz novos desafios às sociedades e aos Estados nacionais. Não
é nenhuma novidade dizer que estamos numa fase de reorganização tanto do sistema econômico, como
também do próprio sistema político mundial. Como consequência desse fenômeno, impõe-se a
reorganização dos Estados nacionais, para que eles possam fazer frente a esses desafios que estão
presentes na conjuntura atual.
É imperativo fazer uma reflexão a um tempo realista e criativa sobre os riscos e as oportunidades
do processo de globalização, pois somente assim será possível transformar o Estado de tal maneira que
ele se adapte às novas demandas do mundo contemporâneo. É esse - creio - o objetivo precípuo deste
seminário. Trata-se de exercício do qual nenhum governo deve - e nem pode - furtar-se, sob pena de
comprometer as perspectivas nacionais de desenvolvimento.
Reformar o Estado não significa desmantelá-lo. Pelo contrário, a reforma jamais poderia
significar uma desorganização do sistema administrativo e do sistema político de decisões e, muito
menos, é claro, levar à diminuição da capacidade regulatória do Estado, ou ainda, à diminuição do seu
poder de liderar o processo de mudanças, definindo o seu rumo.
Mudar o Estado significa, antes de tudo, abandonar visões do passado de um Estado
assistencialista e paternalista, de um Estado que, por força de circunstâncias, concentrava-se em larga
medida na ação direta para a produção de bens e de serviços. Sabe-se que a produção de bens e
serviços pode e deve ser transferida à sociedade, à iniciativa privada, com grande eficiência e com
menor custo para o consumidor.
Insisto, assim, em um ponto: esta visão de um Estado que se adapta para poder enfrentar os
desafios de um mundo contemporâneo não pode ser confundida nem com a inexistência de um Estado
competente, eficaz, capaz de dar rumo à sociedade ou, pelo menos, de acolher aqueles rumos que a
sociedade propõe e que requerem uma ação administrativa e política mais consequente, nem tampouco
significar a inércia diante de um aparelho estatal construído em outro momento da história de cada um
dos nossos países que se concentrou seja no corporativismo e no assistencialismo, seja na produção
direta de bens e de serviços.
Não há dúvida de que, nos dias de hoje, além desse papel de iluminar os caminhos nacionais e,
de certa maneira, de apontar metas que sejam compatíveis com os desejos da sociedade, o Estado deve
também concentrar-se na prestação de serviços básicos à população - educação, saúde, segurança,
saneamento, entre outros.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Mas, para bem realizar essa tarefa - que é ingente e difícil -, para efetivamente ser capaz de
atender às demandas crescentes da sociedade, é preciso que o Estado se reorganize e para isso é
necessário adotar critérios de gestão capazes de reduzir custos, buscar maior articulação com a
sociedade, definir prioridades democraticamente e cobrar resultados.
Muitos confundem a reforma do aparelho estatal com um mero exercício de aprovação pelo
Congresso Nacional de diplomas legislativos que desenhem o Estado com uma face mais competente e
mais atuante. É claro que a participação do Congresso na redefinição do papel do Estado é essencial,
até porque muitas dessas mudanças exigem emendas constitucionais.
Mas o verdadeiro processo de redefinição do Estado para que ele possa realmente atender os seus
objetivos contemporâneos é um processo, não um ato. Envolve toda uma mudança de mentalidade;
algo que é muito mais profundo do que se imagina, porque implica efetivamente a alteração de práticas
que estão enraizadas nas nossas sociedades. E o que é ainda mais difícil de mudar: práticas enraizadas
que cristalizaram interesses concretos.
Faço aqui uma ressalva: ao dizer que interesses se cristalizaram, não estou qualificando este fato,
em si mesmo, de negativo. Mas, quando muda uma conjuntura e esses interesses persistem e não são
mais adequados para responder os desafios da nova época, eles passam a ter um papel politicamente
negativo.
Muitas vezes, são interesses que podem ser até altruístas ou legítimos, vistos de certa
perspectiva. Mas quando observamos esses interesses particulares de uma perspectiva mais ampla, do
conjunto da sociedade, vemos que eles não mais se justificam.
Às vésperas de minha posse, realizamos um grande seminário internacional, aqui mesmo no
Itamarati. Recordo-me de uma discussão a respeito do papel das organizações não-governamentais e
do Estado. No início, essa relação ONG-Estado era marcada por uma espécie de distanciamento, até
mesmo de antagonismo. Havia ataques de parte a parte e isso levava o aparelho do Estado a ficar cada
vez mais voltado para si mesmo, no intuito de defender a sua visão de como conduzir a coisa pública.
Progressivamente, isso foi mudando. Hoje, para usar a expressão de Manuel Castells, sociólogo
espanhol que eu prezo muito, as organizações verdadeiramente eficientes deixaram de ser "não-
governamentais": passaram a ser "neo governamentais".
Esta é uma realidade, uma forma de interação que tem que ser absorvida tanto pelas ONGs
quanto pelo Estado.
O Estado tem que se abrir a certas pressões da sociedade, mas a sociedade também tem que
aprender a dialogar com o Estado, de uma maneira que seja adequada aos objetivos da população.
Infelizmente no Brasil, uma parcela pequena, é verdade, da população não quer o diálogo com o
Estado. Quer pura e simplesmente sua destruição; não admite reconhecer a legitimidade dos governos
quando eles são legítimos e democráticos.
Para avançar nessa interação entre Estado e sociedade é preciso liderança, é necessário haver um
processo progressivo de convencimento. Estou seguro de que cada um dos participantes deste
seminário tem experiências interessantes que confirmam esse enorme esforço contemporâneo de
reconstrução do Estado, buscando criar novos canais que permitam que a sociedade e a burocracia
possam, articuladamente, dialogar; que permitam que o poder político possa tomar as decisões
pertinentes. Porque numa democracia, em última análise, o poder legítimo é o poder legitimado pelo
voto, pela cidadania.
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Material para fins didático

Assim, nem a burocracia em si mesma, nem os grupos da sociedade civil que não passaram pelo
teste das urnas têm legitimidade para liderar a mudança. Eles têm, isso sim, o dever de preparar a
discussão, de pressionar os governantes. Mas a legitimidade da decisão tem que caber àqueles que são
os detentores da vontade popular. Esta é a essência da democracia; esta é a essência do
republicanismo.
Isso significa que nós temos que preparar a nossa administração para a superação dos modelos
burocráticos do passado, de forma a incorporar técnicas gerenciais que introduzam na cultura do
trabalho público as noções indispensáveis de qualidade, produtividade, resultados, responsabilidade
dos funcionários, entre outras.
Estamos vivendo um momento de transição de um modelo de administração que foi inicialmente
assistencialista e patrimonialista (que mais tarde deu um passo adiante, burocratizando-se, no sentido
weberiano da palavra) para um novo modelo, no qual não basta mais a existência de uma burocracia
competente na definição dos meios para atingir fins. Agora, o que se requer é algo muito mais
profundo: um aparelho do Estado que, além de eficiente, esteja orientado por valores gerados pela
própria sociedade.
Um aparelho de Estado capaz de comunicar-se com o público de forma desimpedida.
Essa passagem é um dos grandes desafios do mundo contemporâneo.
É uma transição à qual todos devemos nos dedicar, a fim de reorganizar o aparelho de Estado.
E essa transição não será possível nem viável sem a participação dos funcionários públicos.
Erram aqueles que identificam no funcionalismo público um foco de resistência à mudança. Eles não
podem ser vistos como repositório do velho, do antigo, do antiquado, do arcaico. Reconheço com
satisfação que a burocracia estatal tem um número expressivo de núcleos de competência e excelência.
É necessário que esses núcleos ganhem força, para que tenham a capacidade de contagiar o
conjunto da administração. Porque a reforma apenas terá êxito se for sustentada pelas lideranças do
serviço público. Não digo as lideranças sindicais que, infelizmente, estão atreladas às formas mais
nocivas de corporativismo, mas sim as lideranças de mentalidade que querem renovar-se, que têm
entusiasmo pela função pública, que têm o sentido de missão, de espírito público.
A reforma tem que ganhar o apoio do funcionalismo. É preciso que o setor que administra seja
parte ativa nessa transformação. E que, como parte ativa desse processo, os próprios funcionários
convençam-se de que é preciso deixar de lado os resquícios do patrimonialismo, da troca de favores,
das vantagens corporativistas, do servilismo clientelista ao poder político, como ocorre em certas áreas
da Administração Pública.
Precisamos acabar com a noção de que ser funcionário é ser privilegiado.
O privilégio é servir ao público, à cidadania. E, servindo adequadamente ao público, ser
compensado pela admiração por parte da sociedade.
E essa admiração não pode se esgotar em belas palavras. Deve significar também a valorização
das carreiras do serviço público, melhor remuneração.
Mas, como tenho insistido, nada disso se conquista do dia para a noite. E tampouco podemos dar
guarida à manifestação de interesses corporativos, que não merecem qualquer apoio da população.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

A melhoria das condições de trabalho do funcionalismo crescerá com a estabilização da


economia, não com a demagogia daqueles que sonham com a volta da indexação salarial, que só
realimenta a inflação e penaliza os mais pobres. Viver numa economia estabilizada requer uma outra
mentalidade, na qual obviamente os aumentos têm que estar condicionados à disponibilidade efetiva
do orçamento e ao aumento da produtividade. Não há outra maneira de um país crescer senão
aumentando a sua produtividade, a sua riqueza e, aí sim, simultaneamente, fazendo com que aqueles
que são partícipes da construção da nação possam usufruir de parte crescente desse benefício, sem
prejuízo, obviamente, das taxas necessárias de investimento.
Temos, portanto, um desafio tipicamente iluminista, no sentido que o termo tem desde o século
XVIII: ou se introduzem graus de racionalidade no processo das reformas e esta racionalidade passa a
ser sentida pelos próprios partícipes, que são os funcionários; ou então a reforma fracassa, porque ela
vai ser obstaculizada por pessoas que pensam que o governo é capaz de fazer milagres, sobretudo no
que diz respeito à remuneração. Se o governo for sério, não fará milagres, nem enganará ninguém.
Temos, assim, outra vez uma batalha, digamos, teórico-prática, político-ideológica de
convencimento e de reorganização das visões de mundo.
É indiscutível, porém, que é preciso haver reformas. É indiscutível que precisamos revalorizar o
trabalho do funcionário público, a própria ação do Estado.
Uma coisa é certa: precisamos de uma reforma profunda do aparelho do Estado, pois de outra
forma não estaremos à altura de enfrentar esse gigantesco desafio.
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Material para fins didático

GESTÃO DO SETOR PÚBLICO: ESTRATÉGIA E ESTRUTURA


PARA UM NOVO ESTADO. Luiz Carlos Bresser Pereira
Na década de 80, logo após a eclosão da crise de endividamento internacional, o tema que
prendeu a atenção de políticos e formuladores de políticas públicas em todo o mundo foi o ajuste
estrutural ou, em termos mais analíticos, o ajuste fiscal e as reformas orientadas para o mercado. Nos
anos 90, embora o ajuste estrutural continue figurando entre os principais objetivos, a ênfase deslocou-
se para a reforma do Estado, particularmente para a reforma administrativa. A questão central hoje é
como reconstruir o Estado como redefinir um novo Estado em um mundo globalizado.
Também no Brasil ocorreu essa mudança de perspectiva. Uma das principais reformas a que se
dedica o governo Fernando Henrique Cardoso é a reforma da Administração Pública, embora não
constasse dos temas da campanha eleitoral de 1994. Entretanto, o novo presidente decidiu transformar
a antiga e burocrática Secretaria da Presidência, que geria o serviço público, em um novo ministério, o
da Administração Federal e Reforma do Estado. Ao acrescentar a expressão "reforma do Estado" ao
nome do novo ministério, o presidente não estava apenas aumentando as atribuições de um
determinado ministério, mas indicando uma prioridade do nosso tempo: reformar ou reconstruir o
Estado.
Escolhido para o cargo de ministro, propus que a reforma administrativa fosse incluída entre as
reformas constitucionais já definidas como prioritárias pelo novo governo - reforma fiscal, reforma da
previdência social e eliminação dos monopólios estatais. E afirmei que para podermos ter uma
Administração Pública moderna e eficiente, compatível com o capitalismo competitivo em que
vivemos, seria necessário flexibilizar o estatuto da estabilidade dos servidores públicos de modo a
aproximar os mercados de trabalho público e privado. A reação imediata dos funcionários civis, dos
intelectuais e da imprensa foi bastante negativa. Reagiram contra a mudança, contra as reformas que
lhes pareciam ameaçadoras. Passados alguns meses, contudo, o apoio surgiu, primeiro o dos
governadores estaduais, depois o dos prefeitos, empresários, imprensa e, finalmente, da opinião
pública. De repente, a reforma passava a ser vista como necessidade crucial, não apenas interna, mas
exigida também pelos investidores estrangeiros e pelas agências financeiras multilaterais.
Depois de amplamente debatida, a emenda constitucional da reforma administrativa foi remetida
ao Congresso Nacional em agosto de 1995. À emenda seguiu-se a publicação de um documento
(Presidência da República do Brasil, 1995) sobre a reforma administrativa - o Plano diretor da reforma
do aparelho do Estado -, cuja proposta básica é transformar a Administração Pública brasileira, de
burocrática, em gerencial. Essa transformação passou a ser uma questão nacional.
Por que esse novo interesse pela reforma do Estado e, particularmente, do aparelho do Estado?
Qual o conteúdo dessas reformas? São parte da ideologia neoliberal ou são passos necessários para a
gestão do Estado capitalista contemporâneo? Que relação existe entre a estratégia gerencial e a
estrutura do novo Estado que emerge de sua grande crise - a crise dos anos 80, que, de várias maneiras,
estendeu-se até os anos 90? Estas são algumas das questões a que tentarei responder nesta palestra,
sabendo muito bem que as respostas possíveis são limitadas e provisórias.

A reforma do Estado como questão central


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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Podemos encontrar muitas razões para o crescente interesse de que tem sido alvo a reforma do
Estado nos anos 90. A razão básica, provavelmente, está na percepção generalizada de que não basta o
ajuste estrutural para se retomar o crescimento. Desde meados dos anos 80, os países altamente
endividados têm-se dedicado a promover o ajuste fiscal, a liberalizar o comércio, a privatizar, a
desregulamentar. Os resultados foram positivos, na medida em que se superaram os aspectos agudos
da crise: o balanço de pagamentos voltou a um relativo controle, por toda a parte caíram as taxas de
inflação, os países recuperaram pelo menos alguma credibilidade. Mas não se retomou o crescimento.
A premissa neoliberal que estava por trás das reformas - de que o ideal era um Estado mínimo, ao qual
caberia apenas garantir os direitos de propriedade, deixando ao mercado a total coordenação da
economia - provou ser irrealista. Em primeiro lugar porque, apesar do predomínio ideológico
alcançado pelo credo neoconservador, em país algum - desenvolvido ou em desenvolvimento - esse
Estado mínimo tem legitimidade política. Não há sequer apoio político para um Estado que apenas
acrescente às suas funções as de prover a educação, dar atenção à saúde e às políticas sociais
compensatórias: os cidadãos continuam a exigir mais do Estado.
Em segundo lugar, porque rapidamente se percebeu que a ideia de que as falhas do Estado eram
necessariamente piores que as falhas do mercado não passava de dogmatismo. As limitações da
intervenção estatal são evidentes, mas o papel estratégico que as políticas públicas desempenham no
capitalismo contemporâneo é tão importante que se torna irrealista propor que sejam substituídas pela
coordenação do mercado, nos termos sugeridos pelo pensamento neoliberal. Como Przeworski (1996:
119) observa, "a visão [neoliberal] de que, na ausência de suas tradicionais 'falhas', os mercados seriam
eficientes, parece estar morta ou, no mínimo, moribunda".
Por outro lado, tornou-se cada vez mais claro que a causa básica da grande crise dos anos 80 -
uma crise que só os países do Leste e do Sudeste asiático conseguiram evitar - foi o Estado: uma crise
fiscal do Estado, uma crise do tipo de intervenção estatal e uma crise da forma burocrática de
administração do Estado.' Ora, se a proposta de um Estado mínimo não é realista, e se o fator básico
subjacente à crise econômica é a crise do Estado, a conclusão só pode ser uma: a solução não é
provocar o definhamento do Estado, mas reconstruí-lo, reformá-lo.
A reforma provavelmente significará reduzir o Estado, limitar suas funções como produtor de
bens e serviços e, em menor extensão, como regulador, mas implicará também ampliar suas funções no
financiamento de atividades que envolvam externalidades ou direitos humanos básicos e na promoção
da competitividade internacional das indústrias locais.
A reforma do Estado é um tema amplo. Envolve aspectos políticos - os que se relacionam com a
promoção da governabilidade -, econômicos e administrativos - aqueles que visam a aumentar a
governança. Dentre as reformas que têm por objetivo aumentar a capacidade de governar - a
capacidade efetiva de que o governo dispõe para transformar suas políticas em realidade -, as que
primeiro foram iniciadas, ainda nos anos 80, foram aquelas que devolvem saúde e autonomia
financeira ao Estado: particularmente o ajuste fiscal, a privatização. Mas igualmente importante é uma
reforma administrativa que torne o serviço público mais coerente com o capitalismo contemporâneo,
que permita aos governos corrigir falhas de mercado sem incorrer em falhas maiores. Esse tipo de
reforma vem recebendo crescente atenção nos anos 90.
A explicação é simples: os cidadãos estão-se tornando cada vez mais conscientes de que a
Administração Pública burocrática não corresponde às demandas que a sociedade civil apresenta aos
governos no capitalismo contemporâneo.
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Material para fins didático

Os cidadãos exigem do Estado muito mais do que o Estado pode oferecer. E a causa imediata da
lacuna que assim se cria não é apenas fiscal, como observou O'Connor (1973), nem apenas política,
como Huntington (1968) destacou, mas é também administrativa. Os recursos econômicos e políticos
são por definição escassos, mas é possível superar parcialmente essa limitação com seu uso eficiente
pelo Estado, quando não se pode contar com o mercado, isto é, quando a alocação de recursos pelo
mercado não é solução factível, dado seu caráter distorcido ou dada sua incompletude. é
Nesse caso, a função de uma Administração Pública eficiente passa a ter valor estratégico, ao
reduzir a lacuna que separa a demanda social e a satisfação dessa demanda.
Há, porém uma razão maior para o interesse que a reforma do Estado, e particularmente da
Administração Pública, tem despertado: a importância sempre crescente que se tem dado à proteção do
patrimônio público (res publica) contra as ameaças de "privatização" ou, em outras palavras, contra
atividades de “rent-seeking”. 12
A proteção do Estado, na medida em que este inclui a res publica, corresponde a direitos básicos
que, finalmente, no último quartel deste século, começaram a ser definidos - direitos que podem ser
chamados de "direitos públicos". No século XVIII, os filósofos iluministas e as cortes britânicas
definiram os direitos civis, que, no século seguinte, foram introduzidos pelos políticos liberais (na
acepção europeia) nas Constituições de todos os países civilizados. No século XIX, os socialistas
definiram os direitos sociais, que, na primeira metade do século XX, foram introduzidos nas
Constituições de todos os países pelos partidos social democratas."
O surgimento do Estado do Bem-Estar Social, para reforçar os direitos sociais, e o papel cada
vez maior que o Estado assumiu ao promover o crescimento econômico e a competitividade
internacional em nosso século significaram um enorme reforço à ideia de Estado como res publica. E
também significaram um aumento considerável da cobiça de indivíduos e de grupos desejosos de
submeter o Estado a seus interesses particulares. A privatização da carga fiscal (forma principal da res
publica) passava a ser o principal objetivo dos rent-seekers.
No século XVIII, historicamente, compreendeu-se a importância de proteger o indivíduo contra
um Estado oligárquico e, no século XIX, a importância de proteger os pobres e os fracos contra os
ricos e poderosos, mas a importância de proteger o patrimônio público só passou a ser dominante na
segunda metade do século XX. Não por acaso, quase simultaneamente, um cientista político
socialdemocrata brasileiro (Martins, 1978) escreveu pela primeira vez sobre a "privatizaçáo do
Estado", e uma economista norte-americana conservadora (Krueger, 1974) definiu rent-seeking.
Ambos se referiam ao mesmo problema: percebiam que era necessário proteger a res publica contra a
ganância de indivíduos e grupos poderosos. Se, no século XVIII, foram definidos os direitos civis e, no
século XIX, os direitos sociais, passava agora a ser necessário definir um terceiro tipo de direitos,
também básicos - os direitos públicos: os direitos de que gozam todos os cidadãos, de que seja público

12 “Rent Seeking” definido, usualmente, como atividade política de um indivíduo ou grupo que adota recursos
escassos para perseguir direitos de monopólio concedidos pelo governo; atividade que tenta se apropriar da
riqueza existente, ao invés de criá-la. Um procedimento que tem como preposições básicas: a) o gasto de
recursos para conseguir uma transferência de renda é, em si mesmo, um custo social, b) o privilégio resultante
do mercado ou a renda representa uma perda de bem-estar sobre os consumidores ou contribuintes. Os
instrumentos e a ação ainda que individualmente possam ser racionais na perspectiva de seus participantes,
podem conduzir a políticas irracionais ou ineficientes no ponto de vista coletivo
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

o que de fato é público, Ou, em outras palavras, o direito de que a propriedade do Estado seja pública,
isto é, de todos e para todos, não apropriada por uns poucos.
O Estado deve ser público, as organizações não-estatais e sem fins lucrativos (ou organizações
não-governamentais) devem ser públicas. Bens estritamente públicos, como um meio ambiente
protegido, devem ser públicos.
Direitos públicos são os direitos que nos asseguram que o patrimônio público - a res publica -,
entendido em sentido amplo, seja público; que seja de todos e para todos, e não objeto de rent-seeking,
algo privatizado por grupos de interesse. 5
À medida que a proteção aos direitos públicos passava a ser dominante em todo o mundo, foi-se
tornando cada vez mais claro que era preciso refundar a república, que a reforma do Estado ganhava
nova prioridade, que a democracia e a Administração Pública burocrática - as duas instituições criadas
para proteger o patrimônio público - precisavam mudar: a democracia devia ser aprimorada para se
tornar mais participativa ou mais direta, e a Administração Pública burocrática devia ser substituída
por uma administração pública gerencial.

5 Observe-se que o conceito de "privatização do Estado" ou de "privatizaçáo do patrimônio público"


não deve ser confundido com a privatização de empresas que pertencem ao Estado - a venda de parte
do patrimônio público a proprietários privados, Privatização, neste sentido, é venda regular - e não
apropriação viciosa - de um patrimônio que a sociedade conclua que deva pertencer a entidades
privadas, não a entidades públicas.

Patrimonialismo e burocracia
A característica que definia o governo nas sociedades pré-capitalistas e pré-democráticas era a
privatização do Estado, ou a interpermeabilidade dos patrimônios público e privado.
"Patrimonialismo" significa a incapacidade ou a relutância de o príncipe distinguir entre o patrimônio
público e seus bens privados. A administração do Estado pré-capitalista era uma administração
patrimonialista. Com o surgimento do capitalismo e da democracia, estabeleceu-se uma distinção clara
entre res publica e bens privados. A democracia e a administração pública burocrática emergiram
como as principais instituições que visavam a proteger o patrimônio público contra a privatização do
Estado. Democracia é o instrumento político que protege os direitos civis contra a tirania, que assegura
os direitos sociais contra a exploração e que afirma os direitos públicos em oposição ao rent-seeking.
Burocracia é a instituição administrativa que usa, como instrumento para combater o nepotismo e a
corrupção - dois traços inerentes à administração patrimonialista -, os princípios de um serviço público
profissional e de um sistema administrativo impessoal, formal e racional.
Foi um grande progresso o surgimento, no século XIX, de uma administração pública
burocrática em substituição às formas patrimonialistas de administrar o Estado. Weber (I922), o
principal analista desse processo, destacou com muita ênfase a superioridade da autoridade racional-
legal sobre o poder patrimonialista. Apesar disso, quando, no século XX, o Estado ampliou seu papel
social e econômico, a estratégia básica adotada pela administração pública burocrática - o controle
hierárquico e formalista dos procedimentos - provou ser inadequada. Essa estratégia podia talvez evitar
a corrupção e o nepotismo, mas era lenta, cara, ineficiente. Ela fazia sentido no tempo do Estado
~ 90 ~
Material para fins didático

liberal do século XVIII: um Estado pequeno dedicado à proteção dos direitos de propriedade; um
Estado que só precisava de um Parlamento para definir as leis, de um sistema judiciário e policial para
fazer cumpri-las, de forças armadas para proteger o país do inimigo externo, e de um ministro das
Finanças para arrecadar impostos. Mas era uma estratégia que já não fazia sentido, uma vez que o
Estado havia acrescentado às suas funções o papel de provedor de educação pública, de saúde pública,
de cultura pública, de seguridade social, de incentivos à ciência e à tecnologia, de investimentos em
infraestrutura, de proteção ao meio ambiente. Agora, ao invés de três ou quatro ministros, era preciso
ter 15 ou 20. Ao invés de uma carga de impostos correspondente a 10%do PIB, necessitava-se de
impostos que representavam de 30 a 60% do PIB. Ao invés da velha administração pública
burocrática, uma nova forma de administração, que tomou de empréstimo os imensos avanços por que
passaram, no século XX, as empresas de administração de negócios, sem contudo perder a
característica específica que a faz ser administração pública: uma administração que não visa ao lucro,
mas à satisfação do interesse público.
À nova administração pública não basta ser efetiva em evitar o nepotismo e a corrupção. ela tem
de ser eficiente ao prover bens públicos e semipúblicos, que cabe ao Estado diretamente produzir ou
indiretamente financiar.
Se, nos países desenvolvidos, os direitos civis e sociais estavam razoavelmente protegidos, os
direitos públicos não estavam: a res publica estava exposta a todo tipo de ameaças. O nepotismo e a
corrupção mais visíveis foram controlados, mas surgiram novas modalidades de apropriação privada
de uma fatia maior do patrimônio público. Empresários continuavam a obter subsídios desnecessários
e isenção de impostos; a classe média assegurou para si benefícios especiais, muito maiores do que
está disposta a reconhecer; os funcionários públicos eram muitas vezes ineficientes no trabalho, ou
simplesmente não trabalhavam - no caso de excesso de quadros -, mas se mantinham protegidos por
leis ou costumes que lhes garantem a estabilidade no emprego.
Nos países em desenvolvimento - nos quais emergiu, neste século, um Estado
desenvolvimentista em substituição ao Estado de Bem-Estar Social- a situação era muito pior: os
direitos civis e sociais continuavam quase sempre sem proteção; o nepotismo e a corrupção conviviam
com a burocracia, que era beneficiária de privilégios e convivia com excesso de quadros.
Se, no século XIX, a administração pública do Estado liberal era um instrumento para garantir os
direitos de propriedade - assegurando a apropriação dos excedentes da economia pela classe capitalista
emergente -, no Estado desenvolvimentista, a administração burocrática era uma modalidade de
apropriação dos excedentes por uma nova classe média de burocratas e tecnoburocratas. No Estado
liberal, o preço da iniciativa empreendedora foi a concentração de renda nas mãos da burguesia,
mediante mecanismos de mercado; no Estado desenvolvimentista, o excedente da economia foi
dividido entre os capitalistas e os burocratas, que, além dos mecanismos de mercado, usaram o
controle político do Estado para enriquecimento próprio. Se, nos países desenvolvidos, a res publica
não foi bem protegida pela administração burocrática, dada sua ineficiência em administrar o Estado
de Bem-Estar Social, nos países em desenvolvimento, ares publica foi ainda menos protegida, porque,
nesses países, os burocratas não se dedicaram apenas à construção do Estado, mas também a substituir
parcialmente a burguesia no processo de acumulação de capital e na apropriação do excedente
económico.?
~ 91 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Administração pública gerencial


A administração pública gerencial emergiu na segunda metade deste século como resposta à
crise do Estado, como modo de enfrentar a crise fiscal, como estratégia para reduzir o custo e tornar
mais eficiente a administração dos imensos serviços que cabiam ao Estado e como um instrumento de
proteção do patrimônio público contra os interesses do rent-seeking ou da corrupção aberta. Mais
especificamente, desde a década de 60, ou pelo menos desde o início dos anos 70, cresceu a
insatisfação, amplamente disseminada, com relação à administração pública burocrática.?
Algumas características básicas definem a administração pública gerencia!. É orientada para o
cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são
merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do
incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos
gestores públicos.
Enquanto a administração pública burocrática concentra-se no processo; em definir
procedimentos para a contratação de pessoal, para a compra de bens e serviços; e em satisfazer as
demandas dos cidadãos, a administração pública gerencial orienta-se para os resultados. A burocracia
atenta para os processos, sem considerar a alta ineficiência envolvida, porque acredita que este seja o
modo mais seguro de evitar o nepotismo e a corrupção. Os controles são preventivos, vêm a priori.
Entende, além disso, que punir os desvios é sempre difícil, para não dizer impossível; prefere, pois,
prevenir. A rigor, uma vez que sua ação não tem objetivos claros - definir indicadores de desempenho
para as agências estatais é tarefa extremamente difícil -, não tem outra alternativa senão controlar os
procedimentos.

6 Desenvolvo a ideia da emergência de uma classe burocrática, ou tecnoburocrática, em dois livros


publicados no Brasil, na década de 70. Em Bresser Pereira (1981) foram publicados meus ensaios
gerais, ou teóricos, sobre o tema. Em Bresser Pereira (1977) concentro-me no papel dessa nova classe
associada à classe capitalista no governo dos países em desenvolvimento. Nos quais emergiram
regimes burocrático-capitalistas.
7 Como diz Ostrom (1973:15): "a sensação de crise que se desenvolveu no campo da administração
pública ao longo da última geração originou-se da insuficiência do paradigma inerente à teoria
tradicional da administração pública".

A administração pública gerencial, por sua vez, parte do princípio de que é preciso combater o
nepotismo e a corrupção, mas que, para isso, não são necessários procedimentos rígidos. Estes podem
ter sido necessários quando predominavam os valores patrimonialistas, mas não o são agora, quando se
rejeita universalmente que se confundam os patrimônios público e privado. Por outro lado, emergiram
novas modalidades de apropriação da res publica pelo setor privado que não podem ser evitadas pelo
recurso aos métodos burocráticos. O rent-seeking é quase sempre um modo mais sutil e sofisticado de
privatizar o Estado e exige que se usem novas contra-estratégias.
A administração gerencial; a descentralização; a delegação de autoridade e de responsabilidade
ao gesto r público; o rígido controle sobre o desempenho, aferido mediante indicadores acordados e
~ 92 ~
Material para fins didático

definidos por contrato, além de serem modos muito mais eficientes de gerir o Estado, são recursos
muito mais efetivos na luta contra as novas modalidades de privatização do Estado.
Enquanto a administração pública burocrática é auto-referente, a administração pública gerencial
é orientada para o cidadão. Como observa Barzelay(I992:8), "a agência burocrática concentra-se em
suas próprias necessidades e perspectivas, a agência orientada para o consumidor concentra-se nas
necessidades e perspectivas do consumidor".
A burocracia moderna surgiu no século XIX, quando ainda era preciso afirmaro poder do Estado
em oposição a poderes feudais ou regionais. O Estado nacional nasceu na Europa, nas monarquias
absolutas, nas quais a burocracia patrimonialista desempenhava papel central. As burocracias
capitalistas modernas são uma evolução da burocracia patrimonialista e se
autodiferenciaram por fazerem clara distinção entre patrimônio público e patrimônioprivado.
Mas ainda se mantiveram bem próximas da matriz inicial em tudo que diz respeito à afirmação
do poder do Estado. Por isso as burocracias tendem a ser auto-referentes. Além de promoverem seus
próprios interesses, interessam-se, primariamente, em afirmar o poder do Estado - o "poder
extrovertido"- sobre os cidadãos.f Em contraposição, para a administração pública gerencial, esse
poder já não está sob ameaça grave nos países desenvolvidos e sernidesenvolvidos.? Assim, o serviço
público já não precisa ser auto-referente, mas se orientar pela ideai de "serviço ao cidadão".

8 Observe-se que o Estado-nação, ou país, inclui o Estado e a sociedade civil. O Estado é a única
entidade à qual compete o poder extroverso - o poder de impor leis e impostos à sociedade civil, ou
seja, a um grupo organizado de cidadãos, que não é parte integrante direta do Estado, mas que,
simultaneamente, é objeto do poder do Estado e fonte da legitimidade do governo.
9 Exceto no caso de associações ou atividades ilegais, como a máfia. Nos países em desenvolvimento
há também a ameaça representada por várias modalidades de fundamentalismo.
Afinal, o "serviço público" é público, é um serviço para o público, para o cidadão.
Para que se proceda ao controle dos resultados, descentralizadamente, em uma administração
pública, é preciso que políticos e funcionários públicos mereçam pelo menos certo grau de confiança.
Confiança limitada, permanentemente controlada por resultados, mas ainda assim suficiente para
permitir a delegação, para que o gestor público possa ter liberdade de escolher os meios mais
apropriados ao cumprimento das metas prefixadas. Na administração burocrática essa confiança não
existe. E é impensável pela lógica neoconservadora ou neoliberal, dada, nos dois casos, a visão
radicalmente pessimista que têm da natureza humana. Sem algum grau de confiança, contudo, é
impossível obter cooperação e, embora a administração seja um modo de controle, é também um modo
de cooperação. O pessimismo radical dos neoliberais é funcional para avalizar a conclusão a que
chegam quanto à necessidade do Estado mínimo, mas não faz sentido algum quando o Estado mínimo
é visto como construção mental irrealista, ante a realidade do Estado moderno, que precisa ser
eficiente e ser gerido de forma efetiva e eficiente.

Reforma neoliberal?
~ 93 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

O enfoque gerencial da administração pública emergiu com vigor na Grã-Bretanha e nos EUA
depois que governos conservadores assumiram o poder em 1979 (governo Thatcher) e em 1980
(governo Reagan), o que levou alguns analistas a verem, nesse enfoque, uma visão intrinsecamente
conservadora.
Na verdade, só na Grã-Bretanha o gerencialismo foi aplicado ao serviço público imediatamente
após a posse do novo governo, e levou a uma reforma administrativa profunda e bem-sucedida. Uma
série de programas - o das Unidades de Eficiência, com relatórios de pesquisa e avaliação; o Próximo
Passo, com as agências autônomas; e o Direitos do Cidadão - contribuiu para tornar o serviço público
na Grã-Bretanha mais flexível, descentralizado, eficiente e orientado para o cidadão. O serviço público
britânico tradicional passou por profunda transformação, perdeu os traços burocráticos e adquiriu
características gerenciais.!

10 A melhor análise da experiência britânica que conheço foi escrita por um sociólogo da
Universidade de Warwick, contratado por sindicatos britânicos. Fairbrother (I994) escreveu uma
análise crítica moderada. Ver também Tomkins, 1987; Pyper & Robins (orgs.), 1995; Nunberg, 1995;
e Plowden, 1994. Pollitt (I990) tem uma abordagem radicalmente crítica.

Reformas semelhantes, contudo, ocorreram na Nova Zelândia, na Austrália e na Suécia, sob


governos no mais das vezes socialdemocratas. Nos EUA.
Osbome e Gaebler (I992) - que cunharam a expressão reinventing government (reinventar o
governo) -, em um livro que teve grande influência nos estudossobre o tema, descrevem as reformas
administrativas que ocorreram desde o início dos anos 70, mas que não se originaram no governo
federal e sim nas administrações municipais e estaduais. Foi em 1992 que se estabeleceu a meta de
reformar a administração pública federal norte-americana por critérios gerenciais, quando um político
democrata - o presidente Clinton - converteu a ideai de "reinventar o governo" em programa de
governo: a National Performance Reuiew (Revisão do Desempenho Nacional)."! Na França, reformas
semelhantes começaram em 1989, durante o governo do primeiro ministro Michel Roccard,
socialdemocrata. No Brasil, a primeira tentativa no sentido de uma administração gerencial data de
1967 - muito antes de aflorarem as ideais neoliberais, consequência da crise do Estado.'?
A administração pública gerencial é frequentemente identificada com as ideais neoliberais por
outra razão. As técnicas de gerenciamento são quase sempre introduzi das ao mesmo tempo em que se
implantam programas de ajuste estrutural que visam a enfrentar a crise fiscal do Estado. Como observa
Nunberg (1995:11), "a primeira fase da reforma, geralmente chamada de 'gerenciamento diluído',
consistiu em medidas para reduzir o gasto público e o número de funcionários, como resposta às
limitações fiscais". Isso ocorreu na Grã-Bretanha, no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, no
Japão e nos EUA. E ocorre atualmente na América Latina, incluído o Brasil, onde a reforma
administrativa é formalmente orientada para substituir a administração pública burocrática por uma
administração pública gerencial.l-'

11 Para uma avaliação deste programa, ver Kettl, 1994; Kettl & Dilulio, 1994 e 1995. Nos artigos de
Kettl& Dilulio (1995), os autores comparam o programa de reinvenção do governo de Clinton e Gore
~ 94 ~
Material para fins didático

com o "Contrato com a América" republicano, que chamam de programa de "arrasamento do Estado":
um programa gerencial realmente neoconservador.
12 A reforma foi lançada durante a administração Castelo Branco, pelo Decreto-lei n? 200, que
promovia uma radical descentralização da administração pública brasileira, incluindo as empresas de
propriedade do Estado. Sobre este assunto, ver Beltrão, 1984; e Martins, 1995. Hélio Beltrão trabalhou
pela reforma em 1967 e, mais tarde, em 1988, quando foi nomeado ministro da Administração Federal,
lançou um programa de desburocratização. Depois da transição para a democracia, porém, em 1985, a
reforma foi abandonada. O novo governo democrático tentou, sem sucesso, restaurar o pleno sistema
burocrático.
13 Após o fracasso da tentativa de restauração de um sistema burocrático no Brasil, em 1995, a
administração Fernando Henrique Cardoso, orientada para a reforma, propôs e tem implementado uma
reforma administrativa que adota a abordagem gerencial (Ministério da Administração Federal e
Reforma do Estado, 1995; Bresser Pereira, 1995; e Bresser Pereira, 1996b).

Esse fato quase sempre desperta reações fortes nos servidores públicos, além de levar a
acusações de neoliberalismo. Como disse certa vez um indignado funcionário público britânico "mais
eficiente, na verdade, quer dizer mais barato".14
Deve-se notar, porém, que a identificação de ajuste fiscal com conservadorismo ou
neoliberalismo pode ter uma explicação histórica, mas não tem explicação lógica. O neoliberalismo
surgiu de uma reação contra a crise fiscal do Estado e por isso passou a ser identificado com cortes nos
gastos e com o projeto de reduzir o "tamanho" do Estado. Logo, porém, tornou-se claro para as
administrações socialdemocratas que o ajuste fiscal não era proposta de cunho ideológico, mas
condição necessária para qualquer governo forte e efetivo. Isso, aliado à óbvia superioridade da
administração pública gerencial sobre a burocrática, levou governos de diferentes orientações
ideológicas a empreenderem reformas administrativas, quase sempre visando a duas metas: a redução
dos gastos públicos a curto prazo e o aumento da eficiência mediante uma orientação gerencial, a
médio prazo.
O maior risco a que se expõe esse tipo de reforma é ser vista como hostil ao funcionalismo
público e, assim, não conseguir obter a cooperação do corpo de servidores. Na Grã-Bretanha, um dos
países onde a reforma mais avançou, este foi - e continua sendo - o mais grave problema para o
governo. A reforma tomou-se possível por duas razões: porque, ao final da década de 70, a cúpula do
funcionalismo percebia claramente a urgente necessidade de uma reforma e porque Margaret Thatcher
estava visceralmente decidida a reduzir os custos da administração pública. Houve assim uma espécie
de coalizão entre o governo e os escalões superiores do funcionalismo.
Mas foi uma coalizão frágil, dada a evidente má-vontade de Thatcher e de seus aliados para com
os servidores''
As reações políticas à ideia da administração pública gerencial têm uma origem ideológica
óbvia. O livro Managerialism and the public service, de Pollitt (1990), é bom exemplo desse fato. O
managerialism é visto como um conjunto de ideias e crenças que tomam como valores máximos a
própria gerência, o objetivo de aumento constante da produtividade, e a orientação para o consumidor.
Abrucio (1996), em um panorama da administração pública gerencial, compara esse "gerencialismo
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

puro", pelo qual designa a "nova administração pública", com a abordagem adotada por Pollitt,
"orientada para o serviço público" e que visa a ser uma alternativa gerencial ao modelo britânico.

14 Plowden, 1994:4.
15 Como Plowden observa, "a própria primeira-ministra repetidamente deixava clara sua opinião de
que uma pessoa com talento e espírito empreendedor já teria trocado o serviço público pela iniciativa
privada e estaria ganhando dinheiro" (Plowden, 1994:10).

Na verdade, esse modo de ver as coisas é apenas uma tentativa de dar atualidade ao velho
modelo burocrático, não é uma alternativa gerencial. A ideia de opor a orientação para o consumidor
(gerencialismo puro) à orientação para o cidadão (gerencialismo reformado) não faz sentido algum.
Um dos programas cruciais de reforma que está sendo implementado pelo governo britânico é o citizen
chart. O cidadão também é um consumidor. Toda administração pública gerencial tem de considerar o
indivíduo, em termos econômicos, como consumidor (ou usuário) e, em termos políticos, como
cídadão.!"

Reformando a estrutura do Estado


A administração pública gerencial envolve, como vimos, uma mudança na estratégia de gerência,
mas essa nova estratégia deve ser posta em prática em uma estrutura administrativa reformada. A ideia
geral é descentralizar, delegar autoridade. Mas é preciso ser mais específico, definir claramente os
setores que o Estado opera, as competências e as modalidades de administração mais adequadas a cada
setor.
Os Estados modernos contam com quatro setores: o núcleo estratégico, as atividades exclusivas,
os serviços não-exclusivos e a produção de bens e serviços para o mercado. O núcleo estratégico é o
centro no qual se definem as leis, as políticas e como, em última instância, as fazer cumprir. É formado
pelo Parlamento, pelos tribunais, pelo presidente ou primeiro-ministro, por seus ministros e pela
cúpula dos servidores civis. Autoridades locais importantes também podem ser consideradas parte do
núcleo estratégico. No caso do sistema ser federal, também integram esse núcleo os governadores e
seus secretários e a alta administração pública estadual.
Atividades exclusivas são aquelas que envolvem o poder de Estado.
São as atividades que garantem diretamente que as leis e as políticas públicas sejam cumpridas e
financiadas. Integram esse setor as forças armadas, a polícia, a agência arrecadadora de impostos - as
funções tradicionais do Estado- e também as agências reguladoras, as agências de financiamento,
fomento e controle dos serviços sociais e da seguridade social. As atividades 16 A ideia de opor urna
orientação para o consumidor, que seria conservadora, a uma orientação para o usuário, que seria
socialdemocrata, faz um pouco mais de sentido, se definirmos o consumidor como um indivíduo que
paga pelos serviços que obtém do Estado, enquanto o usuário é financiado pelo Estado.
exclusivas, portanto, não devem ser identifica das com o Estado liberal clássico,
para o qual bastam a polícia e as forças armadas.
~ 96 ~
Material para fins didático

Serviços não-exclusivos são todos aqueles que o Estado provê, mas que, como não envolvem o
exercício do poder extroverso do Estado, podem ser também oferecidos pelo setor privado e pelo setor
público não-estatal C'não-governamental''). Esse setor compreende os serviços de educação, saúde,
culturais e de pesquisa científica.
Por fim, o setor de produção de bens e serviços é formado pelas empresas estatais.
Considerados esses quatro setores, deve-se responder a três questões:
que tipo de administração, que tipo de propriedade e que tipo de instituição devem prevalecer em
cada setor, no novo Estado que está nascendo nos anos 90. A resposta à primeira questão pode ser
direta: deve-se adotar a administração pública gerencial. É indispensável, porém, fazer uma
advertência:
no núcleo estratégico, no qual a eficácia é quase sempre mais relevante que a eficiência, ainda há
lugar para algumas características burocráticas devidamente atualizadas. Uma estratégia essencial ao
se reformar o aparelho do Estado é reforçar o núcleo estratégico e fazer com que seja ocupado por
servidores públicos altamente competentes, bem treinados e bem pagos;
com servidores que entendam o ethos do serviço público como o dever de servir ao cidadão.
Nessa área, a carreira e a estabilidade devem ser asseguradas por lei, embora os termos "carreira" e
"estabilidade" devam ser entendidos de modo mais flexível, se comparados com os seus
correspondentes na tradicional administração burocrática. Nas atividades exclusivas, a administração
deve ser descentralizada; nos serviços não-exclusivos, a administração deve ser mais que
descentralizada - deve ser autônoma: a sociedade civil dividirá, com o governo, as tarefas de controle.
A questão da propriedade é essencial. No núcleo estratégico e nas atividades exclusivas do
Estado, a propriedade será, por definição, estatal. Ao contrário, na produção de bens e serviços há hoje
consenso cada vez maior de que a propriedade deva ser privada, particularmente nos casos em que o
mercado pode controlar as empresas comerciais. Quando há monopólio natural, a situação ainda não é
clara, mas, mesmo nesse caso, com uma agência reguladora eficaz e independente, a propriedade
privada parece ser mais adequada.
No domínio dos serviços não-exclusivos, definir o regime de propriedade é mais complexo. Se
entendermos que devam ser financiados ou fomentados pelo Estado, seja porque envolvem direitos
humanos básicos (educação, saúde), seja porque implicam externalidades aferíveis (educação, saúde,
cultura, pesquisa científica), não há razão para serem privados. Por outro lado, na medida em que não
implicam o exercício do poder de Estado, não há razão para que sejam controlados por ele. Se não têm,
necessariamente, de ser propriedade do Estado ou propriedade privada, a alternativa é adotar-se o
regime da propriedade pública não-estatal ou - usando a terminologia anglo-saxônica - da propriedade
pública não-governamental. "Pública", no sentido de que se deve dedicar ao interesse público, de que
não visa ao lucro. "Não-estatal" porque não faz parte do aparelho do Estado.
Nos Estados Unidos, todas as universidades são organizações públicas não-estatais. Podem ser
consideradas "privadas" ou "controladas pelo Estado", mas, a rigor, não visam ao lucro e também não
empregam servidores públicos.
São parcialmente financiadas ou subsidiadas pelo Estado - sua face "privada" é menor que a face
"controlada pelo Estado" -, mas são entidades independentes, controladas por juntas que representam a
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

sociedade civil e - em posição minoritária - pelo Estado. No Reino Unido, as universidades e os


hospitais sempre estiveram sob o controle do Estado; agora já não é assim:
hoje são "organizações quase-não-governamentais" ("quangos"). Não foram privatizadas:
passaram do controle do Estado para o controle público.
Há três possibilidades com relação aos serviços não-exclusivos: podem ficar sob o controle do
Estado, podem ser privatizados e podem ser financiado sou subsidiados pelo Estado, mas controlados
pela sociedade, isto é, ser convertidos em organizações públicas não-estatais. O burocratismo e o
estatismo defendem a primeira alternativa; os neoliberais radicais preferem a segunda; os
socialdemocratas (ou democratas liberais, na acepção norte-americana) defendem a terceira. Há
inconsistência entre a primeira alternativa e a administração pública gerencial. Esse tipo de
administração tem dificuldade de conviver com a segunda alternativa, e é perfeitamente coerente com
a terceira.
Nesse caso, o Estado não é visto como produtor - como prega o burocratismo -, nem como
simples regulador que garanta os contratos e os direitos de propriedade - como reza o "credo"
neoliberal -, mas, além disso, como "financiador" (ou "subsidiador") dos serviços não-exclusivos. O
subsídio pode ser dado diretamente à organização pública não-estatal, mediante dotação orçamentária -
no Brasil costumamos chamar esse tipo de instituição de "organizações sociais" -, ou, por força de uma
mudança mais radical, pode ser dado diretamente ao cidadão sob a forma de vouchers. E podem
continuar a ser financiados pelo Estado, se a sociedade entender que essas atividades não devem ficar
submetidas apenas à coordenação do mercado.
São duas as principais instituições usadas para implementar essa reforma:
no domínio das atividades exclusivas, a ideia é criar "agências autônomas"
e, no caso das atividades não-exclusivas, convertê-las em "organizações sociais". As agências
autônomas serão plenamente integradas ao Estado e as organizações sociais incluir-se-ão no setor
público não-estatal. Serão organizações não-governamentais autorizadas pelo Parlamento a receber
dotação orçamentária do Estado. O núcleo estratégico usará o contrato de gestão como instrumento de
controle das atividades exclusivas e não-exclusivas. As agências autônomas, no caso das atividades
exclusivas, e as organizações sociais, no dos serviços não-exclusivos, serão descentralizadas. Nas
agências, o ministro nomeará o gerente executivo e firmará com ele o contrato de gestão; nas
organizações sociais, o gerente executivo será escolhido pelo conselho, cabendo ao ministro assinar os
contratos de gestão e controlar os resultados. Os contratos de gestão deverão prover os recursos de
pessoal, materiais e financeiros com os quais poderão contar as agências ou as organizações sociais, e
definirão claramente, quantitativa e qualitativamente, os indicadores de desempenho - os resultados a
serem alcançados, acordados pelas partes.

Conclusão
Depois da grande crise dos anos 80, na década dos 90 está-se construindo um novo Estado. Esse
novo Estado resultará de reformas profundas.
Tais reformas habilitarão o Estado a desempenhar as funções que o mercado não é capaz de
executar. O objetivo é construir um Estado que responda às necessidades de seus cidadãos; um Estado
democrático, no qual seja possível aos políticos fiscalizar o desempenho dos burocratas e estes sejam
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Material para fins didático

obrigados por lei a lhes prestar contas, e onde os eleitores possam fiscalizar o desempenho dos
políticos e estes também sejam obrigados por lei a lhes prestar contas.
Para tanto, são essenciais uma reforma política que dê maior legitimidade aos governos, o ajuste
fiscal, a privatização, a desregulamentação - que reduz o "tamanho" do Estado - e uma reforma
administrativa que crie os meios de se obter uma boa governança. Neste trabalho, descrevi as
características desta última reforma - a reforma do aparelho do Estado -, uma reforma que propiciará
que se estabeleça, no setor público, uma administração pública gerencial.

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Material para fins didático
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

SOBRE O DESENHO DO ESTADO: UMA PERSPECTIVA AGENT X PRINCIPAL. Adam


Przeworski*
''Ao modelar um governo para ser exercido por homens sobre homens, a maior
dificuldade é esta: primeiro, é preciso aparelhar o governo para que controle os
governados; o passo seguinte é iazê-io controlar-se a si mesmo."
James Madison, Federalist, 51

Introdução
O objetivo da reforma do Estado é construir instituições que deem poder ao aparelho do Estado
para fazer o que deve fazer e o impeçam de fazer o que não deve fazer.
O que se pensa do papel do Estado depende do modelo econômico e do modelo do próprio
Estado. Uma das questões é: "o que o Estado deve fazer?"
Outra: "que tipo de aparelho de Estado fará o que deve fazer, e apenas o que deve fazer?" Por
isso, começaremos por uma breve recapitulação dos debates sobre o papel do Estado na economia,
para só depois tratarmos da questão da reforma do Estado. Em primeiro lugar, examinaremos
rapidamente a história dos debates sobre a relação entre Estado e economia, assinalando as
consequências da teoria econômica dos mercados incompletos e da informação imperfeita, para
compreendermos essa relação. Examinaremos então três tipos de relação entre principaIs e agents:
entre governos e agentes econômicos privados (regulação), entre políticos e burocratas (supervisão/
acompanhamento), e entre cidadãos e governos (responsabilização). Minha conclusãoé que a qualidade
do desempenho do Estado depende do desenho institucional de todos esses mecanismos e que
instituições bem concebidas podem permitir que os governos intervenham melhor na economia - e os
induzira fazê-lo - do que um Estado não-intervencíonista.
Eis um resumo do debate que leva a essa conclusão. A teoria econômica mais recente mostra que
os mercados não são eficientes e que a intervenção do Estado pode melhorar as soluções de mercado.
O Estado tem importante papel a desempenhar não só no que diz respeito a garantir a segurança
material para todos e a buscar outros objetivos sociais, mas também como promotor do
desenvolvimento econômico
Nada assegura, contudo, que a intervenção estatal seja de fato benéfica. Operando com informações
limitadas e sujeitos à pressão de interesses especiais, os funcionários públicos podem não saber como -
ou não querer - se engajar em ações que visem a promover o bem-estar de todos, em vez de seus
próprios interesses ou os interesses de seus aliados.
* Universidade de Nova York. Agradeço os comentários de Zhiyuan Cui, Gabriela Montinola,
SusanStokes e Elisabeth Wood.
Assim, a tarefa de reformar o Estado consiste, por um lado, em equipá-lo com instrumentos para
uma intervenção efetiva e, por outro, em criar incentivos para que os funcionários públicos atuem de
modo a satisfazer o interesse público. Alguns desses incentivos podem ser gerados pela organização
interna do governo, mas não bastam. Para que o governo tenha um desempenho satisfatório, a
burocracia precisa ser efetivamente supervisionada pelos políticos eleitos, que, por sua vez, devem
prestar contas aos cidadãos. Mais especificamente, os políticos devem usar a informação privada que
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Material para fins didático

os cidadãos têm sobre o funcionamento da burocracia para monitorar os burocratas, e os cidadãos


devem ser capazes de saber quem é responsável pelo que e de aplicar, em cada caso, a sanção
apropriada, para que os governos com bom desempenho continuem no poder e para que os demais
sejam alijados. Se esses mecanismos de responsabilização (accountability) são bem concebidos, a
economia de um Estado intervencionista pode obter melhores resultados que a economia de mercados
livres.
Cabe fazer aqui uma retificação. Muitos dos problemas que surgem quando se criam instituições
do Estado devem-se ao fato de os políticos eleitos e os burocratas nomeados terem interesses e
objetivos próprios. Não digo que todos os funcionários públicos sejam motivados por interesses
particulares.
Sei que há muitos que se preocupam com o bem-estar público; • na verdade, temos bons motivos
para crer que muitos funcionários ingressam no serviço público porque desejam servir à população. O
funcionamento das instituições, entretanto, não pode depender da boa vontade de quem trabalha nelas.
Segundo Madison: "O objetivo de toda constituição política é, ou deveria ser, em primeiro lugar,
guindar ao posto de governante os homens de maior sabedoria para identificar - e maior virtude para
buscar - o bem público; o passo seguinte seria tomar todas as precauções para que os governantes se
mantenham virtuosos, enquanto merecem a confiança do povo".
o Estado e a economia: perspectivas contrastantes Para entender a razão de ser da reforma do
Estado, é preciso voltar aos debates sobre o papel do Estado na economia. São debates que andam em
círculos e nos quais os argumentos acerca das falhas do mercado são respondidos com argumentos
sobre tentativas malsucedidas de regulamentação.
Ao examinarmos a história dessas controvérsias, vemos que estas se assemelham a uma luta de
boxe na qual o Estado e o mercado se vêem, ora um ora outro, contra as cordas. Eis um breve resumo
dessa história.
Em um modelo econômico neoclássico padrão, há mercados para tudo, hoje e sempre, todos
sabem tudo e sabem a mesma coisa, não há bens públicos, não há externalidades, não há custo
transacional nem retornos crescentes.
Como, nessas condições, o mercado produz a melhor alocação de recursos possível, não há lugar
para o Estado. A intervenção estatal, em todas as suas formas, é transferência de renda e transferência
de renda que – por fazer com que as taxas de retorno sejam diferentes das taxas de mercado - reduz os
incentivos e distorce a informação sobre oportunidades. Esta conclusão decorre diretamente do modelo
de economia: como o Estado nada tem a contribuir, qualquer coisa que faça é perniciosa. O mercado
vence o primeiro round.
Contudo, o simples fato de este modelo ser caracterizado, pelo menos em parte, negativamente -
pela ausência de bens públicos, de externalidades, de custos transacionais e de monopólios - já sugere
um problema imediato. Existindo essas "falhas", os mercados já não alocam os recursos com
eficiência. Essa era a ideia que estava subjacente à doutrina da intervenção estatal, cristalizada em
1959 no Programa de Bad Godesberg para o SPD: "mercados, sempre que possível; o Estado, quando
necessário". A receita geral que emerge dessa observação é que os mercados devem ser deixados em
paz para fazer o que sabem fazer muito bem, ou seja, para alocar bens privados sempre que a taxa
privada de retorno não difira da taxa social; o Estado, por sua vez, deve ser provedor de bens públicos,
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

facilitar as transações, corrigir as externalidades e regular os monopólios criados pelos retornos


crescentes. O Estado vence o segundo round.
Os neoliberais atacaram essa ideia por vários flancos:
a) argumentando que, na ausência de custos transacionais, o mercado podia lidar eficientemente
com suas imperfeições, desde que se fizesse uma redistribuição adequada dos direitos de
propriedade (Coase, 1960);
b) assinalando que a noção de imperfeições do mercado, inclusive a de bens públicos, não é clara e
que nenhuma teoria as especifica ex ante (Stigler, 1975); c) afirmando que, mesmo que o
mercado não atue com eficiência, nada garante que o Estado possa se sair melhor (Stigler, 1975;
Wolf, 1979).
Os neoliberais afirmam que as prescrições de intervenção estatal baseiam-se em um modelo
ingênuo de Estado onisciente e benevolente. Para eles, os motivos que levam o Estado a intervir são os
mesmos de todas as ações econômicas: os interesses particulares de alguém. Assim, embora o Estado
seja necessário para que uma economia funcione, também pode ser - e é – prejudicial a ela. Eis o
dilema básico do liberalismo econômico: "o economista reconhece que o governo pode fazer certas
coisas melhor que o livre mercado, mas não tem motivos para crer que o processo democrático
conseguirá impedir que o governo exceda os limites da intervenção ótima" (Posner, 1987:21). Na
verdade, as análises do término do keynesianismo, apresentadas em meados dos anos 70 pela esquerda
(Habermas, 1975), pelo centro (Skidelsky, 1977) e pela direita (Stigler, 1975), eram quase idênticas: o
Estado fortalecia-se e, por essa razão, passava a atrair os interesses privados especulativos. I Como
resultado, o Estado acabava permeado por interesses especiais, prevalecia a lógica privada e
desintegrava-se a coesão interna da intervenção estatal. Assim, ao fim do terceiro round, o Estado está
contra as cordas.
O objetivo da economia "constitucional" passou a ser impedir intervenções estatais,
principalmente aquelas que discriminam entre projetos privados, reagem às condições econômicas
vigentes, ou fazem transferências diretas de renda. Assim, por exemplo, na visão de Posner (I987:28):
"um governo suficientemente forte para manter a lei e a ordem, mas fraco para lançar e implementar
esquemas ambiciosos de regulação econômica, ou para se engajar numa redistribuição extensiva, é
provavelmente o governo ótimo para o crescimento econômico". Como solução institucional, os
neoliberais prescrevem que se impeça os Estados de intervir, porque a simples possibilidade de que o
Estado faça alguma coisa já basta, dizem eles, para provocar danos à economia.
A tecnologia institucional neoliberal para restringir o Estado inclui:
a) a redução do "tamanho" da administração pública;
b) a redução do "tamanho" do setor público;
c) o isolamento do Estado das pressões do setor privado;
d) um apoio maior em regras do que em decisões discricionárias; e
e) a delegação das decisões sujeitas a inconsistência dinâmica a unidades independentes que não se
sintam incentivadas a ceder a pressões políticas.
A administração pública deve ser reduzida porque o Estado está "inchado" e a produtividade dos
serviços públicos é sabidamente menor que a do setor privado. -
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Material para fins didático

1 Ver Buchanan, Tollison & Tullock, 1980; e Tollison, 1982.

é O setor público deve ser privatizado porque os governos são supostamente mais sensíveis às
pressões políticas das empresas públicas do que às das empresas privadas. O Estado deve ser "isolado"
das pressões políticas para que não se torne presa do rent-seeking por parte dos interesses privados. A
política econômica deve ser regida por regras, como o padrão ouro ou a emenda do equilíbrio
orçamentário adotada pelos Estados Unidos, que eliminam arbitrariedades, superando assim a
subotimização decorrente das inconsistências dinâmícas.I Por fim, uma alternativa às regras é delegar
as decisões de política importantes, principalmente na área monetária, a instituições que não sofram
pressões políticas e, portanto, não sejam incentivadas a ceder a inconsistências dinâmicas."
Apesar disso, mesmo na ausência das falhas "tradicionais", a ideia de que os mercados são
eficientes parece estar morta ou, no mínimo, moribunda.
As ineficiências que se originam da falta de alguns mercados e da informação imperfeita (mais
precisamente, da informação endógena'' são ambas mais profundas e devastadoras do que as
imperfeições que pesam sobre o mercado neoclássico. Em um resumo recente, Stiglitz diz claramente:
"o modelo neoclássico padrão - a articulação formal da mão invisível de Adam Smith, a
discussão sobre se as economias de mercado garantiriam a eficiência econômica - pouco orienta a
escolha de sistemas econômicos, uma vez que, se as imperfeições de informação (e o fato de que os
mercados são incompletos) são incorporadas à análise, como certamente acontece, já não haverá o
pressuposto de que os mercados são eficientes.?
Quando faltam alguns mercados, como inevitavelmente acontece, e a informação é endógena,
como fatalmente é, já não se pode exigir que os mercados se mantenham em equilíbrio, os preços já
não incluem os custos de oportunidade e podem mesmo viciar a informação, a maioria das ações
individuais provoca externalidades, a informação é quase sempre assimétrica, o poder do mercado é
ubíquo e abundam os rents. Já não há "imperfeições": já não há quem ou o que culpar, não há
"mercado" único, mas uma porção de arranjos institucionais possíveis, cada um com diferentes
consequências.

2 Presumivelmente, o "tamanho" do setor governamental produtivo é ótimo quando o produto


marginal dos setores público e privado, em relação ao stock principal (Barro, 1990) e ao emprego
(Findlay, 1990), são iguais. Para evidências econométricas de que em muitos países o Estado é
pequeno demais, segundo este critério, ver Ram, 1986; e Cheibub & Przeworski, 1996.
3 Ver Kydland & Prescott, 1977.
4 Ver Cukierman, 1992.
5 Um modo de pensar sobre mercados incompletos é sabermos que estaremos fazendo transações no
futuro. Por outro lado, um bom modo de pensar sobre informação imperfeita é que aprendemos
observando as ações dos outros, inclusive sua disposição de comprar e vender.
6 Ver Stiglitz, 1994:13.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Mas algumas formas de intervenção estatal são inevitáveis.? A economia só pode funcionar se o
Estado oferecer garantias a investidores (responsabilidade limitada), empresas (falência) e depositantes
(sistema bancário de resseguro). Mas esse tipo de envolvimento do Estado inevitavelmente introduz
restrições ao orçamento. O Estado não pode, simultaneamente, oferecer garantias a agentes privados e
não pagar o que lhes é devido, mesmo no caso de negligência induzida pelas garantias ("risco moral").
Se os mercados são incompletos e a informação é imperfeita, o risco moral e a seleção adversa
impedem que se obtenham as melhores alocações possíveis.
Até mesmo os mais ardentes neoliberais admitem que os governos devem prover lei e ordem,
salvaguardar os direitos de propriedade, fazer cumprir os contratos e se defender de ameaças externas.
A economia de mercados incompletos e informação imperfeita abre espaço para que o Estado
desempenhe um papel muito mais amplo. A complacência neoclássica no que diz respeito aos
mercados é indefensável: os mercados simplesmente não alocam eficientemente. Mesmo quando os
governos só dispõem da mesma informação de que dispõe a economia privada, certas intervenções do
governo levariam, sem sombra de dúvida, a um aumento do bem-estar.
Portanto, O Estado tem um papel positivo a desempenhar. Mas o quarto round termina, no
máximo, empatado. Tudo o que sabemos até aqui é que há coisas importantes que o Estado poderia
fazer. Mas o "direto" dos neoliberais deixou sequelas: será que o Estado fará o que deve fazer e não
fará o que não deve fazer?

Relações agent x principal


Quando se entende que os mercados são inevitavelmente incompletos e que os agentes
econômicos têm acesso a informações diferentes, descobre-se que "o" mercado, como tal, não existe,
apenas sistemas econômicos organizados diferentemente. A própria frase "o mercado" está sujeito às
intervenções "do Estado" é enganadora. O problema que se nos apresenta não é "o mercado" uersus "o
Estado", mas instituições específicas que poderiam induzir os atores individuais - sejam eles agentes
econômicos, políticos ou burocratas - a se comportar de maneira benéfica à coletividade.
Suponha que seu carro comece a fazer barulhos estranhos. Você vai a um mecânico, explica o
problema, deixa o carro e aguarda o resultado. No dia seguinte, o carro está pronto, o mecânico lhe diz
que teve de trocar os amortecedores e que isso lhe tomou cinco horas. Você paga e sai com o carro
da oficina. O barulho cessou. Você escolhe o mecânico e pode recompensá-lo voltando a usar
seus serviços - se ficou satisfeito com o resultado - ou puni-lo, procurando outra oficina, se não gostou
do serviço. Mas o mecânico sabe de muitas coisas que você não sabe: se ele se empenhou para fazer o
melhor trabalho possível, ou se fez o mínimo necessário; se o carro precisava de um pequeno ajuste ou
de um conserto maior; se ele executou mesmo o trabalho em cinco horas, ou se bastou uma hora. Você
é o principal, o mecânico é o agem. Você o contrata para que ele atue em defesa dos seus interesses,
mas você sabe que ele tem também seus próprios interesses.
Cabe a você premiá-lo ou puni-lo. Mas você dispõe de informação imperfeita para decidir o que
fazer, porque o mecânico sabe de coisas que você não sabe e faz coisas que você não vê. O que você
pode fazer para induzi-lo a prestar a você o melhor serviço de que ele é capaz?
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Material para fins didático

Quando faltam alguns mercados e os indivíduos têm acesso a diferentes informações,


estabelecem-se entre as classes de atores relações do tipo agem x principal, regidas por contratos
explícitos ou implícitos. Os agents dispõem de certas informações que os principais não observam
diretamente: os agentes sabem o que os motiva, têm conhecimento privilegiado sobre suas
capacidades, e podem ter a chance de observar coisas que os principais não podem ver. Executam
inclusive algumas ações que, pelo menos em parte, são feitas sem o conhecimento do principal. Em
termos genéricos, portanto, o problema que o principal tem de enfrentar é o seguinte: Como induzir o
agem a agir em seu interesse (dele, principal), respeitando ao mesmo tempo a restrição à participação -
isto é, oferecendo ao agem a renda (ou o beneficio) da próxima melhor oportunidade -, e a restrição de
"compatibilidade do incentivo", isto é, permitindo ao agem que atue também em nome de seus
próprios interesses.
Você tem de pagar ao mecânico o suficiente para que ele queira que você volte e tem também
que encontrar um meio de fazer com que ele saiba que você só voltará se ele tiver feito um bom
serviço.
A "economia" é uma rede de relações diferenciadas e multifacetadas entre classes de agents e
principaIs: gerentes e empregados, proprietários e administradores, investidores e empresários, mas
também cidadãos e políticos, políticos e burocratas. O desempenho de empresas, de governos, e da
economia como um todo depende do desenho das instituições que regulam essas relações. O que
importa é se os empregados têm incentivos para maximizar seus esforços, se os gerentes têm
incentivos para maximizar os lucros, se os empresários têm incentivos para só assumir bons riscos, se
os políticos têm incentivos para promover o bem-estar público, se os burocratas têm incentivos para
implementar as metas estabelecidas pelos políticos.
São as instituições que organizam essas relações - as que são puramente "econômicas", como as
que se estabelecem entre empregadores e empregados, proprietários e administradores, ou investidores
e empresários; as que são puramente "políticas", como as que se estabelecem entre cidadãos e
governantes ou políticos e burocratas, e as que estruturam a "intervenção" do Estado, como as que se
estabelecem entre governantes e agentes econômicos privados. Para que a economia funcione bem,
todas essas relações do tipo agent x principal têm que ser adequadamente estruturadas.
À custa de parecer esquemático, permitam-me considerar apenas três classes dessas relações: (1)
entre governo (políticos e burocratas) e agentes econômicos privados; (2) entre políticos eleitos e
burocratas nomeados; e (3) entre cidadãos e políticos eleitos. Para deixar mais clara a estrutura dessa
reflexão, eis um mapa dessas relações, com setas direcionadas do principal para o agent:
Burocratas
t (1)
_______ ••.•. Agentes econômicos privados que são também cidadãos Governo
(2)
Políticos t
(3)
o desempenho de um sistema econômico depende do desenho de todas
essas relações: entre o Estado e os agentes econômicos privados, entre
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

políticos e burocratas, e também entre cidadãos e o Estado. Os agentes privados


devem beneficiar-se quando se comportam de modo a favorecer o interesse
público e devem sofrer algum prejuízo quando não o fazem. O mesmo
se aplica a burocratas e políticos.
Discutiremos agora cada uma dessas relações.
Estado e agentes econômicos: regulação
o Estado desempenha um papel exclusivo, uma vez que define a estrutura
dos incentivos para os agentes privados, exercendo o poder de coerção
legitimado pela lei: obriga por lei a prática de algumas ações ou as proíbe,
e pode alterar os preços relativos através do sistema fiscal.
Vejamos um exemplo. Suponhamos que eu tenha um carro e faça um
seguro contra roubo. Dirijo até o meu destino e posso escolher entre estacionar
alguns quarteirões adiante do lugar aonde quero ir, em local onde
é improvável que o carro seja roubado, ou estacionar bem em frente, em
local onde é maior a probabilidade de que o carro venha a ser roubado.
Como tenho seguro, corro o risco e estaciono no local mais perigoso. É aí
que o Estado entra em cena: cobra-me um imposto e usa o montante arrecadado
para pôr um policial no local mais perigoso. Em função disso, diminui
a probabilidade de que o carro seja roubado, a companhia seguradora
perde menos dinheiro e diminui o valor do prêmio do meu seguro -
tudo isso mais do que compensa o aumento do imposto. O Estado está inextricavelmente
presente em meu relacionamento com a companhia de seguro:
embora nossa relação seja estritamente "privada", é modelada pelo
Estado. O Estado permeia toda a economia; é um dos fatores constitutivos
das relações privadas. A simples retirada do Estado da economia não faz
desaparecer os problemas de desenho institucional. É preciso enfrentá-los
como tal.
Mas a intervenção do Estado na economia - que nos Estados Unidos
é chamada de "regulação" -, se não é simples nem no papel, na prática é
ainda mais difícil. Em termos genéricos, o problema é o seguinte.f a empresa
regulada dispõe de informações sobre algumas condições, como seus custos
de produção ou a demanda por seus produtos, que são superiores às informações
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Material para fins didático

de que dispõe o Estado (o agente "regulador" entendido em sentido


amplo, como políticos eleitos ou burocratas nomeados). Mais que isso, a empresa
regulada empreende certas ações que o regulador não pode observar
diretamente, mas apenas inferir com base nos resultados ou monitorar a um
custo. O regulador tem autoridade legal para determinar preços e regras.
Definida a regulação, a empresa decide o que produzir e em que quantidade.
O problema do regulador passa a ser estabelecer o melhor trade-off
entre as vantagens (rents) auferidas pela empresa e o excedente dos consumidores.
-------------_._----------
8 Ver Baron, 1995.

Como há informação oculta e ações ocultas, a primeira melhor regulação não é possível. A
empresa sempre poderá tirar alguma vantagem. A regulação ótima estará sempre limitada à informação
acessível ao regulador: na melhor das hipóteses, o regulador terá de fazer "a segunda melhor regulação
ótima" (Baron, 1995:14).
Além disso, como qualquer tipo de intervenção do Estado na economia tem consequências
distributivas, os diferentes grupos afetados pela regulação - firmas, indústrias, empregados,
consumidores ou lobbies de ação pública - são incentivados a procurar a regulação que os beneficia e a
resistir a qualquer outra que os prejudique. Os reguladores, por sua vez, podem auferir benefícios
pessoais propiciando a intervenção esperada pelos atores. Esses ganhos particulares podem consistir
apenas em serem (re)eleitos, ou também em enriquecerem durante o mandato ou depois de cumpri-

10. O resultado disso é uma regulação que pode induzir ao estabelecimento de laços clientelistas
entre os reguladores e os grupos regulados. Nesse caso, a regulação é "endógena", ou seja, é criada
para atender a demanda dos grupos potencialmente afetados por ela.
Como exemplo, consideremos uma situação simplificada de Laffont e Tirole (1994, capo 16):
são dois os períodos de tempo. No primeiro, uma empresa que seja um monopólio natural pode, com
alguma probabilidade, operar com custos altos ou baixos. Uma empresa que tenha custos altos pode
investir para reduzi-los. Esse investimento é socialmente benéfico. Uma boa intervenção - que
maximize o excedente para o consumidor - é, então, aquela na qual o governo subsidia o investimento,
se a empresa tem custos altos no período 1, e não paga de outro modo pelos investimentos.
Uma má intervenção é aquela na qual o governo não consegue subsidiar o
investimento de empresas que operem com altos custos, ou na qual o governo
subsidia uma empresa que opera com custos baixos e divide os rents com a empresa."
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Nesse caso, o problema institucional é duplo: a) como instrumentar o Estado para que intervenha
de modo positivo; e b) como induzi-lo a agir bem. Considerarei agora apenas o primeiro aspecto; o
segundo será discutido mais adiante.
Para poder intervir acertadamente, o governo deve dispor de alguma informação sobre os custos
da empresa; e precisa ser ou legalmente capaz de fixar os preços da empresa sob regulação (a fim de
que o custo do in-
9 Por exemplo, o presidente de uma agência reguladora subsidia a firma apenas para ser
contratado como vice-presidente.
Neste caso a empresa não investe, mesmo que receba incentivos;
e o governo do período 1, por sua vez, sabendo de antemão que a empresa não vai investir, tem
como intervenção ótima não subsidiar o investimento, ainda que este seja socialmente benéfico. 10
Logo, para poder intervir bem, o Estado deve comprometer-se a não confiscar lucros durante o período
2.
O problema do compromisso decorre do risco moral do principal.
Mesmo que o governo deseje que a empresa invista, depois que a empresa investe, o Estado a faz
pagar impostos sobre os lucros que aufere. Os agents, portanto, não podem ter certeza de que, se
agirem bem, serão recompensados.
Esse problema está presente em muitas das relações do tipo agent x principal, mesmo nas que
são puramente privadas. Mas é inerente às relações políticas. A fonte essencial da soberania política -
exercida no processo democrático - é o "povo", no singular, no sentido que o século XVIII deu ao
termo. Isso significa que nenhum governo pode assumir, antecipadamente, compromisso por todos os
governos futuros. Não é possível garantir de forma absoluta o direito de propriedade. É verdade que os
direitos de propriedade podem, em diferentes graus, ser protegidos pela Constituição.
Mas as Constituições não podem especificar tudo e têm que deixar espaço para o arbítrio do
Legislativo e para a interpretação do Judiciário.
Além disso, ainda que o processo seja difícil, nada impede que as Constituições sejam
modificadas, vide a nacionalização da indústria chilena do cobre, feita por emenda constitucional em
1970. Logo, os direitos de propriedade são inerentemente inseguros. I I
10 Sobre as dificuldades de desenhar políticas ótimas sem comprometimento confiável, ver
Laffont & Tirole , 1988.
II A ênfase quase exclusiva na segurança dos direitos de propriedade é, a meu ver, equivocada.
A razão pela qual o investimento é baixo em muitos países não é a insegurança dos direitos de
propriedade, e sim a ausência de instituições que ofereçam segurança a poupadores e
investidores contra riscos razoáveis Além disso, mesmo que o custo da insegurança seja a
subutilização dos recursos.P o comprometimento nem sempre é ótimo. Porque o perigo
é que um determinado governo assuma um mau compromisso, que sirva aos seus próprios
interesses, ou a interesses de seus aliados privados, e não aos interesses da nação.
Voltando ao nosso exemplo, observe-se que o comprometimento só é socialmente benéfico se o
governo interveio bem no período I, ou seja, se ele subsidiou uma empresa que operava com custos
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Material para fins didático

altos. Se o governo concedeu subsídios a uma empresa que operava com custos baixos, a empresa
auferiu vantagens à custa do dinheiro público e, se os governos seguintes estiveremcomprometidos em
não aumentar os impostos sobre esta empresa, o novo governo não terá como recuperar a perda. Como
observam Laffont e Tirole: "O custo do compromisso é que o governo pode se identificar com a
empresa e impor à nação um mau resultado a longo prazo" (1994:620).
Há, pois, compromissos bons e compromissos maus.l ' Tomemos a seguinte situação apresentada
por Calmfors e Horn (1985): no início do mandato o governo anuncia que, se os sindicatos forçarem o
aumento dos salários e criarem desemprego, ele não irá compensar expandindo o emprego público.
Porém, quando chegam as eleições, o governo quer ganhar e começa a empregar. O pronunciamento
inicial, assim, não era confiável, os sindicatos forçam o aumento dos salários, o governo acomoda-se a
isto e o resultado é subótimo. O governo deve se comprometer previamente, por lei ou delegação, a
não aumentar o emprego público às vésperas de eleições.
Este é um bom compromisso. Mas suponhamos que o governo não se comprometa previamente,
que os sindicatos forcem o aumento dos salários e que cheguem as eleições. Agora o governo quer
expandir o emprego público.
Mas os sindicatos preveem que, se reeleito, o governo demitirá os recém-
admitidos ao serviço público. O governo, então, compromete-se a não demitir - por exemplo,
promulgando uma lei que garanta a estabilidade do servidor público. Este é um mau compromisso.
A diferença de estrutura temporal que os dois compromissos implicam pode ser facilmente
observada se voltarmos a uma analogia com o Ulisses
12 A partir de dados colhidos em entrevistas com empresários de 28 países, Weder (I995)
constatou que a taxa de crescimento econômico era significativamente mais baixa quando os
empresários diziam ter que enfrentar mudanças inesperadas na legislação e quando não esperavam que
os governos cumprissem o que prometiam nos principais pronunciamentos políticos.
I3 Para uma discussão deste ponto, ver Przeworski & Limongi, 1993; Elster, 1995a e o
comentário de Przeworski: e ainda Elster, 1995b.
de Elster (I979). No caso do bom compromisso, Ulisses prevê, na fase I, que
vai ouvir as sereias na fase 2 e toma sua decisão antes de ouvi-as. No caso
do mau compromisso, Ulisses já ouviu o canto das sereias no período 1 e assume
o compromisso cedendo ao seu canto. Se os governos efetivamente já
se comprometem e cedem à pressão de interesses específicos, seu comprometimento
não será ótimo. Logo, uma das questões centrais na reforma do
Estado é o que fazer para aparelhar o Estado de modo a que assuma bons
compromissos e, ao mesmo tempo, para impedi-Io de assumir maus compromissos.
Mesmo que só se deva admitir compromissos com boas políticas, é fácildar-
Ihes confiabilidade. Spiller (I995) mostra a dificuldade de firmar compromissos
confiáveis em diferentes contextos institucionais. Há três modos,
~ 111 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

em diferentes países, de fazer cumprir os compromissos assumidos: a) revisão


judicial de decisões dos órgãos reguladores (que prevalece nos EUA, onde
80% das decisões da Agência de Proteção Ambiental são contestados nos
tribunais); b) legislação extremamente detalhista (regulamentação do uso da
energia elétrica no Chile, em 1980); ou c) contratos entre o governo e a empresa,
regidos pelas leis sobre contratos (o Cobee boliviano, em vigor desde
1912). Spiller argumenta que, sem a revisão judicial das decisões regulatórias,
o regulador acumula excessivo poder decisório. Para ele, isso é particularmente
verdadeiro no caso dos países latino-americanos: "Arazão básica
dessa delegação é que as Constituições destes países prevêem a 'regulamentação'
presidencial das leis. Isto é, para que uma lei entre em vigor, exige-se
que um decreto presidencial a sancione. Salvo no caso de a regulamentação
da lei ser acintosamente contrária à Justiça, a regulamentação não está sujeita
a revisão judicial" (Spiller, 1995:67). Assim, a única maneira de os Legislativos
latino-americanos forçarem o comprometimento do Poder Executivo
é elaborar uma legislação extremamente detalhada. Mas cria-se então
um paradoxo: se o sistema político estabelece a disciplina e a maioria partidárias,
então, mesmo essa legislação detalhada pode ser alterada sempre
que se alterar a maioria legislativa. Por outro lado, quando o sistema político
gera um sistema partidário extremamente fragmentado - os exemplos de
Spiller são Bolívia, Brasil e Uruguai - é difícil alterar essa legislação depois
de ter sido adotada, mas também é difícil adotá-Ia.
Tenho usado muito o exemplo da regulação governamental dos
monopólios. Mas as mesmas considerações aplicam-se a outras formas de
intervenção econômica. As mesmas considerações aplicam-se também à
regulação "social": da saúde, da segurança, do meio ambiente, do emprego
etc, (Baron, 1995). A intervenção estatal pode ser melhor que a
não-intervenção quando o desenho institucional permite que os governos intervenham na
economia: quando os governos dispõem de alguma informação
sobre os agentes privados, quando têm instrumentos legais ou
fiscais para regular e quando a rede institucional permite que se firmem
compromissos confiáveis.
~ 112 ~
Material para fins didático

Mesmo assim, nenhuma dessas condições assegura que a intervenção


do Estado vise ao interesse público. A própria capacidade do Estado de intervir
transforma-o em alvo atraente para a influência dos interesses particulares;
e a própria capacidade de assumir compromissos abre espaço para
o conluio. Logo, há bons motivos para supor que a qualidade da intervenção
do Estado na economia depende da organização interna do Estado -
em particular, das relações entre políticos e burocratas - e do desenho das
instituições democráticas que determinam se os cidadãos podem ou não
controlar os políticos.
Políticos e burocratas 14
Em uma democracia, a autoridade do Estado para regular coercitivamente
a vida da sociedade deriva das eleições. Muitas das funções do Estado,
contudo, e todos os serviços que o Estado presta aos cidadãos são delegados
a terceiros - especificamente à burocracia pública -- pelos representantes
eleitos. A delegação é inevitável. Como observam Kiewiet e McCubbins: "só
se podem atingir os resultados desejados mediante a delegação de autoridade
a outros" (1991:3).
A delegação nos leva aos problemas básicos do relacionamento agent
x principal. Como é impossível formular leis que especifiquem todas as ações
dos agents sob todas as contingências, as agências executivas e administrativas
conservam um espaço considerável de autonomia para decídír.l> En-
14 Esta seção é, em grande parte, um comentário ao Plano diretor da reforma do aparelho do
Estado (Brasil. Presidência da República, 1995). Esse documento apresenta um desenho
excepcionalmente
bem-justificado e claramente exposto para a reforma do aparelho do Estado no
Brasil. Para uma análise do contexto da reforma do Estado no Brasil, ver Martins, 1996.
15 O mesmo se aplica aos tribunais. Shihata (1995:221) observa, por exemplo, que, "embora os
códigos jurídicos de um país possam negar que os tribunais de justiça tenham uma função
criativa
e os identifiquem, na ausência de texto escrito e de estruturas do direito consuetudinário,
a fontes como o 'direito natural' ou os 'princípios gerais de moralidade', é provavelmente muito
mais proveitoso reconhecer, como faz o Código Civil suíço, que, nesses casos, o juiz julga
segundo
~ 113 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

lei que ele próprio teria estabelecido se tivesse de agir como legislador" (Shihata,
1995:221). Para uma análise dos problemas inerentes à reforma do Judiciário na América Latina
ver Rowat, Malik & Dakolias, 1995.
tretanto, os objetivos dos burocratas não têm necessariamente de ser idênticos
aos objetivos dos cidadãos ou dos políticos eleitos que os representam.
Os burocratas podem querer maximizar a autonomia que têm, ou a garantia
de emprego de que gozam, ou prestar favores clientelistas a amigos e aliados,
ou ser dispensados do "ponto", ou aumentar o orçamento de que podem
díspor '" ou, simplesmente, enriquecer - à custa dos cidadãos. Mais
uma vez aqui, eles dispõem de informação especial quanto aos beneficias e
aos custos de suas ações, e podem praticar atos que não são vistos diretamente
e apenas podem ser inferidos dos resultados ou monitorados como
itens de custo. Logo, inevitavelmente, a delegação faz aumentar os custos do
agenciamento. A rigor, dado o inevitável grau de autonomia de que gozam
os burocratas, a questão é como evitar que se estabeleça um regime de "política
sem lei", expressão que Lowi (1979:92) adota para descrever o sistema
político norte-americano.
Alguns dos problemas do agenciamento, inerentes à administração da
burocracia pública, não são diferentes dos que as organizações privadas enfrentam.
O principal deles é, provavelmente, a dificuldade de oferecer incentivos
e de extrair informações, nos casos em que o resultado depende da
ação conjunta de vários agents. 17 Em tais condições, o principal só pode observar
a produção da equipe, não a produção de cada um dos membros da
equipe. Esses membros, por sua vez, encontram incentivos para trabalhar
pouco e sonegar informação. Holmstrom (1982) demonstrou que, em tais
condições, é impossível projetar um esquema de incentivos que ao mesmo
tempo seja respeitado, determine o total de esforço eficiente indispensável
e preserve o equilíbrio do orçamento. Groves (1985), por sua vez, demonstrou
que não há esquema de incentivo ao equilíbrio orçamentário que induza
os membros de uma equipe de burocratas a revelar fielmente a informação
privada de que dispõe. Esses teoremas indicam que, na burocracia
pública, ou os membros das equipes têm de ter remuneração excepcional,
~ 114 ~
Material para fins didático

ou parte da eficiência deve ser sacrificada.


Mas há diferenças importantes entre as burocracias públicas e privadas.
Uma dessas diferenças advém da dificuldade de se estabelecer critérios
para avaliar não só os agentes individuais do setor público, mas
também as equipes. Embora as empresas privadas quase sempre desempenhem
múltiplas tarefas, na medida em que enfrentam restrições de mercado,
seu desempenho pode ser aferido por critérios financeiros. Mas os
16 Ver iskanen, 1971.
17 Ver Miller, 1992: 128·58.
burocratas públicos vêem-se diante de múltiplos objetivos que não são fáceis
de especificarP e impossíveis de reduzir a uma única dimensão. Vejamos
o caso de clínicas de saúde públicas que são instruídas a atender
determinado número de pessoas saudáveis para fazer medicina preventiva,
determinado número de doentes, e não gastar mais do que prevê o
orçamento.l? Como o principal deverá avaliar, nesse caso, as seguintes
combinações desses números?
Nº de atendimentos Nº de doentes Gastos
Clínica preventivos atendidos (% do orçamento)
A 1.100 2.300 128
8 1.000 2.000 100
C 700 2.700 112
Pelo critério de atendimentos preventivos, a Clínica A tem melhor
desempenho que a Clínica B, que, por sua vez, tem melhor desempenho
que a Clínica C, de modo que A > B > C. Pelo critério de doentes atendidos,
C > A > B. Pelo critério de gastos, B > C > A. A menos que esses
números sejam ponderados por sua importância relativa, é impossível comparar
o desempenho das clínicas - A > B > C > A - e não se pode adotar
nenhum sistema de incentivos para recompensar ou punir o desempenho
das equipes. Mas o principal pode preferir estabelecer metas: digamos,
1.000 atendimentos preventivos, 2.000 doentes e nenhum gasto superior ao
previsto. A Clínica B seria, então, recompensada e as demais, punidas. Mesmo
essa solução, porém, pode ser ineficiente: a Clínica B pode ter se esquivado
~ 115 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

de cumprir suas obrigações, isto é, ela poderia ter atendido mais


pacientes do que o mínimo estabelecido pelas metas sem extrapolar os limites
do orçamento, enquanto a Clínica C talvez tenha sido injustamente
18 Tirole (J 994:4) cita como exemplos a dificuldade de avaliar o desempenho do Departamento
de Estado norte-americano, cujo objetivo é "promover a longo prazo a segurança e o bem-estar
dos Estados Unidos", ou o desempenho do Departamento do Trabalho, cujo objetivo é
"fomentar,
promover e desenvolver o bem-estar dos assalariados dos Estados Unidos".
19 Exemplo adaptado de Roemer, 1996:24.
punida porque, no período da aferição, teve de enfrentar uma epidemia na
região onde está instalada.
Outra diferença, embora relacionada a esta, entre empresas privadas
e burocracias públicas é que estas últimas muito freqüentemente são monopólios,
o que, por sua vez, implica que não haja parâmetros pelos quais
se possam comparar seus desempenhos. Como Tirole (1994) observa, podem-
se comparar os desempenhos da gerência da Ford e da General Motors,
mas não se dispõe desse modo de aferir o desempenho no caso de
agências públicas monopolistas.
Diante dessas dificuldades, as burocracias públicas tendem a agir mais
em conformidade com as regras do que através de incentivos. Esse estilo gerencial
é chamado de "burocrático" no Plano Diretor de Reforma do Aparelho
do Estado e de "patrulha de polícia" por McCubbins e Schwartz
(1984).Consiste em fazer o controle a priori dos processos, em oposição ao
controle a posteriori dos resultados.é? Tirole observa que "a característica
central das burocracias é que não se confia em seus integrantes o suficiente
para permitir que cada um use informação que afete outros integrantes que
não eles próprios, portanto, as decisões baseiam-se em regras rígidas" .21 O
principal estabelece regras como "trabalho de 9 às 17 horas", "telefone de
uso exclusivo da repartição", "20 minutos, no máximo, por usuário", e dispõe
acerca da necessidade de redigir relatórios. Os agents são julgados por seu
respeito às regras e pelo que fazem constar dos relatórios. Desnecessário dizer
que este não é um modo muito eficaz de exercer controle: é caro (o principal
~ 116 ~
Material para fins didático

tem de arcar com os custos do monitoramento e do tempo que os


agents consomem para preencher relatórios) e, além disto, não permite que
se estabeleça qualquer tipo de relação direta entre incentivo e desempenho.
Contudo, é assim que funcionam muitas das burocracias públicas, e talvez
por bons motivos: se monitorar o esforço individual e extrair informações
privadas é proibitivamente caro, a opção de confiar nas regras pode ser a
terceira melhor escolha.
O que é possível fazer para minorar essas dificuldades?
o Formulação de contratos adequados. Por mais difícil que seja monitorar
o desempenho individual dos integrantes de uma equipe, o principal pode
criar incentivos para os agents: a) fixando níveis salariais suficientemente altos
para atrair agents altamente qualificados, que tenham custos de oportunidade
mais altos; b) estabelecendo planos de carreira suficientemente
20 Ver Brasil. Presidência da República, 1995:48-9.
21 Ver Tirole, 1994:14.
atraentes (o que implica diferenciais de salário); e c) implantando sistemas
de monitoramento que possibilitem a perda do emprego em caso de mau
desempenho.P
o Triagem e seleção: o recrutamento para o serviço público deve ser sensível
a sinais que indiquem alto empenho, como educação, que revelam o
desempenho potencial dos agents.
o Fiscalização institucional. Kiewiet e McCubbins (I 991 :33) assinalam que
"muitas vezes os agents estão em condições de causar ao principal danos
mais graves do que, simplesmente, negar-lhe o empenho que ele poderia esperar:
desvio de fundos, negócios marginais, corrupção de funcionários,
abuso de autoridade e golpes de Estado são, todos, testemunhos desta possibilidade.
Sempre que um agent esteja em condições de ameaçar gravemente
os interesses do principal, é indispensável que o principal frustre a capacidade
do agent de adotar unilateralmente aquele curso de ação". A
solução, nesse caso, é "a fiscalização institucional [que] requer que quando
se delegue autoridade a um agent, haja pelo menos outro agent com autoridade
para vetar ou bloquear a ação daquele".
~ 117 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

o Criação de múltiplos principais ou múltiplos agents com objetivos dissonantes.


Tirole observa que a maioria dos governos é dividida de tal forma
que não cabe a qualquer posição em particular ou a qualquer agência a tarefa
de maximizar o bem-estar geral, embora se espere que a interação de
todos leve a isso. Exemplo desse caso é a divisão do governo entre "ministérios
que gastam" - os quais supostamente têm metas importantes a cumprir
- e um Ministério das Finanças, incumbido de controlar os gastos. Tirole
(I994) também defende a institucionalização do contraditório para
determinadas políticas e projetos. A seu ver, as decisões se baseiam num número
maior de informações quando as informações são coletadas por vários
agents, cada um encarregado de encontrar argumentos a favor de uma dada
política ou de determinado programa, e num número menor de informações
quando a informação disponível é reunida por um único agent, a quem cabe
encontrar todas as informações relevantes a todos os projetos.
o Estabelecimento de competição, seja entre agências estatais e privadas
(por exemplo, para a entrega de correspondência), seja entre agências estatais,
no caso de o setor estar monopolizado. Embora a duplicação de esforços
e talvez a economia de escala tenham um custo, a concorrência fa-
22 Estas são recomendações do Banco Mundial (Haggard, 1995).

cilita a aferição do desempenho e, combinada a incentivos adequados,


melhora o desempenho.é-'
o Descentralização. Este é um tópico complexo e controverso. Os argumentos
a favor da descentralização baseiam-se tipicamente na observação de
que a provisão local de serviços públicos favorece a responsabilização (accountability)
do governo, porque o aproxima da população que ele serve. Os
argumentos contrários à descentralização asseveram que ela reduz a capacidade
do governo de diminuir as disparidades regionais de renda; que ela
requer uma capacidade administrativa maior24 e que ela pode induzir a uma
restrição na distribuição orçamentária, na qual as jurisdições menos eficientes
seriam mais subsidiadas pelo governo centra1.25 Além disso, como observa
Prud'homme (1995:204): "a descentralização de impostos e dispêndios
~ 118 ~
Material para fins didático

trabalha contra a descentralização de atividades, e pode levar à concentração


do crescimento em algumas localidades urbanas".
Finalmente, burocracias públicas diferem das empresas privadas num
aspecto fundamental, que abre a possibilidade de um monitoramento mais
efetivo. Os serviços estatais são produzidos e prestados por uma burocracia
cujos membros são nomeados por políticos. Os cidadãos só podem exercer
um controle indireto sobre a burocracia, uma vez que as instituições democráticas
não contam com mecanismos que permitam aos cidadãos sancionar
diretamente as ações legais dos burocratas. No máximo, os cidadãos consideram
o desempenho da burocracia ao sancionarem, pelo voto, os políticos
eleitos. Como Dunn e Uhr (1993:2) observam, nem sequer parecemos
saber o que pensar acerca das relações agent x principal envolvidas na ação
de controlar os burocratas: "não está absolutamente claro que papel se espera
que os funcionários públicos executivos desempenhem como representantes
do povo. Eles são agents do governo ou agents do povo?" Embora esperemos
que a burocracia estatal preste serviços aos cidadãos, impomos a
ela o dever de prestar contas aos políticos (ou a outras entidades cujos mem-
23 Acabo de saber que terei de esperar três semanas para obter meu novo passaporte, e não
tenho dúvidas de que teria de esperar menos se houvesse mais de uma agência emissora. O
serviço continuaria sendo da competência exclusiva do Estado, mas com alguma competição
entre as agências estatais.
24 Haggard, 1995. Aedo e Larranaga (I994:3) observam que essas exigências administrativas
impediram
o progresso da descentralização da oferta de serviços sociais em vários países latinoamericanos.
25 Para maiores detalhes, ver Prud'homme, 1995 e os comentários de McLure e de Sewell.

bros são nomeados pelos políticos, como os tribunais ou algumas agências


administrativas de acompanhamento ou supervisão).
Contudo, precisamente pelo fato de a burocracia estatal prestar serviços
aos cidadãos, são os cidadãos quem têm a melhor informação sobre seu desempenho.
Além disso, se os políticos se preocupam com o bem-estar dos cidadãos,
então os interesses dos cidadãos coincidem com os interesses dos políticos,
~ 119 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

que são os principais, e não com os interesses dos burocratas, que são
os agents. O principal, portanto, pode confiar na informação prestada pelas
partes envolvidas. Este é, na terminologia de McCubbins e Schwartz, uma supervisão
do tipo "alarme de incêndio".26 Esse tipo de supervisão apresenta
duas vantagens: a) permite que o principal reúna informação a custo mais baixo
que a supervisão do tipo "patrulha de polícia"; e b) provê melhor informação,
particularmente sobre as violações mais graves praticadas pelos agents.
Mesmo que a autoridade legal continue a caber aos políticos eleitos, a supervisão
do tipo "alarme de incêndio" é um mecanismo de accountability da burocracia
para os cidadãos. Como observa Roman (1991:143-4): "se o controle
social direto sobre os 'serviços de interesse público' é eficaz, pode pressionar
os executores para que procurem ser mais eficientes e "derrubá-los", caso as
queixas acumuladas gerem decisões das autoridades que fazem a supervisão
ou a auditoria, e depois dos que fiscalizam os serviços públicos'v'?
A supervisão do tipo "alarme de incêndio" requer mecanismos institucionais
que facilitem o monitoramento da burocracia por parte dos cidadãos,
a transmissão de informações e a punição de violações. O Plano Diretor
da Reforma do Aparelho de Estado propõe mesmo que se criem "mecanismos
que viabilizem a integração dos cidadãos ao processo de definição, implementação
e avaliação da ação do setor público".28 Entre os mecanismos específicos
previstos estão a participação popular nos conselhos administrativos
de agências paraestataisé? e um "sistema de recebimento de reclamações e
sugestões dos cidadãos sobre a qualidade e a eficácia dos serviços públicos".
30 Não se especificam contudo detalhes da aferição dessas medidas.
26 Ver McCubbins & Schwartz, 1984.
27 Roman, 1991:143-4. Ver também Haggard, 1995:41-2: "Aúltima instância de controle do
governo
devem ser as formas institucionalizadas de participação. Podem ser do tipo 'corporativista',
como as que se têm formado pela participação das ONGs em áreas que conhecem bem,
ou 'legislativa', com a adoção de formas locais de governo nas quais a participação dos cidadãos
é maximizada".
2B Ver Brasil. Presidência da República, 1995:37.
~ 120 ~
Material para fins didático

29 Ver Brasil. Presidência da República, 1995:43 e 57.


30 Ver Brasil. Presidência da República, 1995:58.

o "alarme de incêndio" é praticado em alguns países, especialmente


na Dinamarca, por meio do escritório de um ombudsman, dotado de poderes
para conduzir investigações independentes. Outro modo de conferir
poderes aos cidadãos para controlar as ações da burocracia é permitir que,
individualmente, qualquer cidadão possa contestar as decisões burocráticas,
nas cortes e em tribunais administrativos. Esta é uma prática comum nos Estados
Unidos.
Para resumir as conclusões das duas seções anteriores: afirmei que a
intervenção estatal pode ser efetiva se as instituições regulatórias forem bemprojetadas,
e que os políticos podem controlar melhor os burocratas quando
solicitam a cooperação dos cidadãos. Mas continua em aberto uma questão:
se os políticos desejam intervir bem e controlar a burocracia.
Cidadãos e políticos31
O problema dos cidadãos é induzir os políticos a melhorar seu (dos cidadãos)
bem-estar, em vez de perseguir seus próprios interesses, mancomunados
com a burocracia ou com interesses particulares.
Em muitos sistemas políticos, inclusive nos democráticos, as burocracias
parecem autônomas em relação a qualquer controle, como que completamente
à prova de qualquer exame por parte do público. Moe (1990)
nos oferece uma explanação sugestiva desse modelo. Vale notar, em primeiro
lugar, que, em uma democracia, os burocratas nunca sabem com certeza
que forças políticas estarão futuramente no controle do governo e têm motivos
para temer que um futuro governo seja menos favorável aos interesses
da burocracia que o que está no poder. Logo, para se proteger do risco moral
do principal - a possibilidade de que seu bom comportamento não seja
recompensado por um governo futuro -, a burocracia tenta se livrar de
qualquer tipo de controle político. Por outro lado, o governo que está no poder
pode temer que, não sendo reeleito, as novas forças políticas venham a
querer usar a burocracia em proveito próprio. Logo, quando os governantes
~ 121 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

temem perder o poder, sentem-se incentivados a deixar a burocracia fora do


controle político, mesmo que, para isso, tenham de sacrificar sua própria influência
sobre os atuais burocratas. Em conseqüência, políticos e burocratas
entram em conluio para dar autonomia à burocracia, o que significa que a
burocracia não será bem projetada para atender a objetivos sociais e que os
burocratas não terão incentivos para promovê-los.
31 Esta seção baseia-se em Manin, Przeworski & Stokes, 1996.

Além disso, a relação agent x principal entre os políticos eleitos e os cidadãos


é muito especial, sem paralelo no mundo privado. Como os cidadãos
é que detêm a soberania, são eles os principais em relação aos políticos que
elegem. Mas, como o Estado é um mecanismo centralizado e com poder de
coerção, são os agents que decidem a que regras os principais devem obediência,
e quem os obriga a obedecer. Como diz Moe (1990:232): "embora
os cidadãos sejam nominalmente os superiores nessa hierarquia, são os legisladores
que, na verdade, controlam o serviço público e têm o direito de
fazer a lei. Seu papel, como agents, é exercer a autoridade pública, com base
nos poderes de polícia do Estado, para dizer aos principais o que fazer". Por
que, então, os políticos prestariam contas aos cidadãos, em vez de mancomunar-
se com os burocratas ou com um determinado grupo ao qual devessem
obrigações?
Duas respostas a esta pergunta afirmam que, no regime democrático,
os governos podem ser controlados pelos cidadãos porque são eleitos. Em
uma delas, o papel das eleições de induzir à responsabilidade é prospectivo;
na outra, é retrospectivo.
Do ponto de vista prospectivo, os partidos ou candidatos apresentam
propostas políticas durante as campanhas eleitorais e explicam como essas
políticas afetariam o bem-estar dos cidadãos; os cidadãos decidem qual das
propostas querem que seja implementada, e os governos as implementam.
Assim, as eleições fazem o papel da assembléia direta e a plataforma vitoriosa
passa a ser o "programa" que o governo deve cumprir.
Mas há um traço nas instituições democráticas para o qual Manin
~ 122 ~
Material para fins didático

(I995) chama a atenção: os políticos não são obrigados, em nenhum sistema


democrático, a cumprir sua plataforma eleitoral. Em nenhum sistema democrático
os representantes do povo ficam sujeitos a esse tipo de restrição. Não
há Constituição democrática no nível nacional que contemple a perda do
mandato neste caso. Embora sejam comuns dispositivos de impeachment ou
de voto de desconfiança, não há nenhum relativo à quebra de promessa feita
em campanha eleitoral. Prevê-se a proposição de referenda nacionais a partir
da iniciativa dos cidadãos apenas na Suíça e, em modalidades mais restritas,
na Itália e na Argentina. Portanto, a partir do momento que os cidadãos elegem
seus representantes, ficam sem instrumentos institucionais para obrigálos
a cumprir o que prometeram. Os mandatos eleitorais, além disso, tendem
a ser longos; em média, 3,5 anos para as assembléias legislativas e 4,7 anos
para a presidência.V Só nas eleições seguintes, os eleitores podem punir os
32 Essas médias se aplicam a todas as democracias do mundo entre 1950 e 1990. Ver Cheibub
& Przeworski, 1996.

políticos que tenham traído suas promessas de campanha, bem depois de terem
experimentado os efeitos da traição. E como tais julgamentos retrospectivos
são sempre e inevitavelmente matizados pelos resultados a que levaram
os desvios do mandato original e pelo simples correr dos anos, os cidadãos
per se não podem obrigar ao cumprimento de promessas.
Por que, então, não há mecanismos institucionais que forcem os candidatos
eleitos a serem fiéis às suas plataformas eleitorais? Historicamente, o
principal argumento tem sido que as legislaturas devem ser livres para deliberar.
O povo espera que seus representantes aprendam pela convivência,
uns com os outros. Além disso, quando as pessoas não se sentem seguras
quanto a seus próprios julgamentos, talvez esperem que seus representantes
consultem especialistas. Outro argumento histórico é que os eleitores talvez
não confiem em seu próprio discernimento. Não só o povo então tema as
próprias paixões, mas também, se for racionalmente ignorante, deve saber
que não sabe. As eleições, presumivelmente, estabeleceriam o calendário de
quando dever-se-ia fazer o acerto final de contas. Como Lippmann (1956) escreveu
~ 123 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

sobre os cidadãos: "Seu dever é encher o gabinete; não, dar ordens


ao ocupante do gabinete". E Schumpeter advertia os eleitores de que "devem
entender que, quando elegem um indivíduo, a ação política é assunto
dele, não dos eleitores. Isso significa que os eleitores precisam desistir de instruí-
lo sobre o que fazer...". Os cidadãos, pois, podem querer dar algum espaço
para que o governo governe e avaliar a ação governamental no momento
da eleição. Por fim, as próprias instituições dar espaço a mudanças.
Nenhuma plataforma eleitoral pode especificar ex ante o que o governo deve
fazer em todos os estados contigentes da natureza: os governos precisam ter
alguma flexibilidade para enfrentar circunstâncias cambiantes. Se os cidadãos
esperam que as circunstâncias mudem e que os governos respondam às mudanças,
não hão de querer restringir o governo com suas instruções.
Há, portanto, boas razões para que as instituições democráticas não
contenham mecanismos que limitem prospectivamente a representação. Escolhemos
políticas que representam nossos interesses ou candidatos que nos
representam enquanto pessoas, mas queremos que os governos sejam capazes
de governar. Assim sendo, embora todos preferíssemos que os governos
se mantivessem fiéis a suas promessas, a democracia não contém mecanismos
institucionais que assegurem que nossas escolhas sejam respeitadas.
Mas, mesmo que em prospectiva os cidadãos não tenham como controlar
os governos, poderão fazê-lo retrospectivamente, se puderem obrigar
os governos a se responsabilizar pelos resultados de suas ações passadas. Os
governos são responsáveis (accountable), se os cidadãos têm como saber blicos e podem lhes
aplicar as sanções apropriadas, de tal modo que os políticos
que atuaram a favor do interesse dos cidadãos sejam reeleitos e os que
não o tenham feito percam as eleições. A accountability funciona da seguinte
maneira: os governos prevêem, antecipadamente, o julgamento que será feito,
retrospectivamente, pelos cidadãos; prevendo o que pensarão os eleitores,
o governo escolhe políticas e emite mensagens que, a seu ver, os cidadãos
considerarão positivas à época das eleições seguíntes.ê ' Como
assinalou Hamilton: "poucos homens deixam de querer (...), muito intensamente,
cumprir bem o próprio dever (...), quando se dá aos homens o direito
~ 124 ~
Material para fins didático

de esperar que, por seus próprios méritos, poderão continuar a cumpri-


10. Ninguém discordará disso, se admitir que o desejo de ser recompensado
é um dos mais poderosos incentivos à conduta humana; ou que o modo
mais seguro de garantir a fidelidade do homem é fazer com que seu interesse
coincida com seu dever".
Mesmo que motivados por interesses particulares, os políticos serão induzidos
a promover o bem-estar de todos se forem forçados a ter que escolher
entre obter vantagens e perder o cargo, e não obter vantagens e permanecer
no cargo. As instituições políticas devem: a) satisfazer a condição de
"auto-seleção", fazer com que pessoas que tenham outras oportunidades vejam
como atraente a possibilidade da (releleiçãor'" e b) satisfazer a condição
de compatibilidade de incentivos, isto é, fazer com que seja do interesse dos
políticos cumprir o que os cidadãos esperam que cumpram.l>
Essas condições, contudo, não bastam para garantir a accountability
dos políticos para com os cidadãos. Há várias outras condições que as instituições
devem satisfazer para que os cidadãos possam exercer controle sobre
os governos:
o Os eleitores devem poder saber a quem atribuir de fato responsabilidade
pelo desempenho do governo. Essa capacidade fica limitada quando o go-
33 Ver Downs, 1957; Fiorina, 1981 e Manin, 1995.
34 Por exemplo, no modelo seminal de accountability de Barro (1973), a renda privada líquida
é mais alta quando os salários pagos aos funcionários públicos são mais altos: pagar altos
salários
aos funcionários públicos aumenta o custo da perda do cargo e, conseqüentemente, a efetividade
do controle eleitoral.
35 Em relação a isso, as constataçôes de Remmer (1993) são assustadoras: em todas as 21
eleições
ocorridas na América Latina entre 1982 e 1990, diminuiu o número de votos dados aos
partidos da situação. O decJínio médio foi de 13,1% e a constante de regressão das condições
econômicas de aproximadamente -21. Os eleitores votam contra o partido "do governo" sem
considerar o que efetivamente os governos fazem, mas os políticos eleitos, por sua vez, não têm
nenhum incentivo para fazer coisa alguma pelos eleitores.se
~ 125 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

os governos estão - ou se não estão - atuando na defesa dos interesses pú-vemo é fruto de uma
coalizão partidária. Também é limitada quando a Presidência
e o Congresso são controlados por diferentes partidos. Em tais condições,
só uma elaborada teoria de governo permitiria estabelecer quem é
responsável pelo quê.
o Os eleitores devem poder votar para destituir do governo os partidos responsáveis
por mau desempenho. Pode parecer que se trate de um traço universal
das democracias, mas há sistemas eleitorais em que isso é praticamente
impossível, haja vista a permanência no governo dos democratacristãos
na Itália, ou do PLD no Japão. Como diz Pasquino (1994:25) sobre
a Itália: "os partidos da situação parecem destituir os eleitores de qualquer
influência política fazendo e desfazendo governos, em todos os níveis, sem
o menor respeito pelos resultados das eleições".
o Os políticos devem ter incentivos para querer ser reeleitos. Essa condição
torna-se problemática quando há restrições à reeleição, freqüentes nos sistemas
presidencialistas, e quando os partidos políticos não são organizações
burocráticas estáveis que oferecem "carreiras" a seus militantes. Paldam
(1991) observa que os coeficientes da função que relaciona possibilidade de
reeleição e resultados econômicos são mais altos quando o sistema partidário
é estável.
o Os eleitores devem dispor de instrumentos institucionais para recompensar
e punir os governos pelos resultados que produzem em diferentes domínios.
Mas as eleições são, em essência, um instrumento "grosseiro" de controle:
os eleitores têm de avaliar todo o pacote de políticas governamentais
em apenas uma decisão.
A assimetria de informação entre governo e eleitores dificulta ainda
mais a accountability. A visão padrão de como funciona esse mecanismo baseia-
se no "voto retrospectivo". Nesse modo de pensar, os cidadãos estabelecem
alguns padrões de desempenho pelos quais avaliam os governos: decidem
votar "com o governo" se sua renda aumentou, no mínimo, 4%
durante aquele mandato; se há maior segurança nas ruas; se a seleção de
futebol se classificou para a final da Copa do Mundo. Não sendo satisfeitas
~ 126 ~
Material para fins didático

essas exigências, votam "contra o governo". Os governos, por sua vez, desejando
ser reeleitos e conhecendo as regras pelas quais os cidadãos decidem,
fazem o possível para satisfazer esses critérios.
O problema é que nem sempre basta observar os resultados para poder
decidir se o governo está fazendo tudo o que pode fazer para promover
o bem-estar de todos ou se está servindo a interesses particulares. Os cidadãos
só se interessam pelos resultados, mas querem saber se são os melhores possíveis em condições
que não vêem completamente. E têm de julgar
a partir do que vêem. Trata-se de fazer inferências e essas inferências
são mais fáceis sob certas condições.
Suponhamos que os cidadãos não vêem algumas das condições que
os políticos vêem. Entre essas condições pode estar o conteúdo dos cofres
do governo: estarão cheios ou vazios?36 Ou a postura que o país adota ao
negociar com as instituições financeiras internacionais: é de acomodação ou
de desafio? Os governos decidem se vão implantar a política A, que é melhor
para os cidadãos se as condições são boas; ou a política B, que é melhor
para os cidadãos se as condições são más. Suponhamos ainda que, em
quaisquer das condições, as vantagens auferidas pelo governo serão maiores
se adotar a política B.
A regra do voto retrospectivo só contribui para assegurar a accountability
se os cidadãos conhecerem não só o resultado obtido, mas também
os outros resultados possíveis, caso o governo tivesse feito outra coisa, ou se
as condições fossem diferentes. Quando os eleitores podem inferir se o governo
fez o que deveria ter feito considerando apenas o resultado obtido, o
voto retrospectivo permite que os cidadãos controlem os políticos. Contudo,
mesmo que os cidadãos tenham boas teorias acerca dos efeitos das políticas
sobre os resultados, talvez continuem sem poder avaliar se o governo atuou
bem. Suponhamos que os eleitores não saibam se determinado resultado
não ocorreu porque as condições eram boas, mas o governo buscava auferir
vantagens, ou porque as condições eram más e aquela era a política adequada
às circunstâncias. Nesse caso, os cidadãos não podem fazer qualquer
inferência, a partir dos resultados que experienciam ou observam, quanto à
~ 127 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

qualidade das ações do governo. Não há regra retrospectiva que sirva, se for
baseada apenas em resultados.
Se os cidadãos estão inseguros quanto às condições objetivas ou quanto
às relações causais entre políticas e resultados, devem se valer de outras informações
para avaliar as ações do governo. Não basta fazer o julgamento retrospectivo
baseado apenas nos resultados. Os cidadãos podem querer ouvir
explicações, previsões e promessas; podem querer saber de onde vem o apoio
financeiro com que contam os políticos, o que o irmão do presidente faz para
ganhar a vida, ou que tipo de pessoa é "de fato" o presidente. Praticamente
tudo pode ajudar: pistas como símbolos e identidades são úteis para se avaliar :
36 Bresser Pereira (1992:4) conta que só soube que as reservas brasileiras estavam reduzidas a
quase nada ao se encontrar com o presidente Sarney, depois de ter aceito a indicação de seu
I nome para o cargo de ministro da Fazenda.

os cidadãos sobre o mau desempenho do governo que está no poder. Vencerá as eleições se
persuadir os eleitores de que o governo não atende aos anseios da população. Ainda que, a princípio,
os cidadãos só se preocupem com resultados e não com as políticas que levam a eles, a oposição pode
induzir os eleitores a se interessarem pelas políticas se conseguir persuadi-los de que outras políticas
levariam a melhores resultados.
E se os partidos de oposição informarem os cidadãos sobre os descaminhos do governo ou
apenas sobre sua fonte de dinheiro, estão reduzindo o custo da informação para o eleitor.
a Também os veículos de comunicação têm um papel específico a desempenhar.
Devem não só informar, como também focalizar mais a atenção nas condições gerais do que nos
interesses particulares. Para diminuir a possibilidade de que um governo manipule as maiorias cíclicas,
os eleitores devem ter comportamento sociotrópico: devem basear suas decisões em certos estados
gerais da economia ou da sociedade, e não se orientar exclusivamente pela especificidade de suas
próprias condíções.?
a Os mecanismos da accountability não são apenas "verticais" - dos políticos eleitos para os
eleitores -, são também "horizontais" - entre os vários ramos do governo (O'Donnell, 1991). As
eleições inevitavelmente têm características de plebiscito: por mais bem informados que estejam os
eleitores, a eleição permite apenas que ratifiquem ou rejeitem, de tempos em tempos, as decisões
tomadas pelas equipes formadas por seus representantes, que competem e cooperam umas com as
outras (Bobbio, 1989:116). Um processo legislativo deliberativo e aberto obriga os representantes a
justificarem publicamente os cursos de ação que preconizam e a reunirem a informação de que
dispõem: o processo legislativo é a ocasião de expor as relações técnicas entre as políticas e os
resultados, em termos concretos e detalhadamente.
~ 128 ~
Material para fins didático

Ele não só força o Executivo a justificar e a defender suas ações perante outros órgãos do
governo, mas também informa os cidadãos. O poder de governar por decreto, usado obsessivamente no
Peru, na Argentina e no Brasil durante a última década, mutila esse processo e priva os cidadãos da
oportunidade de conhecer a qualidade das políticas. Ao privar a legislatura de sua função deliberativa,
e os cidadãos da informação sobre os méritos relativos de políticas alternativas, o decreto-lei reduz a
eficácia dos mecanismos de accountability. Na verdade, governar por decreto quase sempre passa a
idéia de que o Executivo está ocultando dos cidadãos, e do Legislativo, algumas das razões que o
levaram a preferir determinadas políticas.
o Finalmente, mesmo que todas as instituições democráticas clássicas, tal como as conhecemos,
estejam funcionando bem, elas não são suficientes para garantir a accountability e para capacitar os
cidadãos a obrigarem os governos a cumprir com seu dever. Os governos sempre disporão de
informação privada sobre seus objetivos, sobre algumas condições objetivas e sobre as relações entre
as políticas e seus resultados. Isso é inevitável. Mas a qualidade e a quantidade da informação posta à
disposição dos cidadãos para que julguem as ações do governo podem ser melhoradas através de
inovações institucionais, de instituições independentes de outros órgãos do governo, e que ofereçam
aos cidadãos a informação necessária para que aperfeiçoem sua avaliação a posteriori dos atos do
governo, não apenas dos resultados. Essas instituições podem incluir:
a) comissões independentes que garantam a transparência das contribuições de campanha e que
tenham poder para fazer suas próprias sindicâncias;
b) um ramo independente do Estado para auditoria, um auditor-geral, na linha da controlaría
chilenar'''
c) uma fonte independente de informação estatística sobre o estado da economia;
d) uma função privilegiada, para a oposição, de supervisão dos veículos de informação que
pertençam ao Estado. Todos estes seriam, para usar os termos de uma comissão australiana,
"agências de responsabilização

Conclusões
Vamos concluir com um exemplo. Tem sido amplamente divulgado que, em todo o mundo,
apenas cerca de 40% do total de recursos alocados como subsídio à alimentação chegam à boca dos
pobres; o resto desaparece ao longo do caminho. Diante desse fato, há duas reações possíveis: uma é
di-zer que, como os programas são ineficientes, não devem continuar a ser postos em prática. A outra é
reformar os sistemas de distribuição: organizar os incentivos de tal modo que só se candidatem a
recebê-los aqueles que realmente precisem deles; que as agências governamentais possam saber quem
são essas pessoas; que os cidadãos possam informar aos políticos quem são realmente os necessitados,
e se somente eles têm recebido ajuda; e que os políticos temam perder seus cargos se a maior parte do
dinheiro acabar entrando no bolso errado. Afirmei que esta segunda solução é viável e melhor que a
primeira. Isso não quer dizer que a alocação ótima é possível: os melhores programas de distribuição
de alimentos consomem cerca de 20% das verbas só na distribuição, e esse custo é inevitável. Alguma
ineficiência é inevitável, posto que os governos, como os cidadãos, são limitados pela informação e
pelos custos transacionais. O que cabe à reforma do Estado é fazer o governo funcionar o melhor
possível dentro dessas limitações.
~ 129 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

A reforma do Estado deve ser concebida em termos de mecanismos institucionais pelos quais os
governos possam controlar o comportamento dos agentes econômicos privados, e os cidadãos possam
controlar os governos.
A questão quanto a se um Estado neoliberal é ou não é superior a um Estado intervencionista não
pode ser resolvida em termos gerais, uma vez que a qualidade da intervenção estatal depende de um
desenho institucional específico. Porém, o Estado neoliberal é, pelo menos, um parâmetro pelo qual se
pode aferir a qualidade da intervenção estatal: como as alocações do mercado não são eficientes,
desaparelhar o Estado não é um objetivo racional de reforma do Estado.
A intervenção estatal pode ser melhor do que a não-intervenção nos casos em que o desenho
institucional permita que os governos intervenham na economia, que os políticos controlem os
burocratas, e que os cidadãos controlem os governos. Mesmo correndo o risco de ser repetitivo, vale
lembrar mais uma vez que todas essas exigências têm de ser satisfeitas: os governos devem poder
discernir os casos em que a intervenção fará aumentar as taxas sociais de retorno e deve ter
instrumentos para uma intervenção efetiva. Mas os próprios governos devem ter incentivos para
intervir bem e precisam estar sujeitos a sanções quando não atuarem em prol dos interesses públicos.
Os políticos eleitos devem querer, e poder, controlar as burocracias, que não estão sujeitas à sanção
popular direta. Os cidadãos devem ser capazes de distinguir os bons dos maus governos e devem poder
aplicar-lhes a sanção adequada, a fim de que os governantes que atuem bem sejam reeleitos e os
demais sejam derrotados nas eleições.
Essas exigências são dificeis de cumprir e nunca são totalmente satisfeitas. Mas o desenho
institucional é importante. A verdade é que, nos últimos

--------_. -------------_._._--------_ .._ _-


40 Ver World Bank, 1994:32.
41 Ver Dunn & Uhr, 1993

zer que, como os programas são ineficientes, não devem continuar a ser postos em prática. A
outra é reformar os sistemas de distribuição: organizar os incentivos de tal modo que só se candidatem
a recebê-los aqueles que realmente precisem deles; que as agências governamentais possam saber
quem são essas pessoas; que os cidadãos possam informar aos políticos quem são realmente os
necessitados, e se somente eles têm recebido ajuda; e que os políticos temam perder seus cargos se a
maior parte do dinheiro acabar entrando no bolso errado. Afirmei que esta segunda solução é viável e
~ 130 ~
Material para fins didático

melhor que a primeira. Isso não quer dizer que a alocação ótima é possível: os melhores programas de
distribuição de alimentos consomem cerca de 20% das verbas só na distribuição, e esse custo é
inevitável. Alguma ineficiência é inevitável, posto que os governos, como os cidadãos, são limitados
pela informação e pelos custos transacionais. O que cabe à reforma do Estado é fazer o governo
funcionar o melhor possível dentro dessas limitações.
A reforma do Estado deve ser concebida em termos de mecanismos institucionais pelos quais os
governos possam controlar o comportamento dos agentes econômicos privados, e os cidadãos possam
controlar os governos.
A questão quanto a se um Estado neoliberal é ou não é superior a um Estado intervencionista não
pode ser resolvida em termos gerais, uma vez que a qualidade da intervenção estatal depende de um
desenho institucional específico. Porém, o Estado neoliberal é, pelo menos, um parâmetro pelo qual se
pode aferir a qualidade da intervenção estatal: como as alocações do mercado não são eficientes,
desaparelhar o Estado não é um objetivo racional de reforma do Estado.
A intervenção estatal pode ser melhor do que a não-intervenção nos casos em que o desenho
institucional permita que os governos intervenham na economia, que os políticos controlem os
burocratas, e que os cidadãos controlem os governos. Mesmo correndo o risco de ser repetitivo, vale
lembrar mais uma vez que todas essas exigências têm de ser satisfeitas: os governos devem poder
discernir os casos em que a intervenção fará aumentar as taxas sociais de retorno e deve ter
instrumentos para uma intervenção efetiva. Mas os próprios governos devem ter incentivos para
intervir bem e precisam estar sujeitos a sanções quando não atuarem em prol dos interesses públicos.
Os políticos eleitos devem querer, e poder, controlar as burocracias, que não estão sujeitas à sanção
popular direta. Os cidadãos devem ser capazes de distinguir os bons dos maus governos e devem poder
aplicar-lhes a sanção adequada, a fim de que os governantes que atuem bem sejam reeleitos e os
demais sejam derrotados nas eleições.
Essas exigências são difíceis de cumprir e nunca são totalmente satisfeitas.
Mas o desenho institucional é importante. A verdade é que, nos últimos

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~ 133 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

A REVOLUÇÃO GLOBAL: REFORMA DA ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO. Donald


F. Kettl *

A reforma no mundo
Desde os primeiros anos 80, vê-se crescer em todo o mundo uma onda global de reforma do
setor público. Praticamente todos os governos têm empreendido esforços para modernizar e agilizar a
administração pública.
Em todos os países, os governos têm sido abertamente pressionados a reduzir o tamanho do
Estado. Em nenhum outro momento da história o movimento em favor da reforma da administração
pública avançou tanto e tão depressa.
Embora a ideia de reforma do Estado tenha surgido em todo o mundo, muito pouco se sabe sobre
suas causas. Os governos, de fato, têm-se proposto um conjunto heterogêneo de metas variadas e
muitas vezes contraditórias, mas, ainda assim, certos temas afloram repetidamente. Os reformadores
prometem agilizar a administração. Têm lutado muito para dotar os serviços públicos de maior
eficácia, de maior eficiência e para reduzir custos. A grande maioria comprometeu-se com a ideia de
reduzir o tamanho do Estado. 1
O que chama a atenção é que o movimento favorável à redução do Estado tomou-se virtualmente
universal, por maiores que sejam alguns deles.
Estados que têm grandes aparelhos de administração pública, como a Suécia, deram início a
reformas praticamente ao mesmo tempo que Estados nos quais o setor governamental é muito menor,
como o Reino Unido. Da Coréia ao Brasil, de Portugal à Nova Zelândia, a reforma do setor
governamental tomou-se um fenômeno verdadeiramente universal. Em todo o mundo, os cidadãos e
seus representantes eleitos parecem simplesmente ter chegado à conclusão de que o governo de seu
país, seja qual for o seu tamanho relativo, é grande demais e precisa ser reduzido, de que a
administração pública é muito cara e deve ser modificada para oferecer maior eficiência e maior
eficácia.
É provável que a história registre este como o primeiro efeito verdadeiro da era da informação:
intelectuais e funcionários do Estado servindo-se uns das ideias dos outros para difundir a necessidade
de reduzir as dimensões da administração pública.

* Professor de administração pública e ciências políticas da Universidade de Wisconsin, Madison, e


professor visitante da Brookings lnstitution.
1 Um levantamento muito útil foi produzido pelo United States General Accounting Office (1995).

Dois dilemas
~ 134 ~
Material para fins didático

Apesar do interesse universal que desperta a ideia de reforma, há nestes dois dilemas. Um é o
impulso para organizar governos que funcionem melhor e custem menos. Táticas de curto prazo para
cortar gastos têm feito com que, a longo prazo, seja ainda mais difícil se obter melhores resultados.
O outro dilema é decidir o que o governo deve fazer. Muitas reformas têm-se concentrado na
identificação das partes do Estado que podem ser reduzidas. Esse tipo de proposta, contudo, não define
nem o núcleo essencial do Estado que se quer ter, nem o que fazer para que ele funcione. É impossível
encontrar as melhores soluções para a reforma do setor público sem antes entender a fundo os
problemas.
Funciona melhor/custa menos. Um ótimo exemplo do primeiro dilema é o esforço que os
Estados Unidos têm feito para "reinventar" a administração pública. Quando ainda candidato à
presidência, Bill Clinton ficou fascinado por um best-seller, Reinventing government.
Depois de eleito, em 1993, Clinton incumbiu o vice-presidente Al Gore de conduzir um estudo
de seis meses sobre o que fazer para melhorar o governo americano. Gore entregou-lhe um relatório no
qual examinava, em varredura, toda a administração pública norte-americana (Gore, 1993). Embora
alguns tenham criticado o relatório de Gore, a campanha pela reinvenção do governo produziu muitos
resultados - mais, em alguns casos, do que esperava o governo Clinton.
O esforço norte-americano chama a atenção, entretanto, para duas importantes questões que os
reforma dores têm tido de enfrentar em todo o mundo. Em primeiro lugar, os imperativos da política
frequentemente fazem com que os reformadores procurem obter "vitórias" transparentes e rápidas.
Nenhuma reforma começa por vontade própria; por trás de cada reforma sempre há um poderoso
imperativo político a empurrá-la para adiante. A partir do momento em que as autoridades anunciam
um plano de reformas começa a se formar e a crescer uma forte pressão por resultados. É importante
que se obtenham alguns sucessos a curto prazo, para que se solidifique o apoio político que será muito
necessário mais adiante, quando surgirem os desafios maiores. Nos Estados Unidos, como em outros
países, o governo Clinton começou por duas medidas que tiveram muito sucesso: cortes no orçamento
e redução do número de burocratas.
Em segundo lugar, embora resultados claros sejam vitais para promover a reforma, a
preocupação em bons e rápidos resultados mediante cortes orçamentários tem frequentemente
impedido melhorias de desempenho mais significativas a longo prazo. Reformas autênticas no setor
público exigem esforço concentrado e duradouro. Nos Estados Unidos, porém, o interesse em obter
resultados rápidos dirigiu a reforma para o corte do número de funcionários do Estado - os mesmos
funcionários públicos dos quais o governo teria de depender se quisesse obter resultados a longo prazo.
O entusiasmo pela reforma da administração pública evapora-se rapidamente quando ninguém vê
vantagens no que está sendo feito, mas táticas que rapidamente produzam vantagens visíveis podem
fazer com que, a longo prazo, seja ainda mais difícil obter resultados duradouros.
Os reformadores da administração pública têm tentado criar um Estado mais barato e mais
eficiente. Na prática, porém, é difícil para os reformadores contemplar, ao mesmo tempo, economias
de curto prazo e bons resultados futuros; dedicar-se a mudanças radicais e imediatas e ao processo
contínuo de reforma; implementar decisões extremamente duras e táticas que visem a motivar os
funcionários. Para se ter uma reforma efetiva e duradoura é preciso encontrar mecanismos que
conciliem interesses políticos imperativos de curto prazo e metas de longo prazo.
~ 135 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

O papel do governo. O segundo dilema diz respeito ao que cabe ao governo fazer. Os
reformadores têm-se esforçado para fazer o maior número possível de cortes; o Estado tem sido
definido a partir do que sobra, depois de todos os cortes. No Reino Unido e na Nova Zelândia, isso
levou a um processo de privatização de empresas estatais que durou anos." Nos Estados Unidos, cujo
setor público era muito menor, o processo foi muito menos ordenado:
jogou-se ao mar, para fora do barco do Estado, tudo quanto, à primeira vista, não tivesse
utilidade imediata. Foi um jogo predominantemente negativo. Em alguns países pôde-se definir, com
melhor estratégia, o que o Estado podia e o que não podia dispensar, mas várias nações acompanharam
o profundo pragmatismo dos norte-americanos. A maioria das nações se preocupou em "aparar" os
contornos da administração pública valendo-se para tanto de inúmeros mecanismos:
o limitação das dimensões do setor público;
o privatização;
o comercialização ou corporatização de órgãos públicos;
o descentralização para governos subnacionais;
o desconcentração no governo central;
o uso de mecanismos típicos de mercado;
o novas atribuições aos órgãos da administração central;
o outras iniciativas de reestruturação ou "racionalização" (OECD, i995: 13).
Não há dúvidas de que essas abordagens serviram de combustível para reformas extraordinárias,
mas seus limites estão se tornando visíveis. Na Nova Zelândia, que começou antes e foi mais longe,
houve comentários, dos próprios funcionários públicos, de que o setor público estaria sendo reduzido
demais.
Reduzir o setor público, na melhor das hipóteses, é uma resposta apenas parcial. Mais cedo ou
mais tarde, todo reformador é obrigado a responder à pergunta da qual, no início da reforma, todos
fogem. Façam o que fizerem, no momento de reduzir o setor público, os reformadores têm de decidir o
que o governo fará com o que sobrar. Quais as funções essenciais e irredutíveis do Estado? Em algum
momento do processo, a reforma deve dar uma guinada e passar de uma teoria negativa a uma teoria
positiva de governo. Este não é um aspecto opcional ou negociável. O único problema, de fato, é saber
quanto tempo as autoridades demorarão para chegar a uma nova teoria positiva de governo e se a
encararão com entusiasmo ou se, ao contrário, tropeçarão nela como se fosse um grande refugo que
sobrou das fases iniciais do debate.

Ambição desmedida
Os dois dilemas não têm conseguido deter o ímpeto dos reformadores, nem tomado mais lento o
ritmo do que já pode ser visto como uma revolução global. Os reforma dores pressionam para que se
façam reformas ambiciosas e muitas vezes precipitadas. Nas páginas a seguir, discutirei a revolução
global: as ideias centrais que a inspiraram, as mudanças nos processos de governo que levaram a ela e
as mudanças que introduziu na estrutura organizacional do setor público. Todas essas reformas levam
à maior e mais importante questão: a busca de meios que assegurem a res publica, o uso do Estado
~ 136 ~
Material para fins didático

para promover o interesse público.> Para concluir, examinarei questões vitais, mas ainda sem resposta,
que frequentemente têm comprometido o sucesso a longo prazo das reformas.

Ideais
A ideia de reformar o setor governamental não é nova. De fato, se há algo mais antigo que a
própria ideai de governo é a ideai de aprimorá-lo.
Mas a revolução global pela reforma da administração pública é diferente em dois aspectos.
Primeiro, essa revolução se alastrou rapidamente por todo o mundo. Embora se tenham creditado aos
países do Westminster (sobretudo Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido) os méritos de terem
começado antes e ido mais longe, o movimento em prol da reforma é caracteristicamente global: nos
países desenvolvidos e em desenvolvimento, a necessidade urgente de reduzir o tamanho do Estado e
de melhorar seu desempenho cresce e se espraia como uma onda. Por toda a parte, os formadores de
opinião encarregam-se de difundir as ideias da reforma. Os reformadores do Estado, por sua vez,
copiam rapidamente as ideias que lhes parecem interessantes.
Contudo, os motivos que levaram o movimento pró-reformas a ter uma acolhida tão favorável e
a se difundir tanto e em tão pouco tempo continuam a constituir uma pergunta importante e sem
resposta; e as pesquisas para desvendar esse enigma retardaram os esforços para modificar o
funcionalismo público. Mas a realidade dessa transformação global é incontestável.
Em segundo lugar, a revolução partiu de um novo conceito, batizado de managerialism: a
estrutura de governo existente já não atende às necessidades dos governos. De modo especial, foi a
tradicional hierarquia burocrática, com seus procedimentos baseados em regras e a rigidez que estas
regras geram, que passou a ser vista como superada e inútil.
Os cidadãos reclamavam da burocracia estatal autoritária que não funcionava; da inflexibilidade
que ninguém conseguia alterar; dos programas e organizações que se superpunham e impossibilitavam
a coordenação; dos organismos públicos, que pareciam mais interessados em promover seus próprios
negócios do que em servir aos cidadãos. Mesmo as teorias mais bem estruturadas e desenvolvidas de
autoridade e hierarquia que serviram de pedra de toque para os governos modernos por bem mais de
um século foram sumariamente arrasadas pelos reformadores.
O plano era substituir a autoridade e a rigidez pela flexibilidade; a atenção à estrutura, pela
melhoria do processo. Mais do que tudo, porém, os reforma dores basearam sua revolução na erosão
da teoria da hierarquia burocrática baseada na autoridade que por tanto tempo havia dominado a gestão
pública.
Trata-se de uma revolução de idéias e de uma revolução de política pública. No âmago da
revolução das idéias, porém, há um conflito profundo quanto ao rumo que a luta deva tomar. A chave
da reforma governamental estará em varrer todo e qualquer obstáculo antiquado e irracional e abrir
caminho para administradores públicos esforçados e bem-intencionados? Ou devem-se reformar as
condições de trabalho atuais dos administradores públicos para obrigá-los a deixar o relativo conforto
dos monopólios estatais e enfrentar a concorrência, com o que acabarão por desenvolver seus talentos
e chegarão a melhores resultados?
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Meios de chegar à flexibilidade


Há um consenso quase unânime em tomo da ideai de que os administradores públicos precisam
de maior flexibilidade para trabalhar, e de que o grande obstáculo à introdução dessa flexibilidade são
os padrões vigentes de hierarquia e autoridade. As autoridades públicas, contudo, têm escolhido
abordagens muito diversas para dar início aos seus programas de flexibilização.
Em alguns países, particularmente na Austrália e na Suécia, os reformadores do Estado pregaram
a necessidade de ..deixar o gerente gerenciar".
A filosofia subjacente, neste caso, garantia que os administradores públicos profissionais sabiam
exatamente o que fazer, mas que havia regras, procedimentos e estruturas que os impediam. Para o
analista Peter M. Senge, as políticas e as práticas de governo criam sua própria realidade, o que levaria
os administradores públicos a adotarem posturas reativas, presas a procedimentos operacionais padrão
e limitadas em visão. Para promover organizações adaptáveis e governos que funcionem melhor,
dever-se-ia fazer com que o administrador público pudesse se concentrar nos problemas que têm de ser
resolvidos e, então, dar-lhe flexibilidade para resolvê-los.? Deixem o gerente gerenciar e avaliem com
atenção os resultados, diziam os reformadores, e a flexibilidade poderá substituir a rigidez. Tratava-se,
como disse Philip Howard em seu estudo sobre regulação nos Estados Unidos, de um retomo ao bom
senso."
No âmago da abordagem "deixem o gerente gerenciar" está o interesse do usuário: o foco da
atividade das organizações governamentais deve ser atender às necessidades dos cidadãos, não à
conveniência dos burocratas.
Em todo o mundo, os cidadãos reclamam de filas intermináveis, de atendimento descortês, de
regras arbitrárias, da papelada, de questionários invasivos e até, ocasionalmente, de ter de subornar um
funcionário para receber serviços aos quais têm pleno direito. Nos moldes existentes, a burocracia
muitas vezes confere autoridade ao administrador para exercitar um poder discricionário e impede que
bons funcionários cumpram suas funções do modo que gostariam e poderiam fazer.
O interesse pelo usuário dos serviços leva os administradores a se preocuparem em oferecer
serviços, e não em gerir programas; em atender aos cidadãos e não às necessidades da burocracia. É o
lado "funcionar melhor" do dilema "funcionar melhor/custar menos". Na Austrália, as autoridades
concentraram-se muito mais em oferecer "qualidade tal como o usuário a define". As autoridades
governamentais começaram avaliando a opinião dos cidadãos sobre seus contatos com os órgãos
públicos: o tempo gasto, a acessibilidade, a confiabilidade, a rapidez dos resultados e o custo. De julho
de 1991 a julho de 1992, por exemplo, 72% dos cidadãos pesquisados responderam que haviam sido
"bem" e "muito bem" tratados nos contatos com órgãos públicos. A agência responsável pela
arrecadação de impostos, por exemplo, estabeleceu metas a serem atingidas quanto à exatidão das
informações fornecidas, ao tempo gasto para se obter uma resposta, à acessibilidade dos funcionários e
à relevância da estrutura de apoio.
Nos Estados Unidos, a administração Clinton empenhou-se em definir padrões de atendimento
ao público para 214 órgãos do governo federal." Uma das divisões regionais da Administração Federal
de Seguridade Social foi recentemente considerada a melhor no quesito "qualidade dos serviços
oferecidos", tendo obtido resultados melhores que os de várias empresas privadas reconhecidas pela
boa qualidade de seu atendimento ao usuário (Bishop, 1995:1,3-4). Segundo o relatório do governo
Clinton: exercer controle de cima para baixo. Temos de treinar os funcionários para que ofereçam
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Material para fins didático

resultados aos usuários e consumidores; os funcionários foram treinados para seguir o que o vice-
presidente Gore chama de 'regras de entorpecimento mental'. Temos de criar sistemas que visem à
satisfação do usuário e do consumidor; até agora, nossos sistemas visaram à satisfação do chefe, de
algumas autoridades e de algumas comissões administrativas" (Clinton & Gore, 1995:3-4).
A filosofia do "deixem o administrador administrar" baseia-se na idéia de substituir a
necessidade de controlar por uma filosofia de "melhoria contínua", a qual, por sua vez, é um dos frutos
do movimento liderado por W Edwards Deming, a "gestão da qualidade total". Diz Deming que a
chave para um verdadeiro aprimoramento da qualidade dos serviços é trabalhar sempre para oferecer o
melhor, organizar de baixo para cima e não de cima para baixo, e estabelecer um sistema de
cooperação entre os funcionários das diferentes agências governamentais.
Outros países, contudo, seguiram caminhos bastante diferentes. Em nações como a Nova
Zelândia e o Reino Unido, as autoridades administrativas optaram pela filosofia do "faça o
administrador administrar". Nesse caso, não bastaria "deixar" o administrador administrar; muitos
órgãos e agências estatais são monopólios e, afastados da competição de mercado, não haveria
estímulo algum para que os administradores procurassem administrar melhor. O único modo de
garantir que ocorram de fato melhoras no desempenho da administração pública seria alterar os
incentivos dados aos administradores e expô-los às forças do mercado.
No Reino Unido, por exemplo, o governo Thatcher desencadeou uma reforma batizada de
"Próximos Passos". As autoridades da administração nacional definiriam as políticas gerais, mas dois
terços dos serviços públicos deveriam ser realocados em agências. As agências seriam regidas por
contratos, nos quais se especificaria o que Ihes cabia fazer e os padrões pelos quais seu desempenho
seria avaliado. Os acordos sobre desempenho e metas a serem alcançadas serviram de base para uma
mudança radical no sistema Whitehall. Cada agência passou a poder se concentrar muito mais
diretamente na melhoria do serviço que devia prestar a usuários ou consumidores.
O governo Major desde então tem procurado privatizar o maior número possível dessas
"agências Próximos Passos".
Na Nova Zelândia, promoveu-se uma transformação ainda mais radical no setor público. Os
funcionários mais graduados da administração pública foram contratados mediante contratos de
desempenho para administrar órgãos cujo trabalho é definido por acordos de compra-de-serviços. É
provável que nenhum outro país no planeta tenha sido mais agressivo do que a Nova Zelândia na
venda de empresas estatais ao setor privado e na sujeição do restante de sua administração pública à
concorrência de mercado.
As funções das agências públicas obedecem a metas muito claras de desempenho. Os
administradores mais graduados são remunerados de acordo com o desempenho e os que não atingem
as metas propostas podem ser demitidos. Em resumo, é o mercado - e o desempenho da agência, de
acordo com os padrões de mercado - que determina o sucesso de cada agência.
As reformas, particularmente nesses dois países, seguiram rigorosamente a teoria econômica: o
Estado, por ser monopolista, é inerentemente ineficiente; tende a crescer e a "inchar"; e por isso tem
mau desempenho.
Os que criticam o governo costumam argumentar que não há ineficiência, má gestão e
desperdício só na administração pública; que o mesmo acontece em qualquer monopólio, público ou
privado; e que só a livre concorrência é capaz de corrigir esses vícios.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

A Nova Zelândia e o Reino Unido fizeram conscientemente o que pregam essas teorias, ao se
decidirem por uma agressiva privatização de empresas públicas. Terceirizaram (ou delegaram a outros)
muitas das atividades que eram mantidas sob controle do Estado. 14 Procuraram passar do controle de
produção (a atividade dos órgãos públicos) para a aferição dos resultados dessa atividade. Criaram
novos mecanismos para testar, no mercado, os programas geridos pela administração pública, entre os
quais a exigência de que os administradores públicos entrassem na competição de mercado para os
próprios cargos que ocupavam. E introduziram sistemas muito mais amplos de controle dos gastos
públicos. Todos esses sistemas, combinados, tinham principalmente como foco modificar o sistema de
incentivos para "fazer os gerentes públicos gerenciar".
Muitos países introduziram também, nos dois tipos de abordagem, a reengenharia de negócios,
para agilizar e aprimorar os programas governamentais. Para a reengenharia é preciso proceder a uma
reavaliação profunda do que uma dada organização está fazendo e de como tem tentado fazê-lo. O
primeiro passo é fazer com que os administradores passem a considerar as características dos usuários
ou dos consumidores e dos concorrentes, e entendam que é preciso mudar. A seguir, faz-se o
redesenho radical dos procedimentos de trabalho com vistas a assegurar que usuários ou consumidores
encontrem o que procuram. Muito freqüentemente, esse processo é complementado por mudanças
profundas na estrutura organizacional (como a eliminação dos escalões administrativos intermediários
e a criação de organizações menos verticalizadas) e por investimentos em novas tecnologias de
informação. Diferentemente da administração pública tradicional, que tendia a se concentrar na
estrutura organizacional, a reengenharia concentra-se no processo; tudo o mais é secundário no que diz
respeito a, efetivamente, "fazer o serviço". Na administração pública, porém, simplesmente definir o
que seja "serviço" já é um desafio constante e mutável.

Conflitos estratégicos
Comparados entre si, os processos de "deixar o administrador administrar", de "fazer o
administrador administrar" e o da reengenharia de negócios incluem idéias extremamente úteis. Na
verdade, um dos aspectos mais fascinantes desses processos de reforma é precisamente o quanto foram
influenciados pelas idéias. As reformas têm sido como que o casamento de uma profunda reflexão
teórica com um profundo pragmatismo.
Muitas nações do mundo, ademais, têm usado com êxito apenas partes de cada uma dessas
abordagens. Seria um erro, porém, supor que essas abordagens constituam um menu de opções
intercambiáveis. No fundo, são diferentes quanto aos fundamentos. Porém, como no dilema "funciona
melhor/custa menos", a filosofia básica que inspira cada uma dessas abordagens impõe freqüentem
ente uma tática francamente hostil a outras abordagens.
"Deixar o administrador administrar", no fundo, é uma filosofia de transferência do poder. Visa a
neutralizar qualquer restrição que possa ser feita à flexibilidade do administrador. "Fazer o
administrador administrar", por outro lado, visa a modificar as restrições que pesam sobre o
administrador. O administrador deve ser livre para resolver problemas administrativos. Contudo, pense
ele o que pensar sobre o melhor modo de servir ao público, tem de cumprir objetivos que lhe são
impostos de fora e enfrentar uma dura concorrência de mercado. A reengenharia de negócios, por fim,
tende a rejeitar o segmento de aprimoramento contínuo que existe na filosofia do "deixar o
administrador administrar" e prega a necessidade de mudanças mais dramáticas e fundamentais. A
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Material para fins didático

rigor, fundamenta-se na existência de uma feroz luta "de mercado" (como faz a filosofia do "fazer o
administrador administrar") para impor a necessidade da reforma. E insiste, além disso, em estabelecer
mais um supernível de controle, orientado pelo mercado, aos órgãos da administração pública.
Esses conflitos estratégicos estabelecem um inventário muito útil de possíveis abordagens ao
problema da reforma do setor público. Permitem que se classifiquem algumas fontes possíveis de
conflito, tanto na concepção da abordagem quanto na produção de resultados. E mostram por que
determinado conflito é, ou pode vir a ser, relevante. Particularmente, no que diz respeito às seguintes
questões fundamentais:
o Ênfase. As reformas administrativas tradicionais concentravam-se na reestruturação
organizacional. Muitas reformas mais recentes do setor público, ao contrário, têm procurado modificar
procedimentos. Onde estará o ponto de equilíbrio?
o Responsabilização (accountability). A administração tradicional construiu para esse fim, nos
escalões superiores, um sistema baseado na autoridade.
As reformas mais recentes do setor público têm adotado mecanismos baseados no mercado.
Como conciliar as metas de eficiência impostas pelo mercado com a necessidade das autoridades
eleitas de cobrar responsabilidade legal por resultados àqueles a quem delegam poderes?
o Resultado final. A administração tradicional tendia a julgar os administradores com base no
processo: se os administradores faziam o que mandava a lei, do modo como a lei exigia que o
fizessem, dizia-se que a administração pública "era boa". As reformas mais recentes do setor público
têm dado maior atenção à eficiência. Como conciliar a preocupação tradicional dispensada ao processo
com a exigência de desempenho eficiente?
O papel dos funcionários públicos. A administração tradicional recorria a funcionários públicos
para executar as tarefas do Estado. As reformas mais recentes do setor público não partem do
pressuposto de que as tradicionais tarefas do Estado tenham necessariamente que ser executadas pela
administração pública - ou, no caso de os serviços precisarem ser pagos pelo Estado, não é necessário
que os serviços sejam prestados por funcionários públicos. Como modificar o sistema de recursos
humanos da administração pública para que se adapte às novas características do serviço público?
O papel dos cidadãos. A administração tradicional tendia a tratar os cidadãos como clientes -
presumia-se que os funcionários públicos conheciam melhor as necessidades dos cidadãos, e que os
cidadãos eram recipiendários passivos dos serviços públicos. As reformas recentes do setor público
têm tendido a ver os cidadãos como consumidores. Mas, como essa definição raramente é clara, quem
é "o consumidor"? E que responsabilidades os cidadãos precisam assumir para que esse sistema
funcione bem -e como os movimentos "de conscientização do consumidor" afetam os serviços
públicos aos quais o cidadão tem pleno direito legal?
O núcleo do Estado. A administração pública tradicional tendia a definir "serviços públicos"
como algo que só o Estado podia - ou devia - fazer.
As reformas recentes do setor público já não impõem limites conceituais muito claros. Há um
núcleo mínimo de Estado a ser preservado, no qual não se possa fazer nenhum "corte"? E como
delimitar este núcleo?
Um exame da estrutura e dos processos da administração pública e um reexame da natureza da
res publica, ou do interesse público, lançam uma nova luz sobre essas complicadas questões.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

O processo
Apesar de a revolução da reforma do setor público estar varrendo o mundo, é ainda difícil avaliar
os resultados ou prescrever as reformas que levarão aos melhores resultados. A dificuldade deve-se,
em parte, ao fato de que muitas vezes a opção entusiástica pelas reformas não incluía qualquer
preocupação com a aferição dos resultados. Em parte explica-se essa dificuldade, também, porque
ideias que são fascinantes no papel podem acabar, na prática, por trazer à tona problemas novos,
graves e até então ocultos, porque colidem violentamente com práticas vigentes.
Em nenhum caso isso é mais verdadeiro do que nas reformas de processos que são o núcleo da
"nova gestão pública". Essas reformas colidem, sutil mas diretamente, com o conhecimento
convencional vigente na administração pública, segundo o qual o que mais importa é a estrutura
organizacional;
corrija os defeitos estruturais, que os resultados aparecem. O problema é que praticamente já não
existe organização pública que consiga gerir e controlar diretamente os programas pelos quais é
responsável. São tão extensas as superposições e as interdependências de políticas e programas
públicos que a base de uma administração eficaz passou a ser a coordenação de unidades que,
eventualmente, visam a objetivos totalmente divergentes.
Essas unidades podem ser agências do próprio Estado ou organizações privadas sem fins
lucrativos que trabalham como parceiras do Estado. Isoladamente, portanto, nenhuma das estruturas
organizacionais existentes consegue resolver grandes problemas. Para preencher os vazios que
surgiram, implementaram-se várias reformas baseadas em processos.

Administração baseada no desempenho


As tendências favoráveis à gestão pública "testadas no mercado" baseiam-se também na
possibilidade de avaliar o desempenho do aparelho de Estado. Quando se criam incentivos à eficiência,
devem-se criar também meios de avaliar diferentes alternativas. Determinado programa funciona bem?
Há alternativas melhores? A resposta a essas questões fundamentais depende basicamente de que se
possa aferir resultados e adotar o critério de avaliação para orientar as decisões de política pública. Os
serviços ao consumidor, sobretudo, dependem de que se possa oferecer informação suficiente para que
os cidadãos-consumidores façam escolhas inteligentes. A avaliação do desempenho, portanto, é a
pedra fundamental de muitas reformas.
Desde meados da década de 80, os governos da Nova Zelândia e do Reino Unido vêm
redefinindo drasticamente suas metas de desempenho e procedendo a avaliações de resultados. O
modelo australiano é ligeiramente diferente e se concentra na avaliação de programas. Na Suécia, as
autoridades optaram por relatórios anuais auditados. Os franceses instituíram "centros de
responsabilidade", nos quais estabelecem quem é responsável por quê. Outros governos tentaram ainda
outras abordagens, mas em todos os casos o esforço para avaliar os resultados e usar esses dados para
servir de orientação às decisões político-administrativas tem sido vital à revolução global da
administração pública.
A avaliação do desempenho, em sua modalidade típica, depende de os gestores setoriais
tomarem uma série de passos:
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Material para fins didático

Missão. Qual a missão da agência? Em uma democracia, a missão de uma agência de serviço
público nasce da própria democracia: dos setores que definem as políticas de governo e das leis que as
estabelecem. A missão é a própria raison á'êtte da agência. Um serviço de saúde terá a missão de
prevenir doenças e de ajudar a curar os doentes; um serviço de transporte poderá tornar mais fácil o
tráfego de bens em direção ao mercado ou de trabalhadores em direção aos seus locais de trabalho. A
missão de uma agência de serviços é parte um constructo legal, definido em lei, e parte um constructo
cultural, que define as normas e procedimentos básicos a serem observados na própria agência. l"
Metas. Como a missão da agência se traduz em metas? As metas fluem diretamente da missão e,
como a missão, as metas originam-se no que determina a lei e no modo pelo qual os formula dores de
políticas a interpretam.
No trabalho da prevenção de doenças, por exemplo, uma agência de serviços públicos de saúde
pode se dedicar à vacinação da população para imunizá-la contra doenças contagiosas. Uma agência de
transportes pode trabalhar para criar um sistema de vias expressas de alta velocidade.
Objetivos. Como as grandes metas das agências de serviço público traduzem-se em objetivos
específicos para os gestores de programas individuais?
Dito de outro modo, como os gestores das agências de serviço público se movem do geral para o
particular, das metas amplas e vagas, definidas em lei, para os regulamentos específicos que orientam a
ação dos administradores dos escalões intermediários, até o usuário ou consumidor final do serviço.
Este é um processo interno à agência. O gesto r de uma agência de serviço público de saúde pode
se organizar para vacinar toda a população em idade pré-escolar. O gesto r de uma agência de
transportes públicos pode se dedicar à construção de uma via expressa que ligue as cinco maiores
cidades de sua região.
Aferição da produção. Como o gesto r pode medir o progresso positivo na direção de seus
objetivos? É indispensável que sejam definidos indicadores específicos, claros e facilmente
mensuráveis para que seja possível aferir a produção. Administradores de agências de saúde pública,
por exemplo, podem aferir o total e estabelecer a percentagem de crianças imunizadas.
Administradores de agências de transporte podem aferir o número de quilômetros realmente
construídos de uma estrada. Ao se aferir a produção está se aferindo, quase sempre, a atividade e o
volume de serviços produzidos.
Aferição dos resultados. Que espécie de avanço os programas trazem para a solução dos
problemas, razão pela qual os programas foram criados? Para aferir a eficácia dos programas, o
administrador compara resultados e metas.
Os administradores de agências de saúde pública podem, por exemplo, examinar eventuais
resultados da imunização sobre a saúde geral das crianças.
Os administradores de agências de transporte público podem estudar os resultados da existência
das novas estradas sobre o tráfego de bens para o mercado ou sobre o desempenho profissional dos
trabalhadores que são usuários da nova estrada.
Em resumo, as avaliações de desempenho procuram determinar a eficiência com que uma
agência de serviços públicos traduz, em termos de resultados, o investimento (em especial, dinheiro
advindo de impostos e trabalho de funcionários) feito para que a agência pública exista; procuram
determinar também quanto os resultados concorrem para que se alcancem as metas do programa.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Pode-se dizer que o compromisso com a ideai de avaliar resultados é a base essencial do movimento
global de reforma do setor público.
As nações mais avançadas não vacilam em admitir que ainda há muitos problemas a resolver.
Outras nem sequer começaram. Até o presente, a experiência acumulada permite que se identifiquem
alguns problemas críticos.
O que se deve medir: os resultados ou a produção? O dilema é simples e direto. Por um lado, o
que mais interessa saber quanto ao desempenho das agências públicas é se elas resolvem os problemas
em razão dos quais foram criadas. Criam-se agências da polícia para propiciar segurança aos cidadãos;
agências públicas de saúde, para melhorar a saúde da população. Essas agências, afinal, só serão bem-
sucedidas se os cidadãos se sentirem seguros, se melhorarem suas condições de saúde. Nesse sentido, a
lógica da aferição de desempenho leva, inexoravelmente, à aferição dos resultados. Para que se
alcancem essas grandes metas, contudo, concorrem vários fatores sobre os quais as próprias agências
não têm controle. A criminalidade é resultado também de fatores sociais que continuam a produzir
efeitos, por mais que a polícia trabalhe. Há atitudes e hábitos na população que, por mais adequadas
que sejam as propostas das agências de saúde, podem influir no resultado final. Acompanhando esse
raciocínio, conclui-se que o que se deve avaliar é a produção: só interessam as variáveis que possam
ser controladas pelas agências, e deixam-se para os cientistas sociais as avaliações de resultados, mais
complexas.
Os administradores públicos, naturalmente, se preocupam com a possibilidade de serem julgados
- e punidos - por resultados sobre os quais não têm controle. Ministros, representantes eleitos e
cidadãos querem ver resolvidos os problemas e raramente têm paciência para discutir a complexidade
das causas e das soluções dos problemas públicos.
De certo modo, este é um falso problema, por duas razões. Primeira,
porque a avaliação de produção é a chave de todos os sistemas de avaliação de desempenho de
todas as agências públicas. Segunda, o processo é muitíssimo complexo. Os australianos, por exemplo,
admitem que trabalham nisso há 10 anos e que ainda não chegaram a nada de satisfatório. Estabelecer
um conjunto relevante de avaliações de resultados é projeto para décadas de trabalho, não para meses,
mas qualquer avanço, por menor que seja, é uma conquista importante. Parece que o mais razoável é
começar pelas avaliações de produção e dar tempo ao sistema para que amadureça.
As nações têm encontrado respostas diferentes para o mesmo quebra-cabeça.
Os funcionários públicos neozelandeses são bastante explícitos ao afirmarem que o sistema deve
se limitar a avaliar a produção. Com isso, dizem eles, mantém-se o sistema com os pés firmes no chão
e se criam condições para analisar com clareza quem faz o quê. O governo britânico também defende a
avaliação da produção. No Canadá e na Austrália, porém, as autoridades têm-se empenhado em
ampliar os horizontes e praticam algumas avaliações de resultado, embora a avaliação de produção
continue a ser a base do sistema.
Não há dúvida de que as avaliações de resultado são vitais. O que os cidadãos e os formuladores
de políticas públicas mais precisam saber é se os programas funcionam ou não. E o funcionamento dos
programas não depende apenas do desempenho individual dos funcionários da burocracia, mas
também - e quase sempre mais - da interconexão entre as várias peças dos complexos sistemas
políticos. Se cabe ao Congresso efetivamente supervisionar a política nacional, é indispensável que se
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Material para fins didático

conheça o funcionamento dessa interconexão. Eis aí um caso que deve servir de estímulo para que se
desenvolvam boas avaliações de resultado.
Ao mesmo tempo, porém, é preciso saber se os administradores administram bem. Ainda que
sejam raros os administradores públicos que têm controle direto sobre os resultados dos programas que
dirigem, os cidadãos e os próprios administradores precisam saber qual a sua contribuição para os
resultados. Eis aí um caso que deve servir de estímulo para que se desenvolvam boas avaliações de
produção.
E assim está construído o dilema: se nos concentramos no que o administrador público pode
fazer sozinho, corremos o risco de perder a visão do todo. Um sistema estreito de avaliação de
produção, que se limite a contar atividades, é apenas um pouco melhor que um sistema baseado no
controle dos investimentos, que se dedique a gastar dinheiro e consumir papel.
Ninguém que esteja ligado à longa cadeia dos muitos programas federais em curso tem o direito
de fugir à discussão sobre a sua contribuição individual para os resultados finais de um programa.
Dedicar-se apenas à análise das questões de política pode levar os funcionários que participam da
cadeia de implementação de programas a esquecer que são também pessoalmente responsáveis pelo
próprio trabalho. Se um sistema de avaliação de desempenho concentrar-se nos resultados, e nenhum
dos administradores públicos ao longo da cadeia de implementação de um programa puder ser
responsabilizado pessoalmente pelos resultados, nada mais fácil para todos os envolvidos do que
acusar o outro, sempre que surgirem problemas. Este, evidente e precisamente, é o problema de muitas
das práticas vigentes em muitas das instâncias da administração pública.
As avaliações de desempenho, portanto, precisam ocorrer em dois planos diferentes: no da
produção, para poder modelar o comportamento dos administradores e gestores. e no dos resultados,
para que possam ser elaboradas políticas consistentes. Esses dois planos, é claro, são inter-
relacionados.
A avaliação de resultados pode ajudar os administradores a aprimorar suas estratégias; e a
avaliação de produção pode oferecer a chave para a explicação de problemas que surjam nos
resultados. Entretanto, seja qual for o sistema de administração, se estiver baseado no desempenho,
terá de começar entendendo claramente que avaliações de resultado e avaliações de desempenho
oferecem respostas diferentes para problemas diferentes; que envolvem de modos diferentes o
administrador; e que estimulam de forma diferente o comportamento.
Distinguir entre aferição de produção e aferição de resultados pode parecer antiquado. Porém, se
ignorarmos essa distinção ou se errarmos ao determinarmos os planos aos quais se aplicará uma ou
outra medição (ou seja, se aplicarmos medições erradas ao tipo errado de problema), acabaremos por
minar todo o sistema e estaremos encorajando os jogadores a inventar outros tipos de jogo.
Não é preciso, porém, fazer uma escolha do tipo "ou um ou outro".
Os problemas envolvidos na criação de um sistema de avaliação de desempenho são, sem
dúvida, substanciais. Para implantar um sistema desse tipo é preciso muito tempo; a rigor, a
implantação nunca acaba. Contudo, o avanço que se consegue ao trocar de ponto de vista - ao tirar o
foco do investimento e transferi-lo mesmo às mais simples avaliações de produção - é tão grande que
não devemos aceitar que as dificuldades nos impeçam de ver as vantagens que se podem obter com
uma administração baseada no desempenho. Pode-se começar pelo primeiro passo lógico:
desenvolvendo sistemas de aferição de produção.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Que nível da administração deve ser avaliado? A lógica da avaliação por desempenho leva os
que definem as políticas públicas a avaliar o desempenho das agências como um todo. De fato, os
contratos por desempenho assinados pelos altos funcionários da administração da Nova Zelândia
determinam explicitamente que se avalie a eficiência do desempenho do administrador que dirige cada
agência pública. As agências "Próximos Passos" britânicas desenvolveram objetivos e indicadores
específicos para avaliar o sucesso de cada agência.'? Na prática, porém, há quatro diferentes níveis a
serem avaliados: a agência, o programa, o grupo de trabalho e o indivíduo.
A agência pode ser, naturalmente, o ponto a ser enfocado. Esta opção tem a vantagem adicional
de a avaliação poder levar em conta também o administrador responsável pelo desempenho da agência.
Freqüentemente, porém, interessa aos formuladores das políticas saber como estão funcionando os
programas que criaram. Em alguns países, principalmente nos Estados Unidos, a agência à qual será
atribuído um determinado programa é sempre muito menos importante que a criação do programa.
Conseqüentemente, muitas agências públicas acabam se transformando em pouco mais que empresas
holding de um grande número de programas praticamente sem relação uns com os outros. Nesse caso,
o programa pode ser o ponto de partida para a avaliação do desempenho.
Mesmo que o administrador público possa saber se determinado programa está dando certo ou
não, há casos em que é extremamente difícil determinar as causas dos resultados obtidos e os
responsáveis por eles. Um bom planejamento estratégico poderia traduzir metas muito amplas em
responsabilidades específicas, mas pode ser muito difícil implementar no setor público esse tipo de
planejamento porque as metas mudam constantemente e pressões políticas externas podem
comprometer a lógica do plano.'' Os australianos começaram pela avaliação do desempenho geral dos
programas e depois, como parte de uma ampla reforma dos serviços públicos, passaram a avaliar os
grupos de trabalho de cada agência. Como a operação de organizações complexas exige cada vez mais
que se considerem as equipes, ao avaliar o desempenho de seus grupos de trabalho os administradores
da cúpula do governo australiano puderam também avaliar a conexão entre o comportamento dos
gestores intermediários e o resultado obtido. Na verdade, o processo de avaliação faz parte de um
sistema mais amplo de motivação dos funcionários. Como explica um relatório oficial: "a gestão por
desempenho visa a aproximar entre si e a integrar os desempenhos individuais e por equipe, para
atingir os objetivos da organização.
Por fim, os ministros e administradores interessados em atribuir responsabilidades pelos
resultados e em saber como os resultados foram obtidos argumentam que os sistemas de avaliação de
desempenho devem, em última instância, focalizar o desempenho individual. Até certo ponto, é teoria
abstrata: se os incentivos baseados em desempenho no mercado foram criados para motivar um
determinado comportamento individual, têm de ser reais para os indivíduos para os quais foram
criados. Sob outro ponto de vista, é a realidade da prática: o que interessa, seja do ponto de vista
político, seja do ponto de vista gerencial, é determinar quem é o responsável pela produção de quais
resultados. Os planos de avaliação de desempenho individual e os planos de pagamento por
desempenho sempre foram muito populares, embora seja sempre difícil criá-Ias e geri-Ias. Nos
escalões administrativos inferiores, pelas razões que vimos explorando, continua a ser extremamente
difícil determinar e avaliar resultados. Mas especialmente na Nova Zelândia e no Reino Unido já há
contratos, para a cúpula da administração pública, que visam a modelar o trabalho e os prêmios (Greer,
1994:77). A avaliação por desempenho portanto tem sido aplicada, em avaliação de desempenho
individual, apenas a altos funcionários e, nas avaliações por programa e por equipe, aos funcionários
intermediários.
~ 146 ~
Material para fins didático

Os riscos. O objetivo básico da administração por desempenho é avaliar a eficiência do


administrador quando converte objetivos políticos em resultados práticos. A incerteza comumente os
protege de uma investigação mais detalhada. Os objetivos quase sempre são vagos, é difícil definir os
resultados e o quanto o administrador contribuiu para que fossem obtidos. Nessas condições, pode ser
extremamente arriscado para os administradores ser muito explícitos sobre o que querem fazer e sobre
seus progressos.
O processo, além disso, exigiria que os setores encarregados fossem, desde o início, muito claros
ao definir as políticas públicas. Muito frequentemente parece mais confortável estabelecer metas
variadas, muitas vezes conflitantes entre si e, aos poucos, ir escolhendo entre elas. Os administradores
podem determinar quais as metas viáveis e quais as inviáveis. Ministros e representantes eleitos podem
intervir seletivamente no processo administrativo para forçar outros administradores a buscar algum
equilíbrio entre metas conflitantes, mas que sejam do interesse do governante. Quando os ministros são
obrigados a fixar exclusivamente metas cujos resultados possam ser avaliados pela administração
pública, eles perdem parte significativa da agilidade que tinham nos sistemas anteriores.
Para resolver esses problemas seria preciso satisfazer, no mínimo, dois requisitos: a cúpula da
administração pública deveria estar sob uma liderançaforte e efetiva, contando com a confiança do
governo para definir objetivos, analisar resultados e manter coeso o conjunto dos funcionários
intermediários e inferiores; além disso, dever-se-iam estabelecer planos para recompensar a excelência
no desempenho. Este segundo passo, em particular, exigiria muito tempo e uma profunda reforma no
sistema do serviço público.
Para que serviriam as avaliações de desempenho? O novo sistema norteamericano exige que as
agências públicas avaliem o desempenho dos programasque desenvolvem; não diz o que os
funcionários encarregados de propor políticas públicas devem fazer com essas avaliações. Pode-se
prever, contudo, que o sistema evolua, como aconteceu na Austrália, na Grá-Bretanha e na Nova
Zelândia. Os encarregados de propor políticas públicas, informados sobre os programas mais bem-
sucedidos e sobre os que não estejam dando muito certo, usariam esses dados para tomar as grandes
decisões orçamentárias.
A rigor, posto que a lógica fundamental das avaliações de desempenho é fazer com que se
entenda melhor a conexão entre o investimento (inclusive o orçamento) e os resultados, pode-se prever
que aquela informação reflua e venha a pesar na alocação dos recursos públicos. O conhecimento,
nesse caso, seria muito útil às decisões sobre gastos marginais, item no qual muitos programas
competem por pouco dinheiro (Beeton, 1987:89).
As avaliações de desempenho, porém, podem ter muitas outras utilidades.
Combinados com as simulações de planejamento estratégico que integram os primeiros passos
da avaliação de desempenho, os critérios de desempenho ajudam os administradores públicos a
descobrir o que podem fazer para melhorar os resultados. Essencial nesse processo não é apenas a
aferição dos resultados, mas a possibilidade de se determinar quem é responsável por que etapas do
desempenho. É um processo, pois, que ajuda a identificar pontos frágeis na cadeia de produção e
sugere as intervenções a serem feitas para reforçá-los. Para tanto, é preciso haver um sistema avançado
e sofisticado de avaliação de desempenho, cujo potencial de rendimento máximo ultrapasse em muito
o mais avançado dos sistemas atualmente em uso. A combinação sugere que, com outros avanços,
virão mais frutos.
~ 147 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Perigos ocultos. Por mais promissora que seja a abordagem da administração pública via
mensuração de desempenho, ela esconde alguns perigos.
A falácia do Super-homem. Os casos de gerência por desempenho contados nos manuais,
associados às fantásticas narrativas de sucessos de outros países (quase todas enfatizando os lucros e
esquecendo os custos), podem levar analistas, administradores e servidores públicos eleitos a prometer
mais do que o processo pode oferecer. Há evidências de sobra que mostram o quanto se pode,
genuinamente, esperar da administração por desempenho. As evidências mostram, porém, o quanto é
dificil construir um bom processo de avaliação, usar os resultados com eficiência e realimentar o
processo ao longo do tempo. Uma administração baseada no desempenho tem de começar com uma
alta dose de modéstia e ir sempre aumentando essa dose.
A produção não interessa. Ao se verem obrigados a desenvolver critérios para aferir
desempenho, há administradores que não resistem à tentação de estabelecer critérios tão baixos que,
para os cumprir, basta um mínimo ajuste na rotina de produção. Há os que regridem aos velhos
controles de investimento.
Há administrador público que estabelece critérios para aferir a produção que só têm sentido em
sua agência e são indecifráveis aos olhos de um observador externo. Este, como todos os processos, é
um jogo sujeito a trapaças.
A irrelevância. Os administradores podem desenvolver excelentes critérios para aferir
desempenho e não saber como integrar a informação às grandes decisões de sua agência. Se o
administrador vê o processo de mensuração de desempenho como uma intervenção não-solicitada, que
mais atrapalha do que ajuda o "verdadeiro" trabalho da agência, como uma exigência que precisa ser
cumprida, mas cujos resultados podem ser ignorados, a avaliação dará emprego a alguns consultores,
mas com certeza não provocará impacto significativo. Critérios de avaliação de desempenho só
beneficiam a administração se evoluem e passam a ser critérios para uma melhor administração de
desempenho e se as avaliações de produção ou de resultados estão integradas aos sistemas
informacionais básicos e às estratégias administrativas das agências públicas.
Exuberância. O contrário é igualmente perigoso. Entusiasmados ante a perspectiva de melhorar
o sistema operacional, alguns administradores tendem a confiar demais nos números. Avaliações de
desempenho servem para indicar o que está e o que não está funcionando bem, mas não explicam por
quê. Pressionados, há administradores que se sentem tentados a se esconder atrás de números ou a usar
os números para fugir das grandes decisões estratégicas. É perigosamente fácil chegar a conclusões
que extrapolam as reais potencialidades do processo.
Avaliação ou comunicação? A mensuração do desempenho não é problema de avaliação: o que
interessa é melhorar a qualidade da comunicação no sistema político. É um instrumento que permite
falar com maior clareza sobre os resultados produzidos pelos programas governamentais e, além disso,
escolher melhor, no momento de decidir o que deve ser feito, quanto deve ser gasto, e como executar
melhor o trabalho. De fato, é mais útil trabalhar na direção de uma administração baseada no
desempenho do que em uma baseada na avaliação do desempenho. Essa troca de palavras reforça a
ideia de que deve haver um objetivo maior ao qual as avaliações de desempenho têm de estar
integradas para que surtam efeito. O processo de desempenho rende mais quando os dados são usados
para melhorar a administração.
Além disso, usar o processo exclusivamente para aferir desempenho é praticamente o mesmo
que entregar as decisões-chave aos aferidores.
~ 148 ~
Material para fins didático

A administração baseada no desempenho pode contribuir para que todas as pessoas envolvidas
no processo pensem mais estrategicamente. Pode ajudar os administradores públicos a se concentrar no
melhor modo de fazer seu trabalho e de explicar aos governantes o que estão tentando fazer para
traduzir, em resultados, os objetivos da legislatura. Pode ajudar os governantes a analisar os muitos
pedidos, que disputam recursos sempre escassos, e a alocar os recursos aos projetos que podem gerar
os melhores resultados.
E, ainda mais importante, pode ajudar os cidadãos a entender melhor o que lhes é oferecido em
troca dos impostos que pagam.
Dito de modo mais simples, a administração baseada no desempenho é assunto de comunicação
política e vale apenas na medida em que a favorecer.
Apesar de todas as dificuldades, a mensuração do desempenho passou a ser o item mais
importante da revolução global da administração pública.
A substituição da autoridade tradicional por incentivos baseados no mercado talvez tenha sido a
idéia inicial, mas o motor foi a mensuração do desempenho. É este o mecanismo que mantém em foco
o mercado e os comportamentos de mercado e permite que os responsáveis pela elaboração das
políticas públicas conheçam melhor o que recebem em troca do dinheiro que gastam.

Servindo ao consumidor
O mecanismo-chave para dar à administração pública uma orientação "de mercado" é ver o
beneficiário dos serviços públicos como freguês ou consumidor. Dada a grande dificuldade de se
desenvolver sistemas sofisticados de avaliação de resultados, viu-se que o nível de satisfação do
consumidor poderia servir, em alguns casos, como indicador substituto e útil para avaliar o
desempenho do Estado (Beeton, 1987:89).
A lógica é simples: como muitos programas oficiais constituem monopólios, o cidadão fica sem
escolha quanto ao local ou ao modo de receber os serviços. Para os reforma dores de todo o mundo, a
privatização per se não é suficiente para dar eficiência aos serviços. Ter de disputar o interesse do
consumidor, porém, é o incentivo que faltava a todos os provedores, públicos e privados, de serviços.
Com a privatização, os serviços públicos chegam aos mercados privados - prossegue o mesmo
argumento -, a concorrência é maior, o consumidor passa a ter opções e aumenta a eficiência dos
serviços.
Nos casos em que o Estado continue a administrar os serviços públicos, ter-se-á um bom
substituto da concorrência de mercado se os provedores dos serviços passarem a dar maior peso às
necessidades de cidadãos consumidores que às necessidades de burocratas-gerentes.
A cultura organizacional de instituições baseadas na autoridade prega "obediência aos
imperativos de uma cadeia de comando, e às exigências de uma tarefa rigidamente controlada", nas
palavras de James Champy, consultor de administração. Em organizações transformadas, a "nova
autoridade está em nossos mercados e quase sempre assume a forma de nossos consumidores"
(Champy, 1995:75-6). Champy aqui escreve sobre organizações do setor privado; observe-se que tanto
nas organizações públicas quanto nas organizações privadas, o foco central é servir ao cliente.
~ 149 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Há quem eventualmente discorde da ideia de que os serviços públicos devem enfocar o cidadão
como consumidor ou cliente. O governo é governo, dizem, não é negócio; e é inadequado e perigoso
usar, para a administração pública, modelos e metáforas do setor privado.r'' Ninguém pode, porém,
fazer qualquer objeção a servidores públicos que trabalham pesado para ser mais responsáveis na
prestação de seus serviços. Que contribuinte não preferiria filas mais curtas, rostos mais amistosos e
melhores serviços?
Nos Estados Unidos, o Serviço Alfandegário procurou melhorar os procedimentos para a
liberação de volumes nas fronteiras. No Reino Unido, a orientação para o consumidor pressiona cada
vez mais para que se aprimore a administração das ferrovias nacionais. Os australianos orgulham-se do
quanto conseguiram melhorar o atendimento público aos idosos a partir da ideia de que o contribuinte
é um consumidor. O governo sul-coreano está usando agressivamente o serviço ao consumidor para
forçar a introdução de mudanças fundamentais na burocracia tradicional.
Tudo isso, é claro, pressupõe que se possa identificar claramente quem é o consumidor. Os
críticos reclamam que a abordagem cidadão-consumidor descompromete os administradores
profissionais de qualquer responsabilidade política, já que passam a poder levar em consideração o
desejo do cliente e, não mais, exclusivamente, os princípios políticos dos encarregados de propor
políticas públicas. Para poder estabelecer alguma diferença entre essa preocupação - que é legítima - e
a vantagem incontestável que há em preferir uma administração pública que considere antes as
necessidades do cidadão que as suas próprias necessidades, é preciso definir, com muito mais cuidado,
diferentes tipos de consumidores de serviços públicos.
Há, no mundo, quatro diferentes modos de ver o "consumidor ou cliente" de serviços públicos. A
cada um deles corresponde um modo específico de entender o que seja "administração" e o que seja
"política+' (ver quadro 1). Muitos reformadores servem-se do conceito de consumidor de serviços
públicos, usam-no para fazer promessas aos cidadãos, utilizam-no como argumento para forçar
mudanças burocráticas, mas não conseguem lidar com os conflitos inerentes a essa estratégia.

Primeiro, os consumidores podem ser vistos como "beneficiários" dos serviços. É nisso, aliás,
que se fundamenta toda a abordagem de "serviço", nascida diretamente da filosofia do "deixar o
administrador administrar" e do conceito "funciona melhor". Em todos os aspectos, desde a redução de
~ 150 ~
Material para fins didático

filas até a montagem de programas públicos para que atendam melhor às necessidades do cidadão, a
meta dessa abordagem é a "reatividade". É a abordagem que os reforma dores mais empregam e
promovem. É tão sensata, de fato, que por vezes parece não haver outras alternativas. Na verdade, há
três outros modos de abordar a questão cidadão-consumidor; e cada um levanta questões diferentes.
No caso da segunda abordagem, os clientes são entendidos como "parceiros" na provisão de
serviços públicos. Há muitos funcionários públicos - muito mais do que supõem os encarregados de
propor políticas públicas - que nunca têm de enfrentar face a face o cidadão-consumidor porque
trabalham praticamente sempre cercados de outros funcionários públicos.
Esse quadro é particularmente verdadeiro no caso de governos nacionais e de funcionários de
sistemas federais, como nos Estados Unidos e na Austrália. Cabe a eles coordenar, estabelecendo
parcerias com outros servidores públicos do mesmo nível e de outros níveis de governo, a fim de que
os programas funcionem melhor. Os parceiros, nesse caso, são clientes intermediários dos programas
governamentais; os programas só funcionam bem quando a construção das parcerias é perfeita. As
parcerias criam regras, processam formulários, administram fundos, modelam políticas e coordenam os
programas entre as agências. Nos programas de promoção social de todo o mundo, por exemplo, já é
comum uma espécie de one-stop shopping center no qual se reúnem, numa só agência de serviço
público, vários programas diferentes: de treinamento e alocação de empregados, de pagamento de
benefícios, de creches, de serviços médicos, de educação e de transportes. Essas super-agências de
serviços são organizadas por administradores públicos para facilitar a coordenação entre os diferentes
programas e o acesso do público a eles.
Como no caso em que o consumidor é visto como destinatário do serviço público, a tática do
one-stop shopping center de serviços públicos também se inspira na abordagem "deixe o administrador
administrar". Ao contrário dessa abordagem, porém, esta visa a garantir a eficácia melhorando a
coordenação entre os diferentes programas dirigidos aos mesmos cidadãos.
Outra diferença em relação à anterior, que faz do cidadão o alvo de seu trabalho, é que essa tática
de serviço público tem como consumidores-alvo outras agências governamentais e outros
administradores: ajuda-os a desenvolver um trabalho melhor, a fim de servir melhor os cidadãos.22
Em terceiro lugar, como contribuintes, os cidadãos buscam eficiência. A demanda dos cidadãos
por governos "menores" e por redução de impostos foi a pedra fundamental do movimento pela
reforma da administração pública e o combustível para que as autoridades eleitas atacassem a
burocracia existente. Não há em todo o planeta um único contribuinte que ache que o Estado lhe tire
pouco, em impostos - ou que o Estado não poderia trabalhar melhor se arrecadasse menos. Em alguns
países, entre os quais os Estados Unidos, algumas tentativas de reformar a administração pública
começaram com propostas de cortes na arrecadação. Evidentemente há aqui um paradoxo.
Como destinatários dos serviços públicos, os cidadãos sempre acham que o Estado faz pouco;
como contribuintes, os cidadãos quase sempre acreditam que se deva reduzir os impostos, que se for
preciso cortar programas para compensar a queda na arrecadação as autoridades podiam começar
cortando programas desnecessários. "Desnecessário", no caso de programas governamentais, é questão
de ponto de vista: o que para um contribuinte é desperdício, para outro pode ser totalmente
indispensável.
Esse paradoxo está presente em várias implicações importantes. Embora o conceito de servir ao
cidadão-consumidor seja universalmente aceito, seus preceitos acabam mais cedo ou mais tarde
~ 151 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

deixando a administração pública em becos sem saída. Em todas as partes os cidadãos querem pagar
muito menos e receber muito mais. A simples idéia de ser tratado como cliente ou consumidor pode
induzir o cidadão a crer que isso seja possível. O movimento pró-eficiência leva os governantes a
cortar programas. A privatização tem sido vista como alternativa política atraente. Não obriga os
governantes a selecionar programas passíveis de eliminação, mas apenas a identificar os serviços que
podem ser prestados pelo setor privado. Desse modo, os cidadãos podem continuar a receber serviços
pelos quais estão dispostos a pagar e os governantes livram-se da dificuldade de selecionar os
programas que devem ser cortados. Essa estratégia tem sido adotada em todo o mundo, de Portugal à
Nova Zelândia. Nos Estados Unidos - onde, aliás, o setor público é relativamente pequeno e portanto
há menor número de programas a privatizar -, a batalha que se trava há uma década sobre o que fazer
para "diminuir" o Estado tem mostrado quão difícil um choque frontal pode ser.
Por fim, como formuladores de políticas públicas e supervisores do desempenho da
administração pública, o que interessa aos governantes é a responsabilização (accountability). A teoria
sobre o relacionamento democrático entre cidadãos, governantes e burocratas é antiga e fundamental:
os cidadãos delegam o poder que têm, ao eleger os governantes; estes – que são administradores
eleitos - propõem políticas públicas e delegam a responsabilidade por sua implementação aos
burocratas; e os burocratas têm de prestar contas aos cidadãos, através dos governantes eleitos, de seu
desempenho na administração daquelas políticas. Essa teoria, e a experiência de muitos anos, cria uma
relação de cima para baixo (dos formula dores de políticas públicas, através dos administradores, até
os trabalhadores da "linha de frente" ou dos guichês da administração pública). A proposta do
movimento cidadão-consumidor, por sua vez, antecipa um tipo de relação de baixo para cima (dos
cidadãos, via trabalhadores "da linha de frente", até os formuladores de políticas públicas).
Apesar do entusiasmo que a idéia do cidadão-consumidor vem despertando, a questão de como
fazer para que a burocracia seja responsabilizada ainda é um ponto de tensão. Nos programas
centrados no cidadão consumidor estabelece-se um vínculo direto entre os cidadãos e a burocracia.
Com isso, os burocratas são incentivados a exercer sua autoridade de modo a servir melhor aos
interesses dos cidadãos (e este é um argumento de peso). Ao longo do processo, contudo, o movimento
dos cidadãos-consumidores pode acabar provocando uma inversão no modelo tradicional; por essa
inversão, o relacionamento tradicional, legal, prático e político entre o governante e a burocracia
acabaria subordinado ao cidadão-consumidor.
Essa subordinação cria desafios relevantes que a abordagem do cidadão-consumidor ainda não
equacionou. Ao invés de fazer com que os burocratas olhem para cima, na cadeia de comando - em
última instância, que consultem os governantes - para orientar sua ação, a teoria do cidadão-
consumidor faz com que os burocratas tenham de considerar o desejo dos cidadãos a fim de modelar
suas decisões fundamentais. Por quais transformações terá de passar a burocracia - tradicionalmente
habituada às ações controladas e comandadas de cima para baixo - antes que possa ser tornada
plenamente responsável, como uma estrutura diferente de poder que se legitima, precisamente, de
baixo para cima? O que cabe à burocracia fazer nos casos em que haja conflito entre o que os cidadãos
exigem e o que os governantes esperam que seja feito? O que cabe ao governante fazer nos casos em
que os burocratas comprometidos com o cidadão-consumidor dediquem maior atenção aos
consumidores do que aos planos dos formuladores de políticas públicas? E como reagirão os
governantes ao descobrirem que a função tradicional que sempre lhes coube, de "solucionador de
casos" criados pelos burocratas - e que em muitas democracias é um importante ponto de contato com
os eleitores - passou a ser desempenhada por burocratas especialistas em equacionar problemas?
~ 152 ~
Material para fins didático

A corrupção da burocracia complica ainda mais a questão. A teoria do cidadão-consumidor


baseia-se fundamentalmente na possibilidade de outorgar à burocracia mais autoridade para resolver
problemas. Em muitos países, porém, sobretudo nos países em desenvolvimento, há muito que os altos
escalões procuram restringir a autoridade conferida à burocracia, a fim de minimizar a corrupção. Na
Coréia, por exemplo, o governo descobriu que esta é uma decisão extremamente difícil; optou por
conceder maior autonomia à burocracia para que tomasse decisões e, simultaneamente, procurou criar
novas regras (e limitar essa autonomia) na tentativa de interromper uma longa tradição de corrupção
burocrata.é-' Muitas iniciativas orientadas para o cidadão-consumidor entram em conflito direto com
campanhas anticorrupção.
Nenhuma das dificuldades apontadas até aqui é argumento para que se conclua que o conceito de
cidadão-consumidor é uma má idéia. Na verdade, como conceito, o cidadão-consumidor já é fato
consumado. Em todo o mundo, os cidadãos têm deixado bem claro que desejam Estados melhores,
menos onerosos e mais responsáveis. A idéia de que a administração pública deve se orientar para o
cidadão-consumidor é muito mais importante do que seus críticos admitem, mas, ao mesmo tempo, é
muito mais dificil implementá-la do que supõem muitos dos que a propõem e defendem.
Implementá-la implica uma reforma ampla e necessária. Mas desencadear, calibrar e manter essa
reforma exige atenção total e concentrada nos trade-offs, que, se não forem cuidadosamente
administrados, podem comprometer tanto metas ambiciosas quanto o movimento mais amplo de
reforma.

Recursos humanos
Muitas nações que empreenderam grandes projetos de reforma incluíram no pacote a reforma do
serviço público.é" As mudanças abrangem aferições de desempenho revolucionárias e iniciativas do
tipo "servir ao consumidor".
Poucos funcionários públicos poderiam efetuar tais mudanças sem considerável treinamento e
reformas nos sistemas de pessoal. Houve mudanças de cultura organizacional, que incluíram o
estímulo aos funcionários para que passassem a enfocar o cidadão como consumidor a ser servido e
não mais como "cliente" a ser atendido. Houve mudanças técnicas, em que se desenvolveram sistemas
de avaliação de produção e de resultados e se adotou o planejamento estratégico como orientação.
Houve mudanças financeiras, que incluíram a implantação de sistemas de incentivos para promover o
desempenho.
Seja como for, a adoção de sistemas mais influenciados pelo mercado já significaria uma grande
"virada". Em muitos países, contudo, as mudanças foram introduzi das paralelamente a medidas que
visavam ao enxugamento do setor governamental. Esse enxugamento ameaçou e em muitos casos
sacrificou os empregos de muitos funcionários públicos. As fortes demandas, de cidadãos e
governantes, para que se cortassem "as gorduras" e os custos da administração pública serviram de
combustível a muitos dos movimentos pró-reforma do setor público. Freqüentemente, os funcionários
públicos foram os primeiros alvos do movimento reducionista. O movimento "Reinventando o
governo", do vice-presidente norte-americano Al Gore, estabeleceu como meta a demissão de 252 mil
funcionários (número que o Congresso elevou para 272.900), uma redução de cerca de um oitavo do
funcionalismo norte-americano. O serviço público no Reino Unido encolheu ainda mais -cerca de 30%
- ao longo dos 15 anos das reformas Thatcher-Major,
~ 153 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Em muitos países que promoveram reformas amplas, verificou-se alto turno ver entre o
funcionalismo civil. As reformas quase sempre acabaram com a estabilidade no emprego, introduziram
novos beneficias financeiros e desafiaram os administradores a administrar melhor. Mudou a própria
natureza do trabalho do Estado; e, no processo, muitas vezes o próprio ânimo dos funcionários
públicos foi abalado.
O modelo da Grã-Bretanha/Nova Zelândia impôs mudanças, aumentou a flexibilidade, impôs
novas exigências de resultados e criou estímulos para que fossem cumpridos e transferiu vários
programas oficiais para o setor privado ou para novas agências de serviços públicos. Enfoques antigos
baseados em um único sistema administrativo para todo o serviço público deram lugar a sistemas mais
flexíveis, baseados na divisão administrativa por agências públicas, e as responsabilidades foram
repassadas da agência central de serviço público para as agências administrativas. O trabalho
individualizado e os contratos por desempenho substituíram os sistemas de trabalho baseados em
regras e procedimentos. A administração, em todos os níveis do setor público, mudou radicalmente. Na
Grã-Bretanha, alterou-se também o papel dos sindicatos que representavam os funcionários públicos,
cujo foco abandonou a concepção da representação sindical como um grande "guarda-chuva" e se
transferiu para os locais de trabalho (Fairbrother, 1994).
O modelo australiano procedeu de modo bem diferente e propôs, como pedra de toque de um
amplo movimento de reformas, uma transformação fundamental nos recursos humanos. A reforma do
serviço público foi o centro da reforma administrativa implantada na Austrália e, para fazê-la, os
australianos concentraram-se no "desenvolvimento do principal recurso do serviço (público); seus
funcionários. O forte sentimento positivo e o compromisso que os servidores públicos experimentam
em relação a um melhor serviço público precisam ser destacados e usados como estímulo para que se
estabeleça uma verdadeira cultura de aprimoramento contínuo". Os sistemas procuram "enfocar o
desempenho individual e valorizar o trabalho feito, para assim auxiliar os funcionários a cumprir os
objetivos e a melhorar continuamente o desempenho de sua agência" (Australia, Public Service
Commission, 1995:1).
Até certo ponto, essa diferença é tão básica quanto a que existe entre "fazer o administrador
administrar" e "deixar o administrador administrar".
Os australianos concentraram-se em desenvolver as habilidades de seus administradores
mediante o treinamento e o remodelamento do serviço público para estimular um melhor desempenho.
Em nível mais profundo, a diferença nasce da escala e do escopo da mudança proposta. Os australianos
fizeram, sem dúvida, um esforço descomunal, mas, no Reino Unido e na Nova Zelândia,os
governantes tentaram fazer uma redução ainda mais fundamental no tamanho do Estado e introduzir
mudanças muito mais radicais nos mecanismos utilizados pelo Estado para administrar seus
programas.
Embora a variedade de estratégias seja tão ampla quanto o número de países empreendendo
reformas, duas estratégias básicas resumem as opções básicas. O modelo da Grã-Bretanha-Nova
Zelândia sugere mudança radicale rápida, baseada em contratos por desempenho individual e
acompanhada por considerável privatização. O modelo australiano sugere mudança gradual e contínua,
baseada em avaliações mais amplas do desempenho de cada agência. As estratégias e táticas diferem
bastante, mas em nenhum dos dois casos o caminho é fácil. Administrar problemas relativos ao ânimo
com que os funcionários encaram as mudanças, encontrar empregados qualificados para postos com
maior responsabilidade e mais claramente orientados para resultados, enfrentar situações de demanda
~ 154 ~
Material para fins didático

maior e menores recursos, e desenvolver a habilidade específica para lidar com mudanças radicais são
habilidades cada vez mais necessárias aos administradores.
Na medida em que os novos empregados, treinados no setor privado, são admitidos para suprir a
demanda por estas habilidades, há a dificuldade adicional de ter de ensinar a eles, habituados à lógica
estreita do lucro, o senso do dever público. A opção fundamental está em organizar a estrutura na qual
os funcionários usam suas habilidades.
Independentemente da estratégia escolhida para resolver problemas de recursos humanos, é
preciso enfrentar o problema da motivação - e entender que os incentivos monetários, em si, não
bastam para fornecer a orientação de que os funcionários necessitam. Os melhores empregadores
privados, em todo o mundo, encaram seus empregados como patrimônio, não como custos. Veem o
pessoal como a mais importante ferramenta de que dispõem para cumprir sua missão.
Isto cria um verdadeiro dilema para os reformadores. Por um lado, os reformadores anseiam por
um Estado menor e mais eficiente, impulsionado por incentivos inspirados nas regras do mercado e
administrado por profissionais de considerável experiência no setor privado. Por outro lado, a
administração pública não é uma simples função de produção. O administrador público tem de ter
senso público, tem de ser sensível ao interesse público. Como adverte um observador da reforma
britânica: "O individualismo e a 'sobrevivência do mais apto' pelos mecanismos de mercado não
coincidem com o desejo de promover o bem público" (Tyson, 1987:76).
Uma reforma genuína deve procurar sempre o equilíbrio entre os novos mecanismos geradores
de eficiência, sem jamais perder de vista as eternas questões relativas à res publica.

A questão da capacidade
A própria escala e o alcance da maioria das reformas do setor governamental são no mínimo
impressionantes. Solicita-se aos administradores que façam coisas que nunca fizeram antes. Na
verdade, vez por outra, solicitam- lhes coisas que ninguém jamais fez antes. Têm de trabalhar mais e
com muito menos recursos, rapidamente e sob violentas pressões políticas.
Pedem-lhes que modifiquem sistemas antigos para solucionar problemas novos e que adaptem
novos métodos a sistemas antigos. Essas modificações sobrecarregam terrivelmente os sistemas
gerenciais e os encarregados de administrá-los, "A solução que resulta daí" - adverte um especialista
britânico - "quase sempre, e compreensivelmente, assume a forma de um 'ferrolho' a mais nos
mecanismos existentes; raramente se avalia corretamente o grau de mudança necessário para que as
pessoas trabalhem de modo diferente, e o esforço que deve ser feito para que a mudança seja
duradoura" (Exley, 1987:46).
Em parte, a solução exige que os que dizem que se deve "deixar o administrador administrar"
reconheçam as demandas políticas que impulsionam o processo, a necessidade de mudanças seguras
para que os resultados sejam claros e a função que os novos incentivos podem desempenhar. Também
é preciso que os defensores da abordagem "fazer o administrador administrar" reconheçam que não se
pode simplesmente impor uma reforma.
Que elas precisam de tempo para se impor, de investimento em recursos humanos e em
tecnologia (inclusive em tecnologia da informação, o que nem sempre é simples e fácil), e de atenção
~ 155 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

constante. Anunciar reformas é a parte mais fácil. Para que uma reforma "pegue", é preciso trabalhar
muito e por muito tempo; o reconhecimento de que não basta lançar a reforma para que ela navegue
sozinha; e de que o sucesso tão almejado depende da capacidade - de pessoas, tecnologias e processos
- para lhe dar sustentação.
Alguns dos mais aguerridos reformadores de todo o mundo aprenderam, a duras penas, que
iniciar uma reforma e não mantê-Ia enquanto se desenvolve é o mesmo que fazer meia revolução. E
"meia revolução não é melhor do que nenhuma revolução", diz James Champy, analista norte-
americano em questões gerenciais. "Pode até ser pior" (Champy, 1995:3).

Estrutura
No passado, praticamente todos os Estados tentaram reformar seus sistemas operacionais
reformando sua estrutura. Ao longo de todo o século XX, os reforma dores vêm tentando obter maior
eficiência promovendo o alinhamento de agências públicas ou com as missões que tenham a
desempenhar, ou com processos, ou com os clientes, ou com outras agências que trabalhem na mesma
área geográfica. Variavam as táticas, mas a estratégia era sempre a mesma: os formula dores de
políticas públicas decidiam o que o Estado devia fazer; e os especialistas em administração se
esforçavam para estruturar as organizações ideais para fazê-lo com a máxima eficácia e a máxima
eficiência possíveis.
A revolução global da reforma do setor público, porém, tomou um rumo muito diferente. Certos
países adotaram algumas das táticas mais tradicionais.
O vice-presidente AI Gore, por exemplo, no relatório que preparou, 27 propôs a consolidação
das atividades de treinamento da polícia, que estavam sendo organizadas por diversos departamentos.
Mas a maior parte das táticas acompanhava a onda de mudanças que varria o setor privado: "enxugar"
a organização como um todo eliminando escalões burocráticos, sobretudo na administração
intermediária; devolver aos escalões inferiores da burocracia o poder de tomar decisões; descentralizar
as operações e dirigi-Ias mais diretamente para a linha de frente, inclusive transferindo algumas
operações para as organizações setorializadas. "Enxugar" (ou "desinchar") a estrutura da administração
pública quase sempre era o primeiro passo, como parte de um processo amplo de redução dos gastos e
do funcionalismo públicos. Por causa dessa tendência ao "enxugamento" aconteceu a mudança dos
processos de controle: do regime tradicional de autoridade para os controles baseados em mecanismos
de mercado. Como tática central, adotou-se a "delegação de poder".

O porquê da delegação de poder


o argumento para adotar a delegação de poder é claro, como explicou o governo australiano: "a
autoridade para tomar decisões administrativas estava concentrada nos níveis mais altos; a delegação
de poder levará a uma significativa melhora nas práticas administrativas.é'' Se o objetivo é deixar (ou
fazer) os administradores administrar, eles devem ter autoridade para fazê-lo.
É claro que encontrar o ponto de equilíbrio entre o centro de decisão e as
operações de campo tem sido o principal problema da administração por milhares
~ 156 ~
Material para fins didático

de anos. Foi um dos problemas mais persistentes no vasto Império Romano.


Na revolução global do setor público, porém, a delegação de poder
tem sido usada de outro modo: com as reformas, os administradores de nível mais baixo passam
a ter maior autonomia para decidir, mas, ao mesmo tempo, passam a ter de prestar contas (mediante as
avaliações de desempenho) pelo exercício desta autoridade. Assim, o quid pro quo neste caso é mais
explícito do que nas reformas anteriores: maior flexibilidade em troca da adoção de métodos
sofisticados de controle mediante avaliações de desempenho. As mudanças estruturais, além disso, são
subprodutos da delegação de poder e não fins em si mesmas, como era comum ocorrer nas reformas
anteriores.
Os reforma dores recorreram a dois tipos de delegação de poder: das agências centrais para as
agências de linha e dentro de cada agência.ê? Pelo primeiro tipo de delegação de poder, transferiu-se o
poder decisório sobre questões financeiras e orçamentárias das agências centrais (como a Secretaria do
Orçamento e o Tesouro) para os administradores dos departamentos operacionais. Os administradores
de agências públicas passaram a ter maior flexibilidade para propor sistemas de pessoal que se
adequassem mais às suas necessidades específicas. Regras rígidas de orçamento e de administração de
recursos humanos sempre foram o tormento dos administradores públicos.
O sistema mais maleável deu maior liberdade de ação aos administradores; "podemos tomar
nossas próprias decisões sobre como empregar nossos recursos", disse um administrador australiano.é''
Os administradores apoiaram com entusiasmo a idéia de dar-lhes maior liberdade para administrar para
terem melhores condições de produzir bons resultados.
A delegação de poder para as agências, porém, sempre foi bem mais rápida que a delegação de
poder dentro de cada agência. O caso é o mesmo, mas o entusiasmo com o qual as reformas foram
recebidas nem sempre foi igual. A administração britânica da seguridade social delegou enormes
responsabilidades aos administradores distritais, desde o recrutamento de funcionários até a
administração de seu orçamento e a organização de seus escritórios. Os altos escalões da administração
pública chegaram a conceder aos administradores distritais um orçamento em que havia liberdade para
decidir como gastar os recursos, inclusive para decidir quanto ao número de funcionários e os níveis
nos quais alocá-los. Para decidir sobre recursos humanos, segundo os critérios do sistema de
administração por desempenho, adotaram-se planos de administração de negócios (Fairbrother,
1994:78-9, 162-3).

Delegação de poder e descentralização


A delegação de poder progrediu em meio a uma substancial descentralização do trabalho para
unidades de nível inferior. Na verdade, a "delegaçãode poder" e a "descentralização" estão
intimamente ligadas. O termoe a expressão se assemelham e são quase sempre usados - erroneamente -
como sinônimos. Tanto na teoria quanto na prática, porém, são bem diferentes, como os definiram
definitivamente os australianos: "Delegação de poder" é a transferência da capacidade decisória de
níveis superiores da organização para os níveis inferiores, ou seja, diz respeito a "quem", em uma
organização, está em "melhor posição" para "tomar decisões"
~ 157 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

"Descentralização" é a redistribuição de funções e tarefas de unidades centrais da organização


para unidades mais periféricas, ou seja, diz respeito a "onde" em uma organização as "funções são
mais bem desempenhadas.
Em resumo, "delegação de poder" diz respeito a quem cabe a responsabilidade pelas decisões;
"descentralização" diz respeito a quem as executa.
Frequentemente, porém, surgem problemas quando se tenta manter a responsabilidade
centralizada nos altos escalões e se descentralizam as operações.
Em muitos casos observou-se um descompasso entre as expectativas e a autoridade, que criou
dificuldades para que os funcionários da linha de frente das operações adotassem um enfoque centrado
no consumidor e modelassem os serviços de acordo com os problemas a serem resolvidos. A
descentralização excessiva pode impossibilitar os planos de carreira dos funcionários, pode impedir
que a organização se beneficie da economia de escala, e pode impossibilitar a circulação do
conhecimento institucional que faz com que as organizações funcíonem.P Uma reforma efetiva exige
que se combinem equilibradamente responsabilidade e ação.

Delegação de poder e liderança


A não-obtenção desse equilíbrio pode prejudicar os resultados e o funcionalismo de carreira, ao
qual cabe, ao longo do tempo, produzir esses resultados.H Mas ocorrem por vezes problemas quando
os altos escalões delegam decisões a funcionários dos escalões inferiores. (Não há experiência que
sempre dê certo; de fato, não há sistema administrativo que sempre produza bons resultados.) Os
funcionários de alto escalão nem sempre confiam na habilidade dos colegas para administrar e resolver
problemas.
Funcionários britânicos sentiram-se tentados algumas vezes a recorrer ao controle e não à
delegação de poder. E a cada problema que surge, reaparece a tentação de fazer a autoridade delegada
retomar ao poder central.
A dificuldade está em como delegar de fato responsabilidade por decisões e ao mesmo tempo
manter a responsabilização (accountability) pelos resultados (Fairbrother, 1994:36-7). Pender ora para
a delegação de poder ora para a re-regulação tampouco é a solução; isso só vai confundir a
responsabilidade e comprometer o desempenho. Em resumo, para que a delegação de poder seja bem-
sucedida, é indispensável que se definam, com clareza e sem ambiguidades, as responsabilidades
específicas da agência central e das agências operacionais e, a partir disso, trabalhar incansavelmente
para não desgastar a responsabilidade conferida pela delegação de poderes.
~ 158 ~
Material para fins didático

No quadro 2, vêem-se os seis fatores vitais identificados pelos administradores australianos para
que a delegação de poder seja bem-sucedida.
Esses fatores expressam o enfoque "deixar o administrador administrar"; os países que adotam o
enfoque de "fazer o administrador administrar" não se concentram tão a fundo nos processos
organizacionais implícitos nesses fatores.
Todavia, o quadro 2 chama a atenção para alguns pontos muito importantes.
Primeiro, para que a delegação de poder seja bem-sucedida é preciso encontrar o equilíbrio entre
o centro e as linhas operacionais. Segundo, os administradores do centro devem se concentrar nas
questões de liderança e de comunicação. Terceiro, para não se perder esse equilíbrio é preciso mantê-
lo constantemente. Quarto, as reformas administrativas não fazem parte de um menu de opções, são
um conjunto integrado de táticas que se reforçam mutuamente. A implementação seletiva de apenas
algumas dessas táticas pode comprometer o resultado. Quinto, todo o processo exige capacidade muito
diferente da que existe na administração atual. Essa capacidade deve ser criada e alimentada.
Essas demandas desafiam os reformadores e contrastam agudamente com as estratégias de
reforma preexistentes. Os esforços empreendidos anteriormente permitiam que a cúpula das
~ 159 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

administrações públicas identificasse as estruturas organizacionais que pareciam mais eficientes,


instituíssem as reformas e auferissem os lucros. A revolução global da reforma do setor público,
entretanto, exige que a cúpula administrativa tenha uma visão muito mais ampla e nunca deixe de
realimentar o processo. Na verdade, saber o que fazer para conquistar e conservar a adesão e a
liderança dos altos escalões da administração pública tem sido quase sempre uma das peças mais
importantes que faltam no movimento de reforma.

As peças que faltam


As ideias subjacentes à revolução global a impulsionam com excepcional elegância. Dar maior
flexibilidade aos administradores, deixar (ou fazer) que administrem, responsabilizá-los pelos
resultados, incorporar novos procedimentos de teste do mercado - essas proposições emanam
diretamente das discussões sobre o que motiva o funcionalismo público e gerações de estudiosos de
microeconomia. Cabe lembrar, porém, que tudo o que há de verdadeiramente interessante sobre
microeconomia resulta de sondagens das lacunas, teóricas e práticas, que cercam a teoria básica da
busca de satisfação do interesse próprio. Dá-se o mesmo no caso da reforma do setor público. Muitos
dos elementos mais preocupantes e mais importantes da reforma do setor público resultam de peças
que faltam nas abordagens mais abrangentes.

Administradores e autoridades eleitas


Praticamente todas as nações que percorreram o caminho da reforma do setor público
descobriram que o movimento modificou radicalmente a democracia. As premissas básicas do
movimento são muito simples e, pode-se dizer, relativamente convencionais: funcionários públicos
eleitos, atuando no interesse dos eleitores, propõem políticas públicas e delegam aos administradores a
implementação dessas políticas. A delegação é hoje maior do que no passado; assegura-se a
accountability dos administradores aferindo seu desempenho. As avaliações de desempenho servem de
instrumento para que as autoridades eleitas supervisionem a eficiência das ações dos administradores.
Não se pode subestimar o radicalismo dessa transformação na responsabilização democrática. Os
formula dores de políticas públicas de todos os países aspiram a ter influência cada vez maior sobre as
ações administrativas, mesmo sobre as decisões mais específicas, exercendo seu controle sobre
investimentos, principalmente sobre orçamentos. A implementação de contratos baseados em
desempenho obriga esses funcionários a rever os métodos de controle que estão habituados a
empregar, a confiar no novo processo de contratação e a aprender a usar avaliações de desempenho
como suplemento, ou em substituição, das antigas táticas adotadas para a tomada de decisões
administrativas.
Assim, o movimento de reforma do setor público, seja mediante os contratos por desempenho
para funcionários públicos adotados na Nova Zelândia seja pelo enfoque norte-americano da
terceirização, transforma radicalmente a natureza da responsabilização democrática. Ele introduz no
tradicional sistema de controle de cima para baixo uma importante influência que funciona de baixo
para cima. Ele exige que os administradores desempenhem um novo papel e criem mecanismos de
capacitação muito diferentes para exercê-lo. E exige que os parlamentares eleitos mudem seu modo de
pensar e de agir em relação ao controle burocrático.
~ 160 ~
Material para fins didático

Em um regime não-parlamentarista como o norte-americano, o desafio é ainda maior. Os


congressistas são conhecidos por dar pouca atenção à maioria das questões administrativas e,
simultaneamente, ser hipersensíveis a certos detalhes que são do maior interesse para seus eleitores.
Nesse regime, estão em foco as ações simbólicas. A administração pública por contrato,por outro lado,
distancia os administradores do controle de muitos símbolos, enquanto os obriga a focalizar mais de
perto as avaliações de desempenho.
Governar nesse sistema requer o estabelecimento de novos Vínculos entre a formulação e a
implementação de políticas e, ao mesmo tempo, a redefinição de papéis. Requer, logicamente, que se
projete um sistema no qual os governantes eleitos possam controlar mais diretamente os gestores
responsáveis pelos resultados. Isso, por sua vez, permite que os eleitores cobrem dos governantes
eleitos as responsabilidades que assumiram.
O regime norte-americano atual parece particularmente bem-projetado para transferir e diluir
culpas. Há, portanto, riscos relevantes e praticamente ainda inexplorados no caminho da nação rumo
ao managerialism (gerencialismo).
Nos sistemas ao estilo Westminster, a linha divisória entre a formulação de políticas e a
administração de políticas é inevitavelmente menos nítida, posto que os legisladores eleitos chefiam as
principais agências administrativas. Os ministros e secretários eleitos não gozam das mesmas
vantagens que têm o presidente e os congressistas norte-americanos. Os funcionários públicos norte-
americanos podem-se culpar mutuamente quando ocorrem problemas de desempenho. O governo por
contrato - e o gerencialismo em geral - procurou separar mais claramente a formulação de políticas da
administração das políticas. Governar nesse tipo de sistema requer a redefiniçãodas funções existentes,
mas de modo diferente do caso norte-americano. Osgovernantes teriam de assumir responsabilidade
maior pela orientação dada às políticas e aprender a confiar no contrato baseado no desempenho e nos
processos de avaliação de desempenho.
Em ambos os casos, o movimento na direção do managerialism, dos contratos e das avaliações
de desempenho impõe enormes desafios ao comportamentodos governantes eleitos e à operação do
próprio sistema democrático.
Na pressa entusiástica para dar início às reformas, muitos dos líderes reformadores não têm dado
a devida atenção ao caminho pelo qual têm enveredado; nem ao quanto terão de alterar o próprio
comportamento; nem às capacidades que os novos papéis exigirão deles; nem em quanto as mudanças
podem afetar os rumos da democracia.

Desempenho, resultados e orçamentos


A mecânica das aferições de desempenho e do enfoque cidadão-consumidor pode induzir os
administradores públicos a uma visão mecanicista do processo. O planejamento estratégico, a
construção de indicadores, os processos de aferição e as exigências do dia-a-dia da burocracia
facilmente podem se transformar em fins em si mesmos. Mas, como o objetivo básico do processo não
é produzir números, e sim melhorar os resultados, é muitíssimo mais útil pensar em termos de
"administração por desempenho" do que em aferição de desempenho. Deixar que o processo de
desempenho limite-se quase exclusivamente à mensuração e à aferição é, não poucas vezes, o mesmo
que delegar ao aferidor poder para tomar as grandes decisões.
~ 161 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Mais que isso, a administração baseada no desempenho traz melhores resultados para o
administrador quando é incorporada o mais integralmente possível ao núcleo de outras grandes
decisões de governo, principalmente às decisões sobre orçamento.
A administração baseada no desempenho pode ajudar todas as pessoas envolvidas no processo a
pensar mais estrategicamente. Pode ajudar os administradores públicos a se concentrarem no melhor
modo de fazer seu trabalho e de explicarem aos governantes o que estão tentando fazer para traduzir
em resultados os objetivos da legislatura. Pode ajudar os governantes a ponderar os muitos pedidos que
disputam recursos, sempre escassos, e a alocá-los aos projetos em que podem gerar os melhores
resultados. E, ainda mais importante, pode ajudar os cidadãos a entender melhor o que lhes é oferecido
em troca dos impostos que pagam.
Em resumo, a administração baseada no desempenho tem a ver com comunicação política. Só
tem valor na medida em que melhora essa comunicação, que ocorre em três diferentes níveis:
Dentro da agência. Os administradores de agências públicas têm grande poder de arbítrio.
Precisam decidir que problemas exigem sua atenção máxima e qual a melhor maneira de resolvê-los.
Quanto mais escassos forem os recursos (financeiros, de pessoal e de tecnologia), mais importante é
resolver bem os problemas.
Entre a agência e os centros executivos. As grandes decisões no nível de agência chegam
inevitavelmente até os centros de decisão orçamentária, ao presidente ou ao primeiro-ministro.
Algumas são orçamentárias: quanto uma agência pode gastar em quais programas, e como distribuir os
recursos entre agências e programas. Outras são programáticas: que novas iniciativas deve-se tomar? E
algumas são gerenciais: que programas atacar em primeiro lugar e como? A administração baseada no
desempenho jamais resolverá questões como essas; não há sistema informacional ou de análise de
dados que possa decidir as questões que implicam, fundamentalmente, um juízo político. Entretanto,
pode fornecer informações adicionais úteis e, marginalmente, colaborar para que os governantes
tomem decisões mais bem fundamentadas.
E é marginalmente - dadas a escassez de recursos e a escassez ainda maior de tempo - que são
tomadas as grandes decisões, as mais cruciais.
Entre administradores de agências, ministros e parlamentares. Os governantes eleitos não
podem assumir a posição de espectadores desinteressados ou participar a distância do processo de
administração por desempenho. Mas países com experiência mais longa, como a Nova Zelândia,
descobriram que ministros e parlamentares tendem a se manter afastados da cadeia de
responsabilidades.
Sistemas bem-sucedidos de administração por desempenho dependem de uma integração
cuidadosa entre política e administração. Os números da aferição do desempenho de uma agência
devem interessar sobretudo aos administradores eleitos, porque permitem que tenham uma visão
melhor do todo (é mais fácil fazer perguntas pertinentes sobre resultados quando se dispõe de
informações baseadas em resultados). E oferecem também boas oportunidades para que os
congressistas façam melhores orça mentos (é mais fácil destinar recursos orçamentários escassos à
resolução de problemas importantes quando os governantes eleitos sabem de antemão os programas
mais passíveis de produzir bons resultados).

Influência sobre parceiros não-governamentais


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Material para fins didático

A administração pública por desempenho enfrenta ainda outros problemas ao incorporar ao


processo parceiros não-governamentais. As pressões pela redução do tamanho do Estado têm feito com
que o governo passe cada vez mais atividades ao setor privado, a organizações sem fins lucrativos, a
concessionários (sobretudo nos sistemas federais) e a cidadãos. Já é muito difícil aferir o desempenho
das organizações estatais, mas a dificuldade aumenta quando parte substancial da atividade
governamental está fora do controle direto dos administradores públicos. O administrador público
perde o controle sobre metas, indicadores e processos de aferição. Quanto mais o governo estabelece
parcerias público-privadas para cumprir suas funções, mais difícil fica sua tarefa.
As empresas do setor privado, evidentemente, se vêem diante dos mesmos problemas. Na
verdade, também as empresas privadas, ao longo da última década, têm buscado cada vez mais a
parceria, na tentativa de reduzir custos e aumentar a eficiência. Para isto, reduzem seus sistemas
operacionais e passam a confiar mais nas redes terceirizadas. A experiência dessas empresas sugere
um modo de se obter influência sobre parceiros não governamentais.
As organizações que se engajam em terceirizações bem-sucedidas percebem que é indispensável
se capacitarem para atuar como compradoras inteligentes: determinar de antemão o que querem
comprar; definir detalhadamente as especificações, para que os fornecedores saibam precisamente o
que oferecer; e calibrar a produção para que o comprador possa avaliar a qualidade do que compra.ê>
Muitas organizações em geral, e em particular as agências do serviço público, não estão capacitadas a
fazer isso. De modo geral, há poucas oportunidades de carreira na área de compras no serviço público
e, quando existem, não oferecem nem prestígio nem remuneração para atrair os servidores públicos
mais qualificados. Para umaboa administração da reforma do setor público, é necessário atentar para a
capacitação para novas funções, razão pela qual a reforma do setor público não pode descuidar da
reforma dos setores de recursos humanos. E isso sem jamais perder de vista o interesse público.

Accountability e interesse público

Capacidade
Um tema recorrente neste estudo tem sido a necessidade de criar nova capacidade administrativa
- um funcionalismo público com qualificações diferentes, tendo como suporte a nova tecnologia de
informação e novos processos gerenciais. Administrar um sistema baseado em contratos por
desempenho é muito diferente de administrar um sistema tradicional baseado na autoridade. Para fazer
isso bem é preciso um esforço consciente para identificar a capacidade necessária e como criá-la. Pular
essa fase do processo pode levar ao fracasso. Nas palavras pessimistas de um analista: ..os países que
mais precisam de reforma administrativa são os menos preparados para implantá-la" (Caiden, 1994:
111). Para que as reformas sejam efetivas é preciso construir a capacidade para implantá-la.

As fronteiras do governo
As reformas exigem também que se passe de uma perspectiva negativa do Estado - que unidades
podem ser privatizadas, incorporadas ou extintas? - para uma perspectiva mais positiva - o que o
~ 163 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

governo pode fazer, e como fazê-lo do melhor modo possível? Exigem também que se defina e reforce
o núcleo do Estado. Por mais que os reformadores incorporem à administração pública modelos
construídos para o setor privado, o governo não é e jamais será um negócio. Em uma democracia, a
tarefa essencial é satisfazer o interesse público. Deve-se promover valores fundamentais como a
equidade, a justiça, o respeito à lei.36 O governo existe e sempre existiu precisamente porque os
cidadãos descobriram que o mercado privado não pode satisfazer todas as suas necessidades nem
servir a todos os seus objetivos, sobretudo aqueles como equidade e responsabilidade.
Para defender e promover esses valores, o governo deve ter capacidade e apoio suficientes para
administrar a execução de suas funções inerentes.
A definição dessa expressão vem atormentando os analistas há anos. F

36 Dois trabalhos muito úteis sobre este assunto são Appleby, 1945; e Allison, 1992:457-75.
37 Para acompanhar um desses esforços de definição, ver U.S. General Accounting Office, 1991.
Ver também Boston, 1995:78-111.

o governo costumava definir suas funções em termos do que sõ ele podia fazer, ou do que as
autoridades eleitas queriam que ele fizesse. Os reformadores, contudo, vêm insistindo em que o Estado
seja o mais reduzido possível.
O setor privado atualmente pode produzir e oferecer praticamente qualquer bem ou serviço
"governamental", desde polícia e prevenção de incêndios até prisões e escolas. Dadas a potência do
modelo do setor privado e a necessidade política de produzir reformas, muitos têm-se sentido tentados
a empurrar o setor privado para a produção de tudo quanto ele "pode" produzir, sem sequer se
perguntar se são bens ou serviços que o setor privado "deve" produzir. Reformas efetivas exigem que
se assegure que só o Estado faça o que só o Estado deve fazer.

Democracia e mercados
A reforma do Estado ainda está num estágio experimental na maioria dos países onde foi
implantada. As questões mais profundas são: que efeitos reais terá a reforma sobre o "tamanho" do
Estado; sobre a capacidade que o Estado precisa para cumprir suas funções, e sobre os mecanismos
fundamentais da democracia eletiva. A mensuração e avaliação de desempenho é essencial para que se
discuta qualquer desses aspectos. Ela é importante porque ajuda a elucidar os resultados do governo. A
administração por desempenho contribui para garantir que o Estado atente para o interesse público,
seja qual for a definição a que cheguem os frequentemente tumultuados debates sobre o Estado e seus
resultados.
Esta talvez seja a maior utilidade da administração por desempenho. O movimento do
managerialism e suas variantes baseadas em contratos surgiram da profunda insatisfação do povo com
o governo, seus programas, seu desempenho, seu modo de governar. Pela experiência e pela realidade
política, seus criadores logo perceberam que não se tratava de uma máquina que se podia ligar e
~ 164 ~
Material para fins didático

esquecer. Em essência, a tarefa do Estado é assegurar a satisfação do interesse público, a res publica.
Para isso é preciso, antes, decidir o que o Estado deve fazer e, depois, o melhor modo de fazê-lo.
A avaliação de desempenho pode ser muito útil aos dois processos. Como disse Alice Rivlin,
diretora do U.S. Office of Management and Budget, a reforma da administração pública torna-se cada
vez mais importante em todo o mundo, porque renova a confiança na democracia (OECD, 1996).
Uma administração atenta exige avaliação de resultados. A avaliação de resultados, por sua vez,
dá nova feição ao debate público. Como certa vez me disseram funcionários da administração pública
local em Phoenix, Arizona, se estiverem munidos de informações sobre custos e desempenhos dos
contratantes e dos funcionários municipais, os governantes não poderão continuar decidindo a partir,
simplesmente, de critérios de favorecimento político ou de apadrinhamento.
Isso não significa que os dados sobre desempenho sejam determinantes, ou que se deva sempre
superestimar sua influência. Entretanto, sem dúvida introduz uma variável política absolutamente
nova, que não deve ser ignorada nem pelos cidadãos nem pelos governantes. Tampouco significa que
administrar por contratos e avaliações de desempenho seja garantia de um Estado melhor. Isso sem
dúvida influencia a tomada de decisões e os processos administrativos, respondendo a algumas das
questões que os criaram.

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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

--o Transforming the civil service: building the workforce of the future (results of a GAO-
sponsored symposium). Dec. 1995. (GGD-96-35.)
Wilson, James. Bureaucracy: what government agencies do and why they do it. New York, Basic
Books, 1989.
Wyatt Company. The people factor: a global study of human resource issues and management
strategies. Washington, D.e., 1995.
~ 168 ~
Material para fins didático

A COMPLEMENTARIDADE ENTRE A REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA E A


RECONSTRUÇÃO DO ESTADO NA AMÉRICA LATINA. William Glade *

Introdução
Durante os anos 80 e 90, dois processos seguiram trajetórias mais ou menos paralelas na
América Latina: o ajustamento estrutural da economia e a reforma do aparelho administrativo do
Estado. O primeiro foi o que, de longe, recebeu a maior atenção, tanto na formulação de políticas,
quanto na análise delas. 1 No contexto mais amplo onde ambos estão ocorrendo, pode-se observar um
terceiro processo: a democratização, composta de uma variedade de medidas para fortalecer a
sociedade civil e aumentar as possibilidades de utilizar o que a União Européia chama de princípio de
subsidiariedade.
Foi no Chile que a revolução silenciosa na política econômica começou, para usar o termo
apropriado, cunhado pelo Banco Interamericano de Desenvolvímento.ê Nesse país, ambos os
conjuntos de mudanças começaram nos anos 70. Desde então, a literatura sobre a experiência da
estabilização e da reestruturação tomou-se volumosa, refletindo um interesse generalizado, a favor e
contra, engendrado por essa experiência marcante. Muitas das contribuições foram simplesmente
impelidas pela curiosidade acadêmica de saber mais a respeito da trajetória inovadora que os chilenos
estavam trilhando.
Após 1982, o México iniciou programas abrangentes de liberalização e privatização, como parte
de sua terapia de estabilização, revertendo assim uma trajetória política de mais de 50 anos. Isso
também foi analisado minuciosamente pelos partidários e pelos oponentes da liberalização, bem como
pelos que eram motivados por interesses puramente intelectuais. O mesmo pode ser dito do acelerado
programa de abertura econômica da Argentina, durante os anos 90, que foi seguido pelas reformas
econômicas no Peru, que, em certos aspectos, significaram uma resposta à liberalização implementada
mais cedo, no final dos anos 40 e início dos anos 50

* Professor de economia da Universidade do Texas, em Austin, Texas, EUA.


1 A reestruturação econômica tendeu a dominar o cenário devido a suas relações com a
disponibilidade de recursos da qual depende todo o restante.
2 A reestruturação econômica, para economias que acreditam no mercado, consistiu basicamente em:
a) política fiscal mais apertada para reduzir o déficit e restrições na política econômica para auxiliar a
estabilização macroeconômica: b) desregulamentação de preços, incluindo taxas de juros e de câmbio;
c) liberalização do comércio; d) redução ou eliminação dos subsídios; e) privatização; e f) drástica
redução nos controles e regulamentos dos investimentos domésticos e do exterior e nas operações de
negócios em geral.

.3
~ 169 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Há também observações sistemáticas e análises de casos de outras nações onde a reestruturação


econômica teve menos força, ou foi paralisada ou, como na Venezuela, começou e foi revertida, pelo
menos até bem recentemente.
O notável, contudo, é o assincronismo da reforma do Estado, comparada com o projeto de
reestruturação econômica. Existem menos análises aprofundadas e nenhum levantamento abrangente
satisfatório, como encontramos na reestruturação. Ao mesmo tempo, o volume total de literatura sobre
reformas do aparelho de Estado é ainda maior do que o de reestruturação, se bem que estendendo-se
por várias décadas e de naturezas muito diferentes."
Tudo isso se deve ao fato de a reforma do Estado não ter começado apenas recentemente,
enquanto a parte principal das reformas quase sempre envolveu alterações razoavelmente modestas, ao
invés de revisões maiores.
Conseqüentemente, nessa massa bastante substancial de experiência analisada, existem muitos
critérios úteis sobre o que favorece e o que resiste à reforma estrutural, bem como instrutivas
descobertas sobre como um programa de reforma pode ser desenvolvido e como os vários esforços
foram realizados.
Vejamos, por exemplo, o trabalho de Lawrence S. Graham sobre a reforma do serviço público no
Brasil ou o memorável trabalho de Albert O. Hirschman sobre o "vendedor de reformas''
Isto posto, cabe dizer que os mais recentes episódios de reforma administrativa, que foram
tipicamente enquadrados em termos de descentralização, de downsizing e, algumas vezes, de
democratização, têm sido menos ambiciosos e menos atentamente estudados do que seus equivalentes
de política econômica. Executadas aos poucos, o alvo geral dessas reformas -que, no sentido mais
amplo, envolveram uma mudança de administração pública para gerenciamento público - tem sido,
pelo menos ostensivamente, tornar os processos decisórios mais transparentes e mais correspondentes
a uma faixa mais ampla das necessidades da nação, aumentar a responsabilidade e a eficiência na
implementação e, como parte da reestruturação, priorizar os gastos públicos com maior cuidado,
aumentar a eficiência na coleta de impostos e economizar o uso dos recursos do setor público dentro
de apertados limites fiscais impostos pela estabilização macroeconômica.
A íntima conexão entre o ajuste estrutural da economia e as reformas administrativas que
reconstroem o Estado é sugerida pelo lugar que o imperativo "priorizar/economizar" tem na primeira e
as condições que isso, por sua vez, acarreta à outra. O uso mais parcimonioso dos recursos fiscais, por
exemplo, e o seu redirecionamento de operações que foram transferidas para o setor privado, é
essencial para satisfazer um número enorme de clamorosas necessidades sociais, para reparar uma
negligência de décadas. O déficit social, sobre o qual muito se tem escrito nos últimos tempos, resulta
de anos de subinvestimento, na medida em que recursos fiscais foram desviados do investimento social
para cobrir coisas como déficits de para estatais, ou ser absorvidos no financiamento de burocracias
demasiado florescentes e ineficientes.
Na atualidade, contudo, a complementaridade entre a reestruturação econômica e a reforma do
Estado estende-se para bem além disso.
Este ensaio se propõe explorar essas complementaridades e aprofundar a discussão da lógica da
mudança do papel do Estado na América Latina.
Conforme o Estado se retira do seu antigo papel de empreendedor, em favor da eficiência do
setor privado, e deixa o processo de gerência dos sistemas políticos cada vez mais para as instituições
~ 170 ~
Material para fins didático

emergentes da sociedade civil, existe uma vasta área de responsabilidade social a ser recuperada e
efetivamente dirigida e uma estrutura transacional cada vez mais complexa para ser projetada e
administrada, se a promessa da reestruturação econômica é para ser cumprida. De modo crescente,
reconhece-se que a longa negligência no que diz respeito aos investimentos sociais prejudicou a
acumulação do capital humano e social da qual dependem os avanços em produtividade. E a má
distribuição das recompensas econômicas, pelas quais a América Latina ganhou tanta notoriedade,
passou cada vez mais a ser vista não só como um problema de eqüidade social, por mais importante
que seja essa consideração, mas também como uma condição adversa ao avanço econômico
sustentado.
Raízes da disfunção administrativa Como já mencionado, a reforma do Estado e de sua projeção
na economia através de agências reguladoras e empresas paraestatais não é, em hipótese alguma, um
assunto novo. Embora o "avô" de todos os programas de assistência ao desenvolvimento, o Plano
Marshall, não precisasse se preocupar muito com a estrutura institucional da reconstrução econômica
da Europa, além do estímulo às consultas transnacionais de políticas e à cooperação no planejamento,
o programa de assistência técnica sob os auspícios do Ponto Quatro e outros semelhantes
reconheceram rapidamente que a construção das instituições, geralmente nas áreas limítrofes do setor
público, era a própria essência daquilo que se propuseram."
Em nome da modernização, importantes inovações foram introduzidas para reforçar a
capacidade organizacional em diversos campos, como nas unidades de servicio que foram estabeleci
das, freqüentem ente com assistênciastécnica e econômica estrangeiras, para lidar com uma variedade
de funções de desenvolvimento, desembaraçadas dos entrincheirados caminhos das instituições
centrais da administração pública.f Embora o caso não tenha sido amplamente estudado na América
Latina na época, a "Operação
Bootstrap" realizada em Porto Rico dependeu, de forma substancial, de uma revisão muito
abrangente da máquina da administração pública e da liderança propiciada pelas autoridades de
planejamento e pelo Banco de Desenvolvimento.?
Uma contribuição nada insignificante também foi feita pela habilidade da ilha em introduzir um
ambiente fiscal e monetário estável, além de uma estrutura legal adaptada às necessidades da moderna
empresa de negócios, e um confiável sistema de administração legal.
Com o tempo, a consciência do papel da modernização administrativa em estabelecer as
condições para um desempenho econômico bem-sucedido tomou-se mais difundida, como por
exemplo quando o Banco Mundial mudou a sua ênfase inicial em "reconstrução" para a agenda bem
mais difícil e complexa do "desenvolvimento". Um dos mais antigos estudos de nações latino-
americanas feito por uma missão do Banco Mundial, o Report on Cuba, identificou as operações
disfuncionais do setor público como o principal impedimento ao crescimento e deteve-se longa mente
na necessidade de uma ação corretiva.!" Outras referências de passagem foram também feitas em
outros estudos do Banco Mundial sobre a necessidade de reconfigurar as agências e políticas mais
centrais para o esforço do desenvolvimento, a fim de mobilizar e coordenar todos os recursos públicos
disponíveis para o ataque ao atraso econômico. O fortalecimento dos sistemas fiscais (em seu desenho
e administração) e a melhoria das políticas monetárias foram, claramente, as peças centrais das
recomendações de políticas que envolveram um amplo leque de domínios organizacionais.!!
O redesenho do setor público, em não poucos casos latino-americanos, antecipou a preocupação
do pós-guerra com o desenvolvimento. As agências descentralizadas e as empresas autônomas, para
~ 171 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

usar a terminologia mexicana, que começaram a aparecer nos anos 30 e 40, eram originariamente
planejadas de forma a poderem executar funções específicas mais rápida e eficientemente do que se
estivessem situadas no núcleo da máquina do Estado. Regimes legais especiais caracterizavam suas
operações em certos aspectos, dando a elas, pelo menos no começo, mais flexibilidade em questões de
procedimentos e mais margem para o desenvolvimento de estratégias

9 Ver, por exemplo, Chase, 1951.


10 Economic and Technical Mission to Cuba, 1952.
11 Acompanhando a evolução dos tempos, havia uma aceitação geral da inevitabilidade da expansão
do setor público. Desde Bismarck, as funções do bem-estar social tinham se tornado cada vez mais
respeitadas e aguardadas pelas sociedades urbano-industriais. A era dos cartéis e dos trustes tinha
alimentado uma preocupação pública sobre incontroláveis negócios e justificava o crescimento de
regulamentos; alguns Estados, como a França, transferiram sua tradição dirigista para a era moderna; o
colapso do capitalismo nos anos 30 e a ascensão do keynesianismo, para não dizer nada dos pontos de
vista "estagnacionistas", também daqueles anos, tudo ficou de acordo com um papel cada vez maior do
Estado na administração macroeconômica e levou ao governo compromissos com políticas de pleno
emprego na era pós-guerra; desenvolvimentos dos anos 30 e 40 criaram uma ampla aceitação de
planejamento econômico, o que aparentemente foi ratificado no Plano Marshall, enquanto a crescente
influência da social democracia e as várias visões políticas marxistas contribuíam para o clima
intelectual/político que, nas nações em desenvolvimento, colocou a ação do Estado no centro do
"desenvolvimentisrno".

organizacionais. Em alguns casos, essa versatilidade possibilitou até mesmo que, com o passar
do tempo, missões institucionais fossem redefinidas de forma desejada. A Corfo do Chile, por
exemplo, começou como uma agência encarregada da reconstrução de uma economia regional que
havia sido severamente danificada por um terremoto. Acabou sendo um dos mais importantes bancos
de desenvolvimento industrial da América do Sul, um híbrido de banco de investimento e companhia
holding estatal, de certo modo acompanhando as linhas da Óiag austríaca. Sua similar no outro
extremo da América Latina, a Nacional Financiera do México, foi criada para reforçar o mercado de
ações - uma missão interessante para o que pretendia ser uma consolidação e renovação
revolucionárias. Apenas 15 anos mais tarde, ela se tomou a principal agência de desenvolvimento
industrial,ganhando o respeito internacional pelo profissionalismo da sua direção e integridade das
suas operações. Mais ou menos na mesma época, a Comissão Federal de Eletricidade Mexicana
começava a implementar alguns programas relativamente modestos, de eletrificação rural; mas, em
duas décadas e meia, ela evoluiu, transformando-se numa entidade encarregada de toda a rede elétrica
nacional.
Em meados da década de 40, siderúrgicas nacionais tinham sido adicionadas
aos portfólios de uma série de países, para se juntarem a um conjunto
de empresas estatais de petróleo, a primeira das quais foi instalada na
Argentina nos anos 20, companhias de estradas de ferro, companhias aéreas,
~ 172 ~
Material para fins didático

agências de desenvolvimento regional, companhias de energia elétrica, bancos


com finalidades especiais, de propriedade do Estado, e gigantes da mineração,
como a Comibol, Codelco e a Companhia Vale do Rio Doce, a maior
delas. Companhias de seguros estatais, companhias químicas, companhias de
navegação e uma série de outras, desde instituições financiadoras de filmes e
um importante fabricante de aviões até companhias de marketing e cadeias de
hotéis, foram se juntando no meio século entre os anos 30 e os anos 70. Ao
lado dessa cobertura extremamente ampla dos empreendimentos supostamente
estratégicos, novas entidades reguladoras proliferaram.
As oportunidades se multiplicaram para essas agências reguladoras e
paraestatais, algo que James Q. Wilson e outros conseguiram examinar tão notavelmente.P e
para incitar o comportamento do tipo rent-seeking que
cresceu de forma tão luxuriante pelos corredores políticos e burocráticos do
continente. De fato, as paraestatais eram freqüentem ente o atalho para que
os interesses privados e burocráticos a elas associados obtivessem acesso privilegiado
à máquina política do Estado. Além disso, a multiplicação dos órgãos
de intervenção estatal, diretos e indiretos, constituiu um aparentemente
irresistível convite à corrupção, para a qual o nepotismo e o favoritismo também
contribuíram. Bem antes de a OIT e de os acadêmicos descobrirem os
setores informais nos distritos das cidades africanas e latino-americanas, já
existia uma ativa área informal operando, baseada na produção e distribuição
do favor oficial, dentro e em tomo da máquina de Estado, graças a qual
as políticas públicas e também os processos políticos seriam de fato privatizados,
anos antes que qualquer pessoa pensasse em privatizar tais ativos
(e obrigaçõesj.U O auto-enriquecimento de funcionários públicos e de seus
correligionários no setor privado, o enfraquecimento do sistema fiscal e mesmo
os variados meios de "regularizar" as falhas do sistema, como os "trens
da alegria" no Brasil, tudo isso acabou sendo mais severamente julgado pela
opinião pública, quando a austeridade geral aguçou o contraste entre os incluídos
e os excluídos dos círculos de favores recíprocos. Nesse cenário, os
episódios da reestruturação econômica e da reforma do Estado de anos recentes
podem ser considerados como o fim (pelo menos em parte) do cativeiro
~ 173 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

babilônico do Estado, para onde a era do I-S-I levava.


A razão de narrar essa evolução não é reprisar as principais e mais
conhecidas características da história das políticas do século XXe, sim, chamar
a atenção para vários aspectos importantes do contexto no qual a reforma
administrativa está ocorrendo hoje. Em particular, a dimensão e o caráter
dos problemas a serem resolvidos e a probabilidade dos resultados
dessa política em curso serem positivos derivam dessa genealogia institucional.
A primeira consideração no tocante à estratégia da reforma tem a ver
com o tipo de problema a ser enfrentado e origina-se da própria natureza
do que ocorreu nas últimas décadas. Colocado suscintamente, o resultado
não desejado desses desdobramentos pouco padronizados, que respondem
a uma ampla e mutante variedade'ide condições e circunstâncias, é que às

12 Ver Wilson, 1980 e 1989.


13 A exasperação pública com o aumento do volume de corrupção parece ter sido uma força na
redefinição das funções do Estado e dos processos administrativos. Em várias nações importantes,
entre elas o Brasil, México e Venezuela, a corrupção tornou-se um dos principais temas políticos nos
tempos recentes.

deficiências do mercado, para as quais as medidas intervencionistas foram


concebidas como remédio, juntou-se um suplemento de carências do setor
público, cuja posterior avaliação constitui a principal tarefa do presente redimensionamento
do Estado e de sua "penumbra" reguladora.
À medida que a estrutura do Estado tornava-se cada vez mais complexa,
sem o aumento correspondente da capacidade de supervisão, tanto
do Executivo, quanto do Legislativo, para não mencionar um Judiciário que
não exerce, por razões estruturais, uma vigilância efetiva sobre os dois, foi
criado um excesso de organizações, em resposta às necessidades políticas
imediatas, mas sem qualquer determinação de "impacto ambiental" para detectar
e avaliar as conseqüências disto tanto nos negócios como na política
econômica e na definição de políticas. Contudo, na maioria dos casos, externalidades
importantes foram geradas no processo de expansão do Estado,
que afetaram o ambiente, tanto positiva quanto negativamente.
~ 174 ~
Material para fins didático

Variadas como eram as situações que deram origem às respostas institucionais


que caracterizaram a era do desenvolvimento gerenciado pelo Estado,
a verdade é que a proliferação e a diversificação do setor paraestatal
e dos órgãos reguladores da economia sobrepujou, de longe, a capacidade
da autoridade pública de monitorar e controlar essas operações e suas conseqüências.
O encarecimento do custo das transações, por conta do ônus de
regulamentos e complicados procedimentos oficiais, que afligiu a maior parte
da América Latina foi amplamente observado e desempenha importante
papel na explicação do crescimento do setor informal. 14 Mas os problemas
eram mais profundos. Como a accountability e a reatividade democrática já
eram um problema bastante difundido no cerne dos processos de governo,
a expansão do aparelho do Estado simplesmente aumentou o impacto do
problema do agent/principal na economia. No nível mais alto, isso se traduz
numa função preferencial de planejamento que, numa estrutura administrativa
tipicamente centralizada, era essencialmente de exclusão. Isto é, não representativa
de uma grande parcela da população, que, para todos os propósitos
práticos, era desprovida de direitos; insensível às necessidades das
faixas de renda mais baixas e das pequenas empresas e descuidada com a
situação da maioria das cidades menores e do campo, na distribuição de, digamos,
investimentos de infra-estrutura. A notoriedade da ineficiência e da
corrupção governamentais corroeu seriamente a credibilidade das políticas
públicas e encorajou a evasão fiscal, pois os cidadãos sentiam que não seriam
bem servidos pelos seus setores públicos.

14 Ver Soto, 1989.

Com o "inchaço do Estado", como um estudo recente norte-americano


rotulou o aumento de níveis da burocracia, 15 um problema obviamente
não confinado apenas à América Latina, as oportunidades de erros de direcionamento
se multiplicaram, a integridade organizacional ficou mais
inadministrável e, eventualmente, o custo de manutenção de uma estrutura
de administração que se auto-alimenta, especializada em interesses partidários
~ 175 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

burocráticos e no clientelismo, atingiu níveis insuportáveis, enquanto a


própria falta de agilidade do aparelho de Estado levou à diminuição da governabilidade.
l? Além disso, como muitos países descobriram, dada a posição
estratégica da "bourgeoisie do Estado" vis-à-vis o processo de políticas
públicas, provou-se ser mais fácil destituir o Estado do seu papel econômico
direto do que aparar e remodelar um aparelho administrativo maior, ao qual
havia sido anexado o setor para estatal - um desafio que os Estados Unidos
também enfrentaram.
Conseqüentemente, como a expansão e a indefinição da estrutura paraestatal/
reguladora cresceram, a transparência diminuiu em função do tamanho
e da complexidade e, enquanto a accountability tendeu a sumir de
vista, a desajeitada paisagem organizacional foi semeada com O potencial
para manobras burocráticas, para prevenir mudanças fundamentais. O que
realmente cresceu no meio dessa perda de coerência da máquina administrativa
do Estado foi o aparecimento de nichos geradores de vantagens.
l? E quando nem a disciplina de mercado nem a disciplina administrativa
podiam ser aplicadas, e quando um orçamento com pouco controle

15 Ver Light, 1994. Como observa o autor, a evolução do setor público trouxe mais níveis hierárquicos
entre o topo e a base do governo, com mais unidades administrativas e funcionários a cada nível. Em
1960, por exemplo, o gerenciamento senior consistia em quatro níveis: secretaria, subsecretaria,
secretaria assistente e subsecretaria assistente. Em 1992, o número de níveis havia triplicado e, para
citar apenas um exemplo, o número de secretarias assistentes subiu de 81 para 212. Graças à confusão
burocrática, a responsabilidade declina, o fluxo de informações torna-se cada vez mais distorcido e
uma orientação vinda de cima tende a se evaporar conforme vai descendo.
16 Três tipos de estrangulamento são distinguíveis neste caso de superexpansão dos setores estatal e
paraestatal: um estrangulamento fiscal, que se manifestou na excessiva absorção das receitas públicas
para cobrir despesas operacionais correntes de paraestatais e do núcleo burocrático; um
estrangulamento monetário, vindo das demandas das para estatais e do próprio governo por
empréstimos nos mercados de crédito locais e estrangeiros, e um estrangulamento institucional, que
derivou da proximidade de altos funcionários junto ao processo político, o que permitiu-lhes o domínio
da agenda política e, assim, jogar sombra em outros interesses concorrentes na formação da política.
17 Buchanan, Tollison e Tullock (1980) exploram um campo analítico que elucida em grande parte as
distorções das alocações de recursos ocasionadas por sistemas desse tipo.

era de fato bastante comum, o resultado final era - como é amplamente admitido
~ 176 ~
Material para fins didático

- uma instabilidade estrutural que Rudiger Dombusch e Sebastian


Edwards rotularam de populismo macroeconômico.i'' Com tantos recursos
fiscais exigidos para fazer face às necessidades dos setores estatais usuários
de capital intensivo, para cobrir déficits operacionais e financiar obrigações
eleitorais, as verdadeiras carências de investimento social tenderam a ser
postas de lado, num tipo de processo fiscal engavetado por falta de espaço.
Finalmente, a prodigalidade, o desperdício, a fraude e o desmazelo, engendrados
inclusive pela falta de controle dos orçamentos, redundaram em detrimento
dos programas de investimento público básico, que tiveram de ser
cortados ou financiados por empréstimos externos, o que em si não era saudável,
tendo em vista a crescente anorexia fiscal. Nos anos 80, as contradições
internas da estrutura cresceram a tal ponto que o sistema não era mais
viável. Uma idéia da sobrecarga de custos imposta pela inflação de despesas
não-produtivas e a elevação dos custos de transações pode ser obtida a partir
dos custos de ajuste que várias economias latino-americanas tiveram de
assumir nos processos de abertura econômica.
O fato de a reestruturação econômica e de a reforma administrativa
terem se originado no mesmo conjunto de circunstâncias é, sem dúvida, a
razão de o Banco Mundial, cujo interesse na reforma administrativa diminuiu
após os anos 60, estar hoje apoiando programas de "enxugamento" do Estado
e de melhoria do gerenciamento público em mais de duas dezenas de
países. Reformas do serviço público, introdução de melhorias na contabilidade
pública e nos sistemas de controle fiscal, desenvolvimento de sistemas
aperfeiçoados de gerenciamento financeiro e de informações, reformas na
administração da lei, mecanismos de auditoria, avaliação de desempenho
nas saídas (outputs) e não apenas nas entradas (inputs), sistemas variados de
treinamento e gerenciamento para lidar com a característica evasiva da burocracia,
introdução de maior vigilância do Executivo pelo Legislativo, descentralização
das funções para governos estaduais e locais a fim de combater
o hábito do centralismo administrativo, introdução da competição no
setor público para intensificar a accountability etc. - tudo isso visa a construir
a capacidade institucional e a demonstrar o reconhecimento pelo Banco
~ 177 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

de que, afinal, a reestruturação envolve não só a mudança dos contornos


da economia, mas também uma reconfiguração do sistema administrativo.
Ciente da permanente tendência das agências públicas a reincidir nos erros
e da dificuldade de realizar melhorias permanentes nas paraestatais, o Banco

18 Ver Dornbush & Edwards, 1989.

era de fato bastante comum, o resultado final era - como é amplamente admitido
- uma instabilidade estrutural que Rudiger Dombusch e Sebastian
Edwards rotularam de populismo macroeconômico.i'' Com tantos recursos
fiscais exigidos para fazer face às necessidades dos setores estatais usuários
de capital intensivo, para cobrir déficits operacionais e financiar obrigações
eleitorais, as verdadeiras carências de investimento social tenderam a ser
postas de lado, num tipo de processo fiscal engavetado por falta de espaço.
Finalmente, a prodigalidade, o desperdício, a fraude e o desmazelo, engendrados
inclusive pela falta de controle dos orçamentos, redundaram em detrimento
dos programas de investimento público básico, que tiveram de ser
cortados ou financiados por empréstimos externos, o que em si não era saudável,
tendo em vista a crescente anorexia fiscal. Nos anos 80, as contradições
internas da estrutura cresceram a tal ponto que o sistema não era mais
viável. Uma idéia da sobrecarga de custos imposta pela inflação de despesas
não-produtivas e a elevação dos custos de transações pode ser obtida a partir
dos custos de ajuste que várias economias latino-americanas tiveram de
assumir nos processos de abertura econômica.
O fato de a reestruturação econômica e de a reforma administrativa
terem se originado no mesmo conjunto de circunstâncias é, sem dúvida, a
razão de o Banco Mundial, cujo interesse na reforma administrativa diminuiu
após os anos 60, estar hoje apoiando programas de "enxugamento" do Estado
e de melhoria do gerenciamento público em mais de duas dezenas de
países. Reformas do serviço público, introdução de melhorias na contabilidade
pública e nos sistemas de controle fiscal, desenvolvimento de sistemas
aperfeiçoados de gerenciamento financeiro e de informações, reformas na
~ 178 ~
Material para fins didático

administração da lei, mecanismos de auditoria, avaliação de desempenho


nas saídas (outputs) e não apenas nas entradas (inputs), sistemas variados de
treinamento e gerenciamento para lidar com a característica evasiva da burocracia,
introdução de maior vigilância do Executivo pelo Legislativo, descentralização
das funções para governos estaduais e locais a fim de combater
o hábito do centralismo administrativo, introdução da competição no
setor público para intensificar a accountability etc. - tudo isso visa a construir
a capacidade institucional e a demonstrar o reconhecimento pelo Banco
de que, afinal, a reestruturação envolve não só a mudança dos contornos
da economia, mas também uma reconfiguração do sistema administrativo.
Ciente da permanente tendência das agências públicas a reincidir nos erros
e da dificuldade de realizar melhorias permanentes nas paraestatais, o Banco

18 Ver Dornbush & Edwards, 1989.

número de ocasiões nas quais o desempenho era, no mínimo, satisfatório.é?


Entretanto, as forças regenerativas e elásticas de tantas economias pós-crise
da dívida, a notável guinada na direção da exportação de manufaturados, a
ascensão visível do investimento estrangeiro nas companhias latino-americanas
e, realmente, a habilidade em executar, com sucesso, programas de privatização,
tudo aponta para o amadurecimento da capacidade organizacional
do setor privado, ao abrigo das políticas do I_S_I.21
As possibilidades de tal sistema têm sido freqüentemente negligenciadas,
na negatividade prevalecente que dá o tom em muitas das análises
de política pública de tempos recentes, especialmente as avaliações restrospectivas
da era que agora acabou. A esse respeito, a experiência do pósguerra
na Itália é particularmente relevante como correção de perspectiva,
pois, numa nação afetada pela inércia e pela formalidade burocráticas, um
modelo de intervencionismo extensivo, que refletiu tanto na intervenção indireta,
quanto na direta, clientelismo, rent-seeking e assim por diante, incluindo
uma taxa extraordinariamente alta de rotatividade política, e, como se
entrevê, uma corrupção nada pequena, a economia, ainda assim, foi bemsucedida
~ 179 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

durante anos, atingindo altas taxas de crescimento, igualando a


mais amadurecida e, seria de se supor, mais bem dotada economia da Inglaterra
nas classificações regionais de produto per capita. As avaliações dos
especialistas do Banco Mundial, que prepararam a análise do Bureaucrats in
business, não podem ser contestadas.ê'' mas o conjunto de políticas às quais
a expansão das paraestatais e o acúmulo de regulamentos estavam associados,
na América Latina como na Itália, também acabou se tornando uma
sementeira razoavelmente fértil para o desenvolvimento do capital humano
e social - e para a transferência dos recursos do uso tradicional para áreas
de produção com maior potencial de dinamismo.
Assim parece ter ocorrido na Itália e, certamente, na América Latina,
onde o território institucional foi quase totalmente reformado nos últimos 50
anos. Os custos parecem ter-se elevado ao longo dos anos em relação aos
,I ;j,
,11:.
,"

20 Trebat, 1983. Similarmente, Tendler (I968) chegou a um julgamento cautelosamente positivo no


seu estudo anterior de uma parte-chave do setor paraestatal.
21 Sem dúvida, os ganhos no setor para estatal, além de todas as imperfeições epifenomenais, também
foram substanciais. A YPF da Argentina, por exemplo, condensou os problemas da inépcia
burocrática, pois em praticamente todos os aspectos ela não atingia os padrões de desempenho
industrial internacionais. Contudo, uma vez privatizada, foi rapidamente reabilitada pelo capital e
gerenciamento privados de tal forma que, em relativamente pouco tempo, pôde até mesmo retomar a
lucratividade e partir firme para a conquista de operações no exterior.
22 Ver World Bank, 1995.

beneficios produzidos em certas áreas da criação institucional, mas, em última


análise, um modo de ver o assunto é dizer que o setor não-governamental
finalmente superou a necessidade de subsídios e estímulos especiais
e é capaz de operar mais efetivamente num ambiente menos limitado. Além
disso, considerando o ritmo e a extensão de algumas das reformas recentes,
em notável contraste com as tentativas dos anos 60, poder-se-ia dizer que os
recursos humanos e organizacionais, somados aos recursos de informação,
~ 180 ~
Material para fins didático

disponíveis aos principais governos da América Latina, e a orientação política


que tomou lugar em seguida, tudo leva a uma visão relativamente otimista
das perspectivas de uma substancial reforma do setor público.
Muito adequadamente, a ênfase dos anos recentes foi dirigida para a
desregulamentação e a remoção de controles para liberar o mercado, deixando-
o fazer seu trabalho mais efetivamente. No entanto, um exame mais
cuidadoso do que tem acontecido e do que é necessário para a operação
satisfatória das novas estruturas econômicas mostra que, ao lado da desregulamentação,
está se desenvolvendo um processo a ela relacionado que
tem grandes implicações para a reconstrução do Estado: isto é, a necessidade
de desenvolver uma nova estrutura reguladora mais afinada com as
necessidades de um complexo sistema industrial. Essa faceta adicional da
complementaridade toma várias formas, entre elas a da necessidade de proteger
o ambiente, de estabelecer padrões para produtos em defesa da saúde
e da segurança do consumidor (e também, de enfrentar as demandas mais
exigentes do mercado exportador), de obrigar a competição, onde a abertura
da economia não basta para estabelecer mercados disputáveis (especialmente,
talvez, no setor produtor de bens não-comercializáveis), de supervisionar
a indústria de "utilidade pública", operada pelo setor privado, de
obrigar a transparência no mercado de capitais, exigindo maior exposição
das informações financeiras verifica das, e de assegurar a estabilidade e a integridade
do setor financeiro, de obrigar melhor gerenciamento de intermediários
financeiros, cujas operações criaram grandes dificuldades no México,
Brasil, Venezuela e Argentina, por exemplo. Justamente por isso, a
maioria das nações ainda está precisando de novos sistemas reguladores, para
restaurar a saúde de seus programas de previdência social, lidar com problemas
aparentemente insolúveis de saúde, fornecer serviços de educação
mais adequados às necessidades de um mercado de trabalho em constante
evolução, e com maior eficiência do que a que tem caracterizado o setor
educacional até então, fornecer ao trabalhador ambientes saudáveis e seguros,
que as principais economias industriais vão exigir cada vez mais como
condição para receber os produtos importados de nações recém-industrializadas
~ 181 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

e em desenvolvimento.
Existem três importantes razões para efetuar essas reformas da gestão
pública. Primeira: durante anos, as burocracias superdimensionadas absorveram
uma porção substancial dos fundos alocados na produção e fornecimento
de serviços sociais. Pouco se ganha se os recursos obtidos através
de privatização de empresas forem consumidos por uma administração desastrada,
l?or maior que seja a gritante necessidade de investimentos na infra-
estrutura social, como saúde, educação e previdência. Segunda: como os
pré-requisitos de controle ambiental, as precondições relativas às condições
de trabalho já começaram a surgir, digamos, nas relações comerciais entre
Estados Unidos e o México, através do Nafta, e nas relações da União Européia
com os Estados da Europa central. Pode-se estar absolutamente certo
de que esse tipo de condicionalidade "social", estimulada por interesses bem
organizados nas economias industrialmente avançadas, vai se espalhar no futuro,
cobrindo mais campos e aprovada por mais nações e aplicada com um
rigor muito maior do que hoje. Assim, os ajustes correspondentes nas normas
reguladoras dos países exportadores vão ser condição sine qua non para
o sucesso na economia global que está hoje se delineando, dada a provável
tendência de usar a crítica de dumping social para reduzir importações de
fornecedores como os da América Latina. A terceira razão, é quase desnecessário
dizer, é que a instalação de sistemas que monitorem a conformidade
com o novo conjunto de regras é parte essencial da agenda da reforma administrativa.
Com exagerada freqüência, a modernização tem sido a aldeia
Potemkin. A menos que, dessa vez, existam medidas de implementação efetivas,
o redesenho da administração pública vai colher relativamente poucos
resultados positivos.
Ainda existem duas outras áreas especiais da reforma do Estado, centrais
para uma negociação bem-sucedida do ambiente pós-reestruturação.
Uma é a da administração da justiça. Quando as economias abrem, o fluxo
de ambos, produto e capital, aumenta e, com ele, o comércio de serviços,
os custos de adjudicação, direta e indiretamente, como parte integrante do
prêmio de risco, ambos vão se destacar ainda mais como um componente
~ 182 ~
Material para fins didático

do custo de transações. Atrasos que consomem tempo nos processos legais,


decisões arbitrárias e corruptas amarradas a um tratamento preferencial de
alguns litigantes e outras falhas, tudo aumenta o custo de fazer negócios, sob
o ponto de vista social e, assim, reduz a competitividade diferencialmente,
atingindo com particular severidade as pequenas e médias empresas, que
podem ser importantes geradoras de empregos, mas que mal agüentam
comprar proteção do sistema de cortes. Que a classe pobre e mesmo a classe
média estejam igualmente em desvantagem simplesmente contribui com
um peso adicional à iniqüidade social, que se tomou cada vez mais preo- cupante, nação após
nação.23 Como a nova economia institucional tem convincentemente
demonstrado, embora essa descoberta fosse antecipada, há
muito tempo, no trabalho de John R. Commons, a confiabilidade e a eficiência
da estrutura transacional, incluindo os procedimentos que ela fornece
para os litígios, contribui com diversas e importantes externalidades, que determinam
parcialmente o que Harvey Leibstein chamou de eficiência-X, um
conceito que se refere a fatores e condições que, de uma forma difusa, afetam
a eficiência operacional sistemática.
A segunda área envolve o desenho do sistema administrativo como um
todo. A descentralização fiscal acabou sendo reconhecida como desejável por
razões econômicas, bem como por fortalecer a democracia e renovar a estrutura
do gerenciamento público, ao trazê-Ia mais próxima do cidadão. A diminuição
do centralismo administrativo tomou-se algo como um mantra e
existem razões para se mover com cuidado ao implementar a transferência de
funções para as entidades de níveis inferiores. Contudo, a descentralização é
essencial e é encorajador notar que o Banco lnteramericano de Desenvolvimento,
não menos do que o Banco Mundial, tomou medidas para acelerar o
processo, bem como nos empréstimos, com os fundos rotativos para apoio ao
desenvolvimento municipal. 24 A essência do desenvolvimento institucional -
no sentido de construção de capacidade organizacional - está refletida no
objetivo de capacitar os governos municipais a levantar fundos nos mercados
de capitais para financiar projetos de serviços públicos de interesse local, objetivo
que, por sua vez, implica reprojetar os sistemas de rendimentos, construir
~ 183 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

a capacidade local em orçamentação pública, avaliação e gerenciamento


de projetos e assim por diante. Até agora, a iniqüidade sócio-econômica -
que inibe a formação de consenso social no qual a estabilidade política democrática
pode finalmente repousar - tem sido exacerbada pela tendência,
em muitos lugares, de subalocar recursos em muitas regiões distantes das
principais concentrações metropolitanas, com o resultado de que imensas
quantidades de recursos - naturais e de capital humano - são abandonadas
ou subutilizadas pela falta de infraestrutura.

23 Oakolias (1996) fornece sugestivas reflexões de como a situação pode ser melhorada.
24 Um exemplo típico é o empréstimo de fundos IDB ao Banco do Estado do Equador, para capitalizar
um fundo de empréstimos rotativo para municipalidades, para uso em apoio de serviços públicos,
garantindo assistência técnica para o treinamento de autoridades municipais no gerenciamento dos
mesmos e assim por diante. Uma característica interessante do financiamento é a exigência de que o
governo central, tomador do empréstimo, reestruture o seu sistema de transferências de receitas,
tornando as transferências de fundos do governo central para as municipalidades mais transparentes e
mais facilmente direcionáveis por orientações específicas.

Em resumo, há muito a fazer para aumentar a adequação da estrutura


fiscal central, tanto no lado das receitas como no dos gastos. A eficiência na
administração fiscal está ainda abaixo do padrão, apesar dos esforços esporádicos
realizados desde os anos 50, em geral teatrais, para reforçar o sistema
e melhorar o seu impacto na economia.é> Mas, até que os benefícios da reforma
se estendam à multidão de comunidades e governos de províncias, nas
quais vive o grosso da população, na maioria dos países, capacitando os provedores
locais a corresponder mais efetivamente e aumentando as oportunidades
para a participação local,26 as já contraproducentes desproporções provavelmente
se intensificarão, a responsabilidade vai permanecer baixa, assim
como os desempenhos, abaixo do padrão. Sem, por exemplo, uma vigorosa
participação nas decisões alocativas, muitas regiões seguramente permanecerão
mal servidas pelos serviços de telecomunicações, cruciais para promover
o desenvolvimento, e continuarão a sofrer a falta de meios adequados de
transporte para amparar a vital economia regional e continuar a sentir a falta
de oportunidades para o capital humano e organizacional acumulado. Enquanto
~ 184 ~
Material para fins didático

isso, as disparidades inter-regionais vão continuar a crescer e as pessoas


vão lidar com elas nas duas únicas formas possíveis: ou se acomodando
com uma vida permeada de privações, ficando sujeitas aos altos custos de
oportunidade de recursos subutilizados ou migrando para os já lotados centros
urbanos. Nesse e em tantos outros casos, as melhorias econômicas e governamentais
andam de mãos dadas.
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25 Ver, por exemplo, Eichengreen, Hausmann & von Hagen, 1996.


26 Dada a pressão internacional para remover a discriminação na intervenção governamental, pode
bem acontecer que as aquisições descentralizadas resultem em benefícios para os fornecedores locais.
Existe uma soma razoável de evidências de que a concentração administrativa tende a aumentar o
custo e a reduzir a efetividade das demandas dirigidas à burocracia pelas populações interioranas, e
que os recursos locais, que poderiam contribuir para o desenvolvimento, tendem a ser negligenciados
no processo de planejamento.

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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

POSSIBILIDADES TÉCNICAS E IMPERATIVOS POLÍTICOS EM 70 ANOS DE REFORMA


ADMINISTRATIVA. Peter Spink *

Introdução
Quase sem exceções, todos os países latino-americanos estão, no momento,
engajados em processos de reforma do Estado. Programas com o nome
de "Modernização do Estado" e "Modernização do setor público" vêm
sendo financiados pelo Banco Mundial em toda a região e, entre os anos de
1990 e 1995, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aprovou
cerca de 100 ou mais programas, nos quais os componentes "fortalecimento"
e "reforma do Estado" estavam sempre presentes.
No começo de 1996, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou
uma versão melhorada da resolução sobre administração pública e desenvolvimento.'
Entre as 20 cláusulas que constituíam a resolução, as Nações
Unidas exortavam as instituições de Bretton Woods a auxiliarem os Estadosmembros
envolvidos em programas de reestruturação econômica a adotarem
políticas nacionais que visassem ao gerenciamento e à melhoria de seus
recursos humanos; além disso, orientavam suas próprias agências a concentrar
atividades, entre outras coisas, no fortalecimento da capacidade dos governos
para o desenvolvimento de políticas, a reestruturação administrativa,
a reforma do serviço público, o desenvolvimento de recursos humanos e o
treinamento em administração pública.

* Programa de Gestão Pública e Cidadania, Escola de Administração de Empresas de São Paulo,


Fundação Getulio Vargas.
I Agenda da 50' Sessão, Item 12, Resolução nº 50/225, adotada pela Assembléia Geral na sua 112ª
sessão plenária, em 19 de abril de 1996.

o tema da reforma do Estado também está presente em inúmeros seminários


locais e em revistas nacionais de administração pública e é discutido
por acadêmicos, profissionais, agências bilaterais e multilaterais, que estenderam
o debate tanto às novas abordagens de organização dos serviços
públicos quanto ao reconhecimento da importância da sociedade civil. Assim,
~ 188 ~
Material para fins didático

os programas planejados pelo BID para a segunda metade da década


já fazem referência ao fortalecimento da sociedade civil (bem como do Executivo,
do Legislativo e do Judiciário) e já há um número significativo de publicações
do Banco Mundial discutindo o papel das organizações não-governamentais
no desenvolvimento participativo.f
Tais notícias podem nos levar a crer que, tendo emergido da crise econômica
dos anos 80 para a relativa calma da democracia generalizada e das
novas iniciativas econômicas regionais, a América Latina esteja de volta ao
caminho do desenvolvimento, com um claro e efetivo conjunto de estratégias
de reforma, apoiado e aprovado pelo melhor do pensamento das principais
agências internacionais. O objetivo deste estudo é pôr em xeque essa
convicção, mostrando que ela reflete uma análise superficial das implicações
do contínuo envolvimento latino-americano com a reforma administrativa,
ao longo de mais de 70 anos.
Não é objetivo específico deste trabalho apresentar uma abordagem
alternativa, ou mais adequada, de reforma, uma vez que isso faz parte de
um conjunto mais amplo de questões sobre ação governamental e desenvolvimento.
Mas salientamos aqui que um exame mais minucioso da história
das tentativas de reforma da administração pública deve, no mínimo, levantar
sérias dúvidas quanto ao otimismo e ao rumo das atuais atividades.
Ao observar o contraste entre as conclusões extraídas das histórias específicas
de cada país, nas quais a reforma administrativa pode ser vista em um
cenário de fatos políticos, e as fornecidas por sucessivas gerações de modelos
regionais de reforma geral, este estudo utilizará uma abordagem sociaJconstrutivista,
na qual as teorias de ação serão vistas como narrativas
produzidas no âmbito de uma matriz interorganizacional de relações institucionais
cambiantes. A "visão corrente" resultante é muito mais uma conseqüência
do espaço cada vez mais restrito dos negociadores de programas
do que de uma análise crítica das conclusões acerca das experiências de reforma.
~ 189 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

2 Bhatnagar, B. & Williams, A. e. Participatory development and the World Bank. Washington, D.e.,
World Bank, 1992. (Discussion Paper, 183.); The World Bank's partnership with non-governmental
organizations. Washington, D.e., World Bank, Poverty and Social Policy Department, 1996.

Estudando a reforma administrativa na América Latina


Tomamos por base para esta discussão um estudo sobre as atividades de reforma administrativa
em 17 países latino-americanos: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador,
Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.
3 Eles formam um grupo de países com diferentes inserções geográficas e econômicas,
diferentes tamanhos e estruturas de mercado, mas com muitos vínculos e pontos em comum, que,
embora não os tomem parecidos, mantêm essa disparidade dentro de limites razoáveis. Graham (I990),
por exemplo, assinalou a centralidade do "Estado", tanto em seu papel, quanto em termos de conceito.
Para os norte-americanos, o termo "Estado" refere-se em geral ao nível médio da ação governamental e
ao lugar onde as pessoas vivem (como o estado de Vermont). No caso de muitos norte-europeus, o
termo dificilmente surge nas conversas - são os governos e não os "Estados" os responsáveis pelas
ações. Na América Latina, os regimes políticos tendem, quase sem exceções, a concentrar o poder
político e administrativo em um sistema "Executivo" ou presidencial, cabendo ao Legislativo um papel
bem reduzido, o que, apesar de tentativas analíticas em contrário, permanece de forma resiliente (Linz
& Valenzuela, 1994).
É este espaço difuso onde o Executivo, o Legislativo, o político e o administrador público se
fundem em imagens de autoridade, com poderes discricionários, que precisam ser acessados por meios
tortuosos de favorecimento, que caracteriza, na América Latina, muito da representação coletiva e da
preocupação acerca do "Estado" e de seu papel.
O estudo do Estado e da administração pública na América Latina tem várias características
distintas quando comparado a outros contextos da reforma do setor público. A primeira delas é que o
processo de separação política entre a América Latina e a Europa, ou especificamente, Espanha e
Portugal, ocorreu antes que os constructos relativos ao desenvolvimento do final do século XX
estivessem socialmente formados (Sachs, 1992). Por isso, termos como "descolonizaçâo", "rico-pobre"
e "nações emergentes", embora presentes hoje, não figuravam nos debates políticos e no discurso
público de muitos daqueles que estiveram envolvidos nos quase 200 anos de sucessivas tentativas para
mudar as sociedades da América Latina.

3 O estudo "Reforrning the reformers: the saga of the State and the public administration in Latin
América" está sendo apoiado pela Swedish International Development Cooperation Agency (Sida).
O autor gostaria de agradecer a ajuda prestada pelos funcionários da biblioteca e do arquivo do
Instituto Centro-americano de Administração Pública (Icap) , pela Benson Collection na Universidade
do Texas, Austin, pela Sida e pela Fundação Getúlio Vargas.
~ 190 ~
Material para fins didático

De fato, foram as reformas dos Bourbon, na década de 1760, e a presença de Galvez, emissário
do rei Carlos III que tinha por incumbência reorganizar as estruturas administrativas das colônias, que
podem ser vistas como uma lição antecipada das inesperadas consequências de uma reforma. Os atos
de Galvez geraram a ampla resistência das elites locais e foram um fator substancial de estímulo aos
movimentos de independência.
Tenha sido ou não Galvez o responsável, o fato é que a América Latina certamente transformou
a reforma administrativa e do Estado num item importante da agenda da discussão intelectual e
política, investindo em estudos, seminários e compromissos políticos, para agir em relação ao Estado e
à administração. O investimento financeiro direto e indireto foi imenso.
Caiden comentou:
"O fato mais importante acerca da América Latina nas últimas quatro décadas foi a teimosia com
que ela perseguiu a reforma administrativa, apesar dos inúmeros fracassos e desapontamentos.
Possivelmente, em nenhum outro lugar do mundo, tantos governos tenham anunciado planos de
reforma tão corajosos e imaginativos e obtido tão poucos resultados na prática" (1991:262).
A América Latina também já possuía suas próprias universidades, escolas
e institutos há pelo menos um século e, em alguns casos, há muito mais
tempo. As primeiras universidades, que em essência eram faculdades teológicas,
mas propiciavam uma base importante para o debate intelectual local,
foram abertas em Lima e no México em 1551. Por volta de meados do século
seguinte, já havia universidades em Bogotá (1580), Córdoba, Argentina (1613),
Sucre, Bolívia (1621), Yucatan, México (1624), Quito, Equador (1622), Ayacucho,
Peru (1677) e na Guatemala (1676). Em 1650, Bogotá já contava com
quatro universidades ou institutos de educação superior. O Brasil seria a última
nação a desenvolver seu ensino de nível universitário, devido ao importante
papel de Coimbra, mas, mesmo assim, já contaria com escolas, faculdades e,
mais tarde, universidades no princípio do século XX. Conseqüentemente, as
elites latino-americanas tiveram acesso e participaram com freqüência de importantes
centros de pesquisa técnica e científica de ponta. Com seus próprios
advogados, economistas, cientistas sociais e administradores e organizações de
referência como a Cepal e a Flacso, a região não pode ser descrita como receptáculo
passivo do "saber oficial sobre o setor público".
Todo estudo de administração pública é, quase por definição, comparativo.
Para que possamos pensar sobre como se estrutura um determinado fenõmeno - por exemplo,
governo e administração pública no país A -, é
necessário desenvolver algum mecanismo que o diferencie de outro fenômeno
~ 191 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

semelhante. Como a maioria dos países costuma ter apenas uma administração
pública - pelo menos em termos formais ou institucionais _,
sua forma e natureza só emergem quando comparadas às de outro país. A dificuldade
está em como fazer essa comparação. Deve-se baseá-Ia na questão
"o que existe de diferente entre A e B", ou a pergunta, de fato, é: "onde B
difere de A"? A dificuldade com relação à segunda, aparentemente uma forma
igualmente inocente de questionamento, é que se, por qualquer motivo,
se interpreta que A é "melhor" do que B, a pergunta seguinte acaba sendo
"e como B resolve esse problema?". A força dessa suposição pode ser facilmente
demonstrada considerando-se a descrença geral com a qual se receberia
a notícia de que não há nada de intrinsecamente errado, ou de pior,
a respeito da administração pública e do Estado na América Latina.
Para descrever o processo de reforma desde os anos 30 até hoje, é necessário
retomar eventos que foram construídos ao longo de, no mínimo, três
dimensões. A primeira, mais direta, é a história pública da reforma administrativa
de cada país, tal como descrita em documentos originais e dos respectivos
congressos. Isso nos dá acesso à forma pela qual os atores da reforma
falam sobre o que foi feito, onde, por que motivo e com que finalidade.
(Temos, porém, muito pouco acesso à história particular desses eventos).
A segunda dimensão introduz os contextos político, social e econõmico
das reformas, que, dependendo do período, podem ser regionais, nacionais
ou internacionais. Assim, o contexto político do Paraguai pós-Stroessner
é muito específico do Paraguai, enquanto os vários fundos sociais de
emergência dos anos 80 têm como cenário a crise geral da América Latina
no mesmo período.
A terceira dimensão diz respeito às estratégias de reforma da administração
pública disponíveis e que circulam, como a melhor prática corrente
ou como técnica predileta de intervenção, em numerosas agências,
tanto dentro quanto fora da região.
É facílimo nos tomarmos excessivamente ambiciosos ao colhermos material
de consulta e exemplos de reforma. Cada passo abre novas possibilidades
e, quando passamos das descrições gerais para as mudanças e leis específicas
~ 192 ~
Material para fins didático

do setor público, nos deparamos com uma fonte quase inesgotável


de casos. O método adotado tem sido nos concentrarmos naqueles eventos
aos quais os atores institucionais se referem quando falam uns com os outros
sobre reforma administrativa e contam suas próprias ações reformistas, suas
histórias e suas pretensões. Foram particularmente úteis os documentos elaborados
por Lamas para o Icap em 1969, várias conferências locais sobre re forma administrativa nos
anos 60 e 70, e os encontros realizados sob os auspícios
do Clad e do Inap espanhol nos anos 80 (Clad, 1979, 1992; Inap, 1985,
1987, 1988). Os estudos comparativos são menos freqüentes e não cobrem todos
os países (por exemplo, Wahrlich, 1974; Hammergren, 1983; Salgado &
Valdés, 1984; Kliksberg, 1984; Chaudhry, Reid & Malik, 1993; RAp, 1994), mas
há alguns estudos sobre países específicos, cobrindo períodos isolados. Curiosamente,
a reforma administrativa não ocupa um espaço significativo nas
principais publicações de estudos latino-americanas (Hopkins, 1974, constitui
uma das poucas tentativas genéricas de revisão teórica e de pesquisa que vale
a pena reler em 1997). Utilizamos mais ou menos 200 livros de diferentes países,
artigos e relatórios mimeografados, contendo mais de 400 referências, detalhadas,
a atividades, histórias e planos de reforma da administração pública.
O país menos presente foi o Paraguai (cinco fontes), mas a maioria figurava
em 10 a 15 fontes e alguns, especialmente o Brasil, a Colômbia, o México e
a Venezuela, apareciam mais de 25 vezes.
No amplo espectro econômico e político, o período em que começa
a análise (da década de 30 em diante) marca a época em que, em muitas nações
latino-americanas, as oligarquias tradicionais de produtores agrícolas e
de matérias-primas, e seus agentes exportadores e fornecedores, se viram sob
forte pressão, devido ao desmoronamento da base do modelo exportador/importador.
Isso aconteceu, primeiramente, durante a I Guerra Mundial, quando
a demanda de matérias-primas era grande, mas sem a contrapartida do
fornecimento de bens acabados, e depois na Depressão, quando não houve
demanda de matérias-primas. Por muitos anos, as matérias-primas haviam
fluído para fora e os bens acabados para dentro. O comércio, as finanças e
a terra detinham o poder, enquanto uma pequena classe de profissionais urbanos
~ 193 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

representava a voz do liberalismo. O movimento gradual para a substituição


de importações significou indústrias e uma força de trabalho urbana.
Todavia, isso não ocorreu de maneira análoga ao surgimento do empresariado
industrial do século XIXna Europa, cuja relação com a classe trabalhadora
industrial iria desempenhar papel tão decisivo no surgimento do Estado
moderno no norte da Europa." Na América Latina, deu-se o contrário:
"Na realidade, o espírito empresarial da burguesia industrial das nações
capitalistas era, na América Latina, uma característica do Estado, especialmente
nos períodos de impulso específico. O Estado ocupou o lugar
de uma classe social, de cujo surgimento a história necessita, mas que tem
tido pouco sucesso" (Galeano, 1994:228).

4 Ver Polanyi, 1944.

Ocorreram movimentos da classe trabalhadora no continente, trazidos


pelos trabalhadores imigrantes, como parte de suas próprias tradições de organização
do trabalho. Entre 1910 e 1925, houve uma onda de movimentos
anarco-sindicalistas, mas a resposta das oligarquias tradicionais e dos novos
profissionais militares foi dura. Na melhor das hipótes~s, os governos desses
períodos foram "democracias cooptativas" (Skidmore & Smith, 1992), nas
quais as elites dominantes envolviam a classe média em vários regimes liberais.
O liberalismo latino-americano, sem a ascensão de uma forte classe média como
força econômica e com a dependência dos profissionais urbanos das elites
rurais, foi mais retórico do que efetivo e, certamente, não foi forte o suficiente
para enfrentar as consequências da Grande Depressão. Como Calvert e Calvert
(1990) comentam, entre 1930 e 1933, as forças armadas já haviam derrubado
ou forçado mudanças nos governos de Argentina, Brasil, Bolívia, Chile,
El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá e Peru e, em vários outros,
como o Uruguai, o presidente atribuíra-se poderes excepcionais.
Em fins da II Guerra Mundial, a industrialização por substituição de
importações era o tema dominante, sobretudo nos países cujo tamanho tornava
insustentável o modelo exportador de matérias-primas. Pelo final dos
~ 194 ~
Material para fins didático

anos 50, muitos países já se encontravam em rápido processo de desenvolvimento


urbano e de industrialização, com crescimento da renda da classe
média e incremento do proletariado urbano. Mas as condições nas áreas rurais,
nos anos 50, permaneceram praticamente inalteradas e, de forma lenta
mas segura, começaram a surgir problemas de reforma agrária nos países
com grande contingente de trabalhadores rurais. O Estado, que assumiria
papel ativo nas iniciativas empresariais, através de barreiras tarifárias, restrições
às importações e investimentos em empresas estatais e privadas, também
dificultaria, com raras exceções, a emergência de sindicatos urbanos,
partidos políticos de trabalhadores e reformas rurais.
O colapso do modelo populista, no início dos anos 60, conduz a um período
de organização política muito ativo, senão caótico, nos vários países, inflamados
por discussões sobre desenvolvimento e por diferentes abordagens
de planejamento social e econômico. Enquanto isso, o modelo recente da industrialização
por substituição de importações expunha conflitos de classe e
questões sociais não resolvidas a respeito da distribuição de renda. Em muitos
países, a consequência do conflito seria militares politizados, não em um partido,
mas quase como um partido, com uma teoria de ordem e desenvolvimento,
de planejamento e soberania nacional, anti-esquerda e anti qualquer
grupo que não aceitasse a necessidade de uma abordagem gerenciada da sociedade.
O modelo de desenvolvimento levado a efeito por essas várias coalizões
em torno das forças armadas foi chamado por O'Donnell de autori tarismo burocrático (1973) e
por outros de desenvolvimentismo militar
(Calvert & Calvert, 1990). Só em meados da década de 80 a América Latina
poderia se ver como um conjunto de países cujos governos resultavam de
eleições relativamente livres, das quais, significativamente, uma parcela muito
grande de suas populações estava participando pela primeira vez na vida.

Definindo reforma administrativa


Não é objetivo deste trabalho entrar no debate sobre o termo específico ou correto a ser usado
para se referir às consequências e ações organizacionais relativas ao desenvolvimento do Estado e da
administração pública. A nosso ver, as várias definições e redefinições do termo usadas na América
~ 195 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Latina são parte da história da reforma. Para situá-las dentro de um contexto, é interessante identificar
algumas tendências mais gerais de definição que têm sido internacionalmente articuladas ao longo dos
anos.
No período que antecedeu as primeiras conferências sob a égide das Nações Unidas, no fim dos
anos 60 e princípio dos 70, a expressão em uso era "reforma administrativa". O relatório das Nações
Unidas de sua conferência em Brighton, em 1971, resume bem isso:
"São frequentemente essenciais programas de amplas reformas administrativas para que se criem
as capacidades administrativas necessárias ao desenvolvimento econômico e social e para que se
executem as funções governamentais em geral C..) Definem-se tais reformas administrativas como os
esforços que têm por fito induzir mudanças fundamentais nos sistemas de administração pública,
através de reformas de todo o sistema ou, pelo menos, de medidas que visem à melhoria de um ou
mais de seus elementos-chave, como estruturas administrativas, pessoal e processos."
Desde então, a expressão tem sido subdividida e ampliada de modo a que o espaço resultante
inclua procedimentos administrativos específicos, sistemas de pessoal e programas locais de mudança,
revisão e reforma de ajustes estruturais do serviço público, programas de capacitação mista, programas
de mudança temática na esfera pública e importantes reformas constitucionais do Estado.
Já se percebe essa mudança em 1981, no relatório da Conferência das Nações Unidas realizada
em Bangcoc para Ampliar Capacidades para a Reforma Administrativa em Nações em
Desenvolvimento:
"Em virtude do uso frequente da expressão nos últimos anos, talvez tenha surgido a tendência de
presumir uma mesma visão de reforma administrativa.
Contudo, um exame mais atento irá revelar uma considerável variação de significado e de
abrangência na expressão reforma administrativa.
Há também uma nítida falta de critério bem definido para distinguir a reforma
administrativa de outras atividades tais como aperfeiçoamento, mudança
ou modernização administrativas" (UN, 1983:4).
A síntese feita por Hammergren (1983) das definições disponíveis reflete
bem esse período: "mudanças planejadas ou, pelo menos, premeditadamente
sistemáticas nos processos ou estruturas administrativas, com o objetivo
de efetuar uma melhoria geral no rendimento administrativo ou em
características correlatas". Nos anos 90, a expressão havia sido ampliada ainda
mais, podendo ser freqüentemente encontrada dentro do contexto de
"reforma do Estado" ou "modernização do setor público". O resultado foi
um processo de inclusão, no qual novos eventos são acrescidos aos antigos,
formando uma arqueologia institucional de questões administrativas. Caiden,
em seu estudo de 1991, apontou cerca de 16 áreas importantes incluídas no
significado de reforma administrativa:
~ 196 ~
Material para fins didático

o atribuições e atividades do Estado administrativo;


o planejamento nacional, estabelecimento de programas, indicadores de
desempenho;
o organização e estrutura da máquina governamental;
o Constituições, accountability, (isto é, prestação de contas da Administração Pública frente à
sociedade) direito à informação;
o formulação de políticas públicas;
o execução de programas;
o elaboração de orçamento público e administração financeira;
o emprego público, práticas e condições;
o regulamentação, salvaguardas e práticas públicas;
o preservação e manutenção do capital público;
o serviços gerais - consistência, desempenho, padronização;
o empresas públicas - impacto na economia e retorno do investimento;
o práticas de gestão pública - O&M, desburocratízação, eficiência e qualidade;
o ética pública - honestidade, profissionalismo, anticorrupção;
o participação do público - voluntarismo, atendimento de reclamações;
o institucionalização da reforma - P&D, treinamento, agências e escolas.

Reformas pioneiras
A inclusão dos "70 anos" no título deste texto não foi fortuita. As reformas do funcionalismo
público nos Estados Unidos mal haviam começado e os conceitos de rico/pobre,
desenvolvido/subdesenvolvido ainda estavam para ser criados, quando as missões Kemmerer norte-
americanas apareceram pela primeira vez na América Latina (Drake, 1989; Siedel, 1994). Essas
comissões financeiras, assim chamadas devido a seu titular, dr. Edwin Walter Kemmerer, visitaram a
Colômbia (1923, 1930), o Chile (1925), o Equador (1926/27), a Bolívia (1927) e o Peru (1931). Seu
objetivo era aconselhar as nações amigas sobre vários aspectos da reforma monetária e da atividade
bancária, incluindo bancos centrais e gerenciamento financeiro, fazendo diversas recomendações sobre
a organização de controles contábeis. Utilizando como referência o General Accounting Office norte-
americano, as comissões levaram à instalação de vários escritórios de "Controladoria Geral da
República". A gestão orçamentária teve consequências específicas para a reforma administrativa, pois
foi a ênfase atribuída à importância dos procedimento práticos para o controle orçamentário que lançou
as bases para a profissionalização nessa área. Mais tarde, quando começaram a surgir unidades de
Organização & Métodos para propiciar maior eficiência, elas ficariam inicialmente subordinadas aos
departamentos de orçamentos.
~ 197 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Tentativas de introduzir práticas de administração de pessoal e sistemas de mérito com


estabilidade começaram a surgir depois, nos anos 30, como por exemplo no Brasil, através das
reformas constitucionais de 1934; na Argentina, em 1937; na Colômbia, em 1938; no Paraguai, em
1944; e no Panamá, em 1946. Elas receberam um grande estímulo em virtude das reformas na carreira
de administrador público nos Estados Unidos, mas são também parte da pioneira disseminação de
práticas de administração de pessoal. Muitas, senão todas essas experiências, acabaram se tornando
negativas, dado o retorno das práticas clientelistas.
A atualidade dessa questão pode ser vista na constante presença de questões básicas de
administração de pessoal e de carreira nas reformas dos anos 80, e ainda na conclusão devários estudos
recentes do Banco Mundial. 5
Após os anos 40, começaram a surgir questões ligadas à eficiência. Em muitos países foram
criados escritórios de Organização & Métodos, subordinados tanto ao sistema judiciário (regido pelo
direito administrativo), quanto a departamentos de orçamento e finanças (com algum sucesso) ou, mais
tarde, ao gabinete presidencial, quando este tomou forma e consistência.

5 Ver Chaudhry, Reid & Malik, 1993; Nunberg & Nellis, 1995.

Por volta dos anos 50, apareceriam abordagens de treinamento administrativo e estruturação de
instituições, estimuladas pelo Plano Marshall de 1948-51. A Escola Brasileira de Administração
Pública (EBAP), em 1952, e a Esacap (Icap) , na Costa Rica, em 1954, foram seguidas por muitas
escolas e centros de treinamento de pessoal administrativo, que mais tarde se converteriam em Inap e
Enap.
Boa parte do treinamento administrativo e da consultaria dos anos 50 foi influenciada tanto por
um modelo raciona lista de eficiência, quanto por uma clara separação entre "política" e
"administração". Essa idéia, introduzida por Woodrow Wilson em seu ensaio de 1887 sobre
administração pública, acabaria sendo uma estratégia concreta de Willoughby, do Departamento de
Administração Geral norte-americano. Wahrlich (1974, 1984) tratou a influência do modelo
POSDCORB de Gullick como uma doutrina para descrever a função administrativa (planejar,
organizar, formar quadro de funcionários, dirigir, coordenar, relatar e orçar) e Salgado (1996) traçou
um paralelo com o tratado geral de administração de Fayol, de 1925.
Muitos dos instrumentos formais legais, decretos e de9Crições normativas de organizações
públicas da região ainda descrevem deveres e responsabilidades de cargos e funções naqueles termos.
Embora a influência dos Estados Unidos seja evidente, por sua presença geográfica, política e
técnica, é também importante reconhecer que a separação entre governo e administração, e os códigos
resultantes de práticas administrativas, se encaixou bem em uma outra característica da vida
administrativa da América Latina que raramente é lembrada: sua estrutura legal, que deve muito a
Napoleão e ao "Código Civil".
Os movimentos de independência não precisam necessariamente de modelos para existir, mas,
quando existem, são certamente influenciados por eles. No início do século XIX, havia dois exemplos
possíveis de peso para servir de fundamento potencial ao debate: os recém-independentes
~ 198 ~
Material para fins didático

EstadosUnidos da América e a França pós-revolucionária. Na América do Norte anglo-saxônica, o


desenvolvimento político ocorria muito mais no nível de condado e de estado, concentrado numa
pequena faixa da costa atlântica, com funções federais conscientemente muito restritas. Nunca houve
um forte "centro" colonial e não havia necessidade de se providenciar um; ideologicamente, seus
fundadores buscavam outra orientação. Sua Constituição é que seria amplamente copiada e não seu
sistema legal.
Os franceses haviam se livrado de um centro e criado outro, seguindo um modelo de Estado que
concentrava e subordinava os poderes dos governos regionais e locais. Esse modelo se refletia na
história da América La tina. Mais ainda, era enunciado em uma linguagem e num contexto legal que
compartilhavam a tradição romana de Espanha e Portugal. As "audiências"coloniais tinham assumido
responsabilidade também pela supervisão administrativa; a lei e a administração estavam vinculadas.
Para Napoleão, a criação de um sistema de administração e de Estado exigiu o estabelecimento
de regras e procedimentos para tal sistema. Parte dele derivava do modelo romano mais antigo, com
suas claras linhas de comando militar, mas a prática francesa da época não estava mais restrita à lei
básica "escrita"; as leis dos "costumes" (direito consuetudinário) também já estavam fortemente
estabelecidas, levando tradições e práticas diferentes de uma parte da França para a outra. Napoleão
modificou não apenas para clarificar parte, mas todo o ordenamento da lei, resolvendo os conflitos
entre o "escrito" e os "costumes" em todos os aspectos da vida francesa. O Código Civil propagou-se
pela força - pois Napoleão colocou mais e mais da Europa sob a hegemonia francesa - e pela
identificação, pois foram aceitas pelas ex-colônias na América Latina, cujas raízes estavam na mesma
tradição romana. Zweigert e Kotz fazem a seguinte observação:
"Os Estados recém-fundados na América Latina necessitavam de códigos civis nacionais e
unificadores; o único modelo disponível era o Código Civil francês. A lei espanhola estava fora de
questão, por ser a lei do poder colonial anterior; ademais, ela não estava nem codificada nem
uniformizada, mesmo na Espanha, onde sobreviviam leis de costumes locais. Em contraposição, o
Código Civil francês era produto da Grande Revolução, enraizado em um mundo de ideias a que os
latino-americanos haviam frequentemente recorrido para justificar suas próprias lutas de
independência. Em sua densidade e concisão, o Código Civil estava muito adiante de qualquer outro
modelo e, além disso, estava tão repleto de conceitos e ideias tradicionais, especialmente do direito
romano, que sua aceitação não representava um afastamento das instituições legais familiares aos
colonizadores espanhóis e portugueses. Os códigos civis dos Estados latino-americanos são,
consequentemente, bastante influenciados pelo Código Civil francês, ainda que em diferentes graus"
(1987:117).
As adaptações latino-americanas do "Código Civil" produziram uma situação na qual são o
direito público e o direito administrativo que determinam a orientação dada à maioria das ações
administrativas e que especificam o que pode ser feito, enquanto, em nações influenciadas pelo modelo
anglo-americano, boa parte da ação na área administrativa e de pessoal é considerada amparada pela
lei comum existente e muda de caso a caso, com base nos limites impostos pelo que não pode ser feito.
O reconhecimento de tais diferenças potenciais de postura diante da ordem e da forma pela qual ela é
especificada e controlada é essencial para se entender por que, por exemplo, grande parte da reforma
da administração pública latino-americana é efetuada segundo modelos administrativos ou códigos
funcionais detalhados, que precisam ser aprovados por lei ou consagrados em extensas Constituições.
Para as nações latino-americanas, o "Código Civil" não produz coisas por si mesmo e em si mesmo.
~ 199 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Produto das circunstâncias, ele faz parte das contínuas adaptações dos sistemas dentro do modelo de
Habermas (1984), dando ao mundo vivido uma racionalidade instrumental para o ordenamento dos
eventos. A adoção do Código Civil propiciou tanto uma ligação com o passado no presente como
manifestou uma vontade quanto ao futuro; mas, ao fazer isso, também tomou explícito o modo de
pensar acerca desse futuro e o modo de realizá-lo. Os analistas que mais tarde criticariam a reforma
latino-americana como "muito legalista" iriam se esquecer de que "legal" é qualidade e não
quantidade.

As décadas das grandes reformas


Eficiência, efetividade, boa gerência e pessoal qualificado foram as questões gerais básicas para
os institutos e escolas de administração pública que surgiram e para os primeiros seminários do pós-
guerra. Serviram de do "debate da reforma administrativa" nos anos 60. São várias as vertentes
presentes: a primeira aparição dos consultores em administração pública das Nações Unidas para
efetuar diagnósticos e fazer recomendações; a muito difundida influência e ênfase da Cepal no
planejamento do desenvolvimento nacional (Prebisch, 1964; Cepal, 1965; Iglesias, 1992), com a
consequente necessidade de um serviço público reorganizado para implementar planos; a também
difundida introdução do orçamento programa, em muitos casos através da Usaid (América Central,
Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela) (Flores & Nef,
1984). A própria Usaid é um símbolo desse período, tendo sido criada por Kennedy em 1961 a partir
do International Cooperation Administration and Development Loan Fund de Eisenhower, no âmbito
da Aliança para o Progresso, formalizada pela Carta de Punta dei Este (Lowenthal, 1991; Robertson,
1994).
Vários fatores contribuiriam, nos anos 70, para o estabelecimento de um conceito diferente de
reforma da administração pública. A preocupação com abordagens integradas de desenvolvimento não
foi somente um tema de debate para intelectuais e a esquerda democrática, mas também para a
tecnocracia de direita, particularmente aquela ligada aos movimentos de modernização das forças
armadas.
Abordagens integradas requerem articulação e coordenação, e logo o termo "sistema" seria
adotado em larga escala para se referir a mecanismos de planejamento, elaboração de orçamentos,
finanças, pessoal e suprimentos que precisavam abarcar várias agências diferentes, mas ligados a uma
unidade central. "Reforma administrativa" tornou-se a expressão de referência para mudanças globais
na estrutura e no pessoal destinadas a servir de apoio a planos de desenvolvimento nacional, que
procuravam controlar a administração pública dotando-a de coerência estrutural, especificidade
funcional e práticas de pessoal adequadas, com elaboração de orçamento geral e exigências de
planejamento. Em diversos casos, como Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Peru e Uruguai,
isso estava diretamente ligado a regimes militares e a suas concepções peculiares da teoria do
desenvolvimento. Mas essa abordagem também foi estimulada pela expressão "mudança planejada",
presente tanto nas agências de desenvolvimento quanto nas escolas de administração pública e de
empresas, sob a bandeira do "desenvolvimento organizacional".
As tentativas de reforma do México e da Venezuela são outros exemplos de países que não
trilhavam o caminho militar.
~ 200 ~
Material para fins didático

No princípio, os anos 80 caracterizaram-se pela crise financeira? e, em meados da década, pelo


novo modelo de reforma administrativa desenvolvido para lidar com a crise em escala nacional: o
ajuste estrutural. Os modelos de ajuste estrutural - que mais tarde tornar-se-iam abordagens de
governance (Dia, 1993) - tinham a ver com o ajustamento dos orçamentos do setor público aos níveis
de renda e de impostos, a retirada do controle que o Estado exercia sobre as empresas do setor público,
a abertura das economias e a redução do papel do Estado (Felix, 1992). Esses modelos eram
frequentemente acoplados a fundos de investimento social sem -independentes e algo contraditórios
(Siri, 1992; Glaessner, Lee, Sant'Ana & St. Antoine, 1994). O resultado, na virada dos anos 80 para os
90, frequente e especialmente nos países com ajustes estruturais em andamento, foi uma visão muito
restrita de reforma da administração pública, sob o título de "reforma do serviço público", com ênfase
na redução de quadros, em hierarquias eficientes e em melhores salários gerenciais. A Venezuela
continuou a ser uma exceção.
Foram adotados termos como "downsizing " , "reengenharía ", ou "rol/ing back the State",
extraídos do ambiente altamente competitivo e crescentemente neoliberal do mundo da administração
de empresas. Embora não constituíssem específica ou unicamente um produto da filosofia do Banco
Mundial, eles passaram a ser bastante associados ao Banco devido à sua estratégia de investimentos
financeiros para a resolução de débitos (Eguren, 1990). Essa visão de reforma exercia considerável
influência sobre uma abordagem mais nova, que vinha aparecendo gradualmente em seminários e em
com a Copre (Comissão Presidencial para a Reforma do Estado), pelo escritório técnico do CIad em
Caracas, mantido pelo Pnud, pelo retorno generalizado da democracia na região e pelo número
crescente de novas formas de cooperação econômica.

6 Ver Cepa!, 1985; Rosentha!, 1989.

Em consequência, passou-se do tópico "administração pública" como tal para "Estado" (Faletto,
1989; Kliksberg, 1992; Oszlak, 1992; Clad, 1992; e RAP, 1994). "Reforma do Estado" tornou-se um
amplo processo de reflexão sobre o Estado e a sociedade, processo que integrou e se expandiu tanto
para a reforma administrativa global como para as reformas mais específicas do funcionalismo
público. Incorporando as tentativas generalizadas de descentralização e a promulgação de legislação
municipal, induziu também a reflexões sobre a natureza da sociedade civil e novas formas de
organização social.
Assim, numa mudança significativa, o Banco Interamericano de Desenvolvimento adicionou, a
sua função mais tradicional de conceder empréstimos, um importante programa de assistência técnica
na área de modernização do Estado e fortalecimento da sociedade civil. Ao mesmo tempo, o Banco
Mundial desenvolveu estratégias específicas para melhorar o diálogo com as ONGs, passando a
reconhecer a ineficácia de políticas de linha dura para lidar com o desenvolvimento sustentável, a fome
e a pobreza?
Atualmente a "reforma do Estado" vem assumindo muitas formas, mas seu uso é generalizado.
Um de seus temas mais recentes tem sido o da importância de se passar da concepção burocrática de
administração pública para o que vem sendo denominado" administração pública gerenciaI" (Bresser
Pereira, 1996). Esse processo, segundo os autores e profissionais envolvidos, vem se formando
~ 201 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

gradualmente ao longo dos anos. Um alerta pioneiro a esse respeito apareceu, algo profeticamente, no
discurso de abertura do Seminário das Nações Unidas realizado em Brighton, em 1971, quandolorde
Fulton, chefe da comissão britânica de reforma, referiu-se ao fato de que os servidores públicos
estavam se envolvendo cada vez mais na gestão das coisas (United Nations, 1971). Em função disso,
as qualidades gerenciais estavam sendo solicitadas para "suplementar - e, algumas vezes, substituir -
aquelas associadas a tarefas e métodos mais antiquados". A administração pública gerencial procura
dar uma perspectiva diferente à análise da reforma do Estado e, em particular, está por trás dos atuais
esforços de reforma no Brasil.

7 Ver Serrage!din, Cohen & Leitmann, 1994; Binswanger & Landell-Mills, 1995.

Embora a redução da intervenção estatal na economia, as tentativas gerais de descentralização do


governo central e a crescente responsabilidade municipal na provisão de serviços tenham sido,
frequentemente , muito mais consequências da falta de recursos do que uma vontade política
consciente, a coesão cada vez maior em torno da "reforma do Estado" indica que, nesse nível mais
amplo, uma nova teoria de ação vem sendo gerada.
Mas quão nova ela é e qual será o seu destino?
Gestão financeira, organização e métodos, elaboração de orçamentos, administração de pessoal,
capacidade gerencial, treinamento de pessoal, desenho organizacional, desenvolvimento de
mecanismos e agências reguladoras, tudo isso são os tijolos básicos em torno dos quais a reforma vem
ocorrendo. À medida que cada narrativa substitui a anterior, a estrutura geral cresce e se expande - de
procedimentos a departamentos, a organizações, ao Estado e, mais recentemente, das ONGs à
sociedade civil -, mas esse processo tem sido sobretudo cumulativo. Ao longo do caminho, pequenas
seções dos departamentos de orçamento converteram-se em gabinetes de estudos de O&M; escolas de
treinamento cresceram e se integraram à administração de pessoal nos departamentos nacionais do
serviço público; centros nacionais de reforma foram criados juntamente com suas respectivas
comissões, e essas várias áreas se deslocaram do setor de Finanças para o de Planejamento e para o
Gabinete Presidencial e, em muitos casos, acabaram se transformando em ministérios. Da melhoria dos
procedimentos, a discussão cresceu e passou à reforma do Estado, do prático e do concreto para o
simbólico (Spink, 1992).
Ao mesmo tempo, nos modelos mais recentes não há qualquer tentativa de sugerir que os
orçamentos não devam ser controlados, que os estudos de eficiência e de métodos não sejam de
importância vital para a provisão de serviços, que não haja necessidade de procedimentos da
administração de pessoal para se recrutar, selecionar, promover e remunerar pessoal, que o treinamento
não seja relevante ou que as organizações não devam ser examinadas e redesenhadas e que não sejam
necessários mecanismos para coordenar e processar informações. Pelo contrário, todos esses elementos
e muitos outros que foram sendo conquistados ao longo do caminho podem ser encontrados nos planos
de ação da maioria das abordagens recentes.
É como se o insucesso tivesse levado não a uma reflexão sobre o motivo de a mudança não ter
sido eficaz, e sim ao argumento de que algo mais precisava ter sido incluído, que era necessário um
debate maior, com maiores Poderes e amplitude.
~ 202 ~
Material para fins didático

É isso que leva ao que se pode chamar de visão técnico-voluntarista da reforma, na qual se supõe
a clara e correta abordagem da administração (que é separada do governo e da política), que será
efetiva se os líderes demonstrarem vontade e os funcionários públicos disposição de endossar e pôr a
abordagem prescrita em prática. Fazem-se ajustes à abordagem técnica para aumentar sua capacidade e
alcance e recomendam-se agências novas e mais centrais para garantir a importância da reforma e
encorajar a disposição de efetuá-la.

Uma visão alternativa de reforma administrativa


Se focalizarmos a atenção nas nações isoladamente, situadas não horizontalmente em relação
umas às outras, mas verticalmente, no contexto de sua própria história, surge uma imagem diferente de
reforma. Embora a "reforma do Estado" seja a versão que circula no âmbito da comunidade da
reforma, na prática, é apenas uma das várias narrativas possíveis que podem competir por espaço e
recursos.

consideram a "reforma" como ações visíveis, coordenadas e planejadas, que podem ser descritas
como tendo um propósito geral. Por isso, dispensam pouca atenção, se não ignoram, aos processos
cotidianos das ações e melhorias administrativas, a fazer as coisas um pouco melhor, a tentar uma
abordagem diferente. Assim, por exemplo, os representantes dos países da América Central, que se
reuniram na Costa Rica, em 1970 (Icap, 1971), para discutir o tema reforma e ouvir os relatórios de
Brasil, Peru e Venezuela, estavam todos de acordo sobre o quão pouco aquela região havia realizado
no tocante à reforma. Apesar de vários dos presentes pertencerem a países que já haviam tido
experiências com diversas ações menores e mais localizadas.
Um deles, a Costa Rica, só empreenderia de fato uma reforma administrativa específica no final
dos anos 80, quando se juntou ao movimento "reforma do Estado" e, mesmo assim, de forma parcial.
No entanto, nos 40 ou mais anos de vigência da Constituição de 1949, este país desenvolveu seu setor
público, criou novas áreas de serviços e realizou uma infinidade de pequenas melhorias locais na área
de eficiência, organização e treinamento administrativos.
Isso nunca assumiria uma forma explícita; fazia parte de uma ênfase então adotada por
profissionais e ministros de partidos distintos e concorrentes, de forma não-coordenada.
A mesma descrição se aplica ao Chile, que também até 1973 nunca havia executado uma
reforma administrativa. Pelo contrário, muitas ações 10- cais ocorreram, num ministério após o outro,
de modo relativamente autônomo, com regras e métodos muito idiossincráticos para distribuir
ministérios e cargos entre os partidos. O processo foi de melhoria gradual, com conflitos, avanços e
retrocessos ao longo de vários anos. A Argentina também apresenta uma história similar, de ações de
desenvolvimento locais, depois do primeiro Conselho Nacional para Racionalização, em 1933. Em
todos os casos, esse processo de adaptação apresentou resultados significativos. Em contraposição, em
outros países, onde houve tentativas mais abrangentes de produzir reformas globais e planejadas de
larga escala, deu-se o oposto, pelo menos durante períodos políticos de normalidade.
Examinando o histórico de reforma de cada país, juntamente com seus principais fatos políticos,
pode-se afirmar, com alguma certeza, que as grandes reformas, como tentativas sistemáticas e
coordenadas de mudar ampla e profundamente a administração pública, nunca foram implantadas com
~ 203 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

sucesso durante períodos pluralistas e democráticos. Elas podem ter sido e foram tentadas, mas seus
resultados não atingiram sequer uma fração do esperado. Quando se tentaram grandes reformas em
períodos de exceção, de regime militar, de suspensão de garantias civis e de forte presidencialismo
(como na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Peru e nos 80), os resultados, pelo menos na
superfície, foram diferentes. Leis, sistemas e agências foram rapidamente rearranjados.
No Brasil, as comissões de reforma começaram a existir no primeiro período de exceção de
Vargas, mas entraram num beco sem saída durante o período constitucional, ainda que todo o grupo da
reforma tivesse se mantido ativo com o apoio institucional e internacional. Em 1967, três anos após o
golpe militar, a reforma finalmente surgiria como o Decreto-lei nº 200. Na Argentina, a Copra é que se
encarregaria de criar sistemas nacionais de administração em meados da década de 70, enquanto, no
Chile, a Conara se anunciaria, após iniciar a reforma poucos meses depois do golpe, com um grosso
volume publicado em 1976, medindo 22cm x 35cm x zcm, com fotos da Bandeira Nacional, a estátua
de O'Higgins e o Alto Comando chileno.
O Uruguai e a Bolívia fizeram tentativas infrutíferas de vincular a reforma administrativa ao
planejamento nacional nos turbulentos anos 60, antes do anúncio das primeiras reformas nos anos 70.
Os militares do Peru reivindicaram uma ligação direta com o modelo desenvolvimentista da Cepal e
procuraram se manter distantes dos outros regimes, mas também, mais uma vez, a situação era de
exceção.
A Venezuela, por outro lado, tem sido um importante centro de discussão da reforma
administrativa desde os eventos de 1958, mas, a despeito do grande número de comissões e agências
(CAP, Cordiplan, Copre, Prie) e de alguns dos mais importantes trabalhos teóricos sobre a natureza da
reforma, suas tentativas globais estiveram longe de ser bem-sucedidas. Tudo o que foi empreendido,
mais uma vez, foi incremental. A Colômbia nunca desenvolveu uma "escola de reforma"; manteve
contato com uma variedade de agências e missões diferentes, criou diversas comissões e agências,
mas, novamente, os resultados surgidos entre 1950 e 1980 foram fruto de ações esporádicas,
consequências dos diferentes interesses dos governos que se alternavam e da atenção, no nível micro,
de ministérios específicos.
A presença de governos militares ou de ditaduras em si não gera uma reforma. Quando há uma
combinação de "escola reformista" e postura militar desenvolvimentista, então ocorrem ações globais;
sem isso, o tópico da
reforma da administração pública parece desaparecer. Tais circunstâncias tomaram a reforma
praticamente irrelevante no Paraguai de Stroessner e na Nicarágua de Somoza. De fato, as poucas
tentativas feitas de aceitar consultores estrangeiros e mostrar interesse pela reforma nestes dois países
provavelmente tinham mais a ver com precondições para uma ajuda financeira. mas as turbulências, de
novo, afetam as possibilidades de mudança. Há ações isoladas nos anos 60 e no princípio dos 70, mas
pouco acontece, enquanto guerras e o crescimento de regimes internos fortes ligados a grupos elitistas
criam situações extremas.
Se "a reforma", entendida como uma intervenção sistêmica de caráter amplo e global, teve um
passado bastante questionável, colocar atividades voltadas para o nível micro e médio de mudanças e
melhorias da administração pública como objeto de estudo - e não "reforma" e "modernização"
enquanto tais - traz à baila um conjunto muito diferente de exemplos para discussão.
A esse respeito, já havíamos citado a Costa Rica e o Chile (antes de 1973), assim como a
Colômbia. No México, apesar das várias comissões e agências, a maioria dos resultados também foi
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Material para fins didático

parcial e incremental. O México teve até a vantagem de, no final dos anos 70, seu então presidente,
Lopez Portillo, já ter presidido a comissão de reforma administrativa. No Brasil, mesmo ocorrendo no
crepúsculo do período militar, o programa de desburocratização conseguiu produzir alguns efeitos
importantes através das múltiplas mudanças incrementais que promoveu nos procedimentos
administrativos, algumas das quais sobreviveriam por um período considerável. Na Venezuela, mesmo
com dificuldades, a Copre serviu como modelo para uma abordagem que estimulou uma ampla
discussão sobre a função e a natureza do Estado e do governo, de uma forma que poderia interessar
presidentes e ministros. Há ainda as experiências da Guatemala, com o retorno aos governos civis nos
anos 80, quando se tentou integrar diferentes setores e grupos através de uma série de conselhos de
desenvolvimento. Pouca atenção tem sido dada à experiência nicaraguense dos anos 80, sob o governo
sandinista.
f Mais recentemente, na Bolívia, a legislação do governo local, por exemplo, com a
descentralização de 1994 e as leis de participação popular, está oferecendo uma ampla variedade de
caminhos potenciais para a exploração das relações práticas entre governo, autoridades locais,
sociedade civil, Estado e cidadão.
Essa variedade de experiências e conclusões parciais, circunscritas por potencialidades históricas
e políticas, contrasta visivelmente com a emergente e aparentemente hegemônica narrativa da "reforma
do Estado".
Ao examinarmos as histórias vertical e horizontal, aquelas que vêm dos próprios países e as que
são articuladas nos múltiplos fóruns sobre reforma que ocorreram nos últimos 40 anos, fica evidente
que, ano a ano, período a período, tem havido um gradual afunilamento do tema da reforma e das
narrativas que envolvem ações da administração pública - desde as muito heterogêneas dos anos 30 e
40 até a notável homogeneização dos anos 90. Mesmo no começo dos anos 60, os países ainda
diferiam consideravelmente com relação às estratégias de desenvolvimento da administração pública,
não se mostrando, através de seus atores institucionais, particularmente preocupados com as diferenças
existentes entre o que eles e os outros estavam fazendo. Na verdade, por vezes isso foi visto como um
grande mérito (por exemplo, no Equador, nos anos 70). Nos anos 90, há muito mais conformidade e
todos os representantes institucionais parecem interessados em informar sua adesão à "reforma do
Estado". Do mesmo modo, a ampla variedade de termos usados ao longo dos anos para descrever tanto
as ações quanto as agências foi sendo gradualmente reduzida; nos pronunciamentos feitos hoje é cada
vez mais freqüente um quadro comum de conceitos.
Sem dúvida, a Carta de Punta deI Este de 1961, com seu grande apoio ao desenvolvimento da
administração, e a ênfase da Cepal nos planos nacionais de desenvolvimento, que sempre incluíram um
tópico sobre administração, desempenharam importante papel nesse processo, assim como a
disponibilidade de fundos. Mas, o processo já começara antes desses eventos e continuaria pelos anos
90, quando o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento iriam involuntariamente
assumir a função de subscrever a narrativa oficial da reforma.

8 Para um ponto de vista muito interessante, ver Graham, in Conroy, 1987.


~ 205 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

A construção de narrativas: a história como passado e o futuro como


novo
o tema "ordem e progresso", muito discutido em relação aos países latino-americanos, tem
implicação marcante na forma de encarar a modernidade (Faoro, 1994). A modernização, como o
grande "salto adiante" para um futuro precisamente definido por meio do uso rigoroso de técnicas
corretas, difere muito do processo conflituoso, contraditório e historicamente enraizado de grupos
sociais, comunidades e sociedades operacionalizando suas ordens morais. A primeira tem estado
visivelmente presente na forma em que as narrativas da reforma oficial têm surgido, reforçando uma
visão cada vez mais ampla de reforma administrativa, de "virar a página da história", e ignorando as
potenciais conclusões que as experiências incrementais poderiam trazer.
Esse processo se manifesta de várias maneiras, sendo apenas uma delas a menção seletiva do que
está ocorrendo e em que circunstâncias. Outro exemplo são os nomes dados a conferências e
seminários importantes.
Como já foi mencionado, as organizações das Nações Unidas realizaram importantes seminários
inter-regionais sobre reforma administrativa em 1971 (Brighton, Inglaterra), em 1981 (Bangcoc,
Tailândia), e em 1985 (Beijing, China), além de workshops específicos em níveis locais. Mais
recentemente, surgiu o tema da descentralização, por exemplo em um seminário realizado em Santa
Cruz de Ia Sierra, na Bolívia, em 1993, e também em relação à governança metropolitana (Rio de
Janeiro, Brasil, 1991, e Tóquio, Japão, 1993). O Banco Mundial, o BID e a Cepal também entraram em
ação com seminários específicos e conferências de especialistas em aspectos da reforma da
administração pública. Contudo, raramente - ou nunca – se atribuiu a esses vários eventos uma
sequência, sendo relatados simplesmente como encontros, seminários e conferências a serem
realizados em certas ocasiões e lugares.
Isso contrasta nitidamente com outra sequência de congressos, seminários e encontros,
organizados pelas agências representativas e os próprios atores institucionais das nações latino-
americanas, frequentemente com apoio externo. Temos, assim, o I Encontro Interamericano de
Administração para o Desenvolvimento, que ocorreu no Rio de Janeiro, em novembro de 1964,
patrocinado pela Escola Interamericana de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O evento foi realizado dentro do espírito do Acordo de Punta del Este, para estudar os problemas que
afetavam a administração pública nos países do continente americano. Entre os motivos alegados para
o evento, estavam: "a necessidade de adaptar as técnicas e os processos da administração pública às
peculiaridades da problemática latino-americana". (Entre os participantes, figuravam Argentina,
Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Inglaterra, México, Paraguai,
Peru, Porto Rico, Uruguai, Venezuela, o BID, a OEA e a Unesco.)
Em julho de 1970, o Primero Seminário Regional de Reforma Administrativa teve lugar no Icap,
Costa Rica, com a presença de representantes da Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua,
Panamá e conferencistas convidados do Brasil, Peru e Venezuela. Em dezembro de 1973, o Primeiro
Seminário Interamericano de Reforma Administrativa foi realizado no Rio de Janeiro, na FGV; com
uma continuação, ainda como Primeiro Seminário, em Oaxtepec, México, no ano seguinte. Muitos
países compareceram e diversos casos foram apresentados.
Em 1974, Bogotá, Colômbia, e a Esap sediaram o I Seminário Latino-americano de
Administración Pública. Estiveram presentes mais de 80 representantes da Colômbia, Equador,
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Material para fins didático

Uruguai, México, Bolívia, Porto Rico, Peru, Brasil, Chile, Argentina, Costa Rica e Venezuela. Um dos
resultados foi o assim chamado "Compromisso de Bogotá", que continha, entre suas 16 considerações
e 13 recomendações, a necessidade de: "combater a dependência ideológica e tecnológica produzida
pela adoção de modelos que não atendem à situação e aos interesses da América Latina, pelo que é
necessário definir uma doutrina particular e normas específicas que possam ser aplicadas aos nossos
países". Além disso, um apoio adicional foi dado pela Alap (Associação Latino-Americana de
Administração Pública), para a criação efetiva do Clad.
O Clad havia sido formalmente criado em 1972, por iniciativa do México, da Venezuela e do
Peru, e seu Conselho era constituído de representantes dos governos dos países-membros. Chile,
Bolívia, República Dominicana, Equador e Jamaica associaram-se logo depois, seguidos por
Argentina, Barbados e Guiana, com Brasil, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Paraguai, Trinidad e
Tobago e Uruguai como observadores em 1976, quando o Conselho se reuniu para o seu quarto
encontro, sob a presidência do Chile (I 975/76), em Santiago. Embora o Conselho se reunisse
regularmente, o primeiro evento mais aberto só ocorreu no México, em 1979 - o Primero Colóquio del
Clad sobre Experiências Nacionales en Reforma Administrativa.
Assim, entre 1964 e 1979, no auge da onda de reforma da administração pública em toda a
América Latina, temos nada menos que cinco eventos extremamente importantes considerados
"primeiros" eventos na área. Cinco vezes em que, por motivos simbólicos, senão políticos, todos
começam tudo de novo. Por fim, em 1996, o Clad criou uma nova categoria, sobre Reforma do Estado
e da Administração Pública, no Rio de Janeiro.
Mas, desta vez, o encantamento foi finalmente quebrado e uma segunda reunião será realizada na
Venezuela, ainda em 1997.
Os congressos e seminários desempenham importante papel no que diz respeito à ratificação das
narrativas emergentes, mas seus elementos são construídos a partir das teorias existentes sobre reforma
e a partir das análises de fracassos e sucessos. Quase todos os documentos consultados neste estudo
contêm algum tipo de diagnóstico ou descrição de problemas que as administrações públicas estavam
enfrentando em seus respectivos países ou em várias regiões ou sub-regiões. Contudo, mais uma vez,
todas essas descrições são usadas como uma forma de dizer: "veja o quão está errado". A resposta é
quase sempre fornecida em termos de "o que é bom ou certo".
Assim, o "porquê" do fracasso e o que isso pode significar, em termos de relação entre
administração pública, Executivo, Legislativo, governo, sociedade e cidadãos, raramente são
examinados pelos atores sociais e institucionais e pelos acadêmicos e profissionais que atuam no
campo da reforma.
Não é comum encontrar comentários como o de Reid, referindo-se à complexidade e ao
personalismo da estrutura de remuneração do funcionalismo no Uruguai, que combina múltiplos
suplementos de salário para criar diferentes níveis de gratificação:
"...os funcionários públicos contratados dessa forma não cumprem necessariamente suas tarefas
de modo menos eficiente do que aqueles contratados através de uma estrutura de remuneração do
serviço público mais simples e menos tortuosa ..." (Chaudhry, Reid & Malik, 1993:62).
Examinando as teorias e explicações sobre a reforma que têm surgido do debate acerca do
assunto e que tiveram parte ativa nesse debate, é a dimensão técnico-voluntarista do "como fazer
certo" que tem preponderado sobre qualquer discussão de adequação política. As teorias políticas de
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

reforma, ainda que presentes na literatura de ciências políticas, raramente aparecem nos fóruns de
reforma. Neles, são outros conjuntos de teorias que servem de base ao debate. De modo geral, estes
podem ser agrupados de acordo com quatro temas recorrentes: "quantidade", "competência",
"estratégia" e "poder".
As teorias da quantidade podem ser resumidas no sufixo "íssimo": muitíssimo, pouquíssimo ou
tardíssimo. Nesse caso, a ênfase está em notar erros de escala, de tempo e de apoio que afetam as
dimensões da reforma. Ela, em si, não é questionada, sendo portanto tida como válida. Um modo
semelhante de entender as coisas se aplica ao segundo conjunto de pontos de vista. As teorias da
competência costumam ser de dois tipos: o benevolente ou o extremamente estereotipado. No
primeiro, presente na administração incrementados para que a reforma seja mais eficiente. Ainda hoje,
em quase todas as nações da região, as escolas nacionais de administração pública são influenciadas
pelos modelos inglês, francês ou norte-americano de treinamento de pessoal. A versão negativa ou
estereotipada da eficiência compreende os argumentos e autores para os quais o determinismo cultural,
ou a falta de iniciativa generalizada dos latino-americanos, torna impossível a eficiência e as mudanças
administrativas; uma visão resumida na expressão: "o que você esperava?"

As teorias da estratégia formam o núcleo das narrativas de reforma.


Técnicas em sua abordagem, elas se utilizam de elementos de desenvolvimento organizacional,
desenho organizacional, administração de pessoal, organização e métodos, teoria dos sistemas e
gerenciamento de planejamento e de finanças. A história das teorias da estratégia tem sido, em grande
parte, uma espiral sempre crescente, na qual cada vez mais são acrescentados novos itens à "caixa de
ferramentas" técnica; raramente se rejeitam itens e raramente um item antigo volta a ser prioritário
quando novos itens são adicionados.
Dessa forma, a legislação de pessoal e a criação de planos de carreira e de mérito ainda fazem
parte de uma estratégia de reforma do Estado mais ampla, mesmo que não haja qualquer evidência de
implantação bem-sucedida de tais sistemas em escala global. Houve momentos em que foram
prioritárias, O mais recente deles combinadas a estratégias de ajuste estrutural, sob o título de "reforma
do serviço público", dado pelo Banco Mundial, mas nunca vão desaparecer de cena.
As teorias do poder derivam em parte de elementos das duas teorias anteriores e têm estado
presentes, tanto diretamente quanto nas entrelinhas de muitos relatórios de consultoria, especialmente
quando se debate a importância do apoio governamental. São a parcela "voluntarista" da visão técnico-
voluntarista. Sua preocupação quase exclusiva é a importância de prover de sanção positiva e
prioridade uma área técnica que, apesar de essencial, não é vista como politicamente atrativa.
Geralmente democráticas, podem por vezes, como no caso do desenvolvimentismo militar, fornecer
apoio ao autoritarismo em relação à reforma. Mesmo Kemmerer e sua equipe admitiriam que um
governo forte e um pouco de exceção não fazem mal à causa da reforma. Siedel (1994) cita um
memorando de uma missão no Equador, afirmando, em 1927, que: "não seria sensato restabelecer a
constitucionalidade antes que o governo provisório possa reorganizar totalmente seus vários
departamentos". Existem muitas outras versões mais suaves das teorias do poder, mas, certamente, têm
em comum a ideia de que um governo forte ou comprometido é uma exigência necessária para
"conduzir" nicas porque seu principal argumento é que a teoria técnica está correta e a "política" pode
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Material para fins didático

constituir um estorvo. Só são políticas pelo fato de reconhecerem a presença de fatores políticos; no
fundo, são técnicas porque exigem que esses fatores sejam mantidos à distância.
Com tal variedade de teorias disponíveis, não é de surpreender que o campo da reforma tenha
uma aparência superficial de debate e discussão.
No entanto, todos os grupos mencionados têm em comum o apoio direto ou indireto à reforma
como narrativa técnica. As teorias políticas são claramente uma minoria no campo da reforma.
Baseadas numa visão processual da ação econômica e social, elas enfatizam a natureza das
contradições presentes e argumentam, de várias maneiras, que apenas através delas e por causa delas é
que irá ocorrer uma mudança significativa, e que o mais provável é que tenham seu próprio gradual e
conflituoso caminho e momento. Um grupo com essa visão surgiu no Brasil, no princípio da década de
60, na mesma instituição e em contra posição aos técnicos dominantes na Fundação Getúlio Vargas
(Guerreiro Ramos, 1970; Mello e Souza, 1994) e há outros, como O'Donnell (1978) e Oszlak (1981).
Graham (no prelo) foi um dos poucos analistas a manter contato constante com o tema da
administração pública, outros optaram por dimensões especificas."
A discussão recente sobre "administração pública gerencial" apresenta visivelmente duas
tendências, das quais a mais política - desenvolvida, por exemplo, pelo ministro da Administração
Pública e Reforma do Estado do Brasil, Bresser Pereira (1996) - é claramente a minoria em relação à
vasta maioria que vê, nas recentes reformas efetuadas na Inglaterra e na Nova Zelândia, o benefício
evidente da transferência das boas práticas empresariais para o setor público, transformando este
último em um conjunto de relações de mercado.

Coalizões advocatórias truncadas


A tendência de construir modelos dominantes de reforma baseados no pressuposto técnico-
voluntarista, numa espiral de complexidade sempre crescente, sem dar espaço para uma análise crítica
das abordagens anteriores de reforma - ou da "reforma" em si - deve lançar dúvidas sobre a atual safra
de ideias de reforma, independentemente de seu mérito individual e autônomo. Até que ponto os
debates sobre reforma e as circunstâncias pelas quais as narrativas são criadas, numa matriz
interorganizacional em expansão de ações e campos, geraram um processo de autocensura que,
involuntariamente, tem limitado o alcance da discussão?

9 Por exemplo, Geddes, 1991; Mainwaring, O'Donnell & Valenzuela, 1992; Przeworski, 1989;
Schneider, 1993; Spink, 1987.

Assim, as regras implícitas da diplomacia que regem as agências bilaterais e multilaterais,


aliadas à cortesia e à falta de conhecimento, dificultam ou inviabilizam que equipes técnicas e de
consultoria façam comentários específicos sobre questões de política interna e suas relações com
contradições sociais e econômicas. É raro, por exemplo, encontrar documentos de avaliação ou de
projeto que considerem explicitamente efeitos de mudança política através do processo eleitoral e a
forma pela qual este ou aquele partido pode ser mais ou menos favorável à reforma. Frequentemente, a
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

história das reformas é relatada de forma totalmente atemporal, com datas e ocorrências desvinculadas
dos acontecimentos sociais e políticos da época. Os seminários e encontros de cunho oficial também
têm de chegar a conclusões aceitáveis por todos, expressas em termos tecnicamente satisfatórios.
Da mesma forma, e certamente desde as missões Kemmerer, os governos latino-americanos e
suas agências têm ficado atentos às áreas para as quais se dispõe de ajuda programática, e seu pessoal
técnico tem produzido sem cessar documentos de política e de projetos que atendem a suas
necessidades desenvolvimentistas. Os vários eventos e técnicas de reforma administrativa trazidos para
a região pela Aliança para o Progresso servem e bastam como exemplo.
A melhoria administrativa, como tantos outros tópicos de desenvolvimento, significa projetos,
requer pessoal qualificado e oferece oportunidades de carreira, tanto dentro quanto fora de agências e
fronteiras nacionais.
É um tema que interessa às pessoas, gerando discussão e debate. Governos e presidentes criam e
oferecem postos ministeriais a seus aliados nessa área e existem várias organizações nos níveis
regional, sub-regional e internacional das quais é possível fazer parte e através das quais pode-se fazer
contato com colegas de outros países. À medida que a espiral aumentou, também aumentou o número
de atores e instituições envolvidos e seu compromisso com a manutenção da "reforma" como narrativa
socialmente construída. Há muito por fazer, há muitos problemas e, com definições amplas, há espaço
para tudo.
Sabatier e .Ienkins-Smith (I993) apresentaram a abordagem da coalizão advocatória para a
formulação de política pública em um campo específico.
Embora se atenham sobretudo ao campo das políticas internas, mostraram como tais coalizões
tendem a se formar durante períodos de tempo mais longos do que aqueles de governos específicos e
envolvem um grande e diversificado conjunto de atores, que passam a compartilhar do mesmo modo
de pensar acerca de prioridades e de como concretizá-las, o que pode ser chamado de "construção da
sabedoria convencional". Segundo eles, as coalizões advocatórias revelam um raro grau de atividade
coordenada ao longo do tempo e procuram traduzir suas crenças em políticas ou programas públicos
(em metas, diretrizes e no fortalecimento das agências administrativas). Na medida em que diferentes
coalizões advocatórias competem por espaço e atenção, a intermediação propicia um mínimo de
reflexividade na qual as contradições entre narrativas podem se tornar parcialmente acessíveis.
O que acontece quando existem restrições sutis, embora auto impostas, quanto à amplitude das
questões permitidas, quando a disponibilidade de recursos significativos é vista como relacionada a um
ponto de vista particular ou quando os agentes potenciais são, eles próprios, atraídos para a coalizão
dominante? Esse não é o foco do trabalho de Sabatier e Jenkins-Smith, mas parece cabível argumentar
que o resultado provavelmente deve ser um processo restritivo, que gera uma coalizão advocatória
truncada, sem reflexividade. No caso em estudo, tem sido visto como a natureza heterogênea das
diferentes abordagens de reforma acabou gradualmente se afunilando para formar um quadro
relativamente homogêneo de reforma.
Tal processo de afunilamento levou o futuro a substituir o passado enquanto objeto de análise;
levou também ao esquecimento das circunstâncias de implantação de reformas sistêmicas e a uma
situação em que a disponibilidade de recursos e a neutralidade técnica podem antecipadamente
esvaziar certas áreas de debate. Toda coalizão advocatória é, por natureza, produto e produtora de suas
circunstâncias e existe no epistéme de seu tempo; mas a preocupação aqui não é com a natureza geral
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Material para fins didático

das narrativas coletivas, mas com as circunstâncias específicas que deram origem a versões
específicas.
Os processos organizacionais e interorganizacionais, sobretudo do tipo institucional, contêm
referências a padrões mais amplos de ação social. Assim, se as narrativas, como sistemas de símbolos,
contêm estruturas de significação que podem ser mobilizadas para legitimar os interesses setoriais de
grupos hegemônicos (Giddens, 1979), então talvez exista um conjunto diferente de explicações de que
se possa lançar mão caso se reconheça a natureza trunca da coalizão atual.
Tomando como exemplo o muito discutido sistema de méritos, qual seria a abordagem
alternativa, numa perspectiva incremental e historicamente específica? Caso se aceite a hipótese de que
as posições de influência e comando nos serviços públicos são do interesse de grupos da elite, segue-se
que, entre outros fatores, os mecanismos para preenchimento de tais postos refletirão as opções
socialmente legitimadas que estão à disposição dos grupos de elite para que ganhem acesso aos postos
em dado momento no tempo.
Bourdieu e Passeron (1977) mostraram como os padrões de aquisição e de reprodução do capital
social e econômico criam mecanismos de acesso e controle. A meritocracia, longe de ser considerada
uma definição técnica de igualdade de oportunidades, que os procedimentos do serviço público ou têm
ou almejam criar, pode, numa perspectiva alternativa, requerer uma análise do significado social
atribuído ao próprio mérito, incluindo os mecanismos que garantem esse "mérito".
Entender a administração pública como inserida nas experiências práticas do cotidiano, como
parte integrante - e não como algo independente - das contradições do desenvolvimento, pode fornecer
um ponto de partida alternativo para a questão da reforma e para o tema da "reforma" em si.
Certamente, o passado ainda tem muito a ensinar ao futuro a esse respeito.

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I: Report of the Seminar. United Nations, STffAO/M/62.)


UN-UNOTCO. Enhancing capabilities for administra tive reform in developing countries. New
York, United Nations, 1983.
UNOP. Oecentralización en América Latina y su financiamento. Seminario Clad, Santa Cruz de
Ia Sierra, Bolivia, 1993.
Wahrlich, B. M. Reforma administrativa na América Latina: semelhanças e diferenças entre
cinco experiências nacionais. Revista de Administração Pública, 8(4):5-47, out./dez. 1974.
--o Evolución de Ias Ciencias Administrativas en América Latina. In: Flores,
G. & Nef, J. (eds.). Administração pública: perspectivas críticas. San José, Costa Rica, Icap,
1984.
Zweigert, K. & Kotz, H. An introduction to comparative law. Oxford, Clarendon Press, 1987.
~ 215 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

OS AVANÇOS E OS DILEMAS DO MODELO PÓS-BUROCRÁTICO: A REFORMA DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA À LUZ DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL RECENTE *.
Fernando Luiz Abrucio **

Introdução
"(...) o setor público não está numa situação em que as velhas verdades possam ser reafirmadas.
É uma situação que requer o desenvolvimento de novos princípios. A administração pública deve
enfrentar o desafio da inovação mais do que confiar na imitação. A melhoria da gerência pública não é
só uma questão de se estar em dia com o que está ocorrendo na iniciativa privada: significa também
abrir novos caminhos."
Les Metcalfe & Sue Richards Em âmbito mundial, a administração pública encontra-se hoje num
contexto que os historiadores chamam de "revolucionário". Novos conceitos surgem para combater os
antigos - administração por objetivos, downsizing, serviços públicos voltados para o consumidor,
empowerment, pagamento por

* Este estudo baseia-se em trabalho realizado para a Escola Nacional de Administração Pública
(Enap), cujo resultado final foi publicado sob o título "O impacto do modelo gerencial na
administração pública: um breve estudo sobre a experiência internacional recente" (1996, mimeog.).
Agradeço ao apoio da diretora de Pesquisa da Enap, Vera Petrucci, e ao ministro da Administração
Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, pelas críticas e sugestões feitas à versão
preliminar do texto.
** Cientista político, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e da Pontifícia Universidade
Católica (PUC-SP) e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec).

desempenho, qualidade total, diversas formas de descemralização; todas essas


propostas, e mais algumas outras, fazem parte de um conjunto de medidas euja
finalidade é modificar, no nível mais abrangente possível, os parâmetros da
organização burocrática. Alguns autores acreditam que esteja surgindo um novo
paradigma administrativo global (por exemplo, Osborne & Gaebler, 1994 e
Kettl, 1996), ocorrendo assim uma verdadeira revolução nos alicerces da burocracia
moderna.
Como em todo "contexto revolucionário", realmente estão sendo implementadas
importantes inovações - da mesma forma que a cidadania foi
em grande medida obra da Revolução Francesa; mas, ofuscando o olhar dos
autores, também há a obsessão pela mudança e a crença de se ter encontrado
~ 216 ~
Material para fins didático

todas as respostas para os problemas. Alguns obstáculos, assim como


antigas conquistas do modelo burocrático, têm sido negligenciados. Acontece
também o que Max Weber chama de "paradoxo das consequências", isto
é, busca-se atingir determinada meta, e obtém-se resultados inesperados.
Acima de tudo, a ênfase nos meios, pensados como instrumentos técnicos neutros, é a regra, ao
passo que não se discute a fundo o que deve ser a administração pública; em suma, qual o seu sentido
político.
O objetivo deste estudo é analisar os avanços efetuados e os dilemas encontrados pelas reformas
administrativas realizadas a partir da década de 80.
Não se trata de fazer uma descrição profunda do ocorrido nos diversos países; trata-se, sim, de
um balanço acerca das principais características desse processo, focalizando o caso britânico, uma vez
que este é tomado como modelo pela literatura. A partir dessa análise, percebe-se que uma série de
medidas vêm sendo tomadas em prol da constituição de um modelo pós-burocrático, mas este não é
completamente coerente e, ademais, não há uma via única adotada por todas as nações. Em linhas
gerais, temos um diagnóstico e um inimigo comum (o modelo burocrático weberiano), novamente
como em todo "contexto revolucionário". As alternativas propostas, no entanto, diferem entre si. Por
enquanto, caminha-se não para um paradigma global, mas para um pluralismo organizacional (Hood,
1996:163).
O texto procura ainda mapear a evolução das propostas de mudança do antigo modelo
administrativo. Em primeiro lugar, analisando as origens da crise da burocracia weberiana. Depois,
mostrando que há nitidamente uma modificação no discurso e na prática vinculados às reformas
administrativas, em comparação com o que fora dito e efetuado no começo dos anos 80, tendo como
caso paradigmático de análise a experiência britânica.
Outro ponto abordado são os dilemas enfrentados pelos reforma dores.
A atual modificação dos parâmetros de organização do setor público não é uma tarefa
consensual, nem tampouco neutra. Ao contrário, em jogo estão fortes conflitos políticos e valores
diferenciados - às vezes, antagônicos - quanto aos rumos das reformas. A pergunta que fica desse
embate é: que tipo de Estado se deseja para o século XXI?

As origens da crise do modelo burocrático: a redefinição do papel do


Estado
As novas propostas e as transformações que atingem a administração
pública situam-se num contexto maior de reformas, destinadas a redefinir o
papel do Estado. Foi em meados da década de 70, sobretudo a partir da crise
do petróleo, em 1973, que entrou em xeque o antigo modelo de intervenção
estatal, quando uma grande crise econômica mundial pôs fim à era
de prosperidade que se iniciara após a II Guerra Mundial. Teve fim a "era
~ 217 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

dourada" - na precisa definição de Eric Hobsbawn (I995) -, período em


que não só os países capitalistas desenvolvidos, mas o bloco socialista e parte
do Terceiro Mundo atingiram altíssimas taxas de crescimento. A principal receita
para o contínuo sucesso que se estendeu por 30 anos foi a existência
de um amplo consenso social a respeito do papel do Estado, que proporcionou,
direta ou indiretamente, as condições para a prosperidade econômica
e o bem-estar social.
O tipo de Estado que começava a se esfacelar em meio à crise dos
anos 70 tinha três dimensões - econômica, social e administrativa -, todas
interligadas. A primeira dimensão era a keynesiana, caracterizada pela ativa.
intervenção estatal na economia, procurando garantir o pleno emprego e
atuar em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional
_ telecomunicações e petróleo, por exemplo. O Welfare State correspondia
à dimensão social do modelo. Adotado em maior ou menor grau nos países
desenvolvidos, o Estado do Bem-Estar tinha como objetivo primordial a produção
de políticas públicas na área social (educação, saúde, previdência social,
habitação etc.), para garantir o atendimento das necessidades básicas
da população. Por fim, havia a dimensão relativa ao funcionamento interno
do Estado, o chamado modelo burocrático weberiano, ao qual cabia o papel
de manter a impessoalidade, a neutralidade e a racionalidade do aparato governamental.
Em linhas gerais, quatro fatores sócio-econômicos contribuíram fortemente
para detonar a crise do Estado montado no pós-guerra. O primeiro foi
a já referida crise econômica mundial, iniciada em meados da década de 70
e agravada ao longo dos anos 80. O fato é que a economia mundial enfrentou
um grande período recessivo, mesmo que fracamente revertido nos últimos
anos, e nunca mais retomou os níveis de crescimento atingidos nas dé cadas de 50 e 60. Nesse
momento de escassez, o Estado foi o principal
afetado, entrando numa grave crise fiscal.
A crise fiscal foi o segundo fator a enfraquecer os alicerces do antigo
modelo de Estado. Após décadas de crescimento, a maioria dos governos
não tinha mais como financiar seus déficits. E os problemas fiscais tendiam
a se agravar, na medida em que se iniciava, sobretudo nos Estados Unidos
~ 218 ~
Material para fins didático

e na Grã-Bretanha, uma revolta dos tax payers (contribuintes) contra a cobrança


de mais tributos, principalmente porque não enxergavam uma relação
direta entre o acréscimo de recursos governamentais e a melhoria
dos serviços públicos. Estava em xeque o consenso social que sustentara o
Welfare State.
Os Estados estavam ainda sobrecarregados de atividades, acumuladas
ao longo do pós-guerra, "com muito a fazer e com poucos recursos para cumprir
todos os seus compromissos" (Peters, 1992:305). Além disso, os grupos de
pressão, os clientes dos serviços públicos e todos os beneficiários das relações
neocorporativas então vigentes não queriam perder o que, para eles, eram
conquistas - e que, para os neoliberais, eram grandes privilégios. O terceiro
fator detonador da crise do Estado contemporâneo, portanto, foi o que, na linguagem
da época, chamou-se de situação de "ingovernabilidade" (isto é, condição substantiva e material de
exercício do poder e legitimação do governo obtido
por sua postura ante a sociedade civil e o mercado): os governos
estavam inaptos para resolver seus problemas (Holmes & Shand, 1995:552).
Por fim, a globalização e todas as inovações tecnológicas que transformaram
a lógica do setor produtivo também afetaram - e profundamente -
o Estado. Na verdade, o enfraquecimento dos governos no que diz respeito
ao controle dos fluxos financeiros e comerciais, somado ao aumento do poder
das grandes multinacionais, resultou na perda de parcela significativa do poder
dos Estados nacionais de ditar políticas macroeconômicas.
Além disso, a disputa comercial globalizada leva cada vez mais em conta
os custos trabalhistas, previdenciários e da carga tributária sobre o capital, fatores
que podem constituir obstáculos à competitividade das nações e até dos
blocos econômicos. E o Estado é quase sempre apontado como o principal responsável
por esses custos, sendo pressionado pelas empresas a diminuir impostos
e sua participação no mercado de trabalho (Flynn & Strehl, 1996:2).
A crise do Estado afetou diretamente a organização das burocracias públicas.
Por um lado, os governos tinham menos recursos e mais déficits. O corte
de custos virou prioridade. No que tange à administração pública, isso produziu
dois efeitos. Primeiro, a redução dos gastos com pessoal, que era vista
~ 219 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

como uma saída necessária - os discursos das administrações de Thatcher e


Reagan representaram o ponto máximo dessa tendência. Segundo, a necessidade
de aumentar a eficiência governamental, o que, para boa parte dos reformadores
da década de 80, implicava uma modificação profunda do mo- delo weberiano, classificado
como lento e excessivamente apegado a normas.
Em suma, considerava-se o antigo modelo ineficiente.
Por outro lado, o Estado contemporâneo vinha perdendo seu poder de
ação, especialmente se levarmos em conta os problemas da "governabilidade"
(governos sobrecarregados) e os efeitos da globalização. Portanto, surgia
naquele momento não só um Estado com menos recursos, mas um Estado nacional
com menos poder. Para enfrentar essa situação, o aparato governamental
precisava ser mais ágil e mais flexível, tanto em sua dinâmica interna como
em sua capacidade de adaptação às mudanças externas. Propunha-se, assim,
a construção de uma nova burocracia.
Mas, além das condições materiais, havia também um contexto intelectual
extremamente favorável às mudanças na administração pública. A ascensão
de teorias extremamente críticas às burocracias estatais, como a public
choice nos Estados Unidos e o ideário neoliberal hayekiano (principalmente
na Crã-Bretanha). abriu espaço para a crítica ao antigo modelo de organização
do setor público. Contudo, a visão negativa a respeito da burocracia
não se vinculava apenas a teorias intelectualmente mais elaboradas. De modo
avassalador, a perspectiva do senso comum contra a burocracia, normalmente
anedótica, se expandia rapidamente no final da década de 70 e no começo
da de 80. Nos Estados Unidos, O sentimento antiburocrático tomava a forma,
na definição de Kaufrnan (1981), de uma epidemia generalizada.
Contribuía ainda mais para piorar a imagem da burocracia o fato de
ela ser classificada à época muito mais como um grupo de interesse do que
como um corpo técnico neutro a serviço dos cidadãos. O thatcherismo aproveitou-
se bastante dessa situação. Rayner, um de seus principais ideólogos,
dizia que "a 'burocracia' tem muitos amigos" (Rayner, 1984:8-9), numa alusão
às relações clientelistas e corporativas mantidas pelo corpo burocrático.
Ao sentimento antiburocrático aliava-se a crença, presente em boa
~ 220 ~
Material para fins didático

parte da opinião pública, de que o setor privado possuía o modelo ideal de


gestão. Não por acaso Margaret Thatcher levou ao Estado um administrador
do setor privado (Dereck Rayner) para comandar seu plano de reforma administrativa.'
Esse sentimento difuso contrário à burocracia estatal e favorável aos
ideais da iniciativa privada precisou de um catalisador político para se impor.
1 É interessante observar que várias pessoas ligadas a interesses empresariais participaram do debate
sobre as reformas das burocracias públicas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Integravam a
Comissão Grace, montada pelo governo Reagan para repensar o papel do Estado, por exemplo,
diversos líderes empresariais preocupados em recomendar que o setor privado exercesse muito melhor
certas atividades do que o setor público (Pollitt, 1990:137).

E ele veio com a vitória dos conservadores na Grã-Bretanha, em 1979, e dos


republicanos nos Estados Unidos, em 1980, representando a vitória dos grupos
que contestavam o antigo consenso social pró-Welfare State.
Foi nesse contexto de escassez de recursos públicos, enfraquecimento
do poder estatal e de avanço de uma ideologia privatizante que o modelo
burocrático er:trou em uma profunda crise. Não obstante, é importante lembrar
que esse processo não ocorreu nem no mesmo momento histórico nem
da mesma forma nos diversos países. Mais do que isso, deram-se respostas
diferenciadas para problemas muito parecidos. Contaram para isso a tradição
administrativa, as regras do sistema político, o grau de centralização existente
e a força do consenso pró-Welfare State presente em cada nação.
Do gerencialismo puro ao retorno do cidadão:
as múltiplas faces do modelo pós-burocrático
Coube aos conservadores ingleses e aos republicanos norte-americanos
a iniciativa de tentar implantar as primeiras reformas no antigo modelo
administrativo, logo no início da década de 80. Antes de analisarmos a natureza
dessas reformas, é preciso definir o modelo burocrático anteriormente
vigente, intitulado aqui de burocrático weberiano. Posteriormente, faremos
um breve histórico das críticas a esse modelo, cujo ápice foi a formação do
arcabouço gerencial como resposta aos problemas do setor público. Adiante,
estudaremos o caso inglês, mostrando por que o managerialism, apesar de
mais forte nesse caso, não constituiu um corpo homogêneo e imutável - ao
~ 221 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

contrário, sofreu um conjunto importante de mudanças nos últimos 15 anos.


Por fim, procuraremos comparar, de forma sucinta, alguns aspectos da experiência
britânica com a de outros países.
A expressão "burocrático weberiano" não é unanimemente utilizada
por todos os autores, nem em todas as nações. Na Grã-Bretanha, o modelo
administrativo adotado desde a segunda metade do século XIX é intitulado
de Whitehall; nos EUA, ele é muitas vezes vinculado à "era progressista", e
portanto chamado de progressive public administration (ver Hood, 1996).
Contudo, a escolha realizada justifica-se, uma vez que a burocracia weberiana
é tomada como um tipo ideal classicamente referido às características
do que hoje vem sendo classificado de antigo modelo administrativo - basicamente,
uma organização guiada por procedimentos rígidos, forte hierarquia
e total separação entre o público e o privado.
E é este último ponto que constitui a preocupação fundamental na
formação da burocracia moderna, isto é, a delimitação nítida do domínio público em relação à
esfera privada. Para isso, a burocracia deveria ser um
corpo neutro e impessoal, como a descrevia Weber. E precisaria também ter
capacidade técnica para lidar com as demandas crescentes da população,
tratando-a de forma equânime. No entanto, o mérito administrativo tinha
sua definição concebida, no mais das vezes, intramuros. Para muitos, isso
protegia os funcionários públicos da interferência política; para outros, convertia-
os em "mandarins modernos" (Dogan, 1975).
No intuito de separar radicalmente o público do privado, o modelo burocrático
weberiano tornou a atuação dos funcionários cada vez mais autoreferida
(Bresser Pereira, 1996:11). Foi a partir dessa percepção que surgiram
as primeiras críticas mais contundentes ao modelo burocrático weberiano, na
década de 60, em pleno auge do Estado de tipo keynesiano. Há dois exemplos
nesse sentido. Primeiro, a pioneira Comissão Glassco (1961-63), montada
no Canadá. Seus resultados questionavam a ação cada mais intransparente
e ineficiente da burocracia pública, propondo um modelo gerencial para o
setor público (Caiden, 1991:56). O segundo exemplo, todavia, é o mais importante.
Trata-se da Comissão Fulton, que funcionou no Parlamento britânico
~ 222 ~
Material para fins didático

de 1966 a 1968, e em cujo diagnóstico destacavam-se como problemas


a falta de preparação gerencial do civil service, a excessiva hierarquização e
a falta de contato entre os burocratas e a comunidade que serviam (Drewry
& Butcher, 1991:51-4).
Na década de 70, a crítica à burocracia se acentuou à medida que a
crise financeira tornou-se mais aguda. Os Estados Unidos foram o palco preferencial
dessas críticas, pois os problemas fiscais do Estado aliavam-se à má
gestão pública, simbolizada pela bancarrota da Prefeitura de Nova York. Como
solução para esse quadro, surgiram importantes instrumentos de gestão
orçamentária, tornando as finanças públicas mais vinculadas a objetivos do
que a regras rígidas do serviço público. Em resumo, a solução foi introduzir
mecanismos gerenciais na administração pública.
Mas foi na década de 80, em função do clima intelectual e político reinante
e do esfacelamento do aparato estatal estrutura do no pós-guerra, que
a burocracia weberiana sofreu seu maior ataque. Nesse processo, o modelo
gerencial, importado da iniciativa privada, foi o fio condutor das reformas,
embora não exclusivo, nem tampouco imutável. Ressalte-se, porém, que o
chamado managerialism foi o propulsor inicial das grandes mudanças por que
passa o setor público.
A Grã-Bretanha foi o laboratório das técnicas gerenciais aplicadas ao
setor público. Mesmo assim, apesar de começar seu período hegemônico no
governo Thatcher, o managerialism tem seu ponto de partida do outro lado
do Atlântico, nos Estados Unidos do século XIX, quando Woodrow Wilson escreveu seu célebre
artigo "The study of administration", em 1887. Ali fundava-
se o debate entre a Public Service orientation e a Public Management orientation
que norteou grande parte da discussão da administração pública
norte-americana neste século (Martin, 1993). Isto é, de tempos em tempos,
propunham-se as mais diversas técnicas gerenciais como solução para os
problemas do setor público, em contra posição às soluções de cunho mais
weberiano ou, segundo uma expressão mais utilizada nos EUA. de medidas
ligadas à "progressivism public administration".
Nesse embate, entretanto, o managerialism nunca se converteu em
~ 223 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

modelo único da administração pública nos EUA. mesmo sendo este país o
lugar por excelência das técnicas "revolucionárias" da administração privada,
ao passo que na Grã-Bretanha tal modelo foi muito mais bem-sucedido. A explicação
para esse fenômeno reside em dois fatores ligados à experiência norte-
americana, e também nas características do sistema político britânico.
Primeiro, a patronagem existente no século XIX foi combatida com
afinco pelos políticos reforma dores da burocracia americana, que a tornaram
de fato pública. A partir daí, um dos principais pilares da cultura administrativa
do setor público norte-americano é evitar que a flexibilização das regras
administrativas ponha em risco as salvaguardas políticas (Nigro, 1982).
Segundo, a real descentralização do poder presente no federalismo
norte-americano dificulta o estabelecimento de um só modelo administrativo
e facilita a profusão de padrões organizacionais. Ademais, o poder local norte-
americano tem como alicerce a ampla democratização do sistema político,
baseado no ideal do self government, como definiu Tocqueville as comunidades
norte-americanas do século XIX. Dessa maneira, mais do que as
demandas por eficiência - cada vez mais importantes -, a republicanização
do poder público é uma bandeira fundamental dos cidadãos. Resumindo:
o federalismo norte-americano é um empecilho à implantação de um
modelo gerencial puro, ao mesmo tempo em que propicia condições para
a adoção de um modelo híbrido, que procura responder tanto aos ditames
da eficiência quanto aos da democratização.
O sucesso do modelo gerencial na Grã-Bretanha se deu exatamente
em função das condições políticas existentes, o que demonstra a importância
do estudo das instituições para se compreender o rumo das reformas administrativas.
O caráter extremamente majoritário do sistema político britânico,
no sentido definido por Lijphart (1985), ancorado em um sistema eleitoral
distrital uninominal, em um bipartidarismo fortemente estruturado em
termos organizacionais e nacionais, no parlamentarismo e num alto grau de
centralização político-administrativa, levou a uma grande concentração de
poder no Gabinete, o que, aliado à liderança política de Margaret Thatcher, forneceu as
condições ideais para o florescimento e a consolidação do gerencialismo.
~ 224 ~
Material para fins didático

Afora a experiência da Nova Zelândia, foi na Grã-Bretanha que


o managerialism mais se desenvolveu.
Mas é exatamente em razão do êxito do gerencialismo na Grã-Bretanha
que a análise desse caso se torna fundamental para comprovar uma tese-
base do artigo: nem com tal grau de hegemonia, o manageralism enveredou
por um caminho retilíneo. Ao invés de se estruturar a partir de uma
doutrina rígida e fechada, o modelo gerencial britânico apresenta um grande
poder de transformação, incorporando boa parte das críticas à sua prática,
e assim modificando as peças de seu arcabouço.
No quadro a seguir, comparo três visões da administração pública inglesa
que surgiram ao longo das décadas de 80 e 90 do debate sobre o managerialism
aplicado ao Estado. Comparo-as, mais especificamente, quanto
aos principais objetivos (linha 2) e em sua relação com a sociedade, ou melhor,
com seu "público-alvo" (linha 3). As teorias são aqui apresentadas da
esquerda para a direita, em ordem cronológica de criação.
Respostas à crise do modelo burocrático inglês
(Whitehall)
Gerencialismo puro Consumerism Public service orientation
Economia/eficiência Efetividade/qualidade Accountability/eqüidade
(produtividade)
Tax payers (contribuintes) Clientes/consumidores Cidadãos
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a rígida divisão entre as
teorias foi estabeleci da apenas para facilitar a comparação entre elas. Na
realidade, há um grau razoável de intercâmbio entre as teorias, principalmente
no caso das duas últimas (consumerism e public service orientation).
Entretanto, como ponto de partida para a discussão, essa classificação propicia
duas importantes constatações. A primeira, e mais óbvia, é que há uma
mudança substancial ao longo do tempo, desde o gerencialismo puro até a
public service orientation. A constatação mais importante, no entanto, é que,
embora haja diferenças entre as teorias, elas não são mutuamente excludentes.
Ao contrário, percebe-se que pode haver uma incorporação dos aspectos
positivos de cada teoria. A passagem de uma teoria a outra, portanto,
~ 225 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

pode ser realizada através de uma crescente inclusão de temas.


A seguir, trataremos sucintamente de cada uma dessas correntes.
Gerencialismo puro
O gerencialismo puro teve como principais objetivos reduzir os custos
do setor público e aumentar sua produtividade. O fato é que, naquele momento,
as modificações efetua das na burocracia estavam vinculadas a um
projeto de reforma do Estado que se caracterizava como um movimento de
retração da máquina governamental a um número menor de atividades. A
palavra de ordem da primeira-ministra inglesa era "rolling back the State", o
que na prática significou a privatização de empresas nacionalizadas no pósguerra,
desregulamentação, devolução de atividades governamentais à iniciativa
privada ou à comunidade e constantes tentativas de reduzir os gastos
públicos (Caiden, 1991:75-80; Butler, 1993:398-9).
Foi, portanto, sob o signo da questão financeira que se implantou o
modelo gerencial puro na Grã-Bretanha - Reagan e Bush tentaram seguir
a mesma receita, mas não conseguiram ser tão felizes (ver Crouzier, 1992).
O managerialism seria utilizado no setor público para diminuir os gastos em
uma era de escassez e para aumentar a eficiência governamental. Em suma,
o gerencialismo puro tinha como eixo central o conceito de produtividade
(Pollitt, 1990:2). Não por acaso um dos livros fundamentais à época chamava-
se Fazendo mais com menos (Doing more with less) (Ukeles, 1982).
O primeiro passo do modelo gerencial puro foi procurar cortar custos
e pessoal. Nesse particular, é interessante notar como o governo britânico foi
muito mais bem-sucedido do que o norte-americano. O governo Reagan não
conseguiu reduzir de fato os gastos sociais - ao contrário, naquele período
eles cresceram 16% com relação ao PIB (Pollitt, 1990:90). Pouco também foi
feito em termos de corte de pessoal. No tocante à atenuação dos problemas
financeiros do governo federal, o grande triunfo dos republicanos foi diminuir
as transferências de recursos para estados e municípios (Pollitt, 1990:96). Dessa
forma, os governos subnacionais se viram com menos recursos e tiveram
que inovar em suas administrações. Consequentemente, as principais tentativas
de elaboração de um novo paradigma para a gestão pública norte-americana
~ 226 ~
Material para fins didático

surgiram a partir do estudo das experiências dos governos locais, como


mostra o livro Reinventando o govemo - uma referência já obrigatória -, de
David Osborne e Ted Gaebler, cujos exemplos de sucesso administrativo provêm
quase exclusivamente dos níveis subnacionais de governo.
O ponto central do gerencialismo puro é a busca da eficiência. Para
tanto, parte do pressuposto de que é preciso modificar as engrenagens do
modelo weberiano. A burocracia tradicional é definida como uma organi- zação com estrutura
rígida e centralizada, voltada para o cumprimento dos
regulamentos e procedimentos administrativos e em que o desempenho é
avaliado apenas com referência à observância das normas legais e éticas.
Em oposição a essa visão de administração pública, o governo Thatcher
propunha:
o a clara definição das responsabilidades de cada funcionário das agências
governamentais (Butler, 1993:399);
o a clara definição dos objetivos organizacionais, analisados em sua substância
e não como processo administrativo (Caiden, 1991:85);
o maior consciência acerca do "valor dos recursos" (value money) públicos,
procurando maximizar a relação financeira entre os recursos iniciais e os gastos
realizados para a produção de políticas, ou seja, incorporando o valor da
eficiência na lógica de funcionamento da burocracia.
Para cumprir cada um desses objetivos foram implementados determinados
instrumentos gerenciais. Num primeiro momento deu-se maior
atenção aos instrumentos de racionalização orçamentária, que deveriam possibilitar
uma maior "consciência dos custos" (cost consciousness) no serviço
público (Metcalfe & Richards, 1989:50). Foram utilizadas técnicas de avaliação
de desempenho e controle orçamentário para atingir esse fim, sendo
a principal iniciativa nesse sentido a Financial Management lniciative (FMI).
A introdução dessas técnicas orçamentárias, fundamentais num momento
de escassez de recursos, deu impulso à implementação das demais reformas
administrativas (Caiden, 1991:85). Depois foram adotados, em larga
escala, os instrumentos de avaliação de desempenho organizacional. Afinal,
se o objetivo era alcançar uma maior eficiência, fazia-se necessário ter mecanismos
~ 227 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

objetivos de mensuração da per{ormance governamental.


O governo inglês adotou três mecanismos para definir claramente as
responsabilidades tanto das agências governamentais quanto dos funcionários
públicos. No âmbito organizacional, foram encontradas duas saídas institucionais.
A primeira foi a adoção da administração por objetivos (management
by objectives), pela qual se procurou traçar linhas claras de ação para as agências,
o que possibilitaria uma avaliação de desempenho baseada na comparação
entre os resultados obtidos e o que fora previamente determinado.
A outra opção organizacional foi a descentralização administrativa,
para dar maior autonomia às agências e aos departamentos. É importante
salientar que a descentralização foi concebida a partir de uma definição clara
dos objetivos de cada agência, os quais deveriam ser cumpridos sob a vigilância
e o controle do poder central. Dessa forma, apesar da propaganda governamental favorável à
descentralização, o que acontecia era uma desconcentração
de poderes.
À estrutura extremamente hierárquica característica do modelo Whitehall
foi contraposto um modelo em que se procurava delegar autoridade
(empowerment) aos funcionários. No contexto da cultura gerencial, era preciso
moldar mais gerentes, com habilidade e criatividade para encontrar novas
soluções, sobretudo para aumentar a eficiência governamental. Assim, a
delegação de autoridade era uma resposta, num primeiro momento institucional,
que com O tempo poderia transformar a cultura da burocracia.
Mas, ao enfatizar em demasia a estratégia da eficiência, o modelo gerencial
puro poderia estar relegando a segundo plano outros valores fundamentais
na atuação dos gerentes. Em particular, a flexibilidade para decidir
e inovar. Os critérios de medição da eficiência poderiam se tornar tão
rígidos quanto as regras e os procedimentos do modelo burocrático weberiano,
levando à ineficácia e à falta de capacidade adaptativa.
Enfocar apenas a eficiência governamental acarreta outro problema:
não se atribui à avaliação da efetividade dos serviços públicos a devida importância.
Efetividade é entendida aqui como o grau em que se atingiu os
resultados esperados (Osborne & Gaebler, 1994:381). Portanto, "efetividade"
~ 228 ~
Material para fins didático

não é um conceito econômico - como a eficiência pura -, e sim de avaliação


qualitativa dos serviços públicos.
Com o conceito de efetividade, recupera-se a noção de que o governo
deve, acima de tudo, prestar bons serviços. É a ótica da qualidade que
começa a ser incorporada pelo modelo gerencial. Porém, a valorização do
conceito de efetividade também traz de novo à tona o caráter político da
prestação de serviços públicos, uma vez que são os usuários dos equipamentos
sociais que de fato podem avaliar a qualidade dos programas governamentais.
E aqui está um dos calcanhares-de-aquiles do modelo gerencial
puro: a subestimação do conteúdo político da administração pública.
A princípio, propunha-se o modelo gerencial como uma tecnologia
neutra destinada a modificar o funcionamento e a cultura do setor público
(Gray & Jenkins, 1995:81). Dessa maneira, alguns gerencialistas mais radicais
afirmavam não existir diferença conceitual entre a administração da empresa
privada e a administração pública (Murray, 1975). Outros reconheciam haver
determinadas diferenças entre ambas: contudo, propunham reformas ao
setor público, como se ele fosse uma organização homogênea - a burocracia
vista caricaturalmente. O fato é que a administração pública constitui
um sistema organizacional em que, internamente, há diferentes tarefas e valores,
os quais pertencem a um contexto complexo de relações com a esfera
política (Gray & Jenkins, 1995:85).
O gerencialismo puro, na verdade, tinha como base a separação entre
a política e a administração. Assim, cabia aos reforma dores implantar o managerialism
na administração pública, independentemente do que ocorria na
política. Essa perspectiva, porém, contradizia o próprio desenvolvimento do
modelo gerencial na Grã-Bretanha, pois foi o forte apoio político obtido pelos
conservadores que propiciou o avanço das reformas.
O que os gerencialistas puros não consideraram é que, tal como ocorre
na iniciativa privada, a especificidade do setor público dificulta a mensuração
da eficiência e a avaliação do desempenho. Na gestão pública estão
em jogo valores como eqüidade e justiça, que não podem ser medidos ou
avaliados por intermédio dos conceitos do managerialism puro (Mayordomo,
~ 229 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

1990:278-80).
Essa "despolitização" da administração pública, aliada à ênfase no conceito
de eficiência governamental, fez com que Christopher Pollitt (1990), um
dos maiores críticos do modelo gerencial inglês, classificasse o managerialism
como um "neotaylorismo", isto é, uma proposta calcada na busca da produtividade
e na implantação do modelo de gestão da empresa privada no setor
público.
Pollitt reconhece, no entanto, que o modelo gerencial puro obteve alguns
êxitos. O principal deles está ligado à ênfase na questão financeira, que
de fato tornou a burocracia inglesa mais consciente acerca dos custos das
políticas públicas (Pollitt, 1990:85). Esse valor foi incorporado por todos os
governos que realizaram reformas administrativas nos últimos anos. Isso
mostra que a busca da eficiência governamental, embora em si não resolva
todos os problemas da burocracia, é um legado positivo do modelo gerencial
puro.
A discussão em torno do modelo gerencial tornou-se mais complexa
e ganhou novos rumos a partir da metade da década de 80. A mais importante
mudança foi a tentativa de se constituir de serviços públicos voltados
para os anseios dos clientes/consumidores. É nesse ponto que o modelo gerencial
traz à tona o aspecto público da administração pública, sem no entanto
abandonar o conceitual empresarial vinculado à eficiência e à busca
da qualidade dos serviços.
Novos caminhos do modelo gerencial: o consumerism
As críticas mais pertinentes ao modelo gerencial puro na Grã-Bretanha
não visavam a volta ao modelo burocrático weberiano, e sim a correção do
managerialism, a fim de que incorporasse novos significados. Primeiro, introduzindo
o conceito de qualidade no setor público. Desde a metade da dé cada de 80, o governo britânico,
como outros ao redor do mundo, vem procurando
se utilizar do referencial da qualidade na avaliação de resultados
das agências e dos programas. Isso ocorreu, em primeiro lugar, por causa
das críticas contra a ênfase atribuída inicialmente à mensuração da eficiência
e não à efetividade dos serviços públicos. Nesse sentido, Norman Flynn
~ 230 ~
Material para fins didático

afirma que "a imposição arbitrária da diminuição dos custos pode conduzir
mais à redução do nível [de qualidade] dos serviços do que a um aumento
de produtividade" (1990:113).
Vale notar que, mesmo no setor privado, houve, ao longo da década
de 80, uma modificação no que se refere à antiga visão meramente quantitativa
de avaliar o sucesso e o desempenho dos empregados e da organização.
Foi na iniciativa privada que nasceu a abordagem da administração
da qualidade total (Total Qua/ity Management - TQM), posteriormente introduzida
no setor público. Nas empresas privadas, a mudança se deu devido
ao aumento da concorrência e do nível de exigência dos consumidores,
o que obrigou os empresários a elevar a qualidade de seus produtos para sobreviver
no mercado. Portanto, a busca permanente da qualidade tem relação
direta com o direcionamento da produção para o atendimento dos anseios
dos consumidores.
No setor público aconteceu fenômeno semelhante. A introdução da
perspectiva da qualidade surgiu quase no mesmo momento em que a administração
pública voltava suas atenções para os clientes/consumidores. Essa
talvez tenha sido uma das principais revoluções no modelo gerencial.
A administração pública britânica vem implementando uma estratégia
cada vez mais direcionada às demandas dos consumidores. Nesse sentido, o
programa mais importante é o Citizen'5 Chart. Baseado no princípio de que
os serviços públicos devem estar mais direcionados às necessidades definidas
pelo público diretamente afetado (Butler, 1993:402), o Citizen '5 Chart consiste
na implantação de programas de avaliação de desempenho organizacional
de acordo com dados recolhidos junto aos consumidores. A importância do
programa aumenta na medida em que ele tem sido uma das referências da
atual gestão do primeiro-ministro John Major, que, defendendo o Citizen '5
Chart, disse que os "serviços públicos têm o dever específico de atender às
necessidades de seus consumidores e clientes" (Clarke, 1993:24).
A estratégia voltada para a satisfação dos consumidores foi reforçada
pelo governo britânico através da adoção de três medidas que fazem parte
de uma estratégia para tornar o poder público mais leve, ágil e competitivo,
~ 231 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

desmontando assim o antigo modelo burocrático. A primeira dessas medidas


é a descentralização. Como já vimos anteriormente, na Grã-Bretanha ocorre
uma descentralização administrativa (desconcentração) e não uma verda deira descentralização
política. Não obstante, tem-se procurado fazer uma
significativa delegação de autoridade, partindo do princípio de que, quanto
mais próximo o serviço público estiver do consumidor, mais fiscalizado pela
população ele será.
A descentralização, no entanto, não basta para aumentar o poder do
consumidor. É preciso que haja opções, caso determinado equipamento social
não esteja funcionando a contento. Para tanto, o governo britânico tem
procurado incrementar a competição entre as organizações do setor público.
Seguindo esse preceito, quando não há competição entre os serviços, existe
uma situação de monopólio e, portanto, os consumidores não têm alternativa
de escolha. O Citizen'5 Chart enfatiza muito esse aspecto, estabelecendo
uma relação lógica entre a competitividade e o aumento da qualidade dos
serviços públicos (Clarke, 1993:24).
A terceira medida é a adoção de um novo modelo contratual para os
serviços públicos. Esse modelo possui três dimensões (Clarke, 1993:20):
o extensão das relações contratuais ao fornecimento de serviços públicos
entre o setor público, o setor privado e o voluntário/não-lucrativo, criando
uma nova estrutura de pluralismo institucional, contraposta ao antigo modelo
de monopólio estatal;
o extensão das relações contratuais ao próprio setor público, envolvendo
descentralização, delegação de autoridade e mecanismos de quasi market;
o estabelecimento de contratos de qualidade entre os prestadores de serviço
e os consumidores/clientes.
O estabelecimento de relações contratuais parte de três pressupostos.
O primeiro é de que, numa situação de falta de recursos como a atual, a melhor
forma de aumentar a qualidade é introduzir relações contratuais de
competição e de controle. O segundo, quase como conseqüência do primeiro,
é de que a forma contratual evita a situação de monopólio. Por fim,
o último pressuposto refere-se à maior possibilidade que os consumidores
~ 232 ~
Material para fins didático

têm de controlar e avaliar o andamento dos serviços públicos a partir de um


marco contratual.
Embora tenha avançado muito com relação ao gerencialismo puro, o
consumerism recebeu várias críticas, particularmente no campo em que mais
transformou os conceitos, isto é, na relação entre o governo como prestador
de serviços públicos e a população.
A crítica mais geral diz respeito ao conceito de consumidor de serviços
públicos. Primeiro, à diferença existente entre o consumidor de bens no
mercado e o "consumidor" dos serviços públicos. Como aponta Pollitt (1990:125), a relação do
prestador de serviço público com o consumidor é
mais complexa, já que não obedece ao puro modelo de decisão de compra
vigente no mercado. Aliás, determinados serviços públicos têm caráter compulsório,
isto é, não permitem escolha, como prova a utilização em determinados
momentos de hospitais e serviços policiais.
O conceito de consumidor deve ser substituído pelo de cidadão. Isso
porque o conceito de cidadão é mais amplo do que o de cliente/consumidor,
já que cidadania implica direitos e deveres e não só liberdade de escolher
serviços públicos (Stewart & Walsh, 1992:507).
Na verdade, a cidadania está relacionada com O princípio da accountability,
que requer participação ativa na escolha dos dirigentes, na formulação
das políticas e na avaliação dos serviços públicos. Dessa forma, mecanismos
como os do Citizen 's Chart - cujo nome não corresponde à
realidade, pois o programa é direcionado ao consumidor - só enfatizam um
aspecto da cidadania, o de controlar as políticas públicas. No mais das vezes,
o consumidor é um cidadão passivo.
O conceito de consumidor também não atende adequadamente ao
problema da eqüidade, valor fundamental na administração pública. A primeira
pergunta não respondida pelo consumerism é quem são os consumidores/
clientes? Em grande medida, são aqueles que se organizam para atuar
no nível em que os serviços são prestados - o que, em última instância, pode
se constituir num grupo de interesse. Os burocratas, por sua vez, podem
fazer de tudo, inclusive atos discricionários, para atender ao grupo organizado
~ 233 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

de consumidores (Frederickson, 1992:18), já que, no modelo gerencial,


os funcionários públicos dependem da avaliação dos clientes para obter
avanço profissional, melhoria de salários e até, em último caso, para manter
o próprio emprego. Entre a avaliação dos consumidores e os atos dos funcionários
devem haver normas e regras que permitam garantir o interesse
público.
A possibilidade de os consumidores se transformarem em grupo de interesse
torna-se maior ainda numa era de escassez de recursos públicos como
a que vivemos. Os que se organizarem mais poderão se tornar mais
"consumidores do que os outros". Assim, os consumidores mais fortes se
converteriam em "clientes preferenciais do serviço público". Ou, como argumenta
Clarke (1993:22), "quando os recursos são limitados, o problema
não é satisfazer os consumidores, mas que consumidores [satisfazer]".
O problema da eqüidade na prestação dos serviços públicos pode se
agravar no caso de haver competição entre os equipamentos sociais. Isso
porque a unidade de serviço público mais bem classificada na competição
receberá provavelmente mais recursos, seus funcionários terão melhores ren- dimentos (através
de incentivos por produtividade), e portanto os mesmos
consumidores que o aprovaram tenderão a utilizar esse serviço continuadamente.
A premiação reflete, sem dúvida, um círculo virtuoso, saudável como
técnica para tornar o Estado mais capaz de responder às demandas da população.
Mas, por outro lado, os equipamentos sociais que não conseguirem
as melhores avaliações dos consumidores cairão num círculo vicioso, ou seja,
receberão menos recursos, seus funcionários não terão incentivos financeiros
e ficarão desmotivados, e seus consumidores continuarão insatisfeitos.
O pressuposto do modelo da competição é de que os consumidores
podem escolher a unidade de serviço público de maior qualidade. Contudo,
esse pressuposto nem sempre é verdadeiro, pois nem todos os consumidores
têm a possibilidade de escolher de fato o equipamento social que lhes agrada,
em virtude da existência de obstáculos geográficos e financeiros, os quais
dificultam o acesso a todas as unidades de serviço público. Ademais, se todos
os consumidores (ou boa parte deles) escolherem um número limitado
~ 234 ~
Material para fins didático

de equipamentos sociais, estes ficarão lotados e tenderão também a perder


qualidade. Enquanto isso, as unidades de serviço público que tiveram inicialmente
uma má avaliação ficarão abandonadas e com uma subutilização
que por si só já resultará em desperdício de recursos públicos.
O modelo da competição pode levar ao que a ciência política denomina
jogo de soma-zero. Isto é, o equipamento social vencedor (aprovado
pela população) no começo do jogo "leva tudo" (takes ali), ganhando todos
os incentivos para continuar sendo o melhor. Já a unidade de serviço público
que obtiver as piores "notas" dos consumidores "perde tudo", o que resultará
indiretamente na aplicação de incentivos para que esse equipamento
social continue sendo o pior. Nesse jogo, no entanto, o maior perdedor é o
princípio da eqüidade na prestação dos serviços públicos (Pollitt, 1990:125),
conferindo a alguns consumidores a possibilidade de ser mais cidadão do
que outros.
Public service orientation (PSO): a construção da esfera pública
Esta seção resume a discussão existente na corrente da public service
orientation (PSO).2 Serei aqui mais breve do que nos outros tópicos por duas
razões: primeiro, porque a PSO faz parte de um debate muito recente na
2 Pollitt (1990) faz um excelente resumo das idéias da public service orientation (PSO) e dele
faço
uso em quase toda a discussão constante deste estudo.

Grã-Bretanha, e portanto seus conceitos ainda estão em fase de amadurecimento.


Em conseqüência disso, a PSO é mais uma tendência que levanta
novas questões e põe em xeque antigos valores do que uma corrente com
um arcabouço teórico fechado.
Cabe ainda outra observação. A public seruice orientation, embora retome
temas pouco discutidos ao longo da década de 80, não propõe a volta
ao modelo burocrático weberiano. A PSO procura encontrar os novos caminhos
abertos pela discussão gerencial, explorando suas potencialidades e
preenchendo suas lacunas.
Toda a reflexão realizada pelos teóricos da PSO leva aos temas do republicanismo
~ 235 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

e da democracia, utilizando-se de conceitos como accountability,


transparência, participação política, eqüidade e justiça, questões praticamente
ausentes do debate no modelo gerencial. É interessante notar,
contudo, que o "objeto" que gerou a corrente da PSO foi "criado" pelo modelo
gerencial. Trata-se da problemática da descentralização, a partir da qual
foram formulados quase todos os conceitos da PSO.
A visão de descentralização desses autores, no entanto, é extremamente
crítica quanto ao modelo implementado pelo governo britânico. O
argumento de Hambleton (1992) resume a posição da PSO com relação à
descentralização.
''A justificativa central para defender o governo local não é que ele é
um bom meio para prover os serviços [públicos] necessários, o que de fato ele
é, mas que ele [o governo local] capacita os cidadãos a participar das decisões
que afetam suas vidas e as de suas comunidades" (Hambleton, 1992: 11).
Portanto, a PSO defende as virtudes políticas da descentralização. No
gerencialismo puro, a descentralização era valorizada como meio de tomar
mais eficazes as políticas públicas. Já no consumerism, o processo de descentralização
era um meio de conferir aos consumidores o direito de escolher
os equipamentos sociais que lhes oferecessem a melhor qualidade. O
ponto que distingue o PSO das outras correntes é o conceito de cidadão,
pois, enquanto o conceito de cidadão tem conotação coletiva - pensar na
cidadania como um conjunto de cidadãos com direitos e deveres -, o termo
consumidor (ou cliente) tem um referencial individual, vinculado à tradição
liberal, a mesma que dá, na maioria das vezes, maior importância à
proteção dos direitos do indivíduo do que à participação política, ou então
maior valor ao mercado do que à esfera pública (Pollitt, 1990:129).
Ao trazer de volta para o debate os conceitos de accountability e de
participação dos cidadãos, a public seruice orientation rebate os argumentos
dos conservadores ingleses. Para estes, as demandas por participação política
sempre foram equiparadas às formas neocorporativas de atuação que vi- goravam no final da
década de 70 (Pollitt, 1990: 138). Os teóricos da PSO resgatam
os ideais de participação política segundo um conceito mais amplo,
~ 236 ~
Material para fins didático

o de esfera pública, que se utiliza da transparência como proteção contra


novas formas particularistas de intervenção na arena estatal, como o são o
clientelismo e o corporativismo.
Portanto, é a partir do conceito de esfera pública (domain public) que
se estrutura o conjunto de ideias da public service orientation. Esfera pública
vista como local de aprendizagem social. Isto é, a esfera pública não é só o
locus por excelência da participação dos cidadãos, mas sobretudo onde os
cidadãos aprendem com o debate público.
O conceito de esfera pública como locus de transparência e de aprendizado
organizacional deve estar presente na atuação da burocracia, sobretudo
quando da formulação das políticas públicas. O planejamento estratégico,
por exemplo, não pode ficar confinado à burocracia. Os objetivos
políticos definidos pelo planejamento estratégico devem ser discutidos e revelados
num processo de debate público (Pollitt, 1990:150).
Outro conceito caro ao modelo gerencial - o de competição entre
agências públicas - é repensado pela PSO. Não que a competição seja negada
como princípio utilizável no setor público; mas o mais ressaltado pela
PSO é a possibilidade de cooperação entre as agências, de modo a obter um
melhor resultado global na oferta de serviços públicos. Dessa forma, garantese
o princípio da equidade, fundamental na PSO.
Por fim, a public service orientation tem como uma de suas idéias-chave
a conjugação entre a accountability e o binômio justiça/eqüidade. Para
tanto, é preciso que, no processo de aprendizado social na esfera pública, se
consiga criar uma nova cultura cívica, que congregue políticos, funcionários
e cidadãos.
Embora faça sérias críticas ao gerencialismo puro e ao consumerism,
o fato é que a public service orientation não descarta as idéias desenvolvidas
no âmbito do public management. Afinal, apesar de as discussões sobre eficiência,
qualidade, avaliação de desempenho, flexibilidade gerencial, planejamento
estratégico, entre as principais, não serem negadas, há a tentativa
de aperfeiçoá-Ias em um contexto em que o referencial da esfera pública é
o mais importante.
~ 237 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Porém, o grande problema da PSO é ter sido pensada segundo os parâmetros


do poder local, onde os cidadãos poderiam exercer maior controle
sobre a qualidade dos serviços públicos. Mas, como conceber a coordenação
do serviço público no âmbito nacional? E quais as medidas a tomar para
atenuar as desigualdades regionais - menores no caso inglês, mas enormes
em países como o Brasil - e garantir assim uma verdadeira eqüidade?
Essas respostas o modelo da PSO ainda não oferece. Uma das principais
origens dessa deficiência é a concepção extremamente otimista com
relação à possibilidade de os cidadãos resolverem todos os problemas do setor
público na esfera local (PolJitt, 1990: 1.550). A complexidade do mundo
contemporâneo e da democracia representativa - que não pode ser meramente
substituída pela democracia direta - demanda respostas mais
abrangentes e articuladas. Entretanto, a PSO tem uma grande virtude, que
é dizer não só como o setor público deve ser, mas principalmente o que deve
ser. Essa é uma das principais lacunas da experiência do modelo gerencial
implantado nos últimos anos, como apontam Malcolm Holmes e Oavid
Shand (1995:556).
A experiência internacional se assemelha em diversos aspectos à britânica,
mas também possui uma gama enorme de peculiaridades. Numa
comparação efetuada por Norman Flynn e Franz Strehl de sete modelos administrativos
europeus, os autores perceberam importantes diferenças na
área de recursos humanos. Enquanto na França, na Alemanha e na Áustria
o recrutamento de pessoal é centralizado e a estabilidade no emprego público
é mais rígida, na Suécia, na Holanda e na Grã-Bretanha a contratação
é descentralizada e o vínculo empregatício tem uma base contratual, e portanto
menos segura (I 996: 14). Em outro aspecto - a promoção -, a França,
a Alemanha, a Áustria e a Suíça adotam critérios de senioridade; na Suécia,
na Grã-Bretanha e na Holanda, ao contrário, a promoção só ocorre
quando há uma vacância ou alguém, por mérito, independentemente da senioridade,
a mereça.
Mas é em outro ponto fundamental que se encontra uma diferença
crucial entre o caso britânico e os de outros países desenvolvidos. Trata-se
~ 238 ~
Material para fins didático

da dimensão do cidadão. Enquanto na Grã-Bretanha só agora o conceito


de cidadania vem retomando ao debate da reforma administrativa, na
França, na Suécia e nos Estados Unidos, para citar apenas alguns exemplos,
o cidadão sempre foi tomado como variável-chave para se repensar o modelo
burocrático. A partir dessa constatação, não se trata de levantar a hipótese
inversa à deste texto, isto é, afirmar que as técnicas gerenciais e outros
novos padrões administrativos constituem instrumentos vinculados
apenas e tão-somente à experiência de países neoliberais, sobretudo ao caso
britânico. Tal hipótese, cara a certos círculos de esquerda, não percebe
que para se reformar o Estado é preciso conjugar a temática da cidadania
com a da introdução de um novo modelo organizacional para o setor público.
É este o desafio, e o fracasso está em se agarrar apenas uma das
"pontas da corda".

Conclusão: cinco dilemas básicos do modelo pós-burocrático


A reforma da administração pública tornou-se um dos principais temas
políticos deste final de século. É importante sublinhar o caráter político
desse processo, muitas vezes imerso em um linguajar técnico que esconde
o seu potencial conflitivo. Sem dúvida, a redefinição do papel do Estado depende
impreterivelmente da reforma da burocracia pública.
Mas, para atingir tal meta, alguns problemas devem ser enfrentados.
Apenas cinco dos principais são tratados aqui, dada a escassez de espaço.
No entanto, eles resumem bem a problemática geral da administração pública
atual.

Reforma administrativa e processo político


Toda tentativa de reconstruir a burocracia pública deve levar em conta o contexto político
institucional. Um bom estudo dessa variável foi feito por Michel Crouzier, que estudou processos de
reforma do Estado ocorridos na década de 80 em três países: Suécia, Japão e EUA. O autor concluiu
que as estratégias de construção de consenso junto aos atores envolvidos – como ocorreu no caso
japonês - foram mais bem-sucedidas do que as propostas de atuação tecnocrática, destinadas, conforme
Crouzier, "necessariamente ao fracasso" (1992: 14). O grau de consenso variará de país para país, mas
o fundamental é ter uma estratégia para buscar esse consenso.
~ 239 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

O dilema aqui é que, por definição, a estratégia deve levar em conta as preferências de todos os
grupos envolvidos e, portanto, ao contrário da ideai de plano, dificilmente será igual ao modelo ideal
desejado.
A estratégia de implementação da reforma, por fim, deve levar em conta o convencimento de
dois setores importantíssimos, muitas vezes negligenciados
por propostas essencialmente tecnocráticas: os funcionários públicos e
a população. Os primeiros são sempre atingidos em cheio pelas reformas e
podem apresentar resistências a elas. Mais do que isso, é importante frisar que
as transformações na administração pública não visam a acabar com o corpo
burocrático, pois, após a instalação das mudanças, serão necessários servidores
públicos que manejem o novo arcabouço de regras - o que parece óbvio,
mas na prática de vários países não tem sido.
Nesse sentido, como bem afirma Schiavo Campo, "reformas bem elaboradas
devem conter promessas de benefícios potenciais para todos os servidores
públicos do sistema: a criação de um 'papel para a esperança' pode reduzir a resistência à
mudança e revitalizar os recursos humanos do serviço
público" (Campo, 1996:13).
A população também deve ser convencida da necessidade das reformas.
Para tanto, é preciso envolver a sociedade o máximo possível, conscientizando-
a da importância de se reconstruir o aparelho burocrático.
Lógica fiscal versus lógica gerencial
Na atual era de escassez de recursos por que passa o Estado, duas lógicas
antagônicas aparecem como alternativas. Uma é a fiscal, preocupada
em controlar os inputs do sistema para evitar o aumento dos custos. Outra
é a gerencial, que busca aumentar a eficiência e a efetividade, de tal forma
que sua lógica se baseia em atingir os objetivos, ou seja, obter melhores
outputs. Nesse embate, enquanto a primeira lógica praticamente só se preocupa
com o quanto se gasta nos serviços públicos, atuando apenas no curto
prazo, a segunda pretende tornar mais produtiva a ação da burocracia, o
que implica a profissionalização dos funcionários, processo cujo retorno, sobretudo
financeiro, somente ocorre no médio e longo prazos.
Os mecanismos contra tu ais, que representam um dos principais instrumentos
da administração pós-burocrática, perdem sua efetividade quando
~ 240 ~
Material para fins didático

da hegemonia da lógica fiscal sobre a gerencial. Tanto em sua versão


francesa (os contratos de gestão), quanto na britânica, o fato é que os respectivos
ministérios das Finanças inviabilizam a real introdução de uma administração
por objetivos. Isso porque a flexibilidade administrativa requerida
é barrada pela constante vigilância e pela atuação preventiva sobre os
custos. Assim, a autonomia gerencial das agências "é limitada pela necessidade
do ministro das Finanças de exercer controle sobre os gastos públicos,
muitas vezes detalhadamente" (Flynn & Strehl, 1996: 11).
Esse dilema, quando não resolvido, inviabiliza a implementação integral
da lógica gerencial no setor público.
Oescentralização
Embora a descentralização possa ser fundamental para aumentar a
democratização e a eficiência do sistema, mesmo que isso também não
ocorra de imediato, o fato é que políticas descentralizadoras radicais em geral
aumentam as desigualdades entre as regiões e fragmentam a prestação
do serviço público.
De fato, quando não acompanhada de mecanismos de coordenação e
de políticas compensatórias, a descentralização pode se transformar "na mãe
da segregação", como argumenta Remy Prud'Homme, Isso é mais perceptível
nos países federativos, porém está também presente naqueles que utilizam a
descentralização como instrumento para aumentar o empowerment. Um bom
exemplo disso é a competição entre as agências inglesas, como na experiência
da reforma educacional. Nesse caso, como cada equipamento escolar
deve competir com o outro para aumentar ou manter seus recursos, o que
ocorre é um isolamento quase completo das unidades, alheias umas as outras.
Normalmente, como foi argumentado anteriormente, as escolas mais ricas
se saem bem e as mais pobres vão mal. A equidade não é alcança da, o
que causa problemas para um Estado que não só pretende ser mais efetivo
em suas políticas, como também quer distribuir melhor o poder entre os níveis
de governo.
Separação entre a formulação e a implementação das políticas
Para aumentar a flexibilidade e a agilidade do sistema, o novo formato
~ 241 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

organizacional do setor público defende a distinção radical entre os que concebem


as políticas e os que a executam. Desse modo, quase sempre os formula
dores da política a avaliam sem ter experiência de campo, desconhecendo
os verdadeiros problemas do dia-a-dia administrativo; por outro lado,
quem executa a política muitas vezes não sabe por que o faz e, mais do que
isso, fica impossibilitado de repassar sua experiência para os formuladores.
Essa incomunicabilidade dificulta a realização de um dos principais pontos
revolucionários da moderna teoria da administração pública: o conceito de
aprendizado organizacional, capaz de aprimorar constantemente a prática
administrativa (ver Ranson & Stewart, 1994).
Mas o maior problema da separação entre a formulação e a implernentação
das políticas é que não se identifica com clareza o responsável pela
prestação global dos serviços públicos. Dessa maneira, a responsabilização
do Estado, vinculada à accountability, torna-se difícil de ser obtida, o que coloca
o setor público de costas para o cidadão. E essa possibilidade é um dos
maiores problemas enfrentados pelo modelo pós-burocrático.
O principal desafio do modelo pós-burocrático, no entanto, é definir
que tipo de Estado deve ser construído para o século XXI.Tal pergunta é ainda
mais decisiva se o foco for centrado nos países que não integram o "clube
dos desenvolvidos". Nessa parte do mundo, não ocorreu a adoção integral de um modelo
burocrático weberiano, mesmo quando o Estado vivenciou
uma expansão gigantesca de suas funções, como nos casos da Índia e do Brasil
(ver Evans, 1993). De modo que essas nações hoje precisam reformular
suas burocracias públicas para lidar com os novos desafios econômicos mundiais
e também para resolver seus graves problemas sociais, que não foram
equacionados quando da anterior expansão das atividades estatais. Mas para
isso terão que ingressar num novo estágio administrativo, sem terem de fato
construído um Estado completamente moderno. É aqui que a urgência e os
dilemas para reconstruir a burocracia aparecem com mais força.
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Material para fins didático

A REFORMA DO SERVIÇO PÚBLICO NO REINO UNIDO. Kate J Enkins *

As origens da reforma
No Reino Unido, o tema da reforma administrativa vem de longa data.
Os governos têm lutado contra a incompetência e a ineficiência desde que a burocracia
governamental existe. Nos últimos 100 anos têm havido tentativas importantes de reformas, mais ou
menos a cada 10 anos, que culminaram com a Comissão Real em 1966. Algumas tiveram forte
impacto no modo de funcionamento do governo; outras não deram em nada. Mas os objetivos sempre
foram mais ou menos os mesmos: melhorar o funcionamento do governo, aumentar a eficiência,
reduzir custos, eliminar o empreguismoe a corrupção e aumentar a eficiência.
Muitos analistas do serviço público britânico remontam ao tempo da II Guerra (1939-45) para
examinar as origens das mudanças. Estas eram, então, surpreendentes e impressionantes: enormes
contingentes de pessoal não treinado, convocados para atuar numa máquina em vertiginosa expansão,
que continuou a trabalhar num ritmo frenético por seis anos ou mais. Porém, isso foi há 50 anos e as
pretensões e a experiência dos envolvidos eram muito diferentes das atuais. A tendência agora é
examinar os últimos 25 anos à procura dos desenvolvimentos mais recentes, mas mesmo este período
experimentou mudanças importantes, que já foram superadas.
O governo trabalhista estabeleceu, em meados dos anos 60, uma Comissão Real para examinar o
serviço público. Ela foi presidida por sir (mais tarde lorde) John Fulton. O relatório do trabalho por ela
desenvolvido, conhecido como o Relatório Fulton, l deixou subsídios significativos para o serviço
público moderno.

* Senior advisor do governo britânico.


1 Report on the Committee on the Civil Service 1966·1968. London, HMSO, 1968. (Command 3638.)

o relatório refere-se à importância de uma administração competente


nos negócios públicos; suas propostas para treinamento, análise e reestruturação
refletiam o que havia de melhor nas práticas de gerenciamento da
época. O que também é significativo é que, hoje, ele mais parece uma peça
histórica. O relatório Fulton ainda era relevante (na verdade, ele ainda estava
sendo implementado, 12 anos atrás) - 15 anos depois de ter sido escrito
-, mas hoje descreve um outro mundo. Foram as mudanças ocorridas
a partir do início dos anos 80 que alteraram radicalmente a fisionomia do
serviço público britânico.
o governo conservador de 1979
~ 247 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Essas mudanças tiveram origem numa iniciativa puramente política. O


novo governo eleito em 1979, de direita por inclinação e profundamente
desconfiado do serviço público, estava determinado a mudar o modo de
funcionamento do serviço público. Queria diminuir o tamanho da máquina,
reduzir seu custo e atenuar sua influência na economia britânica. Essa não
foi, de maneira alguma, a primeira vez que se tentou introduzir o setor privado
no serviço público na Grã-Bretanha. A forte convicção de que o empresariado
sabia fazer tudo melhor foi um ingrediente importante nas tentativas
iniciais de reforma, tanto nos anos 20 quanto durante o governo
Heath, no início dos anos 70. Mas o governo conservador de 1979 tinha uma
determinação incomum e exerceu forte pressão nesse ponto.
Devido a essa pressão, o tamanho da administração central foi reduzido
de mais de 700 mil pessoas para aproximadamente 600 mil. Estabeleceu-
se o importante princípio de que não seria possível dispor de mais pessoas
e, assim, teriam de ser encontrados novos métodos de operação, mais
simples ou pelo menos intensivos em mão-de-obra. Controlaram-se também
os custos. O estabelecimento de limites de caixa funcionou e continua a servir
de mecanismo de controle dos gastos públicos.
Mas, como a máquina era grande e complexa - ainda 600 mil pessoas
em 1984 -, foram necessárias soluções complexas, conforme as políticas
evoluíam. As opiniões estavam divididas entre os que achavam de pouca
importância o modo de funcionamento da máquina pública e os que
achavam que isso era crucial para operacionalizar a política governamental.
Esse desacordo de pontos de vista levou 15 anos para ser resolvido. Agora
é elogiável se interessar em como o governo é administrado. Em 1979, isso
era considerado uma excentricidade.
No decorrer desses 15 anos, o próprio serviço público assumiu a
"questão da administração". A administração deixou de ser apenas parte de uma agenda política
imposta a um serviço público apático e ressentido. O
funcionalismo tornou-se em alguns casos um defensor entusiástico de mudanças
surpreendentemente radicais. O radicalismo dessas idéias surpreendeu
até mesmo os políticos que defendiam os princípios originais. O assunte
~ 248 ~
Material para fins didático

"reforma do serviço público", embora ainda de natureza política, não era


mais objeto de disputa política. No final dos anos 80, os dois partidos políticos
mais fortes já haviam adotado as principais mudanças e aceitado qUE
não haveria mudança de rumos, qualquer que fosse o partido que assumisse
o poder. O fato de o mesmo partido ter permanecido no poder por 16 anos
indubitavelmente contribuiu para o progresso firme da reforma, mas é du
vidoso se as coisas teriam sido muito diferentes se tivesse havido uma mu
dança de governo durante esse período.
As principais iniciativas
As principais iniciativas introduzidas nos últimos 15 anos originaram
se da política inicial de reduzir o tamanho e o custo do setor público. Esse
objetivos simples influenciaram os melhoramentos efetuados no gerencia
mento e as mudanças mais importantes nas atividades do Estado, pois a ne
cessidade de reduzir tamanho e custo e de melhorar o serviço pressionara
por mudanças.
A primeira e, em vários sentidos, a mais crucial iniciativa foi a Iniciativa
do Gerenciamento Financeiro (IGF). Ela foi adotada em decorrência de u
documento de política sobre eficiência no governo, publicado em 1982,2 qu
estabelecia os princípios básicos da boa administração a serem seguidos pel
governo. O documento enfatizava a importância da informação, de deixar cl
ras a responsabilidade e a autoridade e a importância de delegar decisões ac
nível mais efetivo. O primeiro passo foi a IGF desenhada para introduzir si
temas de informação gerencial nos departamentos do Estado. Até então, exi
tia uma enorme quantidade de informações, mas produzidas de modo a aten
der às necessidades do sistema de contabilidade do governo central. Para qu
os departamentos administrassem com eficiência seus recursos, era necessáric
um sistema de informações que mostrasse o quanto era gasto, no que e p
quem, em cada departamento. À medida que as atividades do governo se tor
naram mais complexas, o sistema de contabilidade por autorização passou I
não mais atender às suas necessidades e a dificultar a administração eficiente
do dinheiro ou dos programas.
~ 249 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

2 White Paper on Efficiency in the Civil Service. London, HMSO, 1981. (Command 8293.); Financial
management in government departments. London, 1983. (Command, 9058.)

Foram desenvolvidos em cada ministério sistemas de informações


computadorizados, baseados num desenvolvimento interno da informação,
de baixo para cima. A supervisão geral do desenvolvimento era feita por
uma unidade central bastante reduzida - a Unidade de Gerenciamento Financeiro
-, que foi corretamente extinta em 1985, já que sua principal missão
estava cumprida. Num período de três anos, cada ministério dispunha
de um sistema de informações que exibia os gastos e as responsabilidades
com alto grau de detalhamento.
Esses sistemas de informação permitiram passar à próxima etapa - a
implementação de um sistema de orçamentos por delegação em todos os
ministérios. Utilizando as informações fornecidas pelos novos sistemas, pôdese
começar a delegar responsabilidades por orçamentos específicos nos ministérios
e a identificar responsabilidades e delegar autoridade com relação
ao orçamento. O sistema de informação permitiu identificar áreas e programas
adequados e, mais importante, vincular o titular do orçamento ao que
foi orçado, pois a necessária informação sobre a produção fora fornecida. O
processo de introdução de sistemas de orçamentos era supervisionado pelo
Tesouro em meados dos anos 80.
Por trás dessas iniciativas havia uma grande ênfase no gerenciamento
das operações executivas do Estado britânico. A primeira-ministra havia criado
uma pequena unidade para dirigir o que era conhecido por "escrutínio".
Escrutínio era um processo de revisão e avaliação que examinava uma área
específica de uma política, ou programa, no que dizia respeito aos gastos, e
fazia algumas perguntas simples sobre as suas operações, do tipo "quanto
custou", "quem foi o responsável" e "quais foram os resultados". Os escrutínios
eram realizados por um pequeno grupo do ministério responsável, trabalhando
com a assessoria da Unidade de Eficiência - o grupo central. Eles
produziam um relatório resumido em três meses; as decisões eram tomadas
nos três meses seguintes e tudo estava completamente implementado num
~ 250 ~
Material para fins didático

prazo total de dois anos.


Os anos de 1979 a 1986 presenciaram o desenvolvimento e o fortalecimento
desses novos mecanismos de revisão do trabalho dos ministérios.
Eles deram aos mesmos um controle bem maior sobre os gastos e possibilitaram
a descoberta de melhores formas de empregar o dinheiro. Por exemplo,
em 1985, um pequeno escritório do Departamento de Empregos podia usar
seu próprio orçamento para contratar um decorador local para renovar as
dependências e podia comprar material na papelaria local. Até então, toda a
decoração tinha que ser feita mais vagarosamente e por um custo maior pela
unidade central de serviços, e todas as compras através da unidade central de
pedidos. Quando um grupo de escrutínio examinou como eram pagas as sub-venções do
Ministério da Agricultura descobriu que custava mais caro administrar
a subvenção para o desenvolvimento de uma reserva florestal do que
a quantia paga para esse fim. Numa escala bem maior, o pagamento de beneficios
a desempregados, com um orçamento girando na casa dos 100 milhões
de libras, teve seus custos substancialmente reduzidos pela revisão dos
métodos de pagamento e pela simplificação e redução dos processos.
O trabalho realizado nesse nível de detalhamento mostrou que, por
meio de mudanças simples e práticas, podia-se conseguir muito. O escritório
da Auditoria Nacional, na sua revisão do Programa do Escrutínio.' em 1985,
descobriu que mais de 1 bilhão de libras haviam sido poupados nos primeiros
quatro anos do programa, por causa das economias feitas pelos 150 escrutínios
realizados pela Unidade de Eficiência. Foi a partir desse processo
que se desenvolveram as mudanças conhecidas como "Iniciativa Próximos
Passos".
Em 1986, a Unidade de Eficiência da primeira-ministra produziu um
pequeno relatório: Aperfeiçoando o gerenciamento no governo: os próximos
passos. Ele analisava a situação da administração no governo central e observava
que "os novos sistemas estão demonstrando o quanto as atitudes e
as instituições têm que mudar para serem sentidos os verdadeiros beneficios
das reformas da administração. Faz-se necessária uma mudança radical na liberdade
de administrar para que se obtenham resultados substancialmente
~ 251 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

melhores".
A solução da Unidade de Eficiência foi recomendar que o trabalho de
cada departamento fosse organizado de forma que focalizasse o serviço a ser
feito: "os sistemas e as estruturas devem fortalecer a efetiva prestação do serviço".
Esse relatório levou ao processo de delegar a responsabilidade pela
administração às agências executivas e de reduzir os sistemas centralizados
de administração do serviço público.
O serviço público britânico agora possui cerca de 65% do seu contingente
trabalhando em agências. Elas variam em tamanho, de muito pequenas
_ um centro de conferências, com um staff de 20 pessoas - até as enormes
agências de benefícios, com 30 a 40 mil servidores. Os traços característicos
dessas agências é terem sistemas de gestão separados da administração central
e estarem cada vez mais gerindo seus próprios staffs, pagamentos e negociações,
e trabalharem mediante acordo com seus departamentos (secretarias)
responsáveis, conhecido como documento de referência.

3 Thirty Ninth Report from the Committee af Public Accaunts, the Rayner scrutiny programmes
1979·1983. London, HMSO, 1986. (HC, 365.)

Como o processo de estabelecimento das agências tem sido conduzido


numa programação contínua, o progresso inicial foi muito gradual, enquanto
se acumulava experiência. A flexibilidade administrativa aumenta quando e
conforme cada agência vai ficando pronta para a mudança. A mudança não
segue um padrão uniforme, cada agência tem seu próprio ritmo, apesar de
já existirem sinais de que alguma rigidez se insinua no programa, conforme as
metodologias vão se tomando mais assentadas e a orientação central mostra
a escala e a complexidade do mesmo.
O relatório Próximos Passos surgiu em meados dos anos 80, quando a
Unidade de Eficiência começou a achar que tudo o que estava sendo feito no
tocante à administração não estava produzindo os resultados esperados. O relatório
examinou a situação interna do serviço público e se concentrou nas
evidências colhidas através de conversas com servidores de todos os níveis. As
~ 252 ~
Material para fins didático

conclusões foram relatadas à prímeíra-mínístra.s O processo de implementação


levou sete anos e o programa agora está praticamente completo. Ele produziu
efeitos substanciais na estrutura do serviço público, separando as unidades
operacionais dos centros formula dores de políticas dos ministérios.
Enquanto as mudanças estruturais do programa Próximos Passos estavam
em andamento, o projeto de terceirizações do governo também ganhava
impulso. Nos anos 80, muitas das atividades de menor importância do
Estado foram passadas a terceiros. Os estágios iniciais não foram estimulantes.
Os servidores públicos tinham pouca ou nenhuma experiência em elaborar,
monitorar e gerenciar contratos. As falhas eram muitas. O programa
era direcionado a pequenas áreas - pessoal de segurança, mensageiros, serviços
de limpeza, mas não cobria áreas maiores.>
A administração central estava engatinhando no tocante a terceirizações,
mas o governo local e o Serviço de Saúde já terceirizavam muitos de
seus serviços por força de uma lei aprovada em 1988 e, por isso, já tinham
bem mais experiência no assunto. O processo conhecido como CCT (Compulsory
Competitive Tendering) exigia que os servidores da jurisdição local
competissem com o setor privado para prestar serviços segundo um contrato
definido, a custo menor. Essa mudança foi bastante impopular e vista como
de cunho político, mas levou os serviços ineficientes à ação. Em um hospital
de South Wales, os funcionários, que tinham elaborado as especificações dos
contratos, reuniram-se novamente e chegaram à conclusão de que eles mesmos,
que trabalhavam no hospital, poderiam prestar os serviços que seriam
'.:1

1IIIi
4Improving management in govemment: the next steps. London, The Efficiency Unit, HMSO, 1988.
5 Progress report on next steps. London, The Next Steps Unit, Dec. 1994.

terceirizados, com maior qualidade e por dois terços do custo. Esse novo
modo de pensar melhorou o controle sobre os custos dos serviços. E também
começou a persuadir as pessoas de que o dinheiro estava sendo desperdiçado
~ 253 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

e de que era possível encontrar formas melhores de utilizar recursos


escassos.
Em 1992, o governo Major iniciou um novo processo de contratação
externa, conhecido como "teste de mercado". Foram oferecidas áreas de gastos
do governo central, mediante um elaborado procedimento de contratos
e licitações, para que empresas do setor privado fizessem suas propostas e
concorressem para prestar serviços especializados. Houve muito alarde em
tomo do programa porque ele cobria áreas do governo central, como aconselhamento
jurídico, que eram consideradas de difícil contratação externa,
mas o resultado foi relativamente pequeno.
Os testes de mercado, bem como as contratações externas, reforçaram
a idéia de que era possível encontrar outros meios de realizar tarefas, até no
centro do governo, de forma menos onerosa e mais efetiva. Demonstraram
que partes do setor privado estavam preparadas para oferecer e gerir atividades
do setor público. Também demonstraram que muitas áreas da administração
pública central (destacando as mais antigas) ainda permaneciam relutantes
às mudanças.
Para surpresa de muitos, a iniciativa mais efetiva foi o Citízen's Charter
(Carta-Compromisso com os Cidadãos). A primeira carta foi elaborada pelo
governo em 19916 e abrangeu vários serviços do Estado. Foi desenvolvida
como um processo de declaração pública de metas de serviços específicos
a serem prestados aos cidadãos pelo serviço público. Começou, de forma
bem pouco convincente, com os serviços-alvo escolhidos pelas organizações
e não pelos cidadãos. Mas estimulou a imaginação num nível surpreendente.
Há cartas-compromisso agora para muitos serviços e organizações, tanto no
setor público, como no privado. Uma declaração de níveis de serviço é agora,
vários anos depois, vista como algo a ser exigido e usado, quando a organização
não consegue atingir suas metas.
É importante ser realista em relação a uma iniciativa como essa. Ela
provou sua eficácia em chamar a atenção das pessoas para a qualidade do
serviço que recebem. Colocou na agenda do administrador o serviço oferecido
e, em alguns casos, fez os funcionários pensarem, pela primeira vez,
~ 254 ~
Material para fins didático

naquilo que seus usuários ou clientes realmente desejam. Tudo isso é para
o bem, mas é um processo lento e tortuoso fazer as pessoas compreenderem

6 The citizen's charter. London, HMSO, 1991. (Command 1599.)

a importância de prestar serviços públicos com um nível razoável de cortesia


e eficiência.
O serviço público também começou a dar alguns passos na direção de
uma maior abertura. A preferência britânica pelo secreto ainda permanece.
Mas permite-se o acesso a mais informação: diz-se agora que se supõe que
a informação deva ser pública, a menos que haja razões para mantê-Ia em
segredo. Mas essa situação ainda está muito longe do reconhecimento do direito
dos cidadãos de serem informados sobre fatos e eventos. Atualmente
os altos funcionários, e não apenas os ministros, vêm a público justificar suas
ações, especialmente se pertencem a agências executivas. As metas e objetivos
das agências são publicados em seu documento de referência. Por
exemplo, o serviço penitenciário tem metas públicas sobre a qualidade das
prisões e o custo unitário dos serviços de custódia. Essas mudanças, embora
pareçam pequenas, são marcos importantes da abertura das atividades do
Estado. Assim, as mudanças encorajam os servidores a serem mais abertos
acerca de seus trabalhos e de suas idéias.
Têm ocorrido outras mudanças nos sistemas do Estado que contribuem
para o quadro geral. Os sistemas de gestão financeira foram adaptados pelo
Tesouro para atender às necessidades das novas organizações. Existe uma flexibilidade
muito maior nos objetivos anuais e as metas financeiras estão cada
vez mais dirigidas a resultados e a outputs do que a inputs. O próprio sistema
de gastos públicos passou por uma revolução na forma de apresentar, desenvolver
e usar a informação. Essas são pressões bastante significativas sobre
o sistema que contribuem para institucionalizar as mudanças que já ocorreram.
O Trading Funds Act reconheceu as pressões que sofre a administração
de negócios do setor público, criando um regime para os serviços públicos
operarem suas contas como as empresas privadas, e o Agency Trading Funds
~ 255 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Act propiciou um regime financeiro diferenciado para as agências, a fim de


que possam atingir suas metas. Cada uma dessas mudanças sinalizou ao serviço
público que estas eram permanentes e que até mesmo os sistemas financeiros
do Tesouro estavam se adaptando para incorporá-Ias.
A administração e o treinamento de pessoal também se desenvolveram
à medida que a organização mudava. Existe agora ampla delegação de
poderes para recrutar, treinar, promover e despedir pessoal dos ministérios e
das agências. As regras centralizadas do velho regulamento do serviço público
foram transferidas para os departamentos e agências e agora existe uma
abundante variedade de formas de administrar pessoal no serviço público.
Esse processo levou muitos anos. Em 1982 foi realizada uma revisão no trabalho
do funcionalismo público e, em função disso, ocorreram muitas das
mudanças mais radicais. A influência das agências executivas e a redução dos quadros do serviço
público encorajaram uma crescente delegação de responsabilidades e políticas das organizações
centrais do Gabinete e do .
souro.

Implementação
O processo de implementação de novas iniciativas reflete a nova é rude de identificar e obter
resultados. Foram dois os principais processos QI asseguraram a implementação. Primeiro, qualquer
mudança importante
reforçada pela utilização do sistema normal, através da linha de gerenc1
mento direto, usando o sistema de gastos públicos. Segundo, quando hav
necessidade de monitoramento e apoio mais detalhados, pelo estabelei
mento de pequenas unidades, responsáveis pelo estímulo às mudanças e p
Ia remoção dos obstáculos à implementação.
O primeiro sistema foi usado nas mudanças mais rigorosas - a
dução de custos e de pessoal. O Tesouro fixou e impôs exigências numéric
aos ministérios e deu-Ihes apoio contábil para cumprirem tais objetivos. Es!
é, de longe, o mais poderoso sistema no governo central do Reino Unid
Como o dinheiro para pagamentos, na vasta maioria dos casos, passa pe
Tesouro, essa é a forma mais eficiente de assegurar uma implementação ef
tiva. Era mais dificil quando os altos funcionários do Tesouro não compn
~ 256 ~
Material para fins didático

endiam ou não concordavam com o que estava sendo feito ou quando a t:


refa era simplesmente muito complicada para ser adicionada aos sistem:
normais de contabilidade.
O método suplementar - a pequena unidade central - também er
um modelo conhecido para estabelecer uma direção mas, até meados de
anos 80, foi pouco usado na implementação. Mudanças administrativas fe
ram implementadas em todo o serviço público e necessitavam um enfoqu
mais amplo. A Iniciativa do Gerenciamento Financeiro (IGF) estava a carg
da competentíssima Unidade de Gerenciamento Financeiro; a reforma d
administração de pessoal era de responsabilidade do Escritório de Gestão
de Pessoal, que não era uma pequena unidade e sim um ministério. A de!
regulamentação coube a uma unidade inspirada na Unidade de Eficiêncie
que coordenava e persuadia os departamentos a reduzir o impacto da bu
rocracia sobre os negócios, seguindo a política do governo.
A Unidade de Eficiência tinha uma responsabilidade mais ampla
acompanhar as melhorias na administração em todo o serviço público e exe
cutar avaliações específicas para a primeira-ministra. A implementação do
escrutínios era claramente da responsabilidade do ministério interessado. C
papel da Unidade era verificar o cumprimento dos princípios da implementação dos escrutínios,
se as decisões eram tomadas com rapidez e ímplementadas
com efetividade, e não o teor dessas próprias decisões. Mas o governo
continuava convencido da eficácia de uma pequena unidade especializada,
que daria o enfoque e o impulso necessários à implementação de políticas
complexas.
Quando se tomou a decisão de implementar o relatório "Próximos
Passos", a responsabilidade foi atribuída a uma pequena unidade central. Diferentemente
de muitas outras unidades, seu diretor sênior, um cargo no nível
de secretário geral, era responsável pela implementação. Ele não era
apenas responsável pelo funcionamento da Unidade, como no caso das outras
unidades. Pela primeira vez, seguindo a recomendação do relatório,
uma pessoa específica era responsável pelo sucesso da implementação, e
não apenas pela fiscalização do andamento correto dos processos.
~ 257 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

O Citízen's Charter seguiu um padrão similar: uma pequena unidade,


localizada nas dependências do Gabinete, foi criada desde o lançamento da
carta em 1992. Era um modelo comprovadamente eficiente e suficientemente
flexível para responder a mudanças de demanda. As unidades que
têm um único objetivo precisam ter um período de vida curto e definido. A
Unidade Próximos Passos, com sua tarefa principal completada, é agora dirigida
por um funcionário menos sênior. A necessidade de persuadir terminou
e as agências provaram seu valor. A nova Unidade de Eficiência, agora
parte do Gabinete, assume responsabilidade pelo programa de testes de
mercado e continua a realizar alguns escrutínios centrais.
O ponto mais significativo da implementação dessas iniciativas é o fato
de ter sido necessária uma pressão adicional, que operasse de várias formas,
para garantir que as grandes organizações do serviço público compreendessem
e executassem as mudanças previamente acordadas nos seus sistemas
de gestão. As mudanças nos sistemas de gestão são um tipo diferente
de mudança de política. A máquina para alterar políticas importantes funciona
razoavelmente bem e possui uma longa tradição. Uma decisão do Gabinete,
devidamente registrada e acompanhada pelo sistema do Gabinete,
vai ser implementada pelo departamento responsável segundo a lógica; mas
mudanças na forma de trabalho desse departamento são, de longe, mais dificeis
de ser implantadas e mantidas do que uma simples mudança de rumo
numa área de política pública.
Muitas tentativas de reforma falham porque a reforma na administração
pode ser confundida com uma alteração de política. Geralmente se conclui
que a mudança nas regras é suficiente para persuadir as pessoas a agir
de forma diferente. Os serviços públicos estão muito acostumados a mudanças
de políticas; no entanto, usarão instintivamente velhos instrumentos para lidar com essas
situações. Mudanças na administração envolvem rm
danças nesses instrumentos, uma tarefa muito mais dificil, desestabilizador
e de longa gestação, se comparada com uma mudança de política, por ma
complexa que seja.
As lições da reforma
~ 258 ~
Material para fins didático

Muitos países têm sistemas de administração que possuem uma rai


comum e que estão se mostrando inadequados para as tarefas de um Estad.
moderno. O Reino Unido teve que se valer de uma série de processos d
ferentes para conseguir as mudanças. Vale dizer que, na Grã-Bretanha, nã,
houve uma estratégia de longo prazo ou um plano bem estudado, com crc
nogramas planejados.
A princípio, no Reino Unido, não se pensava muito em utilizar objetivo
avançados; as pessoas pensavam em termos de insumos e não de resultado
e, em conseqüência, a implementação deixava a desejar. A comunicação en
pior ainda. Fracassávamos totalmente em explicar aos cidadãos o que estavi
acontecendo. Em parte porque, no princípio dos anos 80, ninguém estav,
particularmente interessado no que acontecia no governo, a menos que es
tivesse diretamente envolvido. E como pouco havia no tocante a uma estra
tégia, a não ser a vontade política do governo de melhorar o serviço públic:
reduzindo quadros e salários, pouco sobrava de construtivo para se dizer.
Agora, a administração do setor público demonstra mais profissiona
lismo. Os servidores públicos aprenderam a ser mais específicos quanto ao
resultados que pretendem alcançar, e isso significa que existe algo para se
mostrado ao público, quando esses resultados forem alcançados. Uma das li
ções importantes é saber quais são os objetivos e ter sólidas informações pa
ra gerir, decidir e avaliar os resultados.
No Reino Unido, foram realmente os sistemas de informação que co
meçaram a persuadir as pessoas a questionar custo e valor, o que levou ,
decisões mais racionais e efetivas. Sob certos aspectos, isso toma a tarefa de
governo mais dificil. Há muito menos espaço para decisões dúbias ou cor
ruptas quando se sabe a situação real das coisas.
Há a questão de qual deve ser o papel do Estado. Essa não é um,
questão puramente de preconceito político. Ela também se origina de uso:
e costumes. Uma lição muito importante foi a de que as pessoas não gostarr
de mudanças, mesmo que, em alguns casos, sejam para melhor. Mudança:
de prestadores de serviços têm de ser conduzidas com muito cuidado pare
que a oposição do público não destrua os beneficios das mesmas. Alguma:
~ 259 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

lições são desconfortantes: menos gente em geral faz um trabalho melhor


Um efetivo maior indica a necessidade de um processo burocrático, que pode
se tornar mais importante do que a melhoria da qualidade do serviço.
Num setor público bem conduzido, é importante que as coisas sejam feitas
rapidamente e que se reconheça que as necessidades dos indivíduos não são
apenas uma intrusão no bom funcionamento de um sistema administrativo,
e sim a própria razão de ser do sistema.
A terceirização de serviços do governo tem demonstrado que o caminho
do setor privado pode ser impraticável onde não há um setor privado
efetivo. No Reino Unido, tentamos, em particular no setor do governo local,
privatizar serviços onde não havia mercado do setor privado. Levou algum
tempo, mesmo numa economia de mercado desenvolvida, para as empresas
privadas perceberem o mercado potencial e começar a responder. Essa demora
em desenvolver um novo mercado pode tornar a mudança quase
inadministrável. O risco de privatizar um monopólio, que é freqüentem ente
a única solução, tem sérias conseqüências para o custo e a qualidade de
serviço.
A inexistência de um setor privado efetivo também pode significar que
não existe um mercado de trabalho desenvolvido no referido setor. No Reino
Unido, isso acabou sendo um problema em algumas áreas nas quais o Estado
tem sido o principal empregador. Nessa situação, a privatização ou o fechamento
de um serviço público e as perdas de postos de trabalho decorrentes
acabaram se tornando um grande problema para o mercado de trabalho local.
Há várias experiências úteis de como ajudar a colocar a mão-de-obra excessiva.
O valor do treinamento, da assistência no estabelecimento de um pequeno
negócio, da aposentadoria precoce e das pensões favoreci das pode ter
impacto no custo, mas alivia as conseqüências de um choque maior.
;'1

Os resultados
É difícil julgar o sucesso e o fracasso de uma reforma no serviço público.
Provavelmente, não existe sucesso absoluto e sim um processo de melhora.
~ 260 ~
Material para fins didático

O fator mais importante é a vontade e a determinação políticas de compreender esse tema difícil
e nada glamouroso e torná-lo realidade. O segundo fator mais importante talvez seja ter uma idéia
clara das consequências.
O caminho pode variar, quase infinitamente, dependendo do tempo, dos recursos, das pressões
políticas e de muitos outros fatores. Mas, se o final da fase seguinte estiver claro, é possível definir um
caminho realista. O terceiro fator crucial é o comprometimento dos indivíduos envolvidos. Essa não é
uma mudança que se consegue apenas com diligência: ela requer vontade, visão e determinação.
O que é realmente encorajador é que as pessoas agora reconhecem a importância de um setor
público eficiente. Trabalhar duro vale a pena se um serviço público simplificado e efetivo tornar
possível o desenvolvimento social e econômico. Em alguns países, a situação é tão grave que a
reforma é uma questão de sobrevivência, enquanto em outros é apenas um problema de melhoria. Em
ambos os casos, e nos casos intermediários, o desperdício.
de recursos, que se origina de serviços públicos incompetentes, deve ser tratado em regime de
urgência. A necessidade é sempre maior do que a disponibilidade, por isso é imperdoável a
incompetência enquanto houver necessidade.
No Reino Unido, temos agora informações e sistemas, e orçamentos delegados. Quase três
quartos do funcionalismo público central está trabalhando nas 108 agências executivas. Os contratos
de gestão, suas metas e objetivos, são de domínio público. Sob o Citizen's Charter a maioria dos
serviços públicos possui agora metas de serviço detalhadas e monitoradas, divulga das publicamente.
Cerca de 56 cartas-compromisso estão agora publica das e os padrões de serviço estão melhorando,
pois a pressão da publicidade encoraja o estabelecimento de metas cada vez mais exigentes.
Os sinais de melhoria são relativamente claros. Os serviços estão melhorando em rapidez,
eficiência e honestidade. Os servidores públicos são responsáveis por seus recursos de forma bastante
profissional e procuram constantemente melhores meios de utilizar esses recursos. O grande público
sente que está sendo razoavelmente bem tratado - eles raramente são entusiastas do serviço público.
Existem bem menos oportunidades de corrupção quando os processos do governo são transparentes e
acessíveis. Houve um progresso real, mas ainda há um longo caminho a percorrer.
~ 261 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

AS REFORMAS NO SETOR PÚBLICO DA NOVA ZELÂNDIA. Ruth Richardson *


Entre 1984 e 1994, a Nova Zelândia submeteu-se a um programa de reformas econômicas sem
paralelo na OCDE quanto ao seu campo de ação, coerência e consistência. O tema principal dessas
reformas era o uso muito maior das forças de mercado, aliado a um enfoque mais a médio prazo das
políticas fiscal e monetária.
Houve uma grande liberalização econômica, através da desregulamentação
dos mercados de produtos domésticos e de uma redução nas restrições
à importação; grande liberalização dos mercados de capital e de trabalho;
mudanças significativas na política social para fortalecer a autoconfiança;
e - no nível macroeconômico - uma nova ênfase na redução
da dívida do governo e na obtenção da estabilidade de preços.
Essas reformas fizeram com que a economia de pior desempenho na
OCDE se transformasse em uma das economias de crescimento mais rápido
e estão propiciando à Nova Zelândia uma das maiores taxas de geração de
empregos.
As peças-chave nas reformas da Nova Zelândia foram as mudanças no
modo de operar dos setores do Estado. Similarmente à maioria dos outros
países, a Nova Zelândia viu seu setor público expandir-se consideravelmente
nas últimas décadas.
Em 1984, o Estado tinha uma presença extensiva na economia, prestando
serviços sociais, executando numerosas funções econômicas, regulamentando
o setor privado e traçando políticas. A qualidade do governo tinha
impacto no desempenho geral da economia de numerosas maneiras,
tanto diretas quanto indiretas. Se a Nova Zelândia desejava se transformar
em uma economia mais produtiva e internacionalmente competitiva, estava

* Ministra das Finanças da Nova Zelândia de 1990 a 1993.

claro que era necessário que os setores do Estado desempenhassem seu papel
nessa transformação.
Como outros países já puderam notar no decorrer de programas de
liberalização da economia, obter uma virada econômica bem-sucedida é
~ 262 ~
Material para fins didático

muito mais difícil quando as reformas no setor privado não são acompanhadas
de reformas semelhantes no próprio Estado.
No caso da Nova Zelândia, assegurar uma melhor performance do
Estado envolveu uma transformação tão profunda como qualquer transformação
no setor privado. A Nova Zelândia não era o único país no mundo
a ter um setor público estruturado de forma a inevitavelmente produzir
ineficiência e a tomar poucas e erradas decisões. Havia poucos incentivos
para que os recursos fossem bem administrados diretamente pelo setor público.
A condição de monopólio das atividades do Estado era quase ubíqua.
Os sistemas eram extremamente burocráticos e centralizadíssimos, dando
aos chefes dos departamentos pouco poder para administrar. A maioria dos
departamentos tinha pouca consciência de sua missão; os objetivos eram
pouco específicos ou contraditórios. Muitos departamentos se encarregavam
de atividades que inerentemente Ihes criavam conflitos de interesse.
Nesse contexto, governantes e ministros sempre encontravam grandes
dificuldades para exercer controle sobre as políticas que os ajudariam em
seus objetivos estratégicos. Eles se tomavam reféns de um setor público baseado
em inputs, no qual só se podia exercer controle exigindo a aquiescência
a uma série de regras burocráticas sobre decisões e comportamentos
institucionais. Isso geralmente tomava mais lenta a implementação das políticas
desejadas, ou as frustrava completamente.
Um dos principais funcionários do Estado, responsável pelo processo
de reformas do setor público na Nova Zelândia, resumiu assim o antigo sistema:
"Confusão de objetivos, falta de accountability, inadequada adaptação
para mudanças, mecanismos de controle por demais centralizados, estruturas
complexas de administração, excesso de papelada, dispersão de responsabilidade,
mecanismos muito difundidos de proteção interna e, finalmente,
inabilidade para exercer o controle correto sobre os gastos do Estado ... caracterizavam
grandes áreas do setor público."
Dr. Roderick Deane, presidente, Comissão de Serviços do Estado da
Nova Zelândia, 1986/87
Esta frase poderia descrever muitos outros setores públicos de todo o
~ 263 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

mundo.

Os objetivos da reforma
As reformas da Nova Zelândia tinham como objetivo melhorar o desempenho e aumentar a
accountability do setor público em todos os aspectos.
Acima de tudo, procuravam:
o melhorar a relação custo/eficiência na produção de bens e serviços pelo setor público;
o melhorar a qualidade desses bens e serviços;
o tomar a atuação do setor público como provedor de bens e serviços mais sensível às
necessidades dos consumidores;
o dar aos representantes eleitos maior controle sobre a utilização do dinheiro dos contribuintes;
o aumentar a transparência do setor público;
o restringir os gastos públicos em geral, dentro dos limites de uma administração fiscal
responsável.
Muitas linhas de pensamento teórico podem ser encontradas na estrutura das reformas. Três
devem ser destacadas. A primeira, a Escola da Escolha Pública, deu ênfase à natureza do interesse
próprio dos políticos (cuja principal motivação é obter votos) e burocratas (motivados pelo tamanho do
orçamento de uma repartição). Esses interesses podem não corresponder ao interesse público. A linha
de pensamento da Teoria do Principal-Agent analisa a relação entre o principal e o agent, na qual o
agent é alguém que é contratado para realizar a tarefa em nome do principal. Uma vez que o principal
e o agent quase sempre possuem incentivos diferentes, o principal tem o problema de estruturar um
contrato que assegure que o agent realizará a tarefa designada. Esse tipo de problema acontece tanto no
setor público quanto no setor privado. O enfoque do Managerialism dá ênfase a um grupo de
princípios universais de administração que, acredita-se, tem grande aplicação em diferentes tipos de
organização, públicas e privadas.

Os princípios da reforma
Vários princípios-chave estão por trás das reformas do setor público da Nova Zelândia:
o Controle estratégico: controle excessivo baseado em regras na maioria das vezes acaba
impedindo o cumprimento dos objetivos estratégicos buscados pelos ministros. Os ministros precisam
ser capazes de exercer "controle" no
sentido estratégico.
o Objetivos claros: os administradores não devem encontrar uma infinidade
de objetivos conflitantes ou administrar organizações sem nenhum senso de
sua missão.
o Descentralização: estruturas por demais centralizadas dificultam inovações,
~ 264 ~
Material para fins didático

impedem os administradores de administrar e impõem pesados níveis de burocracia.


Por exemplo, os ministros não deveriam ser solicitados a tomar decisões
sobre o dia-a-dia de um departamento do Estado. Na verdade, a decisão
deveria ser tomada no nível mais bem situado para julgar corretamente.
No caso da Nova Zelândia, isso significou uma substancial descentralização
da tomada de decisões rotineiras.
o Accountability: o conceito de accountability precisa ser tão fundamental
para o setor público quanto o é para o setor privado. Para ter sentido, a accountability
precisa envolver níveis específicos de desempenho, liberdade administrativa
para buscar os resultados e sanções por falhas. Portanto, uma relação
efetiva de accountability exige: especificação antecipada dos níveis de
desempenho; autoridade para determinar como os recursos serão empregados
para produzir os resultados desejados; um processo de avaliação para
saber se os resultados foram obtidos.
o Competição: a condição de monopólio reduz em muito a eficiência do setor
público e impõe responsabilidades substanciais ao setor privado. Por essa
razão, os serviços prestados pelas agências públicas e as atividades comerciais
do Estado não devem ser protegidos da competição.
o Pressuposto do setor privado: o setor privado mostrou-se, em geral, mais
eficiente na produção de bens e serviços do que o Estado. Conseqüentemente,
essas atividades só devem ser executadas pelo Estado quando existir
uma razão convincente para isso.
Dada a importância de se ter objetivos claros e incentivos corretos
no setor público, a separação de funções entre diferentes agências era uma
característica bastante difundida nas reformas da Nova Zelândia. Antes das
reformas, um grande número de departamentos tinha objetivos inatingíveis,
nos quais havia conflitos de interesse e grande domínio dos fornecedores.
Muitos departamentos desempenhavam funções operacionais enquanto
elaboravam políticas para essas mesmas funções. Alguns departamentos
tinham sido regulamentadores de atividades nas quais eles mesmos estavam envolvidos. Além
disso, as atividades comerciais do Estado eram
sempre levadas a subordinar seus objetivos comerciais a uma variedade de
~ 265 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

outros objetivos. Isso era insatisfatório.


Conseqüentemente, muitos departamentos foram desmembrados ou
reestruturados de forma a: separar a elaboração de políticas do exercício das
funções operacionais; retirar as funções regulamentadoras das agências operacionais;
separar arrecadação de fundos da provisão de serviços; separar as
atividades comerciais das não-comerciais e fazer com que os fornecedores
públicos enfrentassem a competição dos fornecedores privados na prestação
de seus serviços.
Por exemplo, a ciência pública agora é da responsabilidade de vários
institutos de pesquisa corporativizados, que concorrem por fundos de uma
agência de financiamento. A elaboração de políticas na área de ciência é feita
por um único ministério.
A separação das atividades comerciais das não-comerciais levou a
uma clara divisão entre o núcleo do setor estatal, de um lado, e as empresas
de negócios do governo, de outro. Os dois setores possuem estruturas de organização
e regimes de accountability muito diferenciados.
o núcleo do setor estatal
Os ministros têm dois tipos de interesse em seus departamentos: o de
um "proprietário" e o de um "comprador" de serviços. Como proprietário de
um departamento, um ministro precisa ser assegurado de que o capital destinado
àquele departamento está sendo utilizado eficientemente. Na condição
de comprador de serviços em nome dos cidadãos, o ministro vai querer
saber se seu dinheiro está sendo bem gasto.
De acordo com o princípio de que as atividades comerciais rotineiras
são mais bem desempenhadas pelo setor privado, houve uma grande difusão
da tendência da terceirização no núcleo do setor estatal. A licitação para
a terceirização é agora uma prática comum.
Para as reformas do núcleo do setor estatal, foi fundamental uma mudança
de enfoque: de um pensamento baseado em insumos (inputs) para
uma perspectiva baseada em resultados (outputs). Existe também uma importante
distinção entre outputs e outcomes. Os outcomes são os resultados
econômicos e sociais buscados pelo governo e determinados pelos ministros.
~ 266 ~
Material para fins didático

O enfoque nos outcomes permite aos ministros a concentração de seus esforços


no nível estratégico e define prioridades para a alocação de recursos
públicos. Os outputs são os bens e serviços produzidos pelo núcleo do setor
estatal. Os outputs de departamentos auxiliam o governo a alcançar seus out comes maiores e
desejados. Os outputs de um departamento são determinados
pelo ministro e especificados em um contrato anual do departamento,
que é firmado entre o ministro e o chefe-executivo do departamento. Todas
as alocações de orçamento ocorrem com base nos outputs. Isso possibilita ao
ministro observar claramente o que ele está "comprando" de seu departamento
e a que preço. Finalmente, os inputs são os recursos usados para produzir
os outputs. Previamente, os departamentos estavam sujeitos a uma ampla
série de controles sobre seus inputs. Esse sistema era extremamente
centralizado, arbitrário e ineficiente. Com a mudança para um pensamento
baseado nos outputs, os departamentos agora podem gozar de uma liberdade
substancial na aquisição e na mescla de inputs, incluindo pessoal e capital.
Um regime baseado no desempenho e na accountability não tem espaço
para o emprego vitalício, ou para sistemas de remuneração nos quais
pagamento e posição não reflitam o desempenho. Por isso, os executivoschefes
de departamento estão submetidos agora a um contrato de trabalho
por tempo determinado (geralmente cinco anos).
Um "acordo anual de desempenho" é negociado entre cada ministro
e o executivo-chefe de departamento, detalhando os outputs desejados e os
padrões esperados no fornecimento de serviços. O executivo-chefe de departamento
é responsável pelo fornecimento dos outputs do seu departamento
e pela defesa dos interesse do governo no seu departamento. Seu
contrato de desempenho e o contrato departamental mais amplo são documentos
muito relacionados.
Enquanto os chefes executivos são, em primeiro lugar, responsáveis
em relação ao seu próprio ministro, eles também têm a responsabilidade de
auxiliar o primeiro-ministro e o gabinete. Antes de cada ano fiscal, o governo
publica um relatório das políticas do orçamento, que define as prioridades
estratégicas para o orçamento. O governo também define um número de
~ 267 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

áreas de resultados estratégicos para o setor público.


Um contrato de desempenho de um executivo-chefe de departamento
deve identificar as áreas de resultados estratégicos com as quais o seu departamento
pode colaborar e especificar, portanto, áreas-chave de resultados
para seu departamento, o que auxiliará o governo em suas áreas de
resultados estratégicos. Isso contribui para garantir a coerência de propósitos
no núcleo do setor estatal, no qual todos os departamentos estão auxiliando
o governo em sua estratégia maior.
Cada contrato de emprego de um executivo-chefe é estabelecido com
a Comissão de Serviços do Estado, que reavalia anualmente seu desempenho.
O executivo-chefe do departamento é, por sua vez, a autoridade responsável
pela contratação de pessoal do departamento. Anteriormente, todo
o pessoal era contratado pela Comissão de Serviços do Estado. As relações
patronais eram supercentralizadas e não manejáveis. Agora, o executivo-chefe
de cada departamento tem poder total para determinar a quantidade de
pessoal e negociar as condições de contratação. Os departamentos estão em
uma posição muito melhor para implementar um sistema de pagamento baseado
no rendimento e em outros mecanismos que maximizem o uso de seus
recursos humanos. Por exemplo, mais de um terço dos empregados do Estado
estão agora sob contratos individuais. As relações patronais no núcleo
do setor estatal, portanto, melhoraram consideravelmente tanto em flexibilidade
quanto em accountability.
Os novos sistemas de administração de pessoal e a distinção na Nova
Zelândia entre os outputs dos departamentos e os outcomes procurados pelos
ministros permitem que a accountability no governo seja desenvolvida localmente,
com o nível apropriado de autoridade.
Portanto, o contrato de desempenho do executivo-chefe está restrito
a áreas sobre as quais se espera que ele tenha controle. Por exemplo, no
caso do Departamento de Impostos, é feita uma distinção entre, de um lado,
o desempenho de seu executivo-chefe no que diz respeito à receita
destinada à manutenção de um departamento (sob o qual ele tem controle)
e, por outro lado, a receita de todo o governo, onde a incidência e
~ 268 ~
Material para fins didático

a escala de impostos são áreas sobre as quais o executivo-chefe tem pouco


controle.
Os executivos-chefes são agora responsáveis pela administração financeira
de seus departamentos e devem viver estritamente com as dotações
anuais do Parlamento. Eles também têm liberdade de administrar o balanço
do departamento. Muitos departamentos contrataram contadores especializados
do setor privado, o que provocou grandes mudanças na cultura dessas
organizações.
Todas as dotações parlamentares são, agora, baseadas em outputs, sob
a forma de competências. Um sistema de contabilidade de competência é
fundamental em um sistema baseado no desempenho. Apenas com esse tipo
de sistema é possível avaliar o custo correto dos recursos utilizados na produção
de outputs. Portanto, a introdução da contabilidade de competência,
na Nova Zelândia, foi uma iniciativa tomada com vistas a apoiar um regime
mais amplo, baseado no desempenho.
A nova administração financeira, além de reconhecer o interesse do
governo em um departamento na condição de comprador, reconhecia também
seu papel de proprietário. Portanto, além de alocar fundos para a produção de outputs, o
Parlamento também deve autorizar o tamanho do balanço
de um departamento. Foi instituído um sistema de remuneração de
capital para criar melhores incentivos para os departamentos aplicarem eficientemente
o capital.
São grandes as exigências de relatórios. Cada departamento do Estado
e cada entidade da Coroa precisa, agora, produzir os seguintes relatórios: relatório
de posição financeira, relatório de operação (despesas e receitas), fluxo
de caixa, relatório de objetivos; relatório de desempenho dos serviços,
comparando o desempenho atual com os objetivos; relatório de compromissos;
relatório de obrigações contingentes; relatório de gastos não apropriados;
relatório das regras de contabilidade e comparativos entre os números
atuais e os do ano anterior.
As atividades comerciais do Estado
o novo regime de atividades comerciais do Estado é muito diferente
~ 269 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

do regime aplicado ao núcleo do setor estatal. As atividades comerciais dos


departamentos do Estado foram tiradas por completo do campo institucional
dos departamentos e reconstituídas como empresas estatais (EEs).
Pretendia-se que a estrutura legislativa que rege as EEs reproduzisse
ao máximo os incentivos encontrados pelo setor privado. Portanto, as EEs foram
incorporadas como empresas sob a Lei das Companhias, com uma diretoria
escolhida por sua experiência em administrar empresas do setor privado.
O principal objetivo de cada EE era ser uma empresa de sucesso.
Cada EE deveria dar lucros e ser eficiente, como as empresas do setor privado,
ser um "bom empregador" e agir de maneira socialmente responsável.
As EEs foram subordinadas às mesmas leis comerciais que regem os negócios
privados. Elas deviam tomar empréstimos por conta própria (sem garantias
do governo), pagar impostos e pagar dividendos ao governo.
Ao mesmo tempo, foi desenvolvida uma estrutura para monitorar o
desempenho das novas corporações. As ações das EEs foram transferidas
formalmente para dois ministros de gabinete, que seriam auxiliados no monitoramento
do desempenho das EEs pelo Tesouro e por uma unidade especial
de acompanhamento criada pelo Estado. Cada EE deveria, em conjunto
com os ministérios que detinham suas ações, elaborar um relatório
anual de metas corporativas. Esse documento declarava a natureza, o enfoque
e os objetivos dos negócios, regras de contabilidade, metas de desempenho
e política de dividendos. O relatório anual de metas corporativas
era arquivado no Parlamento, e o desempenho da EE era submetido a um
exame minucioso por um comitê de parlamentares. Portanto, de acordo com o princípio da
separação de propriedade e controle, existia uma relação de
distância entre o governo e a diretoria da EE. Os ministros detentores das
ações da EE não tentavam adivinhar as decisões cotidianas da diretoria da
EE. Ao invés disso, sua função principal era indicar os membros da diretoria
e monitorar o desempenho dessa diretoria em manter o valor do investimento
do contribuinte na empresa.
Em conjunto com a transformação das atividades comerciais do Estado
em EEs, o governo também retirou a maioria dos privilégios especiais
~ 270 ~
Material para fins didático

relativos a antigas organizações. Onde essas organizações haviam sido protegidas


da competição, esta proteção foi removida. Os subsídios foram amplamente
eliminados e as EEs tiveram que competir em um mercado aberto
e desregulamentado.
Havia ainda uma provisão na Lei das Empresas Estatais, pela qual o
governo poderia pagar um subsídio específico para uma EE se responsabilizar
por uma atividade específica com propósitos sociais. Na prática, essa regra
quase nunca era utilizada. Isso reflete, pelo menos em parte, a realidade
política de que os subsídios são muito mais facilmente justificados quando
seus valores estão ocultos do que quando são transparentes. No antigo regime,
havia muitos "subsídios ocultos". No novo regime, a necessidade de se
tomar os subsídios explícitos parece ter imposto uma nova disciplina ao governo.
Mesmo com as substanciais melhorias no desempenho comercial sob
a corporatização, a posição das EEs ainda não era totalmente ideal.
Primeiramente, o regime de monitoramento das EEs era inferior ao regime
utilizado pelas empresas do setor privado. Quando as ações são negociadas
livremente no mercado, seu preço constitui um reflexo diário do
desempenho da empresa. Os bancos e os analistas têm uma função importante.
E a ameaça do takeover é um dos maiores incentivos a um bom desempenho.
Essa ameaça não existe no caso de uma EE.
Em segundo lugar, em uma empresa do governo, os ministros que
possuem as ações e a diretoria têm grandes chances de, pelo menos em alguns
pontos, entrarem em conflito quanto a seus interesses e ambições em
relação às futuras decisões da empresa. Os diretores querem sempre expandir
seus negócios ou diversificar suas operações. O governo, ao contrário, reluta
em fornecer mais capital ou aumentar o risco do negócio.
Existe uma terceira razão para se preferir ver as EEs no setor privado
- a oportunidade de desvio político nas regras da EE. Essa oportunidade
é potencialmente grande. Por exemplo, o governo pode ser tentado a escolher
uma diretoria extremamente política, ao invés de procurar pessoas
mais qualificadas. Pode existir uma política de dividendos frouxa para evitar um aumento de
preços que seria politicamente inconveniente. Ou pode-se
~ 271 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

até interferir diretamente no preço. A privatização elimina essas possibilidades.


Finalmente, no caso da Nova Zelândia, planos econômicos que falharam
no passado deixaram o país com o ônus de uma grande dívida pública.
A privatização dava ao governo os meios de reduzir os riscos gerais,
reduzindo o débito no seu balanço.
Por todas essas razões, o governo da Nova Zelândia decidiu conduzir
um extenso programa de privatização de EEs e outros ativos do governo.
Um programa de privatização de sucesso deve ter objetivos claros e
um processo bem definido para a condução das vendas. Na Nova Zelândia,
o nosso objetivo era maximizar o valor de cada venda para o contribuinte.
Outros objetivos - como o desejo de implantar o capitalismo popular
ou redistribuir as rendas de um grupo ou outro - não tinham um
papel importante. Portanto, na Nova Zelândia nós utilizamos um enfoque
puramente econômico. Procurando obter o melhor preço por cada transação,
não servíamos diretamente apenas ao interesse do contribuinte. Servíamos
também a um interesse maior de eficiência econômica, uma vez
que aqueles compradores que estavam preparados para pagar o maior preço
eram, em geral, os que poderiam utilizar esses bens da maneira mais eficiente.
Um processo correto para qualquer privatização é crucial quando se
procura obter o máximo possível de beneficios. Esses passos incluem: atender
à estrutura regulatória para a indústria em questão; garantir autoridade
legislativa para a venda; assegurar-se de que o ativo esteja estrutura do da
melhor maneira para venda; desenvolver um processo de venda com integridade
comercial; e administrar as questões de comunicação.
Na Nova Zelândia, acreditávamos que era importante em qualquer
venda de ativos que a estrutura regulatória da indústria em questão estivesse
bem determinada antes de se realizar a venda. Isso dava certeza máxima a
todos os envolvidos. Em alguns casos, como a venda do Banco da Nova Zelândia,
a estrutura regulatória já era bastante satisfatória no momento em
que se decidiu a venda. Em outras ocasiões, como a venda da New Zealand
Telecom, algumas questões regulatórias precisaram ser resolvidas antes de a
venda ser realizada.
~ 272 ~
Material para fins didático

Nós não cometemos o erro de vender os monopólios do Estado de


forma que eles se tornassem monopólios privatizados. A desregulamentação
e os contestable markets tornaram-se a norma nas reformas econômicas da
Nova Zelândia. Quando uma indústria tinha algumas características de monopólio
natural, ou nos poucos casos em que o preço cobrado dos consu-midores era uma preocupação
do governo, o enfoque escolhido era o dos
contestable markets (onde possível) aliado a uma leve regulamentação.
Uma opção regulatória viável, exercida no caso da New Zealand Telecom,
é a do governo manter uma participação acionária "dourada" na empresa
privatizada. Essa participação pode ditar qualquer preço ou necessidade
de serviço que o governo possa querer forçar em beneficio dos consumidores
- em troca, naturalmente, da redução de preço recebido pela venda
da empresa.
Como o ambiente regulatório, a autoridade legislativa para a venda
deveria estar completa antes de o processo formal de venda ser iniciado. Se
o governo procura maximizar o preço recebido, deve evitar incluir condições
arbitrárias na legislação que possam ter motivo político, mas que degrade
o processo de venda. Se um grande número de bens está sendo privatizado,
a legislação genérica é desejável. No caso da Nova Zelândia, todas
as EEs haviam sido formadas sob a Lei das Empresas Estatais. Portanto, por
lei, o governo era possuidor de ações dessas empresas e vendê-Ias para o setor
privado não exigia uma nova legislação.
Quando se inicia o processo de venda, a transparência e a integridade
são fundamentais para manter a confiança:
o Deve existir a maior abertura possível no processo de vendas, com o mínimo
de restrições quanto a quem pode participar das licitações.
o Deve ser fornecido ao licitante o maior número de informações possível.
o A venda não deve estar ligada a um cronograma fiscal. Se um bem está
sendo vendido para "melhorar" os números de um ano fiscal, ele está sendo
vendido pela razão errada. Esse tipo de enfoque corre o risco de provocar
vendas apressadas, erros no processo de vendas, além de comprometer o
preço. Por essa razão, quando eu era ministra das Finanças, delíberadamente,
~ 273 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

não incluía nenhum processo de privatização dentro das previsões fiscais.


(Na Nova Zelândia, a mais sofisticada aferição do balanço operacional de
um governo não inclui, em caso algum, os ingressos provenientes da venda
de ativos.)
o Uma vez decidida a venda pelos ministros, o processo deve decorrer da
maneira mais comercial possível. Os ministros, como representantes dos contribuintes,
serão chamados para tomar a decisão final sobre o licitante ou licitantes
que serão aceitos, e podem ser envolvidos em negociações posteriores.
Entretanto, eles devem ter pouco ou nenhum contato com os
compradores potenciais até esse estágio do processo. Durante quase todo o
tempo, os licitantes devem lidar com pessoas autorizadas.
o Ao escolher os licitantes finais, o papel dos ministros é minimizar o risco
fiscal para o contribuinte. Isso pode significar baixar o preço em troca de outros
elementos na venda, tais como o número de indenizações ou garantias
fornecidas ao comprador.
A qualidade na comunicação é importante para maximizar a confiança
no processo. O governo deve garantir aos licitantes a abertura e a integridade
do processo e o desejo do governo de obter o melhor comprador
ao melhor preço; e também deve garantir ao público em geral os benefícios
econômicos da privatização, e a garantia de que a privatização reduzirá os
riscos fiscais e contribuirá para uma sociedade empresarial.
No programa de privatização da Nova Zelândia, bens totalizando mais
de $13 bilhões foram vendidos no período de alguns anos. Mesmo tendo
ocorrido alguns erros no começo do programa, as vendas foram conduzi das
de acordo com os critérios aqui descritos. A maioria das vendas foi por concorrência
aberta.
Dado o pequeno tamanho da economia da Nova Zelândia e o fato de
que muitas vezes as corporações neozelandesas estavam sofrendo uma pressão
considerável por ajustes pelo programa de ampla reestruturação econômica
do governo, foi preciso contar com a participação de compradores
estrangeiros. Em contrapartida, houve grande interesse externo, refletindo
confiança no programa de reformas econômicas.
~ 274 ~
Material para fins didático

A confiança na integridade do processo de privatização também era


grande. Vale a pena citar que a Transparency International, uma organização
anticorrupção da Alemanha, indicou a Nova Zelândia como o menos corrupto
dos 41 países por ela pesquisados.
Garantindo a responsabilidade fiscal
A alta qualidade da informação financeira produzida pelo setor estatal
permite ao Tesouro elaborar um relatório financeiro por competências para
o governo como um todo. Também é elaborado um balanço consolidado
para todo o setor estatal. A Nova Zelândia é o único país no mundo que elabora
esse balanço. Se, por um lado, é uma construção artificial, que requer
cuidado na sua interpretação, um balanço do governo traz, sem dúvida, informações
valiosas. Particularmente, as tendências do valor líquido do Estado
durante um período são um indicador fiscal importante.
A produção de contas baseadas no princípio de competências e um
balanço do governo têm dois importantes benefícios. Encorajam o governo
a prestar atenção nas conseqüências de longo prazo de suas políticas, ao in-vés de considerar seu
impacto em apenas um ano. Também reduzem
oportunidades de um governo fornecer informações fiscais imprecisas.
A informação financeira do Estado também deve estar de acordo COi
as práticas geralmente aceitas de contabilidade e uma supervisão indeps:
dente nos relatórios fiscais é exercida por um corpo estatutário. Nenhum 01
tro Estado soberano no mundo submete suas contas a um tal exame ind:
pendente. Isso aumenta a credibilidade do regime de administraçã
financeira da Nova Zelândia.
Foram introduzidas três iniciativas legislativas na moderna era da aI
ministração fiscal. A Lei do Setor Estatal de 1988 libertou as relações patrona
do núcleo do setor estatal e criou um regime descentralizado de administr,
ção, no qual o enfoque é o desempenho para a contratação e a contabilidad
voltada para os resultados. O Estatuto de Finanças Públicas de 1989 intrc
duziu maiores reformas na administração financeira, tais como a contabilid:
de por competências e a exigência da elaboração de um balanço do Estadc
Estas reformas deram aos ministros valiosos instrumentos com os qua:
~ 275 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

avaliar a posição fiscal e fazer os cortes necessários nos gastos do govern


No entanto, elas não garantiam que os ministros tomassem boas decisões
gastos. Estas precisam ser associadas à vontade do governo de utilizar ess
ferramentas responsavelmente. Esse tipo de política não está sempre pr
sente. Isso me motivou, como ministra das Finanças entre 1990 e 1993,
procurar fortalecer ao máximo o comportamento de responsabilidade fisc
ao longo do tempo. Isso levou a outra iniciativa-chave legislativa no seto
das reformas públicas - a Lei de Responsabilidade Fiscal de 1994.
Essa lei foi vista como um marco na legislação. Ela estabelece uma e
trutura estatutária para a condução responsável da política fiscal. Como mU,tos países já
descobriram à própria custa, a responsabilidade fiscal é difícil d
ganhar e fácil de perder. A lei procura reverter a tendência institucional o
política que geralmente leva ao crescimento dos gastos do governo e a dé
ficits fiscais financeiros.
A Lei de Responsabilidade Fiscal pretende fazer para a política fisc
o que a Lei de Reserva Bancária de 1990 fez para a política monetária -
uma estrutura estatutária que promova uma política de credibilidade e qUj
aja como uma proteção contra as tendências políticas que comprometam es
sa resolução.
Existem dois elementos essenciais para a legislação: os princípios d~
responsabilidade fiscal e a abertura. O primeiro é um conjunto de princípio!
explícitos para a condução prudente da política fiscal, e a abertura é a exi
gência de total exposição da posição financeira do governo, chegando até
à obrigação legal de "abrir os livros" antes de uma eleição.
A nova estrutura legal identifica características-chave da política de
responsabilidade fiscal. Cinco "princípios de administração de responsabilidade
fiscal" fornecem referências a partir das quais a política fiscal deve ser
desenvolvida e julga da.
o Reduzir o débito total do Estado a níveis prudentes para poder oferecer um
"amortecedor" contra fatores que possam ter impacto negativo no nível do
débito total do Estado no futuro, assegurando que, até que estes níveis sejam
alcançados, o total de gastos operacionais do Estado, em cada ano fiscal, seja
~ 276 ~
Material para fins didático

menor que o total de sua receita no mesmo ano fiscal.


Esse princípio reconhece que, atualmente, os níveis de endividamento
da Nova Zelândia são muito altos e devem ser reduzidos significativamente,
buscando diminuir a vulnerabilidade da economia a eventos adversos. Isso
deve ser atingido pela obtenção de um balanço operacional positivo.
o Uma vez atingidos níveis prudentes de endividamento do Estado, manter
esses níveis, assegurando que, na média, em um período razoável de tempo,
o total de gastos operacionais do Estado não exceda o total da receita operacional.
O segundo princípio subentende que, uma vez que o débito tenha sido
reduzido, ele não deve (geralmente) ser aumentado. Particularmente, o
governo não deve tomar dinheiro emprestado para "pagar a mercearia". Este
princípio é elaborado para ser aplicado estritamente a médio/longo prazo.
A curto prazo, fatores cíclicos podem bem resultar em desvio, temporário
e desejado, do balanço fiscal. Portanto, o segundo princípio descarta
o tipo de regra simplista que procura, por exemplo, fazer uma previsão orçamentária
anual obrigatória. Na prática, essas regras não têm um bom histórico.
o Alcançar e manter níveis de valor líquido do Estado que possam servir como
amortecedor contra fatores que possam causar impacto negativo no valor
líquido no futuro.
O terceiro princípio reconhece que existe uma ampla gama de fatores
que interessam à posição fiscal além do que mostraria o enfoque exclusivo nos
débitos. Por exemplo, o balanço do governo inclui uma exposição significativa
sobre as responsabilidades de pensão do setor público, que não estão incluídas
nas definições comuns de débito público. Não só os níveis do débito importam,
mas também os bens que estão por trás deles.
Como nos dois primeiros princípios, o enfoque no valor líquido do Estado
também reconhece que, ao longo do tempo, os governos devem se '
preparar para eventualidades que possam não aparecer no balanço atual.
Por exemplo, uma população que envelhece pode exigir implementações no
apoio à saúde e aposentadoria.
o Administrar prudentemente os riscos fiscais que ameaçam o Estado.
O quarto princípio reconhece que a posição fiscal está inevitavelmente
~ 277 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

sujeita a choques e requer que o Estado administre ativamente os riscos


inerentes a seus bens, os seus passivos e itens que estejam fora do balanço,
como as garantias.
o Prosseguir com as políticas consistentes com um grau razoável de previsibilidade
sobre o nível e a estabilidade das alíquotas de imposto para os
anos seguintes.
O quinto princípio reflete a importância da estabilidade de impostos
e níveis de gastos para o planejamento do setor privado, investimentos, confiança
nos negócios e crescimento.
Estes princípios não impedem um governo de governar e seguir o seu
próprio programa político. Sob o Estatuto, o governo ainda é livre para especificar
as prioridades estratégicas pelas quais ele se guiará na preparação do
orçamento. Ele pode - e deve - avançar suas ambições econômicas e sociais.
Isso não está proscrito de maneira alguma na legislação. Mas a existência
dos princípios fiscais garante que os objetivos do governo serão buscados de
uma maneira fiscalmente responsável. Também se reconhece que o governo
pode, em determinada ocasião, ser forçado temporariamente a abandonar os
princípios de administração com responsabilidade fiscal. No entanto, quando
isso ocorrer, é tarefa do governo justificar esse desvio e projetar como ele pretende
voltar a seguir os princípios estatutários.
Tão importante quanto os princípios que asseguram a administração
fiscal responsável é o compromisso com a abertura fiscal. A Lei de Finanças
Públicas fortalece adicionalmente relatórios de alta qualidade ex post através
de medidas como exigência de produção de atestados fiscais cumulativos
dentro de seis semanas antes do fim do ano fiscal do governo. No entanto,
o maior enfoque da Lei de Responsabilidade Fiscal é uma visão futura. A lei
está preocupada com a integridade do processo orçamentário e em garantir
o maior grau possível de abertura do panorama fiscal do Estado.
O objetivo da lei é assegurar um alto grau de entendimento público
e parlamentar dos parâmetros que serviram de base à elaboração do orçamento.
Ela exige que o ministro das Finanças publique um relatório de políticas
do orçamento (Budget Policy Statement - BPS) pelo menos três meses
~ 278 ~
Material para fins didático

antes do início do ano fiscal. O BPS deve: especificar os objetivos do governo


quanto à política fiscal de longo prazo; confirmar que estes objetivos estejam de acordo com os
princípios da administração fiscal responsável; especificar
as amplas prioridades estratégicas que vão orientar a preparação
do orçamento para aquele ano fiscal; indicar explicitamente o caminho escolhido
para os principais agregados fiscais sobre o período de planejamento
do orçamento; indicar se este caminho está de acordo com os princípios de
administração fiscal responsável, ou não, para os objetivos de longo prazo;
justificar qualquer mudança do caminho escolhido para estes princípios e
objetivos; e comparar os objetivos a longo prazo e as intenções fiscais com
os especificados mais recentemente e justificar qualquer mudança.
Portanto, a lei expõe a base sobre a qual o governo está preparando
o orçamento para a avaliação parlamentar e a contestação privada mesmo
antes de o orçamento ser finalizado. Isso deve levar a um significado mais
amplo de propriedade das questões orçamentárias que o governo precisa
encaminhar.
A lei requer um conjunto detalhado de três anos de projeções econômicas
e fiscais a serem publicadas no momento do orçamento, junto com uma
cobrança na política fiscal no contexto dos princípios de administração fiscal
responsável. Além disso, ela exige um segundo conjunto de projeções econômicas
e fiscais para três anos a serem publica das na metade do ano fiscal.
A lei requer, depois, um conjunto completo de projeções econômicas
de três anos que devem ser publica das pouco antes de uma eleição geral.
Isto permite a todos os partidos políticos e ao grande público debater as
questões e prever políticas com a melhor fonte de informação sobre as finanças
do país. O ímpeto dos partidos políticos em se engajarem em um leilão
de benefícios na corrida por uma eleição é muito reduzido quando o
verdadeiro estado das contas do Estado precisa ser aberto antes desta eleição.
O relatório da política do orçamento e outros relatórios exigidos pela
Lei de Responsabilidade Fiscal são enviados ao Comitê de Finanças e Gastos
do Parlamento para sua minuciosa análise. Os princípios da responsabilidade
fiscal na lei, em conjunto com a "abertura dos livros" pré-eleitoral e uma revisão
~ 279 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

do orçamento da estratégia fiscal por um comitê selecionado oferecem


grandes incentivos para que os governos ponham em prática a política fiscal
de uma maneira responsável.
Portanto, a lei dá aos contribuintes e investidores maior confiança na
forma pela qual o Estado administra as finanças e os recursos públicos. Ela
ajuda a manter uma boa política fiscal também no futuro. Isso, conseqüentemente,
está tornando a Nova Zelândia um local mais atraente para investimentos
e sustentando a ampla estratégia para um maior crescimento econômico
e melhores padrões de vida no país. A figura a seguir apresenta a
lógica básica dessa estrutura.
Lei de Responsabilidade Fiscal e condução
da política fiscal
Lei
define a estrutura da política fiscal
Governo
decide a política fiscal detalhada que pode ser avaliada em relação à
estrutura da lei
Parlamento
inicia, com o exame pré-orçamentário dos parâmetros e pressupostos
do orçamento e também com o exame pós-orçamentário, a conciliação
dos resultados com a estratégia fiscal anunciada
Público em geral
é mais bem informado e pode julgar melhor o mérito e a credibilidade
das políticas fiscais do governo
Administrando a transição
Quando se implementa a reforma no setor público, muitos fatores podem
auxiliar para que a transição para o novo regime seja feita da maneira
mais suave possível, entretanto, quatro necessitam ser enfatizados.
O primeiro é a coerência da reforma em todo o setor público. Nesse
caso o modelo da Nova Zelândia é muito bom. Numa reforma coerente, todos
os elementos trabalham para reforçar uns aos outros criando uma transformação
mais ampla na cultura.
~ 280 ~
Material para fins didático

O segundo é a importância de se ter pessoal de alta qualidade em posições-


chave. As reformas de Estado fazem com que inevitavelmente algumas
agências percam poder, e ainda resistam às mudanças necessárias. Pessoal de
alta qualidade e com boa noção das intenções estratégicas das reformas pode
ser utilizado para eliminar esses bloqueios. Na Nova Zelândia, a reforma
teria sido muito menos suave se uma pessoa assim não tivesse sido trazida para
dirigir a Comissão de Serviços do Estado no momento crucial.
Em terceiro lugar, é necessário ter comunicação de alta qualidade. Para
os trabalhadores do setor público, as reformas precisam ser mostradas como
um desenvolvimento positivo que lhes dará maior satisfação no trabalho
e aumentará as oportunidades de carreira. Para o público em geral, a comunicação
precisa ressaltar a melhora nos serviços públicos, resultado das
reformas, o caráter mais responsável destes, os benefícios de o governo estar
em posição de exercer maior disciplina sobre toda a posição fiscal.
Finalmente, é importante o apoio de todos os partidos. Idealmente, a
legislação que implementa a reforma deveria receber apoio dos partidos de
oposição. Não foi sempre assim no caso da Nova Zelândia. Um acordo entre
todos os partidos dá às reformas maior durabilidade política e aumenta a
confiança no programa como um todo.
As reformas do Estado, na escala em que ocorreram na Nova Zelândia,
necessitavam claramente de maiores mudanças na cultura das organizações
e em muitos casos também na estrutura organizacional. Conforme esperado,
o sindicato do setor público opôs-se drasticamente às mudanças no sistema
de relações patronais do setor estatal. Ninguém esperaria do sindicato um
apoio à mudança de um sistema centralizado de negociação coletiva para um
sistema onde cada executivo-chefe poderia negociar diretamente as condições
com sua força de trabalho. Tal movimento iria enfraquecer a força do
sindicato. A oposição do sindicato, no entanto, nunca foi um problema muito
sério, uma vez que o governo mostrou clara determinação de aplicar a reforma.
Depois de bem estabelecido, o novo regime tomou as relações patronais
do setor público muito mais suaves do que eram anteriormente.
A reestruturação do núcleo do setor estatal reduziu o tamanho da força
~ 281 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

de trabalho de mais de 60 mil para 30 mil funcionários públicos. Muitos


desses trabalhadores, no entanto, mudaram de uma organização para um
emprego reestruturado em uma nova organização. Conseqüentemente, foram
evitadas redundâncias em larga escala. A corporatização das atividades
comerciais do Estado produziu, comparativamente, redundâncias substanciais.
Isto refletiu o grau de ineficiência e o excesso de pessoal nas operações
comerciais do Estado no velho regime.
Assim, a criação das EEs deslocou muitos trabalhadores. Aqui foi cometido
um erro instrutivo no programa de reforma. Por alguns anos, uma
ampla liberalização do mercado de trabalho no setor privado não foi tentada
na Nova Zelândia. Como resultado temos funcionários deslocados das EEs,
ou de outros setores da economia, protegidos e ineficientes, que, em muitos
casos, não foram reabsorvidos na força de trabalho em nenhum outro lugar
do setor privado. O aumento do desemprego tomou-se um grande problema
para o então governo trabalhista. Somente quando o governo sancionou
a Lei dos Contratos de Emprego, em 1991, é que o mercado de trabalho do
setor privado foi liberalizado a um grau comparável com o do núcleo do setor
estatal. A grande queda subseqüente no desemprego ilustrou o erro que
havia sido cometido antes na seqüência das reformas.
A lição é que a reforma no setor público precisa ser acompanhada de
uma liberalização do setor privado, se se quer que os custos humanos e políticos
da reforma sejam minimizados.
Avaliação e conclusão
As reformas do setor público na Nova Zelândia foram descritas como
as de maior alcance e mais ambiciosas em comparação com outras do mesmo
tipo no mundo. Por exemplo, no último relatório mundial sobre competitividade,
feito pelo fórum suíço World Economic Forum, a Nov~ Zelândia
ocupa o primeiro lugar entre todos os países na categoria "governo".
A corporatização dos serviços comerciais do Estado trouxe rapidamente
resultados surpreendentes. Em todas as medições sérias de desempenho
comercial, os negócios do Estado tiveram resultados muito melhores
após a corporatização. Muitas das melhorias na produtividade foram especialmente
~ 282 ~
Material para fins didático

dramáticas. Por exemplo, a New Zealand Telecom, a nova EE de


telecomunicações, quase dobrou sua produtividade; a nova EE de carvão
cortou sua força de trabalho pela metade no primeiro ano de operação, enquanto
aumentava sua produção; e as rodovias reduziram seu pessoal em
quase dois terços em -um período de quatro anos.
Estes ganhos de eficiência não beneficiaram as próprias corporações;
eles foram repassados para os consumidores em termos de redução de preços
e - freqüentem ente - de melhores serviços. Por exemplo, os preços da
eletricidade caíram 13%; os preços das telecomunicações, 20%, assim como
os do carvão; os fretes das ferrovias caíram pela metade; o preço de postagem
de uma carta simples caiu substancialmente ao longo do tempo; e as
novas companhias portuárias também obtiveram grande redução em seus
preços; além disso, quase todas as EEs se tomaram muito mais atentas ao
consumidor do que suas antecessoras. Por exemplo, na indústria de telecomunicações,
o tempo de espera para a instalação de um novo telefone caiu
de seis semanas para apenas dois dias.
Houve também grandes benefícios para os contribuintes. A grande
maioria das EEs se converteu em negócios rentáveis, em alguns casos revertendo
um quadro de anos de prejuízos. Como um todo, as EEs aumentaram
o retomo dos fundos de acionistas em cerca de 75% em apenas um
ano. Pelos pagamentos de impostos e dividendos, elas se tornaram uma
grande fonte de receita para o Estado.
Não era esperado que a privatização das EEs levasse a ganhos de produtividade
tão rápidos e quase tão dramáticos como os que ocorreram na
corporatização. Na maioria dos casos, a privatização apenas colocou um negócio
que já funcionava bem em um ambiente onde ele pudesse se desenvolver
e se expandir a longo prazo. No entanto, existem todos os sinais de
que a maioria das EEs privatizadas está se beneficiando de maior liberdade
e maior oportunidade por serem propriedade privada. Por exemplo, o setor de telecomunicações
da Nova Zelândia - que abrange uma antiga EE e
uma nova empresa no mercado - obteve o primeiro lugar na categoria de
telecomunicações no último relatório mundial sobre competitividade.
~ 283 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Como resultado da Lei do Setor do Estado e da Lei das Finanças PÚblicas,


podemos responder as seguintes questões básicas: o que estam os comprando?
Quanto isto custa? Quais os impactos possíveis no caixa geral?
Quem é responsável? Em relação à primeira pergunta, no antigo sistema os
fundos de inputs não garantiam que os outputs almejados seriam realmente
obtidos. Agora existe precisão sobre os outputs e uma relação muito mais firme
entre os recursos aplicados e os resultados obtidos. Também, saber apenas
o custo em dinheiro não é saber todo o custo. Nas reformas, todas as implicações
dos recursos devem ser consideradas: posição de caixa em qualquer
ano considerado, custos correntes, compromentimento de capital e responsabilidade
contingente. A análise dos impactos possíveis no caixa geral
pede uma avaliação do valor dos ativos para balancear com nossos débitos.
O cálculo do balanço do governo mostrando a posição de caixa total nos dá
um importante indicador do desempenho do setor estatal. Finalmente, em
termos de responsabilidade, nós agora temos um sistema de accountability
claro e a liberdade para administrar. No antigo sistema existia uma accountability
confusa e as regras baseadas nos inputs nos davam toda condição de
culpar as regras e a interferência dos outros pelo mau desempenho.
Sobre o sistema de terceirização, os padrões de desempenho são estabelecidos
e os outputs são especificados, assim como o preço que será pago
por esses outputs. Agora fica claro que: o Parlamento é responsável pelo
controle dos gastos e possui melhores meios para controlar a contabilidade
de cada departamento com vistas a melhorar o desempenho; o ministro é
responsável por determinar os outputs de seu departamento em termos de
resultados sociais buscados pelo governo e o executivo-chefe é responsável
pelo uso eficiente dos ativos e por determinar os melhores meios de obter
os outputs pelo preço negociado com o governo.
Enquanto era ministra das Finanças, pude experimentar, em primeira
mão, o valor do novo enfoque para as contas públicas, baseado em outputs.
O panorama fiscal do país quando me tornei ministra, em 1990, era muito
grave e exigia uma ação para reduzir os gastos do governo. Nessas condições,
a informação fornecida pelo regime de administração financeira provou
~ 284 ~
Material para fins didático

ser de grande valor. O novo enfoque em outputs permitiu aos ministros


estabelecer prioridades e fazer permutas de uma maneira que seria impossível
há apenas alguns anos. Como resultado, conseguimos progredir substancialmente
no campo fiscal. O orçamento de 1991 rendeu maiores economias,
e os grandes déficits que vinham se arrastando transformaram-se em superávits fiscais de tal
magnitude e durabilidade que o governo iniciará neste
ano uma grande redução nos impostos.
Portanto, as reformas no setor público deram aos ministros e departamentos
as ferramentas necessárias para conduzir a política fiscal de uma
forma mais responsável. No entanto, apenas com o elemento final - a Lei
de Responsabilidade Fiscal - é que a administração fiscal responsável passou
a ser realmente assegurada. Pelos princípios da administração fiscal responsável
e suas severas exigências de abertura fiscal e transparência, a lei
fornece uma proteção contra governos futuros que possam ser tentados a fugir
da integridade fiscal. De acordo com a revista Economist, a Lei de Responsabilidade
Fiscal, quando combinada com a Lei da Reserva Bancária,
provavelmente dá a Nova Zelândia a melhor estrutura macroeconômica do
mundo.
Concluindo, considero que as lições mais valiosas das reformas da Nova
Zelândia são:
o Melhores resultados virão de uma estrutura conceitual coerente implementada
em todo o setor público.
o As políticas para o setor privado precisam ser coerentes com a reforma do setor público. Em
particular, a liberalização do mercado de trabalho é crucial para assegurar que trabalhadores
deslocados do setor público recebam empregos produtivos no setor privado.
o Alterações estruturais que envolvam mudança nos incentivos ao desempenho dão mais garantia
de mudança cultural do que a simples exortação ou regras prescritivas.
o Um enfoque baseado em outputs dá aos políticos condições de controlar firmemente os
recursos do setor público. Por sua vez, os "libertados" administradores públicos estão mais capacitados
para antecipar as ambições econômicas e sociais da nação.
~ 285 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA À GERENCIAL. Luiz Carlos Bresser Pereira


A reforma da administração pública que o governo Fernando Henrique
Cardoso vem propondo desde 1995 poderá ser conhecida no futuro como
a segunda reforma administrativa do Brasil. Ou a terceira, se considerarmos
que a reforma de 1967 merece este nome, apesar de ter sido, afinal,
revertida. A primeira reforma foi a burocrática de 1936. A reforma de 1967
foi um ensaio de descentralização e de desburocratização. A atual reforma
apóia-se na proposta de administração pública gerencial, como uma resposta
à grande crise dos anos 80 e à globalização da economia - dois fenômenos
que estão impondo, em todo o mundo, a redefinição das funções do Estado
e de sua burocracia.
A crise do Estado implicou a necessidade de reformá-Io e reconstruí-Io;
a globalização tornou imperativa a tarefa de redefinir suas funções. Antes da
integração mundial dos mercados e dos sistemas produtivos, os Estados podiam
ter como um de seus objetivos fundamentais proteger as respectivas
economias da competição internacional. Depois da globalização, as possibilidades
do Estado de continuar a exercer esse papel diminuíram muito. Seu novo
papel é o de facilitar que a economia nacional se torne internacionalmente
competitiva. A regulação e a intervenção continuam necessárias na educação,
na saúde, na cultura, no desenvolvimento tecnológico, nos investimentos
em infra-estrutura - uma intervenção que não compense os desequilíbrios
distributivos provocados pelo mercado globalizado, mas principalmente que
capacite os agentes econômicos a competir em nível mundial.' A diferença

I Como observou Fernando Henrique Cardoso (I996:AIO): "a globalização modificou o papel do
Estado ... a ênfase da intervenção governamental [está] agora dirigida quase exclusivamente para
tornar possível às economias nacionais desenvolverem e sustentarem condições estruturais de
competitividade em escala global".

entre uma proposta de reforma neoliberal e uma socialdemocrática está no


fato de que o objetivo da primeira é retirar o Estado da economia, enquanto
o da segunda é aumentar a governança do Estado, é dar meios financeiros e
administrativos para que ele possa intervir efetivamente, sempre que o mercado
~ 286 ~
Material para fins didático

não tiver condições de coordenar adequadamente a economia.


Neste trabalho concentrar-me-ei no aspecto administrativo da reforma
do Estado. Embora o Estado seja, antes de mais nada, o reflexo da sociedade,
vamos aqui pensá-lo como sujeito, não como objeto - como organismo, cuja
governança precisa ser ampliada para que possa agir mais efetiva e eficientemente
em beneficio da sociedade. Os problemas de governabilidade não
decorrem do "excesso de democracia", do peso excessivo das demandas sociais,
mas da falta de um pacto político ou de uma coalizão de classes que ocupe
o centro do espectro político.é Nosso pressuposto é de que o problema político
da governabilidade foi provisoriamente equacionado com o retomo da
democracia e a formação do "pacto democrático-reformista de 1994", possibilitada
pelo êxito do Plano Real e pela eleição de Fernando Henrique Cardose.'
Esse pacto não resolveu definitivamente os problemas de governabilida
de existentes no país, já que estes são por definição crônicos, mas deu ao
governo condições políticas para ocupar o centro político e ideológico e, a
partir de um amplo apoio popular, propor e implementar a reforma do Estado.
Depois de uma breve seção em que analisarei a grande crise dos
anos 80 como uma crise do Estado e as respostas da sociedade brasileira a
essa crise, farei um breve diagnóstico da crise da administração pública burocrática
brasileira e dos seus mitos. Em seguida definirei os princípios da reforma
do aparelho do Estado em direção a uma administração pública gerencial,
e delinearei as formas mais adequadas de propriedade para as
diversas atividades que o Estado hoje realiza, em função da redefinição de
suas funções. Para essa redefinição, de um lado, distinguirei três formas de
propriedade - a pública estatal, a pública não-estatal e a privada, e, de outro,
dividirei as ações hoje realizadas pelo Estado em quatro setores: núcleo
estratégico, atividades exclusivas de Estado, serviços sociais competitivos ou
não-exclusivos, e produção de bens e serviços para o mercado.
2 Para uma crítica do conceito de governabilidade relacionado com o equilíbrio entre as demandas ao
governo e sua capacidade de atendê-las, que tem origem em Huntington (1968), ver Diniz (1995),
3 Está claro para nós que, conforme observa Frischtak (1994:163), "o desafio crucial reside na
obtenção daquela forma específica de articulação da máquina do Estado com a sociedade, na qual se
~ 287 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

reconheça que o problema da administração eficiente não pode ser dissociado do problema político".
Não centraremos, porém, nossa atenção nessa articulação.

Crise e reforma
No Brasil, a percepção da natureza da crise e, em seguida, da necessidade
imperiosa de reformar o Estado ocorreu de forma acidentada e contraditória,
em meio ao desenrolar da própria crise. Entre 1979 e 1994 o Brasil
viveu um período de estagnação da renda per capita e de alta inflação sem
precedentes. Em 1994, finalmente, estabilizaram-se os preços através do Plano
Real, criando-se as condições para a retomada do crescimento. A causa
fundamental da crise econômica foi a crise do Estado - uma crise que ainda
não está plenamente superada, apesar de todas as reformas já realizadas. Crise
que se desencadeou em 1979, com o segundo choque do petróleo. Crise
que se caracteriza pela perda da capacidade do Estado de coordenar o sistema
econômico de forma complementar ao mercado. Crise que se define
como fiscal, como uma crise do modo de intervenção do Estado, como uma
crise da forma burocrática pela qual o Estado é administrado, e, em um primeiro
momento, também como uma crise política.
A crise política teve três momentos: primeiro, a crise do regime militar
- uma crise de legitimidade; segundo, a tentativa populista de voltar
aos anos 50 - uma crise de adaptação ao regime democrático; e finalmente,
a crise que levou ao impeachment de Fernando Collor de Mello - uma
crise moral. A crise fiscal ou financeira caracterizou-se pela perda do crédito
público e por poupança pública negativa." A crise do modo de intervenção,
acelerada pelo processo de globalização da economia mundial, caracterizou-
se pelo esgotamento do modelo protecionista de substituição de importações,
que foi bem-sucedido em promover a industrialização nos anos
30 a 50, mas que deixou de sê-lo a partir dos anos 60; transpareceu na falta
de competitividade de uma parte ponderável das empresas brasileiras; expressou-
se no fracasso em se criar no Brasil um Estado do Bem-Estar que
se aproximasse dos moldes socialdemocratas europeus. Por fim, a crise da
~ 288 ~
Material para fins didático

forma burocrática de administrar um Estado emergiu com toda a força depois


de 1988, antes mesmo que a própria administração pública burocrática
pudesse ser plenamente instaurada no país.
A crise da administração pública burocrática começou ainda no regime
militar, não só porque não foi capaz de extirpar o patrimonialismo que
sempre a vitimou, mas também porque esse regime, ao invés de consolidar
-s,
4 Não confundir "crédito público" com "credibilidade do governo". Existe um crédito público quando
o Estado merece crédito por parte dos investidores. Um Estado pode ter crédito e seu governo não ter
credibilidade; e o inverso também pode ocorrer: pode existir um governo com credibilidade em um
Estado que, dada a crise fiscal, não tem crédito.

uma burocracia profissional no país, através da redefinição das carreiras e de


um processo sistemático de abertura de concursos públicos para a alta administração,
preferiu o caminho mais curto do recrutamento de administradores
através de suas empresas estataís.> Essa estratégia oportunista do regime
militar, que resolveu adotar o caminho mais fácil da contratação de
altos administradores através das empresas, inviabilizou a construção no país
de uma burocracia civil forte, nos moldes que a reforma de 1936 propunha.
A crise agravou-se, entretanto, a partir da Constituição de 1988, quando se
saltou para o outro extremo e a administração pública brasileira passou a sofrer
do mal oposto: o enrijecimento burocrático extremo. As conseqüências
da sobrevivência do patrimonialismo e do enrijecimento burocrático, muitas
vezes perversamente misturados, são o alto custo e a baixa qualidade da administração
pública brasileira."
A resposta da sociedade brasileira aos quatro aspectos da crise do Estado
foi desequilibrada e ocorreu em momentos diferentes. A resposta à crise
política foi a primeira: em 1985 o país completou sua transição democrática;
em 1988, consolidou-a com a aprovação da nova Constituição. Já
em relação aos outros três aspectos - a crise fiscal, o esgotamento do modo
de intervenção e a crescente ineficiência do aparelho estatal-, o novo regime
instalado no país em 1985 pouco ajudou." Pelo contrário, em um primeiro momento agravou os
problemas, revelando-se um caso clássico de resposta voltada para trás. Em relação à crise fiscal e ao
~ 289 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

modo de intervenção do Estado, as forças políticas vitoriosas tinham como parâmetro o


desenvolvimentismo populista dos anos 50; em relação à administração pública, a visão burocrática
dos anos 30.

5 Esta foi uma forma equivocada de entender o que é uma administração pública gerencial. A
contratação da burocracia através das empresas estatais impediu a criação de corpos burocráticos
estáveis, dotados de uma carreira flexível e mais rápida que as carreiras tradicionais, mas sempre uma
carreira. Como observa Santos (I 995), "assumiu o papel de agente da burocracia estatal um grupo de
técnicos, de origens e formações heterogêneas, mais comumente identificados com a tecnocracia que
vicejou, em especial, na década de 70. Oriunda do meio acadêmico, do setor privado, das (próprias)
empresas estatais e de órgãos do governo, essa tecnocracia ... supriu a administração federal de
quadros para a alta administração". Sobre essa tecnocracia estatal ver os trabalhos clássicos de Martins
(I976, 1985) e Nunes (I 984).
6 Nas palavras de Nilson Holanda (I993:165): "A capacidade gerencial do Estado brasileiro nunca
esteve tão fragilizada; a evolução nos últimos anos, e especialmente a partir da chamada Nova
República, tem sido no sentido de uma progressiva piora da situação; e não existe, dentro ou fora do
governo, nenhuma proposta condizente com o objetivo de reverter, a curto ou médio prazos, essa
tendência de involução",
7 Constitui exceção a essa generalização a reforma do sistema financeiro nacional realizada entre
1983 e 1988, com o fim da "conta-movimento" do Banco do Brasil, a criação da Secretaria do
Tesouro, a eliminação de orçamentos paralelos, especialmente do "orçamento monetário", e a
implantação de um excelente acompanhamento e controle computadorizado do sistema de despesas - o
Sistema de Informações Administrativas e Financeiras (Siafi). Essas reformas, realizadas por um
notável grupo de burocratas liderados por Maílson da Nóbrega, João Batista Abreu, Andrea Calabi e
Pedro Parente, estão descritas em Gouvêa (1994).

Da administração burocrática à gerencial


A administração burocrática clássica, baseada nos princípios da administração do Exército
prussiano, foi implantada nos principais países europeus no final do século passado, nos Estados
Unidos no começo deste século e no Brasil em 1936, com a reforma administrativa promovida por
Maurício Nabuco e Luiz Simões Lopes. É a burocracia que Max Weber descreveu, baseada no
princípio do mérito profissional.
A administração pública burocrática foi adotada em substituição à administração
patrimonialista, que definiu as monarquias absolutas e na qual o
patrimônio público e o privado eram confundidos. Nesse tipo de administração,
o Estado era entendido como propriedade do rei. O nepotismo e o
empreguismo, senão a corrupção, eram a norma. Esse tipo de administração
~ 290 ~
Material para fins didático

revelar-se-ia incompatível com o capitalismo industrial e as democracias parlamentares


que surgiram no século XIX.É essencial para o capitalismo a clara
separação entre o Estado e o mercado; só pode existir democracia quando
a sociedade civil, formada por cidadãos, distingue-se do Estado ao
mesmo tempo que o controla. Tornou-se assim necessário desenvolver um
tipo de administração que partisse não só da clara distinção entre o público
e o privado, mas também da separação entre o político e o administrador
público. Surgiu então a administração burocrática moderna, racional-legal.
A administração pública burocrática clássica foi adotada porque era
uma alternativa muito superior à administração patrimonialista do Estado.
Entretanto, o pressuposto de eficiência em que se baseava não se mostrou
real. No momento em que o pequeno Estado liberal do século XIXcedeu definitivamente
lugar ao grande Estado social e econômico do século XX, verificou-
se que ela não garantia nem rapidez, nem boa qualidade, nem custo
baixo para os serviços prestados ao público. Na verdade, a administração burocrática
é lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada para o atendimento
das demandas dos cidadãos.
Esse fato nada tinha de grave enquanto prevaleceu um Estado pequeno,
cuja única função era garantir a propriedade e os contratos. No Estado
liberal só eram necessários quatro ministérios - o da Justiça, responsável pela
polícia; o da Defesa, incluindo o Exército e a Marinha; o da Fazenda e o das Relações Exteriores.
Nesse tipo de Estado, o serviço público mais importante
era o da administração da Justiça, que o Poder Judiciário realizava. O
problema da eficiência não era, na verdade, essencial. No momento, entretanto,
que o Estado se converteu no grande Estado social e econômico do século
XX, assumindo um número crescente de serviços sociais - educação,
saúde, cultura, previdência e assistência social, pesquisa científica - e de papéis
econômicos - regulação do sistema econômico interno e das relações
econômicas internacionais, estabilidade da moeda e do sistema financeiro,
provisão de serviços públicos e de infra-estrutura -, nesse momento, o problema
da eficiência tornou-se essencial. Por outro lado, a expansão do Estado
respondia não só às pressões da sociedade, mas também às estratégias de
~ 291 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

crescimento da própria burocracia. A necessidade de uma administração pública


gerencial, portanto, não decorre apenas de problemas de crescimento,
e das decorrentes diferenciação de estruturas e complexidade crescente da
pauta de problemas a serem enfrentados, mas também da legitimação da burocracia
perante as demandas da cidadania.
Após a II Guerra Mundial houve uma reafirmação dos valores burocráticos,
mas, ao mesmo tempo, a influência da administração de empresas
começou a se fazer sentir na administração pública. As idéias de descentralização
e de flexibilização administrativa ganharam espaço em todos os
governos. Entretanto, a reforma da administração pública só ganharia força
a partir dos anos 70, quando teve início a crise do Estado, que levaria à crise
também sua burocracia. Em conseqüência, nos anos 80 iniciou-se uma grande
revolução na administração pública dos países centrais em direção a uma
administração pública gerencial.
Os países em que essa revolução foi mais profunda foram o Reino Unido,
a Nova Zelândia e a Austrálía." Nos Estados Unidos, essa revolução ocorreu
principalmente no nível dos municípios e condados - revolução que o
livro de Osborne e Gaebler, Reinventando o governo (1992), descreve de forma
tão expressiva. Era a administração pública gerencial que estava surgindo,
inspirada nos avanços realizados pela administração de empresas.?
Aos poucos foram-se delineando os contornos da nova administração
pública: a) descentralização do ponto de vista político, transferindo-se recur-
...
;~
8 A melhor análise que conheço da experiência inglesa foi escrita por um professor universitário a
pedido dos sindicatos de servidores públicos britânicos (Fairbrother, 1994).
9 O livro de Osborne e Gaebler foi apenas um dos trabalhos realizados na linha da administração
pública gerencial. Entre outros trabalhos, lembramos Barzelay (1992), Fairbrother (1994), Kettl &
Dilulio (1994). No Brasil, além do trabalho de Hélio Beltrão, cabe citar um artigo pioneiro de Nilson
Holanda (1993).

sos e atribuições para os níveis políticos regionais e locais; b) descentralização


administrativa, 10 através da delegação de autoridade aos administradores públicos,
~ 292 ~
Material para fins didático

transformados em gerentes cada vez mais autônomos; c) organizações


com poucos níveis hierárquicos, ao invés de piramidais; d) pressuposto da
confiança limitada e não da desconfiança total; e) controle a posteriori, ao invés
do controle rígido, passo a passo, dos processos administrativos; e f) administração
voltada para o atendimento do cidadão, ao invés de auto-referida.
As duas reformas administrativas
No Brasil, a idéia de uma administração pública gerencial é antiga. Começou
a ser delineada ainda na primeira reforma administrativa, nos anos 30,
e estava na origem da segunda reforma, ocorrida em 1967. Os princípios da
administração burocrática clássica foram introduzidos no país através da criação
do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp)."! A criação
do Dasp representou não só a primeira reforma administrativa do país, com
a implantação da administração pública burocrática, mas também a afirmação
dos princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica. 12
Contudo, já em 1938 temos um primeiro sinal de administração pública gerencial,
com a criação da primeira autarquia. Surgia então a idéia de que os
serviços públicos na "administração indireta" deveriam ser descentralizados e
não obedecer a todos os requisitos burocráticos da "administração direta" ou
central. A primeira tentativa de reforma gerencial da administração pública
brasileira, entretanto, só aconteceu no final dos anos 60, através do Decretolei
nQ 200, de 1967, sob o comando de Amaral Peixoto e a inspiração de Hélio
Beltrão, que iria ser o pioneiro das novas idéias no Brasil. Beltrão participou
da reforma administrativa de 1967 e, depois, como ministro da Desburocra-

10 Os franceses chamam a descentralização administrativa de "descontraçáo" para distingui-la da


política, que chamam de "descentralização".
11 Mais precisamente em 1936 foi criado o Conselho Federal do Serviço Público Civil, que, em 1938,
foi substituído pelo Dasp.
12 O Dasp foi extinto em 1986, dando lugar à Secretaria de Administração Pública da Presidência da
República (Sedap), que, em janeiro de 1989, foi extinta, sendo incorporada à Secretaria do
Planejamento da Presidência da República. Em março de 1990, foi criada a Secretaria da
Administração Federal da Presidência da República (SAF), que, entre abril e dezembro de 1992, foi
incorporada ao Ministério do Trabalho. Em janeiro de 1995, com o início do governo Fernando
~ 293 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Henrique Cardoso, a SAF transformou-se em Ministério da Administração Federal e Reforma do


Estado (Mare).

tização entre 1979 e 1983, transformou-se em arauto das novas idéias. Definiu
seu Programa Nacional de Desburocratização, lançado em 1979, como uma
proposta política que visava, através da administração pública, a "retirar o
usuário da condição colonial de súdito para investi-Io na de cidadão, destinatário
de toda a atividade do Estado" (Beltrão, 1984: 11).
A reforma iniciada pelo Decreto-lei nº 200 foi uma tentativa de superação
da rigidez burocrática, podendo ser considerada como um primeiro
momento da administração gerencial no Brasil. Colocou-se toda a ênfase na
descentralização, mediante a autonomia da administração indireta, a partir do
pressuposto da rigidez da administração direta e da maior eficiência da administração
descentralizada. 13 O decreto-lei promoveu a transferência das atividades
de produção de bens e serviços para autarquias, fundações, empresas
públicas e sociedades de economia mista, consagrando e racionalizando uma
situação que já se delineava na prática. Instituíram-se como princípios de racionalidade
administrativa o planejamento e o orçamento, a descentralização
e o controle dos resultados. Nas unidades descentralizadas foram utilizados
empregados celetistas, submetidos ao regime privado de contratação de trabalho.
O momento era de grande expansão das empresas estatais e das fundações.
Através da flexibilização de sua administração buscava-se uma eficiência
maior nas atividades econômicas do Estado, e se fortalecia a aliança
política entre a alta tecnoburocracia estatal, civil e militar e a classe empresarial.
14
O Decreto-lei nº 200 teve, porém, duas conseqüências inesperadas e
indesejáveis. De um lado, por permitir a contratação de empregados sem
concurso público, facilitou a sobrevivência de práticas patrimonialistas e fisiológicas.
De outro, por não se preocupar com mudanças no âmbito da administração
direta ou central, que era vista pejorativamente como "burocrática"
ou rígida, deixou de realizar concursos e de desenvolver carreiras de
altos administradores. O núcleo estratégico do Estado foi, na verdade, enfraquecido
~ 294 ~
Material para fins didático

indevidamente através da estratégia oportunista do regime militar,


que, ao invés de se preocupar com a formação de administradores pú-
~'
~
13 Conforme Bertero (1985: 17), "subjacente à decisão de expandir a administração pública através da
administração indireta está o reconhecimento de que a administração direta não havia sido capaz de
responder com agilidade, flexibilidade, presteza e criatividade às demandas e pressões de um Estado
que se decidira desenvolvimentista".
14 Essa aliança recebeu diversas denominações e conceituações nos anos 70. Fernando Henrique
Cardoso referiu-se a ela através do conceito "anéis burocráticos"; Guillermo O'Donnell interpretou-a
através do "regime burocrático autoritário"; eu me referi sempre ao "modelo tecnoburocrático-
capitalista": Peter Evans consagrou o conceito de "triplice aliança".

blicos de alto nível selecionados através de concursos públicos, preferiu


contratar os escalões superiores da administração através das empresas estatais.
15
Dessa maneira, a reforma administrativa embutida no Decreto-lei
n? 200 ficou pela metade e fracassou. A crise política do regime militar, que
se iniciou já em meados dos anos 70, agravou ainda mais a situação da administração
pública, na medida em que a burocracia estatal foi identifica da
com o sistema autoritário em pleno processo de degeneração.
A volta aos anos 50 e aos anos 30
A transição democrática ocorrida com a eleição de Tancredo Neves e
a posse de José Sarney, em março de 1985, não apresentaria, entretanto,
perspectivas de reforma do aparelho do Estado. Pelo contrário, significaria, no
plano administrativo, uma volta aos ideais burocráticos dos anos 30 e, no plano
político, uma tentativa de volta ao populismo dos anos 50. Os dois partidos
que comandavam a transição eram partidos democráticos, mas populista.
Não tinham, como a sociedade brasileira também não tinha, a noção da gravidade
da crise que o país atravessava. Havia ainda uma espécie de euforia
democrático-populista, uma idéia de que seria possível voltar aos "anos dourados"
da democracia e do desenvolvimento brasileiro - os anos 50.
Nos dois primeiros anos do regime democrático - da Nova República
~ 295 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

- a crise fiscal e a necessidade de rever radicalmente a forma de intervir


na economia foram ignoradas. Imaginou-se que seria possível promover a
retomada do desenvolvimento e a distribuição da renda através do aumento
do gasto público e da elevação forçada dos salários reais, ou seja, através de
uma versão populista e portanto distorcida do pensamento keynesiano. Manteve-
se o modelo de substituição de importações. Aumentaram-se os salários
e o gasto público. O resultado foi o desastre do Plano Cruzado. Um plano
inicialmente bem concebido que foi transformado em mais um clássico caso
de ciclo populista. Logo após o fracasso do Plano Cruzado, houve uma tentativa
de ajuste fiscal, iniciada durante minha rápida passagem pelo Ministério
da Fazenda (1987), a qual, entretanto, não contou com o apoio
necessário da sociedade brasileira, que testemunhava, perplexa, a crise. Ao
invés do ajuste e da reforma, o país, sob a égide de uma coalizão política
conservadora no Congresso - o Centrão - mergulhou, em 1988 e 1989,

15 Não obstante o Decreto-lei nº 200 conter referências à formação de altos administradores (art. 94,
V) e à criação de um centro de aperfeiçoamento no Dasp (art, 121)

em uma política populista e patrimonialista que representava uma verdadeira


"volta ao capital mercantil" .16
O capítulo da administração pública da Constituição de 1988 resultaria
de todas essas forças contraditórias. Seria uma reação ao populismo e ao fisiologismo
que recrudesciam com o advento da democracia.l? Por isso a Constituição sacramentaria os
princípios de uma administração pública arcaica, burocrática ao extremo. Uma administração pública
altamente centralizada, hierárquica e rígida, em que toda prioridade seria dada à administração direta, e
não à indireta. 18 A Constituição de 1988 ignorou completamente as novas orientações da
administração pública. Os constituintes e, mais amplamente, a sociedade brasileira revelaram nesse
momento uma incrível falta de capacidade de ver o novo. Perceberam apenas que a administração
burocrática clássica, que começara a ser implantada no país nos anos 30, não havia sido plenamente
instaurada. Viram que o Estado havia adotado estratégias descentralizadoras - as autarquias e as
fundações públicas - que não se enquadravam no modelo burocrático-profissional clássico. Notaram
que essa descentralização havia aberto espaço para o clientelismo, principalmente nos estados e
municípios - clientelismo que se acentuara após a redemocratização.
Não perceberam que as formas mais descentralizadas e flexíveis da administração, que o
Decreto-lei nº 200 havia consagrado, eram uma resposta à necessidade de o Estado administrar com
eficiência as empresas e os serviços sociais. E decidiram completar a revolução burocrática antes de
~ 296 ~
Material para fins didático

pensar nos princípios da moderna administração pública. Ao agirem assim aparentemente seguiram
uma lógica linear compatível com a ideai de que primeiro seria necessário completar a revolução
mecânica para só depois participar da revolução eletrônica.
A partir dessa perspectiva, decidiram, através da instauração de um "regime jurídico único" para
todos os servidores públicos civis da administração

16 Examinei esse fenômeno em um artigo em homenagem a Caio Prado Jr. (Bresser Pereira, 1988). O
primeiro documento do governo brasileiro que definiu a crise fiscal foi o Plano de controle
macroeconômico (Ministério da Fazenda, 1987).
17 O regime militar sempre procurou evitar esses dois males. De modo geral, logrou seu intento. O
fisiologismo ou clientelismo, através do qual se expressa moderna mente o patrimonialismo, existia na
administração central no período militar, mas era antes a exceção do que a regra. Esse quadro muda
com a transição democrática. Os dois partidos vitoriosos - o PMDB e o PFL - fazem um verdadeiro
loteamento dos cargos públicos. A direção das empresas estatais, que tendia antes a permanecer na
mão dos técnicos, é também submetida aos interesses políticos dominantes.
18 Segundo Marcelino (1987:11, apud Pimenta, 1994:155): "havia um claro objetivo de fortalecer e
modernizar a administração direta, a partir do diagnóstico de que houve uma fuga ou escapismo para a
chamada administração indireta, por motivos justificados ou não".

pública direta e das autarquias e fundações, tratar de igual forma faxineiros e


professores, agentes de limpeza e médicos, agentes de portaria e administradores
da cultura, policiais e assistentes sociais; através de uma estabilidade rígida,
ignorar que esse instituto fora criado para defender o Estado, não seus
funcionários; através de um sistema de concursos públicos ainda mais rígido,
inviabilizar que uma parte das novas vagas fossem abertas a funcionários já
existentes; através da extensão a toda administração pública das novas regras,
eliminar toda autonomia das autarquias e fundações públicas.
Por outro lado, e contraditoriamente com seu espírito burocrático-legal,
a Constituição de 1988 permitiu que uma série de privilégios fossem consolidados
ou criados. Privilégios que foram ao mesmo tempo um tributo pago
ao patrimonialismo ainda presente na sociedade brasileira e uma conseqüência
do corporativismo que recrudesceu com a abertura democrática, levando
todos os atores sociais a defender seus interesses particulares como se
fossem interesses gerais. O mais grave dos privilégios foi o estabelecimento
de um sistema de aposentadoria com remuneração integral, sem nenhuma
~ 297 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

relação com o tempo de serviço prestado diretamente ao Estado. Esse fato,


somado à instituição de aposentadorias especiais, que permitiram aos servidores
aposentarem-se muito cedo, por volta dos 50 anos, e, no caso dos professores
universitários, de acumular aposentadorias, elevou violentamente o
custo do sistema previdenciário estatal, representando um pesado ônus fiscal
para a sociedade. 19 Um segundo privilégio foi ter permitido que, de um golpe,
mais de 400 mil funcionários celetistas de fundações e autarquias se transformassem
em funcionários estatutários, detentores de estabilidade e aposentadoria
integral.i''

19 Esses privilégios, porém, não surgiram por acaso: fazem parte da herança patrimonialista herdada
pelo Brasil de Portugal. Conforme observa Luís Nassif (1996): "a análise da formação econômica
brasileira mostra que uma das piores pragas da herança colonial portuguesa foi o sonho da segurança
absoluta, que se entranhou profundamente na cultura social brasileira. No plano das pessoas físicas, a
manifestação máxima dessa síndrome foi o sonho da aposentadoria precoce e do emprego público".
20 Na verdade, a Constituição exigiu apenas a instituição de regime jurídico único. A lei definiu que
esse regime jurídico único seria estatutário. Em alguns municípios, a lei definiu para regime único o
regime celetista. A Constituição, além disso, no art. 19 do ADCT, quando conferiu estabilidade a
celetistas com mais de cinco anos, não os transformou em ocupantes de cargos públicos. Bem ao
contrário, exigiu, para que fossem mesmo instalados em cargos públicos, que prestassem "concurso de
efetivação". Nesse concurso de efetivação, o tempo de serviço seria contado como "título". O STF tem
concedido liminares sustando a eficácia de leis que repetiram o modelo da lei federal que transformou
celetistas em estatutários "de chofre". Até o momento, ninguém, porém, se dispôs a arguir a
inconstitucionalidade da Lei nº 8.112, um monumento ao corporativismo.

o retrocesso burocrático ocorrido em 1988 não pode ser atribuído ao


suposto fracasso da descentralização e da flexibilização da administração pública
que o Decreto-lei nº 200 teria promovido. Embora alguns abusos tenham
sido cometidos em seu nome, seja a excessiva autonomia concedida
às empresas estatais, seja o uso patrimonialista das autarquias e fundações
(onde não havia a exigência de processo seletivo público para a admissão de
pessoal), não é correto afirmar que tais distorções foram as causas desse retrocesso.
Na verdade, ele resultou, em primeiro lugar, de uma visão equivocada
das forças democráticas que derrubaram o regime militar acerca da
natureza da administração pública então vigente. Como, no Brasil, a transição
democrática ocorreu em meio à crise do Estado, esta última foi equivocadamente
~ 298 ~
Material para fins didático

identificada pelas forças democráticas como resultado, entre


outros, do processo de descentralização que o regime militar procurara implantar.
Em segundo lugar, foi conseqüência da aliança política que essas forças
foram levadas a celebrar com o velho patrimonialismo, sempre pronto
a se renovar para não mudar. Em terceiro lugar, resultou do ressentimento
da velha burocracia contra a reforma pela qual a administração central passara
no regime militar: estava na hora de restabelecer a força do centro e
a pureza do sistema burocrático. Essa visão burocrática concentrou-se na antiga
SAF, que se tornou o centro da reação burocrática no país não só contra
uma administração pública moderna, mas também contra os interesses corporativistas
do funcionalismo.é ' Finalmente, um quarto fator relaciona-se
com a campanha pela desestatização, que acompanhou toda a transição democrática:
esse fato levou os constituintes a intensificarem os controles burocráticos
sobre as empresas estatais, que haviam ganhado grande autonomia
graças ao Decreto-lei nº 200.
Em síntese, o retrocesso burocrático da Constituição de 1988 foi uma
reação ao cIientelismo que dominou o país naqueles anos, mas também foi
uma afirmação de privilégios corporativistas e patrimonialistas incompatíveis
com o ethos burocrático. Além disso, resultou de uma atitude defensiva da
alta burocracia, que, sentindo-se acuada e injustamente acusada, defendeuse
de forma irracional.
Essas circunstâncias contribuíram para o desprestígio da administração
pública brasileira, não obstante o fato de os administradores públicos
brasileiros serem majoritariamente competentes, honestos e dotados de esf

21 Como observa Pimenta (1994:161): "O papel principal da SAF no período estudado foi garantir o
processo de fortalecimento e expansão da administração direta e defender os interesses corporativistas
do funcionalismo, seja influenciando a elaboração da nova Constituição, seja garantindo a
implementação do que foi determinado em 1988".

quando a administração pública profissional foi implantada no Brasil, constituíram


um fator decisivo para o papel estratégico que o Estado desempenhou
no desenvolvimento econômico brasileiro. A implantação da indústria
~ 299 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

de base nos anos 40 e 50, o ajuste nos anos 60, o desenvolvimento da infraestrutura
e a instalação da indústria de bens de capital nos anos 70, de novo
o ajuste e a reforma financeira nos anos 80 e a liberalização comercial nos
anos 90 não teriam sido possíveis não fossem a competência e o espírito público
da burocracia brasileira.22
Evolução recente e perplexidade
A crise fiscal e a crise do modo de intervenção do Estado na economia
e na sociedade começaram a ser percebidas em 1987. Foi nesse momento,
depois do fracasso do Plano Cruzado, que a sociedade brasileira se
deu conta, ainda que de forma imprecisa, de que estava vivendo fora do
tempo, de que a volta ao nacionalismo e ao populismo dos anos 50 era algo
espúrio, além de inviável.23 Os constituintes de 1988, porém, não perceberam
a crise fiscal, muito menos a crise do aparelho do Estado. Não perceberam
que era preciso recuperar a poupança pública. Que era preciso dotar
o Estado de novas formas de intervenção mais leves, em que a competição
tivesse um papel mais importante. Que era urgente montar uma administração
não apenas profissional, mas também eficiente e orientada para o
atendimento das demandas dos cidadãos.
Só depois do episódio da hiperinflação, em 1990, no final do governo
Sarney, a sociedade abriria os olhos para a crise. Em consequência, as reformas
econômicas e o ajuste fiscal ganharam impulso no governo Collor. Esse
governo contraditório, senão esquizofrênico - que acabou se perdendo em
meio à corrupção generalizada -, é que daria os passos decisivos no sentido
de iniciar a reforma da economia e do Estado. Seria nesse governo que, afinal,
ocorreria a abertura comercial - a mais bem-sucedida e importante reforma

22 Sobre a competência e o espírito público da alta burocracia brasileira, ver Schneider (1994) e
Gouvêa (1994). Escrevi os prefácios dos dois livros em 1994, antes de pensar em ser ministro da
Administração Federal.
23 Foi nesse momento, entre abril e dezembro de 1987, que assumi o Ministério da Fazenda. Embora
tenha estado sempre ligado ao pensamento nacional-desenvolvimentista, não tive dúvida em
diagnosticar a crise fiscal do Estado e em propor o ajuste fiscal e a reforma tributária necessários ao
enfrentamento do problema. O relato dessa experiência encontra-se em Bresser Pereira (1992).
~ 300 ~
Material para fins didático

que o país conheceu desde o início da crise. Seria nele que a privatização ganharia
novo impulso. Seria no governo Collor que o ajuste fiscal avançaria de
forma decisiva, não apenas através de medidas permanentes, mas também
através de um substancial cancelamento da dívida pública interna.
Na área da administração pública, porém, as tentativas de reforma do
governo Collor foram equivocadas. Nessa área, como ocorreu no caso do
combate à inflação, O governo fracassou devido a um diagnóstico equivocado
da situação e/ou porque não teve competência técnica para enfrentar os problemas.
No caso da administração pública, o fracasso deveu-se principalmente
à tentativa desastrada de reduzir o aparelho do Estado, demitindo funcionários
e eliminando órgãos, sem antes assegurar a legalidade das medidas
através da reforma da Constituição. Afinal, além da redução drástica da remuneração
dos servidores, sua intervenção na administração pública desorganizou
ainda mais a já precária estrutura burocrática existente, desprestigiando
os servidores públicos, de repente acusados de todos os males do país
e identificados com o corporativismo. Na verdade, o corporativismo - ou seja,
a defesa dos interesses de grupos como se fossem da nação - não é um
fenômeno específico dos funcionários, mas um mal que caracteriza todos os
segmentos da sociedade brasileíra.é"
No início do governo Itamar a sociedade brasileira começou a se dar
conta da crise da administração pública. Havia, entretanto, ainda muita perplexidade
e confusão. Um documento importante nessa fase é o estudo Estrutura
e organização do Poder Executivo, realizado pelo Centro de Estudos de
Cultura Contemporânea (Cedec) para a Escola Nacional de Administração
Pública (Enap).25 Na introdução de Régis de Castro Andrade (I 993:26), o resumo
do diagnóstico:
''A crise administrativa manifesta-se na baixa capacidade de formulação,
informação, planejamento, implementação e controle de políticas públicas. O
rol de insuficiências da administração pública do país é dramático. Os servidores
estão desmotivados, sem perspectivas profissionais ou existenciais atraentes
no serviço; a maior parte deles não se insere num plano de carreira. Os
~ 301 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

quadros superiores não têm estabilidade funcional. As instituições de formação


e treinamento não cumprem o seu papel. A remuneração é baixa."
O diagnóstico era em grande parte verdadeiro, mas pecava por uma
falha fundamental. O mal maior a ser atacado segundo o documento era o

24 A incompetência técnica na área da estabilização econômica revelou-se na incapacidade do governo


de diagnosticar a alta inflação então existente como uma inflação inercial, que exigia remédio
específico, que combinasse heterodoxia e ortodoxia.
25 Andrade & Jacoud, 1993.

"intenso e generalizado patrimonialismo no sistema político"; o objetivo fundamental


a ser atingido, o de estabelecer uma administração pública burocrática,
ou seja, "um sistema de administração pública descontaminado de
patrimonialismo, em que os servidores se conduzam segundo critérios de ética
pública, de profissionalismo e eficácia" (Andrade, 1993:27). Ora, não há
qualquer dúvida quanto à importância da profissionalização do serviço público
e da obediência aos princípios da moralidade e do interesse público. É
indiscutível o valor do planejamento e da racionalidade administrativa. Contudo,
ao reafirmar os valores burocráticos clássicos, o documento não se
dava conta de que, assim, inviabilizava os objetivos a que se propunha. Não
se dava conta da necessidade de uma modernização radical da administração
pública - modernização que só uma perspectiva gerencial pode proporcionar.
Conforme observou Hélio Beltrão (1984: 12), "existe entre nós uma
curiosa inclinação para raciocinar, legislar e administrar tendo em vista um
país imaginário, que não é o nosso; um país dominado pelo exercício fascinante
do planejamento abstrato, pela ilusão ótica das decisões centralizadas
...". Ora, quando começamos a trabalhar com mitos ou com um país imaginário,
nossa capacidade de agir sobre a realidade diminui radicalmente.
Na verdade, o documento da Enap de 1993 expressava uma ideologia
burocrática, que se tomou dominante em Brasília a partir da transição democrática
(1985) até o governo Itamar. Essa perspectiva burocrática levou à
transformação da Funcep na Enap - tendo como modelo a École Nationale
d'Administration (ENA) - da França. Levou, em seguida, à criação da carreira
~ 302 ~
Material para fins didático

de gestores públicos (especialistas em políticas públicas e gestão governamental)


- uma carreira de altos administradores públicos que obviamente
fazia falta no Brasil, mas que recebeu uma orientação rigorosamente burocrática,
voltada para a crítica do passado patrimonialista, ao invés de para o
futuro e para a modernidade de um mundo em rápida mudança, que se globaliza
e se toma mais competitivo a cada dia.26
Sob essa ótica, o documento da Associação Nacional dos Especialistas
em Políticas Públicas e Gestão Governamental (1994:7-8), que reúne os gestores
governamentais públicos, afirmava: "o verdadeiro problema a ser enfrentado
é a pesada herança de um processo de recrutamento e alocação de
quadros marcado simultaneamente por falta de critérios, clientelismo e heterogeneidade
na sua constituição". Ora, esse é sem dúvida um problema

26 Um exemplo competente dessa perspectiva ou ideologia burocrática encontra-se na análise


abrangente de um jovem gestor, Aldino Graef (1994), envolvendo "uma proposta de reforma
administrativa democrática".

grave, que o documento aponta bem. Mas é um problema antigo e óbvio,


que, mesmo devendo ser equacionado, dificilmente poderia se transformar
no centro de uma proposta de reforma.
Mais adequada é a afirmação, nesse documento contraditório e abrangente,
que a reforma do Estado no Brasil deveria refletir as novas circunstâncias
emergentes, entre as quais:
"Novos paradigmas gerenciais: a ruptura com estruturas centralizadas,
hierárquicas, formalizadas e piramidais e sistemas de controle 'tayloristas' são
elementos de uma verdadeira revolução gerencial em curso, que impõe a incorporação
de novos referenciais para as políticas relacionadas com a administração
pública, virtualmente enterrando as burocracias tradicionais e
abrindo caminho para uma nova e moderna burocracia de Estado" (1994:3).
Dois mitos burocráticos: carreiras e DASs
Na medida em que a Constituição de 1988 representou um retrocesso
burocrático, revelou-se irrealista. Num momento em que o país necessitava
~ 303 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

urgentemente reformar sua administração pública, de modo a tomá-Ia mais


eficiente e de melhor qualidade, aproximando-a do mercado privado de trabalho,
realizou-se o inverso. O serviço público tomou-se mais ineficiente e
mais caro, e o mercado de trabalho público separou-se completamente do
mercado de trabalho privado. A separação foi causada pelo sistema privilegiado
de aposentadorias do setor público; pela exigência de um regime jurídico
único, que levou à eliminação dos funcionários celetistas: e pela afirmação
constitucional de um sistema de estabilidade rígido, que tomou
inviável a cobrança de trabalho dos servidores.
A estabilidade dos funcionários é uma característica das administrações
burocráticas. Foi um meio adequado de proteger os funcionários e o próprio
Estado contra as práticas patrimonialistas que eram dominantes nos regimes
pré-capitalistas. No Brasil, por exemplo, havia, durante o Império, a prática da
"derrubada". Quando caía o governo, eram demitidos não só os portadores
de cargos de direção, mas também muitos dos funcionários comuns.
A estabilidade, entretanto, implica um custo. Impede a adequação dos
quadros de funcionários às reais necessidades do serviço, ao mesmo tempo
que inviabiliza a implantação de um sistema de administração pública eficiente,
baseado num sistema de incentivos e punições. Justificava-se enquanto
o patrimonialismo era dominante e os serviços do Estado liberal, limitados;
deixa de sê-lo quando o Estado cresce em tamanho, passa a realizar um grande
número de serviços e a necessidade de eficiência para esses serviços torna-
se fundamental, ao mesmo tempo que o patrimonialismo perde força, dei-xa de ser um valor para
ser uma mera prática, de modo que a demissão por
motivos políticos se toma algo socialmente inaceitável. Se, além de socialmente
condenada, a demissão por motivos políticos for inviabilizada por uma
série de precauções como as presentes na proposta de emenda constitucional
do governo Fernando Henrique, não há mais justificativa para se manter
a estabilidade de forma absoluta, como ocorre na burocracia clássíca.ê?
No Brasil, a extensão da estabilidade a todos os servidores públicos, ao
invés de sua limitação apenas às carreiras em que se exerce o poder de Estado,
e a forma de entender essa estabilidade, que faz com que a ineficiência,
~ 304 ~
Material para fins didático

a desmotivação, a falta de disposição para o trabalho não possam ser


punidos com demissão, implicaram um forte aumento da ineficiência do serviço
público. Como observa o documento da Associação Nacional dos Especialistas
em Políticas Públicas e Gestão Governamental (1994:19):
"Relativamente à questão da estabilidade, é essencial a revisão de sua
sistemática de aquisição e manutenção. Mantida, como deve, a regra de que
os servidores somente podem ser demitidos por processo judicial ou administrativo,
onde Ihes seja assegurada ampla defesa, impõe-se tomar o processo
administrativo mais ágil e flexível e menos oneroso ..."
O grande mérito da Constituição de 1988 foi ter tomado obrigatório
o concurso público para a admissão de todo e qualquer funcionário. Esse foi,
sem dúvida, um grande avanço, na medida em que dificultou o ernpreguismo
público. Também aí, entretanto, verificaram-se exageros. Acabou-se com
a prática condenável dos concursos internos, mas isso impossibilitou a promoção
interna de funcionários. Enquanto no setor privado a promoção interna
é uma prática consagrada, no serviço público brasileiro é inviável. Por
outro lado, nos cargos para os quais seria mais apropriado um processo seletivo
mais flexível, ainda que público e transparente, passou-se a exigir todas
as formalidades do concurso. Autarquias, fundações e até empresas de economia
mista foram constrangi das a realizar concursos, quando poderiam ter
sido simplesmente obrigadas a selecionar seus funcionários de forma pública
e transparente.

27 Ou melhor, as justificativas só poderão ser dogmáticas, como, por exemplo, a encontrada em


Gurgel (1995:85): "A ideai de flexibilizar a estabilidade no serviço público apenas para algumas
funções designadas como funções de Estado confunde Estado com República. Não percebe que, além e
acima do Estado, as funções que se destinam a atender necessidades ou direitos públicos são funções
separadas do privado e devem ser cumpridas com isenção e equidade. Devem ser conduzidas com
impessoalidade - preservadas das pressões políticas e sociais ... A questão da impunidade dos
servidores desidiosos ou o problema do excesso de contingente não podem se argumentos para uma
medida que põe 'em xeque' um princípio da moderna burocracia".

A promoção interna foi reservada exclusivamente para a ascensão dentro


~ 305 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

de uma carreira. Essa reserva partiu do pressuposto de que para a instauração


de um regime burocrático clássico é essencial o estabelecimento de
um sistema formal de ascensão burocrática, que começa por um concurso
público e depois passa por um longo processo de treinamentos sucessivos,
avaliações de desempenho e exames formais. Ocorre, entretanto, que carreiras
burocráticas dignas desse nome não foram instaladas no serviço público
brasileiro. Apenas entre militares pode-se falar de carreira no Brasil.28
A carreira burocrática propriamente dita dura em média 30 anos, ao
fim dos quais o servidor deve estar ganhando cerca de três vezes mais do que
ganhava no início. Para chegar ao topo da carreira ele demorará no mínimo
20 anos.é? Esse tipo de carreira está obviamente superado em uma sociedade
tecnologicamente dinâmica, em plena Terceira Revolução Industrial. Nem a
Constituição de 1988, nem os servidores federais e os políticos brasileiros, entretanto,
foram capazes de reconhecer abertamente esse fato. Continuaram a
afirmar que o estabelecimento de carreiras, acompanhado de um correspondente
sistema de treinamento e de avaliação, resolveria, senão todos, a maioria
dos problemas da administração pública brasileira. A carreira tornou-se,
na verdade, o grande mito de Brasília. Mito porque se prega a instauração das
carreiras, ao mesmo tempo em que, de fato, não se acredita nelas, e se as destrói
na prática.l"
A destruição das carreiras é realizada através da indução de gratificações
de desempenho, que reduzem radicalmente a amplitude das carreiras
- ou seja, a distância percentual entre a remuneração inicial e a final.
Essa amplitude deveria ser de 200 ou 300%, mas nos últimos anos passou a
girar no Brasil em torno dos 20%, exceto no caso das carreiras militares. A

28 Era possível também falar-se em carreiras entre os diplomatas. A introdução de uma gratificação de
desempenho em 199$, porém, reduziu drasticamente a amplitude da carreira diplomática, que assim
ficou equiparada às demais carreiras civis.
29 Na França, por exemplo, a diferença entre o salário inicial de um egresso da ENA e o salário no
final da carreira, descontados os adicionais por ocupação de cargo de direção, é de duas vezes e meia.
30 Segundo Abrucio (I993:74), por exemplo, "na administração pública federal brasileira a questão
dos planos de carreira é fundamental, na medida em que a maioria dos servidores públicos brasileiros
~ 306 ~
Material para fins didático

carece de um horizonte profissional definido". Nesse trabalho, o autor enumera de forma realista os
obstáculos à existência de carreiras. Não percebe, porém, como praticamente ninguém percebia na
época, que esses obstáculos derivavam menos do patrimonialismo ou da incompetência dos dirigentes
políticos, e mais das mudanças tecnológicas dramáticas ocorridas no mundo, com profundas
implicações na reformulação da administração pública.

amplitude da carreira de auditor do Tesouro Nacional, por exemplo, reduziu-se a 6%. A de uma
carreira recém-criada, como a dos gestores, reduziu-se a 26%. Através desse processo de redução da
amplitude das carreiras elas foram na prática reduzidas a simples cargos.
Por que ocorreu esse fato? Principalmente porque Brasília na verdade não acredita em seu
próprio mito. Porque, em um mundo em transformação tecnológica acelerada, em que a competência
técnica não tem qualquer relação com a idade dos profissionais, os servidores jovens não estão
dispostos a esperar 20 anos para chegar ao topo da carreira. Como, por outro lado, não é possível
eliminar as etapas e as correspondentes carências de tempo para se chegar ao topo das carreiras, nem
se pode aumentar facilmente o nível de remuneração de cada carreira, o mais prático é reduzir sua
amplitude, aumentando a remuneração dos níveis inferiores.
Isso não significa, porém, que não existam carreiras na administração pública brasileira. Sem
dúvida elas existem, conforme muito bem analisou Schneider (1994, 1995). São antes carreiras
pessoais do que formais. São carreiras extremamente flexíveis, constituídas por funcionários que
formam a elite do Estado. Esses funcionários circulam intensamente entre os diversos órgãos da
administração e, ao se aposentarem, tendem a ser absorvidos pelo setor privado. Se Schneider
acrescentasse que a ocupação de DAS é parte integrante desse processo instável e flexível, mas mais
baseado no mérito do que ele supõe, teríamos um bom quadro do sistema de carreiras informais
existentes na alta burocracia brasileira. Um quadro que poderá ser aperfeiçoado com a adoção de uma
concepção moderna de carreira que compreenda:
ampla mobilidade do servidor, possibilidade de ascensão rápida aos mais talentosos;
estruturas em "Y" que valorizem tanto as funções de chefia quanto de assessoramento;
versatilidade de formação e no treinamento, permitindo perfis bem diferenciados entre os seus
integrantes.
A relação entre os DASs e as carreiras nos leva a um outro mito burocrático de Brasília: o mito
de que os DASs são um mal, seriam o modo pelo qual se minaria o sistema de carreiras, abrindo
espaço para a contratação, sem concurso, de pessoal sem competência. Na verdade, os DASs, por
permitirem a remuneração adequada de servidores públicos - que perfazem 75% do total de portadores
de DAS, conforme se pode verificar na tabela -, constituem uma espécie de carreira muito mais
flexível e orientada pelo mérito.
Existe em Brasília um verdadeiro mercado de DAS, através do qual ministros e altos
administradores públicos disputam, com essa moeda, os melhores funcionários brasileiros. Se for
concretizado o plano, ainda em elaboração, de reservar de forma crescente os DASs para servidores
públicos, o sistema de DAS, que hoje já é um fator importante para o funcionamento da administração
pública federal, transformar-se-á em um instrumento estratégico da administração pública gerencial.
~ 307 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

A tabela nos oferece, aliás, um bom quadro da alta administração pública federal presente no
Poder Executivo. A remuneração média dos administradores varia da média de R$2.665 para os
portadores de DAS-1 a R$6.339, em média, para os portadores de DAS-6. A percentagem média de
portadores de DAS que são servidores públicos baixa de 78,5%, no caso do DAS-I, para 48,4%, no
caso dos portadores de DAS-6. O nível de instrução se eleva com o aumento do DAS, enquanto a
percentagem de mulheres diminui à medida que transitamos do DAS-1 para o DAS-6. Há ao todo
17.227 portadores de DAS, o que corresponde a 3% do total de servidores ativos.

Através de seus mitos, Brasília justifica a ineficiência e a baixa qualidade do serviço público
federal. Ao mesmo tempo, porém, revela a falta de uma política clara para o serviço público. Enquanto
se repetem mitos burocráticos, como é o caso do mito positivo da carreira e o mito negativo de que os
DASs constituem um mal, o serviço público brasileiro não logra se tornar um sistema plenamente
burocrático, já que esse é um sistema superado, que está sendo hoje abandonado em todo o mundo em
favor de uma administração pública gerencial. E por esse mesmo motivo não consegue fazer a sua
passagem para uma administração pública moderna, eficiente, controlada por resultados, voltada para
o atendimento do cidadão-cliente. Ao invés disso, fica acariciando um ideal superado e irrealista de
implantar no final do século XXum tipo de administração pública que se justificava na Europa, na
época do Estado liberal, como um antídoto ao patrimonialismo, mas que hoje não mais se justifica.

Os dois objetivos e os setores do Estado


A partir de 1995, com o governo Fernando Henrique, surge uma nova oportunidade para a
reforma do Estado, em geral, e do aparelho do Estado e de seu pessoal, em particular. Essa reforma
~ 308 ~
Material para fins didático

tem por objetivos: a curto prazo, facilitar o ajuste fiscal, particularmente nos estados e municípios,
onde existe um claro problema de excesso de quadros; a médio prazo, tornar mais eficiente e moderna
a administração pública, voltando-a para o atendimento dos cidadãos.
O ajuste fiscal será realizado principalmente através de:
a) a exoneração de funcionários, por excesso de quadros;
b) definição clara do teto remuneratório dos servidores;
c) modificação do sistema de aposentadorias, aumentando-se o tempo de serviço exigido e a idade
mínima para aposentadoria, exigindo-se tempo mínimo de exercício no serviço público e
tornando o valor da aposentadoria proporcional à contribuição.
As três medidas exigirão mudança constitucional.
A primeira será aplicada apenas nos estados e municípios, já que na União não existe excesso de
quadros. A segunda e a terceira; na União.
Uma alternativa às dispensas por excesso de quadros que provavelmente será muito usada será o
desenvolvimento de sistemas de exoneração por desligamento voluntário. Nesses sistemas os
administradores escolhem a população de funcionários passíveis de exoneração e propõem que parte
deles se exonere voluntariamente em troca de indenização e de treinamento para a vida privada. Diante
da possibilidade iminente de dispensa e das vantagens oferecidas para o desligamento voluntário, um
número substancial de servidores se apresentará.é '

31 A primeira experiência importante e bem-sucedida de demissão voluntária no serviço público


brasileiro ocorreu no Banco do Brasil em 1995. O banco possuía 130 mil funcionários. Apontou 50 mil
como passíveis de demissão e ofereceu indenização para que cerca de 15 mil funcionários se
demitissem voluntariamente. Depois de uma agitada intervenção dos sindicatos. obtendo liminares em
primeira instância imbuídos de espírito burocrático. a política foi considerada legal. Apresentaram-se
16 mil para a demissão voluntária.

Já a modernização ou o aumento da eficiência da administração pública resultará, a médio prazo,


de um complexo projeto de reforma, através do qual se buscará a um só tempo fortalecer a
administração pública direta, ou o "núcleo estratégico do Estado", e descentralizar a administração
pública, através da implantação de "agências autônomas" e de "organizações sociais" controladas por
contratos de gestão. Nesses termos, não se pode classificar a reforma proposta de centralizadora, como
a de 1936, ou de descentralizadora, como pretendeu ser a de 1967. Nem, novamente, de centralizadora,
como a contrarreforma embutida na Constituição de 1988. Em outras palavras, a proposta não é
continuar no processo cíclico que caracterizou a administração pública brasileira (Pimenta, 1994),
alternando períodos de centralização e de descentralização, mas, ao mesmo tempo, fortalecer a
competência administrativa do centro e a autonomia das agências e das organizações sociais. O elo de
ligação entre os dois sistemas será o contrato de gestão, que o núcleo estratégico deverá aprender a
definir e controlar, e as agências e organizações sociais, a executar.V
A proposta de reforma do aparelho estatal parte da existência de quatro setores dentro do Estado:
a) o núcleo estratégico do Estado;
~ 309 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

b) as atividades exclusivas de Estado;


c) os serviços não-exclusivos ou competitivos;
d) a produção de bens e serviços para o mercado.
No núcleo estratégico são definidas as leis e as políticas públicas. É um setor relativamente
pequeno, formado no Brasil, no nível federal, pelo presidente da República, pelos ministros de Estado
e pela cúpula dos ministérios, responsáveis pela definição das políticas públicas, pelos tribunais
federais encabeçados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Ministério Público. Nos níveis estadual e
municipal existem núcleos estratégicos correspondentes.
Atividades exclusivas de Estado são aquelas em que é exercido o "poder de Estado", ou seja, o
poder de legislar e tributar. Inclui a polícia, as forças armadas, os órgãos de fiscalização e de
regulamentação, e os órgãos responsáveis pelas transferências de recursos, como o Sistema Unificado
de Saúde, o sistema de auxílio-desemprego etc.
Os serviços não-exclusivos ou competitivos do Estado são aqueles que, embora não envolvendo
o poder de Estado, são realizados ou subsidiados por ele por serem considerados de alta relevância
para os direitos humanos, ou por envolverem economias externas, não podendo ser adequadamente
recompensados no mercado através da cobrança dos serviços.

32 Segundo Pimenta (1994:154): "A institucionalização da função-administração no governo federal


ocorreu durante todo o período republicano brasileiro de forma cíclica ... O Brasil viveu um processo
de centralização organizacional no setor público nas décadas de 30 a 50, com o predomínio da
administração direta e de funcionários estatutários. Já nas décadas de 60 a 80 ocorreu um processo de
descentralização, através da expansão da administração indireta e da contratação de funcionários
celetistas, O momento iniciado com a Constituição de 1988 indica a intenção de se centralizar
novamente (regime jurídico único - estatutário).

Finalmente, a produção de bens e serviços para o mercado é realizada pelo Estado através das
empresas de economia mista, que operam em setores de serviços públicos e/ou em setores
considerados estratégicos.
Em cada um desses setores será necessário considerar:
a) o tipo de propriedade e
b) o tipo de administração pública mais adequados.
Examinemos o primeiro problema. O quadro da página 260 resume as relações entre essas
variáveis.

Propriedade estatal e privatização


No núcleo estratégico e nas atividades exclusivas de Estado a propriedade deverá ser, por
definição, estatal. O núcleo estratégico usará, além dos instrumentos tradicionais - aprovação de leis
~ 310 ~
Material para fins didático

(Congresso), definição de políticas públicas (Presidência e cúpula dos ministérios) e emissão de


sentenças e acórdãos (Poder Judiciário) -, de um novo instrumento, que só recentemente vem sendo
utilizado pela administração pública: o contrato de gestão.
Através do contrato de gestão, o núcleo estratégico definirá os objetivos das entidades executoras
do Estado e os respectivos indicadores de desempenho, e garantirá a essas entidades os meios
humanos, materiais e financeiros para sua consecução. As entidades executoras serão,
respectivamente, as "agências autônomas", no setor das atividades exclusivas de Estado, e as
"organizações sociais", no setor de serviços não-exclusivos de Estado.
As atividades exclusivas de Estado deverão ser em princípio organizadas através do sistema de
"agências autônomas". O dirigente da agência autônoma deverá ser nomeado pelo respectivo ministro,
com o qual será negociado o contrato de gestão. Uma vez estabelecidos os objetivos e os indicadores
de desempenho, não apenas qualitativos, mas também quantitativos, o dirigente terá ampla liberdade
para gerir o orçamento global recebido; poderá administrar seus funcionários com autonomia no que
diz respeito a admissão, demissão e pagamento, e também realizar compras apenas obedecendo aos
princípios gerais de licitação.
No outro extremo - no setor de bens e serviços para o mercado -, a produção deverá ser em
princípio realizada pelo setor privado. Por isso o programa de privatização em curso. Pressupõe-se que
as empresas serão mais eficientes se controladas pelo mercado e administradas privadamente.
Daí deriva o princípio da "subsidiariedade": só deve ser estatal a atividade que não puder ser
controlada pelo mercado. Além disso, a crise fiscal retirou do Estado a capacidade de realizar
poupança forçada e investir nas empresas estatais, o que tornou aconselhável privatizá-las. Essa
política está de acordo com a concepção de que o Estado moderno - que prevalecerá no século XXI-
deverá ser um Estado regulador e transferidor de recursos, e não um Estado executor. As empresas
podem ser controladas pelo mercado, onde prevalece o princípio da troca. O princípio da transferência,
que rege o Estado, não se aplica a elas; por isso, e devido ao princípio da "subsidiariedade", as
empresas devem ser privadas.
Esse princípio não é absolutamente claro no caso dos monopólios naturais, em que o mercado
não tem condições de funcionar; nesse caso, a privatização deverá ser acompanhada de um processo
criterioso de regulação de preços e qualidade dos serviços. Não é também totalmente claro no caso de
setores monopolistas, em que se podem realizar grandes lucros – uma forma de poupança forçada - e
em seguida reinvesti-los no próprio setor.
Nessas circunstâncias, talvez seja economicamente interessante manter a empresa como
propriedade do Estado. Os grandes investimentos em infraestrutura no Brasil entre os anos 40 e os 70
foram em grande parte financiados dessa forma. Finalmente, esse princípio é discutível no caso de
setores estratégicos como o do petróleo, em que pode haver interesse em uma regulação estatal mais
cerrada, implicando propriedade estatal. Essa é uma das razões da decisão do governo brasileiro de
manter a Petrobras sob controle estatal.
~ 311 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Propriedade pública não-estatal


Finalmente, cabe analisar o caso das atividades não-exclusivas de Estado. Nossa proposta é que a
forma de propriedade dominante seja a pública não-estatal.
No capitalismo contemporâneo, as formas de propriedade relevantes não são apenas duas, como
geralmente se pensa e como a divisão clássica do direito entre direito público e direito privado sugere -
propriedade privada e propriedade pública -, e sim três:
a) a propriedade privada, voltada para a realização de lucro (empresa) ou de consumo privado
(famílias);
b) a propriedade pública estatal; e
c) a propriedade pública não-estatal.
A confusão não deriva da divisão bipartite do direito, mas do fato de que, em seguida, o direito
público foi confundido ou identificado com o direito estatal, enquanto o direito privado foi entendido
como englobando as instituições não-estatais sem fins lucrativos, que, na verdade, são públícas.P
Com isso estou afirmando que o público não se confunde com o estatal.
~ 312 ~
Material para fins didático

O espaço público é mais amplo que o estatal, já que pode ser estatal ou não-estatal. No plano do
dever-ser o estatal é sempre público, mas na prática não é: o Estado pré-capitalista era, em última
análise, privado, já que existia para atender às necessidades do príncipe; no mundo contemporâneo, o
público foi conceitualmente separado do privado, mas vemos todos os dias tentativas de apropriação
privada do Estado.

33 Como observa Bandeira de Mello (1975:14), para o jurista, ser propriedade privada ou pública não
é apenas um título, é a submissão a um regime jurídico específico: um regime de equilíbrio comutativo
entre iguais (regime privado) ou a um regime de supremacia unilateral, caracterizado pelo exercício de
prerrogativas especiais de autoridade e contenções especiais ao exercício das ditas prerrogativas
(regime público). "Saber se uma atividade é pública ou privada é mera questão de indagar do regime
jurídico a que se submete. Se o regime que a lei lhe atribui é público, a atividade é pública; se o regime
é de direito privado, privada se lhe reputará a atividade, seja, ou não, desenvolvida pelo Estado. Em
suma: não é o sujeito da atividade nem a natureza dela que lhe outorgam caráter público ou privado,
mas o regime a que, por lei, for submetida." Estou reconhecendo este fato ao considerar a propriedade
pública não-estatal como regida pelo direito privado; ela é pública do ponto de vista dos seus
objetivos, mas privada sob o ângulo jurídico.

É pública a propriedade que é de todos e para todos. É estatal a instituição que detém o poder de
legislar e tributar; é estatal a propriedade que integra O aparelho do Estado, sendo regida pelo direito
administrativo. É privada a propriedade que se volta para o lucro ou para o consumo dos indivíduos ou
dos grupos. De acordo com essa concepção, uma fundação "de direito privado", embora regida pelo
direito civil, é uma instituição pública, na medida em que está voltada para o interesse geral. Em
princípio, todas essas organizações sem fins lucrativos são ou devem ser organizações públicas não
estatais.
ê? Sem dúvida, poder-se-ia dizer que, afinal, continuamos apenas com as duas formas clássicas
de propriedade: a pública e a privada, mas com duas importantes ressalvas: primeiro, a propriedade
pública se subdivide em estatal e não-estatal, ao invés de se confundir com a estatal; e segundo, as
instituições de direito privado voltadas para o interesse público e não para o consumo privado não são
privadas, e sim públicas nâo-estatais.P
O reconhecimento de um espaço público não-estatal tomou-se particularmente importante num
momento em que a crise do Estado aprofundou a dicotomia Estado-setor privado, levando muitos a
imaginar que a única alternativa à propriedade estatal seria a propriedade privada. A privatização é
uma alternativa adequada quando a instituição pode gerar todas as receitas da venda de seus produtos e
serviços e o mercado tem condições de assumir a coordenação de suas atividades. Quando isso não
acontece, abre-se espaço para o público não-estatal. Por outro lado, no momento em que a crise do
Estado exige o reexame das relações Estado-sociedade, o espaço público não estatal pode exercer um
papel de intermediação ou facilitar o aparecimento de novas formas de controle social direto e de
parceria, que abrem novas perspectivas para a democracia. Como observa Cuni! Grau (I995:31-2):
''A introdução do 'público' como uma terceira dimensão, que supera a visão dicotômica que
confronta de maneira absoluta o 'estatal' com o 'privado', está indiscutivelmente vinculada à
~ 313 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

necessidade de redefinir as relações entre Estado e sociedade ... O público, no 'Estado', não é um dado
definitivo,

34 "São ou devem ser" porque uma entidade formalmente pública, sem fins lucrativos, pode, na
verdade, não sê-a. Nesse caso, trata-se de uma falsa entidade pública. São comuns casos desse tipo.
35 Essas instituições são impropriamente chamadas de "organizações não-governamentais" na medida
em que os cientistas políticos nos Estados Unidos geralmente confundem governo com Estado. É mais
correto falar em organizações não-estatais, ou, mais explicitamente, públicas não-estatais.

fera
pública social em sua tarefa de influir sobre as decisões estatais."
Finalmente, no setor dos serviços não-exclusivos de Estado, a propriedade deve ser em princípio
pública não-estatal. Não cabe ser estatal porque não envolve o uso do poder de Estado. Deve ser
pública para justificar os subsídios recebidos do Estado. O fato de ser pública não-estatal, por sua vez,
implica a necessidade de a atividade ser controlada de forma mista pelo mercado e pelo Estado. O
controle do Estado, entretanto, deve ser necessariamente antecedido e complementado pelo controle
social direto, derivado do poder dos conselhos de administração constituídos pela sociedade.
E o controle de mercado se materializa na cobrança dos serviços. Dessa forma, a sociedade atesta
permanentemente a validade dos serviços prestados, ao mesmo tempo em que se estabelece um
sistema de parceria ou de cogestão entre o Estado e a sociedade civil.
Na União, os serviços não-exclusivos de Estado mais relevantes são as escolas técnicas, os
centros de pesquisa, os hospitais e os museus. A reforma proposta é transformá-los em um tipo
especial de entidade não-estatal - as organizações sociais. A ideia é transformá-los, voluntariamente,
em "organizações sociais", ou seja, em entidades que celebrem um contrato de gestão com o Poder
Executivo e contem com autorização do Parlamento para participar do orçamento público. A
organização social não é, na verdade, um tipo de entidade pública não-estatal, mas uma qualidade
dessas entidades, declarada pelo Estado.
A expansão da esfera pública não-estatal aqui proposta não significa em absoluto a privatização
de atividades do Estado. Ao contrário, trata-se de ampliar o caráter democrático e participativo da
esfera pública, subordinada a um direito público renovado e ampliado. Como observa Tarso Genro
(1996):
"A reação social causada pela exclusão, pela fragmentação, a emergência de novos modos de
vida comunitária (que buscam na influência sobre o Estado o resgate da cidadania e da dignidade
social do grupo) fazem surgir uma nova esfera pública não-estatal... Surge, então, um novo direito
público como resposta à impotência do Estado e dos seus mecanismos de representação política. Um
direito público cujas regras são às vezes formalizadas, outras não, mas que ensejam um processo co-
gestionário que combina democracia direta - de participação voluntária - com a representação política
prevista pelas normas escritas oriundas da vontade estatal."
Para transformar os serviços não-exclusivos de Estado em propriedade pública não-estatal e
declará-los uma organização social será necessário um "programa de publicização ", que não deve ser
~ 314 ~
Material para fins didático

confundido com programa de privatização, na medida em que as novas entidades conservarão seu
caráter público, mas de direito privado, assegurando, assim, uma autonomia administrativa e financeira
maior. Para tanto será preciso extinguir as atuais entidades e substituí-las por fundações públicas de
direito privado criadas por pessoas físicas.
Dessa forma evitar-se-á que as organizações sociais sejam consideradas entidades estatais, como
aconteceu com as fundações de direito privado instituídas pelo Estado, e que sejam, assim, submetidas
a todas as restrições da administração estatal. As novas entidades receberão, por cessão de uso
precária, os bens da entidade extinta. Os servidores da entidade transformar-se-ão em uma categoria
em extinção e ficarão à disposição da nova entidade. O orçamento da organização social será global; a
contratação de novos empregados, pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho; as compras
deverão estar subordinadas aos princípios da licitação pública, mas poderão ter regime próprio.
O controle dos recursos estatais postos à disposição da organização social dar-se-é através do
contrato de gestão, estando também submetido à supervisão do órgão de controle interno e do Tribunal
de Contas.

Tipos de administração mais adequados


O objetivo geral da reforma administrativa será transitar de uma administração pública
burocrática para a gerencial. Essa mudança, porém, não pode ser realizada de um dia para o outro.
Nem deve ocorrer com a mesma intensidade nos diversos setores. Na verdade, a administração pública
gerencial deve ser construída sobre a administração pública burocrática. Não se trata de fazer tábula
rasa desta, mas de aproveitar suas conquistas, os aspectos positivos que ela contém, ao mesmo tempo
que se vai eliminando o que já não serve.
Deve-se conservar e aperfeiçoar, senão implantar - visto que até hoje não o foram, apesar de toda
a ideologia burocrática que tomou conta de Brasília entre 1985 e 1994 -, certas instituições
burocráticas, como a exigência de concurso ou de processo seletivo público, um sistema universal de
remuneração, carreiras formalmente estrutura das e um sistema de treinamento.
Nesses termos, é preciso e conveniente que continuem os esforços no sentido da instalação de
uma administração pública burocrática no país.
Essas instituições, porém, devem ser suficientemente flexíveis para não conflitar com os
princípios da administração pública gerencial. E, sobretudo, não impedir a recompensa do mérito
pessoal, desvinculado do tempo de serviço, e não aumentar as limitações impostas à iniciativa e à
criatividade do administrador público para administrar seus recursos humanos e materiais.
Quanto ao treinamento, conforme observa Oslak (I995), deve estar prioritariamente relacionado
com as necessidades e os programas do novo Estado que se quer implantar, ao invés de subordinar-se
às etapas de uma carreira, como quer a visão burocrática.
Por outro lado, a combinação de princípios gerenciais e burocráticos deve variar de acordo com
o setor. A grande qualidade da administração pública burocrática é a sua segurança e efetividade. Por
isso, no núcleo estratégico, onde essas características são muito importantes, ela deve ainda estar
presente, em conjunto com a administração pública gerencial. Já nos demais setores, onde o requisito
da eficiência é fundamental, dado o grande número de servidores e de cidadãos-clientes ou usuários
~ 315 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

envolvidos, o peso da administração pública burocrática deve ir diminuindo até praticamente


desaparecer no setor das empresas estatais. Como observa Roberto Cavalcanti de Albuquerque
(1995:36):
"É duvidoso que esse novo paradigma [que Albuquerque chama de 'paradigma empresarial de
governo', em oposição ao 'paradigma de gestão político-administrativa']. .. deva substituir,
inteiramente, em especial nos órgãos que diretamente exercem os poderes conferidos ao Estado, o
modelo de gestão político-administrativa."
A reforma da administração pública será executada em três dimensões:
a) a institucional-legal, por meio da qual se modificam as leis e se criam ou modificam instituições;
b) a cultural, baseada na mudança dos valores burocráticos para os gerenciais; e
c) a da cogestão.
Na dimensão institucional-legal será preciso modificar a Constituição, as leis e os regulamentos.
Em um país cujo direito tem origem romana e napoleônica, qualquer reforma do Estado implica uma
ampla modificação do sistema legal.
A dimensão cultural da reforma significa, por um lado, sepultar de vez o patrimonialismo, e, por
outro, transitar da cultura burocrática para a gerencial.
Tenho dito que a cultura patrimonialista já não existe no Brasil, porque só existe como prática,
não como valor. Essa afirmação, entretanto, é imprecisa, já que as práticas também fazem parte da
cultura. O patrimonialismo, presente hoje sob a forma de clientelismo ou de fisiologismo, continua a
existir no país, embora sempre seja condenado. Para completar a erradicação desse tipo de cultura pré-
capitalista não basta condenei-a, é preciso também puni-la.
Por outro lado, o passo à frente representado pela transição para a cultura gerencial é um
processo complexo, mas que já está ocorrendo. Todo o debate travado em 1995 sobre a reforma
constitucional do capítulo da administração pública foi um processo de mudança de cultura.
Finalmente, a dimensão gestão será a mais difícil. Trata-se aqui de pôr em prática as novas idéias
gerenciais e oferecer à sociedade um serviço público efetivamente mais barato, mais bem controlado e
de melhor qualidade.
Para isso, a criação das agências autônomas, no nível das atividades exclusivas de Estado, e das
organizações sociais, no setor público não-estatal, serão as duas tarefas estratégicas. Inicialmente
teremos alguns laboratórios, onde as novas práticas administrativas serão testadas com o apoio do
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, mas depois é de se esperar que as próprias
unidades a serem transformadas e os respectivos núcleos estratégicos tomem a iniciativa da reforma.

Perspectivas da reforma
Um ano depois de iniciada, posso afirmar hoje que as perspectivas em relação à reforma da
administração pública são muito favoráveis. Quando o problema foi colocado pelo novo governo, no
início de 1995, a reação inicial da sociedade foi de descrença, senão de irritação. Na verdade, caiu uma
tempestade sobre mim. A imprensa adotou uma atitude cética, para não dizer abertamente agressiva.
~ 316 ~
Material para fins didático

Várias pessoas sugeriram-me que "deveria falar menos e fazer mais", como se fosse possível mudar a
Constituição sem antes realizar um amplo debate. Atribuí essa reação à natural resistência ao novo.
Estava propondo um tema novo para o país; um tema que jamais havia sido discutido
amplamente, que não fora objeto de discussão pública na Constituinte, que não se definira como
problema nacional na campanha presidencial de 1994, que só constava marginalmente dos programas
de governo. Em síntese, que não estava na agenda do país.36
À resistência ao novo, entretanto, deve ter-se somado um segundo fator. Segundo Przeworski, o
êxito da reforma do Estado depende da capacidade de cobrança dos cidadãos. Ora, a cultura política no
Brasil sempre foi mais autoritária do que democrática. Historicamente, o Estado não é visto como um
órgão ao lado da sociedade, oriundo de um contrato social, mas como uma entidade acima da
sociedade. Dessa forma, conforme observa Luciano Martins, "a responsabilidade política pela
administração dos recursos públicos raramente foi exigida como um direito de cidadania. Na verdade,
o princípio de que não há tributação sem representação é completamente estranho à cultura política
brasileira". Não constitui surpresa, portanto, que a reação inicial às propostas, quando elas estavam
ainda sendo formuladas, tenha sido tão negativa.

36 Para ser mais preciso, itens como a revisão da estabilidade do servidor constavam das propostas de
emenda constitucional do governo Collor: foram produto, em grande pane, do trabalho de setores
esclarecidos da burocracia, preocupados em dotar aquele governo de um programa mais bem
estruturado na sua segunda fase, após ampla restruturação ministerial.

Contudo, depois de alguns meses de insistência por parte do governo em discutir questões como
a estabilidade dos servidores, seu regime de trabalho, seu sistema previdenciário e os tetos de
remuneração, começaram a surgir os apoios: dos governadores, dos prefeitos, da imprensa, da opinião
pública e da alta administração pública. No final de 1995 havia a convicção não só de que a reforma
constitucional tinha ampla condição de ser aprovada pelo Congresso, mas também de que era
fundamental para o ajuste fiscal dos estados e municípios, além de essencial para se promover a
transição de uma administração pública burocrática, lenta e ineficiente, para uma administração
pública gerencial, descentralizada, eficiente, voltada para o atendimento dos cidadãos. A resistência à
reforma localizava-se agora apenas em dois extremos: de um lado, nos setores médios e baixos do
funcionalismo, nos seus representantes corporativos sindicais e partidários, que se julgam de esquerda;
de outro, no clientelismo patrimonialista ainda vivo, que temia pela sorte dos seus beneficiários,
muitos dos quais cabos eleitorais ou familiares de políticos de direita.
Fundamental, no processo de reforma, é o apoio da alta burocracia - um apoio que está sendo
obtido. Na Inglaterra, por exemplo, a reforma só se tomou possível quando a alta administração
pública britânica decidiu que estava na hora de reformar, e que, para isso, era conveniente uma aliança
estratégica com o Partido Conservador, que assumira o governo em 1979. Mais amplamente, é
fundamental o apoio das elites modernizantes do país, que necessariamente inclui a alta administração
pública. Conforme observa Piquet Carneiro (1993:150), nas duas reformas administrativas federais
(1936 e 1967), "esteve presente a ação decisiva de uma elite de administradores, economistas e
políticos - autoritários ou não -, afinados com o tema da modernização do Estado, e entre eles
~ 317 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

prevaleceu o diagnóstico comum de que as estruturas existentes eram insuficientes para


institucionalizar o processo de reforma".
Após um período natural de desconfiança para com as novas ideias, esse apoio vem ocorrendo
sob as mais diversas formas. Ele parte da convicção generalizada de que o modelo implantado em
1988 foi irrealista, tendo agravado o problema, ao invés de resolvê-lo. O grande inimigo não é apenas
o patrimonialismo, mas também o burocratismo. O objetivo de instalar uma administração pública
burocrática no país continua vivo, já que jamais se logrou completar essa tarefa; mas tomou-se claro
em 1995 que, para isso, é necessário dar um passo além e caminhar na direção da administração
pública gerencial, que engloba e flexibiliza os princípios burocráticos clássicos.

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Material para fins didático

GOVERNABILIDADE DEMOCRÁTICA NA AMÉRICA LATINA NO FINAL DO SÉCULO XX. J


OAN Prats I Catalá *
Governabilidade democrática, instituições, ação de governo e lideranças •
o desencontro que se observa, com frequência cada vez maior, entre muitos políticos tradicionais
e seus respectivos povos procede da tendência que os políticos têm de preencher de más atuações as
próprias agendas, sejam pequenas querelas do passado, sejam desafios e oportunidades em relação ao
futuro. Essa atitude, desculpável em tempos de estabilidade prolongada, é insensata em momentos
como o que estamos vivendo, que se podem qualificar, sem exagero, como tempos de autêntica
mutação, ou mudança, da civilização. Não estamos, é claro, diante do fim da história; mas estam os no
alvorecer de uma nova era histórica.
Nos anos 60 e começo da década dos 70, especialmente na América e na Europa latinas, não
eram raros os que acreditavam que o século XX seria o século da superação do capitalismo. Em vez
disso, parece que será o século do desaparecimento do comunismo, do triunfo da economia de
mercado, do predomínio da democracia liberal e das grandes revoluções tecnológicas e institucionais,
da internacionalização, do dinamismo, da complexidade, da diversidade e da interdependência ... Já
quase no século XXI, adivinha-se facilmente, do outro lado da porta, a emergência turbulenta de uma
sociedade cada vez mais global, plural e complexa, interdependente e dinâmica, cujos desafios e
oportunidades em nada se parecerão aos que visavam a responder às ideologias e instituições geradas
pela Revolução Industrial.
Nesse novo contexto, a democracia e o mercado triunfantes, pela primeira vez na história, terão
que se enfrentar e sobreviver a si mesmos (Rosenau, 1992; Dror, 1994; Comisión de Gestión de los
Asuntos Públicos Mundiales, 1995; Sartori, 1994).

* Diretor do Barcelona Governance Project, Esade - Universidade das Nações Unidas.

Nenhum país governado de forma responsável pode prescindir de uma estratégia nacional de
posicionamento na nova ordem internacional emergente, nem mesmo os países latino-americanos, cuja
perda do papel de protagonistas internacionais é um dos dados mais característicos dos últimos anos.
Convém não esquecer que, como o mostra a história, a hierarquia de países que resultará da grande
mutação que está em curso será outra, bem diferente da que existe atualmente. No topo da lista
aparecerão os países que souberem desenvolver estratégias nacionais corretas; os demais retrocederão.
A capacidade de formular e pôr em prática estratégias nacionais de recomposição interna e de
reposicionamento internacional será, portanto, vital. Essa capacidade depende de muitos fatores. Para o
que nos interessa discutir, destacaremos apenas três:
a) primeiro, a existência, ou não, de lideranças eficazes, isto é, de direção com credibilidade, capaz
de articular uma visão viável, que cimente uma coalizão suficiente para dar impulso a um
programa de reformas estruturais e para vencer eventuais resistências;
b) segundo, o tecido institucional e cultural profundo do país, isto é, as verdadeiras regras do jogo
político, econômico e social, interiorizadas e aplicadas pelos vários atores relevantes; e
~ 321 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

c) finalmente, a capacidade de formular e implementar as políticas públicas necessárias para


enfrentar os desafios.
Esses três fatores estão profundamente inter-relacionados. Essa inter-relação determina o cenário
conceitual a que este trabalho responde. Neste cenário teórico, entende-se por "governabilidade
democrática" a capacidade de um sistema democrático para se autogovernar e enfrentar positivamente
os desafios e as oportunidades. Nesse sentido, a governabilidade democrática refere-se menos aos
atributos de um regime democrático e mais às capacidades com as quais uma determinada sociedade
democrática pode contar para enfrentar os desafios e para se beneficiar das oportunidades que
encontra. Uma estratégia de governabilidade democrática é, pois, uma estratégia de construção de
capacidades. Tais capacidades dependem da inter-relação entre o sistema institucional existente
(governance), das capacidades dos atores políticos, econômicos e sociais (governing actors) e,
finalmente, da quantidade e da qualidade da liderança transformacional disponível (Kooiman, 1993a e
b).
"Governabilidade" é, pois, um conceito diferente do de governance ou "sistema institucional" --
formal e informal - que demarca a ação dos atores sociais - governamentais e não-governamentais -
relevantes para a deter-minação e a alocação autoritária dos bens e dos recursos públicos. Essas
determinação e atribuição ocorrem através da ação política e da formulação e implementação de
políticas públicas. "Governabilidade" é também um conceito diferente de "ação de governar" ou
governing, que compreende tanto a política propriamente dita quanto as políticas públicas e a gestão
pública (Kooiman, 1993a e b).
Os conceitos de governance e governing são tão intimamente relacionados que a língua
espanhola emprega um só termo para os dois: o antigo gobernación (sem as conotações autoritárias
que recebeu recentemente; e recuperando o seu significado antigo, genuíno). De fato, gobernación
significa tanto o exercício de "governar" quanto o sistema institucional no qual se dá a ação de
governar. Porque não se governa no vazio nem com completa liberdade, mas no cenário de restrições e
incentivos que são as instituições de governo. Essas instituições (governance) são o primeiro
determinante da governabilidade; o primeiro, não o único.
Sistemas institucionais iguais, contudo, podem apresentar níveis mais altos ou mais baixos de
governabilidade (maior ou menor capacidade de lidar com os desafios e oportunidades coletivos).
Nesses casos, a causa da diferença deverá ser procurada na diferença entre as capacidades dos atores e
do governo (governing). A ação desses atores é limitada pela ordem institucional, mas não totalmente:
sempre resta aos atores uma margem de autonomia na qual podem e devem exercitar sua competência
profissional e sua responsabilidade moral (Popper, 1982). Essas capacidades inscrevem-se hoje no
trinómio política, políticas públicas e administração ou gestão pública. As correntes mais atuais
postulam que esse trinômio seja integralmente considerado.
Em sociedades como as que conhecemos atualmente, nas quais os atores são, simultaneamente,
autônomos e interdependentes, governar é, cada vez menos, a produção de bens e serviços e, cada vez
mais, a ação de garantir que os atores se comportem de acordo com determinadas regras que
incentivam o comportamento eficaz ante os desafios e as oportunidades apresentados pelo corpo
social. Diversos autores consideram que os desafios da governabilidade contemporânea não estão tanto
na busca de melhor governo e sim na busca de melhor governance (Metcalfe, 1993; Osborne &
Gaebler, 1992). Outros autores acrescentam ao mesmo conceito geral a ideia de que o valor criado
pelos governos não é só a utilidade ou a satisfação individual a que visam os serviços públicos; que,
~ 322 ~
Material para fins didático

além desses, deve-se considerar a própria arquitetura social na qual os indivíduos e os grupos buscam a
utilidade dos serviços (Moore, 1995).
Finalmente, a governabilidade depende também da qualidade das lideranças, que se pode incluir
entre as capacidades de governo. Mas, em nosso modo de ver, o sobre valor que a qualidade das
lideranças acrescenta é tão grande que merece ser discutido à parte. Dedicamos a este assunto o último
item deste trabalho. Tratamos, obviamente, de lideranças transformacionais, capazes de mobilizar e
orientar o processo de aprendizado coletivo, através do qual se desenvolvem os novos modelos
mentais e as novas competências de atuação necessários para que os desafios coletivos possam ser
enfrentados com eficácia (Burns, 1979; Grindle & Thomas, 1989; Heifetz, 1994).

Desafios e oportunidades deste final de século para as democracias


latino-americanas
Embora com atraso considerável, desde fins dos anos 80, os povos latino-americanos vêm
desenvolvendo um grande esforço para adaptar-se às novas realidades da ordem mundial emergente.
As grandes coordenadas que orientam esse esforço e delimitam o novo consenso que se vem
construindo (Iglesias, 1992; Pnud & BID, 1993; Bradford, 1994; Castaneda, 1995) parecem ser:
o o compromisso com a democracia e com seu avanço, o que implica profundas transformações
nos atores e em suas capacidades, e no regime e na cultura cívica que estão por trás do comportamento
desses atores e o delimitam;
o além do que está fixado no chamado "consenso de Washington", a necessidade de substituir os
capitalismos mercantilistas, que no passado prevaleceram nesta região, por verdadeiras economias de
mercado produtivas e eficientes, o que exige não só que o ajuste econômico seja sustentável, mas
também que se desenvolvam as capacidades e a institucionalidade das economias modernas de
mercado;
o a luta contra a pobreza e o compromisso com a redução das desigualdades, para que se supere a
dualização e o populismo, para construir uma sociedade civil de cidadania plena, na qual a liberdade
dos indivíduos e dos grupos esteja efetivamente garantida pelo império da lei;
o a inserção das economias na ordem global mediante a abertura comercial, a capacidade de
manejo das políticas de competitividade e a criação e o desenvolvimento de espaços de integração
econômica regional que potenciem os países integrados na ordem econômica global; frente às
coalizões de interesses privados, para que se comece a criar um Estado desligado das suas funções
produtivas, mas forte, a serviço da economia nacional produtiva e de sua competitividade, capaz de
compensar as falhas do mercado e de garantir a coesão social.
Todos esses processos, eivados de dificuldades e contradições, correm paralelos à emergência de
novos paradigmas, a partir dos quais se deverão abordar e hierarquizar os problemas do
desenvolvimento. Em particular, alastra-se entre as classes dirigentes latino-americanas a consciência
de que o consenso de Washington e uma mera democracia formal não são suficientes, por si sós, para
garantir o desenvolvimento, a legitimidade e a governabilidade.
~ 323 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Estes são processos que só podem resultar de verdadeiras reformas estruturais, entendendo-se
por essa expressão a reforma da institucionalidade ou das regras subjacentes ao jogo dos atores
políticos, econômicos e sociais.
A ordem mundial emergente obriga-nos a desenvolver as capacidades indispensáveis para jogar
o novo jogo e para aprender as novas regras. Como não se cansa de repetir a moderna literatura sobre
reengenharia e aprendizado, o mais difícil não é apreender e aprender (ou seja, tornar-se capaz de
atuar, que é a única aprendizagem verdadeira) as novas regras e capacidades:
o mais difícil é "desaprender", desligar-se das ideias velhas. Isso é impossível sem liderança.
Devemos felicitar-nos ao ver emergir, na região, lideranças e programas de reformas que ultrapassam a
simples modernização organizacional e instrumental e concentram-se na necessidade de uma
verdadeira refundação das instituições.
Consequentemente, a introdução de novas equipes, tecnologias e concorrentes de gestão contínua
permanece sendo um recurso fundamental para o desenvolvimento. Apenas já não é possível promover
reformas isoladas e, portanto, deve-se considerá-las em função de sua compatibilidade e impacto sobre
a base institucional e cultural que lhes serve de suporte. O Pnud e o BID, além de diversas agências
bilaterais, vêm enfatizando ultimamente que sem desenvolvimento institucional não há qualquer
garantia de sustentabilidade dos avanços que eventualmente possam ser alcançados na gestão pública.
A mesma ideia pode ser encontrada também nos textos recentes de vários especialistas influentes
do Banco Mundial (Edwards, 1995).
A mudança de ênfase do organizacional para o institucional corresponde a mudanças importantes
na teoria do desenvolvimento, que só podem ser muito superficialmente citadas aqui (North, 1991;
Hirschman, 1992; Ostrom et alii, 1993; March & Olsen, 1995, entre inúmeros outros autores).
Deve-se ter em mente que a estratégia específica de governance adotada pelo Pnud em geral e
por sua Management Development and Governance Division em particular, a partir da idéia de
desenvolvimento humano sustentável, converte-se em uma estratégia integral, na qual os aspectos
econômicos, políticos, sociais e ambientais da governabilidade tornam-se inseparáveis e
interdependentes.
Progressivamente vai-se gerando entre os diferentes atores, na região, a percepção de que o
maior problema para as sociedades latino-americanas em relação aos desafios do desenvolvimento
atual não é tanto a carência de recursos naturais, econômicos ou humanos, mas, antes, a inadequação e
a ineficiência das instituições que condicionam a produtividade desses recursos.
Isso significa uma mudança de ênfase: do desenvolvimento de recursos para o desenvolvimento
dos modelos vigentes, a fim de organizar a cooperação e a ação coletiva e seus correspondentes
modelos de valoração e culturais. O desenvolvimento deixou portanto de ser principalmente uma
questão de aprimoramento das organizações existentes, para ser uma questão de redefinição ou
repostulação das regras do jogo que determinam as organizações ou atores participantes, e a posição de
cada um deles no processo de ação coletiva.
O desenvolvimento deixou, portanto, de ser problema de governo e converteu-se em problema de
governance (Osborne & Gaebler, 1992; Metcalfe, 1993; Kooiman, 1993).
Ao se adotar a nova perspectiva, vê-se que a quantidade de reformas pendentes é
verdadeiramente assustadora:
~ 324 ~
Material para fins didático

o A adequação e a limpeza dos sistemas eleitorais correm paralelas à necessidade de melhorar a


imagem, a organização, a representatividade e o sistema de financiamento dos partidos.
o Os grandes consensos que as reformas institucionais exigem não podem ser obtidos a partir da
liderança exclusiva do presidente; passa a ser indispensável fortalecer a instituição e o aparelho
organizacional dos legislativos nacionais.
o A superação do corporativismo exigirá um sistema jurídico que assegure efetivamente as
liberdades econômicas e sociais em um Estado de direito garantido por um Poder Judiciário
independente, eficaz e responsável.
o Em muitos países será necessário avançar na construção das instituições de mercado: definição
clara e garantia dos direitos de propriedade e cumprimento dos contratos; legislação e registros
comerciais; reforma fiscal e da administração tributária; defesa da livre concorrência de mercado e dos
direitos de consumidores e usuários; regulamentação dos mercados de valores;
supervisão eficaz do sistema financeiro; desenvolvimento das novas capacidades regulatórias
coerentes com a concorrência de mercado, depois de concluídas as privatizações e desregulamentações
necessárias.
o Estabelecimento de programas e fundos dirigidos à redução da pobreza;
garantia pública de acesso universal a certos serviços essenciais, sobretudo aos serviços de saúde
e educação; desburocratização dos serviços essenciais e progressivo envolvimento do setor privado na
oferta desses serviços; desenvolvimento das capacidades de gerenciamento social.
Essa relação, apesar de incompleta e desordenada, é tão assustadora quanto significativa. Fazer
soar os sinos da modernidade - como fizeram alguns de nossos países -, divulgando ostensivamente
que a reforma está praticamente pronta depois de ajustes, de privatizações, de desregulamentações e da
liberalização do comércio não é agir com responsabilidade histórica.
Com tudo isso ter-se-á conseguido apenas firmar um pé para dar o primeiro passo, o que sequer
se fez em todos os países. O caminho a percorrer é longo e penoso, mas há muitas esperanças.
Precisamos encontrar verdadeiros líderes e estratégias nacionais integrais capazes de orientar e
mobilizar a ação coletiva, que é indispensável.
As estratégias de governabilidade democrática terão que se adaptar às condições específicas de
cada país. Não obstante, o fundo histórico-institucional comum aos países da região justifica - e até
exige - que se criem mecanismos de cooperação continental. Embora cada país conte com recursos
próprios e tenha de enfrentar desafios específicos e particulares, com oportunidades específicas,
estabelecendo sua própria estratégia e suas prioridades diferenciadas, também é verdade que a visão do
horizonte institucional a ser alcançado pode e deve, em grande parte, ser partilhada.
Além do mais, o intercâmbio de experiências é uma rica fonte de conhecimento.
A nosso ver, são plenamente justificadas e muito bem fundamentadas as várias propostas que
têm surgido para a constituição, na região, de redes, fundos e projetos, e programas os mais variados
de governabilidade democrática, ao calor da primeira reunião de cúpula - a Reunião de Cúpula Ibero-
Americana - de 1996, dedica da precisamente a este tema.
~ 325 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Da debilidade ao salto qualitativo institucional no mundo hispânico


Douglas C. North foi provavelmente quem mais insistiu na importância das instituições para
condicionar, a longo prazo, o rendimento econômico dos diferentes povos. É bastante conhecida e
amplamente aceita a interpretação que dá aos diferentes modelos históricos seguidos por Inglaterra e
Estados Unidos, de um lado, e por Espanha, Portugal e América Latina, de outro.
A colonização latino-americana foi, em essência, obra de Castela, que se configurou
institucionalmente como uma monarquia fortemente centralizada, apoiada em uma potente burocracia
civil, militar e religiosa, com um Parlamento inexistente ou debilitado, sem poder judicial
independente e com elevadíssimo grau de interferência na economia, sempre subalterna aos interesses
do Estado. Com a perda dos Países Baixos e a queda dos lucros das Índias, a Coroa espanhola entrou
em uma espiral de falências; para impedir que continuasse, apertou-se a torquês burocrática dos
impostos: houve confisco e reduziram-se as garantias dos direitos de propriedade. Em um país que
havia expulsado os mouros e os judeus, cuja burocracia impunha impostos máximos sobre a terra e
preços máximos ao trigo, e onde o confisco dos lucros dos mercadores podia ser feito a qualquer
momento se assim determinasse a Coroa, as atividades econômicas produtivas eram claramente
desestimuladas. As organizações realmente incentivadas eram, em vez das atividades produtivas, o
Exército, a Igreja, a burocracia civil e judiciária, submetida à Coroa. A Coroa e suas burocracias,
apoiadas pelos detentores dos monopólios ou patentes reais e pelos monopólios gremiais, formaram a
coalizão que impediu o desenvolvimento não só do Parlamento e de um direito superior à vontade do
rei, mas também do incentivo necessário à livre empresa.
Os direitos de propriedade e o cumprimento dos contratos não estavam legalmente definidos,
nem eram assegurados por lei. Em outras palavras, o forte intervencionismo econômico e o poder
arbitrário impediram que surgisse no mundo hispânico uma sociedade civil autônoma e poderosa,
deixando permanentemente frustrada e pendente a revolução liberal.
As instituições britânicas desenvolveram-se em um quadro que contrasta claramente com este.
Para o que nos interessa aqui, basta assinalar que o traslado dessas ideias para as colônias norte-
americanas produziu uma história econômica caracterizada por um sistema político federal, de freios e
contrapesos, de submissão ao poder do direito e por uma estrutura básica de direitos de propriedade,
que incentivou, a longo prazo, o desenvolvimento da contratação, a produção e o intercâmbio, isto é, a
criação de mercados e o desenvolvimento econômico.
A história econômica latino-americana, por outro lado, perpetuou a tradição centralizada e
burocrática da herança hispano-portuguesa. A caracterização institucional que faremos a seguir do
panorama empresarial mexicano no século passado ainda soará familiar em muitas latitudes: "o
intervencionismo acentuado e a natureza arbitrária do contexto institucional forçavam cada empresa,
urbana ou rural, a operar de modo altamente politizado, utilizando redes clientelistas, influências
políticas ou prestígio familiar para aceder ao crédito subsidiado, para impor qualquer estratagema no
recrutamento dos trabalhadores, na acumulação de dívidas ou no cumprimento dos contratos, para
evadir impostos ou eludir os tribunais, para defender ou reivindicar títulos sobre as terras. O êxito ou o
fracasso econômico dependiam quase sempre da relação entre os produtores e as autoridades políticas.
As pequenas empresas, excluídas do sistema de privilégios corporativos e do favor político,
ficavam obrigadas a operar em um estado permanente de semiclandestinidade, sempre à margem da lei
~ 326 ~
Material para fins didático

e à mercê dos funcionários locais, jamais seguras contra eventuais atos arbitrários, jamais protegidas
frente ao direito ou ao interesse dos poderosos" (Coatsworth, 1978:94).
Nas palavras de North, os modelos institucionais divergentes estabelecidos pela Inglaterra e por
Espanha e Portugal no Novo Mundo não convergiram, apesar de diversas tentativas de imitação ou
traslado de instituições, sempre fracassadas. Nos Estados Unidos, evoluiu um cenário institucional que
permite o intercâmbio pessoal complexo necessário à estabilidade política e necessário também para
captar os lucros econômicos potenciais derivados da moderna tecnologia. Na América Latina, por
outro lado, as relações pessoais são ainda a chave de grande parte do intercâmbio econômico e
político. São consequência da evolução de um panorama institucional que, até agora, não teve por
objetivo nem a estabilidade política nem o aproveitamento consistente do potencial da tecnologia
moderna. É a debilidade institucional que impede, na América Latina, que se extraia todo o proveito
potencial dos generosos recursos naturais e humanos que se concentram na região (Borner et alii,
1992).
Aos poucos, contudo, felizmente, amplia-se a consciência de que há um déficit institucional em
toda a América Latina. E começam a surgir respostas: estratégias nacionais de desenvolvimento
institucional como item absolutamente indispensável ao fortalecimento da governabilidade
democrática.
Certamente, nem o diagnóstico nem as terapias são ainda muito claros, convincentes e
difundidos, o que é normal em momentos de verdadeira mudança de paradigma. A mudança mais
promissora pela qual passa atualmente a América Latina tem caráter mental e cultural e expressa-se
pela emergência - ainda conflitiva - de novos paradigmas econômicos e políticos, sociais e
empresariais.
Essas mudanças expressam-se também no descobrimento de diferenças entre o capitalismo
mercantilista e a economia de mercado; no consenso sobre a necessidade de uma sociedade civil
autônoma; no reconhecimento do valor da iniciativa econômica e da livre empresa; na crítica aos
excessos da burocracia; no reconhecimento das falhas do mercado, especialmente no que diz respeito à
equidade social; na afirmação da necessidade de um novo tipo de Estado, bem dimensionado e forte,
capaz de oferecer os bens e serviços que o mercado não pode oferecer eficiente ou equitativamente,
que respeite a ordem constitucional e as leis, integrante de um Poder Judiciário independente e eficaz,
capaz de combater o poder arbitrário e seu corolário - a corrupção -, e de submeter à responsabilidade
o exercício da discricionariedade legítima.
A consciência de que as raízes do atraso econômico e social são institucionais já atinge,
inclusive, as populações. É o que se pode perceber na reflexão que ouvimos de uma pessoa muito
simples, em Honduras: "Compare, doutor, um hondurenho e um japonês: um hondurenho não é pior
que um japonês. Mas se o senhor comparar dois hondurenhos com dois japoneses ... a diferença entre
os dois grupos será praticamente igual à diferença entre a renda per capita dos dois países".
A profunda sabedoria popular que se manifesta neste comentário corresponde perfeitamente às
descobertas recentes e mais sofisticadas das ciências sociais: falamos da abordagem neo-
institucionalista, seja da economia seja da empresa, da gestão ou da política. Nesse tipo de abordagem,
a democracia não é vista simplesmente como um sistema de partidos políticos, eleições e mandato para
o exercício de um poder em grande parte arbitrário, mas como ordem institucional, apoiada em uma
sociedade civil economicamente autônoma, que permite a organização e a expressão pública de todos
os seus membros, baseada mais no mérito que na clientelização, na qual a liberdade dos indivíduos e
~ 327 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

das organizações fundamenta-se mais no fato de que todos respeitam as mesmas normas abstratas do
que no manejo de influências e relações pessoais.
As democracias latino-americanas ainda são frágeis porque seu componente estritamente
"liberal" ainda não é liberal. A grande questão portanto não é como importar as instituições do Norte -
tentativa antecipadamente condenada a um fracasso estrepitoso -, mas como fazer com que as
instituições locais evoluam até se transformarem em sistemas institucionais renovados que incentivem
a eficiência econômica e a equidade social de acordo com os próprios parâmetros de valoração
nacionais. Não se deve esquecer que, acabado o confronto histórico entre capitalismo e comunismo, o
que estamos descobrindo é a riquíssima variedade de modelos capitalistas, com seus correspondentes
esquemas institucionais: se há muitos fatores que unem as chamadas democracias industriais
avançadas, há também muitos fatores que separam os modelos anglo-americanos, alemães, nórdico-
europeus, japoneses ou latino-europeus.
As reformas institucionais, inevitavelmente incrementais, não acontecem
da noite para o dia, nem se fazem por decreto. Mas o fato de terem
de ser incrementais não significa que tenham de ser uniformes no tempo.
Ao contrário, a história mostra que há períodos descontínuos de aceleração
e de estabilidade. Além disso, nenhum modelo histórico de desenvolvimento
institucional é irreversível. Não há um fatalismo histórico que pese sobre
os povos hispânicos. A transformação institucional da Espanha contemporânea,
os grandes avanços que conseguiu em todos os campos, e os novos
desafios que se prepara para enfrentar são excelente assunto para reflexão,
que não cabe analisar aqui, mas que não queremos deixar sem um breve
registro.
O Estado espanhol pré-democrático foi resultado de uma longa história
de centralismo e de autoritarismo político, fortemente vinculados a um
capitalismo público e privado altamente corporativo e fundamentalmente
isolado das grandes forças históricas internacionais.
O franquismo não foi outra coisa senão a expressão brutal da radical
incapacidade dos atores políticos, econômicos e sociais para construir um
consenso a partir do qual se orientasse a modernização da Espanha. Apesar
disso, em 1959, o general Franco tomou a decisão de alinhar economicamente
a Espanha com o mundo ocidental avançado (na opinião de Stroessner,
o único erro que Franco cometeu). Iniciou-se assim um processo de liberalização
econômica limitada, sob estrito controle político autoritário, que,
apoiando-se no grande desenvolvimento da Europa e na eficácia da própria
~ 328 ~
Material para fins didático

legalidade administrativa interna, deu alento à grande transformação industrial,


urbana e intelectual da Espanha. Desse modo, o país que Franco deixou,
ao morrer (homenageado por multidões de espanhóis, sem dúvida),
ainda era um país autoritário, mas já se incluía em uma matriz sócio-econômica
potencialmente democrática.
O grande mérito dos líderes que protagonizaram a transição espanhola
para a democracia foi entender e convencer seus representados de que o futuro
comum que os esperava era muito mais importante que as diferenças
que os havia mantido em campos separados no passado. O rei Juan Carlos
desempenhou esplendidamente o papel de árbitro e estimulador desse processo,
o que lhe valeu ganhar, para a instituição monárquica, a legitimidade
democrática. O resultado global, em meio à forte crise econômica, não poderia
ter sido mais espetacular: a Espanha passou da autocracia à democracia;
do centralismo a uma singular descentralização (o Estado das autonomias),
capaz de integrar institucionalmente os nacionalismos catalão e basco;
do isolamento internacional à integração na Aliança Atlântica e na União Européia;
de um capitalismo corporativo ao desenvolvimento de uma economia de mercado cada vez mais
integrada internacionalmente; de um Estado polícia
a um Estado de bem-estar, como se vê pelo dado elementar da transformação
do sistema fiscal e do gasto público, que chega a representar atualmente
quase 50% do PIB, em um país cuja renda por habitante aproximase
da renda da Inglaterra e da Itália e que ocupa o nono lugar no ranking do
desenvolvimento humano do Pnud de 1995.
Verdade que nem tudo são louros. Hoje, no caudal da recessão européia
dos anos 90, na alvorada de um novo ciclo de expansão econômica,
são necessárias outras transformações institucionais e talvez sejam necessários
também outros líderes, capazes de renovar a energia coletiva, de acabar
com os enclaves corporativos ainda fortes que subsistem e de enfrentar a
corrupção para consolidar a legitimidade democrática. Esses problemas não
são absolutamente exclusivos da Espanha, pois existem em quase toda a chamada
Europa latina e são bem conhecidos da grande família hispânica. Se
procedemos de modelos histórico-institucionais comuns, nada mais lógico
~ 329 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

que possamos e devamos também cooperar para o progresso comum de todas


as estratégias nacionais de desenvolvimento institucional e de governabilidade
democrática.
Relevância econômica e social das instituições
democráticas
Para estabelecer estratégias nacionais de governabilidade democrática
solidamente fundadas, é preciso partir de pressupostos conceituais e teóricos
que correspondam tanto à experiência quanto às teses mais prestigiadas e
promissoras das ciências sociais.
Para começar, fixemo-nos na experiência dos países latino-americanos
e das organizações multilaterais mais relevantes de cooperação (Pnud, BID,
Banco Mundial). A avaliação da experiência anterior tem levado a um novo
consenso intelectual que considera imprescindível o desenvolvimento institucional
entre os componentes da governabilidade democrática.
Nenhuma outra região tentou como a América Latina, durante décadas
e com tanto empenho, fazer a reforma administrativa. E nenhuma, como
a América Latina, conheceu tantas frustrações. No início da década de 80,
em um contexto de ajuste econômico e de democracia formal, as soluções
da reforma administrativa tecnocrática careciam de legitimidade. Descobriram-
se então as "políticas públicas" e diagnosticaram-se as falências dos Estados
latino-americanos como "deficiências de capacidade nacional para formular
e implementar políticas públicas".
A solução seguinte parecia orientar-se para o esforço nacional e a
ajuda internacional com vistas ao fortalecimento dessas capacidades. Mas o
diagnóstico continuava a ser principalmente tecnocrático: a deficiência de
capacidade não tinha origem nas instituições e era meramente organizacional
(o pensamento político e os especialistas ainda não estabeleciam
qualquer diferença entre organizações e instituições); a solução recomendada
consistia quase sempre em reorganizações, em formação e desenvolvimento
gerencial. O "gerencialismo", associado às políticas públicas, era a
orientação dominante. Mas, no final dos anos 80, já era evidente que as capacidades
nacionais não dependiam apenas das capacidades individuais ou
~ 330 ~
Material para fins didático

organizacionais do setor público, mas, e talvez principalmente, do desenho


de novos equilíbrios e arranjos institucionais entre o Estado, a sociedade civil
e o mercado. A questão então passou a ser a "reforma do Estado", que,
por sua vez, implicava a redefinição e o fortalecimento da sociedade civil.
Os organismos multilaterais de cooperação passaram pela mesma experiência.
Hoje já é lugar-comum reconhecer-se que o ajuste e a disciplina
macroeconômica são, ao mesmo tempo, necessários e insuficientes para garantir
o desenvolvimento econômico sustentável. Reconhece-se, também,
que a sustentabilidade da democracia implica avançar, a partir da simples alternância
de partidos no poder, para níveis superiores de eficiência econômica
e eqüidade social. O fato de que tanto o Banco Mundial quanto o BID
e o Pnud tenham situado o tema da governance no centro de suas preocupações
com o desenvolvimento também expressa o fenômeno do "redescobrimento
das instituições" e do impacto que têm sobre o desenvolvimento
econômico e social.
Para compreender adequadamente o valor e a funcionalidade das instituições
deve-se começar distinguindo instituições de organizações. Instituições
são as regras do jogo social, ou o conjunto de restrições a partir das
quais uma sociedade molda a interação individual e organizativa. As instituições
decorrem da evolução social histórica, mas não foram pré-projetadas
ou construídas nem por vontade nem por decreto. Cada país tem seu próprio
sistema institucional, que, em grande medida, determina o sistema de
incentivos da interação econômica, política ou social e, pela mesma razão,
o potencial nacional de eficiência econômica e de eqüidade.
A eficiência e a eqüidade das interações humanas dependem não só
das instituições, mas também das organizações. A interação humana não é
moldada apenas pelas regras do jogo, mas também pelas equipes e organizações
constituídas para o jogo. O traço mais característico das instituições
é que não têm fins específicos; sua função é facilitar a interação humana.
Quanto às organizações, possuem dois traços característicos: têm finalidades específicas e são ou
podem ser criadas, dirigidas, modificadas ou suprimidas
por vontade ou ordem. Em outros termos, o problema das instituições é determinar
~ 331 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

se incentivam ou desincentivam - e em que medida - a eficiência


econômica e a eqüidade social. Já no caso das organizações, o problema é
saber o que fazer para maximizar sua utilidade, seja dentro das regras de jogo
existentes, seja quando se quer alterá-Ias.
O institucionalismo só pôde oferecer uma boa razão que justificasse a
importância que se atribuía às instituições, depois da introdução da teoria
dos custos de transação. As instituições existem para reduzir as incertezas
que surgem na interação humana em conseqüência da complexidade dos
problemas a resolver e da limitação das mentes individuais no momento de
processar a informação disponível. Essa afirmação, contudo, nada esclarece
sobre o fato de haver instituições que estimulam a eficiência econômica e
instituições que não o fazem. A resposta é que as instituições têm grande importância
econômica porque determinam os custos de transação, que nas
economias modernas são altos e continuam a aumentar, e porque, além dis-
. so, afetam os custos de transformação.
Todo intercâmbio tem um custo de transação, que consiste nos recursos
necessários para medir os atributos físicos e legais intercambiados,
mais o custo da vigilância e das garantias de que o intercâmbio seja respeitado,
mais um desconto de incerteza que reflete o grau de imperfeição
da vigilância e da garantia de que o intercâmbio seja respeitado. Quanto
maior for a possibilidade de interferência de um terceiro - que lhe permita
influir no valor dos atributos incluídos na função de utilidade do comprador
(ou seja, quanto maior for o poder arbitrário, público ou privado) -, maior
será a taxa de desconto. Em outras palavras, quanto maior a incerteza do
comprador, menor o valor do bem comprado. Daí a importância da "segurança
jurídica" na história econômica. O grau de incerteza quanto à garantia
dos direitos é uma distinção fundamental entre os mercados relativamente
eficientes dos países desenvolvidos e os mercados limitados do passado ou
dos países atualmente em desenvolvimento.
As instituições também afetam os custos de transformação (isto é, os
recursos de terra, trabalho ou capital aplicados à transformação dos atributos
dos produtos), pois quando um quadro institucional caracteriza-se por
~ 332 ~
Material para fins didático

oferecer poucas defesas ou proteção aos direitos de propriedade, os custos


de transação acabam sendo altos, assim como aumentam os custos do uso
de tecnologias que empreguem pouco capital fixo e não impliquem compromissos
de longo prazo. O quadro institucional existente define as oportunidades
que incentivam a criação de empresas. Assim, com direitos de propriedades mal-assegurados ou
desprotegidos,
empecilhos à entrada e restrições monopolísticas, os empresários maximizadores
tendem a optar por horizontes de curto prazo e a investir pouco capital
fixo, enquanto as empresas tendem a ser pequenas. Os negócios mais rentáveis
estão no comércio, nas atividades de redistribuição ou no mercado negro.
As grandes empresas com importante capital fixo ficam ou à sombra da proteção
governamental, com subsídios, isenção de tributos e fortes retribuições
políticas, ou protegem-se sob o guarda-chuva das grandes companhias estrangeiras,
capazes de controlar o jogo político interno e arcar com os custos correspondentes.
Nenhuma dessas combinações familiares serve de estímulo à
eficiência econômica ou à eqüidade social. As limitações institucionais aos intercâmbios
levam grandes camadas da população à exclusão do mercado, e
as condenam à informalidade ou a pobres patamares de sobrevivência.
Toda a argumentação desenvolvida até aqui serve como clara defesa
da democracia liberal como forma política mais apropriada para incentivar
a eficiência econômica e a eqüidade social. Mancur Olson (1993:572-3) destacava
recentemente que "as condições necessárias para maximizar o desenvolvimento
econômico são as mesmas que se exigem para que exista
uma democracia sustentável. Uma economia só pode realizar todos os ganhos
potenciais de seus investimentos e dos contratos de longo prazo se
coexistir com um Estado suficientemente forte para perdurar e capaz de impedir
que os direitos de propriedade e as garantias de cumprimento dos
contratos sejam violados. A democracia liberal é o quadro político institucional
necessário para satisfazer essas duas condições".
Obviamente, uma democracia não é viável se os indivíduos, inclusive
os líderes de oposição ao grupo no poder, não têm protegidos a liberdade
e seus direitos políticos e econômicos básicos. A democracia liberal é inviável
~ 333 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

sem um verdadeiro Estado de direito. Daí não haver contradição entre


Estado de direito e gestão pública no Estado democrático. Como tem insistido
a melhor doutrina ocidental econômica e jurídica, o Estado de direito
é o valor prioritário e a condição sine qua non do desenvolvimento de uma
gestão pública que supere o mero gerencialismo eficientista.
A importância do Estado de direito para o simples crescimento econômico
tem sido destacada nas pesquisas mais recentes de Robert Barrow
(1995). Depois de analisar e comparar longas séries temporais e geográficas
de crescimento, Barrow chegou à conclusão de que o "Estado de direito" é
a variável mais significativa nesse tipo de interpretação. É curioso, contudo,
que, nas pesquisas, essa variável tenha-se revelado independente da variável
"liberdades políticas", que, isolada, não era relevante em termos de crescimento
econômico, apesar de significativa em termos de distribuição de renda. Em trabalho mais
recente, Mancur Olson estabeleceu com maior precisão
as condições para que os sistemas autoritários possam se tornar
compatíveis com o crescimento econômico (Olson, 1995). Nos dois casos,
contudo, a segurança jurídica aparece sempre como condição necessária,
embora não suficiente, para o crescimento.
Essas considerações visam apenas a ressaltar a importância econômica
das instituições. De modo algum sugerem que a democracia possa se basear
apenas na funcionalidade para prover o crescimento econômico. A experiência
histórica mostra que, até hoje, as democracias que se basearam na
economia de mercados eficientes puderam se sustentar. E que os mercados
eficientes associados a ordens politicamente autoritárias tenderam a evoluir
em direção à democracia. Mas é precipitado estabelecer conexões definitivas
entre os dois processos. De qualquer modo, a nosso ver, a democracia
se justifica por si mesma, sem que se precise alegar qualquer vantagem em
termos de crescimento econômico. A vantagem econômica das instituições
do Estado de direito democrático são apenas mais uma boa notícia para os
democratas. Mesmo que, para estes, a democracia se justifique sobretudo
por ser um projeto moralmente superior de convivência cívica e desenvolvimento
humano. Esta última afirmação exige um mínimo ajuste de contas
~ 334 ~
Material para fins didático

com as posições de individualismo radical de certo liberalismo e de suas correspondentes


versões no campo das ciências políticas.
Vivemos ainda tempos de exacerbação do individualismo e de desconfiança
em relação à comunidade. A teoria do comportamento humano,
que prevalece na economia e nas ciências políticas, centra-se nos indivíduos
'<e nas organizações, que tendem a maximizar sua função de utilidade - interesses
e preferências - mediante um sistema de intercâmbios em um contexto
institucional considerado exógeno a tais intercâmbios. A partir dessa visão,
que é a que tem prevalecido e que foi levada ao paroxismo pela escola
da "escolha pública", a govemabilidade democrática consiste fundamentalmente
em competir, negociar, construir e manter coalizões, e em formular
e implementar políticas. A coesão social é um agregado equilibrado e estável
de interesses, resultante da força e da posição relativas dos atores relevantes.
A metáfora do intercâmbio entre indivíduos e entre organizações que maximizam
a utilidade (fundamentalmente econômica, se não exclusivamente)
passou a prevalecer nos anos 80 e permitiu que a análise econômica invadisse
todos os campos da vida social. A democracia passou a ser analisada
como "mercado político", aplicando-se a mesma perspectiva também à análise
da educação ou da família.
Não se prega aqui que se ignorem as contribuições derivadas da aplicação
da análise econômica a realidades sociais, consideradas até há pouco tempo extra-econômicas. O
que queremos é combater o reducionismo de algumas
análises, ou o fato de que dediquem atenção apenas à dimensão econômica,
ao resultado possível de simples intercâmbios entre maximizadores
de utilidade. Não ignoramos a importante colaboração, positiva para a govemabilidade
democrática, prestada pela abordagem científico-política dominante:
a metáfora do intercâmbio capta aspectos fundamentais da vida
política e social; a insistência, além disso, na construção de sistemas bemprojeta
dos para a produção do intercâmbio político muito ajudou a compreender
e a manejar a ação coletiva. Mas, a nosso ver, essa perspectiva só
pode ser útil se for devidamente modificada e completada, e isto, fundamentalmente,
pelos seguintes motivos:
~ 335 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

o A insistência em buscar um equilíbrio eficiente em termos paretianos leva


a enfatizar os intercâmbios entre os atores existentes e desconsidera a disparidade
inicial quanto à riqueza, ao poder e à concorrência. Assim, ao considerar-
se aceitáveis quaisquer posições iniciais, sacrifica-se a procura de intercâmbios
aceitáveis. As questões de redistribuição têm, portanto, de ficar
fora da agenda. E também exagera-se a importância dos cidadãos de hoje,
em detrimento dos cidadãos do futuro.
o Não se pode tomar por certo que todos e quaisquer intercâmbios sejam
feitos voluntariamente, a partir da lógica da maximização. Há esferas da dignidade
e da liberdade pessoais que são excluídas da lógica do intercâmbio,
baseadas em convenções constitucionais e em imagens da própria identidade
pessoal e social. Por outro lado, muitos intercâmbios ocorrem independentemente
da vontade e do cálculo do interesse e podem ser considerados
apropriados ou devidos, desde que se baseiem em posições e no
próprio conceito do que seja socialmente necessário (Walzer, 1983).
o Em certas circunstâncias, um sistema político baseado apenas no intercâmbio,
ainda que do ponto de vista técnico funcione perfeitamente, pode
levar a resultados indesejáveis do ponto de vista moral. Um número cada
vez maior de filósofos políticos insiste em que se reconheça a necessidade de
um critério moral para a ação coletiva. Para eles, a govemabilidade democrática
deve contribuir não só para um intercâmbio equilibrado e estável entre
atores desiguais, mas também para que se faça justiça. Isso implica a busca
de novos equilíbrios entre atores e interesses, guiada por um ideal de
justiça e solidariedade que ultrapassa a mera coesão social. Nada garante
que a distribuição da virtude seja igual à distribuição da riqueza, do poder
ou da competência.
o Enfatizar os intercâmbios para a maximização do próprio interesse apresenta,
desde logo, a vantagem de ser uma prática consistente com aspectos
reais da natureza humana. Mas apresenta também a desvantagem de incentivar
esses mesmos aspectos de nossa natureza. Para certas filosofias sociais,
o cálculo egoísta seria a base de toda e qualquer construção social sadia. Para
outras, essa base é uma evidente autolimitação da motivação humana. Se
~ 336 ~
Material para fins didático

não acreditamos na existência de uma natureza humana imutável, mas que


a natureza humana é o resultado fluido de um processo de evolução social,
o projeto das instituições políticas não pode partir de uma natureza humana
inamovível, e sim da responsabilidade de construir instituições que estimulem
a evolução positiva na direção de equilíbrios melhores entre o interesse individual
e o interesse geral (March & Olsen, 1995).
Tais considerações parecem-nos especialmente importantes para a governabilidade
democrática na América Latina. Isto porque, dados os níveis
em geral existentes de dualização e de desigualdade e as tradições populistas,
caudilhistas, corporativas e autoritárias ainda vigentes, o melhor caminho
para enfocar a construção da governabilidade democrática não parece
ser o da teoria do liberalismo individualista radical (às vezes chamado
de neoliberalismo). A América Latina necessita de uma metáfora da política
e da sociedade civil que combine valores individuais e valores comunitários.
Entre outras razões porque, na maioria dos países, a grande tarefa ainda por
ser cumprida é a construção da própria comunidade. E isso não poderá ser
feito sem que, primeiro, se construam instituições que, mesmo reconhecendo
a importância dos mercados, não façam deles um deus ex maquina, mas
reconheçam também suas limitações e a radical insuficiência dos mercados
para enfrentar os desafios globais que a região tem a enfrentar. Mercados desenvolvidos
podem ajudar, mas não garantem, por si sós, a construção de
uma cidadania plena, livre e responsável. Para tanto serão necessários outros
valores, que integram o que o Pnud chama de desenvolvimento humano
sustentável. Governabilidade democrática é, pois, também, construir a cultura
cívica para a qual são relevantes esses valores.
Poucos liberais autênticos foram mais veementes que Julio Maria Sanguinetti,
ao denunciar os excessos do neoliberalismo latino-americano: "o triunfo
do liberalismo sobre o comunismo é político, é econômico; mas o liberalismo
é uma filosofia, não uma doutrina. Caiu-se, contudo, no
reducionismo ao concebê-Io como mera política econômica, porque sua vitória
ocorre em pleno auge do chamado neoliberalismo, uma concepção
que começa com algumas idéias interessantes sobre a moeda, logo exige a
~ 337 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

redução e a modernização do Estado e termina com a glorificação teísta do mercado. Assim,


substituiu-se a religião do Estado pela religião do mercado;
o que antes se exigia de um, agora se exige do outro. Exorbitando de suas
funções naturais, o Estado não pode ser industrial, comerciante hoteleiro,
planificador da vida privada para, assim, assegurar a felicidade individual.
Mas o mercado tampouco pode fazê-lo. Se as regulamentações da vida econômica
forem eliminadas e se o Estado ficar reduzido à expressão mínima,
não se poderá assegurar o equilíbrio na sociedade, nem o atendimento das
necessidades dos mais pobres, e que a moral reconhece como necessidades
primordiais" (Sanguinetti, 1994).
Postas as coisas nestes termos, a questão operacional básica passa a
ser como avançar, a partir da situação atual, para a consolidação das democracias
liberais de mercado na América Latina. Para resolvê-Ia, é preciso
compreender adequadamente o modo pelo qual se processa a mudança institucional.
Sobre esse assunto, embora ainda não haja uma teoria completa
e satisfatoriamente comprovada, já há contribuições suficientes para que se
criem agendas e estratégias mais bem fundamentadas que todas as já tentadas,
sem êxito, no passado.
Agentes, fontes e processos da mudança
institucional
o problema dos verdadeiros líderes políticos não é saber o que ainda
está por fazer, mas o que não pode deixar de ser feito aqui e agora. A resposta,
nesse caso, constitui a verdadeira agenda política nacional de cada
momento, a substância da estratégia de governabilidade e de desenvolvimento
institucional própria de cada país. A democracia, como o mercado,
são realidades sempre inacabadas. Cada momento tem sua tarefa inadiável.
Não errar, ao determinar o que é importante em cada momento, é o traço
que distingue o grande líder político da multidão de cidadãos, professores e
intelectuais inconformados.
A mudança institucional possível depende sempre da demanda existente
e da capacidade de oferta ou de resposta possível. Os atores ou agentes
da mudança institucional são os entrepreneurs ou dirigentes das organizações
~ 338 ~
Material para fins didático

ou movimentos sociais, políticos, econômicos ou militares. Uma


caracterização realista e inevitável obriga-nos a vê-los como "maximizadores
de utilidade" para si mesmos e suas organizações ou movimentos. A função
de maximização pode assumir a forma de fazer das eleições o quadro institucional
existente ou de alterá-Io (ou qualquer das combinações possíveis
dessas alternativas). A demanda para alterar o quadro institucional existente procederá dos atores
sociais que esperam obter, da mudança, benefícios
que compensem suficientemente os custos inevitáveis da mudança instituciona!.
A visão anterior é, contudo, tão inevitável quanto insuficiente. Em
tempos de turbulência, principalmente, não é fácil saber o que mais convém
a cada um. A informação é sempre limitada e qualquer ator responsável
pensará em salvar, primeiro, a coesão socia!. Conseqüentemente, a posição
final dos atores frente à mudança institucional será sempre inevitavelmente
mediada pela percepção que tiverem acerca dos interesses comuns, bem como
acerca dos paradigmas, culturas, ideologias ou identidades predominantes
em cada momento.
As fontes das quais procede a demanda de mudança institucional são
complexas. Basicamente, consistem em mudanças nos preços relativos e mudanças
nas preferências. Nesse caso, desempenham importante papel as
ideologias e "culturas" dominantes. Ante qualquer mudança endógena ou
exógena, as implicações serão interpretadas em função dos interesses e do
poder que tenham, naquele momento, os diferentes grupos sociais. Atores
sociais que se sintam ameaçados pelos novos desafios tratarão de impor uma
leitura compatível com o status quo, exagerarão os custos e minimizarão os
benefícios decorrentes da mudança e opor-se-ão claramente a ela. Nesse
ponto, uma liderança político-social transformacional exerce um papel importantíssimo:
os grandes líderes transformacionais são personalidades capazes
de dar sentido de direção aos seus povos, de inspirar-lhes confiança,
de colaborar para que uma maioria, ou uma suficiente coalizão de atores,
partilhe uma mesma visão consensual sobre os benefícios e os custos da mudança
necessária. Os líderes são o fator-chave para que se expliquem diferenças
de velocidade ou de ritmo nas mudanças institucionais em países
~ 339 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

com condições semelhantes.


A demanda de mudança institucional deriva, pois, da percepção de
que os novos arranjos institucionais permitirão auferir lucros, individuais ou
coletivos, que não são possíveis no atual quadro institucional. Mas a oferta
de mudança institucional depende da capacidade e da vontade da ordem
política vigente para prover novos arranjos institucionais. Pode-se caracterizar
a ordem política vigente acompanhando a orientação política dominante,
como um mercado político, como um quadro institucional de trocas
políticas. Nessa perspectiva, a eficiência dos mercados políticos depende da
quantidade e da qualidade das trocas possíveis em cada caso. Fazer avançar
a democracia implica, pois, abrir o processo de tomada de decisões para o
maior número possível de indivíduos e de grupos sociais. Quanto pior for
distribuído o poder de influir nas decisões políticas, maiores serão as dificuldades para que se
possam ver, ponderadamente, os custos e os benefícios
tanto das mudanças institucionais, quanto da manutenção do status quo. As
tarefas de um projeto institucional que vise a melhorar a governabilidade democrática
não terminam, contudo, com a aplicação do quadro de participação
política.
Se a cultura, as preferências, os interesses, os conhecimentos e as
ideologias dos atores são tão relevantes, não podem ser considerados exógenos
ao processo de governabilidade democrática, como pretende a corrente
dominante. Uma estratégia de governabilidade que tenha como objetivo
inabdicável a elevação do padrão de cultura cívica democrática deve
incluir ações que visem a:
o criar ou apoiar processos e organizações cívicas que facilitem a construção,
a manutenção e o desenvolvimento das identidades democráticas; detectar
e combater instituições e processos que produzam identidades inequivocamente
inconsistentes com a democracia;
o desenvolver as capacidades necessárias para que cidadãos e grupos se
comportem de modo consistente com as expectativas derivadas das regras
do jogo democrático e possam adaptar as próprias expectativas ao aprendizado
da experiência. Essas capacidades não podem ser determinadas de
~ 340 ~
Material para fins didático

antemão; não dependem apenas da vontade política e do aprendizado espontâneo;


a produção e a distribuição dessas capacidades devem ser organizadamente
distribuídas entre os atores;
o desenvolver, num contexto de pluralismo e liberdade, relatos partilhados
que sirvam para interpretar os acontecimentos fundamentais da própria história,
que lhe dêem significado e delimitem as opções para o futuro. A democracia
também precisa de mitos políticos e de procedimentos consensuais
para que sejam produzidos, transmitidos, retidos e para que possam evoluir
pelo aprendizado;
o desenvolver um sistema político adaptativo capaz de enfrentar entornos e
demandas mutáveis, o que supõe organizações políticas com maior capacidade
de aprendizado, de experimentação, de monitoramento de resultados,
de avaliação e interpretação de experiências e de constituição e manejo das
lições da história.
Pelo fato de a demanda por mudança institucional se basear na captura
de benefícios atualmente incapturáveis, será sempre específica de cada tempo
e de cada lugar; dependerá das circunstâncias de cada status quo específico.
Ocorre o mesmo com a oferta de mudanças institucionais. Inúmeras pesquisas têm detectado os
fatores que mais afetam a capacidade e a disponibilidade
de uma ordem política específica para prover novos arranjos institucionais.
Entre esses fatores incluem-se os custos do projeto institucional
renovado, O estoque de conhecimentos existentes, os custos previsíveis da implementação
dos novos arranjos, a ordem constitucional, os arranjos institucionais
existentes, o código normativo de comportamentos, os saberes convencionais
e os beneficios líquidos esperados pela elite que detém as posições
de poder e domínio. Todos esses fatores já estão muito bem desenvolvidos em
uma vasta bibliografia que não cabe aqui rriencionar (Ostrom et alii, 1994).
Se prosseguirmos com a caracterização convencional das ordens políticas
como mercados ou como espaços de intercâmbio, acabaremos reconhecendo
que, sob diferentes aspectos, ambas são altamente imperfeitas. A
imperfeição básica está no fato de que o conjunto de organizações ou agentes
com poder de negociação ou de decisão sempre exclui do âmbito de representação
~ 341 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

alguns setores sociais mais ou menos numerosos. A qualidade


da representação, além disso, e a autonomia dos representantes também variam
muito. Essas circunstâncias contam muito no momento de explicar por
que, diante de uma mesma alteração contextual (preços relativos e idéias),
certos países conseguem introduzir mudanças em suas instituições e outros
sequer tentam fazê-lo.
Ante uma alteração importante de contexto, os atores relevantes responderão
reajustando-se dentro dos limites do quadro institucional existente,
que não será modificado, desde que a situação lhes pareça ser de "equilíbrio
institucional", Esse tipo de situação ocorre quando os líderes organizacionais
(entrepreneurs), que têm acesso ao processo de decisão, concluem que, dada
a força de cada ator social relevante e dados os arranjos institucionais vigentes,
ninguém obterá vantagens claras por maiores que sejam os recursos
investidos na mudança. Deve-se observar que, nesse caso, não é a situação
objetiva que determina a possibilidade de mudança institucional, mas a percepção
subjetiva dos dirigentes e líderes e sua capacidade de ação.
No caso inverso, a mudança institucional ocorre quando uma mudança
nos preços relativos ou nas preferências leva uma ou ambas as partes
de uma possível troca - econômica ou política - a perceber que é possível
obter maiores beneficios se forem alterados os termos de um acordo ou de
um contrato. a que se tenta, então, é renegociar o acordo ou o contrato;
mas como contratos e acordos são itens em uma hierarquia de regras, a renegociação
de uma dessas regras só é possível se todo o conjunto de regras
for renegociado (ou se uma norma de comportamento for violada). Nesse
caso, para obter o beneficio que lhe interessa, uma das partes tem que investir
recursos na mudança do quadro institucional de seus contratos. A mudança nos preços ou nas
idéias acaba erodindo as regras ou as instituições
vigentes e determinando sua substituição (North, 1991).
Considerada do ponto de vista histórico, a mudança institucional é
inevitavelmente "incremental". Existem, sim, mudanças descontínuas, provocadas
por guerras, revoluções, conquistas, desastres nacionais ou outras
emergências. Há momentos de aceleração e momentos de sedimentação e
~ 342 ~
Material para fins didático

estabilidade em todos os processos de mudança. a que não parece ter qualquer


fundamento científico nem histórico é a pretensão de que se possam
criar instituições, por revolução ou por decreto, que façam do passado uma
tabula rasa. Esta noção do racionalismo construtivista social carece de fundamento
e não se aplica sequer aos casos de revoluções aparentemente radicais,
vitoriosas e duradouras.
Nenhuma revolução pode deixar de construir coalizões, mesmo que
seja dificil mantê-Ias, quando se reestruturam as regras formais e o sistema
de recompensas inerente a elas. Também é dificil manter, no tempo, o compromisso
ideológico das massas, necessário para superar o problema dos free
riders. Mas mudanças nas regras formais não garantem a coerência nas regras
e restrições informais. Muitas regras informais incompatíveis entre si sobrevivem
por muito tempo porque, de fato, colaboram para a solução de
problemas de intercâmbio entre os participantes do jogo social. Essas regras,
com o tempo, levam ao equilíbrio do sistema institucional - formal e informal
- e a um resultado final mais evolucionista que claramente revolucionário.
Grande parte do êxito das sociedades ocidentais avançadas deve-se ao
fato de que evoluíram na direção de contextos institucionais que favorecem
mudanças incrementais contínuas. A chave, nesse caso, está em mudanças
institucionais e comporta mentais que incentivem uma representatividade
maior dos atores, a autonomia dos dirigentes e a deliberação permanente entre
eles e sobre os novos equilíbrios institucionais necessários. As instituições
políticas (formais e informais) devem evoluir na direção desse quadro, que
facilita as mudanças incrementais. Quando não existem essas instituições facilitadoras,
ou quando os líderes organizacionais dispõem de pouco poder de
manobra ou de pouca liberdade para negociar - porque lhes falta legitimidade
ou credibilidade perante seus representados - diminui, ou desaparece,
a possibilidade de se chegar a soluções de compromisso.
Quando é impossível o compromisso, entre um número suficiente de
atores, para que se tente uma mudança institucional, não há outra solução
senão a mais arriscada e custosa de forjar coalizões suficientemente fortes
para romper as barreiras da mudança institucional mediante a mobilização
~ 343 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

da sociedade. Esta é uma solução muito arriscada e de alto custo, porque quase sempre gera uma
coalizão contrária à mudança institucional - que
também se mobilizará para resistir, com greves, com violência, o que poderá
vir a impedir que o jogo de oferta e procura de mudanças estabeleça um novo
equilíbrio ou um novo arranjo institucional; eventualmente, o próprio
processo poderá se tomar muito agudo, a ponto de impedir que o país usufrua
dos beneficios que a mudança institucional permitiria esperar.
A reforma do Estado
Lições aprendidas: reforma do Estado e governabilidade
Passadas quatro décadas de reformas administrativas de caráter burocrático,
as sombras ainda impedem que se vejam umas poucas luzes que
brilham, apesar de tudo. A reforma da administração foi um verdadeiro movimento
internacional. O quanto provocou de frustraçóes pode ser avaliado
pelo silêncio dos slogans e pela volta, nem sempre revitalizada por novos
conceitos, às políticas públicas, à gestão pública, à modernização administrativa,
ao gerenciamento do setor público e, nos últimos tempos, à governance.
O hábito contudo "não faz o monge", como diz o provérbio, e a chuva
de novos termos não consegue esconder as mesmas velhas práticas
fracassadas. Para conjurar o risco, é preciso saber por que fracassou a reforma
administrativa burocrática.
Por sorte, não faltam diagnósticos (Oror, Kliksberg, Caiden, Pérez Salgado,
Flores, Nieto, Prats etc.). A reforma da administração fracassou, em
primeiro lugar, porque se definia como uma operação basicamente técnica,
politicamente neutra, indiferente ao sistema político em que devesse ser implementada.
Não por ingenuidade, mas porque se inscrevia no paradigma
de desenvolvimento e na teoria da eficiência organizacional que prevaleceram
nos anos 50 e 60.
A crença de que o desenvolvimento derivava necessariamente da
combinação de capital financeiro com capital fisico, mais ciência e tecnologia,
mais capital humano, mais eficiência organizacional, tudo sabiamente
administrado pelo planejamento, era uma convicção partilhada pelos dois
blocos que se enfrentavam na Guerra Fria. Baseava-se, além disso, na experiência
~ 344 ~
Material para fins didático

sem dúvida bem-sucedida do Plano Marshall na Europa e aparentemente


exitosa dos países do socialismo real. Alguns de seus mais importantes
colaboradores receberam o Prêmio Nobel. Mas ainda há países
muito pobres que estão pagando os empréstimos que receberam para planejamento
e reforma da administração feitos nessas bases. Nessa época,
nem a política, nem as políticas públicas, nem as instituições, nem o capital social eram
considerados relevantes para efeitos de desenvolvimento. Pa
ralelamente, a teoria organizacional privilegiava o paradigma burocrático
A organização burocrática era vista por quase todos não como opção or
ganizacional, mas como "o modelo" de racionalidade organizacional err
termos de eficácia e eficiência. A burocracia servia também para construi
o Estado de Bem-Estar no Ocidente, e o socialismo no Oriente. O movi
mento internacional de reforma da administração foi, em síntese, a tentativ,
frustrada de introduzir a racionalidade burocrática em todo o mundo err
desenvolvimento. Como resultado, sob um verniz burocrático, desenvolve
ram-se profundas buropatologias, que dificilmente permitiriam que Max We
ber reconhecesse como burocracias as organizações públicas latino-ameri
canas.
A burocracia é certamente compatível com a democracia e com o au
toritarismo político. Mas não pode desenvolver plenamente nenhuma de
suas qualidades e potencialidades se o Estado não gozar de um mínimo de
autonomia em relação aos diferentes grupos de interesse. A falta dessa autonomia
perverteu quase todas as reformas administrativas na América La
tina. Lembro-me de um esplêndido projeto de implantação do sistema d
méritos no serviço público de determinado país que incluía a legislação per
tinente, o registro informatizado do pessoal, a classificação de cargos e at
um sistema de avaliação de desempenho. No papel, era um projeto excelente.
Foi devidamente pago. Pena que o projeto não levasse em conside
ração que o equilíbrio político do país exigia que boa parte das nomeações
para cargos públicos ficasse à disposição discricionária da oligarquia partidária
que ocupava o poder. Até que ponto é possível se adotar o princípio
do mérito, condição necessária da burocracia, sem fazer antes a reforma política
~ 345 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

do Estado patrimonialista?
A partir de meados dos anos 70, o paradigma do desenvolvimento e
o paradigma burocrático entraram em crise. Rapidamente descobriu-se a
importância da política e das políticas. Redescobriram-se as instituições, o
capital social e a cultura cívica como determinantes do quadro de incentivos
e restrições da eficiência organizacional, pública e privada. A teoria
organizacional se viu num beco sem saída: a eficácia e a eficiência não
eram mais produto de "um" modelo racional de organização, mas dependiam
da configuração ou da opção organizacional que fosse mais adequada
ao tipo de tarefa a ser cumprida, ao contexto, à tecnologia e a outros
fatores.
Essas mudanças de paradigma são processos de adaptação intelectual
a um mundo que, desde meados da década de 70, vive uma mudança sem
precedentes históricos. O mundo está se tomando cada vez mais global competitivo,
interdependente, dinâmico, complexo e diversificado. Provavelmente,
os governantes de hoje são os mais bem preparados de todos os
tempos; mas as dificuldades para governar aumentaram tanto que cresceram
também as falhas de governabilidade. O dinamismo e a interdependência
tornam mais numerosas as surpresas: apesar do refinamento dos instrumentos
de previsão, praticamente tudo que acontece de importante nos
pega de surpresa, sobretudo na América Latina, onde ninguém jamais previu
a crise do endividamento, o tequilazo, nem outros acontecimentos incubados
neste mar de contradições. A imprevisibilidade do futuro acaba
com as ilusões do planejamento. A globalização, apesar de ter gerado alguns
signos culturais universais, só produziu, como resultado indiscutível, o fim
das pretensões nacionais de uniformismo cultural. Por toda parte explodem
grupos e minorias étnicas que reivindicam seu direito à diversidade. Cria-se,
assim, um risco de fragmentação, que só poderá ser neutralizado mediante
o desenvolvimento de modelos culturais e políticos capazes de articular a diversidade
e a complexidade. O mundo do final do milênio é um vibrante cenário
de experimentação social. As metáforas prevalecentes são, quase todas,
pós-burocráticas: aprendizagem, flexibilidade, eficiência adaptacional
~ 346 ~
Material para fins didático

versus eficiência atribucional, valores e culturas versus regulamentações, responsabilidade


pelos resultados versus controle normativo.
A América Latina corre hoje um grave risco no que se refere à reforma
do Estado. No mundo anglo-americano - que sem dúvida detém a
hegemonia intelectual - critica-se abertamente a burocracia. Essa crítica
alcançou, mimeticamente demais, a América Latina, como se nossos países
todos - salvo o Chile e, em alguns momentos, o Uruguai e a Costa Rica
- algum dia houvessem conhecido verdadeiras burocracias. A crítica tende,
pois, a descontextualizar-se e começa a confundir realidade e tipo ideal,
burocracia e buropatologia. Cria-se uma falsa oposição entre administração
burocrática e administração gerencial. O risco é grande porque o necessário
reformismo gerencialista tende a ignorar aspectos institucionais básicos,
normalmente ligados à burocracia, entre os quais a segurança jurídica,
a imparcialidade administrativa, a interdição de atos arbitrários e a responsabilização
judicial de autoridades e funcionários. Sem isso não há mercados
eficientes. Nos países desenvolvidos esses aspectos são tomados como
pressupostos; na América Latina, as jovens democracias têm de
desenvolver ao mesmo tempo a cultura administrativa gerencial e o Estado
de direito.
Ante a onda crescente de modernização administrativa, já devíamos,
portanto, ter aprendido que não há progresso administrativo significativo
sustentável sem mudanças no sistema político; que as tecnologias de gestão não são
politicamente neutras; que já não há one best way e que cada contexto
nacional ou local exige estratégias e soluções específicas; que a finalidade
das reformas não é só melhorar a eficiência atribucional, mas também
a eficiência adaptacional; que, para tanto, deve-se contar com análises e estratégias
integrais, mesmo que traduzi das em medidas de reformas seletivas,
em seqüências bem ordenadas; que as reformas não podem ser só organizacionais,
devem ser também institucionais, já que têm o fim último de incrementar
o capital social ou a cultura cívica. Algumas expressões conseguem
captar a essência do que deve ser aprendido: a mais conhecida é de
Osborne e Gaebler, para os quais o problema atual não está em procurar o
~ 347 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

melhor governo, mas a melhor governance. Na América Latina, a resistência


cada vez maior à reforma e, mesmo, à modernização da administração e à
sua inclusão entre os quadros mais amplos da reforma do Estado ou da governabilidade
toma a mesma direção.
Neste ponto, é necessário precisar melhor alguns conceitos. A reforma
do Estado tende hoje, na América Latina, a colocar-se em termos de
governabilidade. Governabilidade não é o mesmo que estabilidade política.
Governabilidade é um traço que distingue algumas sociedades, que
lhes permite enfrentar positivamente os desafios. Sem governabilidade não
há desenvolvimento. A governabilidade depende fundamentalmente da estrutura
institucional formal e informal existente (governance) e das capacidades
e competências dos atores do governo (governing actors). Em
espanhol, a palavra gobernación, excluídas as conotações autoritárias, designa
os dois aspectos, posto que se refere tanto às instituições quanto às
capacidades.
A reforma do Estado, vista do ângulo da governabilidade, compreende,
pois, não só a reforma dos papéis, do desenho organizacional, do financiamento,
dos procedimentos e da responsabilização das organizações
públicas e de seus agentes, mas também a reforma do sistema institucional
e da correspondente cultura cívica, que constituem o quadro de incentivos
das organizações públicas. Progredir, em termos de governabilidade, significa
avançar ao mesmo tempo nas capacidades e nas instituições do governo.
São dois objetivos muito diferentes, mas intimamente interligados: as
capacidades de governo são capacidades organizativas que se podem fortalecer
mediante estratégias de mudança planejada; as instituições (governance)
são, por outro lado, resultado do processo de aprendizado ou de
evolução social, no qual sem dúvida podemos e devemos influir, mas sem dirigi-
Io planejadamente. Essa distinção entre o que é organizacional e o que
é institucional (Hayek, Popper, North) acaba sendo uma distinção-chave para
que se estabeleçam estratégias de reforma do Estado.
o fortalecimento das capacidades de formulação
e gestão de políticas
~ 348 ~
Material para fins didático

A reforma do Poder Executivo continua sendo o ponto mais importante


da reforma do Estado. O Poder Executivo inclui a Presidência, os ministérios
e o imenso conjunto de aparelhos administrativos que deles depende,
incluído aí o setor público empresarial. Sua reforma, hoje, parece haver
superado os esquemas tecnocráticos da reforma administrativa e apresentase
sob o signo da governabilidade, ou seja, como um componente a mais da
necessária adaptação ao novo modelo de desenvolvimento. Por isso, a reforma
do Poder Executivo envolve atualmente, ao mesmo tempo, aspectos
políticos, econômicos, instrumentais (ou gerenciais) e institucionais.
Politicamente, trava-se, na América Latina, um riquíssimo debate sobre
o regime político (a institucionalidade) mais conveniente para a consolidação
da democracia. Parte-se da constatação universal de que em 200
anos aprendemos muito pouco e avançamos muito pouco na direção de
melhores instituições democráticas, que ajudem a superar os problemas de
"agência" (sobretudo o risco de que os políticos e os burocratas se desviem
dos interesses gerais (Przeworski). Discute-se, porém, especialmente, a pertinência
de se transformar os atuais regimes majoritariamente presidencialistas
em regimes parlamentares ou, no mínimo, semipresidencialistas (Linz e
Valenzuela, Sartori). Afinal, trata-se de buscar o regime ou o arranjo institucional
mais conveniente, para assegurar tanto a representatividade dos
presidentes quanto o necessário apoio dos legislativos. Não é o caso, aqui,
de entrar nessa discussão. Mas cabe assinalar que, sem representatividade e
suficiente respaldo do Legislativo, a ação presidencial - e, por extensão, a
ação de todo o Executivo -, de início encontrará um grande obstáculo. Na
América Latina, a questão do regime político continua em aberto e, inevitavelmente,
deverá reaparecer na agenda da reforma do Estado em muitos
países nos próximos anos.
Em tempos de mudança do modelo de desenvolvimento, a qualidade
da liderança presidencial é determinante fundamental da qualidade de todo
o Poder Executivo. A América Latina não superará os desafios à sua governabilidade
se não completar o processo de construção de um novo modelo
de desenvolvimento adaptado às atuais condições de competitividade global.
~ 349 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Isso implica novas regras de jogo, novos atores, novos equilíbrios de poder
e novos paradigmas culturais. A construção do novo modelo de desenvolvimento
integra a verdadeira agenda de Estado latino-americana. Cada
presidente deve saber que parte da tarefa corresponde a seu mandato. E
ninguém pode cometer enganos: nenhum presidente poderá arcar com toda a tarefa, que, por seu
alcance histórico, será obra de mais de uma geração;
mas todos os bons presidentes deverão saber perfeitamente que parte da tarefa
não poderá deixar de ser cumprida durante seu mandato. Este conhecimento
- que nada tem a ver com o planejamento tradicional - constitui
a base da condução estratégica da ação de governo.
A reforma do Estado latino-americano exige, portanto, que se fortaleçam
as capacidades da Presidência como instituição e como organização.
Nesse sentido, o primeiro passo é fortalecer a capacidade de negociar os
conflitos político-sociais, seja para resolvê-los, seja, pelo menos, para conduzilos
de modo tal que não prejudiquem nem o sistema institucional, nem a estabilidade
do regime. O segundo passo é garantir a coerência da ação do governo,
entre os diferentes membros e com os atores relevantes da sociedade
civil. Isso pressupõe a capacidade de produzir e comunicar uma visão - ou
uma agenda - presidencial confiável, que se apóie em comportamentos
coerentes e no manejo competente da imagem, de modo que leve à mobilização
de uma coalizão adequada de interesses e opiniões (Sulbrandt).
Como afirma Yehezel Dror, é necessário que se estabeleça uma distinção
essencial entre funções de serviço, de execução e de gestão dos governos
e suas funções superiores. As primeiras, quantitativamente mais numerosas,
são objeto das políticas de modernização da administração; as
segundas são as mais importantes, pois incluem todas as funções relacionadas
com a modificação das trajetórias coletivas mediante decisões que, em
essência, constituem intervenções no processo histórico. Todas as políticas
que conduzem à construção do novo modelo e das novas capacidades de
desenvolvimento incluem-se claramente entre as funções de ordem superior
e são da responsabilidade, em última instância, da autoridade presidencial.
Fortalecer a capacidade de formular e implementar tais políticas é fator fundamental
~ 350 ~
Material para fins didático

para o futuro das sociedades latino-americanas.


Para atingir esses objetivos, é necessário transcender as noções convencionais
de eficiência e de eficácia (embora sejam muito importantes) e
concentrar-se no que se poderia chamar de capacidade para fazer com que
o futuro tome o rumo desejado. Este é o principal objetivo da melhoria das
políticas públicas. Esta é, também, a razão de ser do movimento internacional
que se observa no sentido de criar governos mais compactos, que concentrem
seus esforços nas funções básicas superiores e deleguem a outras estruturas
(agências independentes, setor privado, administrações descentralizadas)
as tarefas de prestação de serviços, execução e gestão.
Para melhorar acentuadamente a capacidade de tomar decisões importantes
sobre desenvolvimento, pode-se partir de um modelo de formulação
de políticas que leve em consideração os seguintes aspectos: o As políticas devem se inserir
numa estratégia nacional de superação das
falhas de desenvolvimento, sem contudo deixar de ter uma visão realista; o
objetivo, nesse caso, é criar um vínculo mais estreito entre as políticas de
longo prazo e as decisões imediatas para, assim, ganhar credibilidade e mobilizar
apoios. Para tanto é importante realizar uma dificil combinação: um
conhecimento muito preciso da realidade na qual se atua e dos processos
históricos profundos que geraram o auge e a decadência das nações.
o As políticas devem dar prioridade às questões básicas (com especial atenção
ao risco de se cair no "urgentismo"): deve-se introduzir a criatividade no
planejamento das opções políticas, considerando-se que as exigências do
presente e do futuro estão, cada dia mais, muito distantes dos modelos e opções
que deram certo no passado.
o A formulação de políticas a partir de uma visão de longo prazo deve necessariamente
incorporar o dado inevitável da incerteza; a incerteza faz
com que todas as decisões sejam imprecisas se comparadas à história, razão
pela qual a formulação de políticas exige grande sutileza para que se
obtenham vantagens e se reduzam os riscos de comportamentos inesperados.
o A formulação deve ter em conta o enfoque de problemas, uma visão integrada,
que atenda à interação das diferentes decisões setoriais; busca-se a
~ 351 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

coesão mediante equipes de pessoal já razoavelmente integradas, como escritórios


de orçamento e diversos mecanismos de coordenação; a experiência
demonstra, contudo, que a visão integral é muito dificil, o que leva à necessidade
de se adotar um enfoque amplo de sistemas, a fim de que as
decisões possam levar em conta interações e amplas repercussões, e de que
se possam agrupar várias decisões, a fim de obter efeitos sinérgicos.
o As políticas devem se inspirar numa lógica de moralidade e de afirmação
de valores, com a finalidade de incrementar o nível de compromisso e de
cultura cívica.
o Uma formulação de políticas de qualidade deve, em sentido amplo, levar
de fato em conta os recursos econômicos e políticos, morais e cívicos, atuais
e futuros, o que implica melhorar a capacidade de fazer cálculos de custo
das políticas e definir orçamentos.
o A formulação de políticas, sobretudo nos países envolvidos em grandes
processos de autotransformação, deve ter por objetivo prioritário as instituições
e sua evolução, inclusive as estruturas, os processos, o pessoal, os sistemas
de incentivos, o meio cultural etc. Nesse caso, o direito reveste-se de particular interesse, dada
sua dupla função de elemento restritivo das políticas
e de principal instrumento dessas políticas.
o O êxito da formulação de políticas depende em grande parte da participação
intelectual de toda a sociedade, em bases pluralistas; isso não atende
apenas a uma exigência moral; a participação da sociedade é também uma
necessidade funcional da formulação de políticas, porque a criatividade é um
processo difuso, ao qual não é propícia a atmosfera governamental.
o Em ambientes turbulentos como os atuais, a formulação de políticas deve
atender à gestão das crises; as crises dão oportunidade de se pôr em prática
aquilo que, em circunstâncias normais, seria impossível; por isso, um dos objetivos
da formulação de políticas deve ser melhorar a tomada de decisões relacionadas
com as crises, contando sempre com a inevitável improvisação,
mas tratando de detectar as esferas mais propensas à crise e aprimorando a
capacidade das instituições e o pessoal encarregado da gestão das crises.
o Um modelo de formulação de políticas deve ter, para concluir, a necessidade
~ 352 ~
Material para fins didático

de organizar um aprendizado constante; para tanto é indispensável avaliar


sistematicamente os resultados das principais políticas, e nem sempre são
válidos os indicadores de resultados; quando políticas complexas, de grande
alcance, estão sob avaliação, nem sempre os resultados são indicadores de
qualidade confiáveis; a avaliação pode avançar, então, mediante um exame
crítico das hipóteses e dos processos que levaram àquelas políticas.
Pode-se depreender do modelo que acabo de expor uma série de recomendações
claras e específicas. A primeira e mais importante é a necessidade
de avançar na profissionalização da formulação de políticas. As aptidões
necessárias à formulação de políticas de qualidade exigem a formação
de bons profissionais em análise de políticas. Com isto surge a necessidade
de fortalecer e ampliar os centros de pesquisa e formação em políticas públicas.
Estes, por terem de ser independentes, devem desempenhar a dupla
função de produzir conhecimento válido para a ação de governo e de alimentar
o debate, o aprendizado e a participação social (além de contribuirem
para a formação de futuros profissionais e de quadros para o momento
presente). Além desta, impõe-se também a necessidade de criar, nas presidências
e em alguns dos ministérios, unidades de análise de políticas, e entregá-
Ias a profissionais que mereçam a confiança dos políticos e que conheçam
as realidades da política, mas que atuem a partir exclusivamente de
sua competência técnica. Estes centros e unidades podem ser estrutura dos
em redes, que colaborem entre e si, em constante disputa, que enriquecerá
o processo geral de aprendizado social.
Um caso especial de formulação de políticas públicas é o relativo às
"regulamentações". Há consenso quanto ao fato de que um dos pontos mais
frágeis do Estado latino-americano é sua capacidade de produzir e supervisionar
boas regulamentações, em face dos desafios impostos pelo novo
modelo de desenvolvimento. A teoria econômica atual assinala muitos casos
em que uma boa regulamentação poderia levar a melhores resultados do
que a falta de regulamentação. Mas a má regulamentação também pode dificultar
ainda mais as coisas. Temos, portanto, um duplo problema a enfrentar:
por um lado, trata-se de capacitar o Estado para que, nos casos tecnicamente
~ 353 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

fundamentados, possa produzir e supervisionar a aplicação de


"boas" regulamentações; por outro, trata-se de assegurar que os agentes do
Estado - políticos e funcionários -, além de capazes, preocupem-se em
agir em defesa do interesse público.
Segundo a teoria regulatória normalmente aceita (Baron, Laffont e Tirol),
para que a intervenção estatal seja melhor que a não-intervenção é necessário
que os agentes estatais tenham conhecimento suficiente do mercado
a regular, a fim de que se organize o trade-off mais conveniente entre
as empresas e os consumidores. Isto implicará, em muitas ocasiões, dispor
da autoridade legal necessária para fixar preços ou para conceder subvenções.
Além disso, é necessário que, uma vez estabelecido o equilíbrio de interesses
adequado, as instituições vigentes garantam a manutenção duradoura
dos compromissos. Qualquer falha em quaisquer dessas exigências
pode levar a uma situação pior com regulamentação do que sem regulamentação.
Contudo, ainda que se tenha a capacidade de regular e supervisionar
adequadamente, nada garante uma efetiva e boa regulamentação.
O oportunismo de políticos, funcionários, empresas ou grupos específicos de
consumidores pode levar a "más" regulamentações. Para conjurar este risco
não temos outros meios senão o redesenho das instituições de relacionamento
entre os cidadãos, os políticos e os burocratas ou funcionários profissionais.
Este foi um dos principais objetivos das políticas de modernização
administrativa, em experimentação desde os anos 80 nos principais países
desenvolvidos.
Os países latino-americanos encontram-se em situação paradoxal no
que diz respeito à modernização administrativa. Por um lado, têm que construir
um verdadeiro serviço público de base meritocrática e superar o risco
do comportamento arbitrário das autoridades administrativas, mediante o fortalecimento
do Estado de direito. Por outro, devem levar em conta a experiência
dos países desenvolvidos e não repetir o modelo de gestão burocrática.
É um desafio colossal, mas não insuperável, como demonstra a evolução
do caso chileno. A reordenação do serviço público e, mais prioritariamente, dos escalões aos
quais cabem as funções superiores de governo é tarefa imprescindível
~ 354 ~
Material para fins didático

e urgentíssima. A exposição dos critérios que devem servir de base


a esta reordenação excede o âmbito deste trabalho, embora caiba registrar
que esses critérios implicam um grau considerável de criatividade e de inovação
(Ferez).
A América Latina, sem desconsiderar sua especificidade, também deve
participar do movimento internacional de transformação da gestão pública
burocrática em uma gestão pública gerencial. Esse movimento se orienta
não só pelos valores gerencialistas de eficácia e eficiência, mas também
por outros valores mais sólidos e orienta dores, como os de transparência e
acessibilidade dos processos de decisão e de alocação de recursos e pelos
valores-chave de prestação de contas e de responsabilidade. O movimento
produziu uma extensa literatura, com obras de boa qualidade (Olsen, March,
Peters e Savoie, Tomasini, Bresser Pereira, Kettl) num oceano de apologética
e de propaganda.
As propostas mais positivas do movimento são: reduzir o Estado, mediante
privatizações ou, no mínimo, a "corporatização" do setor público empresarial;
melhorar os sistemas de orçamento e de contabilidade, como suportes
indispensáveis às políticas de eficiência; determinar objetivos e aferir
resultados, em apoio às políticas de eficácia; reconhecer a discricionaridade
necessária dos administradores e passar de um sistema de responsabilidade
normativa para um sistema de responsabilidade por resultados; concentrar
ministros nas funções estratégicas e transferir as funções de provisão de bens
e serviços a "agências", mediante contratos de gestão firmados com os respectivos
ministérios; atender às necessidades dos clientes e fazer uso intensivo
de técnicas de divulgação e esclarecimento do público; subcontratar e
criar mercados internos ou quase-mercados sempre que possível; estabelecer
técnicas de retribuição por desempenho.
Passar de uma administração burocrática para uma administração gerencial
impõe enormes desafios. A chave dessa transição está na "responsabilização",
não só pelo cumprimento das regras, mas também pela obtenção
de resultados. Mas os sistemas e as técnicas de medição de resultados
impõem exigências dificeis de satisfazer. Nos Estados Unidos, a lei que, em
~ 355 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

1993, implantou um vigoroso programa de medição de resultados em todas


as agências do governo federal está produzindo importantes beneficias, embora
tenha, ao mesmo tempo, feito surgir problemas novos e imprevistos.
Entre eles, os procedentes de públicos com diferentes perspectivas, da falta
de clareza na definição das missões e dos objetivos, da formulação de metas
múltiplas e contraditórias, da informação diferente requerida para a avaliação
e para o monitoramento, da não-consideração de todos os resultados e impactos que se
verificaram, da dificuldade de medir a satisfação dos clientes
em mercados regulamentados. Chega-se, inclusive, à conclusão paradoxal
de que os sistemas de aferição de resultados podem desinformar mais
que informar, quando os usuários desses sistemas não estão plenamente
conscientes de suas sutis limitações.
Evoluir para uma administração gerencial, na qual os resultados devidamente
aferidos sejam um incentivo eficaz, implica criar quadros institucionais
e condições organizativas que viabilizem os sistemas de aferição. Não
é uma tarefa simples e exige tempo. Para se ter uma idéia do quanto isso pode
ser dificil, basta considerar o que é preciso para se construir um sistema
confiável de aferição de desempenho (Kravshuc e Shack):
o uma clara compreensão dos objetivos de cada programa ou do sistema
multiprogramas; isso significa partir do conhecimento da missão e das estratégias
organizacionais, das quais fluirão os objetivos principais e secundários.
Só assim é possível desenvolver os padrões e medidas específicos para
o reconhecimento e a interpretação de resultados;
o desenvolvimento de uma estratégia explícita de medição, que inclua as
categorias a serem medidas (insumos, produtos, resultados etc.), as medições
específicas a cada categoria, os dados a considerar, o procedimento de coleta
e arquivo de dados e de acesso a eles, o sistema de produção de informações
e a especificação do ambiente tecnológico; tudo isso deve ser orientado
para a construção de um sistema que permita indicadores fundados
na eficácia e na eficiência dos programas;
o busca, de fato, da participação - e não apenas a consulta - de clientes
e usuários-chave na fase de desenvolvimento do sistema de medição, de modo
~ 356 ~
Material para fins didático

a que todos tomem ciência das potencialidades e limitações do sistema


que afinal for instituído; esse esforço, apesar de grande e trabalhoso, é indispensável
para garantir a credibilidade do sistema e para evitar futuros
mal-entendidos no momento da implantação;
o racionalização da estrutura dos programas, pois não há medição sensata
quando a estrutura dos programas não é racional; isso implica rever sobretudo
as situações de imbróglio programático, nas quais a mistura ou confusão
de programas e de objetivos estratégicos carece de fundamento; o desenvolvimento
de sistemas de medição oferece, assim, a oportunidade de resolver
algumas inconsistências estruturais;
o desenvolvimento de séries múltiplas de medições quando há usuárioschave
com interesses e necessidades diversas de informação sobre desempenho.
O desempenho de muitos programas está sujeito a interpretações diversas e às vezes conflitantes.
Os projetistas devem considerar este dado parte
integrante do processo político democrático, uma vez que devem
incorporar as necessidades de informação de todos os usuários-chave, para
que o processo de aprendizagem organizacional não seja distorcido,
o ao se projetar o sistema de medição, deve-se considerar as necessidades,
aspirações e critérios de satisfação dos clientes; isso deve ocorrer tanto na fase
de determinação de objetivos, quanto na de aferição de resultados; tratase,
enfim, de evitar que se crie um hiato entre a satisfação dos administradores
e a satisfação dos clientes, em relação a um mesmo programa;
o todo projeto enfrenta um dilema: a completude ou a adaptabilidade; a falta
de uma informação pode impedir que se façam inferências sobre o desempenho,
mas a informação excessiva pode gerar sobrecargas irremovíveis
e tornar o sistema excessivamente rígido; os critérios prevalecentes devem
ser a suficiência e a flexibilidade; de fato, todo sistema deve ter um mínimo
de flexibilidade, pois precisa permitir adaptações, sempre que sejam modificados
os pressupostos do programa ou sempre que a avaliação ou a experiência
revelem inconsistências no sistema vigente.
Os especialistas em sistemas de avaliação de desempenho sempre advertem
que as medições não devem ser usadas como substitutas nem do conhecimento
~ 357 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

especializado, nem do conhecimento gerado pela gestão direta


dos programas. O processo de aprendizado organizacional não pode depender
exclusivamente de "indicadores". Todos os usuários devem conhecer
o potencial e os limites desses sistemas e desenvolver fontes adicionais de informações
sobre desempenho. Sobretudo no caso de programas amplos,
complexos e diversificados, os sistemas de medição do desempenho podem
ser, no máximo, complementos do conhecimento especializado gerado pela
experiência direta. Não se deve esquecer que é nesta expertise e no compromisso
ético com os interesses gerais que está a chave do aprendizado, da
adaptação e do constante aprimoramento dos programas e dos serviços públicos
(Kliksberg).
A América Latina terá de incluir as políticas de modernização administrativa
entre a geração de políticas de desenvolvimento. Ao fazê-lo, terá
de enfrentar um dilema inevitável: as exigências da administração gerencial
levarão à adoção da prestação de contas por resultados; mas as dificuldades
e os custos envolvidos na construção desses sistemas farão com que, em
muitos casos, a organização administrativa possível baseie-se principalmente
em sistemas que estejam de acordo com as normas e com uma deontologia
profissional exigente, isto é, em uma burocracia reinventada. Afinal, esse é o sistema que
prevalece na organização do serviço público que diz respeito
às funções superiores do Estado em países como o Japão, a Alemanha ou
Israel, que escaparam à pressão ideológica anglo-americana, e, ao que parece,
com resultados que não são de todo maus. Teremos, sem dúvida, de
viver um paradoxo: não há como escapar da administração gerencial; e a
reinvenção da burocracia também parece ser inevitável.
Lideranças para a governabilidade democrática
A liderança é um aspecto vital da mudança institucional. Mas há equívocos
demais na literatura sobre esse assunto, o que nos obriga a fazer alguns
esclarecimentos. Em sociedades que vivem em ambientes turbulentos
como as atuais, nas quais os novos jogos e suas regras obrigam a desaprender
e a desligar-se de algumas das velhas aptidões e dos velhos modelos
mentais para desenvolver modelos novos e adaptados, as lideranças meramente
~ 358 ~
Material para fins didático

transacionais não são suficientes. Esse tipo de liderança não serve para
produzir a arquitetura social capaz de incentivar o desenvolvimento da
confiança ou do capital social necessários para que a mudança institucional
seja sustentável. O grande problema que os líderes atuais têm de enfrentar
pode ser assim formulado: como uma sociedade heterogênea - em que é
grande o número de atores com interesses conflitivos, em que nenhum dos
grupos tem como forçar os demais a cooperar - pode encontrar caminhos
para avançar no sentido de arranjos institucionais mais eficientes e mais
eqüitativos? (Dove, 1996).
De uma perspectiva institucional da governabilidade democrática, liderança
significa funções e processos, não pessoas. A história flui pela ação
de forças impessoais. Mas a história particular de uma sociedade acaba sendo
moldada pelo número e pela qualidade das pessoas que se decide pôr
à frente do processo de mudança. Esse processo não se produz nunca por
si só. Só os deterministas históricos crêem no contrário. Sem a função de liderança,
a mudança acabaria por não se produzir, ou produzir-se-ia, mas limitada
ou inadequada. A emergência dos novos modelos mentais, percepções
e aprendizados, a mudança de atitudes, a aquisição de novas aptidões
são processos que se podem dar mais rapidamente e melhor quando se dispõe
de líderes.
A liderança transformacional não é uma função limitada às altas posições
de autoridade, mas deve-se estender a todo o conjunto da sociedade.
Em sociedades pluralistas e complexas, os líderes devem provir de toda a sociedade.
Ser líder depende de decisão pessoal - tanto ou mais que da posição
formal que se ocupe -, de assumir a função de se pôr à frente, de procurar ter visão e sentido de
direção, de construir e comunicar confiança. Isso
supõe que o líder não desconheça a importância vital da liderança governamental.
Podem ser interessantes algumas comparações entre tipos de liderança
e níveis de capital social - outro nome do sistema institucional formal e
informal. Nas sociedades com alto nível de capital social, a liderança tende
a ser plural, participativa e orientada para o futuro. Nas sociedades com baixo
nível de capital social, as lideranças tendem a ser concentradas e de visão
~ 359 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

curta. Nestas últimas sociedades, o poder está muito concentrado, mas também
muito condicionado pelos equilíbrios entre atores cujas ações não se
baseiam na confiança nem em fortes tradições cívicas. Nessas sociedades, a
liderança tende a ser transacional ou de acomodação entre atores que buscam
evitar o conflito. A liderança transformacional emerge com muita dificuldade,
afogada pela quase impossibilidade de identificar e manejar positivamente
o conflito.
Em primeiro lugar, o líder que a mudança institucional exige deve ter
visão. Para que tenha visão, é preciso que: a) compreenda os interesses de
um amplo espectro de atores sociais, no curto e no longo prazos; b) tenha
uma fina percepção dos equilíbrios implicados nos arranjos institucionais vigentes;
c) tenha suficiente consciência dos impactos que as tendências e as
forças de mudança, atuais e futuras, virão a ter sobre a sociedade e seus
principais atores. O fator decisivo não é a visão ser inovativa, e sim que esteja
em conexão com os interesses e as motivações do grande público.
Em segundo lugar, para a governabilidade democrática, os líderes devem
ter legitimidade. É a legitimidade que permite uma efetiva comunicação
entre o líder e o grande público. Essa comunicação não depende tanto
das habilidades de comunicado r do líder, mas, muito mais, de ter adquirido
credibilidade. A legitimidade da liderança não depende, pois, de o líder deter
o poder (todos os líderes são detentores atuais ou potenciais de poder;
mas nem todos os que detêm o poder são líderes), mas da credibilidade de
que goze e da confiança que inspire ao público. Credibilidade e confiança,
nesse caso, não são conseqüência automática ou natural de qualidades pessoais,
e sim produto de um processo de percepção da consistência entre discurso,
ações e resultados. Nem sempre, contudo, confia-se no líder pelas razões
certas. O ajuste de expectativas entre o líder e seu público é tão
necessário quanto a explicação capaz de compensar as inconsistências percebidas
(Burns, 1979).
Em terceiro lugar, para a governabilidade democrática, a liderança requer
capacidade de tratar adequadamente o conflito. Se o conflito não pode emergir, tampouco
emergirá a consciência dos custos da manutenção do
~ 360 ~
Material para fins didático

status quo. A democracia também é uma arena para o reconhecimento e o


tratamento civilizados dos conflitos. Os líderes da governabilidade democrática
não fogem dos conflitos: utilizam-nos como estímulo para o processo de
desenvolvimento e aprendizado social. Para tanto, têm de desenvolver a capacidade
de converter demandas, valores e motivações conflitivas em fluxos
coerentes de ação, que competirão com outros fluxos alternativos na arena
política. Visão e credibilidade ajudam; mas a capacidade de gerir conflitos
é fundamental. A mudança institucional gera conflitos não só entre atores,
mas também no âmago de um mesmo ator. A incerteza da mudança produz
ansiedade e a ansiedade deve ser compensada, paulatinamente, pelo aprendizado
de novos modelos e pela aquisição de novas aptidões e de uma nova
segurança. Se, por um lado, evitar o conflito pode impedir a mudança, por
outro, o conflito descontrolado pode gerar uma incerteza excessiva, que, por
sua vez, pode se traduzir em rejeição da liderança (Heifetz, 1994).
Por fim, para a governabilidade democrática, a liderança deve ser capaz
de atuar como catalisadora do processo de aprendizado e de adaptação
social. O tipo de líder capaz de catalisar a mudança institucional há de ser
também capaz de colocar questões e opções dificeis, que precisam ser enfrentadas
sem respostas preestabelecidas, o que impõe a necessidade de iniciar
processos de aprendizado social. A capacidade de provocar e conduzir
esses processos talvez seja a mais importante para o tipo de liderança de que
hoje se necessita. Mas a condução do processo de aprendizado social é uma
função que pouco tem a ver com a aplicação aos problemas sociais do repertório
de ferramentas preestabelecidas. O aprendizado social é um processo
de construção da própria história mediante opções difíceis e problemáticas,
que, em um esquema democrático, implicam transparência, deliberação e
conflito. Nenhum especialista internacional pode tirar da maleta a solução
mágica que poupará os povos dessas dores de parto.
Mas os povos e seus líderes caem, muitas vezes, na tentação de buscar
a solução mágica. Não percebem que o verdadeiro aprendizado social não
consiste em encontrar a solução certa, mas em um processo contínuo de
questionamento, interpretação e exploração de opções. O aprendizado para
~ 361 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

a mudança institucional corresponde ao que Argyris chamou de aprendizado


de "laço duplo": no plano individual, requer que cada um examine pessoalmente
os temores e desejos que estão por trás de certo modelo de comportamento;
no plano organizacional, força os empregados a examinar as
políticas, as práticas ou as ações que os protegem de ameaças e incômodos,
mas que, ao mesmo tempo, impedem que a organização aprenda a reduzir
ou a eliminar as causas das mesmas ameaças ou incômodos. No plano social, esse tipo de
aprendizado obriga os atores a compreender como os sistemas
institucionais existentes afetam os valores fundamentais da convivência.
Mas o aprendizado social não se limita à mera compreensão intelectual.
Saber por que atuamos de determinado modo ou por que existem certas
políticas ou regras não é suficiente para que comece o processo de mudança.
O verdadeiro aprendizado tampouco consiste em acumular
informações ou em acrescentar novas informações ou soluções ao acervo já
existente. Em momentos de descontinuidade, o aprendizado implica principalmente
a substituição de informações, de modelos, de valores, de aptidões.
É preciso desaprender antes de aprender os novos modelos, valores e
aptidões que nos capacitarão a continuar aprendendo. A América Latina está
vivendo a mudança de um modelo de desenvolvimento. Otimizar as potencialidades
do novo modelo exige uma multidão de lideranças que conduzam
esse tipo de aprendizado.
Todo processo de aprendizado implica necessariamente incerteza e
tensão. Sem tensão não há aprendizado nem mudança. Uma função-chave
da liderança é a capacidade de produzir e controlar o tipo de tensão emergente.
A tensão que catalisa a mudança é a que Senge chama de "tensão
criativa". Nela, os líderes forçam os atores sociais a aceitar a realidade e impedem
que fujam para mundos fantasiosos inspirados na realidade. Parte
dessa realidade é a consciência dos riscos implícitos no status quo, da ameaça
que há no imobilismo. Essa consciência gera a tensão, a ansiedade e o
conflito necessários para mudar a direção da visão - de início imprecisa,
mas confiável - de uma nova realidade. A imprecisão e a confiabilidade dependem
da legitimidade ou da credibilidade dos líderes. Cabe a eles manter
~ 362 ~
Material para fins didático

a tensão entre a realidade atual e a visão do futuro, sem perder o controle


sobre o nível de conflito a que leva a ansiedade, a qual eventualmente pode
ser paralisante.
O aprendizado social não torna menos complexa a mudança institucional.
Mas pode contribuir para melhorar as habilidades dos atores para
enfrentar os desafios de um ambiente em mutação acelerada e, em tantos
casos, permanente. Nesses ambientes, o aprendizado e a evolução institucional
não têm ponto de chegada. Dificilmente se poderá dizer que a democracia está consolidada, que
o mercado é plenamente eficiente e que a sociedade é plenamente equitativa. Cada geração deverá
assumir sua própria parcela de responsabilidade nessa incessante reconstrução da história.
Já se disse, com razão, que a democracia só sobrevive a ela mesma mediante a permanente
recriação. Ocorre o mesmo com os mercados e com
as instituições da solidariedade social, como demonstra o atual replanejamento do Estado de
Bem-Estar em vários países desenvolvidos. Porque as instituições que estão por trás desses conceitos
só existem em Estados de evolução e reavaliação permanentes. É provável que o mais decisivo desafio
a ser enfrentado pelos líderes para a governabilidade democrática esteja, precisamente, em catalisar a
ação dos atores sociais para que esse reexame seja mesmo constante, porque aí está a base de qualquer
processo de aprendizado (Burns, 1979).

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BRESSER-PEREIRA, Luíz Carlos. A administração pública gerencial: estratégia e
estrutura para um novo Estado. Brasília: MARE/ENAP – Texto para discussão 9.

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL: ESTRATÉGIA E


ESTRUTURA PARA UM NOVO ESTADO 13
Luiz Carlos Bresser Pereira
Introdução (?)
Na década de 80, logo depois da eclosão da crise de endividamento internacional, o tema que
prendeu a atenção de políticos e economistas em todo o mundo foi o ajuste estrutural (assunto de
pesquisa no curso, sob o enfoque da administração) ou, em termos mais analíticos, o ajuste fiscal 14e
as reformas orientadas para o mercado. Nos anos 90, embora o ajuste estrutural permaneça entre os
principais objetivos, a ênfase deslocou-se para a reforma do Estado, particularmente para a reforma
administrativa. A questão central é como reconstruir o Estado — como redefinir o novo Estado que
está surgindo em um mundo globalizado.
Também no Brasil ocorreu esta mudança de perspectiva (...), 15 - a reforma da administração
pública, ao se decidir transformar a antiga e burocrática secretaria da presidência, que geria o serviço
público, a Secretaria da Administração Federal, no Ministério da Administração Federal e Reforma do
Estado. Ao acrescentar a expressão “Reforma do Estado” ao nome do novo ministério, o Presidente
não estava apenas aumentando as atribuições de um determinado ministério, mas apontando na direção
de uma prioridade do nosso tempo: reformar ou reconstruir o Estado.
Escolhido para o cargo de Ministro, propus que a reforma administrativa fosse incluída entre as
reformas constitucionais já definidas como prioritárias pelo novo governo — reforma fiscal, reforma
da previdência social e a eliminação dos monopólios estatais. E afirmei que para podermos ter uma
administração pública moderna e eficiente, compatível com o capitalismo competitivo em que
vivemos, seria necessário flexibilizar o estatuto da estabilidade dos servidores públicos, de forma a
aproximar os mercados de trabalho público e privado; que e por que se diferenciam). A reação
imediata dos funcionários civis, dos intelectuais e da imprensa, foi fortemente negativa.

13Texto apresentado à Assembleia Geral Resumida das Nações Unidas, Nova York, abril de 1996, e ao
Seminário sobre a Reforma do Estado na América Latina e Caribe, patrocinado pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento e organizado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado. Brasília, 16 e 17 de
maio de 1996.
14Todas as palavras ou conceitos em negrito são assunto de pesquisa no curso, sob o enfoque da
administração pública.
15Utiliza-se este recurso, - entre aspas (...), para indicar supressão de parte do texto original por considera-la de
“menor importância” aos propósitos do curso ou para introduzir novas informações. No sentido oposto,
destacam-se, ao sublinhar, conceitos básicos.
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Material para fins didático

Reagiram contra a mudança, contra uma reforma que lhes parecia ameaçadora. Passados alguns
meses, contudo, os apoios começaram a surgir, a partir dos governadores estaduais, dos prefeitos, dos
empresários, da imprensa e, finalmente, da opinião pública.
De repente, a reforma passava a ser vista como necessidade crucial, não apenas interna, mas
exigida também pelos investidores estrangeiros e pelas agências financeiras multilaterais. Depois de
amplamente debatida, a emenda constitucional da reforma administrativa foi remetida ao Congresso
Nacional em agosto de 1995. À emenda seguiu-se a publicação pela Presidência da República do
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, cuja proposta básica é a de transformar a
administração pública brasileira, de burocrática em administração pública gerencial.
A partir daquele momento, a reforma do aparelho do Estado, visando torná-lo menor, mais
eficiente e mais voltado para o atendimento das demandas dos cidadãos, passou a ser uma questão
nacional.
Por que este novo interesse pela reforma do Estado e, particularmente, do aparelho do Estado?
Qual o conteúdo destas reformas? São partes da ideologia neoliberal ou são passos necessários para a
gestão do Estado capitalista contemporâneo? Que relação há entre a estratégia gerencial e a estrutura
do novo Estado que emerge de sua grande crise — a crise dos anos 80 que, de várias maneiras,
estendeu-se até os anos 90? Estas são algumas questões às quais tentarei responder, sabendo muito
bem que as respostas possíveis são limitadas e provisórias.

A reforma do Estado como questão central


Podemos encontrar muitas razões para o crescente interesse de que tem sido alvo a reforma do
Estado nos anos 90. A razão básica está, provavelmente, no fato de que houve a percepção
generalizada de que o ajuste estrutural não era suficiente para a retomada do desenvolvimento. Desde
meados dos anos 80, os países altamente endividados têm-se dedicado a promover o ajuste fiscal, a
liberalizar o comércio, a privatizar, a desregulamentar. Os resultados foram positivos, na medida que
se superaram os aspectos agudos da crise: a balança de pagamentos voltou a um relativo controle, por
toda a parte caíram as taxas de inflação, os países recuperaram pelo menos alguma credibilidade. Mas
não se retomou o crescimento.
O pressuposto neoliberal que estava por trás das reformas — o pressuposto de que o ideal seria
um Estado mínimo, ao qual caberia apenas garantir os direitos de propriedade e os contratos, deixando
exclusivamente ao mercado a coordenação da economia — provou ser irrealista. Em primeiro lugar
porque, apesar do predomínio ideológico alcançado pelo credo neoconservador, em país algum —
desenvolvido ou em desenvolvimento — este Estado mínimo demonstrou ter legitimidade política.
Não há sequer apoio político para um Estado que apenas acrescente às suas funções clássicas de
garantir a ordem interna, as de prover a educação, dar atenção à saúde e realizar políticas sociais
compensatórias. Os cidadãos continuam a exigir mais do Estado.
Em segundo lugar porque rapidamente se percebeu que a ideia de que as falhas do Estado eram
necessariamente piores que as falhas do mercado não passava de dogmatismo. As limitações da
intervenção estatal são evidentes, mas o papel estratégico que as políticas públicas desempenham no
capitalismo contemporâneo é tão grande que é irrealista propor que sejam substituídas pela
coordenação do mercado, nos termos sugeridos pelo pensamento neoliberal. Como Przeworski (1996:
~ 369 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

119) observa, “a visão (neoliberal) de que na ausência de suas ‘tradicionais’ falhas, os mercados
seriam eficientes parece que atualmente está morta, ou pelo menos moribunda”.
Por outro lado, tornou-se cada vez mais claro que a causa básica da grande crise dos anos 80 —
uma crise que só os países do Leste e do Sudeste asiático conseguiram evitar — é uma crise do Estado,
que se dá de três formas: uma crise fiscal do Estado, uma crise do modo ou das estratégias de
intervenção estatal, e uma crise da forma burocrática pela qual o Estado é administrado. l Ora, se a
proposta de um Estado mínimo não é realista, e se o fator básico subjacente à crise ou à desaceleração
econômica e ao aumento dos níveis de desemprego é a crise do Estado, a conclusão só pode ser uma: o
caminho para resolver a crise não é provocar o definhamento do Estado, enfraquecê-lo ainda mais do
que já está enfraquecido, mas reconstruí-lo, reformá-lo.
A reforma provavelmente significará reduzir o Estado, limitar suas funções como produtor de
bens e serviços (??) e, em menor extensão, como regulador, mas implicará provavelmente em ampliar
suas funções no financiamento de organizações públicas não-estatais para a realização de atividades
nas quais externalidades ou direitos humanos básicos estejam envolvidos necessitando serem
subsidiados, e em dotar o Estado de meios para que possa apoiar a competitividade internacional das
indústrias locais.
A reforma do Estado é um tema amplo. Envolve aspectos políticos — os que se relacionam à
promoção da governabilidade —, econômicos e administrativos — aqueles que visam a aumentar a
governança. Dentre as reformas cujo objetivo é aumentar governança ou capacidade de governar — a
capacidade efetiva de que o Governo dispõe para transformar suas políticas em realidade —, as que
primeiro foram iniciadas, ainda nos anos 80, foram aquelas que devolvem saúde e autonomia
financeira para o Estado: particularmente o ajuste fiscal e a privatização.
Mas igualmente importante é a reforma administrativa que torne o serviço público coerente com
o capitalismo contemporâneo (??) , que permita aos governos corrigir as falhas do mercado sem
incorrer em falhas maiores. Este tipo de reforma vem recebendo crescente atenção nos anos 90.
Há uma explicação para isto: os cidadãos estão se tornando cada vez mais conscientes de que a
administração pública burocrática não corresponde às demandas que a sociedade civil apresenta
aos governos por ela eleita, no capitalismo democrático contemporâneo. Sabemos que os cidadãos
tendem a exigir do Estado muito mais do que o Estado pode fornecer. Esta lacuna (gap) entre
demandas e possibilidade de oferta por parte do Estado está na origem não apenas da crise fiscal, como
observou O’Connor (1973), e da crise de governabilidade, como destacou Huntington (1968), mas
também da crise da administração pública burocrática. 2
Os recursos econômicos e políticos são, por definição, escassos em relação à demanda, e se
tornam ainda mais escassos quando a administração pública é ineficiente. Entretanto, quando não se
pode contar com o mercado, i.e., quando a alocação de recursos pelo mercado não é solução factível,
dado seu caráter distorcido ou dada sua incompletude, a existência de uma administração pública
eficiente passa a ter valor estratégico, ao reduzir a lacuna que separa a demanda social e a satisfação
desta demanda. 3
Há, porém, uma razão mais ampla para o interesse que a reforma do Estado, e particularmente da
administração pública, tem despertado: a importância sempre crescente que se tem dado à proteção
do patrimônio público ou da coisa pública (res publica) contra as ameaças de sua “privatização” ou,
em outras palavras, contra atividades de “rent-seeking” (apropriação da coisa pública por grupos de
interesses privados)...4
~ 370 ~
Material para fins didático

A proteção do Estado, na medida que este corresponde à res publica, é um direito básico de cada
cidadão que, finalmente, no último quartel deste século, começou a ser definido — um direito que
poderíamos chamar de “direitos públicos” (no plural).
No século XVIII, os filósofos iluministas e as Cortes Britânicas definiram os direitos civis que,
no século seguinte, foram introduzidos pelos políticos liberais (na acepção europeia), nas Constituições
de todos os países civilizados. No século XIX, foram definidos os direitos políticos, o direito ao
sufrágio universal principalmente, que no seu final foram generalizados devido ao esforço dos
democratas. Nesse mesmo século XIX, os socialistas definiram os direitos sociais que, na primeira
metade do século XX, foram introduzidos nas Constituições de todos os países pelos partidos
socialdemocratas. 5
O surgimento do Estado do Bem-Estar para garantir os direitos sociais, e o papel cada vez maior
que o Estado assumiu ao promover o crescimento econômico e a competitividade internacional,
tornaram evidente o caráter do Estado como res publica. E implicaram em um aumento considerável
da cobiça de indivíduos e de grupos desejosos de submeter o Estado a seus interesses especiais. A
privatização da carga fiscal (forma principal da res publica) passava a ser o principal objetivo dos rent-
seekers.
Se no século XVIII, historicamente, compreendeu-se a importância de proteger o indivíduo
contra um Estado oligárquico, e se no século XIX compreendeu-se a importância de garantir-se aos
cidadãos a participação no processo político e de proteger os pobres e os fracos contra os ricos e
poderosos, a importância de proteger o patrimônio público só passou a ser dominante na segunda
metade do século XX. Não por acaso, quase simultaneamente, um cientista político social-democrata
brasileiro (Martins, 1978), pela primeira vez escreveu sobre a “privatização do Estado”, e uma
economista norte-americana conservadora (Krueger, 1974) definiu rent-seeking. Ambos se referiam ao
mesmo problema: percebiam que era necessário proteger a res publica contra a ganância de indivíduos
e grupos poderosos.
Se no século XVIII, foram definidos os direitos civis, e no século XIX os direitos políticos e
sociais, agora passava a ser necessário definir um quarto tipo de direito, também básico — os direitos
públicos: o direito de que gozam todos os cidadãos, de que o que deve ser público seja, na verdade,
público. Ou, em outras palavras, o direito de que a propriedade do Estado seja pública, i.e., de e para
todos, não-apropriada por uns poucos.
O Estado deve ser público, as organizações públicas não-estatais, sem fins lucrativos devem ser
públicas. Bens estritamente públicos, como o meio ambiente, devem ser públicos e como tal
protegidos. Direitos públicos são os direitos que nos asseguram que a coisa pública, a res publica,
entendida em sentido amplo para incluir a carga tributária, seja pública — que seja de, e para todos,
em vez de ser objeto de rent-seeking, de ser privatizada por grupos de interesse.6
À medida em que a proteção aos direitos públicos passava a ser dominante em todo o mundo,
foi-se tornando cada vez mais claro que era preciso refundar a república; que a reforma do Estado
ganhava uma nova prioridade; que a democracia e a administração pública burocrática — as duas
instituições criadas para proteger o patrimônio público — tinham de mudar: a democracia devia ser
aprimorada para se tornar mais participativa ou mais direta; e a administração pública burocrática
devia ser substituída por uma administração pública gerencial.
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Patrimonialismo e burocracia
A característica que definia o governo nas sociedades pré-capitalistas e pré-democráticas era a
privatização do Estado, ou a confusão dos patrimônios público e privado. “Patrimonialismo” significa
a incapacidade ou a relutância de o príncipe distinguir entre o patrimônio público e seus bens privados.
A administração do Estado pré-capitalista era uma administração patrimonialista.
Com o surgimento do capitalismo e da democracia, veio a se estabelecer uma distinção clara
entre res publica e bens privados. A democracia e a administração pública burocrática emergiram
como as principais instituições que visavam a proteger o patrimônio público contra a privatização do
Estado.
Democracia é o instrumento político que protege os direitos civis contra a tirania, que
afirma os direitos políticos de votar e ser votado, que assegura os direitos sociais contra a
exploração, e que afirma os direitos públicos em relação à res publica.
Burocracia é a instituição administrativa que usa como instrumento para combater o
nepotismo e a corrupção — dois traços inerentes à administração patrimonialista —, os
princípios de um serviço público profissional, e de um sistema administrativo impessoal, formal,
legal e racional.
Foi um grande progresso o aparecimento, no século XIX, de uma administração pública
burocrática em substituição às formas patrimonialistas de administrar o Estado. Weber (1922), o
principal analista deste processo, destacou com muita ênfase a superioridade da autoridade racional-
legal sobre o poder patrimonialista.
Apesar disto, quando, no século XX, o Estado ampliou seu papel social e econômico, a estratégia
básica adotada pela administração pública burocrática — o controle hierárquico e formalista ou legal
sobre os procedimentos — provou ser inadequada. Esta estratégia talvez pudesse evitar a corrupção e o
nepotismo, mas era lenta, cara e ineficiente. Fez sentido no tempo do Estado Liberal do século XVIII,
um Estado pequeno dedicado à proteção dos direitos de propriedade; um Estado que só precisava de
um Parlamento para definir as leis, de um sistema judiciário e policial para fazer cumprir as leis, de
forças armadas para proteger o país do inimigo externo, e de um ministro das finanças para recolher
impostos.
Mas era uma estratégia que já não fazia sentido, depois de o Estado ter acrescentado às suas
funções o papel de provedor de educação pública, de saúde pública, de cultura pública, da seguridade
social básica, de incentivos à ciência e à tecnologia, de investimentos na infraestrutura, de proteção ao
meio ambiente.
Agora, em vez de três ou quatro ministros, era preciso ter 15 ou 20. Em vez de uma carga de
impostos que representava de 5% a 10%, os impostos representam agora de 30% a 60% do PIB. No
lugar da velha administração pública burocrática, emergiu uma nova forma de administração — a
administração pública gerencial —, que tomou emprestado do setor privado os imensos avanços
práticos e teóricos ocorridos no século XX na administração das empresas, sem contudo perder sua
característica específica: a de ser uma administração que não está orientada para o lucro, mas para o
atendimento do interesse público.
À nova administração pública não basta ser efetiva em evitar o nepotismo e a corrupção: ela tem
de ser eficiente em prover bens públicos e semipúblicos, que cabe ao Estado diretamente produzir ou,
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Material para fins didático

indiretamente, financiar. Se, nos países desenvolvidos, os direitos individuais (civis e políticos) e
direitos sociais estavam razoavelmente protegidos, os direitos públicos não estavam: a res publica
continuava exposta a todo tipo de ameaças. É certo que o nepotismo e a corrupção mais visíveis foram
controlados, mas surgiram novas modalidades de apropriação privada do patrimônio público.
Empresários continuavam a obter subsídios desnecessários e isenção de impostos; a classe média
assegurava para si benefícios especiais muito maiores do que está disposta a reconhecer; os
funcionários públicos eram muitas vezes ineficientes no trabalho, ou simplesmente não trabalhavam —
quando ocorre excesso de quadros —, mas se mantinham protegidos por leis ou costumes que lhes
garantem a estabilidade no emprego.
Nos países em desenvolvimento — nos quais emergiu, neste século, um Estado
Desenvolvimentista em vez de um Estado de Bem-Estar social — a situação era muito pior: os direitos
individuais e sociais continuavam quase sempre sem proteção; o nepotismo e a corrupção conviviam
com a burocracia, que era beneficiária de privilégios e convivia com excesso de quadros.
Se, no século XIX, a administração pública do Estado Liberal era um instrumento para garantir
os direitos de propriedade — garantindo a apropriação dos excedentes da economia pela classe
capitalista emergente —, no Estado Desenvolvimentista, a administração burocrática era uma forma de
apropriação dos excedentes por uma nova classe média de burocratas e tecnoburocratas.
No Estado Liberal, o preço da iniciativa empreendedora foi a concentração de renda nas mãos da
burguesia, mediante mecanismos de mercado; no Estado Desenvolvimentista, o excedente produzido
pela economia foi dividido entre os capitalistas e os burocratas que, além dos mecanismos de mercado,
usaram o controle político do Estado para enriquecimento próprio. Se, nos países desenvolvidos, a res
publica não foi bem protegida pela administração burocrática, dada sua ineficiência em administrar o
Estado do Bem-Estar, nos países em desenvolvimento, a res publica foi ainda menos protegida porque,
nestes países, os burocratas não se dedicaram apenas à construção do Estado, mas, também, a
substituir parcialmente a burguesia no processo de acumulação de capital, e na apropriação do
excedente econômico.7

Administração pública gerencial


A administração pública gerencial emergiu, na segunda metade deste século, como resposta à
crise do Estado; como modo de enfrentar a crise fiscal; como estratégia para reduzir custos e tornar
mais eficiente a administração dos imensos serviços que cabem ao Estado; e como um instrumento
para proteger o patrimônio público contra os interesses do rent-seeking ou da corrupção aberta.
Mais especificamente, desde os anos 60 ou, pelo menos, desde o início da década dos 70, crescia
uma insatisfação, amplamente disseminada, em relação à administração pública burocrática.

Características básicas que definem a administração pública


gerencial.
Algumas características definem a administração pública gerencial, com destaque para:
~ 373 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

a) É orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados.


b) Pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de um grau real ainda que
limitado de confiança.
c) Serve-se, como estratégia, da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação.
16
d) O contrato de gestão é o instrumento mediante o qual se faz o controle sobre os órgãos
descentralizados.
Enquanto a administração pública burocrática se concentra no processo legalmente definido,
orientado para:
a) contratação de pessoal;
b) compra de bens e serviços; e
c) satisfazer as demandas dos cidadãos
A administração pública gerencial orienta-se para resultados.
A burocracia concentra-se em processos, sem considerar a alta ineficiência envolvida, porque
acredita que este seja o modo mais seguro de evitar o nepotismo 17e a corrupção. Os controles são
preventivos, vêm a priori. Entende, além disto, que punir os desvios é sempre difícil, se não
impossível; prefere, pois, prevenir, estabelecendo estritos controles legais. A rigor, uma vez que sua
ação não tem objetivo claro — definir indicadores de desempenho para as agências estatais é tarefa
extremamente difícil — não tem outra alternativa senão controlar os procedimentos.

16
Entenda-se por contrato de gestão o instrumento que amplia a autonomia gerencial, orçamentária e
financeira dos entes administrativos, visando melhores resultados da Administração Pública. É um instrumento
moderno de Administração por Objetivos, que consiste em estabelecer compromissos periódicos com objetivos
e metas de cada uma das empresas estatais com o Estado. Busca-se com isso migrar o enfoque da atividade
governamental dos métodos (meios) para os resultados (fins). Fonte: Contrato de gestão. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Contrato_de_gest%C3%A3o>. Acesso em 12 de marco de 2012.
17
O Governo proíbe o nepotismo no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal direta e
indireta, que incluem a Presidência da República, ministérios, autarquias, fundações, empresa públicas e
sociedades de economia mista. O instrumento que traz essa proibição, um decreto, compreende familiares do
presidente da República, do vice-presidente, dos ministros, de autoridades administrativas e de ocupantes de
função de confiança de direção, chefia ou assessoramento. Veda a contratação, nomeação ou designação de
cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro
grau, para as seguintes funções: cargo em comissão ou função de confiança, atendimento a necessidade
temporária de excepcional interesse público e estágio. Nos casos de contratação para atendimento a necessidade
temporária ou estágio, o decreto prevê uma exceção: parentes podem ser contratados se houver processo seletivo
que assegure o princípio da isonomia entre os concorrentes. O decreto veda a contratação quando existirem
circunstâncias caracterizadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante
nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal. decreto
prevê ainda a proibição de contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da administração pública
federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de
cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação ou de
autoridade a ele hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade
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Material para fins didático

A administração pública gerencial, por sua vez, assume que se deve combater o nepotismo e a
corrupção, mas que, para isto, não são necessários procedimentos rígidos. Podem ter sido necessários
quando dominavam os valores patrimonialistas; mas não quando já existe uma rejeição universal a
que se confundam os patrimônios público e privado. Por outro lado, emergiram novas modalidades de
apropriação da res publica pelo setor privado, que não podem ser evitadas pelo recurso aos métodos
burocráticos.
Rent-seeking é quase sempre um modo mais sutil e sofisticado de privatizar o Estado e exige que
se usem novas contra-estratégias. A administração gerencial — a descentralização, a delegação de
autoridade e de responsabilidade ao gestor público, o rígido controle sobre o desempenho, aferido
mediante indicadores acordados e definidos por contrato — além de ser uma forma muito mais
eficiente para gerir o Estado, envolve estratégias muito mais efetivas na luta contra as novas
modalidades de privatização do Estado.
Enquanto a administração pública burocrática é auto-referida, a administração pública gerencial
é orientada para o cidadão. Como observa Barzelay (1992: 8), “uma agência burocrática se concentra
em suas próprias necessidades e perspectivas; uma agência orientada para o consumidor concentra-se
nas necessidades e perspectivas do consumidor.”
A burocracia moderna surgiu no século XIX, quando ainda era preciso afirmar o poder do Estado
em oposição a poderes feudais ou regionais.
O Estado Nacional nasceu na Europa, nas monarquias absolutas, nas quais a burocracia
patrimonialista desempenhava um papel central. As burocracias capitalistas modernas são uma
evolução da burocracia patrimonialista, que se autodiferenciaram ao fazerem uma distinção clara entre
patrimônio público e patrimônio privado, mas que, ainda assim, se mantiveram próximas da matriz
inicial em tudo quanto dissesse respeito à afirmação do poder do Estado. Esta é a razão pela qual as
burocracias tendem a ser auto-referidas. Além de promover seus próprios interesses, interessam-se,
primariamente, em afirmar o poder do Estado — o “poder extroverso” — sobre os cidadãos.
9 Em contraste, a administração pública gerencial assume que este poder já não está sob ameaça
grave nos países desenvolvidos e semidesenvolvidos.10 Assim, o serviço público já não precisa ser
auto-referido, mas se orientar pela ideia de serviço-ao-cidadão. Afinal, o serviço público deve ser
público, é um serviço para todos, para o cidadão.
Para que se proceda ao controle dos resultados, descentralizadamente, em uma administração
pública, é preciso que políticos e funcionários públicos mereçam pelo menos um certo grau de
confiança. Confiança limitada, permanentemente controlada por resultados, mas ainda assim suficiente
para permitir a delegação, para que o gestor público possa ter liberdade de escolher os meios mais
apropriados ao cumprimento das metas acordadas, ao invés de fixar metas e procedimentos em lei. Na
administração burocrática, esta confiança não existe.
E é impensável pela lógica neoconservadora ou neoliberal, dada a visão radicalmente pessimista
que têm da natureza humana. Sem algum grau de confiança, porém, é impossível se obter a cooperação
e, embora a administração seja um modo de controle, é também um modo de cooperação.
O pessimismo radical dos neoliberais é funcional para avalizar a conclusão a que chegam quanto
à necessidade do Estado mínimo, mas não faz sentido algum quando o Estado mínimo é visto como
construção mental irrealista, ante a realidade do Estado moderno que tem de ser gerido de forma
efetiva e eficiente.
~ 375 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Reforma neoliberal?
O enfoque gerencial sobre a administração pública emergiu com vigor na Grã-Bretanha, depois
de o governo conservador de Margareth Thatcher ter assumido o poder em 1979. Isto levou alguns
analistas a verem, neste enfoque, uma visão intrinsecamente conservadora. Na verdade, só na Grã-
Bretanha o gerencialismo foi aplicado ao serviço público imediatamente após a posse do novo
governo, e levou a uma reforma administrativa profunda e bem-sucedida.
Uma série de programas — o programa das “Unidades de Eficiência” (Efficiency Units), que
envolviam a avaliação dos custos de cada órgão do Estado; o programa “Próximos Passos” (Next
Steps), que introduziu as agências executivas; e o programa “Garantia do Cidadão” (Citizens Chart) —
contribuíram para tornar o serviço público na Grã-Bretanha mais flexível, descentralizado, eficiente e
orientado para o cidadão. O serviço público britânico tradicional passou por uma transformação
profunda, perdeu os traços burocráticos e adquiriu características gerenciais.11
Reformas semelhantes, contudo, ocorreram na Nova Zelândia, na Austrália e na Suécia sob
governos, durante a maior parte do tempo, socialdemocratas. Nos EUA, Osborne e Gaebler (1992) —
que cunharam a expressão “reinventar o governo” — , em um livro que teve grande influência nos
estudos sobre o tema, descrevem as reformas administrativas que aconteciam desde o início da década
dos 70 e que, contudo, não se originaram no governo federal mas nas administrações municipais e
estaduais.
Foi em 1992 que se estabeleceu a meta de reformar a administração pública federal norte-
americana por critérios gerenciais, quando um político democrata — o Presidente Clinton —
transformou a ideia de “reinventar o governo” em programa de governo: a “Revisão do Desempenho
Nacional” (Nacional Performance Review).12 Na França, reformas na mesma direção começaram em
1989, durante o Governo do Primeiro-ministro Michel Roçar, socialdemocrata, mas foram em seguida
abandonadas.
No Brasil, a primeira tentativa no sentido de uma administração gerencial data de 1967 — muito
antes de aflorarem as ideias neoliberais em consequência da crise do Estado.l3
A administração pública gerencial é frequentemente identificada com as ideias neoliberais por
outra razão. As técnicas de gerenciamento são quase sempre introduzidas ao mesmo tempo em que se
implantam programas de ajuste estrutural que visam enfrentar a crise fiscal do Estado. Como observa
Nunberg (1995: 11), “a primeira fase da reforma, geralmente chamada ‘administração de cortes’ ,
consistiu de medidas para reduzir o gasto público e o número de funcionários, como resposta às
limitações fiscais.” Isto foi verdade na Grã-Bretanha, no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, no
Japão e nos EUA.
É verdade, no presente, na América Latina, particularmente no Brasil, país em que a reforma
administrativa é formalmente orientada para substituir a administração pública burocrática por uma
administração pública gerencial, mas envolve também o objetivo de corte de despesas.l4
Este fato quase sempre desperta reações fortes nos servidores públicos, além de levar a esquerda
burocrática a fazer acusações de neoliberalismo. Como disse certa vez um indignado funcionário
público britânico: “mais eficiente, na verdade, quer dizer mais barato” (Plowden, 1994: 4).
De fato, a identificação de ajuste fiscal com conservadorismo ou neoliberalismo pode ter uma
explicação histórica, mas não tem explicação lógica.
~ 376 ~
Material para fins didático

O neoliberalismo surgiu de uma reação contra a crise fiscal do Estado e por isto passou a se
identificar com cortes nos gastos e com o projeto de reduzir o “tamanho” do Estado. Logo, porém,
tornou-se claro para as administrações social-democratas que o ajuste fiscal não era proposta de cunho
ideológico, mas condição necessária para qualquer Estado forte e efetivo. Este fato, somado à óbvia
superioridade da administração pública gerencial sobre a burocrática, levou governos de diferentes
orientações ideológicas a se envolverem em reformas administrativas, quase todas visando a duas
metas: redução dos gastos públicos a curto prazo, e aumento da eficiência mediante orientação
gerencial, a médio prazo.
O maior risco a que se expõe este tipo de reforma é ser vista como hostil ao funcionalismo
público e, assim, não conseguir obter a cooperação dos servidores. Na Grã-Bretanha, um dos países
onde a reforma mais avançou, este foi — e continua a ser — o mais grave problema que o governo
enfrenta.
A reforma foi possível por duas razões:
a) porque, ao final da década de 70, a cúpula do funcionalismo e os principais consultores de
administração pública percebiam claramente a urgente necessidade de uma reforma
b) e porque Margaret Thatcher estava decidida a reduzir os custos da administração pública. Foi
possível, assim, uma espécie de coalizão entre governo e os escalões superiores do
funcionalismo. Mas foi uma coalizão frágil, dada a evidente má vontade de Thatcher e seus
aliados em relação aos servidores.15
As reações políticas à ideia de uma administração pública gerencial têm uma óbvia origem
ideológica. Managerialism and the Public Service (Pollitt, 1990), é bom exemplo deste fato. O
gerencialismo é visto como um conjunto de ideias e crenças que tomam como valores máximos a
própria gerência, o objetivo de aumento constante da produtividade, e a orientação para o consumidor.
Abrucio (1996), em um panorama da administração pública gerencial, compara este “gerencialismo
puro”, pelo qual designa a “nova administração pública”, com a abordagem adotada por Pollitt
“orientada para o serviço público” e que visa a ser uma alternativa gerencial ao modelo britânico.
Na verdade, esta abordagem é apenas uma tentativa de modernizar o velho modelo
burocrático, não é uma alternativa gerencial. A ideia de opor a orientação para o consumidor
(gerencialismo puro), à orientação para o cidadão (gerencialismo reformado), não faz sentido algum.
Um dos programas cruciais de reforma que está sendo implementado pelo Governo britânico é o
Citizens Chart.
O cidadão também é um consumidor. Qualquer administração pública gerencial tem de
considerar o indivíduo, em termos econômicos, como consumidor (ou usuário) e, em termos políticos,
como cidadão.16

Reformando a estrutura do Estado


A administração pública gerencial envolve, como vimos, uma mudança na estratégia de gerência,
mas esta estratégia tem de ser posta em ação em uma estrutura administrativa reformada. A ideia geral
é a descentralização, a delegação de autoridade. Mas é preciso ser mais específico, definir claramente
~ 377 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

os setores em que o Estado opera, as competências e as modalidades de administração mais adequadas


a cada setor.
Os Estados modernos contam com quatro setores: o núcleo estratégico, as atividades exclusivas,
os serviços não-exclusivos, e a produção de bens e serviços para o mercado. O núcleo estratégico é o
centro no qual se definem a lei e as políticas públicas, e se garante, em nível alto, seu cumprimento. É
formado pelo Parlamento, pelos Tribunais, pelo Presidente ou Primeiro-ministro, por seus ministros e
pela cúpula dos servidores civis. Autoridades locais importantes também podem ser consideradas parte
do núcleo estratégico. No caso de o sistema ser federal, também pelos governadores e seus secretários
e a respectiva alta administração pública.
As atividades exclusivas são aquelas que envolvem o poder de Estado. São as atividades que
garantem diretamente que as leis e as políticas públicas sejam cumpridas e financiadas. Integram este
setor as forças armadas, a polícia, a agência arrecadadora de impostos — as tradicionais funções do
Estado —, e também as agências reguladoras, as agências de financiamento, fomento e controle dos
serviços sociais e da seguridade social. As atividades exclusivas, portanto, não devem ser identificadas
com o Estado Liberal clássico, para o qual bastam a polícia e as forças armadas.
Os serviços não-exclusivos são os serviços que o Estado provê, mas que, como não envolvem o
exercício do poder extroverso do Estado, podem ser também oferecidos pelo setor privado e pelo setor
público não-estatal. Este setor compreende os serviços de educação, de saúde, culturais e de pesquisa
científica.
Por fim, o setor de produção de bens e serviços é formado pelas empresas estatais.
Considerados estes quatro setores, devem ser respondidas três perguntas: que tipo de
administração; que tipo de propriedade e que tipo de instituição devem prevalecer em cada setor, no
novo Estado que está nascendo nos anos 90? A resposta à primeira pergunta pode ser direta: deve-se
adotar a administração pública gerencial. Uma advertência, contudo, é indispensável: no núcleo
estratégico, no qual a efetividade é quase sempre mais relevante que a eficiência, ainda há lugar para
algumas características burocráticas devidamente atualizadas.
Uma estratégia essencial ao se reformar o aparelho do Estado é reforçar o núcleo estratégico e
ocupá-lo por servidores públicos altamente competentes, bem treinados e bem pagos. Por servidores
que estejam identificados com o “ethos” do serviço público, entendido como o dever de servir ao
cidadão.
Nesta área, a carreira e a estabilidade devem ser asseguradas por lei, embora os termos “carreira”
e “estabilidade” devam ser entendidos de modo mais flexível se, comparados com os correspondentes
que existiam na tradicional administração burocrática. Nas atividades exclusivas, a administração deve
ser descentralizada; nos serviços não-exclusivos, a administração deve ser mais que descentralizada —
deve ser autônoma: a sociedade civil dividirá, com o governo, as tarefas de controle.
A questão da propriedade é essencial. No núcleo estratégico e nas atividades exclusivas do
Estado, a propriedade será, por definição, estatal. Ao contrário, na produção de bens e serviços há hoje
um consenso cada vez maior de que a propriedade deva ser privada, particularmente nos casos em que
o mercado possa controlar as empresas comerciais. Para os casos de monopólio natural, a situação
ainda não é clara, mas, mesmo nestes casos, com uma agência regulatória eficaz e independente, a
propriedade privada parece ser mais adequada.
~ 378 ~
Material para fins didático

No domínio dos serviços não-exclusivos, a definição do regime de propriedade é mais complexa.


Se assumirmos que devem ser financiadas ou fomentadas pelo Estado, seja porque envolvem direitos
humanos básicos ( educação, saúde) seja porque implicam externalidades envolvendo economias que o
mercado não pode compensar na forma de preço e lucro (educação, saúde, cultura, pesquisa científica),
não há razão para que sejam privadas. Por outro lado, uma vez que não implicam no exercício do
poder de Estado, não há razão para que sejam controladas pelo Estado. Se não têm, necessariamente,
de ser propriedade do Estado nem de ser propriedade privada, a alternativa é adotar-se o regime da
propriedade pública não-estatal ou — usando a terminologia anglo-saxônica — da propriedade pública
não-governamental. “Pública”, no sentido de que se deve dedicar ao interesse público, que deve ser de
todos e para todos, que não visa ao lucro; “não-estatal” porque não é parte do aparelho do Estado.
Nos Estados Unidos, todas as universidades são organizações públicas não-estatais. Podem ser
convencionalmente consideradas “privadas” ou “estaduais” mas, a rigor, as “privadas” não visam ao
lucro e as “estaduais” não empregam servidores públicos. Todas são parcialmente financiadas ou
subsidiadas pelo Estado — as “privadas” menos do que as “estaduais” —, mas são entidades
independentes, controladas por conselhos de direção que representam a sociedade civil e,
minoritariamente, o governo. No Reino Unido, as universidades e os hospitais sempre estiveram sob o
controle do Estado: agora já não é assim; são hoje “organizações quase-não-governamentais” (Quasi
Non-Govemamental Organizations — QUANGOS). Não foram privatizadas: passaram do controle do
Estado para o controle público.
Há três possibilidades em relação aos serviços não-exclusivos: podem ficar sob o controle do
Estado; podem ser privatizados; e podem ser financiados ou subsidiados pelo Estado, mas controlados
pela sociedade, i.e., ser transformados em organizações públicas não-estatais. O burocratismo e
estatismo defendem a primeira alternativa; os neoliberais radicais preferem a segunda via; os social-
liberais ou os social-democratas modernos (ou democratas liberais, na acepção norte-americana)
defendem a terceira alternativa.
Há inconsistência entre a primeira alternativa e a administração pública gerencial; a
administração pública gerencial tem dificuldades em conviver com a segunda alternativa, e é
perfeitamente coerente com a terceira. Aqui, o Estado não é visto como produtor — como prega o
burocratismo —, nem como simples regulador que garanta os contratos e os direitos de propriedade —
, como reza o “credo” neoliberal —, mas, além disto, como “financiador” ou (“subsidiador”) dos
serviços não-exclusivos.
O subsídio pode ser dado diretamente à organização pública não-estatal, mediante dotação
orçamentária — no Brasil estamos chamando este tipo de instituição de “organizações sociais” —, ou,
em uma mudança mais radical, pode ser dado diretamente, sob a forma de vouchers, ao cidadão, que
com eles compra os serviços de educação e saúde que desejar. Em qualquer dos casos, os serviços
sociais continuarão a ser financiados pelo Estado, na medida em que as sociedades contemporâneas,
apesar da ofensiva neoliberal, entendem que estas atividades não devem ficar submetidas apenas à
coordenação pelo mercado.

Duas principais instituições serão usadas para implementar esta


reforma:
~ 379 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

no domínio das atividades exclusivas, a ideia é criarem-se “agências executivas”; e as atividades


não-exclusivas deverão se transformar em “organizações sociais”.
As agências executivas serão plenamente integradas ao Estado e as organizações sociais incluir-
se-ão no setor público não-estatal. Constituirão organizações não-governamentais autorizadas pelo
Parlamento a receber dotação orçamentária.
O instrumento que o núcleo estratégico usará para controlar as atividades exclusivas e as não-
exclusivas será o contrato de gestão. As agências executivas, nas atividades exclusivas, e as
organizações sociais, nos serviços não-exclusivos, serão descentralizadas. Nas agências, o ministro
nomeará o diretor-executivo e assinará com ele o contrato de gestão; nas organizações sociais, o
diretor-executivo será escolhido pelo conselho de administração: ao ministro caberá assinar os
contratos de gestão e controlar os resultados. Os contratos de gestão deverão prover os recursos de
pessoal, materiais e financeiros com os quais poderão contar as agências ou as organizações sociais, e
definirão claramente — quantitativa e qualitativamente — as metas e respectivos indicadores de
desempenho: os resultados a serem alcançados, acordados pelas partes.

Conclusão
Depois da grande crise dos anos 80, na década de 90 está sendo construído um novo Estado. Este
novo Estado será o resultado de profundas reformas. Estas reformas habilitarão o Estado a
desempenhar as funções que o mercado não é capaz de desempenhar. O objetivo é construir um Estado
que responda às necessidades de seus cidadãos. Um Estado democrático no qual os burocratas prestem
contas aos políticos e estes aos cidadãos de uma forma responsável (accountable). Para isto, são
mudanças essenciais: a reforma política, que dê maior legitimidade aos governos; o ajuste fiscal, a
privatização, a desregulamentação, que reduzam o tamanho do Estado e recuperem sua saúde
financeira; e uma reforma administrativa que, combinada com a financeira, dote o Estado de meios
para alcançar uma boa governança. Neste trabalho, descrevi as características desta última reforma —
a reforma do aparelho do Estado — uma reforma que permitirá que se estabeleça, no setor público,
uma administração pública gerencial.

1 Discuti longamente este tema em Bresser Pereira (1988); Bresser Pereira, Maravall e Przeworski
(1993) e Bresser Pereira (1996a).
2 Para uma discussão recente sobre governabilidade e demandas ao Estado, ver Diniz (1995).
3 Sobre este assunto, ver as contribuições recentes de Stigliz (1995) e Przeworski (1995).
4 Rent-seeking, literalmente, busca de rendas, é a atividade de indivíduos e grupos de buscar “rendas”
extramercado para si próprios por meio do controle do Estado. Tem origem na teoria econômica
neoclássica, em que um dos sentidos da palavra rent é exatamente o ganho que não tem origem nem
no trabalho, nem no capital. Corresponde ao conceito de “privatização do Estado” que os brasileiros
vêm usando.
5 Marshall (1950) escreveu um ensaio clássico sobre este tema.
6 Observe-se que o conceito de “privatização do Estado” ou de “privatização do patrimônio público”
não deve ser confundido com a privatização de empresas que pertençam ao Estado — a venda de
~ 380 ~
Material para fins didático

parte do patrimônio público a proprietários privados. Privatização, neste sentido, é venda regular,
por um bom preço, de um patrimônio que à sociedade pertence. Não é a apropriação viciosa da
coisa púbica que ocorre nos processos de privatização do Estado.
7 Desenvolvo a ideia da emergência de uma classe burocrática, ou tecnoburocrática, em dois livros
publicados no Brasil, na década de 70. Em Bresser (1980) foram publicados meus ensaios gerais, ou
teóricos, sobre este tema. Em Bresser (1977), concentro-me no papel desta nova classe associada à
classe capitalista no governo dos países em desenvolvimento, nos quais emergiram regimes
burocrático-capitalistas.
8 Como diz Ostrom, The Intelectual Crisis in American Public Administration, (1973: 15): “a sensação
de crise que se desenvolveu no campo da administração pública ao longo da última geração
originou-se da insuficiência do paradigma inerente à teoria tradicional da administração pública.”
9 Observe-se que o Estado-nação, ou país, inclui o Estado e a sociedade civil. O Estado é a única
entidade à qual compete o poder extroverso — o poder de impor leis e impostos à sociedade civil,
ou seja, a um grupo organizado de cidadãos, que não é parte integrante direta do Estado mas que,
simultaneamente, é objeto do poder do Estado e fonte da legitimidade do Governo.
10 Exceto no caso de associações ou atividades ilegais, como a máfia. Nos países em
desenvolvimento, há também a ameaça representada por várias modalidades de fundamentalismo.
11 A melhor análise da experiência britânica que conheço foi escrita por um sociólogo da
Universidade de Warwick, contratado por sindicatos britânicos.
Fairbrother (1994) escreveu uma análise crítica moderada. Ver também Tomkins (1987), Pyper e
Robins, orgs. (1995), Numberg (1995), Plowden (1994). Pollitt (1990) adotou uma abordagem
radicalmente crítica.
12 Para uma avaliação deste programa, ver Kettl ( 1994 ), Kettl e Dilulio ( 1994 e 1995). No artigo de
1995, os autores comparam o programa de reinvenção do governo de Clinton e Gore com o
“Contrato com a América” republicano, que chamam de programa de “arrazamento do governo”.
Este sim é um programa neoconservador.
13 A reforma foi lançada durante a administração Castelo Branco, pelo decreto- lei 200, que promovia
uma radical descentralização da administração pública brasileira, incluindo as empresas de
propriedade do Estado. Sobre este assunto, ver Beltrão (1984) e Martins (1995). Hélio Beltrão
trabalhou pela reforma em 1967 e, mais tarde, em 1988, quando foi nomeado Ministro da
Administração Federal, lançou um programa de desburocratização. Depois da transição para a
democracia, porém, em 1985, a reforma foi abandonada. O novo governo democrático tentou, sem
sucesso, restaurar o pleno sistema burocrático.
14 Após o fracasso da tentativa de restauração de um sistema burocrático no Brasil, em 1995, a
administração FHC, orientada para a reforma, propôs e tem implementado uma reforma
administrativa que adota a abordagem gerencial (Brasil, 1995; Bresser Pereira, 1995 e Bresser
Pereira, 1996b).
15 Como Plowden observa, “a Primeira-ministra, ela própria, repetidamente deixava clara a sua
opinião de que uma pessoa que tivesse talento e espírito empreendedor já teria trocado o serviço
público pela iniciativa privada e estaria ganhando dinheiro” (Plowden, 1994: 10).
~ 381 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

16 A ideia de opor uma orientação para o consumidor, que seria conservadora, a uma orientação para o
usuário, que seria socialdemocrata, faz um pouco mais de sentido, se definirmos o consumidor
como um indivíduo que paga pelos serviços que obtém do Estado, enquanto o usuário é financiado
pelo Estado.

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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

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autonomia, neutralidade. Revista do Serviço Público, v. 48, n. 3, set.- dez. 1997.
(Simplificações e complementações).

Desafios Da Administração Pública Brasileira: Governança,


Autonomia, Neutralidade
Maria das Graças Rua
RESUMO
Desafios da administração pública brasileira: governança, autonomia, neutralidade
Maria das Graças Rua
O objetivo deste texto é iniciar um levantamento da dificuldades impostas à reforma administrativa a
partir da consideração do problema da neutralidade da burocracia versus o requisito da autonomia de
decisão, elemento fundamental do Modelo de Administração Pública Gerencial. Tal problema assume
especial relevância frente aos objetivos de aumentar a governança do Estado e constitui um dos
desafios centrais do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, particularmente no que diz
respeito à forma de administração do chamado “núcleo estratégico” — responsável pela definição das
leis e políticas públicas — e das “atividades exclusivas de Estado” — caracterizadas pelo exercício do
poder de legislar e tributar, fiscalizando, regulamentando e transferindo recursos. Para isso, a discussão
está organizada em quatro seções. Na primeira, são rapidamente apresentados os conceitos de
governabilidade e governança, com ênfase no fato de que a distinção entre eles representa apenas um
recurso analítico. Na segunda seção, a partir das distinções clássicas de Max Weber entre política e
administração, políticos e burocratas, busca-se caracterizar a neutralidade burocrática e mostrar que
representa, na realidade, apenas um dos elementos de uma construção típico ideal, cada vez mais
distante de qualquer correspondência com o mundo real. Em seguida, comenta-se rapidamente o
processo de mudança do modelo de administração pública; e são apresentadas algumas das
características do chamado Modelo de Administração Pública Gerencial que, em lugar da neutralidade,
implicam elevado grau de autonomia por parte dos agentes burocráticos. Por fim, são tecidas algumas
considerações, procurando mostrar que, da mesma maneira que a neutralidade, a autonomia
burocrática apresenta dificuldades e que a proposta da “autonomia imersa” ou “autonomia inserida”
exibe implicações que merecem reflexão mais demorada.
RESUMEN
Desafíos de la administración pública brasileña: gobernación, autonomía, neutralidad
Maria das Graças Rua
El objetivo de este texto es iniciar un inventario de las dificultades impuestas a la reforma
administrativa a partir de la consideración del problema de la neutralidad de la burocracia versus el
~ 384 ~
Material para fins didático

requisito de la autonomía de decisión, elemento fundamental del Modelo de Administración Pública


Gerencial. Tal problema asume especial relevancia ante los objetivos de aumentar la gobernación del
Estado, y constituye uno de los retos centrales del Plan Director de la Reforma del Aparato del Estado,
particularmente en lo que se refiere a la forma de administración del llamado “núcleo estratégico” -
responsable de la definición de las leyes y políticas públicas - y de las “actividades exclusivas del
Estado”- caracterizadas por el ejercicio del poder de legislar y tributar, fiscalizando, reglamentando y
transfiriendo recursos. Para ello, la discusión está organizada en cuatro secciones. En la primera se
presentan repetidamente los conceptos de gobernabilidad y gobernación, con énfasis en el hecho de
que la distinción entre ellos representa solamente un recurso analítico. En la segunda sección, a partir
de las distinciones clásicas de Max Weber entre política y administración, políticos y burócratas, se
trata de caracterizar la neutralidad burocrática y mostrar que representan, en realidad, solamente uno
de los elementos de una construcción típica-ideal, cada vez más distante de cualquier correspondencia
con el mundo real. En seguida, se comenta rápidamente el proceso de cambio del modelo de
administración pública, y se presentan algunas de las características del llamado Modelo de
Administración Pública Gerencial que, en lugar de la neutralidad, implican un elevado grado de
autonomia por parte de los agentes burocráticos. Por último, se elaboran algunas consideraciones,
tratando de mostrar que, de la misma forma que la neutralidad, la autonomía burocrática presenta
dificultades, y que la propuesta de la “autonomía inmersa” o “autonomía insertada” exhibe
implicaciones que merecen una reflexión más detenida.
ABSTRACT
Challenges facing the brazilian public administration: governance, autonomy and neutrality
Maria das Graças Rua
The purpose of this article is to start a survey of the difficulties facing administrative reform in view of
the problem of neutrality of the bureaucracy as opposed to the requirement for autonomy in decison-
making, a key element in the Managerial Model of Public Administration. This problems becomes
particularly relevant given the objective to increase State governance and constitutes one of the major
challenges in the Sate Reform Master Plan, particularly with regard to the so called “strategic core”,
which is responsible for establishing laws and public policies as well as those “activities exclusive to
the State”, characterized by the exercise of the power to legislate and tax, inspect, regulate and transfer
resources. The article has been organized in four sections. In the first, the concepts of governability
and governance are briefly introduced, with special emphasis placed on the fact that a distinction
between them merely serves an analysis purpose. In the second section, based on classical distinctions
by Max Weber between politics and administration, politicians and bureaucrats, the article seeks to
characterize bureaucratic neutrality and to show that, in fact, it represents only one of the elements in a
typically ideal construction, increasingly distant from the real world. The article then briefly discusses
the change process in the model of public administration and some of the characteristics of the so
called Managerial Model of Public Administration are described; these, instead of neutrality, involve a
high degree of autonomy on the part of bureaucracy agents. In conclusion, the article seeks to evince
that, just as in the case of neutrality, bureacratic autonomy involves certain difficulties and that the
proposal for an “embedded autonomy” or “inserted autonomy” has implications that require a more
careful study.
~ 385 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

1. Introdução
O objetivo deste texto é contribuir para o debate do problema da neutralidade da burocracia
versus o requisito da autonomia de decisão, elemento fundamental do modelo de administração
pública gerencial. Um problema que assume especial relevância frente aos objetivos de aumentar a
governança do Estado e constitui um dos desafios centrais do Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado, particularmente no que diz respeito à forma de administração do chamado “núcleo
estratégico” — responsável pela definição das leis e políticas públicas — e das “atividades exclusivas
de Estado” — caracterizadas pelo exercício do poder de legislar e tributar, fiscalizando,
regulamentando e transferindo recursos.
Pretende-se iniciar um levantamento das graves dificuldades que o problema impõe. Para isso,
organizei a discussão em quatro seções:
Na primeira, apresento rapidamente os conceitos de governabilidade e governança, procurando
chamar a atenção para o fato de que a distinção entre eles representa apenas um recurso analítico e
argumento que: a) a atividade política está presente em ambos; e b) o modelo de administração pública
burocrática exibe contradições não somente devido aos desafios colocados à atividade governamental
pelas mudanças do mundo contemporâneo, mas também em razão das clivagens que estabelecem entre
racionalidade instrumental e neutralidade burocrática, por um lado, e o exercício da autoridade e da
decisão política, por outro.
Na segunda seção, a partir das distinções clássicas de Max Weber entre política e administração,
políticos e burocratas, procuro caracterizar a neutralidade burocrática e mostrar que representa, na
realidade, apenas um dos elementos de uma construção típico-ideal, cada vez mais distante de
qualquer correspondência com o mundo real. E sustento que, ainda que a neutralidade burocrática
fosse realmente possível, cabe indagar pelo menos sobre: a) como torná-la uma característica efetiva e
consolidada do comportamento dos agentes da administração pública; e b) quais as suas consequências
sob a ótica dos valores democráticos mais amplos.
Em seguida, comento rapidamente o processo de mudança do modelo de administração pública;
e apresento algumas das características do chamado Modelo de Administração Pública Gerencial que,
em lugar da neutralidade, implicam elevado grau de autonomia por parte dos agentes burocráticos —
em especial a flexibilidade, a descentralização e horizontalização das estruturas e a participação dos
atores sociais.
Por fim, apresento algumas considerações finais, procurando mostrar que, da mesma maneira
que a neutralidade, a autonomia burocrática apresenta dificuldades e que a proposta da “autonomia
imersa” ou “autonomia inserida” exibe implicações que merecem reflexão mais demorada.

2. Governabilidade, governança e administração pública burocrática


Dentre os muitos e complexos desafios da reforma do Estado, um vem se destacando pela sua
recente inclusão no debate político e acadêmico: a capacidade do sistema político de responder
satisfatoriamente às demandas da sociedade e de enfrentar os desafios da eficiência e eficácia da
ação pública em contextos de complexidade e incerteza crescente.
~ 386 ~
Material para fins didático

Nesse sentido, dois diferentes conceitos têm ocupado o centro da discussão, cada um deles
referindo-se a uma dimensão do problema.
A primeira refere-se às condições sistêmicas do exercício do poder, e envolve as características
do sistema político, a forma de governo, as relações entre os poderes, o sistema partidário, o sistema
de intermediação de interesses e outras (DINIZ, 1996). Trata-se da dimensão da governabilidade, cuja
discussão remonta à década de 60 (HUNTINGTON, 1968; 1975; HABERMAS ,1987; O’CONNOR ,
1973)
A outra diz respeito à maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos
econômicos e sociais, tendo em vista o desenvolvimento e envolve os modos de uso da autoridade,
expressos mediante os arranjos institucionais que coordenam e regulam as transações dentro e fora
dos limites da esfera econômica (MELO, 1996). Trata-se da dimensão da governança, cujo conceito —
de formulação bastante recente — pode ser resumido como o conjunto das “condições financeiras e
administrativas de um governo para transformar em realidade as decisões que toma” (BRESSER
PEREIRA, 1997).
Esta última dimensão mostra-se particularmente relevante no caso brasileiro, quando se tem em
mente as constatações recentes de que, em lugar da suposta paralisia decisória, o que tem se observado
é a incapacidade do governo no sentido de implementar as decisões que toma. Dessa forma, à
hiperatividade decisória da cúpula governamental contrapõe-se a falência executiva do Estado, que não
se mostra capaz de tornar efetivas as medidas que adota e de assegurar a continuidade das políticas
formuladas (DINIZ, 1996).
Neste sentido, vale assinalar que, ao contrário do que eventualmente se supõe, refletir sobre os
dois conceitos e/ou optar por um deles como elemento de recorte analítico não significa assumir a
existência de qualquer disjuntiva entre uma dimensão propriamente política do processo de governo
(governabilidade) e uma outra, restrita às rotinas de gerenciamento despolitizado (governança). Uma
perspectiva desta natureza é exatamente o que pretendo questionar neste texto, uma vez que sustento,
primeiro, que administração é política; e segundo, por implicação, a existência de um vínculo
indissolúvel e de uma articulação dinâmica entre governabilidade e governança. Na realidade, a
distinção entre as duas significa apenas um recurso de análise.
A governança compreende duas importantes capacidades: a financeira e a administrativa. A
primeira refere-se à disponibilidade de recursos para realizar investimentos, assegurar a continuidade
das políticas em andamento e introduzir novas políticas públicas. A segunda diz respeito à
disponibilidade de quadros executivos, ao estilo de gestão e aos limites impostos à ação
administrativa. Neste sentido, Bresser Pereira (1997) assinala que, se nos anos 80 as tentativas de
solucionar a crise do Estado privilegiavam as políticas de ajuste fiscal, nos anos 90 os esforços nesse
sentido não bastam: é necessário que se combinem consistentemente com a busca da maximização da
capacidade gerencial do Estado.
De acordo com o mesmo autor, este último problema resulta de uma contradição intrínseca ao
modelo de administração pública vigente no mundo ocidental moderno desde o século XIX: o modelo
de administração burocrática:
“...a administração pública burocrática, que Weber descreveu como uma forma de dominação
‘racional-legal’, trazia embutida uma contradição intrínseca. A administração burocrática é
racional, nos termos da racionalidade instrumental, à medida em que adota os meios mais
~ 387 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

adequados (eficientes) para atingir os fins visados. É, por outro lado, legal, à medida em que
define rigidamente os objetivos e os meios para atingi-los na lei. Ora, em um mundo em plena
transformação tecnológica e social, é impossível para o administrador ser racional sem poder
adotar decisões, sem usar de seu julgamento discricionário, seguindo cegamente os
procedimentos previstos em lei”. (BRESSER PEREIRA, 1997:41).
Talvez caiba acrescentar que enquanto a adoção dos “meios mais adequados para atingir os fins
visados” supõe escolher entre alternativas previamente estabelecidas e delimitadas pela autoridade
legal, a definição dos “objetivos e os meios para atingi-los na lei” remete ao mundo da política, esfera
na qual as próprias alternativas são construídas e as decisões são tomadas em resposta a interesses,
necessidades e demandas frequentemente conflituosos.
Neste sentido, ao enfatizar a racionalidade enquanto ação instrumental de adequação entre
meios e fins, o modelo de administração burocrática como mecanismo de dominação racional-legal
implica uma dicotomia entre administração e política que é, ela própria, contraditória.
Essas considerações remetem a uma das mais instigantes questões acerca da política
administrativa e da reforma do Estado: o significado, a desejabilidade e os limites da neutralidade
burocrática nas democracias contemporâneas.

3. Um (entre vários) paradoxos do governo no estado democrático


Entre os diversos atores que transitam na esfera pública, dois assumem papéis especialmente
relevantes e, de certa maneira, mais visíveis: os políticos e os burocratas.2
Idealmente, os políticos têm como missão promover o interesse público, isto é, o bem comum,
contribuindo para o desenvolvimento da sociedade e o bem-estar geral. Para isto, são investidos de
autoridade decisória e supõe-se que venham a exercê-la conforme padrões universalistas.
A realidade, entretanto, é bem distinta: o que leva os indivíduos ao exercício da atividade política
frequentemente é o desejo do poder, da glória e da riqueza e a capacidade de usar a autoridade para
beneficiar interesses particulares, de grupos específicos, mesmo quando não se trata de vantagens
estrita ou diretamente pessoais. Este é um dos paradoxos do governo.
Esta tensão entre o ideal e o mundo real da política, entre o bem público e o interesse particular,
tem sido objeto da reflexão política e do esforço de construção de mecanismos institucionais que
configuram o que hoje conhecemos como democracia liberal: a regra da maioria, a separação e
independência dos poderes, o mandato representativo limitado, as eleições livres e regulares, e outras.
Embora a discussão desse problema, no que diz respeito aos políticos, remonte ao século XVII,
preocupações correspondentes aos burocratas são muito mais recentes, apesar das apreensões
manifestadas por autores como Stuart Mill, já no século XIX.
Isto se deve, em parte, ao fato de que a moderna burocracia é muito mais recente do que a
moderna classe política, já que o modelo de administração pública burocrática, hoje generalizado nas
sociedades ocidentais, só veio substituir o modelo de administração pública patrimonialista no século
XIX. Por outro lado, deve-se também ao fato de que o modelo de administração pública burocrática
surge, tendo a neutralidade como um dos seus princípios.
~ 388 ~
Material para fins didático

De fato, em “Burocracia”, Max Weber (1979) indica ser característica do processo de


burocratização e da burocracia o cumprimento “objetivo” das tarefas, significando isso,
primordialmente, um cumprimento de tarefas a partir do conhecimento técnico especializado e
segundo regras calculáveis e “sem relação com pessoas”. Este é o princípio do sine ira et studio [sem
ódio e sem preconceito]: um comportamento de tal forma neutro que exclui dos negócios oficiais o
amor, o ódio, as preferências, todos os elementos pessoais, irracionais e emocionais, que fogem ao
cálculo.
Nas sociedades contemporâneas, Weber constata ser essa a natureza específica da burocracia,
louvada como sua virtude especial. E quanto mais complexa e especializada se torna a cultura
moderna, tanto mais requer o perito despersonalizado e rigorosamente objetivo, em lugar do mestre
das velhas estruturas sociais, que era movido pela simpatia e pelas preferências pessoais, pela graça e
gratidão (1979: 250-251).
Na obra A política como vocação (1979), Max Weber estabelece precisamente a diferença entre
políticos e burocratas ao constatar que:
“Tomar uma posição, ser apaixonado — ira et studium — é o elemento do político e, acima de
tudo, o elemento do líder político. Sua conduta está sujeita a um princípio de responsabilidade
(...) pessoal exclusiva pelo que ele faz (...)” (1979: 116-117).
Já os burocratas se distinguem pela atribuição de executar conscienciosamente as determinações
dos políticos, como se resultassem de suas próprias convicções, ainda que lhes pareçam erradas; o
compromisso de evitar envolvimento com partidos ou líderes políticos, de modo a constituir-se em
instrumentos de qualquer governo legítimo; o dever de atuar como conselheiros desinteressados e
imparciais na execução das decisões governamentais. De acordo com Weber, o princípio de
responsabilidade que rege a ação do servidor público é exatamente o oposto daquele que caracteriza o
político:
“Sine ira et studio — sem ressentimento nem preconceito — ele administrará seu cargo. Daí não
fazer precisamente o que o político, o líder bem como seu séquito, tem sempre e necessariamente
de fazer, ou seja, lutar (...). Sem essa disciplina moral e essa omissão voluntária, no sentido mais
elevado, todo o aparato cairia aos pedaços.” (1979: 116-117)
Nesses termos, segundo Caiden (1996), o conceito de neutralidade é aparentemente muito
simples, baseando-se nos princípios de:
a) separação entre as carreiras políticas e administrativas e
b) despolitização do serviço público.
Os políticos formulam os fins, decidem e ordenam; os burocratas se encarregam da provisão dos
meios e executam as decisões de acordo com as ordens recebidas. Os políticos conquistam seus cargos
mediante a competição na arena política, com base na sua competência política, sendo julgados pelos
seus pares e pelo eleitorado.
Os burocratas são selecionados mediante sua competência técnica em arena de competição
administrativa, sendo julgados pelos seus pares e pelos seus superiores políticos. Os burocratas não se
envolvem em atividades político-partidárias, nem expressam publicamente suas opiniões acerca da
atividade política ou governamental.
~ 389 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Portanto, administração e política são esferas distintas e separadas a partir da proibição legal de
acúmulo ou superposição de funções. A atividade burocrática deve ser regida pelos critérios da
expertise, confiabilidade, confidencialidade, impessoalidade, imparcialidade, moralidade, entre outros.
A esta altura, cabem diversas indagações. O que é que autoriza supor que o comportamento
burocrático exiba tais características? Por que estariam os burocratas infensos ao paradoxo do governo
acima mencionado?
Seria a neutralidade burocrática apenas uma construção hipotética, um recurso conceitual? Ou
seria efetivamente constatável no mundo das realidades efetivas? Aparentemente tão desejável, quais
seriam as consequências não antevistas da neutralidade burocrática?
Em primeiro lugar, nada autoriza supor que haja uma “natureza” própria dos agentes
burocráticos, capaz de torná-los distintos dos outros homens e de impedir que sejam maximizadores e
ambicionem a glória, a riqueza e o poder. Assim sendo, os administradores públicos estariam
submetidos ao paradoxo do governo, acima mencionado, da mesma maneira que os políticos.
Na realidade, o próprio modelo de administração burocrática, com a sua ênfase nos controles,
processos e rituais surgiu, em grande parte, como tentativa de resolver tal paradoxo, à medida que se
destinava a cercear a corrupção, o nepotismo e o clientelismo típicos da administração pública
patrimonialista.
Entretanto, apesar do inegável avanço que representou neste sentido, ainda assim, os controles
burocráticos têm se mostrado formalísticos e insuficientes diante das grandes tentações que um poder
cada vez mais sólido e abrangente coloca aos que exercem os cargos administrativos.
De fato, no mundo contemporâneo, o poder administrativo é capaz de sustentar ou de destruir
instituições. Numa sociedade cada vez mais avançada tecnologicamente, onde a informação representa
um recurso de poder inestimável, e onde os meios de execução das decisões são cada vez mais
complexos, o destino dos líderes políticos encontra-se intimamente dependente do desempenho dos
quadros administrativos. Na realidade, o equilíbrio de poder vem se alterando consistentemente em
benefício dos administradores e em detrimento dos políticos (CAIDEN, 1996: 30).
Contudo, enquanto os políticos são regulamente submetidos à avaliação eleitoral, a burocracia,
por definição, não apenas é politicamente irresponsável, como também deve ser protegida das
turbulências do jogo político, mantendo-se estável e segura em suas posições através de sucessivas
mudanças de governo — já que os quadros administrativos são elementos constitutivos do Estado e
não do governo.
Nessas condições, como impedir que os agentes administrativos — da mesma forma como
ocorre com os políticos — usem seus recursos de poder e sua autoridade em favor de interesses
particulares e em detrimento do bem público?
Este ponto mostra-se tão mais importante quando se tem em mente que, no mundo real da
política o próprio processo de representação de interesses não se limita às lideranças políticas e aos
políticos autorizados pelo voto. Todavia, existem sérias restrições ao processo burocrático de
representação de interesses, pois, conforme coloca Reis:
“(...) discrimina contra interesses não organizados; tende a se limitar ao âmbito de setores
funcionais particulares, (...) mostrando-se incapaz de articular interesses intersetoriais; revela um
~ 390 ~
Material para fins didático

inevitável conservadorismo, (...) porque a agregação de interesses lograda cristaliza a correlação


de forças existente.” (1989: 103).
Para solucionar o problema, têm sido propostos arranjos como a rotatividade dos cargos, com
períodos de curta duração, de modo a evitar a personalização do poder; mecanismos de avaliação
interna; comissões externas de avaliação e fiscalização; descentralização das decisões e ações;
estabelecimento de instituições rivais que venham a competir pelo poder e cooperar quanto aos fins;
processos de treinamento, que incluam a disseminação de normas de comportamento compatíveis com
o interesse público; e a criação de mecanismos que tornem a burocracia dotada de responsiveness
frente à sociedade, sujeita ao controle social.
O problema tem sido como operacionalizar tais arranjos de maneira eficaz: não existe, para o
controle da burocracia, uma engenharia política generalizadamente adotada, como aquela estabelecida
com relação aos políticos nas democracias liberais.
Assim, o princípio da neutralidade burocrática parece representar apenas um elemento da
construção típico-ideal weberiana, muito distante do que se constata no mundo empírico.
De fato, estudos recentes têm mostrado que, diversamente do que pretendia a separação analítica
entre política e administração, fica claro que os agentes administrativos não são neutros, mas sim
dotados de interesses próprios, que tentam maximizar. Agem como atores políticos, mostrando-se
capazes de mobilizar recursos políticos, como informação e apoio de grupos de interesse da sociedade.
Além disso, possuem capacidade para desenvolver concepções próprias sobre as políticas
governamentais e sobre o seu próprio papel no jogo político, independentemente de considerações de
natureza estritamente técnica.
Finalmente, são capazes não apenas de competir com os políticos, mas de efetivamente entrar em
conflito com eles, visando não somente decisões favoráveis às suas propostas quanto a policies
específicas, mas até mesmo disputando o controle do processo político (RUA, 1992; RUA e AGUIAR,
1995).
Esses diversos aspectos do comportamento da burocracia têm se manifestado com regularidade
em governos de diversos países democráticos, não sendo possível descartar sua importância sob o
argumento de que representam distorções características dos regimes autoritários ou das democracias
ainda não consolidadas. Essas regularidades chamam a atenção de Peters, que introduz a hipótese do
“governo burocrático”, compreendida em termos da possibilidade de os agentes burocráticos
assumirem o controle do processo governamental, restando aos políticos apenas funções de
legitimação das decisões burocráticas (PETERS, 1981).
Desta forma, chega-se à última deste primeiro conjunto de questões: seria a neutralidade
burocrática um valor absoluto, desejável em si mesmo? Ou implicaria consequências que imporiam a
discussão acerca da sua desejabilidade ou conveniência? Esta discussão parece conduzir a um dilema.
Sem qualquer sombra de dúvida, os valores implícitos no princípio da neutralidade burocrática
são, considerados abstratamente sob a perspectiva ética, extremamente desejáveis. Sob a ótica dos
valores democráticos, de todos os matizes, não há como negar a importância do combate ao
favoritismo, à patronagem, à venalidade, à discriminação, em favor do profissionalismo, do mérito e
da imparcialidade. São esses valores que orientam padrões de conduta destinados a assegurar a
previsibilidade essencial à realização dos fins individuais e coletivos sob o império da lei
(calculabilidade a partir de normas universais estáveis).
~ 391 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Entretanto, a experiência histórica tem mostrado que a contrapartida da neutralidade burocrática


pode ser a irresponsabilidade política e a ausência de compromisso com valores democráticos. De fato,
uma burocracia despolitizada, que se conduz como simples instrumento de execução das ordens dos
seus superiores, tanto pode servir à democracia, como pode ser importante recurso para a implantação
de regimes ditatoriais e tirânicos, como mostram, entre outras, as experiências ainda recentes do
nazismo e das ditaduras latino-americanas.

4. A mudança do modelo de administração pública


Na primeira metade da década de 70 iniciou-se uma grande crise econômica de escala mundial,
cujo marco inicial mais visível foram as duas grandes crises do petróleo (1973 e 1979). Até então, o
mundo capitalista vivia num período de altas taxas de desenvolvimento econômico e de um amplo
consenso quanto ao papel do Estado de promover o crescimento econômico e o bem-estar social. No
início dos anos 80, encerra-se esta fase de prosperidade vivida desde o fim da Segunda Guerra e inicia-
se uma prolongada recessão, cujos efeitos são uma acentuada crise fiscal, acompanhada de uma crise
do modo de intervenção do Estado e de uma crise de governabilidade.
Além disso, um processo que vinha se desenvolvendo de maneira acentuada desde a Segunda
Guerra — a globalização e as grandes transformações tecnológicas, especialmente nas áreas de
microeletrônica e telecomunicações — assume uma dinâmica mais acelerada a partir do fim da década
de 80. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e com a dissolução da União Soviética em 1991-
1992 acabam-se as principais distinções políticas e econômicas entre o mundo ocidental, democrático
e capitalista e o mundo oriental, autoritário e socialista.
Nesse novo ambiente, aumenta a interdependência das nações, os Estados nacionais passam a
dispor de menor capacidade regulatória, tornam-se mais vulneráveis às forças transnacionais (desde
as corporações até os investidores individuais, desde os empreendimentos legítimos até o crime
organizado), perdem boa parte do seu controle sobre os fluxos financeiros e comerciais e sobre a tarefa
de decidir autonomamente as suas políticas macroeconômicas.
Embora a crise econômica e a crise fiscal pudessem ser contornadas com a redefinição do papel
do Estado na economia e com o corte de políticas sociais, o mesmo não se aplicava à crise de
governabilidade e aos desafios da globalização. Na verdade, não apenas o Estado passou a contar com
menos recursos, mas também passou a dispor de menos poder efetivo. Logo, a solução não poderia se
limitar à esfera econômica, mas deveria se estender ao modelo político-administrativo.
De fato, soluções econômicas não seriam suficientes para superar a inflexibilidade da burocracia:
seu conservadorismo, sua relutância em se afastar dos precedentes, sua adesão à letra estrita da lei, seu
comportamento refratário à inovação e sua generalizada conformidade aos padrões grupais. As
mudanças em andamento impunham a presença de quadros criativos, flexíveis e capazes de inovar,
competitivos e comprometidos em melhorar o seu desempenho, orientados para a sociedade em lugar
de auto-referidos, dotados da motivação resultante da capacidade de acreditar no que estivessem
realizando.
É nesse contexto que se iniciam as medidas de modernização do setor público que, por longos e
diversos processos de ensaio e erro, acabaram resultando no modelo que se convencionou chamar de
administração pública gerencial.
~ 392 ~
Material para fins didático

No final da década de 70 e início de 80 constatava-se a existência, nos países anglo-saxônicos,


de uma opinião pública desfavorável à burocracia pública e ao mesmo tempo uma inclinação em
valorizar o modelo de gestão adotado pelo setor privado. Com a eleição do governo conservador na
Grã-Bretanha e republicano nos EUA, iniciou-se a implantação, no setor público, de formas de gestão
importadas diretamente do setor privado, nas quais a ênfase recaía sobre o objetivo de cortar custos e
aumentar a produtividade, e onde era possível observar a ausência da percepção das diferenças entre a
atividade privada e a atividade pública (ABRUCIO, 1996).
Basicamente, apesar dos diversos arranjos adotados em diferentes momentos e em experiências
diversas, o modelo gerencial puro, importado diretamente do setor privado, exibia as seguintes
características:
a) uma lógica de completa separação entre a esfera da política e a esfera da administração;
b) uma concepção estritamente econômica, baseada na avaliação técnica de custo/benefício;
c) um princípio central: a eficiência, compreendida como eficiência operacional, que implica o
aumento da consciência dos custos e requer uma rígida especificação de objetivos e controles;
d) objetivo de produtividade e dinâmica da competição à maneira da concorrência no mercado; e
e) público-alvo concebido como o conjunto dos consumidores, na sua condição de contribuintes.
Pode-se discutir vários ângulos de cada uma dessas características. Entretanto, a fim de não
alongar excessivamente o debate, basta apontar que alguns dos seus problemas decorrem, basicamente,
do fato de que o modelo gerencial puro é totalmente apolítico — e por isso mostra-se inadequado à
administração pública.
Vale observar que a sua lógica de absoluta separação entre política e administração,
curiosamente, é a mesma que orienta o modelo de administração burocrática, mas também é a mesma
que orienta todas as concepções que, por assim dizer, se baseiam na mística do mercado.
Para estas, política e mercado devem ser não apenas esferas separadas, mas completamente
estanques — e o mercado funcionaria tão melhor quanto menor fosse a ingerência da política. Esta
visão totalmente ingênua e equivocada já foi suficientemente discutida e criticada por diversas
vertentes do pensamento político. Aqui basta lembrar de que a política surge sempre que há conflito de
interesses materiais ou ideais e tal conflito potencialmente se manifesta sempre que há mais de um
indivíduo desenvolvendo uma atividade qualquer ou simplesmente existindo (SCHMITTER, 1974).3
Assim, na segunda metade da década de 80, importantes mudanças começaram a ser
introduzidas, a partir da percepção das diferenças entre a gestão do setor privado e do setor público. As
duas principais transformações foram:
a) a priorização dos conceitos de flexibilidade, planejamento estratégico e qualidade, alternando a
dinâmica interna das organizações públicas; e
b) a orientação dos serviços públicos para as demandas e anseios dos cidadãos, sem abandonar o
conceito empresarial da busca da eficiência (ABRUCIO, 1996).
Na tentativa de encontrar uma solução que compatibilizasse as vantagens da administração
gerencial com as características próprias do setor público, diversas propostas surgiram, dando origem a
diferentes modelos. Não cabe aqui discuti-los. Vale apenas mencionar características centrais de
~ 393 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

alguns deles que, reunidas, compõem o que hoje se entende como modelo de administração pública
gerencial e que têm orientado os esforços em direção à reforma administrativa no Brasil:
a) O foco é o cidadão, e as atividades se orientam para a busca de resultados.
b) O princípio da eficiência econômica cede espaço ao princípio da flexibilidade.
c) Ênfase na criatividade e busca da qualidade;
d) Descentralização, horizontalização das estruturas e organização em redes.
e) Valorização do servidor, multiespecialidade e competição administrada.
f) Participação dos agentes sociais e controle dos resultados.
Diversos destes aspectos contemplam (ou podem contemplar) a dimensão política da
administração pública. É o caso princípio da flexibilidade, que implica a tentativa de superar a rigidez
burocrática e a orientação primária de maximização custo/benefício e de admitir a interação com o
ambiente social. O mesmo pode ser dito da descentralização e da horizontalização das estruturas, que
implicam autonomia de gestão e tendem a romper com o princípio da hierarquia e com a ética da
obediência situados na base da neutralidade e despolitização da burocracia. Por fim, é o caso,
especialmente, da participação dos agentes sociais, que implicam as noções de gestão participativa e se
baseiam nos conceitos de transparência, accountability, participação política, equidade e justiça.

5. Considerações finais: os dilemas da autonomia burocrática


Nesse sentido, um conceito fundamental e frequentemente pouco explicitado é o de autonomia.
Em acepção ampla, pode ser entendido como a capacidade de um ator ou agência de formular
preferências e executar decisões, sem sofrer constrangimentos decorrentes de relações de
subordinação. Vale assinalar que, conforme coloca Bresser Pereira (1997:43), “o conceito de
autonomia da burocracia pública não deve ser confundido com o de insulamento burocrático, ou seja, o
isolamento das agências estatais em relação às influências políticas”, proposto como recurso de
separação entre a política e a administração e de despolitização da burocracia, de maneira a protegê-la
do populismo econômico e do clientelismo.
Mais precisamente, o conceito de autonomia da burocracia pública pode ser operacionalizado
como a capacidade de ocupar posições centrais no governo; de formular preferências políticas; de
ajustar os objetivos aos procedimentos já estabelecidos; a disponibilidade de qualificações para
comando ou gerenciamento das atividades; e a capacidade de controlar a implementação das decisões
públicas (ROSE:1974; PETERS: 1987).
Estas capacidades podem se consolidar mediante o arranjo denominado “autonomia imersa” ou
“autonomia inserida” proposto por Peter Evans (1995:248), segundo o qual, para que as agências
governamentais ganhem eficácia e sejam capazes de realizar transformações, devem estar imersas em
uma densa rede de relações sociais que as vinculam aos seus aliados na sociedade a partir de objetivos
de mudança. Para o autor esta seria a forma de assegurar a democracia, evitando que a burocracia
venha a se tornar governo, em substituição aos políticos.
Esta concepção apresenta diversos problemas. Em primeiro lugar, conquanto a idéia de
autonomia governamental não ofereça dificuldades do ponto de vista conceitual, o mesmo não
~ 394 ~
Material para fins didático

acontece com “autonomia imersa” ou “autonomia inserida”. Conforme colocam Tavares de Almeida e
Moya (1997:121):
“Não fica claro o que seja ‘autonomia inserida’ e no que ela se distinguiria das condições
normais de operação dos governos nas democracias antigas e estáveis. A menos que se imagine
que o governo não é senão o comitê executivo dos interesses predominantes na sociedade,
alguma capacidade de iniciativa autônoma e alguma sustentação político-parlamentar são traços
típicos de todo governo democrático que não esteja à beira do colapso.”
Eu acrescentaria que não apenas a sustentação político-parlamentar é típica desse tipo e condição
de governo, como também o são os vínculos com as diversas coalizões de interesses que se constituem
como atores políticos em sociedades minimamente inclusivas.
Entretanto, quanto ao conceito de autonomia de Peters, acrescenta-se o arranjo de Peter Evans,
tem-se o que o primeiro destes autores indica serem os pré-requisitos para um governo burocrático.
Este é o dilema da autonomia burocrática: para atender aos imperativos da governança numa ordem
em transformação, é necessário autonomia. Mas a autonomia — do mesmo modo que a neutralidade,
embora por vias transversas — não assegura democracia, nem mesmo a autonomia imersa ou inserida,
ao contrário do que pretende Peter Evans.
Além disso, o conceito de autonomia imersa ou inserida tem subjacente o suposto de um
conjunto de atores sociais forte e generalizadamente atuantes em busca de resultados da ação pública
que satisfaçam seus interesses e demandas. Ou seja, não basta constituir burocracias autônomas: é
necessário ter atores sociais envolvidos e mobilizados em torno da consecução de metas públicas.
Pelo menos desde Schumpeter (1978) e, mais tarde, de Olson (1971; 1982), são conhecidas as
dificuldades para que isso ocorra. Enquanto o primeiro enfatiza o problema da racionalidade política
do cidadão médio, o segundo não deixa dúvidas quanto às dificuldades da ação coletiva — os elevados
custos de organização e coordenação vis-à-vis, o caráter indivisível e não excludente dos bens públicos
— nem quanto às nefastas conseqüências da hipertrofia dos pequenos grupos (OLSON, 1982 ).
Na verdade, é possível sugerir que a resposta (mas não a solução) ao problema de Olson
encontra-se em Michels: a provisão de bens públicos para os grandes grupos — inclusive o controle
social — só ocorre efetivamente mediante a ação do empresário político — figura não necessariamente
restrita aos políticos dotados de mandato eletivo. Em que medida isto seria diferente dos modelos
tradicionais de atuação dos agentes públicos, não somente os políticos, mas também os burocratas?
Ademais, supondo que sejam resolvidos os desafios da ação coletiva e haja organização dos
atores sociais, coloca-se ainda, conforme mostra Michels (1982), o problema da oligarquização das
organizações democráticas (não apenas partidos políticos, mas também associações, sindicatos,
conselhos comunitários e setoriais, etc.): em que medida as entidades organizadas da sociedade civil
são, de fato, representantes dos cidadãos enquanto usuários dos bens públicos?
Se a proposta da autonomia imersa se destina a resolver o problema da vinculação entre a
administração pública e a sociedade de maneira a obter agilidade e eficácia, sem perda do controle
democrático, uma questão central a ser enfrentada é a de como tornar generalizada e efetiva a
participação dos atores sociais.
Desta forma, a autonomia imersa pode levar a uma situação de fortalecimento dos laços dos
agentes/agências burocráticas com clientelas específicas, impondo dificuldades à construção de
~ 395 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

consensos e estabelecendo novos padrões de favorecimento político, em lugar da universalização das


relações de cidadania. Por outro lado, pode representar um novo patamar no fortalecimento dos atores
burocráticos, em prejuízo dos políticos, quando é possível pensar que é a competição entre os dois
tipos de atores — e não a assimetria e subordinação entre eles — que favorece a democracia (REIS,
1989).
Assim, conforme procuro chamar a atenção em um outro artigo (RUA, 1997), Max Weber ensina
que o grande drama da dominação moderna situa-se no campo das relações entre os dominadores: os
políticos e a burocracia. Particular destaque teria, na dinâmica dessas relações, a distinção entre as
éticas e os tipos de racionalidade característicos de cada um desses atores. Enquanto a burocracia seria
orientada pela ética da obediência e pela racionalidade formal, sendo a competência técnica e o mérito
as fontes da legitimidade burocrática, os políticos teriam como traços predominantes a ética da
responsabilidade e a racionalidade substantiva, fundamentos da legitimidade política.
O efetivo dilema a ser enfrentado pelas democracias seria considerado o inexorável processo de
complexificação e burocratização da sociedade moderna e dadas as características de cada um dos
agentes do jogo político e os seus recursos de poder, como impedir que a burocracia venha a usurpar o
poder e como assegurar que permaneça, sendo apenas um elo de ligação entre dominadores e
dominados? Para Weber, a incapacidade de solucionar este problema estaria na base do declínio dos
grandes impérios da história (WEBER: 1993). Isto, certamente, não pode ser esquecido quando do
debate da autonomia burocrática, especialmente da autonomia imersa.
Finalmente, se este debate sugere que o exercício da autonomia burocrática implica a rejeição do
princípio da neutralidade, deve ficar claro que isto significa descartar ambas as suas facetas: não
somente a indiferença descompromissada, mas também o universalismo. Quais as consequências disso
sobre a governabilidade e a governança democráticas?
Quanto mais presentes se tornarem esses dilemas, maior será a relevância da discussão acerca
das relações entre governança, neutralidade burocrática e autonomia para a reforma do Estado e da
administração pública, onde o que está em jogo, em última instância, é a democracia enquanto valor
maior.
Notas
1 Agradeço a Evelyn Levy por ter me chamado a atenção para a relevância desta temática no
âmbito da reforma administrativa brasileira. Este artigo representa uma versão mais elaborada de um
outro que apresentei na Semana Max Weber, UnB, setembro de 1997.
2 Considero políticos aqueles cujas carreiras se baseiam no exercício do mandato político. E
burocratas, em geral, aqueles cujas carreiras estão orientadas para o exercício de atividades
administrativas, com base no conhecimento técnico especializado. Nesse sentido, existem diversos
outros atores públicos, como os magistrados e os militares, por exemplo, cujos papéis e lógica de
comportamento exibem efetivas distinções com relação aos políticos e aos burocratas propriamente
ditos.
3 Pessoalmente, considero a definição do conceito de política proposto por Schmitter demasiado
amplo e, portanto, pouco operacional. Em outros textos tenho sugerido que a política consiste no
conjunto de instituições e processos destinados à solução pacífica dos conflitos em torno de bens
públicos. Acrescento que mesmo esta definição que proponho, é questionada por todos aqueles que
~ 396 ~
Material para fins didático

compartilham os pressupostos da escola realista das relações internacionais, para a qual a “solução
pacífica dos conflitos” exclui a guerra, que é considerada “a continuação da política por outros meios”.

Referências bibliográficas
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estudo sobre a experiência internacional recente”. Brasília: ENAP (mimeo), 1996.
BRESSER PEREIRA, Luiz C. “A reforma do Estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle”,
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CAIDEN, Gerald E. “The concept of neutrality”. In H.K. Asmerom and Elisa P. Reis (Orgs.).
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novo paradigma”, XX Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu (MG), 1996.
EVANS, Peter. Embedded Autonomy. Princeton: Princeton University Press, 1995.
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Serviço Pública. v. 47 n. 1. Jan. – abr. 1996.
Brasília: MARE/ENAP – Texto para discussão 9.

DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA À GERENCIAL


A reforma da administração pública que o governo Fernando Henrique Cardoso está propondo
desde 1995 poderá ser conhecida no futuro como a segunda reforma administrativa do Brasil. Ou a
terceira, se considerarmos que a reforma de 1967 merece esse nome, apesar de ter sido afinal revertida.
A primeira reforma foi a burocrática, de 1936.
A reforma de 1967 foi um ensaio de descentralização e de desburocratização.
A atual reforma está apoiada na proposta de administração pública gerencial, como uma resposta
à grande crise do Estado dos anos 80 e à globalização da economia – dois fenômenos que estão
impondo, em todo o mundo, a redefinição das funções do Estado e da sua burocracia.
A crise do Estado implicou na necessidade de reformá-lo e reconstruí-lo; a globalização tornou
imperativa a tarefa de redefinir suas funções.
Antes da integração mundial dos mercados e dos sistemas produtivos, os Estados podiam ter
como um de seus objetivos fundamentais proteger as respectivas economias da competição
internacional.
Depois da globalização, as possibilidades do Estado de continuar a exercer esse papel
diminuíram muito.
Seu novo papel é o de facilitar para que a economia nacional se torne internacionalmente
competitiva.
A regulação e a intervenção continuam necessárias, na educação, na saúde, na cultura, no
desenvolvimento tecnológico, nos investimentos em infraestrutura - uma intervenção que não apenas
compense os desequilíbrios distributivos provocados pelo mercado globalizado, mas principalmente
que capacite os agentes econômicos a competir a nível mundial. 18

18
Conforme observou Fernando Henrique Cardoso (1996: A10), “a globalização modificou o papel do Estado...
a ênfase da intervenção governamental agora dirigida quase exclusivamente para tornar possível às economias
nacionais desenvolverem e sustentarem condições estruturais de competitividade em escala global”.
~ 399 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

A diferença entre uma proposta de reforma neoliberal e uma social democrática está no fato de
que o objetivo da primeira e retirar o Estado da economia, enquanto que o da segunda é aumentar a
governança do Estado, é dar ao Estado meios financeiros e administrativos para que ele possa intervir
efetivamente sempre que o mercado não tiver condições de coordenar adequadamente a economia.
Neste trabalho concentrar-me-ei no aspecto administrativo da reforma do Estado.
Embora o Estado seja, antes de mais nada, o reflexo da sociedade, vamos aqui pensá-lo como
sujeito, não como objeto - como organismo cuja governança precisa ser ampliada para que possa agir
mais efetiva e eficientemente em benefício da sociedade. Os problemas de governabilidade não
decorrem de “excesso de democracia”, do peso excessivo das demandas sociais, mas da falta de um
pacto político ou de uma coalizão de classes que ocupe o centro do espectro político.
Nosso pressuposto é o de que o de que o problema político da governabilidade foi
provisoriamente equacionado com o retorno da democracia e a formação do “pacto democrático-
reformista de 1994” possibilitada pelo êxito do Plano Real e pela eleição de Fernando Henrique
Cardoso.19
Este pacto não resolveu definitivamente os problemas de governabilidade existentes no país, já
que estes são por definição crônicos, mas deu ao governo condições políticas para ocupar o centro
político e ideológico e, a partir de um amplo apoio popular, propor e implementar a reforma do Estado.
Depois de uma breve seção em que analisarei a grande crise dos anos 80 como uma crise do
Estado e as respostas da sociedade brasileira a essa crise, farei um breve diagnóstico da crise da
administração pública burocrática brasileira e dos seus mitos. Em seguida definirei os princípios da
reforma do aparelho do Estado em direção a uma administração pública gerencial, e delinearei as
formas mais adequadas de propriedade para as diversas atividades que o Estado hoje realiza, em
função da redefinição de suas funções. Para esta redefinição, de um lado, distinguirei três formas de
propriedade – a pública estatal, a pública não-estatal e a privada, e, de outro, dividirei as ações hoje
realizadas pelo Estado em quatro setores: núcleo estratégico, atividades exclusivas de
Estado, serviços sociais competitivos ou não-exclusivos, e produção de bens e serviços para o
mercado.

Crise e Reforma
No Brasil a percepção da natureza da crise e, em seguida, da necessidade imperiosa de reformar
o Estado ocorreu de forma acidentada e contraditória, em meio ao desenrolar da própria crise. Entre
1979 e 1994 o Brasil viveu um período de estagnação da renda per capita e de alta inflação sem
precedentes. Em 1994, finalmente, estabilizaram-se os preços através do Plano Real, criando-se as
condições para a retomada do crescimento.
A causa fundamental dessa crise econômica foi a crise do Estado - uma crise que ainda não está
plenamente superada, apesar de todas as reformas já realizadas. Crise que se desencadeou em 1979,

19
Está claro para nós que, conforme observa Frischtak (1994: 163), “o desafio crucial reside na obtenção
daquela forma específica de articulação da máquina do Estado com a sociedade na qual se reconheça que o
problema da administração eficiente não pode ser dissociado do problema político”. Não centraremos,
entretanto, nossa atenção nessa articulação.
~ 400 ~
Material para fins didático

com o segundo choque do petróleo. Crise que se caracteriza pela perda de capacidade do Estado de
coordenar o sistema econômico de forma complementar ao mercado. Crise que se define como uma
crise fiscal, como uma crise do modo de intervenção do Estado, como uma crise da forma burocrática
pela qual o Estado é administrado, e, em um primeiro momento, também como uma crise política.
A crise política teve três momentos:
a) a crise do regime militar - uma crise de legitimidade;
b) a tentativa populista de voltar aos anos 50 - uma crise de adaptação ao regime democrático; e
c) finalmente, a crise que levou ao impeachment de Fernando Collor de Mello - uma crise moral.
A crise fiscal ou financeira caracterizou-se pela perda do crédito público e por poupança pública
negativa. 20
A crise do modo de intervenção, acelerada pelo processo de globalização da economia mundial,
caracterizou-se pelo esgotamento do modelo protecionista de substituição de importações, que foi bem
sucedido em promover a industrialização nos anos de 30 a 50, mas que deixou de sê-lo a partir dos
anos 60; transpareceu na falta de competitividade de uma parte ponderável das empresas brasileiras;
expressou-se no fracasso em se criar no Brasil um Estado do Bem-Estar que se aproximasse dos
moldes socialdemocratas europeus.
Por fim, a crise da forma burocrática de administrar um Estado emergiu com toda a força depois
de 1988, antes mesmo que a própria administração pública burocrática pudesse ser plenamente
instaurada no país.
A crise da administração pública burocrática começou ainda no regime militar não apenas
porque não foi capaz de extirpar o patrimonialismo que sempre a vitimou, mas também porque esse
regime, ao invés de consolidar uma burocracia profissional no país, através da redefinição das carreiras
e de um processo sistemático de abertura de concursos públicos para a alta administração, preferiu o
caminho mais curto do recrutamento de administradores através das empresas estatais. 21 Esta
estratégia oportunista do regime militar, que resolveu adotar o caminho mais fácil da contratação de
altos administradores através das empresas, inviabilizou a construção no país de uma burocracia civil
forte, nos moldes que a reforma de 1936 propunha. A crise agravou-se, entretanto, a partir da
Constituição de 1988, quando se salta para o extremo oposto e a administração pública brasileira passa
a sofrer do mal oposto: o enrijecimento burocrático extremo. As consequências da sobrevivência do

20
Não confundir crédito público com credibilidade do governo. Existe crédito público quando o Estado merece
crédito por parte dos investidores. Um Estado pode ter crédito e seu governo não ter credibilidade; e o inverso
também pode ocorrer: pode existir um governo com credibilidade em um Estado que, dada a crise fiscal, não
tem crédito.
21
Esta foi uma forma equivocada de entender o que é a administração pública gerencial. A contração da
burocracia através das empresas estatais impediu a criação de corpos burocráticos estáveis dotados de uma
carreira flexível e mais rápida do que as carreiras tradicionais, mas sempre uma carreira. Conforme observa
Santos (1995), “assumiu o papel de agente da burocracia estatal um grupo de técnicos, de origens e formações
heterogêneas, mais comumente identificados com a chamada tecnocracia que vicejou, em especial, na década de
70. Oriundos do meio acadêmico, do setor privado, das (próprias) empresas estatais, e de órgãos do governo -
esta tecnocracia... supriu a administração federal de quadros para a alta administração”. Sobre essa tecnocracia
estatal ver os trabalhos clássicos de Martins (1973, 1985) e Nunes (1984).
~ 401 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

patrimonialismo e do enrijecimento burocrático, muitas vezes perversamente misturados, serão o alto


custo e a baixa qualidade da administração pública brasileira. 22
A resposta da sociedade brasileira aos quatro aspectos da crise do Estado foi desequilibrada e
ocorreu em momentos diferentes. A resposta à crise política foi a primeira: em 1985 o país completou
sua transição democrática; em 1988, consolidou-a com a aprovação da nova Constituição. Já em
relação aos outros três aspectos - a crise fiscal, o esgotamento do modo de intervenção, e a crescente
ineficiência do aparelho estatal - o novo regime instalado no país em 1985 pouco ajudou, com exceção
a essa generalização da reforma do sistema financeiro nacional realizada entre 1983 e 1988, com o fim
da “conta-movimento” do Banco do Brasil, a criação da Secretaria do Tesouro, a eliminação de
orçamentos paralelos, especialmente do “orçamento monetário”, e a implantação de um excelente
acompanhamento e controle computadorizado do sistema de despesas: o SIAFI (Sistema de
Informações Administrativas e Financeiras).
Pelo contrário, em um primeiro momento agravou os problemas, constituindo-se em um caso
clássico de resposta voltada para trás. Em relação à crise fiscal e ao modo de intervenção do Estado, as
forças políticas vitoriosas tinham como parâmetro o desenvolvimentismo populista dos anos 50; em
relação à administração pública, a visão burocrática dos anos 30.

Da Administração Burocrática à Gerencial


A administração burocrática clássica, baseada nos princípios da administração do exército
prussiano, foi implantada nos principais países europeus no final do século passado; nos Estados
Unidos, no começo deste século; no Brasil, em 1936, com a reforma administrativa promovida por
Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes. É a burocracia que Max Weber descreveu, baseada no
princípio do mérito profissional.
A administração pública burocrática foi adotada para substituir a administração
patrimonialista, que definiu as monarquias absolutas, na qual o patrimônio público e o privado eram
confundidos. Nesse tipo de administração o Estado era entendido como propriedade do rei. O
nepotismo e o empreguismo, senão a corrupção, eram a norma. Esse tipo de administração revelar-se-á
incompatível com o capitalismo industrial e as democracias parlamentares, que surgem no século XIX.
É essencial para o capitalismo a clara separação entre o Estado e o mercado; a democracia só
pode existir quando a sociedade civil, formada por cidadãos, distingue-se do Estado ao mesmo tempo
em que o controla. Tornou-se assim necessário desenvolver um tipo de administração que partisse não
apenas da clara distinção entre o público e o privado, mas também da separação entre o político e o
administrador público. Surge assim a administração burocrática moderna, racional-legal.
A administração pública burocrática clássica foi adotada porque era uma alternativa muito
superior à administração patrimonialista do Estado. Entretanto o pressuposto de eficiência em que se
baseava não se revelou real. No momento em que o pequeno Estado liberal do século XIX deu

22
Nas palavras de Nilson Holanda (1993: 165): “A capacidade gerencial do Estado brasileiro nunca este tão
fragilizada; a evolução nos últimos anos, e especialmente a partir da chamada Nova República, tem sido no
sentido de uma progressiva piora da situação; e não existe, dentro ou fora do governo, nenhuma proposta
condizente com o objetivo de reverter, a curto ou médio prazo, essa tendência de involução”.
~ 402 ~
Material para fins didático

definitivamente lugar ao grande Estado social e econômico do século XX, verificou-se que não
garantia nem rapidez, nem boa qualidade nem custo baixo para os serviços prestados ao público.
Na verdade, a administração burocrática é lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada
para o atendimento das demandas dos cidadãos. Um fato que não era grave enquanto prevalecia um
Estado pequeno, cuja única função era garantir a propriedade e os contratos. No Estado liberal só eram
necessários quatro ministérios:
a) Justiça: responsável pela polícia;
b) Defesa, incluindo o exército e a marinha;
b) Fazenda e;
c) o das Relações Exteriores.
Nesse tipo de Estado, o serviço público mais importante era o da administração da justiça, que o
Poder Judiciário realizava. O problema da eficiência não era, na verdade, essencial. No momento,
entretanto, que o Estado se transformou no grande Estado social e econômico do século XX,
assumindo um número crescente de serviços sociais - a educação, a saúde, a cultura, a previdência e a
assistência social, a pesquisa científica - e de papéis econômicos -regulação do sistema econômico
interno e das relações econômicas internacionais, estabilidade da moeda e do sistema financeiro,
provisão de serviços públicos e de infraestrutura, - nesse momento, o problema da eficiência tornou-se
essencial.
Por outro lado a expansão do Estado respondia não só às pressões da sociedade mas também às
estratégias de crescimento da própria burocracia.
A necessidade de uma administração pública gerencial, portanto, decorre de problemas não só de
crescimento e da decorrente diferenciação de estruturas e complexidade crescente da pauta de
problemas a serem enfrentados, mas também de legitimação da burocracia perante as demandas da
cidadania.
Após a II Guerra Mundial há uma reafirmação dos valores burocráticos, mas, ao mesmo tempo, a
influência da administração de empresas começa a se fazer sentir na administração pública.
As ideias de descentralização e de flexibilização administrativa ganham espaço em todos os
governos. Entretanto a reforma da administração pública só ganhará força a partir dos anos 70, quando
tem início a crise do Estado, que levará à crise também a sua burocracia.
Em consequência, nos anos de 1980 inicia-se uma grande revolução na administração pública
dos países centrais em direção a uma administração pública gerencial.
Os países em que essa revolução foi mais profunda foram o Reino Unido, a Nova Zelândia e a
Austrália. Nos Estados Unidos essa revolução irá ocorrer principalmente a nível dos municípios e
condados (...). É a administração pública gerencial que está surgindo, inspirada nos avanços
realizados pela administração de empresas.
Aos poucos foram-se delineando os contornos da nova administração pública:
a) descentralização do ponto de vista político, transferindo recursos e atribuições para os níveis
políticos regionais e locais;
~ 403 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

b) descentralização administrativa, através da delegação de autoridade para os administradores


públicos transformados em gerentes crescentemente autônomos;
c) organizações com poucos níveis hierárquicos ao invés de piramidal;
d) pressuposto da confiança limitada e não da desconfiança total;
e) controle por resultados, a posteriori, ao invés do controle rígido, passo a passo, dos processos
administrativos; e
f) administração voltada para o atendimento do cidadão, ao invés de auto-referida.

As Duas Reformas Administrativas


No Brasil a ideia de uma administração pública gerencial é antiga. Começou a ser delineada
ainda na primeira reforma administrativa, nos anos 30, e estava na origem da segunda reforma,
ocorrida em 1967. Os princípios da administração burocrática clássica foram introduzidos no país
através da criação, em 1936, do DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público.
A criação do DASP representou não apenas a primeira reforma administrativa do país, com a
implantação da administração pública burocrática, mas também a afirmação dos princípios
centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica. 23 Entretanto, já em 1938, temos um primeiro
sinal de administração pública gerencial, com a criação da primeira autarquia. Surgia então a ideia de
que os serviços públicos na “administração indireta” deveriam ser descentralizados e não obedecer a
todos os requisitos burocráticos da “administração direta” ou central.
A primeira tentativa de reforma gerencial da administração pública brasileira, entretanto, irá
acontecer no final dos anos 60, através do Decreto-Lei 200, de 1967, sob o comando de Amaral
Peixoto e a inspiração de Hélio Beltrão, que iria ser o pioneiro das novas ideias no Brasil. Beltrão
participou da reforma administrativa de 1967 e depois, como Ministro da Desburocratização, entre
1979 e 1983, transformou-se em um arauto das novas ideias.
Definiu seu Programa Nacional de Desburocratização, lançado em 1979, como uma
proposta política visando, através da administração pública, “retirar o usuário da condição
colonial de súdito para investi-lo na de cidadão, destinatário de toda a atividade do Estado” (Beltrão,
1984: 11).
A reforma iniciada pelo Decreto-Lei 200 foi uma tentativa de superação da rigidez burocrática,
podendo ser considerada como um primeiro momento da administração gerencial no Brasil. Toda a
ênfase foi dada à descentralização mediante a autonomia da administração indireta, a partir do
pressuposto da rigidez da administração direta e da maior eficiência da administração descentralizada.

23
O DASP foi extinto em 1986, dando lugar à SEDAP - Secretaria de Administração Pública da Presidência da
República -, que, em janeiro de 1989, é extinta, sendo incorporada na Secretaria do Planejamento da Presidência
da República. Em março de 1990 é criada a SAF - Secretaria da Administração Federal da Presidência da
República, que, entre abril e dezembro de 1992, foi incorporada ao Ministério do Trabalho. Em janeiro de 1995,
com o início do governo Fernando Henrique Cardoso, a SAF transforma-se em MARE - Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado.
~ 404 ~
Material para fins didático

24
O decreto-lei promoveu a transferência das atividades de produção de bens e serviços para
autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, consagrando e
racionalizando uma situação que já se delineava na prática. Instituíram-se como princípios de
racionalidade administrativa o planejamento e o orçamento, a descentralização e o controle dos
resultados. Nas unidades descentralizadas foram utilizados empregados celetistas, submetidos ao
regime privado de contratação de trabalho. O momento era de grande expansão das empresas estatais e
das fundações. Através da flexibilização de sua administração buscava-se uma maior eficiência nas
atividades econômicas do Estado, e se fortalecia a aliança política entre a alta tecnoburocracia estatal,
civil e militar, e a classe empresarial.
O Decreto-Lei 200 teve, entretanto, duas consequências inesperadas e indesejáveis.
De um lado, ao permitir a contratação de empregados sem concurso público, facilitou a
sobrevivência de práticas patrimonialistas e fisiológicas. De outro lado, ao não se preocupar com
mudanças no âmbito da administração direta ou central, que foi vista pejorativamente como
“burocrática” ou rígida, deixou de realizar concursos e de desenvolver carreiras de altos
administradores. O núcleo estratégico do Estado foi, na verdade, enfraquecido indevidamente através
de uma estratégia oportunista do regime militar, que, ao invés de se preocupar com a formação de
administradores públicos de alto nível selecionados através de concursos públicos, preferiu contratar
os escalões superiores da administração através das empresas estatais.
Desta maneira, a reforma administrativa embutida no Decreto-Lei 200 ficou pela metade e
fracassou. A crise política do regime militar, que se inicia já em meados dos anos 70, agrava ainda
mais a situação da administração pública, na medida que a burocracia estatal é identificada com o
sistema autoritário em pleno processo de degeneração.

Volta aos Anos 50 e aos Anos 30


A transição democrática ocorrida com a eleição de Tancredo Neves e posse de José Sarney, em
março de 1985, não irá entretanto apresentar perspectivas de reforma do aparelho do Estado. Pelo
contrário significará no plano administrativo uma volta aos ideais burocráticos dos anos 30, e no plano
político, uma tentativa de volta ao populismo dos anos 50.
Os dois partidos que comandam a transição eram partidos democráticos, mas populistas. Não
tinham, como a sociedade brasileira também não tinha, a noção da gravidade da crise que o país estava
atravessando.
Havia, ainda, uma espécie de euforia democrático-populista. Uma ideia de que seria possível
voltar aos anos dourados da democracia e do desenvolvimento brasileiro, que foram os anos 50.
Nos dois primeiros anos do regime democrático - da Nova República - a crise fiscal e a
necessidade de rever radicalmente a forma de intervir na economia foram ignoradas. Imaginou-se que

24
Conforme Bertero (1985: 17), “subjacente à decisão de expandir a administração pública através da
administração indireta, esta o reconhecimento de que a administração direta não havia sido capaz de responder
com agilidade, flexibilidade, presteza e criatividade às demandas e pressões de um Estado que se decidira
desenvolvimentista”.
~ 405 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

seria possível promover a retomada do desenvolvimento e a distribuição da renda através do aumento


do gasto público e da elevação forçada dos salários reais, ou seja, através de uma versão populista e
portanto distorcida do pensamento keynesiano. O modelo de substituição de importações foi mantido.
Os salários e o gasto público, aumentados. O resultado foi o desastre do Plano Cruzado. Um plano
inicialmente bem concebido que foi transformado em mais um clássico caso de ciclo populista. Logo
após o fracasso do Plano Cruzado, houve uma tentativa de ajuste fiscal, iniciada durante minha rápida
passagem pelo Ministério da Fazenda (1987), a qual, entretanto, não contou com o apoio necessário da
sociedade brasileira, que testemunhava, perplexa, a crise. Ao invés do ajuste e da reforma, o país, sob a
égide de uma coalizão política conservadora no Congresso - o Centrão - mergulhou em 1988 e 1989
em uma política populista e patrimonialista, que representava uma verdadeira “volta ao capital
mercantil”.
O capítulo da administração pública da Constituição de 1988 será o resultado de todas essas
forças contraditórias. De um lado ela é uma reação ao populismo e ao fisiologismo que recrudescem
com o advento da democracia. 25 Por isso a Constituição ignorou completamente as novas orientações
da administração pública. Os constituintes e, mais amplamente, a sociedade brasileira revelaram nesse
momento uma incrível falta de capacidade de ver o novo. Perceberam apenas que a administração
burocrática clássica, que começara a ser implantada no país nos anos 30, não havia sido plenamente
instaurada.
Viram que o Estado havia adotado estratégias descentralizadoras - as autarquias e as fundações
públicas - que não se enquadravam no modelo burocrático-profissional clássico. Notaram que essa
descentralização havia aberto espaço para o clientelismo, principalmente ao nível dos estados e
municípios - clientelismo esse que se acentuara após a redemocratização. Não perceberam que as
formas mais descentralizadas e flexíveis de administração, que o Decreto-Lei 200 havia consagrado,
eram uma resposta à necessidade de o Estado administrar com eficiência as empresas e os serviços
sociais. E decidiram completar a revolução burocrática antes de pensar nos princípios da moderna
administração pública. Ao agirem assim aparentemente seguiram uma lógica linear compatível com a
ideia de que primeiro seria necessário completar a revolução mecânica, para só depois participar da
revolução eletrônica.
A partir dessa perspectiva, decidiram, através da instauração de um “regime jurídico único” para
todos os servidores públicos civis da administração pública direta e das autarquias e fundações, tratar
de forma igual faxineiros e professores, agentes de limpeza e médicos, agentes de portaria e
administradores da cultura, policiais e assistentes sociais; através de uma estabilidade rígida, ignorando
que este instituto foi criado para defender o Estado, não os seus funcionários; através de um sistema de
concursos públicos ainda mais rígido, inviabilizar que uma parte das novas vagas fossem abertas para
funcionários já existentes; através da extensão a toda a administração pública das novas regras,
eliminar toda a autonomia das autarquias e fundações públicas.

25 O regime militar sempre procurou evitar esses dois males. De um modo geral, logrou seu intento. O
fisiologismo ou clientelismo, através do qual se expressa modernamente o patrimonialismo, existia na
administração central no período militar, mas era antes a exceção do que e regra. Este quadro muda com a
transição democrática. Os dois partidos vitoriosos - o PMDB e o PFL - fazem um verdadeiro loteamento dos
cargos públicos. A direção das empresas estatais, que tendia antes a permanecer na mão dos técnicos, é também
submetida aos interesses políticos dominantes.
~ 406 ~
Material para fins didático

Por outro lado, e contraditoriamente com seu espírito burocrático racional-legal, a Constituição
de 1988 permitiu que uma série de privilégios fossem consolidados ou criados. Privilégios que foram
ao mesmo tempo um tributo pago ao patrimonialismo ainda presente na sociedade brasileira, e uma
consequência do corporativismo que recrudesceu com a abertura democrática, levando todos os atores
sociais a defender seus interesses particulares como se fossem interesses gerais.
Dois fatos graves contribuíram para os privilégios:
a) O estabelecimento de um sistema de aposentadoria com remuneração integral, sem nenhuma
relação com o tempo de serviço prestado diretamente ao Estado; este fato, mais a instituição de
aposentadorias especiais, que permitiram aos servidores aposentarem-se muito cedo, em torno
dos 50 anos, e, no caso dos professores universitários, de acumular aposentadorias, elevou
violentamente o custo do sistema previdenciário estatal, representando um pesado ônus fiscal
para a sociedade.26
b) Um segundo privilégio foi ter permitido que, de um golpe, mais de 400 mil funcionários
celetistas das fundações e autarquias se transformassem em funcionários estatutários, detentores
de estabilidade e aposentadoria integral
O retrocesso burocrático ocorrido em 1988 não pode ser atribuído a um suposto fracasso da
descentralização e da flexibilização da administração pública que o Decreto-Lei 200 teria promovido.
Embora alguns abusos tenham sido cometidos em seu nome, seja em termos de excessiva autonomia
para as empresas estatais, seja em termos do uso patrimonialista das autarquias e fundações (onde não
havia a exigência de processo seletivo público para a admissão de pessoal), não é correto afirmar que
tais distorções possam ser imputadas como causas desse retrocesso. Na verdade ele foi o resultado de:
a) Uma visão equivocada das forças democráticas que derrubaram o regime militar sobre a natureza
da administração pública então vigente. Na medida que, no Brasil, a transição democrática
ocorreu em meio à crise do Estado, esta última foi equivocadamente identificada pelas forças
democráticas como resultado, entre outros, do processo de descentralização que o regime militar
procurara implantar.
b) A consequência da aliança política que essas forças foram levadas a celebrar com o velho
patrimonialismo, sempre pronto a se renovar para não mudar.
c) O resultou do ressentimento da velha burocracia contra a forma pela qual a administração central
fora tratada no regime militar: estava na hora de restabelecer a força do centro e a pureza do
sistema burocrático. Essa visão burocrática concentrou-se na antiga SAF, que se tornou o centro
da reação burocrática no país não apenas contra uma administração pública moderna, mas a
favor dos interesses corporativistas do funcionalismo. Isto, porque “O papel principal da SAF no
período estudado foi o de garantir o processo de fortalecimento e expansão da administração
direta e defender os interesses corporativistas do funcionalismo, seja influenciando a elaboração

26 Estes privilégios, entretanto, não surgiram por acaso: fazem parte da herança patrimonialista herdada pelo
Brasil de Portugal. Conforme observa Luiz Nassif (1996): “A análise da formação econômica brasileira mostra
que uma das piores pragas da herança colonial portuguesa foi o sonho da segurança absoluta, que se entranhou
profundamente na cultura social brasileira. No plano das pessoas físicas, a manifestação máxima dessa síndrome
foi o sonho da aposentadoria precoce e do emprego público”.
~ 407 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

da nova Constituição, seja garantindo a implantação do que foi determinado em 1988” (Pimenta
(1994: 161).
d) A campanha pela desestatização que acompanhou toda a transição democrática: este fato levou
os constituintes a aumentar os controles burocráticos sobre as empresas estatais, que haviam
ganhado grande autonomia graças ao Decreto-Lei 200.
Em síntese, o retrocesso burocrático da Constituição de 1988 foi uma reação ao clientelismo que
dominou o país naqueles anos, mas também foi uma afirmação de privilégios corporativistas e
patrimonialistas incompatíveis com o ethos burocrático. Foi, além disso, uma consequência de uma
atitude defensiva da alta burocracia, que, sentindo-se acuada, injustamente acusada, defendeu-se de
forma irracional.
Estas circunstâncias contribuíram para o desprestígio da administração pública brasileira, não
obstante o fato de que os administradores públicos brasileiros são majoritariamente competentes,
honestos e dotados de espírito público. Estas qualidades, que eles demonstraram desde os anos 30,
quando a administração pública profissional foi implantada no Brasil, foram um fator decisivo para o
papel estratégico que o Estado jogou no desenvolvimento econômico brasileiro. A implantação da
indústria de base nos anos 40 e 50, o ajuste nos anos 60, o desenvolvimento da infraestrutura e a
instalação da indústria de bens de capital, nos anos 70, de novo o ajuste e a reforma financeira nos
anos 80, e a liberalização comercial nos anos 90, não teriam sido possíveis não fosse a competência e o
espírito público da burocracia brasileira.

Evolução Recente e Perplexidade


A crise fiscal e a crise do modo de intervenção do Estado na economia e na sociedade
começaram a ser percebidas a partir de 1987. É nesse momento, depois do fracasso do Plano Cruzado,
27
que a sociedade brasileira se dá conta, ainda que de forma imprecisa, que estava vivendo fora do
tempo, que a volta ao nacionalismo e ao populismo dos anos 50 era algo espúrio além de inviável.
Os constituintes de 1988, entretanto, não perceberam a crise fiscal, muito menos a crise do
aparelho do Estado. Não se deram conta, portanto, que era:

27 Conjunto de medidas econômicas, lançado pelo governo em 28 de fevereiro de 1986, com base no decreto-lei
nº 2.283, de 27 de fevereiro de 1986,[1] sendo José Sarney o presidente da República e Dilson Funaro o
ministro da Fazenda. As principais medidas contidas no Plano eram: congelamento de preços de bens e serviços
nos níveis do dia 27 de fevereiro de 1986; congelamento da Taxa de Câmbio por um ano em 13,84 Cruzados = 1
Dólar e 20,58 Cruzados = 1 Libra; reforma monetária, com alteração da unidade do sistema monetário, que
passou a denominar-se cruzado (Cz$), cujo valor correspondia a mil unidades de cruzeiro; substituição da
Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional ORTN, título da dívida pública instituído em 1964, pela Obrigação
do Tesouro Nacional (OTN), cujo valor foi fixada em Cz$106,40 e congelado por um ano; congelamento dos
salários pela média de seu valor dos últimos seis meses e do salário mínimo em Cz$ 804,00, que era igual a
aproximadamente a US$ 67,00 de Salário Mínimo; instituição, no cenário da economia desindexada, de uma
tabela de conversão para transformar as dívidas contraídas numa economia com inflação muito alta em dívidas
contraídas em uma economia de inflação praticamente nula; criação de uma espécie de seguro-desemprego para
aqueles que fossem dispensados sem justa causa ou em virtude do fechamento de empresas; reajustes salariais
passaram a ser realizados por um dispositivo chamado "gatilho salarial" ou "seguro-inflação", que estabelecia o
reajuste automático dos salários sempre que a inflação alcançasse 20%
~ 408 ~
Material para fins didático

a) necessário reconstruir o Estado;


b) recuperar a poupança pública;
c) dotar o Estado de novas formas de intervenção mais leves, em que a competição tivesse um papel
mais importante;
d) montar, com urgência, uma administração não apenas profissional, mas também eficiente e
orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos.
Será só depois do episódio de hiperinflação, em 1990, no final do governo Sarney, que a
sociedade abrirá os olhos para a crise.
Em consequência as reformas econômicas e o ajuste fiscal, ganham impulso no governo Collor:
contraditório e que se perdeu em meio à corrupção generalizada -, que dará os passos decisivos no
sentido de iniciar a reforma da economia e do Estado.
É nesse governo que, afinal, ocorre a abertura comercial - a mais bem sucedida e importante
reforma que o país conheceu desde o início da crise. É nele que a privatização ganha novo impulso. É
no governo Collor que o ajuste fiscal avançará de forma decisiva, não apenas através de medidas
permanentes, mas também através de um substancial cancelamento da dívida pública interna.
Na área da administração pública, porém, as tentativas de reforma do governo Collor foram
equivocadas. Nesta área, da mesma forma que no que diz respeito ao combate à inflação, o governo
fracassará devido a um diagnóstico equivocado da situação e/ou porque não teve competência técnica
para enfrentar os problemas.
No caso da administração pública, o fracasso deveu-se, principalmente, à tentativa desastrada de
reduzir o aparelho do Estado, demitindo funcionários e eliminando órgãos, sem antes assegurar a
legalidade das medidas através da reforma da Constituição.
Afinal, além de uma redução drástica da remuneração dos servidores, sua intervenção na
administração pública desorganizou ainda mais a já precária estrutura burocrática existente, e
desprestigiando os servidores públicos, de repente acusados de todos os males do país e identificados
com o corporativismo = a defesa de interesses de grupos como se fossem os interesses da nação - não é
um fenômeno específico dos funcionários, mas um mal que caracteriza todos os segmentos da
sociedade brasileira. 28
No início do governo Itamar a sociedade brasileira começa a se dar conta da crise da
administração pública. Há, entretanto, ainda muita perplexidade e confusão. Um documento
importante nessa fase é o estudo realizado pelo Centro de Estudos de Cultura Contemporânea -
CEDEC - para a Escola Nacional de Administração Pública – ENAP (Andrade e Jacoud, orgs., 1993).
Na introdução de Régis de Castro Andrade (1993: 26), o resumo do diagnóstico:
“A crise administrativa manifesta-se na baixa capacidade de formulação, informação,
planejamento, implementação e controle das políticas públicas. O rol das
insuficiências da administração pública do país é dramático. Os servidores estão

28 A incompetência técnica na área da estabilização econômica revelou-se na incapacidade do governo de


diagnosticar a alta inflação então existente como uma inflação inercial, que exigia remédio específico, que
combinasse heterodoxia e ortodoxia.
~ 409 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

desmotivados, sem perspectivas profissionais ou existenciais atraentes no serviço; a


maior parte deles não se insere num plano de carreira. Os quadros superiores não têm
estabilidade funcional. As instituições de formação e treinamento não cumprem seu
papel. A remuneração é baixa”.
Diagnóstico era em grande parte verdadeiro, mas pecava por uma falha fundamental. O mal
maior a ser atacado segundo o documento era “o intenso e generalizado patrimonialismo no sistema
político”; o objetivo fundamental a ser atingido, o de estabelecer uma administração pública
burocrática, ou seja, “um sistema de administração pública descontaminado de patrimonialismo, em
que os servidores se conduzam segundo os critérios de ética pública, de profissionalismo e eficácia”
(Andrade, 1993: 27) . Ora, não há qualquer dúvida quanto à importância da profissionalização do
serviço público e da obediência aos princípios da moralidade e do interesse público.
É indiscutível o valor do planejamento e da racionalidade administrativa. Entretanto, ao
reafirmar valores burocráticos clássicos, o documento não se dava conta que assim inviabilizava os
objetivos a que se propunha. Não se dava conta da necessidade de uma modernização radical da
administração pública - modernização que só uma perspectiva gerencial poderá proporcionar.
Conforme observou Hélio Beltrão (1984: 12), “existe entre nós uma curiosa inclinação para raciocinar,
legislar e administrar tendo em vista um país imaginário, que não é o nosso; um país dominado pelo
exercício fascinante do planejamento abstrato, pela ilusão ótica das decisões centralizadas...”
Ora, quando começamos a trabalhar com mitos ou com um país imaginário, a nossa capacidade
de agir sobre a realidade diminui radicalmente.
Na verdade o documento da ENAP de 1993 expressava uma ideologia burocrática, que se tornou
dominante em Brasília a partir da transição democrática (1985) até o final do governo Itamar. Essa
perspectiva burocrática levou à transformação da FUNCEP na ENAP - Escola Nacional de
Administração Pública - tendo como modelo a ENA – Ecole Nationale d’Administration - da França.
Levou em seguida à criação da carreira dos gestores públicos (Especialistas em Políticas Públicas e
Gestão Governamental) – uma carreira de altos administradores públicos, que obviamente fazia falta
no Brasil, mas que recebeu uma orientação rigorosamente burocrática, voltada para a crítica do
passado patrimonialista, ao invés de voltar-se para o futuro e para a modernidade de um mundo em
rápida mudança, que se globaliza e se torna mais competitivo a cada dia.
Sob essa ótica o documento da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e
Gestão Governamental (1994: 7-8), que reúne os gestores governamentais públicos, afirmava: “o
verdadeiro problema a ser enfrentado é a pesada herança de um processo de recrutamento e alocação
dos quadros marcado simultaneamente pela falta de critérios, clientelismo e heterogeneidade na sua
constituição”. Ora, esse é sem dúvida um problema grave, que o documento aponta bem. Mas é um
problema antigo e óbvio, que, embora devendo ser equacionado, dificilmente poderá se transformar no
centro de uma proposta de reforma.
Mais adequada é a afirmação, nesse documento contraditório e abrangente, que a reforma do
Estado no Brasil deverá refletir as novas circunstâncias emergentes, entre as quais:
“Novos Paradigmas Gerenciais: a ruptura com estruturas centralizadas, hierárquicas
formalizadas e piramidais e sistemas de controle ‘tayloristas’ são elementos de uma
verdadeira revolução gerencial em curso, que impõe a incorporação de novos referenciais
para as políticas relacionadas com a administração pública, virtualmente enterrando as
~ 410 ~
Material para fins didático

burocracias tradicionais e abrindo caminho para uma nova e moderna burocracia de


Estado”. (1994: 3)

Dois Mitos Burocráticos: Carreiras e DASs


Na medida que a Constituição de 1988 representou um retrocesso burocrático, revelou-se
irrealista. Em um momento em que o país necessitava urgentemente reformar a sua administração
pública, de forma a torná-la mais eficiente e de melhor qualidade, aproximando-a do mercado privado
de trabalho, o inverso foi realizado. O serviço público tornou-se mais ineficiente e mais caro, e o
mercado de trabalho público separou-se completamente do mercado de trabalho privado.
A separação foi proporcionada não apenas pelo sistema privilegiado de aposentadorias do setor
público, mas também pela exigência de um regime jurídico único, que levou à eliminação dos
funcionários celetistas, e pela afirmação constitucional de um sistema de estabilidade rígido, que
tornou inviável a cobrança de trabalho dos servidores.
A estabilidade dos funcionários é uma característica das administrações burocráticas. Foi uma
forma adequada de proteger os funcionários e o próprio Estado contra as práticas patrimonialistas que
eram dominantes nos regimes pré-capitalistas. No Brasil, por exemplo, havia, durante o Império, a
prática da “derrubada”. Quando caia o governo, eram demitidos não apenas os portadores de cargos de
direção, mas também muitos dos funcionários comuns.
A estabilidade, entretanto, implica em um custo. Impede a adequação dos quadros de
funcionários às reais necessidades do serviço, ao mesmo tempo que inviabiliza a implantação de um
sistema de administração pública eficiente, baseado em um sistema de incentivos e punições. Era
justificável enquanto o patrimonialismo era dominante e os serviços do Estado liberal, limitados; deixa
de sê-lo quando o Estado cresce em tamanho, passa a realizar um grande número de serviços, e a
necessidade de eficiência para esses serviços torna-se fundamental, ao mesmo tempo que o
patrimonialismo perde força, deixa de ser um valor para ser uma mera prática, de forma que a
demissão por motivos políticos se torna algo socialmente inaceitável. Se, além de socialmente
condenada, a demissão por motivos políticos for tornada inviável através de uma série de precauções
como aquelas presentes na proposta de emenda constitucional do governo Fernando Henrique, não
haverá mais justificativa para se manter a estabilidade de forma absoluta, como ocorre na burocracia
clássica.
No Brasil a extensão da estabilidade a todos os servidores públicos, ao invés de limitá-la apenas
às carreiras onde se exerce o poder de Estado, e o entendimento dessa estabilidade de uma forma tal
que a ineficiência, a desmotivação, a falta de disposição para o trabalho não pudessem ser punidos com
a demissão, implicaram em um forte aumento da ineficiência do serviço público. Conforme observa o
documento da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental
(1994: 19):
“Relativamente à questão da estabilidade, é essencial a revisão da sua sistemática de
aquisição e manutenção. Mantida, como deve, a regra de que os servidores somente podem
ser demitidos por processo judicial ou administrativo, onde lhes seja assegurada ampla
defesa, impõe-se tornar o processo administrativo mais ágil e flexível e menos oneroso...”
~ 411 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

O grande mérito da Constituição de 1988 foi ter tornado obrigatório o concurso público para a
admissão de todo e qualquer funcionário. Este foi sem dúvida um grande avanço, na medida que
dificultou o empreguismo público. Também aí, entretanto, verificaram-se exageros. Acabou-se com a
prática condenável dos concursos internos, mas isto implicou na impossibilidade de se promoverem
funcionários internamente. Enquanto no setor privado a promoção interna é uma prática consagrada,
no serviço público brasileiro tornou-se inviável. Por outro lado, nos cargos para os quais seria mais
apropriado um processo seletivo mais flexível ainda que público e transparente passou-se a exigir
todas as formalidades do concurso. Autarquias, fundações e até empresas de economia mista foram
constrangidas a realizar concursos, quando poderiam ter sido simplesmente obrigadas a selecionar seus
funcionários de forma pública e transparente.
A promoção interna foi reservada exclusivamente para a ascensão dentro de uma carreira. Esta
reserva partiu do pressuposto de que para a instauração de um regime burocrático clássico é essencial o
estabelecimento de um sistema formal de ascensão burocrática, que começa por um concurso público,
e depois passa por um longo processo de treinamentos sucessivos, avaliações de desempenho e exames
formais. Ocorre, entretanto, que carreiras burocráticas dignas desse nome não foram instaladas no
serviço público brasileiro. Apenas entre militares pode-se falar de carreira no Brasil. 29
Uma carreira burocrática propriamente dita dura em média 30 anos, no final da qual o servidor
deverá estar ganhando cerca de 3 vezes mais do que começou a ganhar no início da carreira. Para
chegar ao topo da carreira ele demorará no mínimo 20 anos.28 Esse tipo de carreira está obviamente
superado em uma sociedade tecnologicamente dinâmica, em plena Terceira Revolução Industrial. Nem
a Constituição de 1988, nem os servidores federais e políticos brasileiros, entretanto, foram capazes de
reconhecer abertamente este fato. Continuaram a afirmar que o estabelecimento de carreiras,
acompanhado de um correspondente sistema de treinamento e de avaliação, resolveria, senão todos, a
maioria dos problemas da administração pública brasileira. A carreira tornou-se, na verdade, o grande
mito de Brasília. Mito porque se prega a instauração das carreiras, ao mesmo tempo que, de fato, não
se acredita nelas, e se as destrói na prática.30
A destruição das carreiras é realizada através da introdução de gratificações de desempenho que
reduzem radicalmente a amplitude das carreiras - ou seja, a distância percentual entre a remuneração
inicial e a final. Essa amplitude deveria ser de 200 ou 300 por cento, mas nos últimos anos passou a
girar no Brasil em torno de 20 por cento, exceto no caso das carreiras militares. A amplitude da
carreira de auditor do tesouro nacional, por exemplo, reduziu-se a 6 por cento. A de uma carreira
recém criada, como a dos gestores, reduziu-se a 26 por cento. Através desse processo de redução da
amplitude das carreiras elas foram na prática reduzidas a simples cargos.

29
Era possível também falar-se em carreira entre os diplomatas. A introdução de uma gratificação de
desempenho em 1995, porém, reduziu drasticamente a amplitude da carreira diplomática, que, assim ficou
equiparada às demais carreiras civis.
30
Segundo Abrucio (1993: 74), por exemplo, “na administração pública federal brasileira a questão dos planos
de carreira é fundamental na medida que a maioria dos servidores públicos brasileiros carece de um horizonte
profissional definido”. Nesse trabalho o autor enumera de forma realista os obstáculos à existência de carreiras.
Não percebe, porém, como aliás praticamente ninguém percebia no Brasil na época, que esses obstáculos
derivavam menos do patrimonialismo ou da incompetência dos dirigentes políticos, e mais das mudanças
tecnológicas dramáticas ocorridas no mundo, com profundas implicações na reformulação da administração
pública.
~ 412 ~
Material para fins didático

Por que ocorreu esse fato? Porque Brasília na verdade não acredita no seu próprio mito. Porque,
em um mundo em transformação tecnológica acelerada, em que a competência técnica não tem
qualquer relação com a idade dos profissionais, os servidores jovens não estão dispostos a esperar 20
anos para chegar ao topo da carreira.
Como, por outro lado, não é possível eliminar as etapas e as correspondentes carências de tempo
das carreiras, nem se pode aumentar facilmente o nível de remuneração de cada carreira, o mais prático
foi reduzir sua amplitude, aumentando a remuneração dos níveis inferiores.
Isto não significa, entretanto, que não existam carreiras na administração pública brasileira. Sem
dúvida elas existem, conforme muito bem as analisou Ben Ross Schneider (1994, 1995). São antes
carreiras pessoais do que carreiras formais. São carreiras extremamente flexíveis, constituída por
funcionários que formam a elite do Estado. Estes funcionários circulam intensamente entre os diversos
órgãos da administração, e, ao se aposentarem, tendem a ser absorvidos pelo setor privado. Se
Schneider acrescentasse que a ocupação de DAS faz parte integrante desse processo instável e flexível,
mas mais baseado no mérito do que ele supõe, teríamos um bom quadro do sistema de carreiras
informais existentes na alta burocracia brasileira. Um quadro que poderá ser aperfeiçoado com a
adoção de uma concepção moderna de carreira que compreenda: ampla mobilidade do servidor,
possibilidade de ascensão rápida aos mais talentosos; estruturas em “Y” que valorizem tanto as
funções de chefia quanto de assessoramento; versatilidade de formação e no treinamento permitindo
perfis bem diferenciados entre os seus integrantes.
A relação entre os DASs e as carreiras nos leva a um outro mito burocrático de Brasília: o mito
de que os DASs são um mal. Seriam a forma através da qual o sistema de carreiras seria minado,
abrindo espaço para a contratação, sem concurso, de pessoal sem competência. Na verdade, os DASs,
ao permitirem a remuneração adequada de servidores públicos - que constituem 75 por cento do total
de portadores de DAS, conforme podemos verificar pela Tabela 1, constituem-se em uma espécie de
carreira muito mais flexível e orientada para o mérito. Existe em Brasília um verdadeiro mercado de
DASs, através do qual os ministros e altos administradores públicos, que dispõem dos DASs, disputam
com essa moeda os melhores funcionários brasileiros. Se for concretizado o plano, ainda em
elaboração, de reservar de forma crescente os DASs para servidores públicos, o sistema de DAS, que
hoje já é um fator importante para o funcionamento da administração pública federal, transformar-se-á
em um instrumento estratégico da administração pública gerencial.
A Tabela 1 nos oferece, aliás, um bom quadro da alta administração pública federal presente no
Poder Executivo. A remuneração média dos administradores varia da média de 2.665 para os
portadores de DAS-1 para 6.339 reais de média para os portadores de DAS-6. A porcentagem média
de portadores de DAS que são servidores públicos baixa de 78,5 por cento para o DAS-1 para 48,4 por
cento para os portadores de DAS-6. O nível de educação aumenta com o aumento do DAS enquanto
que a porcentagem de mulheres diminui à medida que transitamos de DAS-1 para DAS-6. No total são
17.227 os portadores da DAS, correspondendo a cerca de 3 por cento do total de servidores ativos.
~ 413 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Através dos seus mitos Brasília justifica a ineficiência e a baixa qualidade do serviço público
federal. Ao mesmo tempo, entretanto, revela a falta de uma política clara para o serviço público.
Enquanto se repetem mitos burocráticos, como é o caso do mito positivo da carreira e do mito negativo
de que os DASs constituem um mal, o serviço público brasileiro não logra se tornar um sistema
plenamente burocrático, já que esse é um sistema superado, que está sendo hoje abandonado em todo o
mundo, em favor de uma administração pública gerencial. E por esse mesmo motivo não consegue
fazer a sua passagem para uma administração pública moderna, eficiente, controlada por resultados,
voltada para o atendimento do cidadão-cliente. Ao invés disso, fica acariciando um ideal superado e
irrealista de implantar no final do século XX um tipo de administração pública que se justificava na
Europa, na época do Estado liberal, como um antídoto ao patrimonialismo, mas que hoje não mais se
justifica.

Os Dois Objetivos e os Setores do Estado


A partir de 1995, com o governo Fernando Henrique, surge uma nova oportunidade para a
reforma do Estado em geral, e, em particular, do aparelho do Estado e do seu pessoal. Esta reforma
terá como objetivos: a curto prazo, facilitar o ajuste fiscal, particularmente nos Estados e municípios,
onde existe um claro problema de excesso de quadros; a médio prazo, tornar mais eficiente e moderna
a administração pública, voltando-a para o atendimento dos cidadãos.
O ajuste fiscal será realizado principalmente através da exoneração de funcionários
por excesso de quadros, da definição clara de teto remuneratório para os servidores, e
através da modificação do sistema de aposentadorias, aumentando-se o tempo de serviço
exigido, a idade mínima para aposentadoria, exigindo-se tempo mínimo de exercício no
serviço público e tornando o valor da aposentadoria proporcional à contribuição. As três
~ 414 ~
Material para fins didático

medidas exigirão mudança constitucional. A primeira será aplicada nos estados e


municípios, não na União, já que nela não existe excesso de quadros. A segunda e a
18
terceira também na União. Uma alternativa às dispensas por excesso de quadros, que
provavelmente será muito usada, será o desenvolvimento de sistemas de exoneração
desligamento voluntário. Nestes sistemas os administradores escolhem a população de
funcionários passíveis de exoneração e propõem que uma parte deles se exonere
voluntariamente em troca de indenização e treinamento para a vida privada. Diante da
possibilidade iminente de dispensa e das vantagens oferecidas para o desligamento
voluntário, um número substancial de servidores se apresentará.30
Já a modernização ou o aumento da eficiência da administração pública será o
resultado a médio prazo de um complexo projeto de reforma, através do qual se buscará a
um só tempo fortalecer a administração pública direta ou o “núcleo estratégico do Estado”,
e descentralizar a administração pública através da implantação de “agências autônomas”
e de “organizações sociais” controladas por contratos de gestão. Nestes termos, a reforma
proposta não pode ser classificada como centralizadora, como foi a de 1936, ou
descentralizadora, como pretendeu ser a de 1967. Nem, novamente, centralizadora, como
foi a contra-reforma embutida na Constituição de 1988. Em outras palavras, a proposta
não é a de continuar no processo cíclico que caracterizou a administração pública
brasileira (Pimenta, 1994), alternando períodos de centralização e de descentralização,
mas a de, ao mesmo tempo, fortalecer o a competência administrativa do centro e a
autônoma das agências e das organizações sociais. O elo de ligação entre os dois sistemas
será o contrato de gestão, que o núcleo estratégico deverá aprender a definir e controlar, e
as agências e organizações sociais, a executar.31
A proposta de reforma do aparelho do Estado parte da existência de quatro setores
dentro do Estado: (1) o núcleo estratégico do Estado, (2) as atividades exclusivas de
Estado, (3) os serviços não-exclusivos ou competitivos, e (4) a produção de bens e
serviços para o mercado.
No núcleo estratégico são definidas as leis e políticas públicas. É um setor
relativamente pequeno, formado no Brasil, a nível federal, pelo Presidente da República,
pelos ministros de Estado e a cúpula dos ministérios, responsáveis pela definição das
políticas públicas, pelos tribunais federais encabeçados pelo Supremo Tribunal Federal e
~ 415 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

30 - A primeira experiência importante e bem sucedida de demissão voluntária no serviço


público brasileiro ocorreu no Banco do Brasil em 1995. O banco possuía 130 mil
funcionários. Apontou 50 mil como passíveis de demissão e ofereceu indenização para que
cerca de 15 mil funcionários se demitissem voluntariamente. Depois de uma agitada
intervenção dos sindicatos, obtendo liminares em juizes de primeira instância imbuídos de
espírito burocrático, a política foi declarada legal. Apresentaram-se 16 mil para a demissão
voluntária.
31 - Segundo Pimenta (1994: 154): “A institucionalização do função-administração no
governo federal ocorre durante todo o período republicano brasileiro de forma cíclica... O
Brasil viveu um processo de centralização organizacional no setor público nas décadas de
30 a 50, com o predomínio da administração direta e de funcionários estatutários. Já nas
décadas de 60 a 80 ocorreu um processo de descentralização, através da expansão da
administração indireta e da contratação de funcionários celetistas. O momento iniciado
com a Constituição de 1988 indica a intenção de se centralizar novamente (regime jurídico
único - estatutário)”.
19
pelo Ministério Público. A nível estadual e municipal existem correspondentes núcleos
estratégicos.
As atividades exclusivas de Estado são aquelas em que o “poder de Estado”, ou
seja, o poder de legislar e tributar é exercido. Inclui a polícia, as forças armadas, os órgãos
de fiscalização e de regulamentação, e os órgãos responsáveis pelas transferências de
recursos, como o Sistema Unificado de Saúde, o sistema de auxílio-desemprego, etc.
Os serviços não-exclusivos ou competitivos do Estado são aqueles que, embora
não envolvendo poder de Estado, o Estado realiza e/ou subsidia porque os considera de
alta relevância para os direitos humanos, ou porque envolvem economias externas, não
podendo ser adequadamente recompensados no mercado através da cobrança dos serviços.
Finalmente, a produção de bens e serviços para o mercado é realizada pelo Estado
através das empresas de economia mista, que operam em setores de serviços públicos e/ou
em setores considerados estratégicos.
Em cada um desses setores será necessário considerar (1) qual o tipo de
propriedade e (2) qual o tipo de administração pública mais adequados. Examinemos o
primeiro problema. A Figura 1 resume as relações entre essas variáveis.
~ 416 ~
Material para fins didático

Propriedade Estatal e Privatização


No núcleo estratégico e nas atividades exclusivas de Estado a propriedade deverá ser, por
definição, estatal. O núcleo estratégico usará, além dos instrumentos tradicionais -
aprovação de leis (Congresso), definição de políticas públicas (Presidência e cúpula dos
ministérios) e emissão de sentenças e acórdãos (Poder Judiciário) - de um novo
instrumento, que só recentemente vem sendo utilizado pela administração pública: o
contrato de gestão. Através do contrato de gestão o núcleo estratégico definirá os objetivos
das entidades executoras do Estado e os respectivos indicadores de desempenho, e
garantirá a essas entidades os meios humanos, materiais e financeiros para sua
consecução. As entidades executoras serão, respectivamente, as “agências autônomas”, no
setor das atividades exclusivas de Estado, e as “organizações sociais” no setor dos serviços
não-exclusivos de Estado.
As atividades exclusivas de Estado deverão ser em princípio organizadas através
do sistema de “agencias autônomas”. Uma agência autônoma deverá ter um dirigente
nomeado pelo respectivo Ministro, com o qual será negociado o contrato de gestão. Uma
vez estabelecidos os objetivos e os indicadores de desempenho não apenas qualitativos
mas também quantitativos, o dirigente terá ampla liberdade para gerir o orçamento global
recebido; poderá administrar seus funcionários com autonomia no que diz respeito a
admissão, demissão e pagamento; e poderá realizar compras apenas obedecendo os
princípios gerais de licitação.
20
Figura 1: Setores do Estado, Formas de Propriedade e de Administração
FORMA DE PROPRIEDADE FORMA DE
ADMINISTRAÇÃO
Estatal Pública
Não-
Estatal
Privada Burocrática Gerencial
NÚCLEO
ESTRATÉGICO
Legislativo, Judiciário,
Presidência, Cúpula dos
~ 417 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Ministérios
ATIVIDADES
EXCLUSIVAS
Polícia, Regulamentação
Fiscalização, Fomento,
Seguridade Social Básica
SERVIÇOS
NÃO-EXCLUSIVOS
Universidades, Hospitais,
Centros de Pesquisa,
Museus
Publicização
PRODUÇÃO PARA O
MERCADO
Empresas Estatais
Privatização
Fonte: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (1995) Plano Diretor da
Reforma do Estado.
No outro extremo, no setor de bens e serviços para o mercado, a produção deverá
ser em princípio realizada pelo setor privado. Daí o programa de privatização em curso.
Pressupõe-se que as empresas serão mais eficientes se controladas pelo mercado e
administradas privadamente. Daí deriva o princípio da subsidiariedade: só deve ser estatal
a atividade que não puder ser controlada pelo mercado. Além disso, a crise fiscal do
Estado retirou-lhe capacidade de realizar poupança forçada e investir nas empresas
estatais, tornando-se aconselhável privatizá-las. Esta política está de acordo com a
concepção de que o Estado moderno, que prevalecerá no século XXI, deverá ser um
Estado regulador e transferidor de recursos, e não um Estado executor. As empresas
podem, em princípio, serem controladas pelo mercado, onde prevalece o princípio da
troca. O princípio da transferência, que rege o Estado, não se aplica a elas; por isso e
devido ao princípio da subsidiariedade, as empresas devem ser privadas.
Este princípio não é absolutamente claro no caso dos monopólios naturais, em que
o mercado não tem condições de funcionar; nesse caso, a privatização deverá ser
~ 418 ~
Material para fins didático

acompanhada de um processo criterioso de regulação de preços e qualidade dos serviços.


Não é também totalmente claro no caso de setores monopolistas, em que se possam
realizar grandes lucros - uma forma de poupança forçada - e em seguida reinvesti-los no
próprio setor. Nessas circunstâncias poderá ser economicamente interessante manter a
21
empresa na propriedade do Estado. Os grandes investimentos em infra-estrutura no Brasil
entre os anos 40 e os anos 70, foram financiados principalmente dessa forma. Finalmente
esse princípio pode ser discutido no caso de setores estratégicos, como é o caso do
petróleo, em que pode haver interesse em uma regulação estatal mais cerrada, implicando
em propriedade estatal. Essa é uma das razões da decisão do governo brasileiro de manter
a Petrobrás sob controle estatal.
Propriedade Pública Não-Estatal
Finalmente devemos analisar o caso das atividades não-exclusivas de Estado. Nossa
proposta é de que a forma de propriedade dominante deverá ser a pública não-estatal.
No capitalismo contemporâneo as formas de propriedade relevantes não são apenas
duas, como geralmente se pensa, e como a divisão clássica do Direito entre Direito
Público e Privado sugere - a propriedade privada e a pública -, mas são três: (1) a
propriedade privada, voltada para a realização de lucro (empresas) ou de consumo privado
(famílias); (2) a propriedade pública estatal; e (3) a propriedade pública não-estatal. A
confusão não deriva da divisão bipartite do Direito, mas do fato de que, em seguida, o
Direito Público foi confundido ou identificado com o Direito Estatal, enquanto o Direto
Privado foi entendido como englobando as instituições não-estatais sem fins lucrativos,
que, na verdade, são públicas. 32
Com isto estou afirmando que o público não se confunde com o estatal. O espaço
público é mais amplo do que o estatal, já que pode ser estatal ou não-estatal. No plano do
dever-ser o estatal é sempre público, mas na prática, não é: o Estado pré-capitalista era, em
última análise, privado, já que existia para atender às necessidades do príncipe; no mundo
contemporâneo o público foi conceitualmente separado do privado, mas vemos todos os
dias as tentativas de apropriação privada do Estado.
É pública a propriedade que é de todos e para todos. É estatal a instituição que
detém o poder de legislar e tributar, é estatal a propriedade que faz parte integrante do
aparelho do Estado, sendo regida pelo Direito Administrativo. É privada a propriedade que
~ 419 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

se volta para o lucro ou para o consumo dos indivíduos ou dos grupos. De acordo com
essa concepção uma fundação “de Direito Privado”, embora regida pelo Direito Civil, é
32 - Conforme observa Bandeira de Mello,(1975: 14) para o jurista ser propriedade privada
ou pública não é apenas um título, é a submissão a um específico regime jurídico: um
regime de equilíbrio comutativo entre iguais (regime privado) ou a um regime de
supremacia unilateral, caracterizado pelo exercício de prerrogativas especiais de
autoridade e contenções especiais ao exercício das ditas prerrogativas (regime público).
“Saber se uma atividade é pública ou privada é mera questão de indagar do regime jurídico
a que se submete. Se o regime que a lei lhe atribui é público, a atividade é pública; se o
regime é de direito privado, privada se reputará a atividade, seja, ou não, desenvolvida
pelo Estado. Em suma: não é o sujeito da atividade, nem a natureza dela que lhe outorgam
caráter público ou privado, mas o regime a que, por lei, for submetida”. Estou
reconhecendo este fato ao considerar as propriedade pública não-estatal como regida pelo
Direito Privado; ela é pública do ponto de vista dos seus objetivos, mas privada sob o
ângulo jurídico.
22
uma instituição pública, na medida que está voltada para o interesse geral. Em princípio
todas as organizações sem fins lucrativos são ou devem ser organizações públicas nãoestatais.
33 Sem dúvida poderíamos dizer que, afinal, continuamos apenas com as duas
formas clássicas de propriedade: a pública e a privada, mas com duas importantes
ressalvas: primeiro, a propriedade pública se subdivide em estatal e não-estatal, ao invés
de se confundir com a estatal; e segundo, as instituições de Direito Privado voltadas para o
interesse público e não para o consumo privado não são privadas mas públicas nãoestatais.
34
O reconhecimento de um espaço público não-estatal tornou-se particularmente
importante em um momento em que a crise do Estado aprofundou a dicotomia Estadosetor
privado, levando muitos a imaginar que a única alternativa à propriedade estatal é a
privada. A privatização é uma alternativa adequada quando a instituição pode gerar todas
as suas receitas da venda de seus produtos e serviços, e o mercado tem condições de
assumir a coordenação de suas atividades. Quando isto não acontece, está aberto o espaço
para o público não-estatal. Por outro lado, no momento em que a crise do Estado exige o
reexame das relações Estado-sociedade, o espaço público não-estatal pode ter um papel de
~ 420 ~
Material para fins didático

intermediação ou pode facilitar o aparecimento de formas de controle social direto e de


parceria, que abrem novas perspectivas para a democracia. Conforme observa Cunil Grau
(1995: 31-32):
“A introdução do ‘público’ como uma terceira dimensão, que supera a visão
dicotômica que enfrenta de maneira absoluta o ‘estatal’ com o ‘privado’, está
indiscutivelmente vinculada à necessidade de redefinir as relações entre
Estado e sociedade... O público, ‘no Estado’ não é um dado definitivo, mas um
processo de construção, que por sua vez supõe a ativação da esfera pública
social em sua tarefa de influir sobre as decisões estatais”.
Finalmente, no setor dos serviços não-exclusivos de Estado, a propriedade deverá
ser em princípio pública não-estatal. Não deve ser estatal porque não envolve o uso do
poder-de-Estado. E não deve ser privada porque pressupõe transferências do Estado. Deve
ser pública para justificar os subsídios recebidos do Estado. O fato de ser pública nãoestatal,
por sua vez, implicará na necessidade da atividade ser controlada de forma mista
pelo mercado e pelo Estado. O controle do Estado, entretanto, será necessariamente
antecedido e complementado pelo controle social direto, derivado do poder dos conselhos
de administração constituídos pela sociedade. E o controle do mercado se materializará na
cobrança dos serviços. Desta forma a sociedade estará permanente atestando a validade
dos serviços prestados, ao mesmo tempo que se estabelecerá um sistema de parceria ou de
co-gestão entre o Estado e a sociedade civil.
33 - “São ou devem ser” porque uma entidade formalmente pública, sem fins lucrativos,
pode, na verdade, sê-lo. Nesse caso trata-se de uma falsa entidade pública. São comuns
casos desse tipo.
34 - Essas instituições são impropriamente chamadas de “organizações nãogovernamentais”
na medida que os cientistas políticos nos Estados Unidos geralmente
confundem governo com Estado. É mais correto falar em organizações não-estatais, ou,
mais explicitamente, públicas não-estatais.
23
Na União os serviços não-exclusivos de Estado mais relevantes são as
universidades, as escolas técnicas, os centros de pesquisa, os hospitais e os museus. A
reforma proposta é a de transformá-los em um tipo especial de entidade não-estatal, as
organizações sociais. A idéia é transformá-los, voluntariamente, em “organizações
~ 421 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

sociais”, ou seja, em entidades que celebrem um contrato de gestão com o Poder


Executivo e contem com autorização do parlamento para participar do orçamento público.
Organização social não é, na verdade, um tipo de entidade pública não-estatal, mas uma
qualidade dessas entidades, declarada pelo Estado.
O aumento da esfera pública não-estatal aqui proposto não significa em absoluto a
privatização de atividades do Estado. Ao contrário, trata-se de ampliar o caráter
democrático e participativo da esfera pública, subordinada a um Direito Público renovado
e ampliado. Conforme observa Tarso Genro (1996):
“A reação social causada pela exclusão, pela fragmentação, a emergência de
novos modos de vida comunitária (que buscam na influência sobre o Estado o
resgate da cidadania e da dignidade social do grupo) fazem surgir uma nova
esfera pública não-estatal... Surge, então, um novo Direito Público como
resposta à impotência do Estado e dos seus mecanismos de representação
política. Um Direito Público cujas regras são às vezes formalizadas, outras
não, mas que ensejam um processo cogestionário, que combina democracia
direta - de participação voluntária - com a representação política prevista pelas
normas escritas oriundas da vontade estatal”.
A transformação dos serviços não-exclusivos de Estado em propriedade pública
não-estatal e sua declaração como organização social se fará através de um “programa de
publicização”, que não deve ser confundido com o programa de privatização, na medida
que as novas entidades conservarão seu caráter público e seu financiamento pelo Estado.
O processo de publicização deverá assegurar o caráter público, mas de direito privado da
nova entidade, assegurando-lhes, assim, uma autonomia administrativa e financeira maior.
Para isto será necessário extinguir as atuais entidades e substituí-las por fundações
públicas de direito privado, criadas por pessoas físicas. Desta forma se evitará que as
organizações sociais sejam consideradas entidades estatais, como aconteceu com as
fundações de direito privado instituídas pelo Estado, e assim submetidas a todas as
restrições da administração estatal. As novas entidades receberão por cessão precária os
bens da entidade extinta. Os atuais servidores da entidade transformar-se-ão em uma
categoria em extinção e ficarão à disposição da nova entidade. O orçamento da
organização social será global; a contratação de novos empregados será pelo regime da
Consolidação das Leis do Trabalho; as compras deverão estar subordinadas aos princípios
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Material para fins didático

da licitação pública, mas poderão ter regime próprio. O controle dos recursos estatais
postos à disposição da organização social será feito através de contrato de gestão, além de
estar submetido à supervisão do órgão de controle interno e do Tribunal de Contas.
Tipos de Administração Mais Adequados
O objetivo geral da reforma administrativa será transitar de uma administração pública
burocrática para a gerencial. Esta mudança, entretanto, não poderá ser realizada de um dia
para o outro. Nem deverá ocorrer com a mesma intensidade nos diversos setores. Na
24
verdade a administração pública gerencial deve ser construída sobre a administração
pública burocrática. Não se trata de fazer tábula rasa desta, mas aproveitar suas conquistas,
os aspectos positivos que ela contém, ao mesmo tempo que se vai eliminando o que já não
serve.
Instituições burocráticas como a exigência de concurso ou de processo seletivo
público, de um sistema universal de remuneração, de carreiras formalmente estruturadas, e
de um sistema de treinamento devem ser conservadas e aperfeiçoadas, senão implantadas,
visto que até hoje não o foram, apesar de toda a ideologia burocrática que tomou conta de
Brasília entre 1985 e 1994. Nestes termos, é preciso e conveniente continuar os esforços
no sentido da instalação de uma administração pública burocrática no país.
Estas instituições, entretanto, devem ser suficientemente flexíveis para não
conflitar com os princípios da administração pública gerencial. Devem, principalmente,
não impedir a recompensa do mérito pessoal desvinculado de tempo de serviço e não
aumentar as limitações à iniciativa e criatividade do administrador público em administrar
seus recursos humanos e materiais. E o treinamento, conforme observa Oslak (1995), deve
estar prioritariamente relacionado com as necessidades e programas de um novo Estado
que se quer implantar, ao invés de subordinar-se às etapas de uma carreira, como quer a
visão burocrática.
Por outro lado, a combinação de princípios gerenciais e burocráticos deverá variar
de acordo com o setor. A grande qualidade da administração pública burocrática é a sua
segurança e efetividade. Por isso, no núcleo estratégico, onde essas características são
muito importantes, ela deverá estar ainda presente, em conjunto com a administração
pública gerencial. Já nos demais setores, onde o requisito de eficiência é fundamental dado
o grande número de servidores e de cidadãos-clientes ou usuários envolvidos, o peso da
~ 423 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

administração pública burocrática deverá ir diminuindo até praticamente desaparecer no


setor das empresas estatais. Conforme observa Roberto Cavalcanti de Albuquerque (1995:
36):
“É duvidoso que esse novo paradigma (que Albuquerque chama de
‘paradigma empresarial de governo’, em oposição ao ‘paradigma de gestão
político-administrativa’)... deva substituir inteiramente, em especial nos
órgãos que diretamente exercem os poderes conferidos ao Estado, o modelo de
gestão político-administrativa.”
A reforma da administração pública será executada em três dimensões: (1) uma
dimensão institucional-legal, através da qual se modificam as leis e se criam ou modificam
instituições; (2) uma dimensão cultural, baseada na mudança dos valores burocráticos para
os gerenciais; e (3) uma dimensão-gestão.
Na dimensão institucional-legal será preciso modificar a Constituição, as leis e
regulamentos. Em um país cujo Direito tem origem romana e napoleônica, qualquer
reforma do Estado implica em uma ampla modificação do sistema legal.
A dimensão cultural da reforma significa, de um lado, sepultar de vez o
patrimonialismo, e, de outro, transitar da cultura burocrática para a gerencial. Tenho dito
que a cultura patrimonialista já não existe no Brasil, porque só existe como prática, não
como valor. Esta afirmação, entretanto, é imprecisa, já que as práticas fazem também parte
da cultura. O patrimonialismo, presente hoje sob a forma de clientelismo ou de
25
fisiologismo, continua a existir no país, embora sempre condenado. Para completar a
erradicação desse tipo de cultura pré-capitalista não basta condená-la, será preciso também
puni-la.
Por outro lado, o passo à frente representado pela transição para a cultura gerencial
é um processo complexo, mas que já está ocorrendo. Todo o debate que houve em 1995
sobre a reforma constitucional do capítulo da administração pública foi um processo de
mudança de cultura.
Finalmente, a dimensão-gestão será a mais difícil. Trata-se aqui de colocar em
prática as novas idéias gerenciais, e oferecer à sociedade um serviço público efetivamente
mais barato, melhor controlado, e com melhor qualidade. Para isto a criação das agências
autônomas, ao nível das atividades exclusivas de Estado, e das organizações sociais no
~ 424 ~
Material para fins didático

setor público não-estatal serão as duas tarefas estratégicas. Inicialmente teremos alguns
laboratórios, onde as novas práticas administrativas sejam testadas com o apoio do
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, mas depois é de se esperar que
as próprias unidades que devem ser transformadas e os respectivos núcleos estratégicos
tomem a iniciativa da reforma.
Perspectivas da Reforma
Um ano depois de iniciada, posso afirmar hoje que as perspectivas em relação à reforma
da administração pública são muito favoráveis. Quando o problema foi colocado pelo
novo governo, no início de 1995, a reação inicial da sociedade foi de descrença, senão de
irritação. Na verdade, caiu uma tempestade sobre mim. A imprensa adotou uma atitude
cética, senão abertamente agressiva. Várias pessoas sugeriram-me que "deveria falar
menos e fazer mais", como se fosse possível mudar a Constituição sem antes realizar um
amplo debate. Atribuí essa reação à natural resistência ao novo. Estava propondo um tema
novo para o país. Um tema que jamais havia sido discutido amplamente. Que não fora
objeto de discussão pública na Constituinte. Que não se definira como problema nacional
na campanha presidencial de 1994. Que só constava marginalmente dos programas de
governo. Em síntese, que não estava na agenda do país. 35
À resistência ao novo, entretanto, deve ter-se somado um segundo fator. Segundo
Przeworski (1995), o êxito da reforma do Estado depende da capacidade de cobrança dos
cidadãos. Ora, a cultura política no Brasil sempre foi antes autoritária do que democrática.
Historicamente o Estado não era visto como um órgão ao lado da sociedade, oriundo de
um contrato social, mas como uma entidade acima da sociedade. Desta forma, conforme
observa Luciano Martins (1995a: 35), "a responsabilidade política pela administração dos
recursos públicos foi raramente exigida como um direito de cidadania. Na verdade, o
princípio de que não há tributação sem representação é completamente estranho à cultura
35 - Para ser mais preciso, itens como a revisão da estabilidade do servidor constavam das
propostas de emenda constitucional do Governo Collor; foram produto, em grande parte,
do trabalho de setores esclarecidos da burocracia preocupados em dotar aquele governo de
um programa melhor estruturado na sua segunda fase, após ampla restruturação
ministerial.
26
política brasileira". Não constitui surpresa, portanto, que a reação inicial às propostas,
~ 425 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

quando elas estavam ainda sendo formuladas, foi tão negativa.


Entretanto, depois de alguns meses de insistência por parte do governo em discutir
questões como a estabilidade dos servidores, seu regime de trabalho, seu sistema de
previdenciário, e os tetos de remuneração, começaram a surgir os apoios: dos
governadores, dos prefeitos, da imprensa, da opinião pública, e da alta administração
pública. No final de 1995 havia uma convicção não apenas de que a reforma constitucional
tinha ampla condição de ser aprovada pelo Congresso, como também que era fundamental
para o ajuste fiscal dos estados e municípios, além de essencial para se promover a
transição de uma administração pública burocrática, lenta e ineficiente, para uma
administração pública gerencial, descentralizada, eficiente, voltada para o atendimento dos
cidadãos. A resistência à reforma localizava-se agora apenas em dois extremos: de um
lado, nos setores médios e baixos do funcionalismo, nos seus representantes corporativos
sindicais e partidários, que se julgam de esquerda; de outro lado, no clientelismo
patrimonialista ainda vivo, que temia pela sorte dos seus beneficiários, muitos dos quais
são cabos eleitorais ou familiares dos políticos de direita.
Fundamental, no processo de reforma, é o apoio da alta burocracia - um apoio que
está sendo obtido. Na Inglaterra, por exemplo, a reforma só se tornou possível quando a
alta administração pública britânica decidiu que estava na hora de reformar, e que para isto
uma aliança estratégica com o Partido Conservador, que assumira o governo em 1979, era
conveniente. Mais amplamente, é fundamental o apoio das elites modernizantes do país,
que necessariamente inclui a alta administração pública. Conforme observa Piquet
Carneiro (1993: 150):
nas duas reformas administrativas federais (1936 e 1967), “esteve presente a
ação decisiva de uma elite de administradores, economistas e políticos -
autoritários ou não - afinados com o tema da modernização do Estado, e entre
eles prevaleceu o diagnóstico comum de que as estruturas existentes eram
insuficientes para institucionalizar o processo de reforma”.
Depois de um período natural de desconfiança para as novas idéias, este apoio vem
ocorrendo sob as mais diversas formas. Ele parte da convicção generalizada de que o
modelo implantado em 1988 foi irrealista, tendo agravado ao invés de resolver o
problema. O grande inimigo não é apenas o patrimonialismo, mas também o burocratismo.
O objetivo de instalar uma administração pública burocrática no país continua vivo, já que
~ 426 ~
Material para fins didático

jamais se logrou completar essa tarefa; mas tornou-se claro em 1995 que, para isto, é
necessário dar um passo além e caminhar na direção da administração pública gerencial,
que engloba e flexibiliza os princípios burocráticos clássicos.
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~ 429 ~
Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

Propostas básicas de TAYLOR, as 5 funções essenciais da GERENCIA ADMINISTRATIVA:


1-Planejar - Estabelece os objetivos da empresa, especificando a forma como estes vão ser
alcançados. Parte de uma sondagem do futuro, desenvolvendo um plano de ações para atingir as metas
traçadas. É a primeira das funções, já que servirá de base diretora à operacionalização das outras
funções.
2-Comandar - Faz com que os subordinados executem o que deve ser feito. Pressupõe-se que as
relações hierárquicas estejam claramente definidas, ou seja, que a forma como administradores e
subordinados se influenciam esteja explícita, assim como o grau de participação e colaboração de cada
um para a realização dos objetivos definidos.
3-Organizar - É a forma de coordenar todos os recursos da empresa, sejam humanos,
financeiros ou materiais, alocando-os da melhor forma segundo o planejamento estabelecido.
4-Controlar-Estabelecer padrões e medidas de desempenho que permitam assegurar que as
atitudes empregadas são as mais compatíveis com o que a empresa espera. O controle das atividades
desenvolvidas permite maximizar a probabilidade de que tudo ocorra conforme as regras estabelecidas
e ditadas.
5-Coordenar - A implantação de qualquer planejamento seria inviável sem a coordenação das
atitudes e esforços de toda a empresa, almejando as metas traçadas.
Apesar das decorrências negativas para a classe trabalhadora, que as propostas de TAYLOR
acarretaram não se pode deixar de admitir que, elas representaram um enorme avanço para o processo
de produção em massa.
Paralelo aos estudos de TAYLOR, HENRI FAYOL que era francês, defendia princípios
semelhantes na Europa, baseado em sua experiência na alta administração. Enquanto altos executivos
europeus estudavam os métodos de TAYLOR, os seguidores da, ADMINISTRAÇÃO CIENTIFICA,
só deixaram de ignorar a obra de FAYOL quandoela foi publicada nos USA. O atraso na difusão
generalizada das idéias de FAYOL fez com que grandes contribuintes do pensamento administrativo
desconhecessem seus princípios. FAYOL relacionou 14 princípios básicos que podem ser estudados
de forma complementar aos de TAYLOR, são eles:
1-Divisão do trabalho - Especialização dos funcionários desde o topo da hierarquia até os
operários da fábrica, assim, favorecendo a eficiência da produção aumentando a produtividade.
2-Autoridade e responsabilidade - Autoridade é o direito dos superiores darem ordens que
teoricamente serão obedecidas. Responsabilidade é a contrapartida da autoridade.
3-Unidade de comando - Um funcionário deve receber ordens de apenas um chefe, evitando
contra-ordens.
4-Unidade de direção - O controle único é possibilitado com a aplicação de um plano para
grupo de atividades com os mesmos objetivos.
5-Disciplina - Necessidade de estabelecer regras de conduta e de trabalho válidas pra todos os
funcionários. A ausência de disciplina gera o caos na organização.
6-Prevalência dos interesses gerais - Os interesses gerais da organização devem prevalecer
sobre os interesses individuais.
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Material para fins didático

7-Remuneração - Deve ser suficiente para garantir a satisfação dos funcionários e da própria
organização.
8-Centralização - As atividades vitais da organização e sua autoridade devem ser centralizadas.
9-Hierarquia - Defesa incondicional da estrutura hierárquica, respeitando à risca uma linha de
autoridade fixa.
10-Ordem - Deve ser mantida em toda organização, preservando um lugar pra cada coisa e cada
coisa em seu lugar.
11-Eqüidade - A justiça deve prevalecer em toda organização, justificando a lealdade e a
devoção de cada funcionário à empresa.
12-Estabilidade dos funcionários - Uma rotatividade alta tem consequências negativas sobre
desempenho da empresa e o moral dos funcionários.
13-Iniciativa - Deve ser entendida como a capacidade de estabelecer um plano e cumpri-lo.
14-Espírito de corpo - O trabalho deve ser conjunto, facilitado pela comunicação dentro da
equipe. Os integrantes de um mesmo grupo precisam ter consciência de classe, para que defendam
seus propósitos.
As cinco funções essenciais da gerencia administrativa defendida por TAYLOR, já conhecidas e
estudadas nas escolas de administração, são os fundamentos da TEORIA CLASSICA defendida por
FAYOL. Essa teoria considera: a obsessão pelo comando, a empresa como sistema fechado e a
manipulação dos trabalhadores, que semelhante a ADMINISTRAÇÃO CIENTIFICA, desenvolvia
princípios que buscavam explorar os trabalhadores.
Traçando um paralelo entre a ADMINISTRAÇÃO CIENTIFICA ,de TAYLOR e a
ADMINISTRAÇÃO CLÁSSICA de FAYOL conclui-se que:
-Enquanto Taylor estudava a empresa privilegiando as tarefas de produção, Fayol estudava a
empresa privilegiando as tarefas da organização.
A ênfase dada por TAYLOR era sobre a adoção de métodos racionais e padronizados e máxima
divisão de tarefas, enquanto FAYOL enfatizava a estrutura formal da empresa e a adoção de princípios
administrativos pelos altos escalões.
Na história da evolução da ADMINISTRAÇÃO não podemos esquecer uma contribuição muito
importante que foi a de ELTON GEROGE MAYO, criador da TEORIA DAS RELAÇÕES
HUMANAS, desenvolvida a partir de 1940 nos USA e mais recentemente com novas idéias com o
nome de TEORIA DO COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL. Foi basicamente o movimento
de reação e oposição a TEORIA DA ADMINISTRAÇÃO CLÁSSICA, com ênfase concentrada nas
PESSOAS.
Teve como origem: a necessidade de humanizar e democratizar a administração, o
desenvolvimento das ciências humanas (psicologia e sociologia), as idéias da filosofia pragmática de
JOHN DEWEY e da psicologia DINAMICA DE KURT LEWIN e as conclusões do Experimento de
HAWTHORNE, já estudado e discutido nas escolas de administração.
Em 1932, quando essa experiência foi suspensa j[a estavam definidos os princípios básicos da
Escola de RELAÇÕES HUMANAS, como: nível de produção como resultado da integração social, o
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

comportamento social do empregado, a formação de grupos informais, as relações interpessoais, a


importância do conteúdo do cargo e a ênfase nos aspectos emocionais.
A partir de 1950 foi desenvolvida a TEORIA ESTRUTURALISTA, preocupando-se em integrar
todas as Teorias das escolas acima, que teve inicio com a TEORIA DA BUROCRACIA DE MAX
WEBER, que se baseia na racionalidade, na adequação dos meios aos objetivos, para que se tenha o
máximo de eficiência.
Convém ainda mencionar a TEORIA DE SISTEMAS, desenvolvida a partir de 1970, que passou
a abordar a empresa com um sistema aberto em continua interação com o meio ambiente que o
envolve, e a TEORIA DA CONTINGENCIA, desenvolvida no final da década de 1970. Para essa
teoria a empresa e sua administração são variáveis dependentes do que ocorre no ambiente externo, a
medida que o meio ambiente muda, também ocorre mudanças da empresa e na sua administração. O
chamado Fator externo.
Assim sendo para encerrar os princípios fundamentais das teorias de TAYLOR, FAYOL,
MAYO e WEBER foram e serão sempre os pilares da evolução e desenvolvimento da ciência da
ADMINISTRAÇÃO, que vem motivando e impulsionando os estudos, pesquisas, trabalhos e obras de
seus seguidores até nossos dias.
Neste relato, tentei ser o mais claro possível tentando transmitir e comparar algumas das mais
conhecidas teorias sobre a ciência da administração. Espero que dissipem as duvidas de jovens
profissionais, que estão inseguros sobre a carreira a seguir. Administração envolve, não só as empresas
como também as pessoas que fazem parte delas, as relações internas entre funcionários, as relações
externas e as influências que o ambiente e a globalização exercem sobre elas.
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Material para fins didático

6 Ética

6.1 Introdução

6.2 Princípios para gerenciar a ética no serviço público


Um texto interessante que se coloca a disposição dos alunos de administração pública para
estudo e reflexão, diante um panorama de crises, falência e com tendências de agravamento.
INTRODUÇÃO
A observação de uma conduta impecável no serviço público passou a ser uma exigência crítica
para os governos dos países diante valores tradicionais, em falência, do serviço público; valores
questionados pelas reformas da gerência pública; questionamentos que implicam numa maior
atribuição de responsabilidades e de discricionariedade aos servidores públicos.
A globalização e os avanços no desenvolvimento das relações econômicas internacionais,
incluindo o comércio e o investimento, exigem, entre outras condições, parâmetros de conduta no
serviço público capazes de suscitar um amplo reconhecimento. Nesse contexto situa-se a prevenção
dos desvios de conduta que, apesar da complexidade desse fenômeno, torna-se necessário e desafiante
para contar com um leque de mecanismos integrados indispensáveis para alcançar o sucesso nesta
área, incluindo sistemas bem fundamentados para gerenciar a ética.
A crescente preocupação em torno do declínio da confiança no governo e da corrupção, levou os
governos a reverem suas posições em relação ao comportamento ético e, como respostas aos desafios
implícitos nessa preocupação, os países da Comunidade Europeia, - OECD desenvolveram doze de
princípios visando ajudar os países a revisar as instituições, os sistemas e os mecanismos de que
dispõem para promover a ética no serviço público. Com esses princípios que condensam a experiência
dos países da OCDE e refletem pontos de vista compartilhados em relação a uma gerência da ética
bem fundamentada, identificam-se as funções de orientação, gerência ou controle em relação às quais
podem ser comparados os sistemas de gerência da ética.
São princípios [vale dizer, instrumentos referenciais carentes de suficiências] para gerenciar a
ética no serviço público que possibilitarão aos países buscarem formas próprias de equilibrarem
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

aspirações e concepções a fim de concretizarem um marco efetivo adequado às suas próprias


circunstâncias, realidades, conveniências e possibilidades.
Tais princípios [com as devidas adaptações, ajustes etc.] podem ser utilizados pela gerência em
níveis nacionais e subnacionais de governo; pelos líderes políticos para revisarem regimes de gerência
da ética e avaliarem em que medida a mesma é operacionalizada nas dependências governamentais.
PRINCÍPIOS PARA A GERÊNCIA DA ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO
1) Os parâmetros que avaliam comportamentos, condutas, ações (...) éticos para o serviço
público deveriam ser claros [operacionais, exequíveis, objetivos etc.]. Os servidores públicos
necessitam conhecer os princípios básicos e os parâmetros que se espera que eles apliquem em seus
trabalhos e onde se encontram os limites de um comportamento aceitável. Uma declaração concisa,
bem divulgada dos parâmetros de ética essenciais e dos princípios que orientam o serviço público, por
exemplo, na forma de um código de conduta, pode cumprir essa diretriz, criando um consenso
compartilhado nas dependências governamentais e no seio da comunidade em geral.
2) Os parâmetros éticos deveriam estar refletidos num marco legal. O marco legal é a base para
a comunicação dos parâmetros mínimos e dos princípios de comportamento para todos os servidores
públicos. As leis e os regulamentos deveriam estabelecer os valores fundamentais do serviço público e
oferecer um marco de referência para a orientação, a pesquisa, a ação disciplinar e a efetivação dessa
ação.
3) A orientação ética deveria estar à disposição de todos os servidores públicos. A socialização
profissional deveria contribuir para o desenvolvimento dos conceitos e das aptidões, capacitando os
servidores públicos a aplicar princípios éticos em circunstâncias concretas. O treinamento propicia a
conscientização desde o ponto de vista ético e pode desenvolver as aptidões essenciais para a análise
ética e o raciocínio moral. Uma assessoria imparcial pode contribuir para criar um contexto no qual os
servidores públicos estejam mais propensos a enfrentar e a resolver tensões e problemas de índole
ética. Mecanismos de orientação e de consulta interna deveriam estar à disposição dos servidores
públicos para ajudá-los na aplicação de parâmetros éticos em seu trabalho.
4) Os servidores públicos deveriam conhecer seus direitos e obrigações caso seja descoberta
alguma atuação incorreta. Esse conhecimento é necessário para o reconhecimento de uma atuação
incorreta real ou suposta no serviço público. A esse respeito, deveriam incluir-se normas e
procedimentos claros a serem seguidos pelos funcionários e uma cadeia formal de responsabilidades.
Os servidores públicos necessitam saber qual é a proteção a que poderão ter direito caso em que seja
descoberta uma atuação incorreta.
5) O compromisso político com a ética deveria reforçar o comportamento ético dos servidores
públicos. Os líderes políticos são responsáveis pela manutenção de um elevado nível de honestidade
na realização de suas tarefas oficiais. Seu compromisso demonstra-se através do exemplo, levando a
cabo ações que somente são possíveis em nível político, por exemplo, estabelecendo acordos em torno
de disposições legislativas e institucionais capazes de reforçar o comportamento ético, gerando
sanções contra as formas incorretas de procedimento, oferecendo apoio e recursos adequados para as
atividades relacionadas com a ética em todas as dependências governamentais, e evitando a exploração
de normas e leis éticas com objetivos políticos.
6) O processo de tomada de decisões deveria ser transparente e aberto ao escrutínio. O público
tem direito de conhecer como as instituições públicas utilizam o poder e os recursos que lhes são
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Material para fins didático

confiados. O escrutínio público deveria ser facilitado por processos transparentes e democráticos,
supervisionado pelo Legislativo e acessível à informação pública. A transparência deveria ser
promovida cada vez mais através de medidas tais como a abertura dos sistemas e o reconhecimento do
papel desempenhado por meios de comunicação ativos e independentes.
7) Deveria haver diretrizes claras para a interação entre os setores público e privado. Normas
claras que definam os parâmetros éticos deveriam orientar os comportamento dos servidores públicos
nas suas relações com o setor privado, por exemplo, no que diz respeito à procuradoria pública, à
contratação externa ou às condições de emprego público. O incremento da interação entre os setores
público e privado requer que se preste uma maior atenção aos valores do serviço público e que se
exija dos participantes externos o respeito desses valores.
8) Os gerentes deveriam demonstrar e promover um comportamento ético. Um ambiente
organizacional no qual se promovam elevados níveis de comportamento através de incentivos
apropriados para o desenvolvimento desse tipo de conduta, tais como condições adequadas de trabalho
e uma efetiva avaliação do desempenho, exerce um impacto direto na prática cotidiana de valores e
parâmetros de ética no serviço público. Os gerentes desempenham um papel importante neste aspecto,
oferecendo uma liderança consistente e cumprindo o papel de modelo em termos de ética e de
comportamento na sua relação profissional com líderes políticos, com outros servidores públicos e
com os cidadãos.
9) Políticas, procedimentos e práticas de gerência deveriam promover um comportamento ético.
As políticas e as práticas de gerência deveriam demonstrar o compromisso da organização com os
parâmetros éticos. Não é suficiente para os governos terem, somente, estruturas baseadas na norma ou
no consentimento. Os sistemas baseados, exclusivamente, no consentimento podem, inadvertidamente,
estimular os servidores públicos a funcionar simplesmente no limite da ilegalidade, argumentando que
já que não estão violando as leis, estão atuando eticamente. As políticas governamentais não deveriam
apenas delinear os parâmetros mínimos a partir dos quais as ações dos funcionários não seriam
toleradas, mas articular também claramente, um conjunto de valores do serviço público aos quais os
empregados deveriam aspirar.
10) As condições do serviço público e a gerência de recursos humanos deveriam promover uma
conduta ética. As condições do emprego público, tais como as perspectivas de carreira, o
desenvolvimento pessoal, uma remuneração adequada e políticas de gestão dos recursos humanos
deveriam criar um ambiente propício ao comportamento ético. A adoção de princípios básicos, tais
como o merecimento, de forma consistente nos processos cotidianos de recrutamento e de promoção,
contribuem para a operacionalização da integridade no serviço público.
11) Mecanismos adequados de responsabilidade deveriam instalar-se no seio do serviço
público. Os servidores públicos deveriam ser responsáveis pelas suas ações junto a seus superiores, e
de maneira mais geral, junto ao público. A responsabilidade deveria centrar-se na aceitação de norma
e princípios éticos, bem como na obtenção de resultados. Os mecanismos de responsabilidade podem
ser internos a uma agência, ou estarem em vigor para todas as dependências governamentais, ou
podem ser colocados pela sociedade civil. Os mecanismos que promovem a responsabilidade podem
ser desenhados para oferecer controles adequados, ao mesmo tempo em que permite uma apropriada
flexibilidade gerencial.
12) Procedimento e sanções apropriadas deveriam existir para manejar os desvios de condutas.
Os mecanismos para a detecção e a investigação independente das ações incorretas, tais como a
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Coletânea de artigos técnicos para a fundamentação da administração pública

corrupção, constituem uma parte necessária da infraestrutura ética. É preciso contar com
procedimentos e recursos confiáveis para monitorar, informar e investigar as transgressões das normas
do serviço público, bem como para aplicar as correspondentes sanções administrativas ou disciplinares
com o efeito de desestimular essas transgressões. Os gerentes deveriam capacitar-se para fazerem uso
apropriado destes mecanismos quando se faz preciso empreender ações.

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