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AREIA, 20 DE MARÇO DE 2020

DILATAÇÃO VÓLVULO-GÁSTRICA
CLÍNICA CIRÚRGICA DE PEQUENOS ANIMAIS

GABRIEL RODRIGUES DE MEDEIROS


GISELLY SANTANA DA SILVA
MÁRCIA KARINA GUEDES
DOCENTE: Dr. LUIZ EDUARDO CARVALHO BUQUERA
DILATAÇÃO VÓLVULO-GÁSTRICA
DEFINIÇÃO/EPIDEMIOLOGIA

A dilatação vólvulo-gástrica (DVG) ou torção gástrica é o alargamento


do estômago associado à rotação em seu eixo mesentérico (fig. 1). Acredita-se
que o aumento de volume gástrico está associado à obstrução funcional ou
mecânica da saída gástrica, embora a causa inicial da obstrução de fluxo seja
desconhecida. A taxa de mortalidade varia entre 20-45% em animais tratados.

Figura 1 – torção gástrica

Fonte: Fossum, 2014

Uma vez que o estômago dilata, os meios fisiológicos normais de remoção


de ar (eructação, vômito e esvaziamento pilórico) são prejudicados pela
obstrução dos orifícios esofágico e pilórico. O estômago se distende com a
acumulação do gás e/ou fluido. É provável que esse gás seja oriundo da
aerofagia, junto com a fermentação bacteriana de carboidratos, difusão da
corrente sanguínea e as reações metabólicas. Já o acúmulo do fluido se origina
da secreção gástrica normal e transudação de fluidos para dentro do lúmen
gástrico (secundária à congestão venosa).
Apesar do desconhecimento da causa, exercícios após a ingestão de
grandes refeições de comidas altamente processadas ou água, têm sido
sugeridos como contribuidores da DVG. Estudos epidemiológicos não apoiam
essa relação entre a afecção e a alimentação canina seca (com base em soja ou
cereal)1. Contudo, cães da raça Setter Irlandês (fig. 2), alimentados com um
único tipo de alimento, têm um risco aumentado comparado àqueles alimentados
com mais de uma ração. Já a adição de alimento humano ou alimento enlatado
à dieta de cães de porte grande/gigantes, é associada à diminuição da incidência
da doença.
Figura 2 - Irish Setter

Fonte: Getty Images

1
Um estudo sugeriu que cães alimentados com um grande volume de alimento por refeição,
independentemente do número de refeições/dia, estão com risco mais significativo de ter uma
DVG, bem como cães que recebem um volume maior de alimento em uma única refeição diária.,
(Raghavan et al., 2004).
FATORES PREDISPONENTES
• Animal macho
• Idade avançada
• Baixo peso
• Receber um grande volume de alimento por refeição
• Comer somente uma refeição/dia de grande volume
• Alimentar-se rapidamente
• Ter uma bacia de alimentação elevada (promove aerofagia)
• Temperamento medroso Predisposição anatômica
• Síndrome de obstrução intestinal
• Trauma
• Distúrbios primários de motilidade gástrica
• Vômito
• Estresse

OBS.: Ter um tórax mais profundo e estreito pode mudar o relacionamento


anatômico entre o estômago e o esôfago e prejudicar a habilidade do cão de
eructação.

Raças predispostas
• Cães de peito largo e profundo (Great Dane, Weimaraner, São Bernardo,
Pastores Alemães, Gordon Setters e Irlandeses, Doberman, Pinscher)
• Shar Pei (incidência aumentada comparadas a outras raças de porte
médio)
• Basset Hounds (apesar de seu tamanho relativamente pequeno)

RECOMENDAÇÕES PARA OS PROPRIETÁRIOS:


• Alimentar o animal com mínimo de duas refeições por dia no lugar de uma
grande refeição;
• Evitar estresse durante a alimentação (se necessário, separar os cães
durante a refeição);
• Restringir o exercício antes e logo após as refeições;
• Não colocar comedouro em posição elevada;
• Evitar criar cães com parente de primeiro grau com histórico de DVG;
• Para os cães predispostos, considerar a gastropexia profilática;
• Buscar assistência veterinária assim que os sinais de inchaço forem
percebidos;

FISIOPATOLOGIA:
Estômago: Gira em um sentido horário quando visto da perspectiva do cirurgião
(cão de costas e médico do lado do cão, orientado cranialmente). A rotação
pode ser de 90° a 360° graus (geralmente de 220° a 270°).
Duodeno e piloro: Movem-se ventralmente e para a esquerda da linha média e
se tornam deslocados entre o esôfago e estômago.
Baço: Se desloca para o lado direito ventral do abdômen.

Figura 3 – Fisiopatogenia

Compressão
da veia cava
caudal e Redução do Redução do
Isquemia do
veia porta retorno débito
Miocárdio
pelo venoso cardíaco
estômago
distendido

Na distensão abdominal, a pressão venosa central, volume sistólico,


pressão arterial média e o débito cardíaco ficam reduzidos (fig. 3). Choque
obstrutivo e perfusão inadequada de tecidos afetam vários órgãos, incluindo rins,
coração, pâncreas, estômago e intestino delgado.
As arritmias cardíacas ocorrem em muitos cães com DVG,
particularmente naqueles com necrose gástrica. O fator depressor do miocárdio
também tem sido reconhecido em cães afetados (é comum dano cardíaco). A
injúria da reperfusão tem sido responsabilizada, por muitos danos teciduais que,
por fim, levam à morte após a correção do DVG.

DVG parcial ou crônica:


Síndrome progressiva, mas sem risco de vida, onde o animal pode
apresentar vômito, anorexia e/ou perda de peso e podem ter sinais crônicos
intermitentes, mas sem dilatação.
As radiografias simples ou contrastadas permitem estabelecer o
diagnóstico, cuidando no mal posicionamento do estômago para não precisar
repeti-las.

DIAGNÓSTICO:
Realizado através de anamnese, histórico, exame físico, exames
radiográficos e laboratoriais.

SINAIS CLÍNICOS:
• Abdômen distendido
• Decúbito/depressão
• Dor/costas arqueadas
• Ânsia não produtiva
• Hipersalivação
• Inquietação

ACHADOS DO EXAME FÍSICO:


À palpação abdominal:
• Vários graus de timpanísmo ou aumento abdominal (difícil em cães de
raças grandes excessivamente musculosos ou muito obesos);
• Ocasionalmente palpação de esplenomegalia.
Sinais clínicos associados ao choque:
• Pulso periférico fraco
• Taquicardia
• Tempo de preenchimento capilar aumentado/mucosas pálidas
• Dispnéia
EXAME RADIOGRÁFICO:
Os animais acometidos devem ser descomprimidos antes das
radiografias, nas projeções dorsoventral e laterolateral direita. Radiografia ajuda
na diferenciação da dilatação (simples ou com vólvulo).
Em uma visão lateral direita:
• Piloro localizado mais cranialmente à visão dorsoventral corporal;
• Piloro semelhante a uma estrutura cheia de gás à esquerda da linha
média;
• Ar abdominal livre sugere ruptura gástrica;
• Ar dentro da parede do estômago indica necrose;

Figura 3 - Projeção Dorsoventral


Figura 4 - Projeção Laterolateral direita

Fonte: Fossum, 2014


Fonte: Fossum, 2014

ACHADOS LABORATORIAIS

Hemograma - na maioria dos casos, não são encontradas alterações


significativas. Alguns achados podem ser: trombocitopenia causada pela CID
(coagulação intravascular disseminada) e alteração na concentração de potássio
e no pH sanguíneo (consequências do aumento de ácido lático/acidose
metabólica). A identificação do aumento de lactato plasmático é de extrema
importância para definir o prognóstico do paciente, já que hiperlactatemia pode
ser associada à extensa necrose gástrica (prognóstico desfavorável), o que
influenciará na conduta a ser adotada.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Dilatação gástrica simples (polifagia dos filhotes) - não requer tratamento.


Estômago se encontra com conteúdo e gás, mas posicionado de forma correta.

Vólvulo do intestino delgado - paciente apresenta aumento de volume na região


abdominal que deve ser diferenciado através de exame radiográfico, que
identifica a dilatação do trato intestinal.

Torção esplênica primária – apresenta dor, porém pouca ou nenhuma distensão


da região abdominal.

Hérnia diafragmática e ascite – diferenciados por exames de imagem.

CONDUTA MÉDICA/CIRÚRGICA

Inicialmente precisamos estabilizar o animal através de fluidoterapia,


coletar sangue para exames laboratoriais (identificar alterações destacadas em
achados laboratoriais), realizar antibioticoterapia de amplo espectro e em casos
de pacientes que apresentem dispneia, oxigenioterapia. Após estabilização,
deverá ser realizada a descompressão gástrica, que pode ser de duas formas:

1° - Passagem de tubo estomacal (mais indicada) - medido da ponta do focinho


até o processo xifoide. Improvisar um "abre boca" (ex. um rolo de esparadrapo)
para passagem do tubo até o ponto médio, com cuidado para não lesionar o
esôfago. Se necessário, mudar a posição do paciente para facilitar.

2° - Descompressão percutânea com trocater e posterior passagem de cateter


intravenoso de grande calibre. Assim que a pressão for aliviada, o estômago
deverá ser lavado com água morna de maneira efetiva, buscando evitar uma
nova dilatação. Presença de sangue no fluido estomacal indica necrose gástrica,
logo, conduta deverá ser cirúrgica de caráter emergencial.

Caso essas técnicas não sejam bem sucedidas, podemos recorrer à


gastrostomia temporária (abertura artificial no estômago para o exterior), não
indicada por suas muitas desvantagens, como o alto risco de contaminação e
consequentemente peritonite. O tratamento cirúrgico deverá ser realizado o mais
rápido possível após a estabilização, já que a torção provoca isquemia,
causando aumento gradativo da necrose gástrica. Anatomia cirúrgica ...

Objetivos do tratamento cirúrgico

(1) Inspecionar o estômago e baço para identificar e remover tecido


danificado/necrótico;

(2) Descomprimir o estômago e corrigir qualquer mal posicionamento;

(3) Aderir o estômago à parede corporal para evitar o mal posicionamento


subsequente. (FOSSUM, 2014, p.1359)

Para a realização da cirurgia, o animal deverá estar em decúbito dorsal.


A área preparada terá como delimitação a região entre o tórax médio e o púbis,
e a incisão será realizada na linha média. A primeira estrutura visualizada é o
omento maior, que estará cobrindo o estômago dilatado. Antes da recolocação
do estômago, este deverá estar livre de conteúdo, e com a ajuda de um
assistente, poderá ser realizada a descompressão do órgão. Não havendo a
presença de um assistente, o próprio cirurgião poderá realizar uma gastrostomia
(considerando os motivos citados de ser evitada). Artérias gástricas curtas em
cães com DVG é comum e pode contribuir para perda de sangue e
infarto/necrose gástricos.

OBS.: Lembrar sempre da lavagem estomacal após a liberação do conteúdo,


pois ela é essencial para o sucesso da técnica.

Segundo FOSSUM (2014), para uma rotação ocorrida em sentido horário,


uma vez que o estômago tenha sido descomprimido, rotacioná-lo no sentido anti-
horário segurando o piloro (normalmente encontrado abaixo do estômago) com
a mão direita e a curvatura maior com a mão esquerda. Empurrar a curvatura
maior, ou fundo do estômago, em direção à mesa ao mesmo tempo em que eleva
o piloro em direção à incisão. Certificar-se de que o baço está normalmente
posicionado no quadrante abdominal esquerdo. Se houver necrose esplênica ou
infarto significativo, realizar uma esplenectomia parcial ou completa (FOSSUM,
2014, p. 694-695), removendo ou invaginando os tecidos gástricos necróticos
(Fig. 20-68). Evitar a entrada no lúmen gástrico se possível. Se não houver
certeza da viabilidade do tecido gástrico, invaginar o tecido anormal (FOSSUM,
2014, p. 465). Verificar se o ligamento gastroesplênico não está torcido e, antes
do fechamento, palpar o esôfago intra-abdominal, garantindo que o estômago
esteja localizado corretamente.

A gastropexia deverá ser realizada afim de diminuir os casos de recidivas.


Material necessário:
• Fio de sutura (0 ou 2-0) absorvível (polidioxanona ou poligliconato) / não
absorvível (polipropileno).
• Cateter de Foley (para gastropexia com tubo).
• Retratores Balfour/retratores manuais
• Pinças de toalha extras (para inserção na costela ao realizar uma
gastropexia circumcostal) são úteis.

AVALIAÇÃO E CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS

A partir de 12 a 24 horas depois:


• Oferecimento de pequenas quantidades de água
• Alimento pastoso (com baixo teor de gordura)
• Deve-se observar vômito (Se grave/contínuo - antiemético de ação
central)
A hidratação e o equilíbrio acidobásico e eletrolítico, devem ser monitorados
rigorosamente no pós-operatório, assim como hipoalbuminemia e a anemias.
Pode haver hipocalemia, necessitando de suplemento de potássio.
É comum ocorrer gastrite (devido à isquemia da mucosa) associada à
hemorragia gástrica ou ao vômito, bem como úlceras gástricas secundárias,
necessitando de tratamento2.
Fluidoterapia (IV) contínua até o paciente ingerir água normalmente.
As arritmias ventriculares podem iniciar entre 12 e 36 horas após a cirurgia3,
sendo necessário manter a hidratação normal e a correção dos desequilíbrios

2
Antagonistas do receptor de H2 que reduzem a acidez gástrica como ranitidina, famotidina ou
cimetidina, embora este possa aumentar a toxicidade da lidocaína.
3 Fatores que podem gerar essa arritmia foram citados no tópico “Fisiopatologia”.
eletrolíticos, contudo, a correção da hipocalemia seja suficiente. Por vezes, pode
ser necessário acompanhamento com eletrocardiograma e teste com lidocaína.4

COMPLICAÇÕES
Sepse e peritonite - causadas por perfuração ou necrose gástrica (caso tenha
ficado tecido desvitalizado), necessitando de urgente intervenção cirúrgica.
Coagulação intravascular disseminada - ocorre em aproximadamente 16% dos
cães com DVG, sendo preciso avaliação dos parâmetros de coagulação e
posterior tratamento das coagulopatias (risco de morte).
Arritmias cardíacas são comuns em cães, como já discutido anteriormente.

PROGNÓSTICO
Dilatação gástrica sem vólvulo possui o melhor prognóstico de todas as
situações aqui discutidas. DGV com a cirurgia inicial também possui bom
prognóstico, porém o grau de rotação não está associado diretamente à risco de
morte. (Buber et al., 2007 Apud Fossum, 2014).
Em casos de necrose gástrica/perfuração e/ou cirurgia adiada, temos um
mau prognóstico (10 vezes mais prováveis de morrer do que os que não
possuem)5.
Recidiva para DVG: Muda de acordo com a técnica utilizada, sendo a maior taxa
a gastropexia com tubo (5 a 29%), mas no geral, a taxa é menor que 10%, já que
na maioria dos casos o estômago se encontra parcialmente torcido (menos de
180°), apenas dilatado e/ou volta ao normal com a retirada do ar/gás. Contudo,
a gastropexia deve ser recomendada mesmo nesses casos favoráveis, por evitar
eficazmente às recidivas. Mortalidade tem sido associada com arritmias pré e
pós-operatórias, e à esplenectomia. Assim, deve-se avaliar bem o baço antes e
durante a cirurgia, verificando sua viabilidade

4 Administração de lidocaína IV em bolus como teste (2 mg/kg em bolus, até a dose total de 8
mg/kg). Se as arritmias diminuírem ou pararem, administração de lidocaína por infusão contínua
IV (50 a 75 μg/ kg/minuto), com atenção para intoxicação. Além da lidocaína, podemos lançar
mão de outros antiarrítmicos como Procainamida e Sotalol.

5[ ] de lactato no plasma abaixo de 6mmol/L sugere necrose gástrica não presente = BOM
PROGNÓSTICO.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

✓ FOSSUM, T. W. CIRURGIA DE PEQUENOS ANIMAIS. 4.ed. Rio de Janeiro. Elsevier, 2014.

IMAGENS:

✓ Figura 2 disponível em: https://www.gettyimages.com.br/detail/foto/irish-setter-


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✓ Demais figuras: FOSSUM, T. W. CIRURGIA DE PEQUENOS ANIMAIS. 4.ed. Rio de Janeiro.
Elsevier, 2014.

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