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A Essência da Constituição

LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. (6º Edição, Rio de Janeiro,


Editora Lumén Júris, 1998)

No livro “A essência da constituição”, Ferdinand Lassale discorre acerca do verdadeiro


cerne da constituição e suas aplicações na sociedade. O livro é divido em três capítulos
analisando, com exemplos práticos do ordenamento jurídico da Prússia, o contexto político e
social daquele país e, também, de outros momentos históricos, a fim de afirmar o significado
concreto de uma constituição. No sentido geral, a constituição seria, segundo o autor, “um
pacto entre o rei e o povo, estabelecendo os princípios alicerçais da legislação do governo dentro
do país” (LASSALE, 2001, p.06) ou ainda, no sentido republicano, “a lei fundamental
proclamada pela nação, na qual baseia-se a organização do direito público do país” (LASSALE,
2001, p.06). No entanto tais conclusões apenas descrevem exteriormente como se forma e o
que fazem a constituição e não explicam cabalmente o sentido da constituição.

Nesse sentido, a expressão “lei fundamental proclamada pela nação” é a mais próxima
do cerne da constituição. Ademais, a constituição não é uma lei qualquer, mas, sim, uma lei
fundamental da nação. E para tanto, é preciso que a lei fundamental seja uma lei básica; que
constitua o fundamento das outras leis (esteja irradiada através das leis comuns); e que possua
a necessidade se existir da maneira que é, ou seja, deve ser uma necessidade ativa de uma força
eficaz e determinante. Tal força eficaz e determinante é chamada pelo autor de “os fatores reais
do poder”, e esses fatores constroem ou estão dentro da constituição. A monarquia, - o rei a
quem o exército e os canhões obedecem-, a aristocracia, - a nobreza influente e bem vista pelo
rei-, a grande burguesia, os banqueiros, a pequena burguesia, e a classe operária são fatores
reais do poder e fazem parte da constituição. No entanto o poder organizado, - o exército com
um único propósito de obedecer ao rei e seus ideais, ainda que em menor número-, possui uma
coerção maior do que o poder inorgânico, -o povo, muitas vezes fragmentados por ideologias,
ainda que em maior número-, e acaba incorporando na constituição escrita os fatores reais de
poder absoluto de forma que a constituição é a “soma dos fatores reais do poder que regem uma
nação”. É por isso que, diante de uma força dominadora, é possível construir uma constituição
real aristocrata voltada para os interesses de poucos mesmo com uma constituição
“democrática” escrita em uma folha de papel1 e “vigente” no país, ou seja, a constituição real
muitas vezes não é equivalente à, da folha de papel.

Nessa perspectiva a constituição escrita teve origem em uma transformação nos


elementos reais do poder imperantes dentro do país. A exemplo da Prússia, desde o período
feudal até a monarquia absolutista não houve a implantação de uma constituição escrita, pois,
os fatores reais do poder eram absolutos na governança do país, porém, com o desenvolvimento
econômico, a progressão da burguesia e a revolução de 1948, houve a necessidade de se criar
uma constituição escrita. Todavia, mesmo com o aparecimento da constituição escrita, “todos
os países possuem ou possuíram sempre e em todos os momentos da sua história uma
constituição real e verdadeira” (LASSALE, 2001, p.27). A diferença são as constituições
escritas na folha de papel. Dessarte, a constituição escrita só será boa e eficaz quando
corresponder a real e tiver suas raízes nos fatores de poder que regem o país.

Diante dessa análise da essência da constituição feita por Lassale, é perceptível que os
fatores externos ao direito, sociedade, cultura, dominação, luta de classes, influenciam
diretamente na construção de uma constituição. Entretanto, não se pode esquecer da força
normativa e coercitiva do ordenamento jurídico que, como força de lei, também provoca o efeito
contrário, principalmente no direito público. O que se pode abstrair, além disso, é a prerrogativa
de uma constituição na maioria dos países modernos, escrita e positivada, amparada nos moldes
da teoria do direito positivo kelseniano, em que há uma certa rigidez da Carta Magna em ser
estática e promover uma certa segurança em observar princípios universais. Portanto, há uma
influência na organização de um pais nos dois sentidos e que para que uma constituição seja
realmente eficaz e boa para a sociedade é preciso que ela seja democrática e possua força
normativa, principalmente quando as forças reais do poder sejam desfavoráveis ao povo, e no
fim, a constituição real, sendo justa e igualitária, se iguale à “folha de papel”.

Ana Beatriz Marins Dos Santos. Acadêmica do Curso de Direito, da Universidade


Federal do Piauí.

1
Alusão, feita no livro pelo autor, à celebre frase de Frederico Guilherme IV, que disse: Julgo-me obrigado a
fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem para o futuro permitirei que entre Deus do
céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita como se fosse uma segunda providência.

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