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Filosofia

Prof. Gesiel Anacleto

2018
Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:
Prof. Gesiel Anacleto

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

AN532f

Anacleto, Gesiel

Filosofia. / Gesiel Anacleto. – Indaial: UNIASSELVI, 2018.


215 p.; il.

ISBN 978-85-515-0231-0

1.Filosofia. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 100

Impresso por:
Apresentação
Olá, caro acadêmico! É com grande prazer que apresentamos para
você a disciplina de Filosofia. Nesta oportunidade, nós gostaríamos de
destacar a importância da disciplina para a formação humana em suas
diversas áreas, incluindo na sua formação profissional.

A filosofia instrumentaliza o ser humano com as ferramentas


necessárias e imprescindíveis para o ato reflexivo. Tais ferramentas incidirão
nas suas escolhas e decisões diárias. Assim, o conteúdo deste material tem
como finalidade básica proporcionar a você um acesso, mesmo que de
caráter propedêutico, ao universo da filosofia. O material está dividido em
três unidades.

A Unidade 1 tem como tema de estudo a filosofia: origem e trajetória


do pensamento filosófico. A unidade tem um caráter mais histórico, pois
possibilitar que o acadêmico conheça as origens e o desenvolvimento da
filosofia é um passo essencial para compreender o desenvolvimento do
pensamento filosófico como um todo e a maneira como a filosofia sofreu
transformações e chegou ao que conhecemos atualmente.

A Unidade 2 envolverá as principais áreas de estudo da filosofia geral.


Não será possível realizar, nesta unidade, uma abordagem pormenorizada
dos principais temas. Contudo, acreditamos que, com as informações
apresentadas no decorrer da unidade, haverá a compreensão elementar sobre
as áreas da filosofia, bem como sua importância para o desenvolvimento do
conhecimento humano.

A Unidade 3 irá tratar da filosofia para hoje. Mesmo em um mundo


em que os avanços tecnológicos têm tido espaço considerável nos meios
acadêmicos, culturais, sociais e políticos, acreditamos que a filosofia ainda
possui um papel importante em meio a todas as mudanças.

Sua importância se deve ao fato de possibilitar uma reflexão e a


problematização sobre tudo aquilo que acontece em nossa volta. Faremos
uma apresentação sucinta de cada temática e a sugestão de bibliografias
complementares e filmes para quem deseja aprofundar um pouco mais seus
conhecimentos sobre os assuntos abordados aqui.

Nosso desejo sincero é que todo o conhecimento possa servir de


grande proveito para sua jornada acadêmica e formação profissional. Que
cada tema abordado possa trazer mais luz e entendimento sobre o seu papel
como ser humano e como profissional em um mundo repleto de desafios.

Prof. Gesiel Anacleto


III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO... 1

TÓPICO 1 – A ORIGEM DA FILOSOFIA........................................................................................... 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 O PENSAMENTO MÍTICO................................................................................................................. 3
3 O QUE É FILOSOFIA?.......................................................................................................................... 8
4 A FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA .............................................................................................. 12
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 15
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 17
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 18

TÓPICO 2 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E


CLÁSSICA.................................................................................................................................................. 19
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 19
2 A FILOSOFIA ANTIGA ...................................................................................................................... 20
2.1 O PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO OU COSMOLÓGICO.............................................................. 20
2.1.1 Escola jônica ............................................................................................................................ 20
2.1.1.1 Tales de Mileto...................................................................................................................... 21
2.1.1.2 Anaximandro de Mileto....................................................................................................... 22
2.1.1.3 Anaxímenes de Mileto......................................................................................................... 23
2.1.1.4 Heráclito de Éfeso................................................................................................................. 24
2.1.2 Escola pitagórica ..................................................................................................................... 25
2.1.3 Escola de Eleia.......................................................................................................................... 26
2.1.4 Escola atomista . ...................................................................................................................... 28
2.2 PERÍODO ANTROPOLÓGICO...................................................................................................... 28
2.3 OS SOFISTAS E A ARTE DE ARGUMENTAR............................................................................. 29
2.4 PERÍODO SISTEMÁTICO............................................................................................................... 31
2.4.1 Sócrates .................................................................................................................................... 32
2.4.2 Platão ........................................................................................................................................ 34
2.4.3 Aristóteles ................................................................................................................................ 38
2.5 PERÍODO HELÊNICO..................................................................................................................... 40
LEITURA COMPLEMENTAR 1............................................................................................................. 42
LEITURA COMPLEMENTAR 2............................................................................................................. 44
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 47
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 49

TÓPICO 3 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E MEDIEVAL.......... 51


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 51
2 PATRÍSTICA .......................................................................................................................................... 52
3 ESCOLÁSTICA...................................................................................................................................... 56
3.1 SÃO TOMÁS E A FILOSOFIA ARISTOTÉLICA.......................................................................... 58
3.2 AS CINCO VIAS QUE LEVAM A DEUS....................................................................................... 59
LEITURA COMPLEMENTAR 1............................................................................................................. 62
LEITURA COMPLEMENTAR 2............................................................................................................. 63

VII
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 64
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 65

TÓPICO 4 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À


CONTEMPORÂNEA............................................................................................................................... 67
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 67
2 FILOSOFIA MODERNA ..................................................................................................................... 68
2.1 O ILUMINISMO................................................................................................................................ 69
2.2 O RACIONALISMO......................................................................................................................... 72
2.3 EMPIRISMO ..................................................................................................................................... 74
3 FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA ................................................................................................... 76
3.1 POSITIVISMO .................................................................................................................................. 77
3.2 IDEALISMO ..................................................................................................................................... 79
3.3 MARXISMO . .................................................................................................................................... 81
3.4 EXISTENCIALISMO ....................................................................................................................... 82
3.5 FENOMENOLOGIA ....................................................................................................................... 84
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 86
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 88
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 90

UNIDADE 2 – PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL.............................. 91

TÓPICO 1 – LÓGICA............................................................................................................................... 93
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 93
2 O QUE É LÓGICA?............................................................................................................................... 93
3 DIVISÃO DA LÓGICA ARISTOTÉLICA OU CLÁSSICA........................................................... 95
3.1 LÓGICA FORMAL OU MENOR .................................................................................................. 95
3.2 LÓGICA MATERIAL OU MAIOR................................................................................................. 96
4 SILOGISMO: O OBJETO DE ESTUDO DA LÓGICA................................................................... 96
4.1 MÉTODO DEDUTIVO................................................................................................................... 101
4.2 MÉTODO INDUTIVO.................................................................................................................... 102
4.2.1 Analogia.................................................................................................................................. 104
5 FALÁCIAS............................................................................................................................................. 105
LEITURA COMPLEMENTAR 1........................................................................................................... 107
LEITURA COMPLEMENTAR 1........................................................................................................... 108
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 110
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 111

TÓPICO 2 – EPISTEMOLOGIA ......................................................................................................... 113


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 113
2 O QUE É EPISTEMOLOGIA?........................................................................................................... 113
3 O QUE É CONHECIMENTO?........................................................................................................... 115
3.1 PRIMEIRO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO: CRENÇA.......................................... 115
3.2 SEGUNDO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO: VERDADE....................................... 116
3.3 TERCEIRO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO: JUSTIFICAÇÃO.............................. 119
4 TIPOS DE CONHECIMENTO.......................................................................................................... 120
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 123
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 127
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 128

TÓPICO 3 – ÉTICA................................................................................................................................. 129


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 129
2 O QUE É ÉTICA?................................................................................................................................. 130
VIII
3 TEORIAS ÉTICAS............................................................................................................................... 131
3.1 UTILITARISMO ............................................................................................................................. 132
3.2 ÉTICA DEONTOLÓGICA OU DO DEVER................................................................................ 134
3.3 ÉTICA DAS VIRTUDES . .............................................................................................................. 136
4 BIOÉTICA ............................................................................................................................................ 137
5 ÉTICA E TÉCNICA ............................................................................................................................. 139
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 141
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 146
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 147

TÓPICO 4 – ESTÉTICA......................................................................................................................... 149


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 149
2 O QUE É ESTÉTICA?.......................................................................................................................... 149
3 OBJETOS DE ESTUDO DA ESTÉTICA......................................................................................... 150
3.1 O BELO E O FEIO........................................................................................................................... 150
3.2 A ARTE............................................................................................................................................. 152
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 153
RESUMO DO TÓPICO 4...................................................................................................................... 154
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 155

UNIDADE 3 – FILOSOFIA PARA HOJE........................................................................................... 157

TÓPICO 1 – FILOSOFIA POLÍTICA.................................................................................................. 159


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 159
2 A POLÍTICA NA GRÉCIA................................................................................................................. 160
3 PLATÃO................................................................................................................................................. 163
4 ARISTÓTELES..................................................................................................................................... 164
5 O ESTADO MODERNO..................................................................................................................... 165
6 MAQUIAVEL: O PRÍNCIPE.............................................................................................................. 166
7 HOBBES: O LEVIATÃ........................................................................................................................ 168
8 MONTESQUIEU: OS TRÊS PODERES.......................................................................................... 170
9 REGIMES POLÍTICOS....................................................................................................................... 171
9.1 REGIME DEMOCRÁTICO............................................................................................................ 171
9.2 REGIME TOTALITÁRIO............................................................................................................... 174
10 FORMAS DE GOVERNO................................................................................................................ 176
10.1 MONARQUIA............................................................................................................................... 176
10.2 REPÚBLICA................................................................................................................................... 176
10.2.1 Parlamentarismo.................................................................................................................. 176
10.2.2 Presidencialismo.................................................................................................................. 177
LEITURA COMPLEMENTAR 1........................................................................................................... 178
LEITURA COMPLEMENTAR 2........................................................................................................... 179
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 181
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 182

TÓPICO 2 – FILOSOFIA DA MENTE................................................................................................ 183


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 183
2 O QUE É FILOSOFIA DA MENTE?................................................................................................. 184
3 O PROBLEMA MENTE-CORPO ..................................................................................................... 185
4 DUALISMO.......................................................................................................................................... 188
4.1 DUALISMO DA SUBSTÂNCIA................................................................................................... 188
4.2 DUALISMO DE ATRIBUTO OU PROPRIEDADE.................................................................... 189
5 MATERIALISMO OU FISICALISMO............................................................................................ 190

IX
6 A CONSCIÊNCIA ............................................................................................................................... 190
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 193
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 195
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 196

TÓPICO 3 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO...................................................................................... 197


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 197
2 TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO OU EDUCAÇÃO CRÍTICA? ................................. 197
3 PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO ................................................................... 199
3.1 EPISTEMOLOGIA.......................................................................................................................... 200
3.2 ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA................................................................................................. 200
3.3 AXIOLOGIA.................................................................................................................................... 201
4 FILOSOFIA E A FORMAÇÃO HUMANA NA ESCOLA............................................................ 202
5 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR...................................................... 202
5.1 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS LIBERAIS............................................................................... 203
5.2 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS.................................................................. 203
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 206
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 208
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 209

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 211

X
UNIDADE 1

FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA


DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você será capaz de:

• descrever a origem e o desenvolvimento da filosofia desde o mito até a


razão;

• reconhecer a importância do pensamento grego para o desenvolvimento


da filosofia;

• conhecer os principais períodos da filosofia;

• avaliar o papel da filosofia no decorrer da história humana;

• analisar o impacto do pensamento filosófico para o desenvolvimento da


humanidade;

• conhecer as principais correntes filosóficas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos e, no final de cada um deles,
você encontrará atividades que o ajudarão a ampliar os conhecimentos
adquiridos.

TÓPICO 1 – A ORIGEM DA FILOSOFIA

TÓPICO 2 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA


ANTIGA E CLÁSSICA

TÓPICO 3 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E


MEDIEVAL

TÓPICO 4 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA


MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

A ORIGEM DA FILOSOFIA

1 INTRODUÇÃO
Este tópico terá um caráter mais histórico, pois vamos apresentar o contexto
cultural, social e político que culminou com o surgimento da filosofia. É necessário
para compreendermos o contexto que motivou os primeiros pensadores a buscarem
respostas para seus questionamentos, que não fossem de cunho mítico ou religioso.
Determinado conhecimento do contexto possibilita que você, acadêmico, consiga
compreender aspectos da origem e o desenvolvimento da filosofia.

Inicialmente, vamos discorrer sobre o pensamento mítico e a evolução para


uma postura reflexiva, que buscava na razão o fundamento para responder a muitos
questionamentos. Embora o pensamento mítico tenha servido aos anseios do ser
humano por um longo tempo, o ser humano percebeu que respostas baseadas
apenas em afirmações advindas da imaginação já não eram suficientes. Assim, o
ser humano caminhou no sentido de encontrar explicações em sua própria razão.

Em um segundo momento, buscaremos responder à seguinte pergunta:


o que é filosofia? Nossa proposta é apresentar algumas respostas que foram
elaboradas por importantes pensadores, com o intuito de conceituar da melhor
maneira o que se entende por filosofia.

No terceiro momento deste tópico, vamos falar um pouco sobre a filosofia


na Grécia Antiga. Vamos discorrer sobre os principais períodos, pois será possível
perceber como os contextos político e cultural contribuíram para a passagem do
pensamento mítico para o pensamento filosófico. Assim, convidamos você a dar
início a uma jornada pelo universo da filosofia.

2 O PENSAMENTO MÍTICO
Uma das primeiras formas que o ser humano encontrou para explicar a
origem do Universo e das demais coisas, sejam elas físicas ou não, foi por meio do
mito. Assim, é fundamental que compreendamos o que é o mito e de que maneira
o conceito é entendido ao longo do tempo.

Há certa confusão quando se fala do mito na antiguidade, pois muitos


imaginam que seja uma maneira não convencional para explicar os fenômenos
naturais e a própria existência. Todavia, vale ressaltar que o mito fazia parte do
cotidiano das pessoas, inclusive “durante muito tempo, os primeiros filósofos

3
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

gregos compartilharam de diversas crenças míticas, enquanto desenvolviam o


conhecimento racional que caracteriza a filosofia” (COTRIM, 2000, p. 73). Assim,
o mito não é uma narrativa destituída de racionalidade, muito pelo contrário,
a narrativa mítica possuía uma lógica que pretendia responder às questões
existenciais.

O pensamento mítico, portanto, consiste na maneira que o ser humano


encontrou para explicar aspectos da sua realidade. Explicações míticas podem
ser encontrados em narrativas sobre a origem do mundo, sobre os fenômenos
naturais, sobre as origens de um povo, suas crenças, tradições e seus valores
básicos comuns ou não em cotidiano.

O termo grego mythos significa um tipo de discurso fictício ou imaginário.


O discurso imaginário não é o mesmo que uma mentira, embora em alguns
momentos o mito possa ter sido um sinônimo de mentira. Entretanto, tem sua
origem na capacidade humana de raciocinar e buscar uma explicação diante
daquilo que causa espanto. Assim, o mito é concebido como uma narrativa que
pretende dar uma direção para aquilo que parece confuso e fora de lugar.

O mito é, portanto, uma intuição compreensiva da realidade, é uma


forma espontânea de o homem situar-se no mundo. E as raízes do
mito não se acham nas explicações exclusivamente racionais, mas na
realidade vivida, portanto pré-reflexiva, das emoções e da afetividade
(ARANHA; MARTINS, 1993, p. 55).

Quando nos referimos ao mito como ‘uma intuição compreensiva


da realidade’, estamos dizendo que o mito é a percepção da realidade,
independentemente de um raciocínio puramente lógico ou de uma análise
aprofundada dos fenômenos. Diz respeito a uma forma de narrativa direta a
partir da percepção imediata da realidade que nos cerca, pois a narrativa mítica é
pré-reflexiva, ou seja, antecede o pensamento reflexivo em que os filósofos gregos
começaram a questionar seus próprios mitos.

NOTA

Pensamento reflexivo é “a  espécie  de pensamento que  consiste  em


examinar mentalmente o assunto e dar a ele consideração séria e consecutiva”.

DEWEY, John. Como pensamos. 3. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1959, p. 13.

É importante ressaltar que "o mito não é exclusividade de povos primitivos,


nem de civilizações nascentes, mas existe em todos os tempos e culturas como
componente indissociável da maneira humana de compreender a realidade"
(ARANHA; MARTINS, 1993, p. 54).

4
TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

O mito, nas civilizações atuais, ganhou outro viés, seja o viés daquilo
que é inatingível, ou de uma ideia, mesmo que absurda, mas que atrai o interesse
das pessoas. A mitologia é um nicho muito bem explorado pela indústria do
entretenimento, pois procura corresponder a muitos dos anseios humanos, tais
como o ideal de força, beleza, justiça etc.

Pelo fato de a filosofia ter nascido na Grécia Antiga, o conhecimento do


universo mítico dos gregos se tornou mais comum para nós, embora outros povos
também possuam seus mitos. Ainda que seja também uma maneira de explicar
a realidade, seu papel fundamental é “acomodar e tranquilizar o homem em um
mundo assustador” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 56).

A falta de conhecimento acerca da natureza e seu funcionamento fazia


com que os homens temessem. O temor assombrava o ser humano e lhe causava
inquietude. No sentido de se amparar em algo, que mesmo não vendo ou tocando,
construíram seu sistema de crenças do mundo real a partir do sobrenatural. Assim,
o apego ao mito era uma maneira de explicar a realidade e trazer tranquilidade
diante do desconhecido. De acordo com Aranha e Martins (2005, p. 125):

O ser humano, à mercê das forças naturais, que são assustadoras, passa
a emprestar-lhes qualidades emocionais. As coisas não são mais matéria
morta nem são independentes do sujeito que as percebe. Ao contrário,
estão sempre impregnados de qualidades e são boas ou más, amigas
ou inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e atraentes ou
ameaçadoras e repelentes. Por isso, o ser humano se move dentro de um
mundo animado por forças que ele precisa agradar para que haja caça
abundante, para que a terra seja fértil, para que a tribo ou grupo seja
protegido, para que as crianças nasçam e os mortos possam ir em paz.

A narrativa mítica concebe as forças da natureza, que podemos chamar de


identidade ou pessoalidade, pois Poseidon era o senhor dos mares, Apolo era o deus
do sol e das artes, Afrodite a deusa do amor, do sexo e da beleza, e assim por diante.

POSEIDON

Poseidon, também conhecido como Netuno para os romanos,


era o grande rei dos mares, um homem muito forte, com barbas e sempre
representado com seu tridente na mão e às vezes, com um golfinho. Era filho
de Cronos, deus do tempo e da deusa da fertilidade Reia. Sua casa era no
fundo do mar e com seu tridente causava maremotos, tremores, além de fazer
brotar água do solo.

Poseidon era casado com Anfitrite. Quando se conheceram, Poseidon


se apaixonou por ela, mas Anfitrite o recusou e Poseidon a obrigou a casar-se
com ele, porém ela, para não casar, se escondeu nas profundezas do oceano, só
sua mãe sabia onde ela estava.

5
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Contudo, com o tempo, Anfitrite mudou de ideia e foi atrás de Poseidon,


com quem se casou e ficou sendo a rainha do oceano. Com ela, teve um filho
chamado Tritão, que aterrorizava os marinheiros com um barulho espantoso
que ele fazia quando soprava o búzio, um instrumento, mas também com ele
fazia sons maravilhosos.

Entretanto, na sua vida, Poseidon teve muitos outros amores e fora


de seu casamento teve mais filhos que ficaram muito conhecidos por sua
crueldade: Ciclope e o gigante Orion. Poseidon disputou com Atena, a deusa
da sabedoria, para ser a deidade da cidade hoje conhecida como Atenas, porém
Atena ganhou a competição e a cidade ficou conhecida com o seu nome.

Na história da Guerra de Troia, Poseidon e Apolo ajudaram o rei na


construção dos muros daquela cidade e a eles foi prometida uma recompensa,
porém tinham sidos enganados, pois o rei não os recompensou. Foi então que
Poseidon muito enfurecido se vingou de Troia e enviou um monstro do mar
que saqueou toda a terra de Troia e durante a guerra, ajudou os gregos.

Poseidon é também o pai de Pégaso, um cavalo alado gerado por


Medusa. Sempre esteve muito ligado aos cavalos e foi o primeiro a colocá-
los na região. Outro caso de amor muito conhecido de Poseidon foi com sua
irmã Demeter. Ele a perseguiu e ela, para evitá-lo, transformou-se em égua.
Contudo, ele se transformou em um garanhão e com ela teve um encantador
cavalo, Arion. Poseidon era um deus muito importante e celebravam em sua
honra os jogos místicos, constituídos de competições atléticas e também de
músicas e poesias, realizados de dois em dois anos.

FONTE: LIMA, Fernanda. Poseidon. 2018. <https://www.infoescola.com/mitologia-grega/


poseidon/>. Acesso em: 24 fev. 2018.

Qual é o fundamento do mito? Como justificar o mito? O mito não é concebido


como algo a ser questionado cientificamente. O mito apela para o sobrenatural, ao
mágico e sagrado para explicar a realidade. Assim, o mito é uma narrativa que não
está preocupada com a possibilidade de comprovação científica ou empírica.

A concepção mítica se dá através das epopeias e da Teogonia. As epopeias


consistem em um tipo de poema narrativo extenso, em que são contados os
fatos históricos de um povo, seus feitos heroicos, as aventuras, as guerras, fatos
históricos de um indivíduo ou mais, mesclando fatos reais, lendas ou mitos.

De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 63), “os mitos eram recolhidos
pela tradição e transmitidos oralmente pelos aedos e rapsodos, cantores ambulantes
que davam forma poética aos relatos populares e os recitavam de cor em praça
pública”. Assim, como não eram textos escritos, também não se sabia quem eram
os autores de tais poemas. Assim, o poema não era de domínio particular, mas
coletivo, e cada poeta poderia recitar as epopeias por onde passava, como em
praças públicas, no sentido de exaltar os feitos de seu povo e seus heróis.

6
TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

Outro aspecto importante das epopeias foi seu caráter didático na vida
do povo grego, pois os poemas “descrevem o período da civilização micênica e
transmitem os valores da cultura por meio das histórias dos deuses e antepassados,
expressando uma determinada concepção de vida. Por isso, desde cedo as crianças
decoravam passagens dos poemas de Homero” (ARANHA; MARTINS, 1993, p.
63). A cultura, os valores e os feitos dos povos e seus heróis vão se perpetuando
através de uma tradição oral que possibilita o desenvolvimento cultural e a
solidificação da cultura.

As epopeias tentam mostrar que há uma relação entre os deuses e os


homens, pois “as ações heroicas relatadas nas epopeias mostram a constante
intervenção dos deuses, ora para auxiliar um protegido seu, ora para perseguir
um inimigo” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 63).

As ações dos heróis são guiadas pelos deuses, pois o herói depende dos
deuses, visto que as forças ocultas estão muito além da capacidade humana de
dominá-las. Na Odisseia de Homero, a relação de amizade ou inimizade entre os
heróis e os deuses é muito comum. Um exemplo é quando Telêmaco, filho de Ulisses,
vai à ágora para convencer os Itacenses sobre seu propósito de procurar seu pai.

Diz o poema que quando Telêmaco se dirigia à ágora (praça principal


das antigas cidades gregas), a deusa “Atena derramava divinal graça sobre ele,
sua entrada atraiu os olhares de todos e os anciãos cederam-lhe lugar, para que
tomasse assento na cadeira de seu pai” (HOMERO, 2003, p. 28).

Observe que o herói é agraciado pelos deuses para que se sobressaísse


entre os demais. Se por um lado temos a deusa Atena aliada de Telêmaco, por
outro lado seu pai Ulisses sofre em decorrência da ira de Posseidon, o deus dos
mares, pois Ulisses havia ferido um de seus ciclopes preferidos.

Hesíodo, outro importante poeta grego, que viveu por volta do século
VIII a.C., escreveu a Teogonia, que também é chamada de Genealogia dos deuses. Na
obra, o poeta:

Relata as origens do mundo e dos deuses, e as forças que surgem não


são pura natureza, mas sim as próprias divindades: Gaia é a Terra,
Urano é o Céu, Cronos é o Tempo, surgindo ora por segregação,
ora pela intervenção de Eros, princípio que aproxima os opostos
(ARANHA; MARTINS, 1993, p. 63)

A Teogonia trata da progressão que o universo passou até chegar ao que


conhecemos hoje. É uma narrativa sobre o surgimento do mundo a partir dos
primeiros deuses, seus relacionamentos amorosos e suas terríveis lutas. Assim,
neste mito, as divindades representam fenômenos ou aspectos básicos da
natureza humana.

Expressa as ideias dos primeiros gregos sobre a constituição do universo,


pois esta obra, juntamente com os poemas de Homero, tinha também uma função

7
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

didática, pois era usada como uma cartilha na qual o povo grego aprendia a ler, a
pensar, refletir e compreender o mundo e reverenciar os deuses.

O mito tem muito a nos ensinar ainda nos dias de hoje, pois aparecem
na imagem de novos heróis, tais como atores, atrizes, jogadores de futebol,
empresários bem-sucedidos, alguns líderes políticos, que se tornam modelos a
serem seguidos.

Suas imagens são reforçadas pela mídia, pelo cinema e até mesmo pelas
artes. Esses mitos vêm carregados de valores, ideologias, interesses e cabe a cada
indivíduo refletir sobre os mitos atuais e filtrar de maneira reflexiva sobre a
mensagem que tais mitos passam para a nossa sociedade.

DICAS

Sugestão de filme: A ODISSEIA

O filme é dirigido por Andrey Konchalovskiy. É baseado no poema


homônimo de Homero, retrata as aventuras de Ulisses (ou Odisseu)
após a Guerra de Troia. Depois de desafiar o deus dos mares Poseidon,
Ulisses se vê obrigado a vagar por terras e mares, se vendo afastado de
sua família. A partir de então, vive uma série de aventuras, enfrentando
deuses e diversos monstros para poder voltar para sua casa.

3 O QUE É FILOSOFIA?
É comum que algumas pessoas tenham certa resistência quanto ao estudo
da filosofia. Determinada resistência se deve a vários fatores, entre eles podemos
destacar a necessidade de colocar suas certezas à prova, ou seja, duvidar de suas
crenças e certezas mais profundas, questionar e buscar uma razão para a ordem
das coisas em nossa volta.

“A atividade filosófica enquanto abordagem racional surge no contexto


cultural grego, expressando-se inicialmente como tentativa de explicar a realidade
do mundo sem recorrer à mitologia e à religião” (SEVERINO, 1994, p. 56).
Entretanto, talvez você esteja se perguntando: por que preciso aprender filosofia?
Antes de qualquer coisa, observe a figura a seguir e reflita sobre a mesma questão
que incomoda o pensador.

8
TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

FIGURA 1 – ATO DE PENSAR

FONTE: <http://editoraunesp.com.br/blog/os-adolescentes-e-a-filosofia-06-08-2013-12-49>. Acesso


em: 22 fev. 2018.

Qual é a conclusão a que você chegou ao observar a figura? Qual é o


significado do indivíduo estar acorrentado junto a um peso? A filosofia tem, por
finalidade, despertar no ser humano o estado de comodismo, cumpre o papel
de desvencilhar o ser humano das amarras ideológicas, libertá-lo das ilusões e
manipulações que embotam a razão e escravizam a consciência humana.

É o instrumento da reflexão crítica, que permite ao ser humano explorar


sua capacidade de pensar, questionar sua realidade e construir sua própria
história com autonomia e liberdade. A seguir, leia um breve texto do filósofo
alemão Hegel sobre o papel da filosofia:

A tarefa da filosofia é entender o que é, pois o que é a razão. No que


diz respeito ao indivíduo, cada um é, por outra parte, filho de seu tempo; do
mesmo modo, a filosofia é seu tempo apreendido em pensamentos.

É igualmente insensato crer que uma filosofia pode ir além de seu tempo
presente como que um indivíduo que possa saltar por cima de seu tempo. Mas
se sua teoria vai na realidade além e constrói um mundo tal como deve ser,
este existirá por certo, mas somente em sua opinião, elemento maleável no que
se pode plasmar qualquer coisa [...].

Para agregar algo a mais sobre a pretensão de ensinar como deve ser
o mundo, assinalemos, por outra parte, que a filosofia chega sempre tarde.
Enquanto pensamento do mundo, aparece no tempo só depois que a realidade
consumou o seu processo de formação e já se acha pronta.

O que ensina o conceito e mostra com a mesma necessidade a história: só


na maturidade da realidade aparece o ideal frente ao real, e erige a este mesmo
mundo, apreendido em sua substância, na figura de um reino intelectual.

9
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Quando a filosofia pinta com seus tons cinzentos é que já envelheceu


uma figura da vida que suas penumbras não podem rejuvenescer, mas somente
conhecer; a coruja de Minerva alça seu voo no acaso.

FONTE: HEGEL, G. W. F. Princípios de la filosofia del derecho. In: COTRIM, Gilberto. Fundamentos
da Filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

A segunda pergunta, não menos importante que a primeira, a que devemos


responder, antes de aprofundar qualquer estudo sobre a filosofia é: “O que é
filosofia?”. Parece ser, em um primeiro momento, uma questão muito simples de
responder. Entretanto, ao avançarmos no estudo do pensamento humano, vamos
perceber que a filosofia abarca uma quantidade muito ampla de definições.

Como vimos anteriormente, o pensamento mítico predominava entre os


antigos gregos. A passagem da consciência mítica para a consciência racional
inaugura uma nova era no pensamento humano. Na transição, aparecem os
primeiros sábios (gr. Sophos). O termo filosofia (philos+sophia), que significa
“amor à sabedoria”, foi usado pela primeira vez por Pitágoras, que também era
matemático e viveu durante o século VI a.C.

A filosofia, como uma área do saber, nasce entre o século VII e VI a.C.
“Surge promovendo a passagem do saber mítico ao pensamento racional, sem,
entretanto, romper bruscamente com todos os conhecimentos do passado”
(COTRIM, 2000, p. 73).

O rompimento gradativo da filosofia com o saber mítico significa que o


saber mítico possuía uma lógica e uma racionalidade, embora a filosofia possua
um método de estudo que vai muito além de um saber alegórico (mito), pois
se assenta na argumentação racional. No entanto, é importante atentar para a
maneira como alguns filósofos conceituaram o termo filosofia.

Para Platão, a “filosofia é o uso do saber em proveito do homem”


(ABBAGNANO, 2012, p. 514). Há uma semente do antropocentrismo, sobretudo
de humanismo, pois Platão coloca o ser humano no centro do debate. Na visão de
Platão, as coisas só fazem sentido se forem proveitosas para o ser humano.

Assim, a filosofia perguntará qual é a utilidade das coisas para o bem do


homem. Não adiantam avanços tecnológicos, produção de riquezas, capacidade
de criar, construir etc., caso nada disso promova o bem para as pessoas. A filosofia
aponta para o fato de que aquilo que é feito deve ser feito para melhorar a vida
dos seres humanos.

Segundo o filósofo, físico e matemático francês René Descartes apud


Abbagnano (2012, p. 514), filosofia é uma palavra que:

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TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

Significa o estudo da sabedoria, e por sabedoria não se entende somente


a prudência nas coisas, mas um perfeito conhecimento de todas as
coisas que o homem pode conhecer, tanto para a conduta de sua vida,
quanto para a conservação de sua saúde e a invenção de todas as artes.

Se observarmos, há uma semelhança com a concepção platônica. No


fragmento, vemos claramente uma concepção humanística da finalidade da
filosofia pelo fato de Descartes ter vivido no início da revolução científica, sendo
inclusive chamado de fundador da filosofia moderna.

Sua concepção mostra claramente o espírito da sua época, sendo o homem


capaz de construir sua própria história e intervir nos destinos do mundo. Assim,
a filosofia pode contribuir para o bom uso dos conhecimentos científicos, pois não
se restringe a elaborar princípios de como viver bem no aspecto moral, mas reflete
sobre qual a finalidade última das ações humanas e da produção de conhecimento.

Kant apud Abbagnano (2012, p. 514), por sua vez, define a filosofia como a
“ciência da relação do conhecimento à finalidade essencial da razão humana”. Na
filosofia kantiana, a finalidade essencial da razão humana é a felicidade universal.
Assim, a razão em Kant não possui apenas ‘ideias’, mas tem seus ‘ideais’, e o
ideal da razão é a felicidade universal. Desta forma, a filosofia estabelece a relação
entre todas as coisas com sabedoria através da ciência (ABBAGNANO, 2012).

Ainda que o trabalho filosófico seja essencialmente teórico, é necessário


ressaltar que “isso não significa que a filosofia esteja à margem do mundo, nem
que ela constitua um corpo de doutrina ou um saber acabado, com determinado
conteúdo, ou que seja um conjunto de conhecimentos estabelecidos de uma vez
por todas” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 72).

A filosofia é uma área que está em constante mudança, pois a reflexão


filosófica não está em busca de respostas que sejam absolutas e dogmáticas, que
não podem ser questionadas, pois ela não se apega às certezas das doutrinas,
nem tão pouco à impossibilidade do conhecimento. Assim, a filosofia não é nem
dogmática e nem cética, ela é um fluir constante em busca de respostas para os
mais diversos dilemas e problemas relacionados à existência humana.

Embora no início a filosofia e a ciência estivessem estreitamente ligadas,


com o passar dos anos foram sendo feitas distinções entre elas, pois de acordo
com Aranha e Martins (1993, p. 129), “no pensamento grego, ciência e filosofia
achavam-se ainda vinculadas, e só vieram a se separar na Idade Moderna,
buscando cada uma delas seu próprio caminho, ou seja, seu método”. Assim, a
filosofia se distingue da ciência, pois a filosofia se ocupa em buscar a verdade nos
mais diversos aspectos, pois sua visão se volta para o conjunto de coisas.

O campo da filosofia é de certo modo indeterminado, pois é um campo


muito vasto devido ao fato de que a filosofia estuda os problemas fundamentais
associados à existência, aos valores morais e estéticos, ao conhecimento, à mente,
à verdade e à linguagem.

11
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

A ciência, por outro lado, consiste na aplicação de teorias que já foram


testadas, possui um caráter empírico e sistemático, segue um método que consiste
na observação, hipótese, experimentação e conclusão. “A filosofia não faz juízos
de realidade, como a ciência, mas juízos de valor” (ARANHA; MARTINS, 1993,
p. 73). Assim, a filosofia busca um significado, um sentido último para as ações,
pois ao perceber a realidade, o filósofo busca dar sentido à experiência.

4 A FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA


O pensamento filosófico-científico surge na Grécia, por volta do século VI
a.C. É importante frisar que a Grécia passa por quatro grandes períodos: Período
Homérico; Período da Grécia Arcaica; Período Clássico e Período Helenístico.
Observe que estamos falando dos quatro períodos da história da Grécia antiga e
não os períodos da filosofia.

Período Homérico – Do século XI ao VIII a.C. – é assim denominado


porque neste período teria vivido Homero, o grande poeta grego, que de acordo
com os historiadores, é o autor dos poemas épicos Ilíada e Odisseia. O período
consiste em uma fase de transição.

Há a invasão dos povos dórios, povos de origem indo-europeia, que


migraram para a Península Balcânica e juntamente com os jônios, eólios e aqueus,
participaram da formação de várias cidades-estados da Grécia Antiga.

A invasão dos dórios desencadeou um grande deslocamento de grupos


de pessoas da Grécia Continental para a Ásia Menor e as ilhas do Mar Egeu.
Sobre determinado acontecimento, Moraes (1993, p. 53) aponta que “com a
invasão dórica, ocorreu um retrocesso da produção material e cultural da região.
O ativo comércio desapareceu e as cidades foram abandonadas. Houve um
retorno ao campo e à vida rural; a sociedade voltou a se organizar em padrões
mais simples”. O período é considerado como pré-homérico, pois é marcado por
uma nova maneira como a sociedade grega se organizou.

Assim, é importante pensar sobre a maneira como a sociedade grega do


período homérico se organizou para superar o processo de transição que marca o
período homérico. De acordo com Moraes (1993, p. 53):

A sociedade grega, neste período homérico, passou a ser organizar


em génos (ou gens, espécie de clãs), por isso a chamamos de sociedade
gentílica. A génos era uma comunidade formada por uma grande família,
chefiada pelo patriarca. Esses agrupamentos sociais conseguiam
assegurar sua sobrevivência mediante uma atividade coletiva, ou seja,
o trabalho, os bens e a produção eram propriedade de todos.

A fase marcou a substituição da cultura micênica pela gentílica (dos génos).


A nova organização gerou uma série de problemas, pois a sociedade gentílica
foi desaparecendo gradativamente, pois com o aumento populacional e a baixa

12
TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

produção coletiva, não foi capaz de produzir alimento suficiente para o sustento
das pessoas, gerando um quadro de fome e pobreza (MORAES, 1993).

O resultado imediato da situação foi o fortalecimento de algumas famílias


que se tornaram proprietárias das melhores terras e formaram uma pequena
aristocracia comandada pelo Pater, o chefe e autoridade máxima das organizações,
que possuía autoridade política, militar e religiosa. Assim, os génos eram
sociedades patriarcais, cujos membros compartilhavam laços consanguíneos.

Período da Grécia Arcaica – Do século VIII ao V a.C. – se no período


Homérico se deram início às grandes transformações ocorridas na Grécia, no
período arcaico ocorreu a fase final de uma nova transformação social e cultural.
Os gregos passaram a ser governados por uma aristocracia. É o período em que
surgem os primeiros legisladores gregos, pois havia se desenvolvido um ambiente
em que foram dados os primeiros passos em direção à construção de uma
democracia grega. Ainda, a escrita grega foi revitalizada e novas organizações
políticas e sociais se adaptaram.

Período Clássico – Do século V ao IV a.C. – é o período da história


grega tido como o mais glorioso. Ainda que tenha sido um período de intensos
conflitos externos e internos, foi marcado por um elevado crescimento econômico
e cultural, tendo como principal centro a cidade de Atenas.

De acordo com Moraes (1993, p. 60), “o período conhecido como Grécia


Clássica corresponde ao apogeu da cultura grega (principalmente de Atenas),
interrompido pela conquista macedônica, mas abrange também acontecimentos
como as guerras externas (contra os persas) e internas (Atenas e Esparta)”.

O apogeu de Atenas sobre as demais cidades gregas se deu em grande


medida ao governo de Péricles entre os anos 461-431 a.C., pois “as reformas
políticas de Péricles ampliaram a democracia ateniense, permitindo maior
participação dos cidadãos mais pobres nas assembleias e nas decisões do governo”
(MORAES, 1993, p. 62).

A ampliação da democracia, o investimento em obras públicas, o


embelezamento de Atenas e fortalecimento econômico da cidade fizeram com
que Atenas assumisse uma posição imperialista em relação às demais polis gregas,
competindo diretamente com Esparta, outra cidade de grande importância para a
Grécia. Naturalmente uma reação foi desencadeada por parte das demais cidades
lideradas por Esparta, no sentido de combater a hegemonia ateniense.

A aliança entre as cidades gregas fundou a Liga do Peloponeso. Após


a morte de Péricles, os conflitos entre Atenas e Esparta, que liderava as outras
cidades, culminaram com a Guerra do Peloponeso, que enfraqueceu as cidades-
estados, pois consumia seus recursos e vidas em um conflito que no final foi
vencido pela Liga do Peloponeso.

13
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Contudo, Esparta assume uma posição hegemônica em relação às demais


cidades-estados, pois aplicaram ações imperialistas sobre as cidades que haviam sido
suas aliadas. Assim, novos conflitos surgiram e houve o enfraquecimento do poder
grego, subjugados do poder de Felipe II da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande.

Período Helenístico – do século IV ao II a.C. – o que caracteriza este


período é a expansão significativa da ciência e do conhecimento. A cidade de
Alexandria, por exemplo, se tornou o grande centro da cultura helenística, pois
segundo Arruda e Piletti (1996, p. 56):

Alexandria ganhava fama no Ocidente e no Oriente com a população


numerosa, indústria artesanal, museus, biblioteca com 400.000 obras.
A vida intelectual era intensa: Matemática, Geometria e Medicina se
desenvolveram. O pensamento filosófico dividia-se em duas correntes:
estoicismo, que acentuava a firmeza de espírito, indiferença à dor e
submissão à ordem natural das coisas; e epicurismo, que aconselhava a
busca do prazer.

Na verdade, podemos afirmar que o helenismo foi o resultado de uma


política de integração entre as diferentes culturas, pois como afirma Arruda e
Piletti (1996, p. 55), “a civilização helenística resultou da fusão da cultura helênica
(grega) com a cultura do Oriente Médio, principalmente persa e egípcia. Seu
centro se deslocou da Grécia e do Egeu para o Oriente Médio, para os novos polos
irradiadores da cultura: Alexandria, Antioquia e Pérgamo”.

Assim, o protagonismo das três cidades ofuscou o antigo e esplendor de


Atenas e Esparta, que havia sido o centro da cultura grega por muito tempo.
Determinado deslocamento mostra como a cultura de um povo pode ser assumida
e disseminada em outras regiões, pois o legado cultural grego permaneceu e
influenciou o mundo ocidental até os dias de hoje. Assim, Arruda e Piletti (1996,
p. 56) acentuam que:

A contribuição dos gregos para a humanidade abrange todos os


setores da vida humana. Eles fundaram a filosofia. As reflexões de
Sócrates sobre a natureza e o homem e os sistemas criados por Platão
e Aristóteles tornaram imortal o pensamento grego. Seu teatro chega
até nós cheio de vida. Demóstenes, mestre da oratória. O esplendor
da arte grega ainda pode ser admirado nas ruínas do Partenon e na
Acrópole de Atenas.

Podemos afirmar que a sociedade ocidental possui uma dívida cultural


muito grande para com os gregos. No caso da filosofia, o valor que as obras gregas
possuem para o mundo é incalculável, pois o pensamento filosófico clássico grego
delineou a maneira de pensar do homem ocidental.

Determinado subsídio histórico se faz necessário para compreendermos


em que contexto político, econômico e cultural os primeiros pensadores
desenvolveram suas ideias. Devemos lembrar que cada filósofo é fruto de seu
tempo, pois sua filosofia é uma reflexão sobre as questões que dizem respeito à
realidade, ao momento histórico e cultural em que eles viveram.

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TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

LEITURA COMPLEMENTAR

A FILOSOFIA NO MUNDO

Mas como se põe o mundo em relação com a filosofia? Há cátedras de


filosofia nas universidades. Atualmente, representam uma posição embaraçosa.
Por força de tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto
de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece
de qualquer utilidade prática. É nomeada em público, mas – existirá realmente?
Sua existência se prova, quando menos, pelas medidas de defesa a que dá lugar.

A oposição se traduz em fórmulas como: a filosofia é demasiado


complexa; não a compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação
para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o
interesse pelas questões fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano
geral para mergulhar, através de trabalho consciencioso, num capítulo qualquer
de atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter “opiniões” e
contentar-se com elas.

A polêmica torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de si mesmo,


odeia a filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha
vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita,
teria de rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente.

Surgem os detratores, que desejam substituir a obsoleta filosofia por algo


de novo e totalmente diverso. Ela é desprezada como produto final e mendaz de
uma teologia falida. A insensatez das proposições dos filósofos é ironizada e a
filosofia vê-se denunciada como instrumento servil de poderes políticos e outros.

Muitos políticos veem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência


da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não
pensam, mas somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir
que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista
como algo entediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto
mais vaidades se ensinem, menos estarão os homens arriscados a se deixarem
tocar pela luz da filosofia.

Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não têm


consciência dessa condição. A autocomplacência burguesa, os convencionalismos,
o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito
de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de
poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um
nome literário – tudo isso proclama a antifilosofia. E os homens não percebem
porque não se dão conta do que estão fazendo. E permanecem inconscientes
de que a antifilosofia é uma filosofia, embora pervertida que, se aprofundada,
engendraria sua própria aniquilação.

15
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

O problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o


mundo não o quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz.

E a verdade, o que será? A filosofia busca a verdade nas múltiplas


significações do ser-verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas
não possui o significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é
estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito.

No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva o conflito


ao extremo, porém, o despe de violência. Em suas relações com tudo quanto
existe, o filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com
outros pensadores e ao processo que o torna transparente a si mesmo.

Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele


diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejo de partilhar,
com seus concidadãos, do destino comum da humanidade.

Eis o porquê da filosofia não se transformar em credo. Está em contínua


pugna consigo mesma.

FONTE: JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971, p. 138.

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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O mito foi a primeira forma que o ser humano encontrou para explicar a origem
do universo e das demais coisas, sejam elas físicas ou não.

• O pensamento mítico consiste na maneira que o ser humano encontrou para


explicar aspectos essenciais da sua realidade.

• O apego ao mito era uma maneira de explicar a realidade e trazer tranquilidade


diante do desconhecido.

• O mito apela para o sobrenatural, ao mágico e sagrado para explicar a realidade.


É uma narrativa que não está preocupada com a possibilidade de comprová-lo
cientificamente ou empiricamente.

• As epopeias tentam mostrar que há uma relação entre os deuses e os homens.

• A Teogonia trata da progressão que o universo passou até chegar ao que


conhecemos hoje.

• A filosofia é o instrumento racional que tem por finalidade despertar no ser


humano o seu estado de comodismo, cumpre o papel de desvencilhar o ser
humano das amarras ideológicas, libertá-lo das ilusões e manipulações que
embotam a razão e escravizam a consciência humana.

• A filosofia é uma área que está em constante mudança, pois a reflexão filosófica
não está em busca de respostas que sejam absolutas e dogmáticas, que não
podem ser questionadas, pois ela não se apega às certezas das doutrinas, nem
tão pouco à impossibilidade do conhecimento.

• O campo da filosofia é de certo modo indeterminado, pois é um campo muito


vasto devido ao fato de que filosofia estuda os problemas fundamentais
associados à existência, aos valores morais e estéticos, ao conhecimento, à
mente, à verdade e à linguagem.

• A Grécia passa por quatro grandes períodos: Período Homérico; Período da


Grécia Arcaica; Período Clássico e Período Helenístico.

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AUTOATIVIDADE

1 O pensamento mítico, geralmente, é visto como aquilo que beira a


irracionalidade, devido aos seus aspectos fantasiosos e imaginários.
Entretanto, o mito teve um papel central para a vida das primeiras
civilizações. Explique o que é e como surgiu o pensamento mítico.

2 “O que é filosofia?” É uma questão importante para compreendermos


a sua relevância para o conhecimento científico e para a organização das
sociedades. Apesar de ser uma questão que não oferece uma resposta
tão simples, é possível compreender o que é filosofia a partir de algumas
definições que nos foram dadas ao longo de sua história. Sobre o que é
filosofia, assinale V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Filosofia é a área do conhecimento que oferece todos os tipos de respostas


com precisão absoluta que podem ser aceitas universalmente.
( ) A filosofia é o instrumento racional cuja finalidade é despertar o ser
humano de seu estado de comodismo.
( ) A filosofia possibilita que o ser humano busque sua realidade e construa
sua própria história com autonomia e liberdade.
( ) A filosofia tem como objetivo formar, na mente do ser humano, certezas
que jamais poderão ser questionadas.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F – V.
b) ( ) F – V – V – F.
c) ( ) F – F – V – V.
d) ( ) V – V – V – F.

18
UNIDADE 1
TÓPICO 2

OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA


ANTIGA E CLÁSSICA

1 INTRODUÇÃO
Conhecer a história da filosofia é fundamental para compreendermos sua
importância em relação aos avanços científicos, culturais, políticos e sociais que
ocorreram ao longo dos séculos. Claro que em apenas um tópico não será possível
discorrer, nem que seja um pequeno fragmento de uma área do conhecimento
humano que vem acumulando saberes ao longo de centenas de anos. Todavia,
nossa proposta é discorrer sobre alguns aspectos que consideramos importantes
em relação ao desenvolvimento do pensamento filosófico.

Evidentemente que não é algo tão simples situarmos uma determinada


corrente filosófica em um período histórico específico, pois a filosofia é dinâmica
e as ideias, conceitos, métodos são constantemente revisados, questionados,
atualizados, melhorados e pensados à luz do tempo histórico.

Entretanto, determinadas correntes de pensamento ganham força ou são


mais bem desenvolvidas em um tempo histórico específico, e assim situamos a
corrente de pensamento junto com um determinado tempo e finalidade didática.

Outros movimentos filosóficos surgem especificamente em um tempo


histórico específico, mas geralmente consistem na evolução de um pensamento
que possa ter iniciado em outro momento da história. O que queremos dizer
que não devemos nos preocupar tanto com o período, mas com a corrente de
pensamento em si.

Neste tópico, iremos discorrer sobre as principais escolas filosóficas, os


principais filósofos da filosofia clássica grega e da patrística. Em seguida, vamos
abordar os rumos da filosofia moderna e por fim, uma breve análise sobre a
filosofia contemporânea.

Em um primeiro momento, vamos estudar sobre a filosofia antiga. Vamos


discorrer sobre cada período que constitui o primeiro momento do pensamento
filosófico. Você poderá observar, no decorrer do estudo, que cada período é
marcado por um problema, do qual os pensadores se ocupam com o propósito de
encontrar uma resposta para aquilo que consideram dilemas.

19
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

2 A FILOSOFIA ANTIGA
A Filosofia Antiga compreende o período que vai do surgimento da
filosofia até a queda do Império Romano. Neste período, os pensadores gregos
começaram a questionar acerca da racionalidade humana e iniciaram a busca por
novas explicações para compreender a realidade.

A filosofia deste período é caracterizada pela pretensão de abranger


uma grande quantidade de ideias e campos, ainda que o principal objetivo dos
pensadores tenha sido a busca pelo fundamento que se oculta por detrás de todas
as coisas.

2.1 O PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO OU COSMOLÓGICO


Os pré-socráticos são os pensadores da Grécia antiga que precederam
Sócrates. Também são chamados de filósofos da natureza (physis) ou naturalistas,
pois tinham como principal objetivo investigar o princípio das coisas.

Antes de estudarmos as principais escolas de filosofia pré-socráticas e seus


representantes mais expressivos, vamos apresentar uma síntese do período pré-
socrático, para que você já possa ter uma noção geral de que consiste o período.

Podemos destacar dois grupos de filósofos: os primeiros são os chamados


fisiólogos, pois ao apelar para um arché – um elemento básico de onde as coisas
se originam e do qual o universo é constituído em sua totalidade – buscavam
um princípio ordenador do universo, ou seja, estavam interessados em explicar
a physis, a natureza material do universo. O outro grupo, os sofistas, tinha uma
preocupação diferente, pois estavam interessados na vida dos homens e na
maneira como poderiam participar da vida pública e se fazerem ouvido nos
espaços de debates.

Observe que são os principais problemas que irão ocupar a mente dos
pensadores do período. Determinados problemas irão gerar inúmeros debates
e as diferentes escolas da época irão assumir suas posições, construindo os
argumentos que justifiquem seus posicionamentos em relação aos problemas
propostos.

2.1.1 Escola jônica


A cidade de Mileto era um centro comercial de grande importância. O fato
de ser um centro de comércio demonstrava um trânsito de pessoas de diferentes
partes do mundo, além das trocas comerciais e culturais. A escola jônica estava
sediada na cidade de Mileto, nos séculos VI e V a.C. O principal filósofo da escola
foi Tales de Mileto.

20
TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

Os jônios se estabeleceram na região da Ásia Menor e, diferentemente das


poleis gregas continentais, que ainda estavam presas às características do
Período Arcaico, produziram as primeiras explicações científicas e filosóficas
e se transformaram em grandes centros econômicos e culturais, graças à
localização geográfica privilegiada, sobretudo nas cidades de Mileto e Éfeso,
o que facilitava a navegação, o comércio e o intercâmbio cultural com outros
povos (SOUZA apud BRAGA JUNIOR; LOPES, 2015, p. 86).

Podemos afirmar que foi na Escola Jônica que ocorreram as primeiras


tentativas racionais de responder às diversas questões sobre a natureza e a
realidade. Os filósofos dessa escola estavam preocupados em encontrar uma
substância primeira, causadora de tudo, pois eles romperam “com as explicações
míticas ainda que muito próximos delas. Os filósofos do período apresentaram
explicações do mundo a partir do mundo, e não mais a partir das divindades”
(LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 117).

Os principais representantes dessa escola são os seguintes: Tales de Mileto,


Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto e Heráclito de Éfeso. A seguir,
veremos brevemente a ideia principal de cada um desses pensadores pré-socráticos.

2.1.1.1 Tales de Mileto


Tales viveu entre 623-546 a.C. e é considerado o pai da filosofia e fundador
da Escola de Mileto. Além de filósofo, Tales foi um importante matemático,
cientista e político. Para o pensador, a água é princípio que origina todas as coisas.

FIGURA 2 – TALES DE MILETO

FONTE: <http://voupassar.club/tales-de-mileto-biografia-e-filosofia/>.
Acesso em: 28 mar. 2018.

De acordo com Souza (1996, p. 88):

Para a história da filosofia, a importância de Tales advém sobretudo


de ter afirmado que a água era a origem de todas as coisas. A água
seria a PHYSIS que, no vocabulário da época, abrangia tanto a acepção
de “fonte originária” quanto a de “processo de surgimento e de
desenvolvimento”, correspondendo perfeitamente à “GÊNESE”.

21
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Sua visão unitarista compreendia a ideia de que “a água unifica todas as


coisas, desde que ela esteja na base de sua origem e de sua sobrevivência; ela está
sob a terra e a sustenta” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 117).

Em relação à teoria desenvolvida por Tales, embora submetida a um teste


mais rigoroso, podemos perceber suas falhas, entretanto faz sentido. A explicação
que ele dá, para defender a tese de que a origem de todas as coisas estava no
elemento água, fundamenta-se da seguinte maneira: quando densa, transformar-
se-ia em terra; ao ser aquecida, viraria vapor que, quando se resfriava, retornaria
ao estado líquido, garantindo assim a continuidade do ciclo. É um ciclo sem fim
que geraria novas formas de vida que, em um processo evolutivo, daria origem a
todas as coisas existentes no universo.

2.1.1.2 Anaximandro de Mileto


De acordo com a tradição, Anaximandro (610-546 a.C.) foi discípulo e
sucessor de Tales na escola Jônica. Assim como seu mestre, Anaximandro buscava
por um princípio originador do cosmos – um arché. Todavia, Anaximandro se
afastava do pensamento de Tales, pois entendia que “em meio a tantos elementos
observáveis no mundo natural – a água, o fogo, o ar etc. –, ele acreditava não
ser possível eleger uma única substância material como princípio primordial de
todos os seres, a arché” (COTRIM, 2000, p. 79).

Diante da impossibilidade de determinar um princípio originador do


cosmos e diante de uma realidade indeterminada, ilimitada e invisível, o ápeiron
se tornou o conceito chave da cosmologia desenvolvida por Anaximandro.

FIGURA 3 – ANAXIMANDRO DE MILETO

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/4241828
58636078371/>. Acesso em: 28 mar. 2018.

De acordo com Cotrim (2000), o princípio originador em Anaximandro


é algo que transcende os limites do observável, ou seja, não se situa em uma
realidade ao alcance dos sentidos.

22
TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

Anaximandro chegou à conclusão após ter buscado nos mais diversos


elementos observáveis, um elemento que fosse a causa, ou princípio originador
de todas as coisas. Diante do fato de não ter encontrado um princípio que pudesse
ser experimentado pelos sentidos, ele chegou à conclusão que o princípio é o
Indeterminado (apeiron).

“O indeterminado governa o universo pela lei permanente do devir,


do nascer e do morrer dos mundos infinitos. Tudo tem origem nele e tudo nele
se dissolve, mas ele permanece distinto de todas as coisas, como seu princípio
imutável e eterno” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 117).

Para resumir a ideia de um princípio originário, Anaximandro entende


que a substância causadora de tudo o que existe não está limitada à natureza, mas
transcende a ela e aos nossos sentidos, fugindo do campo do observável.

2.1.1.3 Anaxímenes de Mileto


Anaxímenes (588-524 a.C.), diferentemente de seus antecessores, Tales e
Anaximandro, afirmava que o ar era a substância primária que deu origem a
todas as demais coisas. Deve-se ao fato de que Anaxímenes não concordava com
Anaximandro acerca do seu conceito de ápeiron.

FIGURA 4 – ANAXÍMENES DE MILETO

FONTE: <http://www.vanialima.blog.br/2014/01/anaximenes-de-mileto.html>.
Acesso em: 28 mar. 2018.

Sobre a teoria de Anaxímenes, Luckesi e Passos (2000, p. 117) apontam que:

Para ele, o princípio de todas as coisas era o Ar, que gera, rege e
governa todas as coisas, as que foram e as que serão (inclusive os
deuses), por meio dos processos opostos de rarefação e condensação.
Rarefazendo-se, o Ar torna-se fogo; condensando-se, torna-se vento;
depois, nuvem, água, terra, pedra. Do mesmo processo promanam o
frio, como condensação, e o calor, como rarefação. Assim, o Ar garante
a força criadora e animadora do mundo. O movimento do mundo é

23
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

cíclico, no sentido de que cada coisa, periodicamente, se dissolve no


princípio originário, para, depois, regenerar-se.

A tese de Anaxímenes foi uma tentativa de sintetizar as ideias de seus


antecessores em um único princípio. No caso da teoria de Tales de Mileto, em que
a água sintetizava como regulador de todas as coisas do mundo, na verdade era
o ar condensado. O fogo, por sua vez, era o ar rarefeito.

Em relação à teoria de Anaximandro, de que o princípio originador


é o Indeterminado, na verdade é o Ar, pois este é infinito, ilimitado e está em
constante movimento.

2.1.1.4 Heráclito de Éfeso


É de Heráclito (535-475 a.C.) a famosa expressão “Nunca nos banhamos
duas vezes no mesmo rio”. Determinada expressão sintetiza de maneira precisa
o cerne do pensamento, pois para ele, as coisas estão em um constante devir, ou
seja, as coisas mudam constantemente. Assim, sua filosofia é mobilista. Devido à
posição, Heráclito é considerado pai da dialética.

FIGURA 5 – HERÁCLITO DE ÉFESO

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/heraclito.htm>. Acesso em: 28 mar. 2018.

Diferentemente dos outros pensadores de sua escola, Heráclito “coloca a


fonte de todas as coisas no fogo: o cosmo, que é o mesmo para todos, não foi feito
nem por algum homem, nem por algum deus, pois ele foi e sempre será fogo”
(LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 119).

É importante ressaltar que Heráclito estava mais preocupado em


compreender o logos, ou seja, a razão universal que ordena todas as coisas que
existem e as que virão a existir. Ao usar a figura do fogo, sua intenção é apontar
para o fato de que:

24
TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

O universo é contínuo vir a ser, decorrente da luta dos opostos: frio/


quente; úmido/seco... A morte de um dos polos dos opostos é a vida
do outro e vice-versa. A luta dos opostos é a lei do universo, mas eles
se unificam no Fogo; a harmonia visível do mundo nada mais é do que
o reflexo da harmonia do logos, princípio constitutivo da realidade
universal. Como tudo provém do fogo, tudo a ele retorna. Assim, todas
as coisas se regeneram eternamente (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 119).

Assim, o fogo é a natureza de todas as coisas que nos são conhecidas. O


fogo representa o devir contínuo, pois o próprio fogo, por si, indica mudança em
suas propriedades, visto que suas chamas se transformam em cinzas, fumaças e
vapores. Heráclito é um mobilista, pois para ele o ser está em constante mudança.

O pensamento filosófico de Heráclito irá influenciar profundamente a filosofia


posterior, pois para sua doutrina da unidade dos contrários, em que a mutabilidade é
constitutiva da realidade, o ser humano passa a ser o centro da discussão.

Sua filosofia penetra na intimidade do homem e na sua maneira de perceber


o mundo, a existência e a vida. Seu pensamento inaugura uma nova maneira de
perceber a realidade, visto que até então os pensadores entendiam a realidade como
imutável. Vários séculos depois, o filósofo alemão Hegel constrói sua filosofia, que
irá se basear em uma concepção dialética que muito deverá para Heráclito.

2.1.2 Escola pitagórica


O nome da escola é em função de seu principal expoente ter sido Pitágoras,
que viveu no século VI a.C. A escola pitagórica teve seu ponto de partida na cidade
de Crotona e se difundiu por outras partes. Os pitagóricos foram fortemente
influenciados exteriormente pelas religiões orientais. Assim, eles se aproximaram
das filosofias dogmáticas regidas pela ideia de autoridade, pois a autoridade
docente era profundamente rígida.

FIGURA 6 – PITÁGORAS DE SAMOS

FONTE: <https://sites.google.com/site/filosofiapopular/filosofos/pitagoras-de-samos>.
Acesso em: 28 mar. 2018.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Como os demais pensadores e escolas de filosofia do período, a escola


estava em busca de um princípio originador de todas as coisas. Para os pitagóricos,
“o número é o princípio de todas as coisas, não propriamente no sentido
matemático (números que utilizamos para pensar e operar com as quantidades),
mas especialmente no sentido ontológico (constitutivo) das coisas” (LUCKESI;
PASSOS, 2000, p. 119).

Assim, a essência dos seres possui uma estrutura matemática, pois


a própria essência do mundo é composta por relações numéricas e pode ser
compreendida pelo homem a partir do uso de sua razão.

Para ilustrar a concepção, Pitágoras usa o exemplo da música, pois de


acordo com ele, o som agradável dos acordes musicais depende da harmonia entre
as notas musicais. Determinada harmonia é possível quando a relação numérica
entre as notas musicais tem a medida justa. Entretanto, quando não há uma medida
justa, o resultado são os sons sem harmonia e desagradáveis aos ouvidos.

2.1.3 Escola de Eleia


Determinada escola se originou na cidade Eleia, uma antiga cidade da
Magna Grécia. Os debates que aconteciam sobre a cosmologia apresentavam
pontos de vista muito divergentes. Os eleatas Zenão e Parmênides entraram no
debate e deram uma importante contribuição para a discussão. Vamos apresentar
apenas a ideia principal de Parmênides, para termos uma noção básica da
principal contribuição da escola para o debate filosófico.

FIGURA 7 – PARMÊNIDES DE ELEIA

FONTE: <http://www.materialismo.net/2013/12/historia-do-materialismo-cap-ii-dos.html>.
Acesso em: 28 mar. 2018.

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TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

Parmênides (530-460 a.C.) nasceu em uma família nobre da cidade de


Eleia e é considerado o fundador da escola eleata. É um filósofo imobilista, pois
para ele nada muda, tudo é uno. A ideia se choca frontalmente com Heráclito, que
defendia o mobilismo, como vimos anteriormente. Para este pensador, há dois
caminhos para se chegar à compreensão da realidade:

A aleteia (caminho da verdade) e a doxa (caminho da opinião); porque


duas são as realidades: a do Ser e a do devir (para ele, não ser). A
primeira é a via da razão e da persuasão, que conhece o Ser (que é
eterno, imutável), e a segunda é a via dos sentidos e das aparências
enganáveis, que conhece o devir (aquilo que é mutável) (LUCKESI;
PASSOS, 2000, p. 122).

Significa dizer que Parmênides considerava que a razão pode atingir


o conhecimento genuíno e a compreensão. Tal percepção do domínio do Ser
corresponde às coisas que são percebidas pela mente.

O mundo sensível é o mundo das ilusões, visto que o aquilo que é


percebido pelas sensações é enganoso e falso, pois pertence ao domínio do não
ser. Assim, ele faz distinção entre o conhecimento racional e o conhecimento
sensível, “criando uma dualidade no âmbito do ser e do conhecer” (LUCKESI;
PASSOS, 2000, p. 123).

Parmênides demonstrou que a noção de Heráclito do “tudo flui”, ou seja,


que o ser que está em constante mudança se baseava em uma opinião a partir das
percepções sensoriais. Para Parmênides o “Ser é”. Podemos usar como exemplo
a foto de uma pessoa com dois anos de idade e a foto da mesma pessoa com 30
anos de idade.

Para Heráclito, a pessoa não é mais a mesma, pois as experiências e o tempo


mudaram sua aparência e a essência. Para Parmênides, é a mesma pessoa, mudou
a aparência e a pessoa passou por um desenvolvimento cognitivo, contudo sua
essência, o Ser, permanece o mesmo.

“Para Parmênides, o movimento existe apenas no mundo sensível, e a


percepção levada a efeito pelos sentidos é ilusória”, por outro lado, somente “o
mundo inteligível é verdadeiro, pois está submetido ao princípio que hoje chamamos
de identidade e de não-contradição” (ARANHA, MARTINS, 1993, p. 93).

A influência do filósofo Parmênides pode ser percebida na maneira


como se concebe a origem do conhecimento, pois em sua obra estão as sementes
do racionalismo moderno. A filosofia racionalista coloca a razão como a fonte
primária, principal e confiável do conhecimento universalizável.

27
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

2.1.4 Escola atomista


O principal representante dessa escola é sem dúvida Demócrito (460 a.C.
— 370 a.C.), que nasceu em Abdera, mas visitou vários locais tais como Babilônia,
Egito e Atenas. Foi discípulo de Leucipo e, juntos, desenvolveram a teoria dos
átomos. Para essa escola pré-socrática, todos os elementos do universo são
compostos por átomos.

FIGURA 8 – DEMÓCRITO DE ABDERA

FONTE: <https://edukavita.blogspot.com.br/2015/06/biografia-de-democrito-de-abdera.html>.
Acesso em: 28 mar. 2018.

De acordo com Cotrim (2000, p. 85), “Demócrito afirmava que todas


as coisas que formam a realidade são constituídas por partículas invisíveis e
indivisíveis. Essas partículas são chamadas de átomos”. Os átomos que compõem
o universo estão em movimento constante no espaço.

Os corpos são formados a partir do agrupamento dos átomos, que


dependendo da maneira como se agrupam, dão formas variadas aos corpos.
Apesar dos átomos serem eternos, contudo os corpos (resultantes do agrupamento
de átomos) decaem e perecem. Assim, as coisas nascem quando os átomos se
juntam e a morte é a desintegração das coisas.

2.2 PERÍODO ANTROPOLÓGICO


A filosofia clássica marca um período em que a filosofia passa por um
amadurecimento, e se destacam três pensadores fundamentais para a filosofia
grega e geral como um todo: Sócrates, Platão e Aristóteles.

Diversos fatores contribuíram para a filosofia deste período e seu


aprofundamento, pois não podemos esquecer que a filosofia reflete as discussões
de seu tempo. Assim, se olharmos para o contexto em que viveram determinados
filósofos e a maneira como desenvolveram suas ideias, vamos perceber que
estavam interessados em encontrar respostas para os problemas e desafios da
época em que viveram.
28
TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

Os séculos V e IV a.C. ficaram marcados por um grande desenvolvimento


científico, as cidades estavam crescendo e as discussões sobre a democracia
estavam em alta nesta época. Tal cenário contribuiu diretamente para o surgimento
de diferentes correntes de pensamento filosófico.

Por um lado, por exemplo, tínhamos os sofistas, que cobravam para


preparar seus alunos na arte da retórica. Os sofistas recebem muitas críticas
devido à maneira como lidavam com a educação, mas se fizermos uma análise
mais aprofundada, veremos que estes personagens da história da filosofia também
têm seus méritos.

2.3 OS SOFISTAS E A ARTE DE ARGUMENTAR


Você já se deparou com uma situação em que uma pessoa argumenta
tão bem, que mesmo que não esteja dizendo a verdade, consegue convencer as
pessoas que lhe ouvem? Acontece porque a argumentação é um recurso que tem
como finalidade convencer alguém.

Determinado convencimento pode ter várias finalidades, desde a mudança


de um comportamento, aceitação de uma ideia, que em última instância geralmente
argumentamos no sentido de que aquele que nos ouve pense como nós.

Infelizmente, a arte de argumentar não é um talento que todos possuem.


Assim, muitos vão buscar uma forma de melhorar seus argumentos e a maneira
como apresentam suas ideias. Na Grécia antiga não era diferente, pois muitos
cidadãos queriam melhorar sua retórica para poderem participar das discussões
na Ágora. Os sofistas enxergaram nisso uma oportunidade de se sustentarem,
pois ensinavam para seus alunos a arte de argumentarem bem. Assim:

Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço,


vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração
os interesses dos alunos, davam aulas de eloquência e de sagacidade
mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios
públicos e privados (COTRIM, 2000, p. 91).

Apesar das duras críticas que sofreram de Platão, que os considerava


impostores, os sofistas tiveram muito sucesso. O sucesso se deve ao momento
histórico em que a Grécia se encontrava, pois havia embates políticos muito
intensos nas assembleias democráticas, e os participantes desses momentos
queriam estar preparados para discutir com seus oponentes.

Os cidadãos mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender a arte de


argumentar em público para conseguirem persuadir em assembleias e, muitas
vezes, fazerem prevalecer seus interesses individuais e de classe (COTRIM, 2000).

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Podemos afirmar que o sucesso dos sofistas consiste no fato de que

Souberam captar de modo perfeito essas instâncias da época


conturbada em que viveram, sabendo explicitá-la e dar-lhes forma e
voz. E isso explica porque alcançaram tanto sucesso, especialmente
entre os jovens: eles respondiam a reais necessidades do momento,
propondo aos jovens a palavra nova que esperavam, já que não
estavam mais satisfeitos com os valores tradicionais que a velha
geração lhes propunha nem com o modo como os propunha (REALE;
ANESTISERI, 2003, p. 75).

Platão não enxergava os sofistas como filósofos, pois estes não estavam
preocupados com a verdade, apenas se preocupavam em preparar seus alunos
para o debate público. Eles negavam que houvesse verdade ou a possibilidade de
ter acesso a ela.

Assim, a argumentação não busca necessariamente demonstrar a verdade,


mas por meio de um jogo de palavras habilmente posicionado, o orador poderá
convencer seus ouvintes acerca daquilo que ele acredita. De acordo com Cotrim
(2000, p. 91),

As lições sofistas tinham como objetivo, portanto, o desenvolvimento


do poder de argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento
de doutrinas divergentes. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo
de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de
convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários.

Pelo que vimos até aqui é possível que você esteja pensando: os sofistas não
contribuíram em nada com a filosofia? Para responder à pergunta, é necessário
apresentarmos pelo menos dois sofistas e suas principais ideias.

Protágoras de Abdera (480-410 a.C.) define o homem com a medida de


tudo o que existe, pois de acordo com ele “o homem é a medida de todas as
coisas; daquelas que são, enquanto são; e daquelas que não são, enquanto não
são” (PROTÁGORAS apud COTRIM, 2000, p. 92).

A concepção é uma expressão do relativismo, que é a corrente filosófica


que se fundamenta na afirmação de que não existe qualquer verdade ou valor
absoluto. No entendimento de Protágoras, o homem é o responsável pelos
destinos do mundo, pois ele é capaz de fazer e desafazer as coisas de acordo
com suas vontades. Entretanto, o relativismo de Protágoras abre margem para
uma subjetivista do mundo, pois cada pessoa pode afirmar que uma determinada
coisa é verdadeira “se para mim parece verdadeira” (COTRIM, 2000, p. 92).

O relativismo trouxe alguns problemas e discussões para a filosofia pós-


iluminista, pois na visão de MacIntyre (2001), o fracasso do Iluminismo culminou
com o ‘emotivismo’, em que os juízos morais expressam apenas sentimentos e
não juízos verdadeiros ou falsos. Assim, as pretensões emotivistas têm impedido
que a ética contemporânea chegasse a acordos morais mínimos.

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TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

Na concepção do autor, o emotivismo consiste em teorias falhas que


remetem a uma moral, a um subjetivismo e isolou o agente moral de seu contexto
histórico. O emotivismo é uma irracionalidade ética, pois os juízos apelam para
as emoções em detrimento da razão.

FIGURA 9 – PROTÁGORAS DE ABDERA

FONTE: <https://www.biografiasyvidas.com/biografia/p/protagoras.htm>.
Acesso em: 30 mar. 2018.

Górgias de Leontini (487-380 a.C.) dizia que “o bom orador é capaz de convencer
qualquer pessoa sobre qualquer coisa” (apud COTRIM, 2000, p. 92). O fundamento de
sua filosofia era o niilismo, pois defendia o ceticismo absoluto ao ponto de afirmar
que “a) nada existia; b) se existisse, não poderia ser conhecido; c) mesmo que fosse
conhecido, não poderia ser comunicado a ninguém” (COTRIM, 2000, p. 93).

Assim, é destruída qualquer possibilidade de se chegar à verdade absoluta.


Assim, nós podemos apenas analisar a condição em que nos encontramos, e a
partir daí podemos expor nossas ideias sobre a realidade, sem podermos apelar
para valores ou verdades absolutas que possam justificar o que fazemos ou
deixamos de fazer.

2.4 PERÍODO SISTEMÁTICO


Os principais nomes deste período são Sócrates, Platão e Aristóteles.
Este período é assim chamado porque esses pensadores sistematizaram todo
conhecimento filosófico produzido até então. Podemos citar Aristóteles, por
exemplo, que foi um grande sistematizador, organizador do pensamento.

Para ele, são atribuídas as primeiras divisões e compartimentações da


filosofia em diferentes campos: Lógica, Metafísica, Filosofia Natural, Ética,
Estética e a Política. A seguir, vamos discorrer resumidamente sobre a principal
contribuição que cada um desses pensadores concebeu à filosofia.

31
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

2.4.1 Sócrates
Sócrates nasceu na cidade de Atenas, no ano 469 a.C. A partir de Sócrates, a
filosofia grega passou por uma profunda mudança, pois o centro de seu debate é o
homem. O período também é chamado de Período Antropológico, pois a filosofia
passa a investigar as questões humanas, tal como a ética, a política e as técnicas.

FIGURA 10 – SÓCRATES E A IMORTALIDADE

FONTE: <http://www.novaera-alvorecer.net/socrates_e_a_imortalidade.htm>.
Acesso em: 30 mar. 2018.

Um dos aspectos que caracteriza a filosofia de Sócrates é o seu estilo de vida


compatível com seu pensamento. Embora tivesse um estilo de vida semelhante aos
sofistas e focasse em suas reflexões em torno dos problemas humanos, há pelo
menos duas características que o distingue deles: primeiro, Sócrates não vendia
seus conhecimentos ou mesmo cobrava por qualquer aula; segundo, Sócrates não
aderiu e nem mesmo aceitava as ideias relativistas dos sofistas, pois ele “procurava
um fundamento último para as interrogações humanas (O que é o bem? O que é
a virtude? O que é a justiça?)” (COTRIM, 2000, p. 94). Apesar de não ter deixado
nenhum escrito, seus diálogos foram compilados pelo seu fiel discípulo Platão.

Diante dos saberes e costumes construídos e constituídos ao longo da


história, Sócrates tinha uma posição crítica, tanto é que determinada posição lhe
custou a vida, pois foi acusado pelos poderosos de que sua maneira de pensar
estava corrompendo os jovens atenienses.

O método adotado por Sócrates para ensinar seus discípulos não consistia
na mera transmissão de conhecimentos, mas ele prezava pela construção do
conhecimento a partir de uma autoanálise, pois o ponto de partida para chegar
ao verdadeiro conhecimento é passar pelo reconhecimento da própria ignorância.

Assim, os princípios fundamentais do método socrático consistiam na


ironia e na maiêutica. Assim, Sócrates estimulava seus interlocutores a exporem
suas opiniões e defendê-las, para em seguida despi-los de suas ilusões e buscarem
o conhecimento verdadeiro por meio da razão.
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TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

A primeira parte do método dialético socrático consiste na ironia. É


importante ressaltar que o conceito de ironia em Sócrates se difere do sentido que
na maioria das vezes é utilizado em nosso contexto.

De acordo com Cotrim (2000, p. 94), “a ironia socrática tinha um caráter


purificador porque levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições
e ignorâncias, e antes só julgavam possuir certezas e clarividências”.

Na primeira etapa do método, Sócrates interrogava seu interlocutor acerca


daquilo que ele dizia saber. Para isso, Sócrates se colocava na posição de quem
nada sabia sobre o assunto e solicitava que este saber, que o interlocutor julgava
possuir, fosse compartilhado com ele. Quando o interlocutor apresentava seu
argumento, Sócrates fazia perguntas, e a cada resposta uma nova pergunta, com
o objetivo de mostrar as contradições internas do raciocínio do seu interlocutor.

Naturalmente encaminhava para uma demonstração de que o interlocutor,


que se julgava profundo conhecedor do tema em discussão, na verdade não
havia descoberto quão ignorante era. Assim, Sócrates conduzia o diálogo até o
ponto em que o seu interlocutor ficava embaraçado por ver seus conceitos serem
derrubados um a um. Então, nesta primeira etapa, o interlocutor se dava conta da
sua ignorância e, portanto, poderia passar para o segundo estádio que consiste
na maiêutica.

A maiêutica, portanto, é a segunda etapa do método socrático. Se na


primeira o indivíduo é levado a reconhecer sua ignorância, na segunda etapa
ele é conduzido a buscar o conhecimento que está dentro de si. O próprio termo
“maiêutica” significa arte de trazer à luz.

A utilização do termo por Sócrates, como um princípio fundamental de


seu método, remete à profissão da sua mãe, Fenareta, que era parteira e, portanto,
auxiliava as mulheres a parirem seus bebês. Sócrates se coloca como uma espécie
de ‘parteiro’ de novas ideias.

Assim como a parteira não gerava o bebê, mas apenas auxiliava para que
ele viesse ao mundo, Sócrates não se colocava como o ‘gerador’ do conhecimento,
mas apenas aquele que auxiliava as pessoas a exteriorizarem o conhecimento que
estava dentro deles.

Sócrates acreditava que cada ser humano é dotado de razão e, portanto,


capaz de gerar novos conhecimentos. Suas aulas eram na praça pública, pois
acreditava que tanto o escravo, quanto o cidadão comum, senhor, jovem, idoso,
homem ou mulher possuem razão e podem produzir novos conhecimentos.
Observe a figura a seguir e reflita sobre o que a menina diz.

33
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

FIGURA 11 – APRENDER A PENSAR

SERÁ QUE AQUI CABE TUDO O


QUE VÃO ME METER NA
CABEÇA?

FONTE: <http://dimensoesdafilosofia.blogspot.com.br/2012/04/teoria-da-maieutica-ava04.html>.
Acesso em: 4 mar. 2018.

O legado de Sócrates ao desenvolver seu método dialético é, sem dúvida, seu


empenho em construir uma sociedade composta de pessoas críticas e autocríticas,
indivíduos que desenvolvam seus próprios conhecimentos, submetendo-os ao
crivo da razão, avaliando suas contradições e reconhecendo suas ignorâncias.
Quando uma pessoa está disposta a se autoavaliar de maneira crítica, construir
seus valores e conhecimentos por meio de uma autorreflexão, esse indivíduo está
indo na direção de uma vida mais autônoma e crítica, qualidades necessárias
para autorrealização.

2.4.2 Platão
Platão nasceu em 428 a.C. e viveu em Atenas até o ano de sua morte em 347 a.C.,
onde fundou sua escola chamada de Academia. Apesar de sua grande contribuição à
filosofia, não será possível abordar aqui, mesmo que de maneira resumida, todos os
aspectos de seu trabalho. Vamos focar apenas naquilo que a maioria dos estudiosos
de filosofia consideram o aspecto central da filosofia platônica.

34
TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

FIGURA 12 – PLATÃO

FONTE: <https://pt.lifeder.com/frases-de-platao/>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Foi o discípulo mais notável de Sócrates. Depois da morte de seu mestre,


fez inúmeras viagens, período importante para ele, pois teve a oportunidade de
entrar em contato com diferentes culturas e em decorrência disso, amadureceu
suas reflexões filosóficas.

Ao retornar das viagens, fundou seu próprio centro de estudos filosóficos


nos jardins de seu amigo Academus. Por esse motivo, sua escola foi chamada de
Academia. No espaço, os discípulos de Platão recebiam uma educação formal, pois
vale lembrar que Sócrates se tornara o grande nome da filosofia, entretanto Platão
e Aristóteles foram os responsáveis por sistematizar e organizar o conhecimento
filosófico.

Uma das maneiras para compreendermos as ideias de Platão e resumir


seu pensamento será recorrer à alegoria da caverna. Na leitura complementar, ao
final deste tópico, você irá encontrar a transcrição da analogia.

Resumidamente, o mito consiste no seguinte: no interior da caverna


existem homens que nasceram e permanecem nela, pois estão acorrentados e não
podem sair e nem mesmo conseguem olhar para a entrada. A única visão que
possuem é do fundo da caverna.

As coisas que passam e acontecem, onde está uma fogueira, são projetadas
para o fundo da caverna. Assim, o que eles veem são apenas sombras daquilo que
é real. Contudo, se um dos homens conseguisse se soltar, visse a luz do dia e os
objetos reais e relatasse para aqueles que permaneceram no interior da caverna,
seus companheiros iriam considerá-lo louco, pois considerariam seus relatos
mentirosos e sem nenhum sentido.

De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 95), a análise da alegoria


“pode ser feita pelo menos sob dois pontos de vista: o epistemológico (relativo ao
conhecimento) e o político (relativo ao poder)”.

35
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Assim, Platão desenvolve uma teoria das ideias e uma teoria política.
Neste estudo, iremos discorrer, ainda que de maneira sucinta, apenas a teoria das
ideias formulada por Platão. O método escolhido por ele para desenvolver sua
teoria das ideias consiste na dialética.

O método “consiste na contraposição de uma opinião com a crítica que


dela podemos fazer, ou seja, na afirmação de uma tese qualquer seguida de uma
discussão e negação desta tese, com o objetivo de purificá-la dos erros e equívocos”
(CONTRIM, 2000, p. 97). Lembrando que o método não surge com Platão, mas
alguns filósofos pré-socráticos já utilizavam a dialética como o caminho para se
chegar ao verdadeiro conhecimento das coisas. Platão via a dialética como um
instrumento necessário para se alcançar a verdade.

Em sua teoria das ideias, Platão distingue o mundo em sensível e


inteligível. O mundo sensível é o dos fenômenos, ou seja, é o mundo da caverna
no qual vivemos e é feito de sombras e aparência da realidade. O mundo que
acessamos através de nossos sentidos é povoado de aparências ilusórias, as coisas
que vemos nada mais são do que as sombras do verdadeiro mundo, o das ideias.

No mundo sensível, o conhecimento é resultado das experiências


sensoriais, responsáveis por formar nossas opiniões (doxa), que na verdade é um
tipo de conhecimento inautêntico, pois para se chegar a esse tipo de conhecimento,
não precisamos necessariamente seguir um método para obter um conhecimento
seguro.

Diante do problema da opinião, como forma de conhecimento, Platão


propõe a dialética, pois possibilita que cheguemos ao conhecimento autêntico,
passemos da doxa (opinião) para a epistéme (ciência). Determinado processo se faz
necessário porque “a opinião nasce da percepção da aparência e da diversidade
das coisas.

O conhecimento, por sua vez, é elaborado "quando se alcança a ideia,


que rompe com as aparências e a diversidade ilusória” (COTRIM, 2000, p. 97).
A opinião antecede o conhecimento verdadeiro, pois o sujeito deve ir além das
aparências das coisas e buscar um conhecimento de sua essência. A epistéme
ultrapassa a linha do sensível e ilusório e penetra o mundo do Ser, das ideias. De
acordo com Luckesi e Passos (2000, p. 137):

O conhecimento sensorial desperta a alma para um conhecimento que


existe dentro de si e que, de alguma forma, foi esquecido; o sensorial
obriga o ser humano a remeter-se para o seu interior e buscar a verdade.
O homem comum se apega às aparências sensoriais, que se apropriam
do mundo das sombras, mas o filósofo (o sábio), a partir dos estímulos
sensoriais, busca o mundo do Ser, da verdade. A experiência sensorial
testemunha o reflexo do mundo do Ser (ideias), que se manifesta nas
coisas existentes. Importa ao sábio ser capaz de descobrir as essências
para além das manifestações das coisas existentes. Estudando-se as
coisas existentes, aprende-se o caminho para se chegar às essenciais.

36
TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

Note que Platão não despreza por inteiro o mundo sensível, das opiniões.
Contudo, o sujeito não pode se acomodar às opiniões, mas deve, a partir da
reflexão filosófica, a partir das opiniões, chegar ao verdadeiro conhecimento.

O segundo estágio é o racional, pois o sujeito se desprende das opiniões


e busca pelo verdadeiro conhecimento. Na figura a seguir, podemos perceber de
maneira mais clara a maneira com Platão desenvolve sua dialética.

FIGURA 13 – A DIALÉTICA DE PLATÃO


A DIALÉTICA DE PLATÃO
NOESIS
(VERDADE/SABEDORIA)
MUNDO INTELIGÍVEL
EPISTEME (CONHECIMENTO)
DIANÓIA
(RACIOCÍNIO)
DIALÉTICA

PÍSTIS
(CRENÇAS/IMPRESSÕES)
MUNDO SENSÍVEL
DOXA (OPINIÃO)
EIKASIA
(IMAGENS/ILUSÃO)

FONTE: <https://dougnahistoria.blogspot.com.br/2017/12/platao-busca-pela-verdade.html>.
Acesso em: 24 mar. 2018.

É possível observar que na primeira etapa do processo do conhecimento


nós temos acesso às imagens através dos nossos sentidos. São ilusões, pois não
são as imagens reais, mas apenas sombras das verdadeiras. A partir das ilusões,
segundo Platão, são formuladas as crenças e impressões responsáveis pela
opinião que temos acerca da realidade em nossa volta. É importante ressaltar que
cada indivíduo percebe a realidade que o cerca de maneira diferente. A partir da
percepção, ele forma suas opiniões sobre a realidade da qual faz parte.

A dianoia (raciocínio) é o conhecimento intermediário que existe entre


a doxa e a episteme. De acordo com Luckesi e Passos (2000, p. 138), a dianoia
(pensamento discursivo):

É um nível de conhecimento que está voltado para as essências, mas


que, para se processar, necessita ainda utilizar-se das figuras visíveis.
A dianoia é o prelúdio indispensável à noésis (conhecimento inteligível
das essências). No nível da dianoia, as contradições (igual/diferente,
grande/pequeno, simples/diverso etc.) são aplainadas, colocando-se
em seu lugar as noções estáveis e idênticas, como faz a matemática,
que não admite contradições em seus raciocínios.

A noésis seria o último estágio do conhecimento, pois “só nesse nível


cumpre-se o anseio da alma de chegar à verdade” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p.

37
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

138). Ainda que o conhecimento humano nunca seja pleno em relação à verdade,
contudo “a filosofia é um modo de preparação permanente do ser humano para
retornar ao mundo das essências” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 138).

Esse retorno ao mundo das essências Platão chama de reminiscência, pois ele
acreditava que a alma vivia no mundo das ideias ou inteligível, estando em contato
com a verdade absoluta. As almas, ao serem condenadas a viver em um corpo físico,
passaram a experimentar as limitações dos sentidos. A filosofia é o meio pelo qual a
alma pode relembrar a verdade absoluta presente no mundo das ideias, pois conhecer
é lembrar. “A verdade está na alma, importa lembrá-la” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p.
139). A filosofia platônica apela para um retorno ao mundo inteligível, pois somente
assim o ser humano poderá conhecer a realidade perfeita.

2.4.3 Aristóteles
Aristóteles nasceu na cidade de Estagira, no ano 384 a.C. e morreu no
ano 322 a.C. na cidade de Atenas. Foi aluno de Platão, contudo sua filosofia se
distancia da filosofia de seu mestre. Os escritos do filósofo abordam os assuntos
mais diversos, pois escreveu na área da física, lógica, zoologia, metafísica, poesia,
entre outras.

Ao lado de Sócrates e Platão, Aristóteles é considerado um dos fundadores


da filosofia ocidental. Suas obras não apenas influenciaram no campo da filosofia,
mas tiveram grande impacto sobre a própria teologia medieval.

FIGURA 14 – ARISTÓTELES

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/aristoteles/>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Aristóteles foi responsável por sistematizar, organizar tudo o que havia


sido produzido antes dele no campo da filosofia. Entre outras contribuições, ele
inaugura uma nova maneira de interpretar as mudanças do ser, pois “conforme
Aristóteles, o movimento e a transitoriedade ou mudança das coisas se resumem
na passagem da potência para o ato” (COTRIN, 2000, p. 102).

38
TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

O problema deixado por Heráclito, o mobilismo, tudo está em um constante


devir, pois a realidade é dinâmica e está em constante mudança, e por outro lado,
o problema de Parmênides, cuja ideia estava centrada no argumento imobilista
ou monista, demonstra que o ser é considerado imóvel, imutável e indivisível, se
tornou o motivo pelo qual “Aristóteles propôs uma nova interpretação ontológica
(relativa ao estudo do ser), segundo a qual em todo ser devemos distinguir: o ato
[...] a potência” (COTRIN, 2000, p. 102).

O que Aristóteles estava querendo dizer com a relação ato e potência que
existe nas coisas? No entendimento dele, tudo contém em si ato e potência, ou
seja, tudo é uma relação de causa e efeito. Para o estagirita, o ato consiste na forma
assumida por um ser em um determinado momento, ou seja, quando as coisas
estão atualizadas, realizadas segundo um fim inerente ao ser.

A potência, por outro lado, é aquilo que uma determinada coisa poderá vir
a ser, que é o devir heraclidiano. Por exemplo, ao ler este material, há em você o
ato, ou seja, atualização da filosofia aristotélica, e potência, que é o conhecimento
que está sendo potencializado em você que futuramente poderá ser usado por
você para responder a uma questão da avaliação ou fazer uma reflexão filosófica.

Assim, podemos afirmar que “uma potência é a capacidade de tornar-


se uma coisa e, para tal, é preciso que sofra a ação de outro ser já em ato. A
semente que contém o carvalho em potência foi gerada por um carvalho em ato”
(ARANHA; MARTINS, 1993, p. 98).

Observe que Aristóteles une as concepções de Parmênides e Heráclito


para desenvolver a teoria do ato e potência. No ato está o ser, ou seja, a essência, a
substância do ser que é imutável e indivisível, na potência está o acidente, aquilo
que não é essencial e está em constante mudança.

Foi um admirável discípulo de Platão e o mais cotado para assumir seu


lugar na academia, que devido ao fato de não ter nascido em Atenas, fez com que
ele se mudasse para a Ásia Menor e pouco tempo depois se tornasse preceptor de
Alexandre, o Grande.

Aristóteles critica profundamente a Teoria das Ideias desenvolvida por seu


antigo mestre. Para Aristóteles, os dados que são obtidos pelos sentidos nos levam
à constatação de que tais objetos são reais. Assim, ele atribuía à ciência um caráter
empírico, pois para ele, devemos buscar na experiência sensível a essência do ser.

Para chegar ao verdadeiro conhecimento, Aristóteles abandona o método


dialético utilizado por Platão e adota a lógica para alcançar um conhecimento de
caráter verdadeiramente científico e universal. Para ele, a lógica é instrumento
necessário para o correto pensar. A lógica aristotélica pode ser subdividida em:
lógica formal e lógica material. Não iremos aprofundar nosso estudo sobre a
lógica aristotélica, apenas iremos apresentar sucintamente o que significa cada
uma delas.

39
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

No caso da primeira, lógica formal (ou menor), “estabelece a forma


correta de pensamento. Se as regras forem aplicadas adequadamente, o raciocínio
é considerado válido ou correto” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 85). A lógica
formal, portanto, é responsável por estabelecer a forma correta das operações
intelectuais, está preocupada com a estrutura do raciocínio. Ela não considera
necessariamente o conteúdo, pois sua função é organizar o raciocínio, pois
devemos considerar o fato de que nem todo raciocínio é lógico.

Um raciocínio lógico precisa atender aos três requisitos ou princípios:


princípio da identidade, princípio da não-contradição e o princípio do terceiro
excluído. No caso da lógica formal, é avaliada a validade ou não dos argumentos,
pois para que um argumento seja válido, é necessário que ele atenda aos três
princípios da lógica formal. A lógica formal, portanto, “está preocupada com a
estrutura do pensamento” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 85).

A lógica material “trata da aplicação das operações do pensamento


segundo a matéria ou natureza dos objetos a conhecer” (ARANHA; MARTINS,
1993, p. 85). Na lógica material, é analisado se o argumento é verdadeiro ou
falso. Assim, um argumento é considerado válido somente se as premissas são
verdadeiras e estejam adequadamente relacionadas com a conclusão. Portanto,
não interessa apenas que o raciocínio seja formalmente correto, mas aponta para
o fato de que o raciocínio também respeite a matéria. Significa que o seu conteúdo
corresponda à natureza do objeto a que se refere. Em última instância, o raciocínio
deve corresponder à realidade.

E
IMPORTANT

Na Unidade 2 retornaremos ao estudo da lógica de uma maneira mais ampla.

2.5 PERÍODO HELÊNICO


Este período da filosofia compreende o tempo entre os III a.C. até o século
IV d.C. “Trata-se do último período da filosofia antiga, quando a polis grega
desapareceu como centro político, deixando de ser a referência principal dos
filósofos, uma vez que a Grécia se encontrava sob o poderio do Império Romano”
(CHAUÍ, 2011, p. 57).

Em decorrência das mudanças políticas, a própria maneira do homem se


conceber no mundo toma outra direção. Ocorre porque os pensadores têm como
preocupação fundamental a reflexão sobre as questões morais, a busca por uma
definição dos ideais de felicidade, virtude e saber prático. De acordo com Cotrim
(2000, p. 104):

40
TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

Na história da filosofia, a produção filosófica do período helenístico


corresponde basicamente à continuação das atividades das escolas
platônicas (Academia) e aristotélica (Liceu), dirigidas respectivamente,
por discípulos dos dois grandes mestres, Platão e Aristóteles.

Se olharmos atentamente, vamos perceber como os dois pensadores


representam um divisor de águas na história da filosofia, pois suas obras
abordaram os mais diversos temas que iam muito além da tentativa de explicar a
origem do universo ou questões do gênero.

Platão e Aristóteles contribuíram significativamente para as discussões no


campo político, ético e moral. Outra informação importante sobre este período
nos é dada por Chauí (2011, p. 57) ao dizer que:

Essa época da filosofia é constituída por grandes sistemas ou


doutrinas, isto é, explicações que buscam entender a realidade como
um todo articulado e entrelaçado pelas coisas da natureza, os seres
humanos, pelas relações entre elas e eles e de todos com a divindade
[...]. Predominam preocupações com a física, a ética – pois os filósofos
já não podem ocupar-se diretamente com a política, uma vez que esta
é privilégio dos imperadores romanos – e a teologia.

Com as transformações sociopolíticas, o ideal democrático deu espaço


para o ideal cosmopolita, pois as discussões em torno da cidadania, em um espaço
democrático, não faziam mais sentido, já que o que se buscava pelos governantes
romanos era a implantação de uma monarquia universal.

Assim, a pólis passou a ser o centro do mundo – cosmos – de onde vem a


necessidade de pensar o indivíduo cosmopolita. No interior do novo contexto
surgiram várias escolas de pensamento, entre elas podemos destacar: cinismo,
pirronismo, estoicismo e o epicurismo.

O cinismo foi uma corrente filosófica fundada por um discípulo de


Sócrates chamado Antístenes. Pregava o desprezo total aos bens materiais, pois
o próprio termo cinismo tem sua origem no grego kynos, “que significa “cão”, e
designa a corrente de filósofos que se propuseram a viver como cães da cidade,
sem qualquer propriedade ou conforto” (COTRIM, 2000, p. 105). Diógenes de
Sinope levou essa filosofia ao extremo, pois incorporou plenamente a renúncia a
tudo aquilo que ia além da necessidade para a sobrevivência.

O pirronismo, fundado por Pirro de Élida (365-275 a.C.), ensinava que


nenhum tipo de conhecimento é seguro, não há certeza em nada. Assim, “o
pirronismo defendia que se deve contentar com as aparências das coisas, desfrutar
o imediato captado pelos sentidos e viver feliz e em paz, em vez de se lançar à
busca de uma verdade plena” (COTRIM, 2000, p. 105). Significa que o ser humano
é incapaz de encontrar a verdade, portanto, este deve suspender suas opiniões e
julgamentos e, além disso, duvidar de tudo.

41
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

O estoicismo foi uma corrente de pensamento fundada por Zenão de


Cítio (336-265 a.C.), e pregava austeridade física e moral completa “baseada na
resistência do homem ante os sofrimentos e os males do mundo” (COTRIM, 2000,
p. 105).

Para os estoicos, o único bem que existe é a retidão da vontade e o único


mal, o vício. Assim, o estoicismo não está preocupado necessariamente com aquilo
que o homem diz, mas na maneira como ele se comporta diante das diferentes
situações da vida. A experiência estoica consiste na tomada de consciência da
situação trágica do homem condicionado pelo destino, pois o sofrimento é algo
inerente à vida humana, portanto, este deve encarar e enfrentar o sofrimento de
maneira serena, sábia.

O epicurismo, fundado por Epicuro (324-271 a.C.), ensinava que o ser


humano deve buscar o prazer. Esse prazer deve ser caracterizado pela moderação,
visto que o prazer para os epicuristas tem o sentido de um estado de quietude,
serenidade, imperturbabilidade de alma e ausência de dor. Somente é possível se
conseguirmos controlar nossas emoções, nossos medos e desejos, pois o efeito do
autocontrole é o estado de tranquilidade, a ausência da perturbação.

Caro acadêmico, chegamos ao final de mais um tópico. Esperamos que


aquilo que foi apresentado aqui tenha servido para o seu desenvolvimento
intelectual e pessoal. A seguir, você encontrará leituras complementares e as
autoatividades. Esperamos você no próximo tópico!

LEITURA COMPLEMENTAR 1

OS PRÉ-SOCRÁTICOS E A CIÊNCIA

A ciência se inicia com problemas.

Um problema significa que há algo errado ou não resolvido com os fatos.

O seu objetivo é descobrir uma ordem invisível que transforme os fatos de


enigma em conhecimento [...].

Aqui somos forçados a viajar séculos para trás, para os tempos em que
nossos pais, os gregos, começaram a pensar sobre o mundo e a se fazerem as
perguntas com que os cientistas lutam até hoje. Porque as perguntas que eles
fizeram não admitiam uma resposta única e final. Eram como portas que, uma vez
abertas, vão dar numa outra porta, muito maior, é verdade, que por sua vez dá
em outra, indefinidamente. E aqui estamos nós abrindo portas com as perguntas
que geraram as nossas chaves. Vamos seguir o seu pensamento.

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TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

Você já notou que a nossa experiência cotidiana, o que vemos, ouvimos,


sentimos, é um fluxo permanente de impressões que não se repete nunca? “Tudo
flui, nada permanece. Não se pode entrar duas vezes num mesmo rio”, dizia
Heráclito de Éfeso.

A despeito disso – e aqui está algo que é muito curioso – nós somos capazes
de falarmos sobre as coisas, de sermos entendidos, de termos conhecimento.

Nunca mais haverá nuvens idênticas àquelas que produziram o temporal


de ontem. A despeito disso serei capaz de identificar nuvens como nunca existiram
antes e dizer que delas chuva virá. Também nunca mais terei uma laranjeira como
aquela que morreu na velhice, mas serei capaz de identificar numa outra da
mesma qualidade e prever quanto tempo levará para começar a dar seus frutos.

Como explicar que o meu discurso sobre as coisas não fique colado junto
com suas aparências? Parece que, ao falar, eu sou capaz de enunciar verdades
escondidas, ausentes do visível, expressivas de uma natureza profunda das
coisas. Tanto assim que, quando falo, pretendo que estou dizendo a verdade e
não apenas sobre aquele momento transitório, mas também sobre o passado e
o futuro. Laranjas são doces, a água mata a sede, as estrelas giram em torno da
Terra, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos: não
são afirmações sobre o sensório imediato. Elas têm pretensões universais.

Foi a grande obsessão da filosofia grega: estabelecer um discurso que


falasse sobre a natureza íntima das coisas, que permanece a mesma em meio à
multiplicidade de suas manifestações [...].

A leitura da filosofia grega nos introduz, passo a passo, às diferentes


fases dessa busca a partir dos filósofos milesianos que achavam que as coisas
mantinham sua unidade em meio à multiplicidade porque, lá no fundo, todas
se reduziam a um mesmo suco, uma mesma essência. Progressivamente, houve
uma passagem da posição, que explica a unidade em termos de substância, para
uma outra que considera que a questão fundamental são as relações e funções.

FONTE: ALVES, Rubem. Filosofia da ciência. p. 40-41. In: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da
Filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 87.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

LEITURA COMPLEMENTAR 2

O Mito Da Caverna

Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa


natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa
morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses
homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que
não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os
impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina
que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada
ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno
muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de
si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.

Glauco – Estou vendo.

Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que


transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e
animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses
transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.

Glauco – Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.

Sócrates – Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal


condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros,
mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica
de fronte?

Glauco – Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a


vida?
Sócrates – E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?

Glauco – Sem dúvida.

Sócrates – Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não


achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?

Glauco – É bem possível.

Sócrates – E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que


um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse
diante deles?

Glauco – Sim, por Zeus!

44
TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

Sócrates – Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às


sombras dos objetos fabricados.

Glauco – Assim terá de ser.

Sócrates – Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se


forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte
um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a
voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes
movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos
de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer
que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade
e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe
cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é?
Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão
mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco – Muito mais verdadeiras.

Sócrates – E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados?


Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que
estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?

Glauco – Com toda a certeza.

Sócrates – E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a


encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do
Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver
chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só
das coisas que ora denominamos verdadeiras?

Glauco – Não o conseguirá, pelo menos de início.

Sócrates – Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da


região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida,
as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último,
os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da
Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio
céu do que, durante o dia, o Sol e a sua luz.

Glauco – Sem dúvida.

Sócrates – Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as suas imagens refletidas
nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar,
que poderá ver e contemplar tal como é.

Glauco – Necessariamente.

45
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Sócrates – Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que
faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa
maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.

Glauco – É evidente que chegará a essa conclusão.

Sócrates – Ora, lembrando-se da sua primeira morada, da sabedoria que


aí se professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, não achas
que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?

Glauco – Sim, com certeza, Sócrates.

Sócrates – E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem


recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem
das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro
ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar
a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são
venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil
vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer
tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?

Glauco – Sou da tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa
maneira.

Sócrates – Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-
se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar
bruscamente da luz do Sol?

Glauco – Por certo que sim.

Sócrates – E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros


que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda
sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-
se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à
sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que
não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar libertar e conduzir para o
alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?

Glauco – Sem nenhuma dúvida.

FONTE: PLATÃO. A República. (Trad. Enrico Corvisieri). São Paulo: Nova Cultural, 1999.

46
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Filosofia Antiga compreende o período que vai do surgimento da filosofia


até a queda do Império Romano.

• Os pré-socráticos são os pensadores da Grécia antiga que precederam Sócrates.


Também são chamados de filósofos da natureza (physis) ou naturalistas, pois
tinham como principal objetivo investigar o princípio das coisas.

• A escola jônica estava sediada na cidade de Mileto nos séculos VI e V a.C. O


principal filósofo da escola foi Tales de Mileto.

• Para Tales de Mileto, a água é princípio que origina todas as coisas.

• O princípio originador em Anaximandro é algo que transcende os limites do


observável, ou seja, não se situa em uma realidade ao alcance dos sentidos.

• Para Anaxímenes, o princípio de todas as coisas era o Ar, que gera, rege e
governa todas as coisas, as que foram e as que serão (inclusive os deuses), por
meio dos processos opostos de rarefação e condensação.

• Para Heráclito, as coisas estão em um constante devir, ou seja, as coisas mudam


constantemente. Sua filosofia é mobilista.

• O nome dessa escola é em função de seu principal expoente ter sido Pitágoras,
que viveu no século VI a.C.

• Parmênides é um filósofo imobilista, pois para ele nada muda, tudo é uno.

• Demócrito afirmava que todas as coisas que formam a realidade são constituídas
por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas partículas são chamadas de
átomos.

• Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam


ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses
dos alunos, davam aulas de eloquência e de sagacidade mental. Ensinavam
conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados.

• O método adotado por Sócrates, para ensinar seus discípulos, não consistia
na mera transmissão de conhecimentos, mas ele prezava pela construção do
conhecimento a partir de uma autoanálise.

47
• Em sua teoria das ideias, Platão distingue o mundo em sensível e inteligível.

• Aristóteles foi responsável por sistematizar, organizar tudo o que havia sido
produzido antes dele no campo da filosofia.

• O período helênico se trata do último período da filosofia antiga, quando a pólis


grega desapareceu como centro político, deixando de ser a referência principal
dos filósofos, uma vez que a Grécia se encontrava sob o poderio do Império
Romano.

48
AUTOATIVIDADE

1 O que chama a atenção nas escolas filosóficas do período antigo é que todas
estavam em busca de um princípio originador de todas as coisas. No sentido
de responder à questão, foram elaboradas as mais diversas teorias. Dentre
as escolas a seguir, podemos destacar uma delas que desenvolveu a teoria
em que o Número é o princípio de todas as coisas. Sobre qual dessas escolas
de filosofia estamos nos referindo?

a) ( ) Escola Jônica.
b) ( ) Escola Eleata.
c) ( ) Escola Pitagórica.
d) ( ) Escola Atomista.

2 Os sofistas foram vistos e tratados por Platão de uma maneira muito


preconceituosa. Assim, o termo “sofista” começou a ser usado de maneira
pejorativa, ou seja, quando se tem a intensão de denegrir a imagem de alguém.
Sobre os sofistas, assinale V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Os sofistas eram professores que viajavam de cidade em cidade e vendiam


seus ensinamentos em filosofia por um determinado preço.
( ) Os sofistas, por exemplo, negavam que houvesse verdade ou a possibilidade
de ter acesso a ela.
( ) Os sofistas eram mestres na filosofia, que tinham como objetivo supremo
orientar todas as pessoas, independentemente se recebiam ou não algum
valor por suas aulas.
( ) Os ensinamentos dos sofistas tinham como finalidade desenvolver em seus
alunos o poder de argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento
de doutrinas divergentes.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F – V.
b) ( ) F – V – V – F.
c) ( ) F – F – V – V.
d) ( ) V – V – V – F.

49
50
UNIDADE 1
TÓPICO 3

OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E


MEDIEVAL

1 INTRODUÇÃO
A Idade Média compreende o período que vai desde a queda do Império
Romano (século IV da era cristã) até o século XV com o início do período
renascentista. O período é visto por alguns historiadores de maneira muito
negativa, pois segundo eles, a Igreja Católica, ao exercer seu domínio absoluto,
foi capaz de dominar todas as áreas do conhecimento humano, impedindo que
acontecessem avanços científicos e culturais mais significativos.

No campo da filosofia houve uma vasta produção, pois os filósofos do período


refletiram e construíram o arcabouço teórico e contextual que alicerçou a cosmovisão
teocêntrica. Foram os responsáveis por preservar muito dos conhecimentos filosóficos
antigos por meio das cópias que eram realizadas das obras.

Contudo, a filosofia do período não costuma receber muita atenção por


parte dos estudantes de filosofia contemporâneos, pois veem a produção filosófica
medieval constituída de um caráter religioso.

Essa conclusão é decorrente do fato de que a filosofia medieval é dogmática,


pois os filósofos medievais eram em sua maioria católicos e não aceitavam
qualquer outra verdade que contrariasse os dogmas cristãos. Vale ressaltar que
a filosofia medieval também contribui para outras áreas do saber, tais como a
astronomia, a aritmética, a música e a geometria.

Neste tópico, nós vamos discorrer sobre duas correntes filosóficas distintas
que se destacaram no período medieval. São distintas porque uma possui uma
vertente platônica e a outra uma vertente aristotélica. Não será possível apresentar
todos os filósofos deste período e assim, optamos por estudar brevemente sobre
as principais contribuições do principal filósofo de cada período: Agostinho
(Patrística) e São Tomás (Escolástica).

51
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

2 PATRÍSTICA
A Patrística compreende o período que vai de meados do século IV ao
século VII. Naquele período, os principais escritos foram concebidos pelos padres
da igreja. Com a finalidade de defender o pensamento cristão das heresias e do
paganismo, os primeiros padres se esforçaram para elaborar um conjunto de
doutrinas que servisse de base para a fé e prática do cristianismo.

O principal representante deste período foi Santo Agostinho. Sua filosofia


e teologia se voltam para a ideia da dicotomia platônica e a partir daí elabora sua
própria teoria da iluminação em que atribui para Deus a revelação das verdades
eternas necessárias para a vida presente e a eternidade.

FIGURA 15 – AGOSTINHO DE HIPONA

FONTE: <http://leandronazareth.blogspot.com.br/2015/07/o-ceu-para-santo-agostinho-lugar-
de.html>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Agostinho de Hipona, devido à formação intelectual e o seu incansável


esforço em promover a fé cristã junto a um patamar mais elevado no aspecto
histórico e filosófico, torna-se o principal nome da filosofia patrística. Nascido em
354 em Tagaste, na Numíbia, hoje localizada na Argélia, faleceu no ano 430 em
uma cidade próxima da Hipona, onde era bispo.

A conversão de Agostinho ao cristianismo se deu no ano 386 e está


narrada de maneira detalhada em seu livro Confissões. Na obra, ele expõe sua
necessidade espiritual, sua conversão e posterior desenvolvimento filosófico e
espiritual. Sua conversão e vida cristã são influenciadas por santo Ambrósio,
por quem tinha profunda admiração, e por Vitorino, um doutor convertido ao
cristianismo, do qual Agostinho escreve que:

Vitorino não teve vergonha de se fazer servo de vosso Cristo e


criancinha na vossa fonte, sujeitando o pescoço ao jugo da humildade
e dobrando a fronte sob o opróbrio da Cruz, ele, o célebre e doutíssimo

52
TÓPICO 3 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E MEDIEVAL

ancião, perito em todas as artes liberais, leitor e crítico de tantas obras


filosóficas, preceptor de tantos senadores ilustres (AGOSTINHO,
2000, p. 203).

As palavras de Agostinho nos dão a noção das figuras públicas que


influenciaram seu pensamento, pois o platonismo de Vitorino influenciará
diretamente no pensamento posterior de Agostinho e seu destemido labor em
defender o cristianismo diante dos poderes e pensadores da época.

O pensamento de Agostinho se tornou um marco na história da filosofia.


De acordo com Gonzáles apud Olson (2001, p. 259):

Agostinho marca o fim de uma era e o início de outra. É o último dos


escritores cristãos da Antiguidade (sic) e o precursor da teologia medieval.
As principais correntes da teologia da Antiguidade convergiram para
ele e dele fluíram as correntes, não somente do escolasticismo medieval,
mas também da teologia protestante do século XVI.

Deve-se ao fato de Agostinho ser uma espécie de transição do pensamento


antigo, sendo que está ainda ligado aos clássicos gregos, mas que devido às
mudanças pelas quais o mundo estava passando em seu tempo, sua filosofia já
apontava para novas perspectivas em que o cristianismo cumpriria um papel
determinante na formação cultural, filosófica, política e religiosa.

Após uma passagem pelo maniqueísmo (filosofia religiosa sincrética


e dualística), levou-o junto a uma profunda decepção com o movimento.
Em decorrência do fato, essa experiência o levou para outro estágio em seu
desenvolvimento filosófico: o ceticismo.

Agostinho relata que “ocorreu-me a ideia de ter havido uns filósofos


chamados acadêmicos, mais prudentes do que os outros, porque julgavam
que de tudo se devia duvidar e sustentavam que nada de verdadeiro podia ser
compreendido pelo homem” (apud BOEHNER; GILSON, 2012, p. 148).

Em decorrência da desilusão com o maniqueísmo, Agostinho entra em


contato com os acadêmicos. O fato de ter procurado no maniqueísmo respostas
mais racionais para as questões que tanto o preocupavam, contudo se decepcionou
de tal maneira que viu no ceticismo uma oportunidade de acalmar sua aflição, “e
assim veio a cair na perigosa letargia espiritual da epoché (suspensão do juízo)”
(BOEHNER; GILSON, 2012, p. 148).

Como não tinha certeza de nada, e acreditando que nada podia ser tido
como verdadeiro, Agostinho prefere acreditar que tudo não passa de especulação
e que ao homem está vedado o conhecimento da verdade.

Sua experiência no ceticismo foi fundamental para conduzi-lo para outra


etapa da sua vida intelectual. Ao duvidar de tudo, como ocorre com os céticos,
não foi capaz de solucionar seus anseios por respostas, pois acreditava que existia
uma verdade universal, estava provada na matemática e era seu dever buscá-la.
53
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Agostinho não se conformava com a ideia de que nada era verdadeiro,


pois havia elementos que o faziam pensar o contrário. Assim, ele precisava apenas
encontrá-los e formular suas próprias concepções sobre a questão da verdade com
base na fé e na razão. Para ser possível, Agostinho recorre ao neoplatonismo a fim de
encontrar as respostas para suas indagações, ficando muito claro em seus escritos.

A partir do momento em que Agostinho se volta para o neoplatonismo, a


fim de desenvolver sua teoria do conhecimento, é possível perceber a teoria das
ideias de Platão, que ganhará outra roupagem no pensamento agostiniano pois,
sobre a possibilidade de conhecimento:

Santo Agostinho conclui, na linha das concepções tradicionais


da Antiguidade (Platão, Aristóteles, os estoicos) que, dada a
convencionalidade do signo linguístico – isto é, as palavras variam
de língua para língua e são sinais arbitrários das coisas –, este não
pode ter qualquer valor cognitivo mais profundo; não é através das
palavras que conhecemos; logo não podemos transmitir conhecimento
pela linguagem. A possibilidade de conhecer supõe algo prévio,
que torna inteligível a própria linguagem. Sua posição é assim, na
mesma direção da filosofia platônica, inatista, ou seja, supõe que
o conhecimento não pode ser derivado inteiramente da apreensão
sensível ou da experiência concreta, necessitando um elemento prévio
que sirva de ponto de partida para o próprio processo de conhecer
(MARCONDES, 1997, p. 111).

O argumento do ceticismo consiste na tese de que os sentidos nos


enganam, ou seja, todo conhecimento sensível deve ser colocado em dúvida
pelo fato de não haver confiabilidade em nossa sensibilidade. Entretanto, era
necessário responder à questão aparentemente simples, mas que sempre foi um
desafio para a filosofia: qual é a origem do conhecimento?

Se o conhecimento é apenas sensível, os céticos tinham razão, mas


Agostinho abandona a ideia do conhecimento sensível e abraça a ideia de que
o conhecimento é inatista, estando presente mesmo antes de ser experimentado
pelos sentidos, e que de certa forma o conhecimento se torna resultado de
reconhecimento daquilo que já está presente no intelecto humano.

Ao trazer determinadas ideias para a esfera da religião cristã, de acordo com


Agostinho, a verdade está em Deus e ele revela sua verdade por meios naturais (a
razão), por meios especiais (a fé). Para o conhecimento de Deus e da verdade acerca
dele a da sua criação, as Escrituras Sagradas ganham muita importância a partir de
então, pois ele escreve com relação à leitura da Lei e dos Profetas:

Comecei a lê-los e notei que tudo o que de verdadeiro tinha lido nos
livros platônicos se encontrava naqueles, mas com esta recomendação
da vossa graça: que aquele que vê não se glorie como se não tivesse
recebido não somente o que vê, mas também a possibilidade de ver.
“Com efeito, que coisa tem ele que não tenha recebido?” E Vós, que sois
sempre o mesmo, não só o admoestais para que Vos veja, mas também
para que se cure a fim de Vos possuir (AGOSTINHO, 2000, 196).

54
TÓPICO 3 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E MEDIEVAL

De acordo com o pensamento de Agostinho, os escritos de alguns filósofos


estão em consonância com as escrituras sagradas e, portanto, esses escritos contêm
verdades divinas.

O filósofo se difere dos demais no conhecimento da verdade, porque


estes não procuram o conhecimento apenas através dos sentidos. Através de uma
atitude filosófica se voltam para um conhecimento que está presente no espírito e
que, portanto, é verdadeiro, é o conhecimento inato.

Assim, ele escreve, “mas depois de ler aqueles livros dos platônicos e de
ser induzido por eles a buscar a verdade incorpórea, vi que ‘as vossas perfeições
invisíveis se percebem por meio das coisas criadas’” (AGOSTINHO, 2000, p. 194).

Observe que conhecer está intrinsecamente associado à crença na


existência de Deus, pois as coisas criadas são uma extensão daquilo que há
no mundo espiritual no qual Deus governa e reparte de alguma maneira as
belezas espirituais de maneira finita com os seres criados. Aqui nós percebemos,
novamente, a presença do pensamento de Fílon sobre o Logos, que é uma herança
da filosofia grega.

Agostinho desenvolve uma filosofia que afasta a ideia de que a alma tenha
uma extensão no espaço ou que tenha a forma de um corpo, pois sua preocupação
não reside na substancialidade da alma, mas na espiritualidade.

Outra questão que incomodou Agostinho em relação à alma diz respeito


à origem no homem. Sua dúvida reside em duas possibilidades que dão origem
à alma: o criacionismo e o traducionismo, mas há a semelhança dos estoicos
e Agostinho pende para a hipótese de que a alma seja resultado da união do
homem e da mulher que são seres físicos e espirituais e, que através da união,
formam outros seres semelhantes, possuidores de uma alma.

Segundo Boehner e Gilson (2012, p. 182), com relação à ideia de que o


homem é um ser criado com uma alma imortal, “Agostinho nunca teve a menor
dúvida acerca da imortalidade da alma. Conhece e faz uso das provas de Fédon
de Platão, acordando-as à própria orientação”.

Nos diálogos platônicos, a temática central consiste na ideia da


imortalidade da alma e de que o filósofo não deve temer a morte, pois ele almeja
a libertação da alma, que está aprisionada ao corpo, impedindo-o de alcançar a
perfeição.

A tese agostiniana acerca da alma humana demonstra que ela é responsável


por comunicar o homem com Deus e, entrar em comunhão com Ele. Sua ideia
pode ser resumida da seguinte maneira:

A alma é o elo entre as ideias divinas e o corpo vivificado por ela.


Graças à natureza espiritual, ela se abre para aquelas ideias espirituais.
O corpo, ao contrário, devido à extensão espacial, é incapaz de

55
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

uma participação direta nas ideias. O ser do corpo resume-se na


configuração, na disposição de suas partes, e nas leis dos números
a que está sujeito. Tudo isto ele o deve a alma. E esta lho comunica
apenas por havê-lo recebido das ideias divinas. Por isso, se o corpo
não participasse dessas ideias, ele não seria o que é. Por outro lado,
se participasse diretamente delas, ele mesmo seria uma alma. Mas o
fato é que, sem ser alma, ele participa, contudo, da ordem e da figura,
e, mais evidente ainda, da própria sabedoria suprema da verdade
imutável. Donde segue que o corpo não poderia ser vivificado senão
por uma alma (BOEHNER; GILSON, 2012, p. 183).

A centelha divina que habita o corpo é responsável por mantê-lo vivo e


capacitá-lo a se relacionar com o mundo em sua volta e com o Criador. Observe
que o corpo, sendo matéria, está limitado a participar de todas as qualidades que
a alma possui, e assim, a materialidade do corpo torna-o limitado e inferior à
alma, que é imaterial, imortal e não está limitada pelo espaço físico.

Determinada ideia de Agostinho é predominante no conceito de alma que


predomina no ocidente. Tornou-se basilar para o cristianismo posterior, sendo
que em alguns momentos da história da Igreja era tão forte ao ponto de as pessoas
desprezarem completamente seus corpos em um processo de mortificação dos
membros físicos para obter uma comunhão mais profunda com Deus, prática
muito comum nos mosteiros.

Na visão agostiniana, para que o homem se compreenda e encontre Deus,


ele deve se voltar para dentro de si, pois Deus está na alma. Se Deus está na alma,
esta deve servir como instrumento de Deus para dirigir o corpo, salientando
que “como parte superior do ser humano, a alma está incumbida de governar o
corpo” (BOEHNER; GILSON, 2012, p. 180).

O corpo, por sua vez, deve servir aos propósitos de Deus, que se
manifestam na alma. Outra questão que surge com a afirmação agostiniana é que
a semelhança, do que pensava Platão, o corpo não passa de um receptáculo da
alma, que por sua estreita relação com o divino, deve governá-lo.

3 ESCOLÁSTICA
A escolástica recebe determinado nome pelo fato de ser uma tentativa de
conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional. Tomás de Aquino
é o principal representante da filosofia escolástica ou escolasticismo. Nasceu na
cidade de Nápolis, no ano de 1224, e é proveniente de uma família nobre, entrou
para a Ordem dos Dominicanos em 1244, contrariando a vontade da família.

No ano de 1245 foi estudar em Paris, onde recebeu influência do mestre


Alberto Magno, também dominicano, e foi por este apresentado às obras de
Aristóteles. Algo importante sobre a vida de Tomás de Aquino é o fato de ele
nunca ter se afastado da vida acadêmica, pois foi professor na Universidade de
Paris, entre outras instituições da Itália.

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TÓPICO 3 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E MEDIEVAL

FIGURA 16 – TOMÁS DE AQUINO

FONTE: <https://he.wikipedia.org/wiki/%D7%A7%
D7%95%D7%91%D7%A5:St-thomas-aquinas.jpg>. Acesso em: 30 mar. 2018.

O pensamento de São Tomás se caracteriza pelo fato de ver a teologia e a


filosofia como duas ciências que se completam. Ainda que a ambas se diferenciem,
“a despeito dessa diversidade essencial entre fé e ciência, ou melhor, entre teologia
e filosofia, Santo Tomás está longe de advogar uma separação prática entre as
duas esferas do saber. Ao contrário, demanda uma colaboração íntima entre elas”
(BOEHNER; GILSON, 2012, p. 451).

Essa é a linha de pensamento que ele irá seguir durante sua vida intelectual.
Para São Tomás, Deus criou o homem dotado de razão e, portanto, capaz de usá-
la na busca pelo entendimento das coisas do Senhor, além de que a razão capacita
o homem a compreender racionalmente a sabedoria de Deus e nos incita a amá-
lo e reverenciá-lo e aquele que o conhece profundamente será mais dificilmente
enganado pelas sutilezas do mundo.

No interior da tradição católica, a teologia e a filosofia de Aquino se tornaram


fundamentais para o desenvolvimento da teologia posterior, e sua habilidade de
lidar com temas tão profundos, que dizem respeito a áreas diversas da teologia
e filosofia, resultou em obras tão vastas que, para compreendê-las, o estudioso
precisa se dedicar com afinco. O historiador eclesiástico Latourette (2006, p. 684)
resume bem a contribuição de Tomás de Aquino para a Igreja Católica:

Em Tomás de Aquino, chegamos ao ponto mais alto na realização do


escolasticismo. Dotado de uma mente penetrante e de capacidade de
síntese, ele aplicou os métodos dos escolásticos à teologia e empregou
Aristóteles de tal modo que produziu o que a Igreja Católica Romana
veio a considerar como sua formulação padrão de teologia. Um
estudioso bem dedicado de Aristóteles, ele fez pleno uso desse filósofo
em sua tentativa de pensar de modo sistemático e de apresentar dessa
mesma forma a amplitude da teologia cristã. Todavia, ele não o seguiu
sem uma tonalidade de independência.

57
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

No fragmento apresentado é possível perceber a grandiosidade do


pensamento de Aquino para a filosofia medieval. O primeiro pensador a
influenciar São Tomás foi Agostinho, todavia, Aristóteles se torna talvez a base
principal do desenvolvimento teológico e filosófico de Aquino.

Por mais que houvesse resistência por parte da Igreja Católica quanto às
obras de Aristóteles, Aquino viu nas obras do filósofo grego uma base consistente
para desenvolver seu pensamento, pois as obras de Aristóteles se encaixam
perfeitamente ao seu pensamento e compreensão dos dogmas cristãos, e a partir
de então, tem início uma cristianização da filosofia aristotélica.

3.1 SÃO TOMÁS E A FILOSOFIA ARISTOTÉLICA


Durante o período medieval, desde Agostinho até Aquino, o ponto de
partida para as reflexões teológicas era o platonismo, pois a ideia de um mundo
ideal permeava o discurso agostiniano e os que lhe sucederam. Todavia, a
originalidade do pensamento de Tomás de Aquino está no fato de que ele inovou
a maneira de fazer teologia, pois “mostra, então, que a filosofia de Aristóteles é
perfeitamente compatível com o cristianismo, abrindo assim uma nova alternativa
para o desenvolvimento da filosofia cristã” (MARCONDES, 1997, p. 126).

Um fator relevante quando estudamos sobre o renascimento do


aristotelismo na Idade Média é que os árabes já estudavam a filosofia de Aristóteles
e comentavam sobre ele. Tanto é que o interesse do aquinate pelas obras de
Aristóteles é decorrente dos feitos de Averróis, um filósofo árabe nascido em
Córdoba, na Espanha, que escreveu muitos comentários sobre Aristóteles. Não
porque Aquino se interessasse pela filosofia averroísta, mas em sua obra Summa
contra gentiles, que critica o averroísmo. O interesse de São Tomás pela filosofia
é resultado da necessidade que teve de estudá-la para refutar o averroísmo e
corroborar autoridade filosófica em suas obras.

O principal ponto de divergência entre Tomás de Aquino e o averroísmo


consiste no fato de que Averróis defendia que a alma, sendo uma substância
imaterial, não poderia haver mais que uma para cada espécie, sendo apenas uma
alma da qual todos os homens são participantes. São Tomás de Aquino refuta
o argumento defendendo a ideia, de que, a alma, sendo imaterial, une-se ao
corpo como forma, sendo a alma a forma de uma determinada matéria, e com a
diversidade de corpos, as almas se individualizam.

A questão do conhecimento é outro ponto de divergência, pois Averróis


defende que o objeto do conhecimento já está no intelecto humano, somente
assim é possível conceber a existência de um conhecimento universal. Assim, São
Tomás argumenta que há diversos intelectos, o objeto é o mesmo, o que difere é
como cada intelecto percebe o objeto em si.

58
TÓPICO 3 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E MEDIEVAL

A discussão é resultado de uma leitura diferenciada que cada pensador fez da


ideia aristotélica da alma intelectiva. Por mais estranha que pareça a discussão para
os nossos dias, no entanto, resultou na ideia moderna da subjetividade, resultando na
ideia de que cada indivíduo possui características que os diferenciam dos demais e,
portanto, é necessário que se respeite a individualidade de cada ser humano.

3.2 AS CINCO VIAS QUE LEVAM A DEUS


São Tomás de Aquino desenvolveu uma teoria sofisticada para explicar
a existência de Deus: Quinque viis. Por meio das cinco vias (Quinque viis), ele
empreenderá um esforço sistemático para provar a existência de Deus, partindo de
uma argumentação de que a razão humana é capaz de compreender que existe um
Deus e que isso pode ser alcançado naturalmente. Segundo Olson (2001, p. 346):

Aquino apresentou cinco maneiras de demonstrar racionalmente


a existência de Deus e todas encontram-se, de alguma forma, na
filosofia de Aristóteles. As cinco maneiras apelam às experiências que
a mente humana sofre em relação ao mundo natural e mostram que,
se Deus não existisse, as experiências não teriam sentido ou seriam
impossíveis. De fato, o que estaria sendo experimentado não existiria.
Como existem, Deus também deve existir.

A seguir, nós iremos discorrer de maneira resumida sobre as cinco vias


para termos uma visão sobre seu argumento.

A primeira via tem seu fundamento na constatação de que no universo


existe movimento e que tudo que se move é movido por outro, “portanto, é
necessário chegar à causa motriz que não é movida por outra, e todos entendem
que se trata de Deus” (AQUINO apud OLSON, 2001, p. 346). Aqui já percebemos
a ideia aristotélica de ato e potência.

Antes do movimento, todos os seres estão em potência, e assim, existe a


possibilidade de se tornarem diferentes. O ato é aquilo que o ser é, a realização,
enquanto a potência é aquilo que o ser poderá se tornar. Nada se move por si só,
sempre há uma causa do movimento que é exterior ao próprio ser que está em
mudança. Se todo movimento tem um primeiro motor, logo é necessário chegar
à causa do primeiro movimento. Partindo do entendimento, o primeiro motor é
Deus, ou seja, a causa de todo movimento que há no universo, e Ele é puro ato,
pois nunca virá a ser outra coisa que não seja Deus.

A segunda via diz respeito à primeira causa eficiente. Todas as coisas


são efeitos de uma causa, e segundo a lógica, todas as coisas necessitam de uma
causa para serem causadas. Por exemplo, uma pessoa, para nascer, necessita
de uma causa, neste caso seus pais, pois ela é resultado da fecundação de um
espermatozoide em um óvulo, ou seja, o ser humano necessita da causa para vir
a ser.

59
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Baseia-se na ideia da necessidade para que uma potência se transforme


em ato, e assim constatamos a obrigatoriedade de uma causa eficiente para que
as coisas existam. Nada é causa e efeito ao mesmo tempo, e o efeito sempre nos
remeterá a uma causa até o infinito, mesmo sendo Deus a causa não causada. Não
existe por meios racionais a concepção de que alguma coisa tenha causado Deus.

A terceira via refere-se à necessidade e à possibilidade. Sobre essa via,


vamos recorrer às próprias palavras de São Tomás apud Olson (2001, p. 347), pois
de acordo com ele:

Encontramos na natureza coisas que têm a possibilidade de existir e de


não existir, visto que são geradas e corrompidas e, por isso, é possível
que existam e não existam. Mas é impossível que sempre existam, pois
o que pode não existir num momento, não existe. Portanto, se tudo
pode não existir, logo houve um tempo em que não existia nada. Ora,
se assim fosse, mesmo agora não existiria nada, pois o que não existe
começa a existir somente a partir de algo já existente. Se, portanto,
nada existia, seria impossível que algo viesse a existir; e, portanto,
mesmo agora nada existiria – o que é absurdo. Logo, não somente
todas as coisas existentes são meramente possíveis, mas deve existir
algo cuja existência é necessária. Mas toda coisa necessária pode ter ou
não sua necessidade causada por outra. Porém, é impossível progredir
infinitamente nas coisas necessárias que têm sua necessidade causada
por outra, conforme já foi provado em relação às causas eficientes.
Não podemos, portanto, deixar de reconhecer a existência de algum
ser que tem sua própria necessidade e que não a recebe de outro, mas
que, pelo contrário, causa nos outros a necessidade que têm. A tudo
isso o homem chama de Deus.

Seu argumento demonstra que, para que alguma coisa exista, é necessário
um princípio. O método aponta para a necessidade da existência de algo que
antes dele nada existiu, ou seja, uma causa não causada, um princípio não criado,
um ser autoexistente. Determinada via procura a essência dos seres do universo,
e aquilo que deve ser o ponto de partida para existirem.

A quarta refere-se aos graus de perfeição do ser. São Tomás apud Olson
(2001, p. 346), entende que “[...] deve haver [...] algo que seja, para todos os seres, a
causa da existência, virtude e qualquer outra perfeição; e a ela chamamos Deus”.

A via pode ser considerada de índole platônica, pois podemos observar


que em todas as coisas há graus hierárquicos, e consequentemente esses níveis de
hierarquia e perfeição irão culminar na necessidade de um ser que está acima de
todas as coisas e é perfeito. Se há perfeição no mundo, é porque alguém perfeito
criou todas as formas de requintes.

Todas as coisas estão classificadas em ordem pelo grau de beleza e


nobreza que possuem. Quando uma coisa for mais nobre e bela, concluímos que
ela se aproxima de algo mais nobre e belo do que ela, todavia, toda perfeição
reside em Deus.

60
TÓPICO 3 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E MEDIEVAL

A quinta diz respeito ao fato de que todas as coisas convergem para um fim,
pois segundo Aquino apud Olson (2001, p. 346), “existe algum ser inteligente, por
quem todas as coisas naturais são dirigidas para um fim; e esse ser chamamos Deus”.

Essa via nos leva a pensar na ordem existente no cosmos, pois o que existe
no universo segue uma ordem de funcionamento e, de acordo com o pensamento
de Aquino, a ordem converge para um fim estabelecido por Deus, e o fim para
o qual convergem todas as coisas criadas é Deus. É necessária uma inteligência
que tenha projetado todas as coisas, pois assim como uma lança só chega ao
seu destino se alguém a lançar, podemos concluir que as coisas acontecem no
universo porque alguém estabeleceu um fim para o qual ela existe.

Caro acadêmico, acreditamos que foi possível observar, neste tópico, que
a Idade Média foi um período em que houve uma intensa produção filosófica.
Embora a produção tenha de alguma maneira estado associada ao campo
religioso, entretanto não podemos desmerecer o trabalho dos importantes
pensadores medievais.

Infelizmente, não é possível discorrer sobre os principais pensadores do


período, pois foram muitos e deixaram um importante legado, tanto na teologia
quanto na filosofia. Esperamos que o que abordamos aqui tenha sido suficiente
para lhe dar uma noção das principais discussões filosóficas medievais.

DICAS

Esta obra trata-se de um manual que mostra como se


delineiam as figuras mais representativas e a evolução da filosofia cristã
desde Orígenes até o final da Idade Média. Boehner e Gilson empreenderam
um grande esforço, no sentido de escrever uma História de Filosofia Cristã,
que trouxesse aos leitores informações extraídas diretamente da fonte.
Esta obra possui um valor inestimável para aqueles que desejam saber e
compreender um pouco mais da filosofia medieval.

61
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

LEITURA COMPLEMENTAR 1

Deus É Imóvel

5. Daqui se infere ser necessário que o Deus que põe em movimento todas
as coisas é imóvel. Com efeito, por ser a primeira causa motora, se Ele mesmo
fosse movido, sê-lo-ia ou por si mesmo ou por outro. Ora, Deus não pode ser
posto em movimento por outra causa motora, pois neste caso haveria uma outra
causa anterior a Ele, com o que já não seria Ele a primeira causa motora. Se fosse
movido por si mesmo, teoricamente isto poderia ocorrer de duas maneiras: ou
sendo Deus, sob o mesmo aspecto, causa e efeito ao mesmo tempo, ou sendo Ele,
sob um aspecto, causa de si mesmo, e, sob outro, efeito.

Ora, a primeira hipótese não pode ocorrer, pois tudo o que é movido
está em potência, ao passo que o que move está em ato (na qualidade de causa
motora). Se Deus fosse sob um e mesmo aspecto causa e efeito ao mesmo tempo,
seria necessariamente potência e ato sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo, o
que é impossível.

Tampouco pode-se verificar a segunda hipótese acima apontada. Pois, se


Deus fosse sob um aspecto causa motora, e sob outro efeito movido, já não seria a
primeira causa em virtude de si mesmo. Ora o que é por si mesmo, é anterior ao
que não o é. Logo, é necessário que a primeira causa motora seja totalmente imóvel.

6. A mesma argumentação pode ser feita a partir das causas motoras e dos
defeitos existentes no universo criado. Com efeito, parece que todo o movimento
procede de uma causa imóvel, a qual não é movida segundo o mesmo tipo de
movimento. Assim, observamos que os processos de alteração, de geração e de
corrupção verificados no reino criado inferior se reduzem ao corpo celeste (o Sol)
como à primeira causa motora, a qual por sua vez não é movida por nenhuma
outra situada dentro da mesma esfera, uma vez que não pode ser gerada, nem
corrompida, nem alterada. Conclui-se, portanto, necessariamente que Aquele
que constitui o princípio primário de todo movimento é totalmente imóvel.

FONTE: São Tomás de Aquino, Compêndio de Teologia, Col. Os pensadores, São Paulo, Abril
Cultural, 1973, p. 78. In: ARANHA, Maria L.; MARTINS, M. H. Filosofando: Introdução à filosofia. 2.
ed. São Paulo: Moderna, 1993.

62
TÓPICO 3 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E MEDIEVAL

LEITURA COMPLEMENTAR 2

O Que É O Tempo

17. Não houve tempo nenhum em que não fizesseis alguma coisa, pois
fazíeis o próprio tempo.

Nenhuns tempos Vos são coeternos, porque Vós permaneceis imutável, e


se os tempos assim permanecessem, já não seriam tempos. Que é, pois, o tempo?
Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem poderá apreender, mesmo
só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E
que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo?
Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também
o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo?
Se ninguém mo (sic) perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a
pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que,
se nada sobrevivesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não
existiria o tempo presente.

De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro –,


se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se
fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas
eternidade. Contudo, se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de
passar pelo pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua
existência é a mesma pela qual deixará de existir? Para que digamos que o tempo
verdadeiramente existe, porque tende a não ser?

FONTE: AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 322 (Coleção Os Pensadores).

63
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A patrística compreende o período que vai de meados do século IV ao século


VII.

• O principal representante da filosofia patrística foi Santo Agostinho.

• Agostinho desenvolve uma filosofia que afasta a ideia de que a alma tenha uma
extensão no espaço ou que tenha a forma de um corpo, pois sua preocupação
não reside na substancialidade da alma, mas na espiritualidade dela.

• A tese agostiniana acerca da alma humana é que ela é responsável por


comunicar o homem com Deus e entrar em comunhão com Ele.

• A escolástica recebe determinado nome pelo fato de ser uma tentativa de


conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional. Tomás de Aquino
é o principal representante da filosofia escolástica ou escolasticismo.

• O pensamento de São Tomás se caracteriza pelo fato de ver a teologia e a


filosofia como duas ciências que se completam.

• São Tomás de Aquino desenvolveu uma teoria sofisticada para explicar a


existência de Deus: Quinque viis. Por meio das cinco vias (Quinque viis), ele
empreenderá um esforço sistemático para provar a existência de Deus, partindo
de uma argumentação de que a razão humana é capaz de compreender que
existe um Deus e que isso pode ser alcançado naturalmente.

64
AUTOATIVIDADE

1 Entre as muitas questões que incomodaram Agostinho, uma delas diz


respeito à maneira como a alma tem sua origem no homem. Entre as
muitas teorias desenvolvidas para explicar o mistério, Agostinho também
desenvolveu uma maneira de explicar como se dá o processo. Sobre essa
questão, Agostinho acreditava que:

a) ( ) A alma resulta da união do homem e da mulher – seres físicos e espirituais


que por meio de uma relação formam outros seres semelhantes.
b) ( ) A alma é insuflada no homem por ocasião de seu nascimento, pois
somente nesse momento o ser gerado passava a viver.
c) ( ) A alma era uma faculdade intelectiva transmitida pelo homem por
ocasião da relação sexual.
d) ( ) A alma era gerada na mulher em decorrência de uma ação de forças
espirituais, sem nenhuma relação com o mundo físico e humano.

2 A filosofia desenvolvida por São Tomás de Aquino foi uma tentativa de unir
a razão e a fé, conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional.
O resultado foi o desenvolvimento de um sistema de pensamento amplo
e profundo, pois tentou explicar os grandes mistérios da teologia a partir
da elaboração de método de pensamento crítico: o escolasticismo. Sobre a
filosofia de São Tomás, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as
falsas:

( ) A filosofia de São Tomás tem como fundamento o pensamento platônico,


pois a partir desse filósofo grego é que ele desenvolve sua teoria das Cinco
Vias.
( ) No pensamento de São Tomás, a filosofia e a teologia são vistas como duas
áreas do conhecimento que se complementam.
( ) Ainda que houvesse resistência por parte da Igreja Católica em relação
ao pensamento do filósofo grego Aristóteles, São Tomás viu nas obras do
filósofo uma base consistente para desenvolver seu próprio pensamento.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – V.

65
66
UNIDADE 1
TÓPICO 4

OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA


MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, iremos discorrer sobre as principais correntes filosóficas de
cada período. As correntes e métodos filosóficos desenvolvidos serviram e ainda
servem como guia no sentido de nortear a reflexão filosófica. Não significa que o
filósofo não seja livre para pensar, contudo as linhas de pensamento e os métodos
servem para orientar a pesquisa.

Por questão de espaço, optamos por apresentar algumas das correntes


filosóficas. Sabemos que ficaremos em dívida por não apresentar todas, mas
acreditamos que aquilo que abordamos aqui será suficiente para você compreender
um pouco mais sobre os principais debates filosóficos na modernidade e na
contemporaneidade.

Para um aprofundamento sobre os métodos filosóficos que surgiram no


decorrer da história da filosofia ou, as correntes de pensamento, teríamos que ter
muito mais tempo e espaço. Contudo, achamos de grande importância que os
acadêmicos tenham uma noção básica sobre aquilo que consideramos necessário
para refletirem sobre as suas realidades profissionais a partir da filosofia.

Quando tratarmos das correntes de pensamento filosófico na modernidade,


optamos por sempre apontar um dos principais representantes de cada período,
ou sistema de pensamento. A opção se deve ao fato de considerarmos importante
dar um rosto específico aos diferentes sistemas de pensamento filosófico.

Inicialmente, vamos discorrer sobre o pensamento filosófico na modernidade,


sendo que o período marca uma ruptura com o pensamento medieval a partir do
racionalismo cartesiano. Entretanto, este período lança novos e profundos desafios
para os filósofos da contemporaneidade. O homem contemporâneo vai ter que
lidar com uma série de novas descobertas e transformações sociais, que suscitarão
uma série de novos desafios para a filosofia.

67
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

2 FILOSOFIA MODERNA
É difícil estabelecer uma data precisa para o período exato da Filosofia
Moderna. Contudo, podemos afirmar que determinado período pode ser datado
entre os séculos XV até meados do século XIX. É marcado profundamente pela
mudança de postura em relação à própria concepção que o ser humano tinha acerca
de si mesmo, pois houve um deslocamento de uma visão teocêntrica para uma
visão antropocêntrica, ou seja, o mundo não gira mais em torno de Deus, mas o ser
humano é capaz de intervir e mudar o curso da história por meio do uso da razão.

Um nome que vale destacar no início da filosofia moderna é o de Francis


Bacon (1562-1626). Descendente de uma família de nobres, Bacon ocupou
importantes cargos políticos e sofreu perseguição ao ser acusado de corrupto.
A respeito de sua conduta moral, sua obra Novum Organon, tornou-se uma obra
científica de inegável valor.

A contribuição de Bacon consiste no desenvolvimento do método indutivo


de investigação científica, pois ele estava preocupado com a questão metodológica
de seu tempo. Era necessário desenvolver um método que fosse capaz de levar a
um conhecimento objetivo.

De acordo com Bacon, “a ciência deveria valorizar a pesquisa experimental,


tendo em vista proporcionar resultados objetivos para o homem. Para isso,
era necessário que o cientista se libertasse daquilo que Bacon denominava de
‘ídolos’” (COTRIM, 2000, p. 147). Esses ídolos são os responsáveis pelo insucesso
das ciências.

Os ídolos que bloqueiam a mente humana é uma teoria desenvolvida


por Bacon. O primeiro eram Ídolos da Tribo, pois se originavam da natureza
da mente humana a partir da ideia falsa de que o homem é a medida de todas
as coisas. Tais ídolos se referem às noções fundadas na tendência do intelecto
humano, que comumente mistura a própria natureza com a natureza das coisas
que ele observa.

A segunda espécie são os Ídolos da Caverna, que são os dos homens


enquanto indivíduos, pois são aqueles que derivam da pessoa que está fazendo a
análise, da sua natureza singular, formada pelas suas experiências, suas leituras,
seus hábitos, sua educação e suas relações sociais.

Os Ídolos de Foro ou de Mercado são formados a partir da linguagem,


do discurso, pois as palavras exercem grande poder sobre a razão. As palavras
possibilitam que os ídolos penetrem no intelecto humano e a maneira como as
palavras são impostas podem bloquear o intelecto e perturbá-lo por completo,
impedindo que seja frutífero e contribua para o desenvolvimento científico.

Por fim, há os Ídolos do Teatro, que se originam nos dogmas filosóficos.


Bacon dá esse nome à espécie, pois segundo ele, a filosofia não passava de uma

68
TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

peça teatral, representando o mundo. Assim, esses ídolos faziam com que as
pessoas construíssem uma visão de mundo a partir de um sistema filosófico,
que muitas vezes impedia que o sujeito desenvolvesse uma percepção mais
abrangente, pois se fixava em um dogmatismo filosófico.

O método indutivo proposto por Bacon tinha como finalidade combater


os erros provocados pelos ídolos. Assim, sua contribuição para a ciência moderna
“foi apresentar o conhecimento científico como resultado de um método de
investigação capaz de conciliar a observação dos fenômenos, a elaboração racional
das hipóteses e a experimentação controlada para comprovar as conclusões
obtidas” (COTRIM, 2000, p. 149).

2.1 O ILUMINISMO
O Iluminismo moderno pode ser compreendido como o movimento “que
vai dos últimos decênios do século XVII aos últimos decênios do século XVIII:
esse período muitas vezes é designado simplesmente Iluminismo ou século das
luzes” (ABBAGNANO, 2012, p. 618).

O fim do sistema de produção feudal e da intensificação das atividades


comerciais fizeram com que surgisse uma nova classe social, a burguesia,
e consequentemente, um novo sistema de produção e comercialização dos
produtos: o capitalismo.

Nesse novo sistema de produção, com o fortalecimento econômico das


nações, surge o Iluminismo, que representa os ideais da classe social que havia se
fortalecido com a nova dinâmica da economia, neste caso, a burguesia. Para Kant
apud Abbagnano (2012, p. 618):

O iluminismo é a saída dos homens do estado de minoridade devido


a eles mesmos. Minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio
intelecto sem a orientação de outro. Essa minoridade será devida a eles
mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de
decisão e coragem para utilizar o intelecto como guia.

Significa dizer que o ser humano é capaz de ser dono de si mesmo


e escolher seu próprio caminho por meio da razão, sem a necessidade de ser
guiado por uma autoridade arbitrária que o conduz sem que sua racionalidade
seja explorada.

Assim, o ser humano, por meio da ciência e da técnica, é capaz de dominar


a natureza e atingir o progresso material, moral e intelectual. Não apenas isso, mas
sua capacidade racional é capaz de elevar o ser humano a desfrutar da felicidade,
pois a razão tenderia a conduzir o ser humano à perfeição.

No texto a seguir, você perceberá a maneira como o Iluminismo pode


estar relacionado com as atividades comerciais da burguesia.

69
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

BURGUESIA E O ILUMINISMO

Igualdade jurídica

No ato de comércio, como, por exemplo, a compra e venda, todas as


eventuais desigualdades sociais entre compradores e vendedores não são
essenciais. Na compra e venda, o que efetivamente importa é a igualdade
jurídica dos participantes do ato comercial. Assim, o Iluminismo defendia a
igualdade jurídica de todos perante a lei. Todos seriam cidadãos com direitos
básicos, embora com diferentes situações socioeconômicas.

Tolerância religiosa ou filosófica

Para a realização do ato comercial, não têm menor importância as


convicções religiosas ou filosóficas das pessoas.

Do ponto de vista econômico, seria irracional, absurdo, o processo de


compra e venda somente entre pessoas da mesma religião ou filosofia. Seja
muçulmano, judeu, cristão ou ateu, a capacidade econômica de um indivíduo
não depende de suas crenças religiosas ou filosóficas. Assim, a burguesia
assumiu a defesa da tolerância.

Liberdade pessoal e social

O comércio só pode se desenvolver em uma sociedade em que as pessoas


estejam livres para realizar seus negócios. A burguesia, então, posicionou-se
contra a escravidão da pessoa humana, pois sem homens livres, recebendo
salários, não pode haver mercado comercial.

Propriedade privada

O comércio também só é possível entre as pessoas que detenham a


propriedade de bens ou de capitais, pois a propriedade privada confere ao
proprietário o direito de usar e dispor livremente do que lhe pertence. Assim,
a burguesia passou a defender o direito à propriedade privada, que se tornou
essencial à sociedade capitalista.

FONTE: GOLDMANN, Lucien. La Ilustración y la sociedad actual. In: COTRIM, Gilberto. Fundamentos
da Filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 170-171.

Podemos observar o alcance dos ideais iluministas e a maneira como


esses ideais podem ser interpretados pelas diferentes classes sociais. No caso dos
burgueses, os ideais representavam maior liberdade para a concretização de seus
interesses comerciais.

70
TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

Assim, é possível afirmar que “o iluminismo não foi um movimento coeso


e, por isso mesmo, apresenta uma riqueza e complexidade que lhe são peculiares”
(COTRIM, 2000, p. 171). Se por um lado encontramos uma crítica ferrenha ao
Absolutismo europeu, que controlava arbitrariamente a vida dos indivíduos,
por outro lado os ideais iluministas servem aos interesses de outra classe, que
precisava frear o poder dos reis e estabelecer uma ordem social que promovesse
os seus interesses, ou seja, os interesses burgueses.

Se, por um lado, temos a influência do Iluminismo no âmbito das relações


comerciais, por outro lado, o Iluminismo influenciará no próprio sistema jurídico
do Estado. Exemplo é a proposta do filósofo francês Montesquieu (1689-1755),
que em sua obra “O espírito das leis”, “discute a respeito das instituições e das
leis, e busca compreender a diversidade das legislações existentes em diferentes
épocas e lugares” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 222).

Na obra, o filósofo argumenta no sentido de defender que é necessária a


separação dos poderes do Estado, pois evitaria os abusos dos governantes que
concentravam os poderes de forma absoluta. Assim, ele propõe que os poderes
do Estado sejam divididos em poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

A seguir, você poderá perceber a argumentação de Montesquieu, que


fundamentou sua proposta para a divisão dos poderes do Estado.

OS TRÊS PODERES

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o


poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois
se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleça
leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado


do poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o
poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria
legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de
um opressor.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos


principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse os três poderes: o de fazer leis,
o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências
dos indivíduos.
FONTE: MOTESQUIEU. Do espírito das leis. Col. Os pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p.
157. In.: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000.

71
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Observe que a proposta de Montesquieu é a descentralização do poder,


pois ao olhar para a história política, é possível perceber os abusos e opressões que
foram feitos quando o poder estava centralizado na mão de uma única pessoa, ou
nas mãos de um grupo exclusivo de indivíduos, que eram os únicos que criavam
as leis, julgavam e executavam.

2.2 O RACIONALISMO
O racionalismo surge em um período de profundas crises, pois no campo
da ciência, as teorias de Galileu e Copérnico haviam revolucionado a maneira
como o ser humano percebia o universo.

No campo religioso, uma das esferas mais importantes da sociedade, o


poder da Igreja Católica, havia sido abalado com a Reforma de Lutero, abrindo
caminho para um questionamento profundo acerca do poder universal do
Catolicismo. As verdades absolutas, com base em dogmas divinos e que haviam
orientado o pensamento até então, foram colocadas em dúvida diante das novas
descobertas no campo da física.

Diante da nova realidade, os temas mais variados entraram na pauta das


reflexões filosóficas. É importante ressaltar que:

O pensador francês René Descartes, que viveu entre 1596 e 1659, pode
ser considerado o pai do racionalismo moderno. Em seus estudos, ele
não fugiu de temas como Deus, a alma, o mundo e o pensamento. Essa
continuidade com os temas medievais expressa-se principalmente
no seu esforço para conciliar a fé cristã com os princípios da ciência
nascente e para encontrar uma forma de explicação da ordem social
que não levasse ao ateísmo nem ao materialismo, o que não podia
ser feito pela via da fé, dada a situação de desestruturação em que
a mesma se encontrava na Europa, onde a luta pelo poder dividia os
fiéis em católicos e protestantes (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 187).

O racionalismo centrou na razão humana particular e na confiança,


ao estabelecer a crença de que é da razão que obtemos conhecimento. Assim,
o racionalismo, de maneira geral, consiste na “atitude de quem confia nos
procedimentos da razão para a determinação de crenças ou de técnicas em
determinado campo” (ABBAGNANO, 2012, p. 967).

Em um sentido mais preciso, “o racionalismo é a posição epistemológica


que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento" (HESSEN
apud SILVEIRA, 2002, p. 28). A razão é a fonte primária capaz de gerar
conhecimento, pois somente por meio dela é possível conceber conhecimentos
universalmente válidos.

Ao contrário da experiência, que nos proporcionou ideias que, em sua


maioria, são confusas e incertas, a razão penetra na essência das coisas, revelando
o verdadeiro conhecimento, pois para os racionalistas “a experiência externa ou

72
TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

sensível é secundária, podendo até ser prejudicial ao conhecimento” (BUNGE


apud SILVEIRA, 2002, p. 29).

O racionalismo, ao relegar a experiência a um plano secundário, estabelece


que a única maneira de chegarmos à essência das coisas seria através das
“verdades oriundas da intuição pura e abstrata, portanto racional” (LUCKESI;
PASSOS, 2000, p. 186).

Vamos discorrer um pouco mais sobre as contribuições de Descartes, que é


um dos mais importantes filósofos racionalistas. De acordo com Luckesi e Passos
(2000, p. 189), “o eixo central do método cartesiano de pensar foi a dúvida; ele a tomou
como método, pois acreditava ser preciso duvidar de todas as certezas existentes
até encontrar uma que fosse indubitável”. As certezas indubitáveis se tornariam o
fundamento sobre o qual se poderia construir um conhecimento verdadeiro.

O método de duvidar de tudo se tornou o critério elementar, pois ao


questionarmos tudo e todas as coisas, poderemos chegar a uma certeza acerca de
alguma coisa. O primeiro passo foi colocar em dúvida os conhecimentos advindos
das percepções sensoriais, pois as ideias oriundas das experiências sensíveis,
acerca dos objetos materiais, são incertas.

Assim, Descartes conclui que apenas nossos pensamentos existem, pois


segundo ele, “penso, logo existo” (Latim: cogito ergo sum). Acontece porque “na
medida mesmo em que estou pensando, tenho a certeza que estou existindo”
(DESCARTES apud LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 189). Ao duvidar dos sentidos,
por não os considerar confiáveis como fonte do conhecimento, o filósofo
concluiu que o único conhecimento do qual não se pode duvidar é que o “eu”
é uma coisa que pensa.

Observe que a cadeia de dúvidas é interrompida pelo ser que duvida, pois
se o pensamento existe, logo, o ser pensante também existe, porque o pensamento
não pode ser dissociado daquele que pensa. A partir da certeza da existência
do ser que dúvida, é possível construir um conhecimento verdadeiro. Assim, o
método (dúvida) desenvolvido por Descartes se orienta a partir de quatro regras:
a evidência, a análise, a síntese e o desmembramento.

A primeira regra – a evidência – consiste em não aceitar qualquer coisa


que se possa ter alguma dúvida acerca da sua veracidade, pois ela deve ser clara
por si mesma, não abrindo margem para conjecturas e dúvidas.

A segunda regra – a análise – consiste no fato de que as coisas devem ser


observadas/verificadas no maior número de partes possíveis, ou seja, devem ser
divididas na maior quantidade de partes possíveis para que a razão tenha um
entendimento mais perfeito.

A terceira regra – a síntese – é a partir da investigação do mais simples


para o mais complexo, é na verdade o ordenamento do pensamento em que

73
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

distinguimos o que são verdades simples, absolutas e independentes, daquelas


que são verdades mais complexas, relativas e condicionadas.

A quarta regra – desmembramento – estabelece que o investigador deve


enumerar as partes, pois seleciona apenas aquilo que é necessário e suficiente
para solucionar um problema, e evita o esquecimento.

2.3 EMPIRISMO
A questão que ocupará a mente dos filósofos modernos gira em torno
da busca por conhecer a realidade, para então se chegar a uma verdade sobre a
causa dos fatos. O empirismo é a corrente filosófica que vai dar uma verdadeira
guinada na busca, pois os representantes dessa linha de pensamento assentam
seu método na experiência, pois “o empirista partia do princípio aristotélico de
que ‘nada estava no intelecto sem que antes não tivesse estado nos sentidos’”
(LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 194).

Assim, eles negavam o inativismo, pois as experiências decorrentes das


percepções sensoriais constituem a fonte do conhecimento, e somente por meio
da sensibilidade é possível chegar ao conhecimento verdadeiro. Assim, o que
caracteriza de forma mais geral a corrente filosófica é “1) negação do caráter absoluto
da verdade ou, ao menos, da verdade acessível ao homem; 2) reconhecimento de
que toda verdade pode e deve ser posta à prova, logo eventualmente modificada,
corrigida ou abandonada” (ABBAGNANO, 2012, p. 377-378).

NOTA

“A palavra empirismo vem do grego emperia, que significa “experiência”. O


empirismo, ao contrário do racionalismo, enfatiza o papel da experiência sensível no processo
do conhecimento” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 105-106). Na corrente filosófica, a experiência
é o critério para se chegar à verdade. O ponto de apoio dos empiristas para se encontrar maior
grau de certeza na construção do conhecimento perpassa necessariamente pela experiência.

Entre os pensadores que se destacam nessa corrente de pensamento


filosófico, podemos destacar os seguintes: Francis Bacon, Thomas Hobbes,
John Locke, George Berkeley e David Hume. Não será possível discorrer sobre
o pensamento de todos eles, pois suas contribuições são muito vastas. Assim,
vamos discorrer brevemente sobre o pensamento de Locke.

John Locke (1632-1704) nasceu na cidade de Urington, na Inglaterra. Teve


um interesse bastante diversificado no que se refere ao conhecimento científico.
No âmbito da política, por exemplo, chegou a trabalhar como secretário do Conde
de Shaftesbury (Ashley Cooper), chanceler da Inglaterra.
74
TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

A oportunidade de transitar pelas diferentes áreas possibilitou que Locke


ampliasse seus horizontes e produzisse importantes obra no campo da filosofia,
entre elas Ensaio sobre o entendimento humano, publicada em 1690, em que ele
desenvolve a sua teoria sobre a origem e a natureza do conhecimento humano.

FIGURA 17 – JOHN LOCKE

FONTE: <http://ordemlivre.org/posts/biografia-john-locke--2>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Locke toma como ponto de partida, no sentido de conhecer os limites do


conhecimento humano, uma crítica ao intelecto humano. No entendimento dele,
ao nascer, o ser humano é como uma tábula rasa, como uma folha de papel em
branco sem ideia alguma registrada na tábula.

Determinada concepção se choca diretamente com a filosofia racionalista


de pensadores como Platão, Agostinho e Descartes, que acreditavam que o ser
humano, ao nascer, já possuía algumas ideias inatas, portanto, anteriores à
experiência sensorial. Para Locke, não fazia sentido, pois apresentava alguns
problemas, entre eles a impossibilidade de provar cabalmente que o indivíduo
possui ideias desde seu nascimento.

Assim, “os objetos externos suprem a mente com as ideias das qualidades
sensíveis, que são todas diferentes percepções produzidas em nós, e a mente
supre o entendimento com ideias através de suas próprias operações” (LOCKE
apud LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 200). Locke primeiramente faz sua crítica em
relação à concepção inatista das ideias, em seguida analisa o desenvolvimento do
processo do conhecimento.

Seguindo a linha de pensamento, significa dizer que o conhecimento está


fundamentado na experiência, e esta, por sua vez, é responsável por nos fornecer
as ideias que constituem tudo aquilo que podemos saber sobre o mundo. Assim,
deparamo-nos com a seguinte questão: quais são as fontes dessas ideias? Para
Locke, essas fontes são as sensações (o sentido externo) e a reflexão (sentido
interno). Sobre isso, cabe citar o próprio filósofo.

3. O objeto da sensação é uma fonte das ideias. Primeiro, nossos


sentidos, familiarizados com os objetos sensíveis particulares, levam

75
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

para nossa mente várias e distintas percepções das coisas, segundo


os vários meios pelos quais aqueles objetos os impressionaram.
Recebemos, assim, as ideias de amarelo, branco, quente, frio, mole,
duro, amargo, doce e todas as ideias que denominamos de qualidades
sensíveis [...] A esta grande fonte da maioria das nossas ideias, bastante
dependente de nossos sentidos, dos quais se encaminham para o
entendimento, denomino sensação.
4. As operações de nossas mentes consistem na outra fonte de ideias.
Segundo, a outra fonte pela qual a experiência supre o entendimento
com ideias é a percepção das operações de nossa própria mente, que
se ocupa das ideias que já lhe pertencem. Tais operações, quando a
alma começa a refletir e a considerar, suprem o entendimento com
outra série de ideias que não poderia ser obtida das coisas externas,
tais como a percepção, o pensamento, o duvidar, o crer, raciocinar, o
conhecer, o querer e todos os diferentes atos de nossas próprias mentes.
Tendo disso consciência, observando esses atos em nós mesmos, nós
os incorporamos em nossos entendimentos como ideias distintas, do
mesmo modo que fazemos com os corpos que impressionam nossos
sentidos. Toda gente tem essa fonte de ideias completamente em si
mesma; e, embora não a tenha sentido como relacionada com os objetos
externos, provavelmente ela está e deve propriamente ser chamada de
sentido interno [...]. Denomino esta de reflexão (LOCKE, 1999, p. 57-58).

Locke faz outra distinção importante entre ideias, pois segundo ele,
existem ideias simples e compostas. As ideias simples são fornecidas pela sensação
e reflexão, “são apreendidas passivamente pela mente [...], sem as quais a mente
não pode, por si mesma, formar e/ou ter nenhuma ideia” (LOCKE, 1999, p. 91).

As ideias se tornam compostas ou complexas “quando o entendimento


já está abastecido de ideias simples, tem o poder de repetir, comparar e uni-las
numa variedade quase infinita, formando à vontade novas ideias complexas”
(LOCKE, 1999, p. 63). Assim, diante das ideias simples, que constituem o material
primitivo e fundamental do conhecimento, a mente é puramente passiva, torna-
se ativa na formação das ideias complexas.

3 FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
O período denominado de Filosofia Contemporânea compreende a
filosofia desenvolvida a partir do final do século XVIII, que tem como marco a
Revolução Francesa, em 1789. Engloba, portanto, os séculos XVIII, XIX e XX.

É necessário ressaltar que determinada definição não é aceita de maneira


unânime pelos historiadores. Deixando a discussão para o campo da história,
vamos discorrer sobre algumas das correntes e sistemas filosóficos que surgiram
e se desenvolveram no período.

76
TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

3.1 POSITIVISMO
O positivismo é uma corrente filosófica que se originou na França no
início do século XIX. A Europa vivia um momento de profundas transformações
sociais e econômicas, pois era o momento de transição que a sociedade se tornava
cada vez mais urbana e industrial. Diante do quadro, o positivismo se propõe a
compreender as mudanças por meio da observação e compreender as leis que
regem a natureza e o comportamento humano.

Outro aspecto relevante do Positivismo é destacado por Cotrim (2000,


p. 189): “o positivismo expressa um tom geral de confiança nos benefícios da
industrialização, bem como um otimismo em relação ao progresso capitalista,
guiado pela técnica e pela ciência”, pois a técnica e a ciência concebem ao ser
humano a capacidade de intervir na realidade e agir sobre a própria natureza.
Assim, o positivismo é uma diretriz filosófica que influenciou diversas áreas do
conhecimento humano.

A origem do positivismo é atribuída para Augusto Comte (1798-1857),


filósofo francês, nascido em Montpellier, na França.

FIGURA 18 – AUGUSTO COMTE

FONTE: <http://www.estudopratico.com.br/biografia-de-auguste-comte/>.
Acesso em: 31 mar. 2018.

Comte desenvolveu a teoria denominada de Lei dos três estados. A teoria


resume o pensamento dele acerca da evolução histórica e cultural da humanidade.
A humanidade, de acordo com o pensamento de Comte, teria passado por três
estados no que se refere à concepção de mundo e da vida: o estado teológico, o
estado metafísico e o positivo.

Esses três estados pelos quais a humanidade passou significam, na


verdade, os três estágios do conhecimento científico. Essa teoria de Comte tenta
explicar o desenvolvimento das concepções intelectuais da humanidade.
77
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Para Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 42), “no estado teológico, o espírito
humano [...] apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua
de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária
explica todas as anomalias existentes no universo”.

Neste estado, as explicações partem da ideia de que há deuses


(posteriormente surge a ideia de um único Deus – monoteísmo) que regem os
destinos do universo, ou seja, Deus está presente em tudo e tudo o que acontece
parte da vontade Dele.

O segundo estado da humanidade, denominado de metafísico, é entendido


como o momento em que se conhecem os fenômenos a partir das causas primeiras.
Assim, Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 42) escreveu que:

No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que uma


simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são
substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações
personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidos
como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos
observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada
um uma entidade correspondente.

No segundo estado, os fenômenos são explicados a partir de forças ocultas,


a ideia da existência de um Deus, que rege todas as coisas, vai dando lugar para
explicações menos místicas. Em termos simples, significa dizer que os agentes
sobrenaturais dão lugar para forças ocultas. As fundamentações desse estado são
mais racionais que o primeiro, mas ainda tem o caráter metafísico porque não são
demonstráveis experimentalmente.

No terceiro e último estágio, o positivo, a filosofia é substituída pelo


conhecimento científico. Assim, Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 43) afirma que:

Enfim, no estágio positivo, o espírito humano, reconhecendo a


impossibilidade de obter as noções absolutas, renuncia a procurar
a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos
fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso
do bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a
saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude.

Neste estágio, o espírito humano renuncia a procura pelos fins últimos,


ou seja, abandona a busca de respostas para os últimos ‘porquês’. O ser humano,
ao abandonar as respostas religiosas, busca por meio do conhecimento científico
compreender as leis que regem os fenômenos no sentido de prever qual deve ser
o próximo passo a ser dado para antecipar ao que irá acontecer.

É o estado da capacidade humana, pois consegue superar todas as


especulações metafísicas e constrói um conhecimento resultante da verificação e
comprovação.

78
TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

3.2 IDEALISMO
Quando falamos de idealismo na modernidade, estamos nos referindo
mais precisamente ao idealismo alemão. Embora esteja presente na filosofia
antiga, o idealismo recebe maior influência dos pensadores do período moderno.

Na ocasião, não iremos tratar do idealismo platônico e nem do idealismo


tomado no sentido gnosiológico (ou epistemológico), mas no sentido romântico
que se tornou uma grande corrente filosófica “que se originou na Alemanha no
período pós-kantiano e que teve numerosas ramificações na filosofia moderna e
contemporânea de todos os países (ABBAGNANO, 2012, p. 608).

Assim, deixaremos as divergências de lado acerca das perspectivas teóricas


dos filósofos idealistas, pois vamos discorrer brevemente sobre os diferentes tipos
de idealismo: Idealismo Transcendental, Dogmático, Imaterialista e Absoluto. Em
nosso estudo, iremos abordar apenas o Transcendental e o Absoluto.

Idealismo transcendental é a teoria do conhecimento desenvolvida por


Immanuel Kant. Ao elaborar sua teoria do conhecimento, Kant se depara com a
dicotomia racionalismo/empirismo. Por um lado, temos uma tradição racionalista
(Platão, Descartes, Leibniz e Espinosa) que afirmava que todo conhecimento
provém da razão. Por outro lado, a tradição empirista (Aristóteles, Hobbes, Locke,
Berkeley e Hume), afirmando que somente os dados provenientes da experiência
sensível forneciam as bases para o conhecimento.

Tal dicotomia representava um problema para Kant, pois segundo o


filósofo “sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimento,
nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, e intuições sem
conceitos são cegas” (KANT, 1983, p. 57). Assim, Kant estava querendo dizer que
na sensibilidade (empirismo) o objeto nos é dado, contudo o objeto percebido
pela nossa sensibilidade deve ser pensado pelo entendimento (racionalismo).

Portanto, uma teoria do conhecimento precisa superar determinada


dicotomia e avançar no sentido de apontar uma solução intermediária, neste caso,
uma filosofia transcendental. Para Kant, o enfoque transcendental se constitui
em uma revolução copernicana na filosofia, como aconteceu com Copérnico, ao
afirmar que era a Terra que girava em torno do Sol e não o contrário, com havia
sido afirmado por Ptolomeu e Aristóteles.

Kant aponta para o fato de que até então o conhecimento se regulava pelo
objeto, pois as teorias tentavam adequar a razão humana aos objetos, pois estes
eram o centro do conhecimento. A filosofia transcendental de Kant proporciona
uma virada, pois segundo ele,

Até agora se supôs que todo o nosso conhecimento tinha que se


regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos
estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria
o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso

79
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da


Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso
conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade
de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo
sobre os mesmos antes de nos serem dados (KANT, 1983, p. 12).

Com isso, Kant queria dizer que o sujeito possui as condições de


possibilidade de conhecer, pois aquilo que o sujeito vê é a representação das
coisas na nossa percepção. É o sujeito que dá sentido aos objetos no mundo e
não o contrário. Assim, o conhecimento gravita em torno do sujeito que conhece,
que percebe e não em torno do objeto do conhecimento, pois é o sujeito que intui
sobre o objeto e não o contrário.

O idealismo absoluto foi desenvolvido pelo filósofo alemão Georg W. F.


Hegel (1770-1831). Hegel, na sua juventude, estudou teologia, e pode ser notado
na maneira como desenvolveu sua própria filosofia, visto que no fundamento
dela é possível perceber a influência teológica, embora os aspectos de sua teologia
cristã se afastem dos princípios ortodoxos.

FIGURA 19 – GEORG W. F. HEGEL

FONTE: <https://universoracionalista.org/como-fingir-entender-hegel/>.
Acesso em: 31 mar. 2018.

O idealismo hegeliano tem como fundamento o conceito de espírito


absoluto. Para compreendermos o conceito, é necessário compreendermos antes
de tudo, a maneira como Hegel compreende a realidade.

Assim, “Hegel, tomando como ponto de partida a noção kantiana de que a


consciência (ou sujeito) interfere ativamente na construção da realidade, propõe o
que se chama de filosofia do devir, ou seja, do ser como processo, como movimento,
como vir a ser” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 118). A realidade é movimento.

A realidade consiste em uma sequência de acontecimentos e situações que


se sucedem de maneira contínua e o movimento dessa sucessão é de superação
em relação à situação estabelecida que caminha para uma nova situação que é
qualitativamente distinta da situação anterior. Para melhor entendimento, Hegel
apresenta um exemplo bem comum que pode ser observado no cotidiano das pessoas:

80
TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

O botão desaparece no florescimento, podendo se dizer que aquele é


rejeitado por este; de modo semelhante, com o aparecimento do fruto,
a flor é declarada falsa existência da planta, com o fruto entrando
no lugar da flor como a sua verdade. Tais formas não somente se
distinguem, mas cada uma delas se dispersa também sob o impulso
da outra, porque são reciprocamente incompatíveis. Mas, ao mesmo
tempo, a sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica,
na qual elas não apenas não se rejeitam, mas, ao contrário, são
necessárias uma para a outra, e essa necessidade igual constitui agora
a vida do inteiro (HEGEL apud COTRIM, 2000, p. 193).

Determinado exemplo reflete a ideia de que a vida orgânica da planta


permanece a mesma, contudo há uma variação de estados da planta que se
sucedem durante sua vida.

Essa unidade só é possível em decorrência da sucessão de acontecimentos,


que alteram qualitativamente a situação anterior para a posterior. Assim, há três
momentos, neste movimento, presente na realidade, que são denominados de
tese (em si); antítese (fora de si) e síntese (retorno a si).

“Hegel os concebe como um movimento em espiral, ou seja, um movimento


circular que não se fecha, pois cada momento final, que seria a síntese, se torna a tese
de um movimento posterior, de caráter mais avançado” (COTRIM, 2000, p. 194).

A ideia básica do idealismo hegeliano pode ser resumida da seguinte


maneira:

O homem tem de viver em dois mundos que se contradizem [...]. O


espírito afirma o seu direito e a sua dignidade perante a anarquia e a
brutalidade da natureza à qual devolve a miséria e a violência que ela o
faz experimentar. Mas esta divisão da vida e da consciência cria para a
cultura moderna e para a sua compreensão a exigência de resolver uma
tal contradição (HEGEL apud ARANHA, MARTINS, 1993, p. 118).

Assim, o filósofo apresenta a ideia de que a realidade não é estática, mas


está em mudança contínua. A força motriz da mudança são as contradições e os
embates, um processo que ele denominou de dialética.

3.3 MARXISMO
O marxismo é um conceito bastante amplo, pois abarca um conjunto de
ideias filosóficas, políticas, culturais e econômicas elaboradas e desenvolvidas
pelo pensador alemão Karl Marx (1818-1883). Embora o conjunto de ideias
seja denominado de marxismo, contudo é necessário ressaltar a importante
colaboração de Friedrich Engels (1820-1895) para o seu desenvolvimento.

Em relação à composição do pensamento marxista, é possível observar que


ele sofreu influência de diversas fontes, pois “da Alemanha, herdou elementos
da filosofia idealista hegeliana; da França, influências do seu socialismo; e da
Inglaterra, os pressupostos da sua economia” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 227).
81
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

A partir das diversas fontes, o marxismo se constitui como uma teoria social
abrangente, pois ele contempla os elementos dialéticos da filosofia hegeliana,
embora o critique profundamente; elementos da prática política francesa, pois
apela para a participação popular nas decisões do Estado; e elementos da teoria
econômica inglesa, apontando para as contradições internas do sistema capitalista.

Outro aspecto importante em relação ao marxismo é que, “esta concepção


constitui uma teoria materialista da sociedade, para a qual o mundo material
exerce uma predominância sobre o mundo ideológico e no qual o movimento
é a sua própria essência” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 227). Assim, o marxismo
é composto de uma teoria científica – materialismo histórico – e uma teoria
filosófica – materialismo dialético.

No materialismo histórico, o ser humano não pode ser pensado de


maneira abstrata, mas deve ser pensado em seu conjunto de ralações sociais, pois
para Marx apud Cotrim (2000, p. 200), “a essência humana [...] é o conjunto das
relações sociais”. As relações sociais definem os comportamentos, a maneira de
agir, de pensar e sentir dos indivíduos.

Determinadas relações se dão no campo da produção da vida material, que


pretende atender às necessidades humanas para sua manutenção e sobrevivência.
Assim, o materialismo histórico explica o processo histórico da humanidade a
partir das relações de produção material na sociedade.

É necessário compreender que o materialismo histórico é ao mesmo tempo


dialético, pois o homem alienado historicamente busca se opor às condições que o
oprimem. Ao se levantar contra as condições materiais e ideológicas que o oprimem
– teses estabelecidas pela classe dominante – o homem se coloca como uma antítese.

O embate entre dominadores (tese) e dominados (antítese) faz com que


surja a síntese, ou seja, um acordo que pretende estabelecer um novo plano de
relações sociais, que visam à superação das desigualdades. Entretanto, o embate
de forças está no sentido de superar as constantes contradições que surgem nas
relações sociais.

3.4 EXISTENCIALISMO
O existencialismo consiste em uma doutrina filosófica que surgiu na
Europa, em meados do século XX. Com o tempo, tornou-se um movimento
intelectual muito importante. A principal contribuição desta escola filosófica é sua
ênfase na responsabilidade do homem sobre seu destino e no seu livre-arbítrio.

O termo existencialismo designa o conjunto de tendências filosóficas


que, embora divergentes em vários aspectos, tem na existência
humana o ponto de partida e o objeto fundamental de reflexões. Por
isso, podemos designá-las mais propriamente filosofias da existência,
no plural (COTRIM, 2000, p. 212).

82
TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

Sören Kierkegaard (1813-1855) concebeu ao existencialismo a ideia central


da liberdade do homem. A liberdade, contudo, cobra seu preço, pois a ela carrega
sua eterna aflição perante a falta de um projeto que regeria a caminhada humana.

Tal condição deixa o indivíduo à mercê de suas próprias decisões e


atitudes. A realidade é vista por Kierkegaard como um feixe de possibilidades e o
ser, com sua liberdade de escolha, pode optar pelas que mais lhe convém.

FIGURA 20 – KIERKEGAARD

FONTE: <http://www.deutschlandfunk.de/hoerspielklassiker-das-tagebuch-eines-verfuehrers.688.
de.html?dram:article_id=344730>. Acesso em: 31 mar. 2018.

O possível diz respeito àquilo que pode ser, existir ou acontecer. De


acordo com Kierkegaard (2007, p. 39), “o possível lembra a criança que recebe
um convite que lhe agrada e prontamente aquiesce. Não sabe se seus pais darão
consentimento. E os pais desempenham a função da necessidade”. O desejo de
alguma maneira pode cegar o homem para que ele veja apenas a possibilidade,
o que pode ser, existir ou acontecer, mas ignora o fator primordial na relação da
liberdade, que é a necessidade.

Um dos conceitos desenvolvidos na filosofia existencialista de Kierkegaard


é o da angústia. Para ele:

A angústia é a vertigem da liberdade, que quando surge o espírito


quer estabelecer a síntese, e a liberdade olha para baixo, para sua
própria possibilidade, e então agarra a finitude para nela firmar-se [...].
No mesmo instante tudo se modifica, e quando a liberdade se reergue,
percebe que ela é culpada. Entre esses dois momentos situa-se o salto,
que nenhuma ciência explicou nem pode explicar (KIERKEGAARD,
2010, p. 66).

Diferentemente dos animais, que agem instintivamente, o homem faz


suas escolhas com base em um assentimento racional. Suas escolhas não são
aleatórias, embora possam ocorrer, mas em sua maioria as escolhas resultam de
um pensamento, de uma motivação, seja ela boa ou má.

83
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

O ser humano é capaz de, ao se deparar com uma situação, fazer uma
análise sobre qual é o melhor caminho. Determinada capacidade de analisar coloca
o ser humano junto com as possibilidades, ou seja, sua análise ou capacidade de
síntese, ao mesmo tempo, lhe dá vantagens sobre os animais, lhe coloca junto com
a angústia.

O animal não tem a experiência da angústia, pois não racionaliza suas


escolhas. As escolhas dos animais são instintivas, não havendo a necessidade
de frequentemente fazerem escolhas com base em múltiplas possibilidades.
O homem precisa sintetizar as possibilidades e fazer a escolha que melhor lhe
agrade, ou que melhor atenda às necessidades dele.

A liberdade de escolha desencadeia no homem a angústia, pois


“psicologicamente, a queda se explica, de fato, com a angústia da liberdade,
na qual o indivíduo se encontra atraído por aquilo que lhe dá medo, e ele tem
medo daquilo que o atrai, enquanto é colocado diante da possibilidade tanto da
realização quanto do fracasso” (GARAVENTA, 2011, p. 12).

Mais uma vez nos deparamos com a questão da liberdade. Desde muito
cedo, o homem quer ser livre. Enquanto criança, suas escolhas geralmente estão
muito restritas, pois ainda estão sob os cuidados dos pais. Ao longo do passar
dos tempos, a idade vai chegando e o homem tende a ser mais independente,
podendo tomar suas próprias decisões. Todavia, essa liberdade tem o seu preço,
e o preço é a angústia da liberdade diante da possibilidade.

O existencialismo enquanto escola filosófica teve influência de outros


filósofos importantes, dentre eles podemos destacar Nietzsche, Husserl,
Heidegger e Sartre. Não é possível discorrer sobre as contribuições filosóficas de
cada um desses pensadores, pois suas obras são vastas e profundas.

3.5 FENOMENOLOGIA
A fenomenologia é um método filosófico que surgiu no século XIX. “A
fenomenologia pretende realizar a superação da dicotomia razão-experiência
no processo do conhecimento, afirmando que toda consciência é intencional”
(ARANHA; MARTINS, 1993, p. 123).

A consciência do sujeito é o ponto de partida para compreender o mundo,


pois o indivíduo é constituído de uma consciência intencional, pois a consciência
é fonte de significado para o mundo, visto que ela “é fonte de intencionalidades
não só cognitivas, mas afetivas e práticas” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 123).

O método foi concebido pelo filósofo, matemático e lógico alemão


Edmund Husserl (1859-1938). Alguns atribuem a origem da fenomenologia para
Franz Brentano e que suas ideias foram depois amplamente desenvolvidas por
Husserl, que havia sido discípulo de Brentano.

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TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

FIGURA 21 – EDMUND HUSSERL

FONTE: <http://www.diocesedelivramento.org/2015/05/ticos-da-fenomenologia-em-husserl.
html>. Acesso em: 31 mar. 2018.

O ponto de partida para o fenomenólogo não pode ser nada daquilo que
é evidente. Ao se posicionar dessa maneira, a fenomenologia assumiu a tarefa
de edificar um edifício filosófico sobre novas bases, e a consciência é a pedra
fundamental. “A tarefa efetiva da fenomenologia será, pois, analisar as vivências
intencionais da consciência para perceber como aí se produz o sentido dos
fenômenos, o sentido desse fenômeno global que se chama mundo” (DARTIGUES,
2008, p. 26).

Husserl entendia que havia dois tipos de ciência: dos fatos e das essências
ou eidéticas. As ciências eidéticas tinham como objeto a intuição das essências
(eidos). A intuição das essências indica que o conhecimento que obtemos a partir
dessa intuição, a priori, não é mediado por nenhum dado ou objeto concreto, mas
é uma intuição pura acerca daquilo que está por trás dos fatos e se constituem
como fundamentos destes.

O que Husserl pretende é apontar um caminho seguro para o


conhecimento, livrando-se das amarras do empirismo, racionalismo, cientificismo
e do relativismo.

A proposta de Husserl consiste em estabelecer a fenomenologia como


um movimento de ideias, que tem seu próprio método. Através desse método
filosófico, seu objetivo é alcançar, de modo rigoroso, o conhecimento.

Para que fosse possível, o sujeito deveria se libertar de toda inflexão,


ou seja, de todos os elementos desnecessários e se apegar às essências. “Para o
processo, Husserl denominou de ‘redução fenomenológica’, ou epoché, e consistia
em colocar em suspensão, ou excluir, os dados da nossa subjetividade – hábitos,
elementos psicológicos etc. –, bem como os elementos do mundo físico e religioso”

85
UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

(LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 225). Ao se libertar ou suspender (epoché) todos esses


elementos, o sujeito estará preparado para se fixar na essência.

A redução fenomenológica, ou a redução à essência, proposta por Husserl,


consiste em todo ato da consciência que visa a identificar não o “objeto em si”,
mas o modo como o objeto se apresenta e se revela ao indivíduo. O que Husserl
propõe é regressar às coisas mesmas, que significa a vivência original do objeto.
Representa uma nova maneira de pensar o problema do conhecimento, agitando
toda uma tradição filosófica metafísica.

Neste tópico, buscamos apresentar, ainda que de maneira sintetizada,


as principais correntes filosóficas da modernidade à contemporaneidade. Ao
discorrer sobre o assunto, observamos a progressão das reflexões filosóficas,
que nos ajudavam a chegar ao encontro de respostas para os problemas de cada
tempo. Ainda, tais correntes permitiram a construção de várias teorias que se
comprometeriam a lidar com as questões que sempre inquietaram a mente
humana. A lição que deve servir para nós é que a reflexão filosófica não é estanque,
pois cada tempo apresenta desafios, ajudando o ser humano a pensar e repensar
os dilemas tão comuns de nossa existência.

LEITURA COMPLEMENTAR

O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO

Jean-Paul Sartre

Na realidade, a palavra humanismo tem dois significados muito diferentes.


Por humanismo pode entender-se uma teoria que toma o ser humano como um
fim último e como valor supremo. Neste sentido, aparece um humanismo, por
exemplo, na história de Cocteau, “A volta ao mundo em 80 horas”, quando um
personagem declara, ao sobrevoar as montanhas de avião: “O homem é admirável!”
Isto significa que eu, pessoalmente, que não construí aviões, me benefício dessas
invenções particulares e posso, pessoalmente, enquanto homem, me considerar
também responsável e honrado pelas ações particulares de alguns seres humanos.

Permitiria supor que pudéssemos atribuir um valor ao homem a partir


dos atos mais nobres de alguns homens. Este humanismo é absurdo, pois apenas
o cachorro ou o cavalo poderiam formar um juízo coletivo sobre o homem e
declarar que o homem é admirável, coisa que, com certeza, não lhes interessa
fazer, pelo que eu saiba. Mas tampouco se pode admitir que um homem possa
emitir um julgamento sobre o homem.

O existencialismo o dispensa de todo julgamento desse gênero: o


existencialista nunca tomará o homem como fim, pois ele está por fazer-se. E
não devemos crer em uma humanidade a ser cultuada, da maneira de Augusto

86
TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

Comte. O culto à humanidade culmina no humanismo fechado sobre si mesmo


de Comte e, devemos dizer, no fascismo. Trata-se de um humanismo que não
desejamos.

Existe, no entanto, outro sentido para o humanismo, que significa no


fundo, o seguinte: o homem está constantemente fora de si mesmo; é projetando-
se e perdendo-se fora de si que ele faz o homem existir e, por outro lado, é
perseguindo fins transcendentes que ele é capaz de existir; sendo essa superação
e apropriando-se dos objetos apenas em relação a essa superação, o homem está
no coração, no centro dessa superação.

Não há outro universo senão o universo humano, um universo da


subjetividade humana. Esta ligação da transcendência, como constitutiva do
homem – não no sentido em que Deus é transcendente, mas no sentido de superação
– e da subjetividade, no sentido em que o homem não se encontra encerrado
nele mesmo, mas sempre presente num universo humano, denominamos de
humanismo existencialista. Humanismo, porque lembramos ao homem que não
há outro legislador senão ele mesmo, e que é no desamparo que ele decidirá
por si mesmo; e porque mostramos que não é voltando-se para si mesmo, mas
sempre buscando fora de si um fim que consiste nessa liberação, nesta realização
particular, que o homem se realizará precisamente como humano.

FONTE: SATRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p. 59-61.

87
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• O Iluminismo moderno pode ser compreendido como o movimento que vai dos
últimos decênios do século XVII aos últimos decênios do século XVIII: o período
muitas vezes é designado simplesmente Iluminismo ou século das luzes.

• O racionalismo centrou na razão humana particular e na confiança, ao


estabelecer a crença de que é da razão que obtemos conhecimento.

• O racionalismo é a posição epistemológica que vê no pensamento, na razão, a


fonte principal do conhecimento.

• O empirismo, ao contrário do racionalismo, enfatiza o papel da experiência


sensível no processo do conhecimento.

• Locke toma como ponto de partida, no sentido de conhecer os limites do


conhecimento humano, fazer uma crítica ao intelecto humano. No entendimento
dele ao nascer, o ser humano é como uma tábula rasa, como uma folha de
papel em branco sem nenhuma ideia registrada nessa tábula.

• O positivismo é uma corrente filosófica que se originou na França no início do


século XIX.

• Comte desenvolveu a teoria denominada de Lei dos três estados. Resume o


pensamento dele acerca da evolução histórica e cultural da humanidade. A
humanidade, de acordo com o pensamento de Comte, teria passado por três
estados no que se refere à concepção de mundo e da vida: o estado teológico, o
estado metafísico e o positivo.

• Idealismo transcendental é a teoria do conhecimento desenvolvida por


Immanuel Kant.

• O idealismo absoluto foi desenvolvido pelo filósofo alemão Georg W. F. Hegel.

• O idealismo hegeliano tem como fundamento o conceito de espírito absoluto.

• O marxismo é um conceito bastante amplo, pois abarca um conjunto de ideias


filosóficas, políticas, culturais e econômicas elaboradas e desenvolvidas pelo
pensador alemão Karl Marx.

88
• O existencialismo consiste em uma doutrina filosófica que surgiu na Europa
em meados do século XX.

• A fenomenologia é um método filosófico que surgiu no século XIX. Pretende


realizar a superação da dicotomia razão-experiência no processo do
conhecimento, afirmando que toda consciência é intencional.

89
AUTOATIVIDADE

1 O debate entre as correntes de pensamento empirista e racionalista dominou


as discussões da filosofia moderna. A discussão foi fundamental para a
evolução de nosso entendimento acerca da origem do conhecimento humano.
Assim, explique as principais divergências entre a corrente racionalista e a
empirista.

2 O Idealismo foi uma corrente filosófica que surgiu com o advento da


Modernidade. Se opondo ao materialismo, a corrente idealista procura
demonstrar que o mundo material só pode ser compreendido a partir de sua
verdade espiritual e subjetiva. Sobre o idealismo, analise as sentenças a seguir:

I- Immanuel Kant desenvolveu a teoria do idealismo transcendental,


pretendendo superar a dicotomia empirismo/racionalismo.
II- O conceito de idealismo hegeliano foi desenvolvido a partir da dialética
marxista.
III- Hegel desenvolveu a teoria do Idealismo absoluto, que tinha como
fundamento o conceito de espírito absoluto.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.

90
UNIDADE 2

PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA


FILOSOFIA GERAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• avaliar a importância da lógica como instrumento do pensar na investiga-


ção sobre a validade dos argumentos;

• compreender a necessidade dos métodos científicos válidos na elaboração


de novos conhecimentos;

• conhecer os desafios que a ética se propõe a discutir a fim de tomar uma


posição nos debates éticos contemporâneos;

• identificar a importância da estética na sociedade contemporânea.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos e, no final de cada um deles, você
encontrará atividades que o ajudarão a ampliar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – LÓGICA

TÓPICO 2 – EPISTEMOLOGIA

TÓPICO 3 – ÉTICA

TÓPICO 4 – ESTÉTICA

91
92
UNIDADE 2
TÓPICO 1

LÓGICA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estamos iniciando os estudos do primeiro tópico da
Unidade 2. Esta unidade trata de áreas importantes no estudo da filosofia geral.
Nosso estudo é apenas introdutório, mas procuraremos estabelecer uma boa base
para que você possa ter uma noção geral de cada uma dessas áreas.

Neste tópico, vamos discorrer sobre (i) o que é lógica; (ii) a divisão da
lógica clássica ou aristotélica; (iii) o objeto de estudo da filosofia e, por fim (iv), o
que são as falácias. A opção por dividir o tópico de tal maneira tem uma finalidade
didática: facilitar a aprendizagem.

Diariamente, lidamos com diversas situações, e precisamos refletir de


maneira justa para podermos emitir juízo de valor, tomarmos uma decisão ou
chegarmos a uma conclusão. Deparamo-nos com inúmeros argumentos sobre os
mais diversos assuntos, situações, fatos etc.

Assim, é necessário analisar criticamente tais argumentos que chegam até


nós através das mídias ou situações corriqueiras do cotidiano. É nesse contexto
comum que a lógica tem um papel extremamente relevante, pois ela nos auxilia a
usar corretamente o raciocínio.

Diante do que falamos até aqui, convidamos você a conhecer um pouco


mais sobre essa área, para que ela contribua com seu crescimento intelectual e
profissional.

2 O QUE É LÓGICA?
A filosofia é uma importante área do conhecimento humano, como já
vimos na Unidade 1. Entretanto, para que o conhecimento construído a partir da
reflexão filosófica seja válido, é necessário que este seja submetido ao rigor lógico.

Se a filosofia proporciona o espaço para o ser humano refletir sobre os


mais diversos assuntos em busca de um conhecimento verdadeiro, válido e
correto, não podemos nos esquecer de que, no caminho, deparamo-nos com vários
obstáculos, pois o próprio pensamento precisa estar submetido a determinadas
regras para a identificação dos argumentos logicamente válidos.

93
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

Um passo necessário e fundamental para a elaboração de conhecimentos


válidos e precisos é recorrer à lógica. É possível encontrarmos inúmeras definições
do que é Lógica enquanto ciência, contudo achamos importante compreender
também o sentido da palavra, pois “o termo ‘lógica’ vem de uma palavra grega
que significa razão. A lógica é, de fato, “a ciência das leis ideais do pensamento
e a arte de aplicá-las corretamente à procura e à demonstração da verdade”
(JOLIVET, 1965, p. 27).

Devido a sua importância, a Lógica é tradicionalmente concebida como


uma disciplina introdutória da filosofia, “pois é o instrumento que vai permitir
o caminhar rigoroso do filósofo ou do cientista” (ARANHA; MARTINS, 1993, p.
79). Assim, ela trata de raciocínios e, a partir de certas premissas, tenta chegar a
uma conclusão. O lógico está interessado nas proposições de um determinado
raciocínio, e vale lembrar que:

As proposições são verdadeiras ou falsas e nisto diferem das perguntas,


ordens e exclamações. Só as proposições podem ser afirmadas ou
negadas; uma pergunta pode ser respondida, uma ordem dada e
uma exclamação proferida, mas nenhuma delas pode ser afirmada ou
negada, nem é possível julgá-las como verdadeiras ou falsas (COPI,
1978, p. 22).

A proposição é, portanto, o conteúdo verdadeiro ou falso expresso


por uma afirmação. As proposições são expressas por meio de frases que são
formadas por termos. Quando afirmamos que “Maria é mulher”, essa proposição
é a atribuição do predicado “mulher” ao sujeito “Maria”.

Os termos de uma proposição podem ser divididos em várias categorias:


substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, ação e
paixão (passividade). No nosso exemplo, “Maria” é a substância e “mulher” é a
qualidade.

O principal objetivo da lógica é eliminar as ambiguidades dos argumentos


e trazer clareza. Os seus princípios fundamentais são os seguintes:

1) Princípio da identidade: A é A.
2) Princípio da não contradição: impossível A é A e não A ao mesmo tempo e sob
o mesmo aspecto.
3) Princípio do terceiro excluído: A é X ou não X, não há terceira possibilidade.

Nosso objetivo a seguir é apresentar a maneira como a lógica aristotélica


ou silogística está dividida e aprofundar um pouco mais sobre o objeto da lógica
clássica. Vale ressaltar que a lógica atualmente se aplica a diversos campos,
pois existe a lógica da computação, lógica matemática, dentre outras, mas não
é possível abordar cada um dos campos em particular devido à complexidade.

94
TÓPICO 1 | LÓGICA

DICAS

A obra Introdução à lógica (1978), de Irving M. Copi,


é um importante tratado sobre o tema. Tanto por sua importância
filosófica como por suas aplicações técnicas, a lógica ocupa um
lugar central no pensamento contemporâneo. 'Introdução à lógica'
constitui uma introdução amena e rigorosa sobre o tema. O livro
compreende três partes intituladas, respectivamente, 'Linguagem',
'Dedução' e Indução'.

Na primeira se encontra uma análise das diversas funções da


linguagem, tema que possui um interesse filosófico intrínseco. Na
segunda, o autor apresenta um enfoque atualizado da silogística
tradicional e introduz um método gráfico – o dos diagramas de Venn – para decidir sobre a
validade dos raciocínios silogísticos. Na terceira parte, o autor se refere à lógica da explicação
científica com ilustrações cuidadosamente selecionadas.

3 DIVISÃO DA LÓGICA ARISTOTÉLICA OU CLÁSSICA


A lógica clássica, ou aristotélica, é a mais conhecida no ocidente e se tornou
referência para a filosofia grega. Não significa que outros filósofos gregos ou até
mesmo outros povos não tenham estabelecido algumas leis do pensamento.
O que ocorreu foi que Aristóteles, ao estabelecer leis de pensamento, fez com
significativa amplitude e rigor, diferenciando-se de seus antecessores.

Apesar da lógica possuir várias divisões, vamos nos ater apenas à


divisão da lógica aristotélica: formal e material. Aristóteles foi criador daquilo
que conhecemos hoje como lógica silogística, que veremos mais adiante.
A seguir, vamos conhecer um pouco mais sobre a maneira como a lógica
aristotélica está dividida.

3.1 LÓGICA FORMAL OU MENOR


A divisão da lógica clássica em formal e material possibilita que os
estudantes compreendam dois aspectos essenciais na argumentação, a validade
e a verdade, pois um argumento válido não quer dizer necessariamente que é
verdadeiro. Assim, denominamos falácias, conceito que veremos mais adiante. A
lógica formal:

É a parte da Lógica que estabelece a forma correta das operações


intelectuais, ou melhor, que assegura o acordo do pensamento consigo
mesmo, de tal maneira que os princípios que descobrem as regras
se aplicam a todos os objetos do pensamento, quaisquer que sejam
(JOLIVET, 1965, p. 29).

95
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

Na lógica formal, se as regras forem aplicadas corretamente, o raciocínio


é considerado válido ou inválido, correto ou incorreto. Assim, é correto afirmar
que “a lógica formal trata da relação entre as premissas e conclusão, deixando
de se importar com a verdade das premissas. Para ela, interessa dar as regras do
pensamento correto” (MUNDIM, 2002, p. 136).

O método de raciocínio da lógica formal é a dedução e a indução que


veremos de maneira mais detalhada a seguir. A lógica formal está interessada
na forma ou estrutura do raciocínio. A verdade das premissas e conclusões é
uma preocupação secundária para esse ramo da lógica. A lógica formal tenta
encontrar o método correto para derivar uma verdade da outra. O que interessa à
lógica formal é garantir que a passagem das premissas para a conclusão seja bem
fundamentada.

3.2 LÓGICA MATERIAL OU MAIOR


A lógica material se difere da lógica formal, pois somente no campo
da lógica material que se pode falar da verdade. Assim, o argumento é válido
somente quando as premissas são verdadeiras e se relacionam adequadamente à
conclusão. A lógica material pode ser entendida como:

A parte da lógica que determina as leis particulares e as regras


especiais que decorrem da natureza dos objetos a conhecer. Ela define
os métodos das matemáticas, da física, da química, das ciências
naturais, das ciências morais etc., que são outras tantas lógicas
especiais (JOLIVET, 1965, p. 29).

Portanto, “a lógica material é então a que considera a matéria do


conhecimento e determina as vias a seguir para chegar segura e rapidamente
à verdade” (JOLIVET, 1965, p. 59). A lógica material está relacionada com o
conteúdo do argumento, se eles são certos e verdadeiros, ou errados e falsos.

4 SILOGISMO: O OBJETO DE ESTUDO DA LÓGICA


A lógica permite realizar uma análise crítica do argumento. É por meio
dela que conseguimos fazer uma distinção entre os bons e maus argumentos.
Para analisar a validade de argumentos compostos com proposições universais e
particulares, podemos recorrer à lógica silogística criada por Aristóteles.

Segundo Jolivet (1965, p. 47), “o silogismo é um argumento pelo qual,


de um antecedente que une dois termos a um terceiro, tira-se um consequente
que une esses dois termos entre si”. O silogismo consiste em uma argumentação,
na qual há duas premissas simples (maior e menor) dispostas de determinada
maneira, que derivam de uma terceira proposição, ou seja, uma conclusão.

96
TÓPICO 1 | LÓGICA

E
IMPORTANT

a) Composição do silogismo: todo silogismo regular se compõe então de três


proposições, nas quais três termos são comparados dois a dois. Os termos são:
O termo maior (T), assim chamado porque é o que tem maior extensão.
O termo menor (t), assim chamado porque é o que tem menor extensão.
O termo médio (M) porque é o intermediário entre o termo maior e o menor.

As duas primeiras proposições, que compõem coletivamente o antecedente, se chamam


premissas, e a terceira, a conclusão. Das duas premissas, a que contém o termo maior se
chama maior. A que contém o termo menor se chama menor.

FONTE: JOLIVET, Régis. Curso de filosofia. 7. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1965.

Talvez você esteja se perguntando: o que é um argumento? Argumento


não é apenas um conjunto de frases soltas, mas é constituído de um conjunto de
sentenças em que uma delas é chamada de conclusão e as outras de premissas.
Assim, podemos dizer que o argumento é uma série conectada de proposições
que tem a intenção de dar razões para outra proposição.

Os argumentos representam, através da linguagem/palavras, um


raciocínio, que consiste em fazer uso da razão para depreender, julgar ou
compreender. Significa dizer que a argumentação:

É um tipo de operação discursiva do pensamento, consistente em


encadear logicamente os juízos e deles tirar uma conclusão. Essa
operação é discursiva porque vai de uma ideia ou de um juízo a outro
passando por um ou vários intermediários e exige o uso das palavras.
Portanto, é um conhecimento mediato, ou seja, procede por mediação,
por meio de alguma coisa (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 80).

Assim, a proposição consiste em um conjunto de palavras ou símbolos


que exprime um pensamento de sentido completo: fatos, juízos, valor lógico.

Fato: O círculo é redondo.

Juízo: Quem faz exercício físico fica mais saudável.

Valor lógico: Verdadeiro ou falso. O valor lógico se refere ao fato e ao juízo.

Observe que para ser uma proposição, o conjunto de palavras precisa


exprimir um fato, ou um juízo e possuir um valor lógico. Um exemplo de
frase que não é uma proposição: “Para de jogar bola agora!” A frase não é uma
proposição, pois consiste em uma ordem e é impossível determinar o valor lógico
dessa expressão, ou seja, não há como determinar se ela é falsa ou verdadeira.
Para entendermos melhor o que foi dito, podemos recorrer aos exemplos a seguir:

97
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

Exemplo 1:

Todas as zebras são listradas. (Premissa maior)

Marty é uma zebra. (Premissa menor)

Logo, Marty é listrado. (Conclusão)

FIGURA 1 – ARGUMENTAÇÃO
LISTRAS

ZEBRAS

MARTY

FONTE: O autor

O diagrama anterior mostra que o argumento é verdadeiro e com conteúdo


verdadeiro. No exemplo a seguir, nós temos um argumento com conteúdo falso.

Exemplo 2:

Todos os catarinenses são simpáticos. (Premissa maior)

Marty é catarinense. (Premissa menor)

Marty é simpático. (Conclusão)

FIGURA 2 – ARGUMENTO COM CONTEÚDO FALSO


SIMPATICOS

CATARINENSES

MARTY

FONTE: O autor

98
TÓPICO 1 | LÓGICA

Observe que, no caso, o argumento é válido, contudo, o conteúdo é


falso. É necessário estar atento, pois um argumento pode ser válido, entretanto
a validade do argumento não quer dizer que necessariamente seu conteúdo é
verdadeiro. Validade e verdade são duas coisas distintas na argumentação. No
exemplo a seguir, deparamo-nos com outro tipo de argumento:

Exemplo 3:

Todos os catarinenses são brasileiros. (Premissa maior)

Alguns brasileiros simpáticos. (Premissa menor)

Alguns catarinenses são simpáticos. (Conclusão)

FIGURA 3 – ARGUMENTO INVÁLIDO


BRASILEIROS
SIMPÁTICOS

CATARINENSES

FONTE: O autor

A partir das premissas, podem existir catarinenses simpáticos ou


não. Assim, a conclusão não é necessariamente verdadeira. É um exemplo de
argumento inválido, também chamado de sofisma, com conteúdo verdadeiro.
Vamos analisar o próximo exemplo de argumentação:

Exemplo 4:

Todos os catarinenses são simpáticos. (Premissa maior)

Marty é simpático. (Premissa menor)

Marty é catarinense. (Conclusão)

99
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

FIGURA 4 – ARGUMENTO COM A CONCLUSÃO FALSA


SIMPÁTICOS

CATARINENSES • MARTY

FONTE: O autor

A conclusão não é necessariamente verdadeira, pois, de acordo com


as premissas, Marty pode ser catarinense ou não. O argumento é inválido e o
conteúdo é falso.

Com os exemplos que foram dados, é possível constatar que, ao compararmos


a conclusão de um determinado argumento com o conteúdo correspondente,
pode ocorrer de o argumento ser válido sem que, obrigatoriamente, o conteúdo
seja verdadeiro. Pode ocorrer ainda de um argumento ser inválido e o conteúdo
ser verdadeiro.

Observe que nos exemplos dados temos três proposições (a expressão


verbal de um juízo). A última proposição, a conclusão, deriva logicamente das
duas proposições anteriores, ou seja, das premissas.

É possível perceber que as premissas apontam para uma conclusão lógica


inevitável, pois não há logicamente espaço para outra conclusão que não seja
esta, a menos que o raciocínio seja inválido ao colocar na conclusão a proposição
“Logo, Marty não é listrado”. Aqui há a necessidade de introduzir um conceito
importante: a inferência.

O conceito significa que, por meio de uma operação intelectual, afirmamos


uma verdade de uma proposição em decorrência de sua ligação com outras já
reconhecidas como verdadeiras. Assim, a lógica “examina se a estrutura das
inferências é correta ou não” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 80).

E
IMPORTANT

Proposição é uma frase que se pretende verdadeira ou falsa, não podendo haver
uma terceira opção (de acordo com o Princípio do 3º Excluído). As proposições transmitem
pensamentos, ou seja, afirmam fatos ou exprimem juízos que formamos a respeito de
determinados entes.

100
TÓPICO 1 | LÓGICA

Ocorre quando afirmamos algo (predicado) de algo (sujeito). Lembre-se: toda proposição
é uma frase, mas nem toda frase é uma proposição; uma frase é uma proposição apenas
quando possui valor de verdade (possibilidade de ser VERDADEIRA ou FALSA).

FONTE: SANTOS, Denise M. R. Introdução à lógica. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/


coorlicen/manager/arquivos/AV3nYbBM3U_13042016-introducao_a_logica.pdf>.Acesso
em: 5 jun. 2018.

A lógica, portanto, analisa criticamente a validade ou não dos argumentos


e, consequentemente, o próprio raciocínio. A argumentação é a maneira como
utilizamos o raciocínio com a finalidade de convencer nosso interlocutor acerca de
alguma coisa. Para desenvolver uma argumentação, fazemos uso de vários tipos
de raciocínio, que devem se basear em normas sólidas e em argumentos aceitáveis.

A nossa mente é capaz de realizar as seguintes operações: a simples


apreensão (conceber uma ideia), os juízos (afirmação ou negação de uma relação
entre duas ideias) e o raciocínio (a partir de dois ou mais juízos dados, tirar outro
juízo que destes decorre).

A simples apreensão é a compreensão direta de uma situação formando


um conceito que por fim passa a ter uma denominação. O juízo aborda ideias
relacionadas ou separadas que fazem surgir um julgamento da realidade. Já o
raciocínio faz parte de uma situação que envolve juízos e proposições e pretende
chegar a conclusões adequadas. A seguir, veremos dois métodos argumentativos.

4.1 MÉTODO DEDUTIVO


A dedução é basicamente o tipo de argumento que demonstra que a
“conclusão é inferida necessariamente de duas premissas” (ARANHA; MARTINS,
1993, p. 80). Um raciocínio dedutivo é caracterizado por apresentar conclusões
que devem ser verdadeiras caso todas as premissas sejam verdadeiras, caso tal
raciocínio respeite uma forma lógica que seja válida.

Assim, podemos afirmar que a dedução é a inferência que parte de uma


premissa geral e, por meio do mecanismo lógico, chega-se a uma conclusão geral
ou particular. Um dado importante acerca do raciocínio dedutivo é que para se
chegar a uma conclusão, não necessitamos dos dados da experiência sensorial
imediata. A seguir, temos um exemplo de argumento dedutivo:

Todas as zebras são listradas. (Premissa maior)

Marty é uma zebra. (Premissa menor)

Logo, Marty é listrado. (Conclusão)

101
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

A conclusão é necessária porque deriva das premissas. A dedução lógica


é denominada por Aristóteles de silogismo, que é a conexão ou ligação de ideias,
ou seja, consiste na ligação de dois termos por um terceiro.

Se observarmos a premissa maior, contém o termo maior e o termo médio


(listradas e zebras), a premissa menor contém o termo médio e o termo menor (zebra
e Marty) e a conclusão deve conter os termos maior e menor (listrado e Marty).

O termo “zebra” é o termo médio que estabelece uma ligação entre


“Marty” e “listrado”, de modo que a conclusão se torna necessária se todas as
zebras são listradas e Marty é uma zebra. Necessariamente, Marty é listrado (“se
Z = L”, e “M = Z”, então “M = L”).

FIGURA 5 – DEDUÇÃO
Particulariza

Dedução

Universal Particular
FONTE: <http://www.fisica-interessante.com/aula-historia-e-epistemologia-da-ciencia-6-
racionalismo-e-empirismo-1.html>. Acesso em: 6 jun. 2018.

A dedução é um modelo de rigor, estéril, não nos ensina nada de novo


e apenas organiza o conhecimento obtido. Contudo, mesmo que ela não inove,
“não significa que ela não tenha valor algum” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 81).
No caso da dedução, a conclusão diz apenas aquilo que as premissas já disseram.

4.2 MÉTODO INDUTIVO


A indução “é uma argumentação na qual, a partir de dados singulares
suficientemente enumerados, inferimos uma verdade universal” (ARANHA;
MARTINS, 1993, p. 80). O princípio do raciocínio indutivo não trata de uma
verdade lógica pura, mas de premissas para inferir uma conclusão.

Quando afirmamos que todos os seres humanos que nasceram vivos


morrerão algum dia porque até hoje ninguém deixou de morrer, estamos
usando um argumento indutivo. Assim, os argumentos desse tipo se baseiam na
experiência passada para sustentar uma conclusão. É um tipo de argumento que
parte do particular para o geral, como mostra a figura a seguir.

102
TÓPICO 1 | LÓGICA

FIGURA 6 – INDUÇÃO
Universal Particular

Indução

Generaliza
FONTE: <http://www.fisica-interessante.com/aula-historia-e-epistemologia-da-ciencia-6-
racionalismo-e-empirismo-1.html>. Acesso em: 6 jun. 2018.

O argumento indutivo procede de proposições particulares ou de termos


relativamente menores do que aqueles que estão na conclusão para chegarmos
a termos mais universais ou mais extensos. “A indução é um raciocínio pelo
qual o espírito, de dados singulares suficientes, infere uma verdade universal”
(JOLIVET, 1965, p. 57). Veja o exemplo a seguir:

O ferro conduz eletricidade,


O ouro conduz eletricidade,
O chumbo conduz eletricidade,
A prata conduz eletricidade,
... etc.,
Logo, todo metal conduz eletricidade.

Observe que, diferentemente da dedução, que demonstra que a conclusão


deriva de verdades universais já conhecidas, a indução vai no sentido contrário,
pois a conclusão deriva da experiência sensível, dos dados particulares. De acordo
com Aranha e Martins (1993, p. 81):

Diferentemente do argumento dedutivo, o conteúdo da conclusão


da indução excede o das premissas. Ou seja, enquanto a conclusão
da dedução está contida nas premissas, e retira daí sua validade, a
conclusão da indução tem apenas a probabilidade de ser correta.
Portanto, segundo Wesley Salmon, podemos afirmar que as premissas
de um argumento indutivo correto sustentam ou atribuem certa
verossimilhança à conclusão.

Assim, um argumento indutivo correto pode, perfeitamente, admitir uma


conclusão falsa, embora suas premissas sejam verdadeiras.

O raciocínio indutivo não possui o mesmo rigor lógico do dedutivo,


contudo podemos afirmar que a indução é “uma forma fecunda de pensar, sendo
responsável pela fundamentação de grande parte dos nossos conhecimentos da
vida diária e de grande valia nas ciências experimentais” (ARANHA; MARTINS,
1993, p. 81).

103
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

4.2.1 Analogia
Talvez você já tenha ouvido a seguinte expressão: “para muitas pessoas, a
felicidade é semelhante a uma bola: querem-na de todo jeito e, quando a possuem,
dão-lhe um chute” (GLAAB, 2018, p. 1).

É um exemplo de analogia, ou seja, a relação de semelhança estabelecida


entre duas ou mais entidades distintas. Assim, a analogia pode ser representada
pelo seguinte modelo: X está para Y, assim como A está para B. A felicidade está
para muitas pessoas, assim como a bola está para o jogador. Logo que a recebe, dá
um chute, pois é o destino da bola. A semelhança consiste no fato de que muitas
pessoas querem a felicidade e, quando a possuem, agem como o jogador, chutam-
na para longe. É um exemplo de analogia um tanto simples.

Antes de continuarmos nossa demonstração sobre a analogia, achamos


necessário recorrer à definição mais detalhada de uma analogia. Segundo Aranha
e Martins (1993, p. 82), a analogia:

É uma indução parcial ou imperfeita, na qual passamos de um ou


de alguns fatos singulares não a uma conclusão universal, mas a
uma outra enunciação singular ou particular, inferida em virtude da
comparação entre objetos que, embora diferentes, apresentam pontos
de semelhança.

A analogia tem uma função muito importante para a tomada de decisões,


explicação, criatividade, tomada de decisões etc., e não se restringe ao senso
comum ou à linguagem diária, mas tem uma função importante na ciência, na
filosofia e em outras áreas. A seguir, nós temos um exemplo analógico um pouco
mais extenso, exemplo que pode apontar conclusões a partir de inferências:

A primeira revolução industrial, a revolução das “sombrias satânicas”,


significou a desvalorização do braço humano pela concorrência da
maquinaria. Não há nenhum salário com que um trabalhador de pá
e picareta possa viver nos Estados Unidos, e que seja suficientemente
baixo para concorrer com o trabalho de uma escavadora mecânica.
Do mesmo modo, a moderna revolução industrial [computadores
eletrônicos de alta velocidade, as chamadas “máquinas pensantes”]
está destinada a desvalorizar o cérebro humano, pelo menos, em
suas decisões mais simples e rotineiras. Naturalmente, assim como
o carpinteiro, o mecânico e o alfaiate hábeis sobreviveram, em certa
medida, à primeira revolução industrial, também o cientista e o
administrador hábil poderão sobreviver à segunda (WIENER apud
COPI, 1978, p. 313).

É possível perceber que ao traçar uma semelhança entre o que ocorreu


com os operários na primeira Revolução Industrial, o autor conclui o que ocorrerá
com determinadas profissões com a chegada da moderna Revolução Industrial.
Assim, a analogia é uma forma de raciocínio que possibilita prever determinadas
situações ou antecipá-las.

104
TÓPICO 1 | LÓGICA

Ainda segundo Copi (1978, p. 313), “a analogia constitui o fundamento


da maior parte dos nossos raciocínios comuns. A partir de experiências passadas,
procuramos discernir o que revelará o futuro”. Aranha e Martins (1993)
consideraram a analogia sendo uma indução parcial e imperfeita.

Ainda, “é logicamente possível que o que aconteceu com os trabalhadores


manuais hábeis não aconteça aos trabalhadores intelectuais hábeis” (COPI, 1978,
p. 314). Significa que embora existam semelhanças entre uma revolução industrial
e outra, não significa dizer que o desfecho da segunda seja necessariamente
semelhante ao desfecho da primeira.

5 FALÁCIAS
O sentido primário do termo falácia é enganar. Ao lançar mão de uma
falácia, o interlocutor tem por objetivo tornar seu argumento verdadeiro, mesmo
que seja logicamente inconsistente, inválido e sem fundamento.

De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 83), “a falácia é um tipo de


raciocínio incorreto, embora tenha aparência de correção. É também conhecida
como sofisma, ou paralogismo, e alguns estudiosos fazem distinção entre eles”.

Sobre a distinção entre sofisma e paralogismo, Jolivet (1965, p. 66) aponta


que o raciocínio incorreto é apresentado com aparências de verdade. “Se o sofisma
é cometido de boa-fé e sem intenção de enganar, chamá-lo-emos de paralogismo”,
mas o autor acrescenta que a distinção, de acordo com a boa ou má-fé, cabe ao
moralista.

Para o lógico, sofisma e paralogismo são uma única e mesma coisa. É


importante destacarmos a distinção que Jolivet faz entre a lógica e a filosofia
moral, pois os conceitos podem ser compreendidos e operacionalizados de
maneira diferente de acordo com as particularidades de cada área da filosofia,
embora tais conceitos mantenham seus aspectos essenciais.

A falácia é um tipo de raciocínio incorreto. “No estudo da lógica, é


costume reservar o nome de ‘falácia’ àqueles argumentos ou raciocínios que,
embora incorretos, podem ser psicologicamente persuasivos” (COPI, 1978, p. 73).
Assim, o estudo das falácias é uma maneira de nos prevenirmos de possíveis
raciocínios enganosos.

As falácias podem ser divididas em formais e não formais. As falácias


formais são bastante comuns em nosso cotidiano. Consiste em um tipo de
raciocínio que é inválido devido às falhas em sua estrutura lógica, ou seja, o erro
está na Forma do argumento. Um exemplo de falácia formal é o seguinte:

Todos os psicopatas são perigosos.

105
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

Eu não sou psicopata.

Logo, não sou perigoso.

Determinada falácia é muito sutil pois, a partir das premissas, infere-se


que o fato de um indivíduo não ser psicopata, portanto, não é perigoso. O fato
de estar fora do grupo dos psicopatas não significa que se está fora do grupo dos
perigosos. Ele pode ser um motorista perigoso, possuir um temperamento que o
torna perigoso quando provocado, pode ser possessivo em seus relacionamentos
e tal atitude poderá torná-lo perigoso quando é rejeitado.

As falácias não formais consistem em “erros de raciocínio em que podemos


cair por inadvertência ou falta de atenção ao nosso tema, ou então porque somos
iludidos por alguma ambiguidade na linguagem usada para formular nosso
argumento” (COPI, 1978, p. 74). Para entendermos melhor, vamos recorrer ao
tipo de falácia não formal: falácia Ad hominem. Exemplo: A filosofia de Francis
Bacon é inútil, pois ele perdeu seu cargo de Chanceler da Inglaterra devido aos
seus atos desonestos.

Tiramos uma conclusão com base em um aspecto particular da vida


de um indivíduo, que nós consideramos negativo. É necessário saber separar
a produção filosófica de Bacon dos seus atos considerados desonestos. Seria
o mesmo que dizer que “Pedro não pode trabalhar em um açougue porque é
vegetariano”. Deve-se identificar que tal ataque, seja ofensivo ou circunstancial,
não está baseado no argumento.

Há falácias que se caracterizam devido ao seu forte apelo emocional. No


exemplo a seguir, temos uma falácia com apelo emocional: “Jorge não queria
comer o seu prato cheio de dobradinha e fígado bovino, mas sua mãe o lembrou
de muitas crianças que não têm o que comer em algumas regiões dos países de
terceiro mundo”.

O indivíduo tenta convencer seu interlocutor manipulando uma resposta


emocional sem utilizar um argumento válido e convincente. Jorge não é
moralmente obrigado a comer uma comida que ele não gosta só porque existem
crianças passando fome em outras partes do mundo. O apelo às emoções é uma
maneira questionável de convencer alguém, pois o interlocutor poderá responder
ao apelo emocional sem avaliar racionalmente suas decisões.

106
TÓPICO 1 | LÓGICA

LEITURA COMPLEMENTAR 1

A lógica aristotélica (ou lógica clássica)

Maria Lúcia de Arruda Aranha


Maria Helena Pires Martins

A Grécia clássica aparece historicamente como o berço da filosofia. Por


volta do século VI a.C., os primeiros filósofos pré-socráticos redigem uma proza,
um discurso que se opõe à atitude mítica predominante nos poemas de Homero
e Hesíodo.

O novo modo de pensar é decomposto na sua estrutura por Aristóteles


(séc. IV a.C.) na obra Analíticos. Como o próprio nome diz, trata-se de uma
análise do pensamento nas suas partes integrantes. Essa e outras obras sobre
o assunto foram denominadas mais tarde, em conjunto, Órganon, que significa
“instrumento” (de fato, instrumento para se proceder corretamente no pensar). O
próprio Aristóteles não usou a palavra lógica, que só apareceu mais tarde.

Embora alguns filósofos anteriores tenham estabelecido algumas leis


de pensamento, nenhum o fez com tal amplitude e rigor. Por essa razão, a
lógica aristotélica permaneceu através dos séculos até os nossos dias. Segundo
Aristóteles, a lógica se subdivide em:

• lógica formal (ou menor), que estabelece a forma correta das operações do
pensamento. Se as regras forem aplicadas adequadamente, o raciocínio é
considerado válido ou correto.
• lógica material (ou maior), parte da lógica que trata da aplicação das operações
do pensamento segundo a matéria ou natureza dos objetos a conhecer.
Enquanto a lógica formal se preocupa com a estrutura do pensamento, a lógica
material investiga a adequação do raciocínio à realidade. É também chamada
de metodologia, e como tal procura o método próprio de cada ciência.

Uma das mais duradouras contribuições da lógica aristotélica está


no estabelecimento dos primeiros princípios, percebidos por intuição, e que são
anteriores a qualquer raciocínio, servindo de base para todos os argumentos.
Esses princípios, que se relacionam entre si, também dependem da concepção
metafísica aristotélica [...]. São eles o princípio de identidade, o princípio de não-
contradição e o princípio do terceiro excluído.

É assim que Aristóteles formula na Metafísica o princípio de não


contradição: “É impossível que o mesmo determinante convenha ao mesmo
ente ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto”. Significa que duas proposições
contraditórias não podem ser verdadeiras e que não é possível afirmar e negar
simultaneamente a mesma coisa.

107
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

Os defensores da lógica dialética no século XIX serão contra os princípios


de identidade, não contradição e terceiro excluído.

Na Idade Média, no século XIII, foram introduzidas as célebres fórmulas


mnemônicas, que facilitam a retenção pela memória: por meio das palavras
latinas, era possível identificar as combinações possíveis das premissas e da
conclusão, que redundavam em silogismo válido, a fim de distingui-lo dos
sofismas. Também foram organizadas as oito regras do silogismo.

FONTE: ARANHA, Maria L.; MARTINS, M. H. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo:
Moderna, 1993.

LEITURA COMPLEMENTAR 2

A lógica formal – princípios elementares

Roberto Patrus Mundim

VOCABULÁRIO BÁSICO

Argumento: é uma coleção de enunciados que estão relacionados uns com


os outros.
Termo: qualquer substantivo, adjetivo ou nome próprio de um enunciado.
Proposição: é um enunciado, uma proposição bem formada, declarativa.
• proposições categóricas: é aquela composta apenas por sujeito, verbo de
ligação e predicado. Elas podem se dividir em relação à quantidade e em relação
à qualidade.
• Divisão em relação à quantidade:
Proposições categóricas universais:
Todos os x são y.
Proposições categóricas particulares:
Alguns x são y.
• Divisão em relação à qualidade:
Proposição categórica afirmativa:
Todos os x são y.
Proposição categórica negativa: Nenhum
x é y. Alguns x não são y.
Particular: conceito que se refere a alguns indivíduos de uma espécie.
Lembre-se de que a própria palavra particular supõe um todo do qual se considera
só uma parte.
Exemplos: alguns homens, várias pessoas, muitos cães.
Geral: conceito que se refere à totalidade de indivíduos de uma espécie;
que é atribuível a todos os componentes de um grupo, espécie ou gênero. Quando
usamos os conceitos “homem”, “pessoa”, “cão”, acabamos nos referimos a todos
os homens, a todas as pessoas, a todos os cães.

108
TÓPICO 1 | LÓGICA

Silogismo: é um raciocínio que, a partir de duas proposições que são aceitas


como verdadeiras, leva, de maneira necessária, a uma conclusão.
Ex.:
Os jovens de idade entre 16 e 18 anos podem votar para presidente este ano.
Você é um jovem de 17 anos.
Logo, você pode votar para presidente este ano.
Premissas: são as proposições do silogismo das quais decorre a conclusão.
Falácia ou sofisma: argumentos logicamente incorretos.

FONTE: MUNDIM, Roberto P. A lógica formal – princípios elementares. 2002. Disponível em:
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/economiaegestao/article/view/113/104>. Acesso em:
7 jun. 2018.

109
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A lógica é, de fato, a ciência das leis ideais do pensamento e a arte de aplicá-las


corretamente à procura e à demonstração da verdade.

• A proposição é o conteúdo verdadeiro ou falso expresso por uma afirmação.


As proposições são expressas por meio de frases que são formadas por termos.

• O principal objetivo da lógica é eliminar as ambiguidades dos argumentos e


trazer clareza.

• A lógica clássica ou aristotélica é a mais conhecida no ocidente e que se tornou


referência para a filosofia grega.

• Na lógica formal, se as regras forem aplicadas corretamente, o raciocínio é


considerado válido ou inválido, correto ou incorreto.

• Na lógica material, um processo de razão ou pensamento é analisado em


consideração ao conteúdo real de suas premissas e, portanto, deve resultar em
uma verdade material, ou seja, em uma conclusão que seja consistente com a
realidade.

• O silogismo consiste em uma argumentação, na qual há duas premissas


simples (maior e menor) dispostas de determinada maneira, que derivam de
uma terceira proposição, ou seja, uma conclusão.

• Um raciocínio dedutivo é caracterizado por apresentar conclusões que devem


ser verdadeiras caso todas as premissas sejam verdadeiras, caso tal raciocínio
respeite uma forma lógica que seja válida.

• O princípio do raciocínio indutivo não trata de uma verdade lógica pura, mas
de premissas para inferir uma conclusão.

• A analogia é uma indução parcial ou imperfeita, na qual passamos de um ou


de alguns fatos singulares para uma conclusão universal. Contudo, há uma
outra enunciação singular ou particular, inferida em virtude da comparação
entre objetos que, embora diferentes, apresentam pontos de semelhança.

• A falácia é um tipo de raciocínio incorreto, embora tenha aparência de correção.

110
AUTOATIVIDADE

1 A lógica é uma ferramenta que nos auxilia a fazer uma análise crítica dos
argumentos. Os argumentos seguem dois métodos, sendo que um deles é o
método dedutivo. Sobre determinado método, assinale a questão correta:

a) ( ) No método dedutivo, não precisamos necessariamente da experiência


sensorial para chegarmos a conclusões adequadas.
b) ( ) O método de raciocínio dedutivo parte particular para o geral.
c) ( ) O método dedutivo é muito importante, pois revela novos
conhecimentos, ensinando-nos sempre alguma coisa nova.
d) ( ) O método dedutivo traz na conclusão informações que não estão
contidas nas premissas.

2 A analogia é um recurso importante na argumentação, pois auxilia na


compreensão de assuntos difíceis, comparando-os entre si para explicar
uma questão abstrata. Sobre a analogia, assinale V para as afirmativas
verdadeiras e F para as falsas:

( ) O problema da analogia é que está restrita ao senso comum e à linguagem


diária.
( ) A analogia cumpre uma função muito importante, dentre outras, para a
tomada de decisões.
( ) A analogia, ao comparar eventos históricos, por exemplo, prevê
determinadas situações.
( ) Apesar da analogia ser um recurso importante, não possui utilidade
alguma na argumentação.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – V – F – V.
b) ( ) V – F – F – V.
c) ( ) F – V – V – F.
d) ( ) V – V – F – F.

111
112
UNIDADE 2 TÓPICO 2

EPISTEMOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios da filosofia e da ciência consiste na elaboração
de um conhecimento confiável. É um debate que acompanha a filosofia e a ciência
desde os primórdios. Assim, podemos perguntar: é possível elaborar um tipo
de conhecimento confiável? Uma pergunta um pouco mais ousada: é possível
conhecer alguma coisa? Diante dessas e de muitas outras perguntas sobre o
conhecimento, a Epistemologia ou Teoria do Conhecimento tem se debruçado no
sentido de encontrar respostas.

Neste tópico, iremos discorrer de maneira pontual sobre alguns tópicos


relacionados ao tema. Primeiramente, vamos oferecer uma resposta sobre o que
é epistemologia (i); em seguida, vamos responder o que é conhecimento (ii) e, por
último, vamos discorrer sobre os tipos de conhecimento (iii). Nossa finalidade é dar
uma noção geral sobre o assunto, pois um estudo mais aprofundado requer um
espaço muito maior para apresentarmos os vários aspectos relacionados à temática.

Talvez você esteja se perguntando: por que é importante estudar


determinado assunto? Para respondermos à questão, precisamos olhar em
nossa volta, pois uma rápida olhada nos permite perceber que vivemos em uma
sociedade da tecnologia da informação e do conhecimento.

Cabe a cada pessoa ter um olhar crítico para tudo e diferenciar entre aquilo
que é conhecimento e aquilo que é uma mera crença. Neste tópico, você terá a
oportunidade de conhecer o processo necessário na elaboração de conhecimento
válido, racional e científico.

2 O QUE É EPISTEMOLOGIA?
A palavra epistemologia “é mais usada pelos filósofos de fala inglesa,
indicando uma teoria geral do conhecimento, incluindo o método científico”
(CHAMPLIN, 2004, p. 406). É, portanto, a área da filosofia que se ocupa do estudo
da natureza do conhecimento, da justificação e da racionalidade da crença e dos
sistemas de crenças. A Epistemologia e a Teoria do Conhecimento, em termos
gerais, são consideradas por muitos como sendo a mesma coisa.

113
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

E
IMPORTANT

O termo epistemologia vem do grego, significando "episteme" conhecimento


e "logos" ciência ou estudo. Assim, seu nome etimológico estabelece que a ciência
epistemológica se concentre na análise do conhecimento, especialmente no que se refere
ao conhecimento científico, aquele que conta com um objeto de estudo definido, com
métodos e recursos mensuráveis, com estruturas de análises e geração de hipóteses.

FONTE: <http://queconceito.com.br/epistemologia>. Acesso em: 22 jun. 2018.

A finalidade da epistemologia é diferenciar a ciência da pseudociência,


ou seja, investiga profundamente e de maneira consciente, afastando-se da
superficialidade presente na mera opinião.

O problema fundamental da epistemologia é buscar compreender


a relação entre sujeito (o que conhece) e o objeto (aquilo que é conhecido). O
sujeito que conhece é o ser pensante, é ser que pensa, emite juízos, pois possui a
capacidade cognitiva para aprender, saber e conhecer o objeto.

O objeto, por outro lado, é todo processo, ou fenômeno que pode ser
conhecido. É a partir do objeto que o sujeito desenvolve sua atividade cognitiva.
O conhecimento, portanto, é resultado da relação entre sujeito e objeto.

A relação pode ser explicada de maneiras diferentes. Há três vertentes


importantes que buscam esclarecer a relação: o realismo, o idealismo e o criticismo
kantiano. O realismo afirma que o ponto de partida para o conhecimento são as
coisas. Assim, a representação que nós fazemos do real depende do objeto. O
idealismo, por sua vez, advoga que o ser humano nasce com certos conhecimentos
que são universais e necessários e que o tornam capaz de conhecer a realidade.

De acordo com Morente (1980, p. 68), “o idealismo considerará o


conhecimento como uma atividade que vai do sujeito às coisas, como uma
atividade elaboradora de conceitos, ao final de cuja elaboração surge a realidade
das coisas”. O criticismo kantiano é o meio-termo entre idealismo e realismo.
A vertente é denominada de criticismo em decorrência da crítica da razão
desenvolvida por Immanuel Kant, na qual ele traça o que o sujeito pode conhecer.

114
TÓPICO 2 | EPISTEMOLOGIA

E
IMPORTANT

Ao final deste tópico, nós disponibilizamos uma Leitura Complementar sobre


outra área importante da filosofia geral: Metafísica. A razão por termos a colocado neste
tópico se deve ao fato de a Metafísica ser uma doutrina que busca o conhecimento da
essência das coisas.

3 O QUE É CONHECIMENTO?
Quando lidamos com essa questão, estamos lidando com um problema
analítico da epistemologia. Esta, mesmo que aparentemente seja simples, não é
uma questão fácil de responder, pois o conhecimento difere da mera crença ou
opinião que o sujeito possui em relação a diversas questões. Vale destacar que o
entendimento da epistemologia envolve também as questões clássicas da crença,
verdade e justificação, pois o conhecimento é a crença verdadeira justificada.

3.1 PRIMEIRO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO:


CRENÇA
De acordo com Abbagnano (2012, p. 254), “no significado mais geral,
atitude de quem reconhece como verdadeira uma proposição: portanto, a
adesão à validade de uma noção qualquer”. “Podem ser chamadas de crenças as
convicções científicas tanto quanto as confissões religiosas, o reconhecimento de
um princípio evidente ou de uma demonstração, bem como a aceitação de um
preconceito ou de uma superstição” (p. 254).

A preocupação da epistemologia é com o que acreditamos, incluindo a


verdade e tudo que nós aceitamos para nós mesmos como verdade. Portanto,
uma determinada crença pessoal pode ou não ser verdadeira do ponto de vista
epistemológico e significa que nem toda crença é conhecimento. Sobre as crenças
particulares, observe a figura a seguir:

115
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

FIGURA 7 – CRENÇAS DIFERENTES SOBRE UMA MESMA SITUAÇÃO

Tudo Tudo
coberto descoberto,
menos os menos os
olhos... olhos!!!
O que é O que é uma
uma cultura cultura
machista, machista,
cruel e cruel e
dominadora! dominadora!

FONTE: <https://apocalipsetotal.wordpress.com/2013/10/22/a-filosofia-do-bahaismo-e-o-seu-
conflito-inevitavel/>. Acesso em: 19 jun. 2018.

Comportamentos, fatos e notícias revelam nossas crenças sobre


determinadas coisas e que diferem radicalmente uns dos outros. Não queremos
aqui introduzir uma discussão moral sobre o que é certo ou errado, qual crença
é certa ou errada.

Nosso propósito é apenas demonstrar que uma mesma situação revela


que as crenças não são necessariamente verdadeiras e justificadas ao mesmo
tempo do ponto de vista ontológico. No caso apresentado, a crença se remete aos
aspectos culturais e religiosos.

Vale ressaltar que a crença não é um elemento descartado na formação


do conhecimento, o que ocorre é que a crença deve ser submetida ao critério da
verdade justificada. Uma crença não pode ser tomada como um axioma, ou seja,
verdades incontestáveis que podem ser aplicadas a todos os campos da ciência.

3.2 SEGUNDO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO:


VERDADE
Outra questão inquietante em nosso estudo é a seguinte: o que é a verdade?
Por mais que seja uma pergunta aparentemente simples, não é. Se atentarmos
para a etimologia da palavra, perceberemos que ela poderá nos auxiliar na
compreensão do conceito.
116
TÓPICO 2 | EPISTEMOLOGIA

No grego, a verdade (aletheia), cujo significado é aquilo que não está oculto,
o não escondido, que é manifesto aos olhos e ao espírito, tal como é, fica evidente
à razão. No latim, a verdade (veritas) se refere àquilo que pode ser demonstrado
com precisão, se refere ao rigor e à exatidão.

Antes de continuarmos nosso estudo, reflita sobre a seguinte questão:


você já divulgou notícias falsas em alguma rede social ou em qualquer outro
meio? As chamadas “fake news” têm ocasionado o surgimento de muitos boatos
e mentiras que são espalhadas de maneira indevida por muitas pessoas. Antes
de passar uma notícia adiante, consulte a fonte para que você não seja enganado.

FIGURA 8 – COMO IDENTIFICAR NOTÍCIAS FALSAS?

COMO IDENTIFICAR N TÍCIAS FALSAS

CONSIDERE A FONTE LEIA MAIS


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Tradução: Denise Cunha

FONTE: <https://bibliotecaucs.wordpress.com/2018/02/15/8-passos-para-identificar-as-fake-
news/>. Acesso em: 29 jun. 2018.

117
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

De acordo com Abbagnano (2012, p. 1182), “é possível distinguir cinco


conceitos fundamentais de verdade: 1º a Verdade como correspondência; 2º
a Verdade como revelação; 3º a Verdade como conformidade a uma regra; 4º a
Verdade como coerência; 5º a Verdade como utilidade”.

A verdade como correspondência tem sua origem na filosofia platônica,


pois segundo essa corrente de pensamento, o verdadeiro é aquilo que descreve
de maneira precisa o objeto descrito e como ele não é. Assim, é a veracidade dos
fatos relatados que garante a verdade.

O segundo conceito diz respeito à verdade como revelação. Esta surge


como uma revelação divina através de um ser superior que revela sua vontade,
suas leis, a maneira como governa o universo. A verdade é revelada para nós
mortais através dos sentidos, intuição (empirista). A concepção da verdade como
revelação foi muito defendida pela teologia e metafísica. Assim, ela possui duas
formas fundamentais: a empirista e a teológica, ou metafísica.

A verdade como conformidade de uma regra tem sua origem em Platão,


quando este afirma que “ao tomar como fundamento o conceito que considero
mais sólido, tudo o que me pareça estar de acordo com ele será por mim posto
como verdadeiro, quer se trate de causas, quer se trate de outras coisas existentes;
o que não me pareça de acordo com ele será por mim posto como não verdadeiro”
(apud ABBAGNANO, 2012, p. 1185).

A verdade como correspondência é a verdade que garante a realidade, ou


seja, o objeto falado é apresentado como ele é. Assim, a conformidade apresenta
uma verdade que se ajusta a um conceito ou a uma regra.

A verdade como coerência, de acordo com Costa (2005, p. 1), tem um


pressuposto: “a ideia básica demonstra que uma proposição é verdadeira quando
é coerente com o conjunto de proposições que constitui o nosso sistema de
crenças”.

A verdade de uma proposição está dependente da verdade de outras


proposições às quais está ligada. A tese central da teoria da verdade como
coerência é que as proposições não existem isoladamente, mas pertencem a
diferentes sistemas, ou jogos de linguagem, ou estão a eles integrados.

A verdade como utilidade ou pragmática se assenta nos resultados ou


consequências práticas do que afirmamos (utilidade). Para Nietzsche (apud
ABBAGNANO, 2012, p. 1186), “verdadeiro em geral significa apenas o que é
apropriado à conservação da humanidade. O que me faz perecer quando lhe dou
fé não é verdadeiro para mim: é uma relação arbitrária e ilegítima do meu ser com
as coisas externas”.

Seguindo essa linha de pensamento, uma proposição é verdadeira se


houver vantagem prática em sustentá-la. Entretanto, se pensarmos a verdade

118
TÓPICO 2 | EPISTEMOLOGIA

somente em termos de utilidade, desde que traga vantagem, deve ser mantida.
Ainda, crenças verdadeiras que não são vantajosas também devem ser mantidas.
Naturalmente desemboca no relativismo, pois:

Para muitos, crer em Deus é vantajoso. Para o grupo humano dos ateus
é desvantajoso crer em Deus, pois isso comprometeria a liberdade
humana com ideias primitivas como as de pecado e danação eterna.
Quem tem razão? A teoria pragmática não oferece suporte para uma
decisão racional (COSTA, 2005, p. 1).

A teoria, falando em termos simples, parece lançar mais confusão do que


esclarecimento, pois avaliar uma crença como verdadeira ou falsa, com base na
utilidade, é abrir caminho para uma série de falácias. Acreditar que o indivíduo
que faz alguma coisa é desculpado quando rouba é justificação estúpida para
conduta moralmente condenável.

3.3 TERCEIRO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO:


JUSTIFICAÇÃO
Argumentamos anteriormente que o conhecimento é a crença verdadeira
justificada. Quando acreditamos que alguma coisa é verdadeira, é necessário
justificar essa crença e compreender as razões de uma crença e se tais razões têm
um fundamento lógico. A crença por si só em uma proposição não é suficiente
para sua validade. A crença e a verdade não são suficientes para o conhecimento,
pois este requer que as crenças sejam verdadeiras e justificadas.

Podemos observar que nos conceitos fundamentais de verdade,


encontramos diferentes justificativas para aquilo que acreditamos ser verdadeiro,
como a verdade como coerência, o que justifica uma crença como sendo verdadeira
é se a crença “é coerente com o conjunto de proposições que constituem o nosso
sistema de crenças” (COSTA, 2005, p. 1).

A justificação consiste em um argumento, em uma defesa, ou conjunto


de razões que se pode oferecer para apoiar uma crença. A questão é a seguinte:
sobre qual fundamento os argumentos, as razões e defesa deverão se apoiar? Veja
o exemplo a seguir:

Pensemos num indivíduo, Clyde, que acredita na história do Dia do


Porco do Campo. Clyde pensa que se o Porco do Campo enxergar a sua
própria sombra, a Primavera virá mais tarde. Suponha-se que Clyde
põe este princípio idiota em prática neste ano. Ele tem informações
que fazem pensar que a Primavera virá mais tarde. Suponha-se que
Clyde acaba por ter razão acerca deste facto. Se não existir nenhuma
conexão lógica entre o facto de o porco do campo ter visto a sua
própria sombra e o facto de a Primavera vir mais tarde, então Clayde
terá uma crença verdadeira (a Primavera virá tarde), mas não terá
conhecimento (SOBER, 2002, p. 1).

119
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

A crença verdadeira de Clyde significa que ela possui conhecimento? O que


é necessário para que além da crença verdadeira, Clyde possua conhecimento? A
resposta é: justificação. A crença verdadeira precisa se apoiar em uma justificação
racional.

Ter razão acerca de alguma coisa, como é o caso de Clyde, não significa que
seja uma justificação racional. Assim, crenças verdadeiras que não são justificadas
racionalmente não são consideradas casos de conhecimento. A justificação,
portanto, consiste na razão (ou razões) que suporta a verdade da crença.

E
IMPORTANT

Sobre a origem do conhecimento, consulte a Unidade 1, no Tópico 4 – OS


PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA, tópico
que trata o Racionalismo, Empirismo e o Idealismo.

4 TIPOS DE CONHECIMENTO
A maneira como o sujeito conhece o mundo depende de como ele está
posicionado frente ao objeto conhecido. Assim, podemos afirmar que existem
diferentes tipos de conhecimento, pois os sujeitos estão posicionados ou se
posicionam conscientemente frente ao objeto conhecido. A seguir, vamos discorrer
de maneira específica sobre os tipos de conhecimento. Observe a figura a seguir e
reflita sobre as falas de cada pessoa.

FIGURA 9 – CONHECIMENTO NO COTIDIANO

É uma pedra! É um agregado sólido


constituído por
Era uma pessoa em minerais!
outra vida!

FONTE: <http://www.meugibi.com/gibiimprimir.php?id=63955>. Acesso em: 21 jun. 2018.

120
TÓPICO 2 | EPISTEMOLOGIA

Senso comum ou popular é um tipo de conhecimento espontâneo, pois


advém das observações e experiências diárias. Apesar de não possuir um rigor
científico, o senso comum é uma fonte importante de conhecimento, pois ele é
resultado das vivências do ser humano frente aos desafios e problemas relativos
à existência. É interessante observar que o senso comum possui algumas
características fundamentais.

Primeiramente, é ametódico e assistemático, pois “nasce diante da tentativa


do homem de resolver os problemas da vida diária” (ARANHA; MARTINS, 1993,
p. 128). Significa dizer que as pessoas que não tiveram uma formação científica,
metodológica e sistematizada podem desenvolver saberes sobre determinadas
coisas que são passados de geração em geração. Tais pessoas podem até não saber
explicar ou justificar cientificamente as razões pelas quais agem assim ou fazem
alguma coisa de uma forma e não de outra.

Um exemplo é a utilização de chá de boldo, pois mesmo que as pessoas


não compreendam o funcionamento do organismo humano, utilizam as folhas
de boldo para o alívio das dores no fígado. O senso comum, portanto, é baseado
na experiência. Assim, o conhecimento empírico, usado no senso comum, não
se baseia em métodos ou conclusões científicas, mas sim no modo de assimilar
informações e conhecimentos úteis no cotidiano.

O conhecimento filosófico se difere do senso comum, ou popular, porque


nasce a partir das reflexões que o ser humano faz sobre questões subjetivas. É
o produto da inteligência e da capacidade de reflexão, que é característica da
espécie humana.

A finalidade desse tipo de conhecimento é propor a exploração dos


acontecimentos, determinando conceitos particulares, pois não se trata de
elaborar dogmas ou verdades absolutas, mas questionar e refletir continuamente
sobre sua realidade e as coisas em sua volta.

Por meio da reflexão filosófica, o ser humano procura dar sentido aos
fenômenos gerais do universo, ultrapassando os limites formais da ciência. Deve-
se ao fato de que o filósofo não se limita apenas aos dados experimentais da física,
da matemática, da biologia ou da química, mas se pergunta sempre quem é, o que
é, por que é, de onde vem e para onde vai o homem.

Assim, não se limita somente a se interessar por alguns aspectos particulares


da realidade, mas por ela como um todo, pois “a filosofia é a atividade teórica de
reflexão e de crítica de problemas apresentados pela realidade, e esses problemas
refletem necessidades e exigências de uma época e de uma realidade” (GHEDIN,
2008, p. 55).

O conhecimento científico se diferencia dos demais tipos, não pelo seu


objeto ao estudo, mas pela forma como é obtido, por meio da utilização do método
científico. De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 129):

121
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

A utilização de métodos rigorosos permite que a ciência atinja um tipo


de conhecimento sistemático, preciso e objetivo segundo o qual são
descobertas relações universais e necessárias entre os fenômenos, o
que permite prever acontecimentos e também agir sobre a natureza de
forma mais segura.

Aqui você pode observar três aspectos essenciais do conhecimento


científico: sistemático, preciso e objetivo. Por ser sistemático, o conhecimento
científico é um tipo de conhecimento ordenado, e é formado a partir de um
conjunto de ideias que são formadoras de uma teoria. O segundo aspecto diz
respeito à precisão, pois não se admite a ideia do “eu acho”.

Por ser preciso, o conhecimento científico indica que segue rigorosamente


os métodos da pesquisa para obter resultados exatos, embora não sejam resultados
infalíveis, pois tal conhecimento é dinâmico por natureza, sempre deixando
possibilidades para novas descobertas.

O terceiro aspecto do conhecimento científico (objetivo) contrasta


diretamente com o senso comum (subjetivo). Implica afirmar que, nesse tipo de
conhecimento, o ponto de vista pessoal cede seu lugar para a observação imparcial,
centrada no objeto da pesquisa e não nas opiniões particulares do observador.

O conhecimento mítico ou religioso tem como critério de verdade a fé. É


dogmático, pois suas proposições são atribuídas à revelação por uma entidade
sobrenatural. Consiste em um conjunto de verdades obtido pelos homens, não
com o auxílio da razão, mas em decorrência da aceitação dos dados da revelação
divina. Vale-se, de modo especial, do argumento de autoridade.

As fontes de tais conhecimentos são os Livros Sagrados, que são aceitos


racionalmente pelos homens. O ser humano procura explicar e lidar com os mistérios
da sua existência e trazer conforto e segurança diante das incertezas da vida.

O conhecimento artístico pode ser entendido como um tipo conhecimento


baseado na sensibilidade do artista de perceber o mundo em sua volta e o
expressar de uma forma não comum. O artista interpreta a realidade e a traduz
em forma de arte.

Assim, “a verdade está na representação daquele que comunica sua


forma de ver e interpretar a realidade” (TOMELIN; TOMELIN, 2007, p. 80). O
conhecimento artístico tem um caráter subjetivo, mas sua finalidade é revelar
algo ao expectador.

122
TÓPICO 2 | EPISTEMOLOGIA

LEITURA COMPLEMENTAR

O que é a metafísica?

Richard Taylor

É costume dizer que cada um tem a sua filosofia e até que todos os homens
têm opiniões metafísicas. Nada poderia ser mais tolo. É verdade que todos os
homens têm opiniões, e que algumas delas – tais como as opiniões sobre religião,
moral e o sentido da vida – confinam com a filosofia e com a metafísica, mas raros
são os homens que possuem qualquer concepção de filosofia e ainda menos os
que têm qualquer noção de metafísica.

William James definiu algures para a metafísica como “apenas um esforço


extraordinariamente obstinado para pensar com clareza”. Não são muitas as
pessoas que assim pensam, excepto quando os seus interesses práticos estão
envolvidos. Não têm necessidade de assim pensar e, daí, não sentem qualquer
propensão para o fazer. Exceptuando algumas raras almas meditativas, os homens
percorrem a vida aceitando como axiomas, aquelas questões da existência,
propósito e sentido que aos metafísicos parecem sumamente intrigantes.

O que sobretudo exige a atenção de todas as criaturas, e de todos os


homens, é a necessidade de sobreviver e, uma vez isso razoavelmente assegurada,
a necessidade de existir com toda a segurança possível. Todo o pensamento
começa aí, e a sua maior parte cessa aí. Sentimo-nos mais à vontade para pensar
como fazer isto ou aquilo. Por isso a engenharia, a política e a indústria são muito
naturais aos homens. Entretanto, a metafísica não se interessa, de modo algum,
pelos “comos” da vida, mas antes apenas pelos “porquês”, pelas questões.

Pensar metafisicamente é pensar, sem arbitrariedade e nem dogmatismo,


nos mais básicos problemas da existência. Os problemas são básicos no sentido em
que são fundamentais e muita coisa depende deles. A religião, por exemplo, não é
metafísica e, entretanto, se a teoria metafísica do materialismo fosse verdadeira, e
assim fosse um facto que os homens não têm alma, então grande parte da religião
soçobraria diante do facto.

A filosofia moral não é metafísica e, contudo, se as teorias metafísicas


do determinismo ou do fatalismo fossem verdadeiras, então muitos dos nossos
pressupostos tradicionais seriam refutados por essas verdades. Similarmente, a
lógica não é metafísica e, contudo, se apurasse que, em virtude da natureza do
tempo, algumas asserções não são verdadeiras nem falsas, isso acarretaria em
sérias implicações para a lógica tradicional.

Sugere que a metafísica é um alicerce da filosofia e não o seu coroamento.


Se for longamente exercido, o pensamento filosófico tende a se resolver em
problemas metafísicos básicos. O pensamento metafísico é difícil. Com efeito,

123
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

seria provavelmente correcto afirmar que o fruto do pensamento metafísico não é


o conhecimento, mas a compreensão.

As interrogações metafísicas têm respostas e, dentre as várias respostas


concorrentes, nem todas poderão ser verdadeiras, por certo. Se um homem
defende uma teoria materialista e outro a nega, então um desses homens está
errado. O mesmo acontece com todas as outras teorias metafísicas. Contudo,
raramente é possível provar e conhecer qual das teorias é a verdadeira.

A compreensão, porém, resulta de dificuldades persistentes em opiniões


que frequentemente parecem, com outras bases, ser muito verdadeiras. É por
essa razão que um homem pode ser um sábio metafísico sem que, não obstante,
sustente suas opiniões e juízos em conceitos metafísicos. Tal homem pode ver
tudo o que um dogmático metafísico vê, e pode entender todas as razões para
afirmar o que outro homem afirma com tamanha confiança.

Entretanto, ao invés do outro, também vê algumas razões para duvidar e,


assim, ele é, como Sócrates, o mais sábio, mesmo em sua profissão de ignorância.
Advirta-se o leitor, neste particular, de que quando ouvir um filósofo proclamar
qualquer opinião metafísica com grande confiança, ou o ouvir afirmar que
determinada coisa, em metafísica, é óbvia, ou que algum problema metafísico
gravita apenas em torno de confusões de conceitos ou de significados de palavras,
então poderá estar inteiramente certo de que esse homem está infinitamente
distante do entendimento filosófico. Suas opiniões parecem isentas de dificuldades
apenas porque ele se recusa obstinadamente a ver as dificuldades.

Um problema metafísico é inseparável dos seus dados, pois são estes que,
em primeiro lugar, dão origem ao problema. Ora o datum significa literalmente
algo que nos é oferecido, posto à disposição.

Assim, tomamos como dado de um problema certas convicções


elementares do senso comum que todos ou a maioria dos homens está apto a
sustentar com alguma persuasão íntima e teria relutância em abandonar. Não são
teorias filosóficas, pois estas são o produto da reflexão filosófica e, usualmente,
resultam da tentativa de conciliar certos dados entre si.

Observou Aristóteles: “Procurar a prova de assuntos que já possuem


evidência mais clara do que qualquer prova pode fornecer e confundir o melhor
com o pior, o plausível com o implausível e o básico com o derivativo” (FÍSICA,
Livro VIII, Cap. 3). Exemplos de dados metafísicos são as crenças que todos os
homens possuem, independentemente da filosofia de que existem, de que têm
um corpo, de que por vezes deliberam sobre tais cursos, de que envelhecem e
morrerão algum dia etc. Um problema metafísico surge quando se verifica que
tais dados não parecem concordar entre si, que têm, aparentemente, implicações
inconsistentes entre si. A tarefa, então, é encontrar uma teoria adequada à
eliminação desses conflitos.

124
TÓPICO 2 | EPISTEMOLOGIA

Talvez convenha observar que os dados, como os considero, não são


coisas necessariamente verdadeiras e nem evidentes em si. De fato, se o conflito
entre certas convicções do senso comum não for tão-só aparente, mas real, então
algumas dessas convicções estão fadadas a serem falsas, embora possam, não
obstante, serem tidas na conta de dados até que sua falsidade se descubra.

É isso o que torna emocionante, por vezes, a metafísica; nomeadamente, o


fato de sermos coagidos, algumas vezes, a abandonar certas opiniões que sempre
havíamos considerado óbvias. Contudo, a metafísica tem de começar por alguma
coisa e, como não pode começar, obviamente, pelas coisas que já estão provadas,
deve começar pelas coisas em que as pessoas acreditam.

Ora, o intelecto do homem não é tão forte quanto a vontade, e os homens,


geralmente, acreditam no que querem acreditar, particularmente quando essas
crenças parecem dar valor a si mesmos e às actividades. A sabedoria não é, pois, o
que os homens buscam em primeiro lugar. Procuram, outrossim, uma justificação
para aquilo de que por acaso gostam.

Não surpreende, portanto, que os principiantes em filosofia, e mesmo os


que já não são principiantes, tenham uma acentuada inclinação ao se apegarem
em uma teoria que os atraia em face de dados conflituantes e neguem, por vezes,
a veracidade dos dados, apenas por aquela razão.

Tal atitude dificilmente se pode considerar propícia à sabedoria. Assim,


não é incomum encontrarmos pessoas que querem ardentemente acreditar na
teoria do determinismo e que, partindo desse desejo, negam, simplesmente, a
verdade de quaisquer dados que com ela colidam.

Os dados, por outras palavras, são meramente ajustados à teoria, em vez


de a teoria aos dados. Entretanto, deve-se insistir ainda pelos dados, e não pela
teoria, que se terá de começar. Se não partirmos de pressupostos razoavelmente
plausíveis, onde obter a teoria senão no que os nossos corações desejam?

Mais cedo ou mais tarde poderemos ter de abandonar alguns dos dados
do nosso senso comum, mas, ao fazê-lo, será em consideração a certas outras
crenças do senso comum que temos ainda maior relutância em abandonar e não
em deferência pelas teorias filosóficas que nos atraem.

O leitor é exortado, portanto, ao acompanhar os pensamentos que se


seguem, a suspender os seus juízos sobre as verdades finais das coisas, uma vez
que, provavelmente, nem o leitor nem qualquer outra pessoa sabe quais são essas
verdades e a contentar-se com a apreciação dos problemas da metafísica. Este é
o primeiro e sempre o mais difícil passo. O resto da verdade, se alguma vez tiver
a boa fortuna de receber uma parte dela, chegar-lhe-á do seu próprio íntimo, se
acaso chegar, e não da leitura de livros.

125
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

O ensaio que se segue constitui uma introdução – literalmente,


um “encaminhamento” – à metafísica. Não é uma análise das concepções
predominantes, e o leitor buscará em vão os nomes dos grandes pensadores ou o
resumo das opiniões que eles defenderam. Os problemas metafísicos vão sendo
trazidos à tona, e o leitor é simplesmente convidado a pensar neles de acordo com
as diretrizes sugeridas.

É por essa razão que ao desenvolver os problemas mais estreitamente


associados com o eu ou com a pessoa e os seus poderes, particularmente nos
primeiros três capítulos, a estilisticamente discutível primeira pessoa do singular,
o “Eu”, é empregada com frequência na maneira das Meditações de Descartes. O
leitor compreenderá que as ideias apresentadas têm por intuito significar as suas
próprias e não quaisquer reflexões autobiográficas do autor.

FONTE: TAYLOR, Richard. Metaphysics. 1992. Disponível em: <https://criticanarede.com/met_quee.


html>. Acesso em: 18 jun. 2018.

126
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A epistemologia é a área da filosofia que se ocupa do estudo da natureza do


conhecimento, da justificação e da racionalidade da crença e dos sistemas de
crenças.

• O problema fundamental da epistemologia é buscar compreender a relação


entre sujeito (o que conhece) e o objeto (aquilo que é conhecido).

• Uma determinada crença pessoal pode ou não ser verdadeira do ponto de vista
epistemológico. Nem toda crença é conhecimento.

• A verdade (veritas) se refere aquilo que pode ser demonstrado com precisão,
se refere ao rigor e à exatidão.

• É possível distinguir cinco conceitos fundamentais de verdade: 1º a Verdade


como correspondência; 2º a Verdade como revelação; 3º a Verdade como
conformidade a uma regra; 4º a Verdade como coerência; 5º a Verdade como
utilidade.

• A justificação consiste em um argumento, em uma defesa, ou conjunto de


razões que se pode oferecer para apoiar uma crença.

• Senso comum ou popular é um tipo de conhecimento espontâneo, pois advém


das observações e experiências diárias.

• O conhecimento filosófico se difere do senso comum ou popular porque nasce


a partir das reflexões que o ser humano faz sobre questões subjetivas.

• O conhecimento científico indica que segue rigorosamente os métodos da


pesquisa para obter resultados exatos, embora não sejam resultados infalíveis,
pois tal conhecimento é dinâmico por natureza, sempre deixando possibilidades
para novas descobertas.

• O conhecimento mítico ou religioso tem como critério de verdade a fé.

• O conhecimento artístico pode ser entendido como um tipo conhecimento


baseado na sensibilidade do artista.

127
AUTOATIVIDADE

1 A epistemologia é a área da filosofia que se ocupa com a natureza


do conhecimento. Ela procura estabelecer as bases confiáveis para o
desenvolvimento do conhecimento científico. Assim, o conhecimento
produzido é submetido aos critérios epistemológicos a fim de obtermos o
máximo de confiabilidade possível. Podemos afirmar que:

a) ( ) Na epistemologia, o conhecimento do objeto é proveniente apenas da


nossa sensibilidade, sem fazer menção da intuição.
b) ( ) Embora a epistemologia tente se afastar da superficialidade presente
na mera opinião, não é possível porque uma teoria do conhecimento se
desenvolve a partir de opiniões.
c) ( ) A epistemologia busca compreender a relação entre o sujeito, o objeto e
o problema fundamental da epistemologia.
d) ( ) A epistemologia se ocupa de provar que tanto o conhecimento mítico
quanto o conhecimento popular são científicos.

2 Sabemos que um dos requisitos para o conhecimento é a verdade. Contudo,


não é tão simples definir o conceito de verdade, porque é possível distinguir
a verdade em cinco conceitos fundamentais. Sobre esses conceitos, associe
os itens utilizando o código a seguir:

I- Verdade como correspondência


II- Verdade como utilidade
III- Verdade como coerência
IV- Verdade como revelação
V- Verdade como conformidade a uma regra

( ) É verdadeiro aquilo que descreve de maneira precisa um fato ou objeto.


( ) É a verdade que garante a realidade e não o contrário.
( ) Caracteriza-se pela ausência de contradições dos dados que nós temos
sobre algo.
( ) Uma proposição é verdadeira se há alguma vantagem prática em sustentá-la.
( ) Surge como uma revelação divina e foi intensamente defendida pela
teologia metafísica.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – IV – II – I – III.
b) ( ) I – V – III – II – IV.
c) ( ) I – III – V – II – IV.
d) ( ) III – I – V – II – IV.

128
UNIDADE 2 TÓPICO 3

ÉTICA

1 INTRODUÇÃO
Ao estudar a ética, percebemos a amplitude do assunto, pois todas as
áreas da vida humana são sustentadas a partir de uma moralidade, de princípios
normativos que orientam a conduta e as decisões individuais e coletivas.
Diante na grandeza dessa discussão, nosso estudo contemplará alguns aspectos
fundamentais da ética.

A organização da vida social e o agir humano sempre se relacionaram com


os limites morais, sejam eles em formas de lei, de tradição, costumes, crenças etc.
A convivência entre as pessoas somente se tornou possível quando os indivíduos
criaram e estabeleceram normas.

Contudo, aquilo que parece ser justo para alguns, não é aceito por outros,
aquele comportamento que é considerado correto para um grupo, às vezes, é
visto como errado para outro grupo. Assim, surgiu a necessidade de uma ciência
que possibilitasse uma discussão racional acerca dos princípios, normas e regras
que fazem parte da vida social.

Com a finalidade de conhecer um pouco mais sobre os desafios éticos


da sociedade atual, iniciaremos nosso estudo discorrendo sobre o que é ética (i);
conhecer as principais teorias éticas (ii); apresentar a bioética como disciplina
fundamental no debate atual (iii); e discorrer, de maneira sucinta, sobre a
ética e a técnica. No decorrer do tópico, estaremos sugerindo uma bibliografia
complementar e filmes relacionados ao tema.

Este tópico tem como objetivo trazer uma noção geral da ética, pois não
é possível aprofundar o estudo de uma ciência que já vem sendo debatida e
estudada por mais de dois mil anos. Esperamos que o assunto desperte interesse
e que você tenha a curiosidade e disposição para ir um pouco mais adiante no
estudo dessa temática que é tão importante para a vida humana. Bons estudos!

129
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

2 O QUE É ÉTICA?
Em todos os tópicos desta unidade, nós sempre partimos da tentativa de
encontrar uma resposta para a questão central do assunto abordado no tópico.
Com a ética não é diferente, pois é um conceito amplo que tem gerado muitos
debates ao longo da história da filosofia.

Segundo Frankena (1981, p. 16), a ética “é a filosofia moral, ou pensamento


filosófico acerca da moralidade, dos problemas morais e dos juízos morais”.
Portanto, no campo da ética, estudamos os fundamentos dos modos de vida e
convivência.

A ética se preocupa em saber o que é o bom e o correto. Parece algo


simples, mas quando nos deparamos com determinados comportamentos e ações
dos agentes morais, as pessoas assumem diferentes posições sobre uma mesma
situação, pois os juízos de valor dependem de cada indivíduo.

O que é o bom? O que é o certo? Essas perguntas fazem com que as


pessoas busquem uma justificativa para os seus comportamentos e ações. Diante
de alguma atitude, alguém pode dizer: Não é certo! Por outro lado, outra pessoa
poderá responder: Por que não é certo? Assim, a ética busca fundamentar as ações
morais com base na razão.

FIGURA 10 – O QUE É CERTO OU ERRADO?

FONTE: <http://www.oqueeetica.com/tag/etica/>. Acesso em: 23 jun. 2018.

De acordo com Abbagnano (2012, p. 442):

Existem duas concepções fundamentais dessa ciência: 1ª. a conduta


dos homens deve ser orientada para atingir tal fim, deduzindo tanto
o fim quanto os meios da natureza do homem; 2ª. a que a considera
como uma ciência móvel da conduta humana e procura determinar tal
móvel com vistas a dirigir ou disciplinar essa conduta.

130
TÓPICO 3 | ÉTICA

O que ocorreu ao longo da história da ética foi que a primeira concepção se


voltou para aquilo que é a essência, à natureza do homem, enquanto que a segunda
concepção está mais direcionada aos motivos e às causas da conduta humana, ou
até mesmo às forças que determinam tal conduta (ABBAGNANO, 2012).

A ética procura estabelecer os princípios de vida boa, pois o fim último das
ações humanas deve ser o sumo bem, a felicidade. “Se, pois, existe uma finalidade
visada em tudo o que fizemos, tal finalidade será o bem atingível pela ação, e se há
mais de uma, serão os bens atingíveis por meio dela” (ARISTÓTELES, 2001, p. 25).

Implica dizer que a ética é um estudo da práxis humana e seus fins, pois
os agentes morais podem justificar suas ações de vários modos, contudo há a
necessidade de que a justificação esteja fundamentada na razão e naquilo que é
o bom.

A ética não deve ser confundida com um conjunto de leis, mas ela é a
ciência dos princípios morais. Assim, uma lei pode ser boa ou má e quem define
é a ética, pois existem muitas leis que são imorais, ou seja, a legalidade não
significa necessariamente moralidade no sentido positivo. Assim, o estudo dos
fundamentos que justificam a criação das leis, das ações, decisões, práticas etc. é
objeto de estudo dos eticistas. Segundo Sidgwick (2010, p. 25):

De acordo com o ponto de vista Aristotélico – que é o da filosofia grega


em geral e que tem sido amplamente usado nos últimos tempos – o
objeto primordial da investigação ética é tudo o que está incluído na
noção do que vem ser, por fim, bom e proveitoso para o homem, tudo
que é razoavelmente escolhido ou procurado por ele, não como meio
para um fim ulterior, mas por si mesmo.

O fim último que o homem busca é a felicidade, pois é um bem cujo fim é
ele mesmo. Entretanto, a felicidade deve ser buscada vivendo uma vida virtuosa.
A virtude é a expressão maior da excelência de uma pessoa, de sua integridade,
de sua identidade.

A virtude é encontrar, através da razão, o meio-termo entre os extremos. Para


o meio-termo, Aristóteles chamou de justo meio. Assim, o tema principal da ética
aristotélica é delimitar o que é o “bem” e o significado que ele tem para o homem.

3 TEORIAS ÉTICAS
As teorias éticas se originam e se desenvolvem a partir da necessidade de
responder aos desafios nas relações humanas no interior de uma sociedade e fora
dela. Assim, é importante atentar para o contexto histórico que originou as teorias
éticas e quais problemas a serem enfrentados no campo da moral.

131
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

3.1 UTILITARISMO
O utilitarismo é uma teoria baseada em um único princípio: o princípio da
utilidade. "O princípio diz que devemos sempre produzir o equilíbrio máximo do
valor positivo sobre o desvalor (ou o menor desvalor possível, caso só se possam
obter resultados indesejáveis)" (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2013, p. 63).

A teoria consiste em uma ética normativa que apresenta a ação útil como
a melhor ação, a ação correta. As origens clássicas do utilitarismo são encontradas
nos escritos de Jeremy Bentahm (1748-1832) e de John Stuart Mill (1806-1873).

O termo utilitarismo foi usado pela primeira vez na carta do filósofo


Jeremy Bentham para George Wilson, em 1781, e depois entrou em uso corrente
na filosofia por John Stuart Mill, na obra Utilitarismo, publicada em 1861.

Em 1958, Elizabeth Anscombe criou o termo "consequencialismo", pois até


então o termo "utilitarismo" era utilizado para se referir às teorias que buscavam
sua justificação nas consequências das ações, em contraponto àquelas que buscam
sua justificação em máximas absolutas.

Assim, o termo consequencialismo foi adotado como uma categoria e o


termo "utilitarismo" passou a designar apenas a teoria mais próxima daquela
defendida por Bentham e Mill, a maximização da promoção da felicidade.

Observe a figura a seguir e reflita sobre a seguinte questão: o trem, em seu


curso normal, mataria cinco pessoas, mas você pode puxar a alavanca e desviar o
trem para matar apenas uma. O que você faria? Para refletir um pouco mais sobre
a questão, você encontrará, ao fim deste tópico, uma leitura complementar que
possibilitará uma reflexão profunda sobre os dilemas éticos da atualidade.

FIGURA 11 – DILEMA DO BONDE

FONTE: <https://verdadenapratica.wordpress.com/2015/05/29/utilitarismo-e-seus-impactos/>.
Acesso em: 23 jun. 2018.

132
TÓPICO 3 | ÉTICA

Na concepção utilitarista, as ações devem produzir o melhor resultado


para o maior número de pessoas. A regra, portanto, é o maior prazer possível
para o maior número de pessoas possíveis. Apesar da teoria ser atraente, é
possível levantar algumas objeções, dentre elas, o fato de que Bentham “não
atribui o devido valor à dignidade humana e aos direitos individuais e reduz
equivocadamente tudo que tem importância moral para uma única escala de
prazer e dor” (SANDEL, 2015, p. 63).

A concepção de Bentham é extremamente calculista e quantitativa,


pois uma ação moral é avaliada apenas se as consequências produzirão maior
felicidade ou maior sofrimento para o maior número de pessoas.

Assim, diante de um prédio em chamas, se eu tiver que escolher entre


salvar um parente próximo ou cinco estranhos, o certo é salvar os cinco estranhos,
pois maximiza a felicidade para um maior número de pessoas. Ao exigir decisões
dessa natureza, o utilitarismo se tronou uma teoria criticada profundamente.

Diante das severas críticas feitas ao utilitarismo de Bentham, o filósofo


John S. Mill procurou ir um pouco além, apontando para uma concepção de
utilitarismo menos calculista e mais qualitativa. Em sua obra Utilitarismo,
publicada em 1861:

Mill defende, em cinco capítulos, uma versão mais sofisticada de


utilitarismo, que se baseia no hedonismo qualitativo. Durante a avaliação
de uma ação, além da intensidade e duração dos prazeres, devemos levar
em conta a qualidade dos prazeres gerados por ela. Mill os distingue
como superiores ou inferiores, de acordo com a sua natureza intrínseca.
São superiores os prazeres do intelecto, das emoções, da imaginação e dos
sentimentos morais e são inferiores os prazeres corporais. Confrontados
por indivíduos que tenham experiência de ambos, os do tipo superior
sobressaem-se como preferíveis, sendo então considerados melhores
(superiores) do que os outros (GONTIJO, 2010, p. 1).

É importante ressaltar que existem diferentes versões do utilitarismo,


contudo, cinco princípios fundamentais são comuns a todas as versões, a saber:
princípio do bem-estar; consequencialismo; princípio da agregação; princípio de
otimização e a imparcialidade e universalismo.

O princípio do bem-estar estabelece que o objetivo da ação moral deve


ser o bem-estar em todos os níveis: físico, moral e intelectual. No princípio do
consequencialismo, o valor moral das ações é julgado frente às consequências por
elas geradas.

O princípio da agregação considera sempre a maioria dos indivíduos,


destacando o sacrifício da minoria, pois o que conta é a quantidade global de
bem-estar produzida, ou seja, o saldo líquido da felicidade e do bem. O princípio
de otimização é a maximização do bem-estar interpretada como um dever.
A imparcialidade e o universalismo dizem respeito ao fato de que não se faz
distinção entre o sofrimento e a felicidade, pois são da mesma importância.

133
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

Vale ressaltar que há dois importantes tipos de utilitarismo, o de ato


e o de norma, que Frankena (1981, p. 50) denomina de “atoutilitarismo e
normoutilitarismo”. O utilitarismo de ato consiste na ideia de que uma ação é correta
se, e somente se, promover a maior felicidade para o maior número. O utilitarismo
de regra concorda com o de ato, mas acrescenta que precisamos de regras práticas,
pois caso contrário não podemos estar o tempo todo a fazer tais cálculos.

Apesar das duras críticas que os utilitaristas receberam e o fato de


existirem pessoas que não os aceitam, o princípio básico utilitarista é hoje
central nas disputas morais. Se lembrarmos do passado, quando as ideias foram
sistematizadas, vamos perceber que foi uma ideia revolucionária. Pela primeira
vez na história, filósofos defendiam que a moralidade não dependia de Deus nem
tão pouco de regras abstratas.

Ao desenvolverem uma teoria assentada na ideia de que a felicidade do


maior número é tudo o que se deve perseguir com a ajuda da experiência, as ações
livres e individuais passaram a ter um grande peso no espaço de deliberações
morais. Os utilitaristas foram reformadores sociais empenhados em mudanças,
tais como a abolição da escravatura, a igualdade entre homens e mulheres, o
sufrágio universal, independentemente de deterem ou não alguma propriedade.

3.2 ÉTICA DEONTOLÓGICA OU DO DEVER


A ética deontológica ou do dever tem como questão central a seguinte: O
que devo fazer? De início, é fundamental ressaltar que, para os deontologistas, o
valor da ação não está na consequência, pois um exemplo clássico dessa concepção
é a ética kantiana, que prescreve o dever pelo dever e não por qualquer outra coisa.

Significa dizer que o valor da ação está na própria ação. Um exemplo


clássico é a mentira. Kant sustenta que o agente moral não deve mentir nunca,
independentemente se sua mentira poderá salvar pessoas ou beneficiar alguém.
Mentir é sempre errado. De acordo com Hooft (2013, p. 23):

Uma ética do dever usa termos “deônticos” (do termo grego antigo
significa “necessidade”), tais como “certo”, “errado”, “obrigatório”
ou “proibido”. Esses termos referem-se ao que é “necessário” fazer, o
que “devemos” fazer, ou o que “temos que” fazer. Eles descrevem as
nossas obrigações e deveres. Além disso, são usados para se emitir um
juízo sumário após uma avaliação minuciosa acerca do status moral de
uma ação ou de um tipo de ação.

No caso, o dever é superior ao homem. É importante destacar o que Kant


escreveu sobre o dever e a inclinação para uma determinada ação:

Ser criativo quando se pode sê-lo é um dever e há, além disso, muitas
almas de disposição tão compassivas que, mesmo sem nenhum outro
motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar
alegria e podem se alegrar com o contentamento dos outros enquanto

134
TÓPICO 3 | ÉTICA

é obra sua. Eu afirmo, porém, que neste caso, uma tal acção (sic), por
conforme ao dever, por amável que seja, não tem, contudo, nenhum
verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações
(KANT, 2011, p. 28-29).

Agir por dever e em função de uma boa finalidade são os princípios que
determinam a boa ação. Agir bem provoca uma boa intenção e uma boa vontade.
Assim, uma ação é boa se, e somente se, a intenção for boa e se ela for pensada
como boa vontade, ou seja, se for universalizável.

Será universal se aquilo que decidirmos for bom para nós mesmos e para os
outros (todos). Se não for uma ação egoísta ou só pensada em função de mim próprio,
então terá uma dimensão ética, de modo que, como afirma Kant (2011, p. 73), “age de
tal maneira que usas a humanidade tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer
outro sempre como um fim e nunca simplesmente como um meio”.

Frankena aponta a distinção entre as teorias deontológicas de ato e de


norma. Sobre as teorias deontológicas de ato, o autor sustenta que:

Seu traço principal é o de que não propõe qualquer padrão para


determinar o que é certo ou errado em casos particulares. Sustenta
que os juízos particulares são básicos e que as regras gerais surgem
a partir deles – e não o contrário. Propõe algo como um método para
determinar o que é certo: esclarecer-se a propósito dos fatos em pauta
e, então, formular juízo acerca do que deve ser feito, recorrendo à
“intuição”, como diriam os intuicionistas, ou à “decisão” do tipo que
os existencialistas referem. O ato-deontologismo não nos oferece um
critério ou princípio orientador (FRANKENA, 1981, p. 39).

As teorias deontológicas de ato consistem em uma reação às teorias


ontológicas de regra. Assim, para os deontologistas de ato, existe uma maneira
especifica de agir para cada situação, pois não existe uma norma que possa ser
seguida de maneira geral. Sustentam que o caráter específico de cada situação, ou
de cada ato, impede que possamos apelar para uma norma geral a fim de decidir
o que devemos fazer.

Assim, é necessário intuir como devemos operar em um caso determinado,


ou decidir sobre ele sem recorrer a uma norma, pois uma norma não é capaz de
nos indicar o que devemos fazer em cada caso concreto. Se não há uma norma
geral que sirva para orientar como nós devemos agir, em cada caso concreto o que
importa é o grau de liberdade com que se age. Quanto às teorias deontológicas de
norma, Frankena (1981, p. 42) afirma que:
Ao escolher, julgar e arrazoar em questões de moral, a pessoa está,
ao menos implicitamente, admitindo regras ou princípios. Essas
observações sugerem, naturalmente, o normo-deontologismo, que
sustenta existir um padrão não-teleológico representado por uma
ou mais regras, embora essas regras não sejam necessariamente as
dominantes.

135
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

Diante de casos particulares, o dever é determinado por normas que,


independentemente das consequências de sua aplicação, são válidas. Mentir é
sempre errado, independentemente das consequências de não mentir.

Mesmo que seja para salvar uma vida, mentir será sempre errado, pois o
dever de não mentir é determinado pela norma e não pelas consequências. É claro
que a teoria está sujeita a objeções devido ao seu aspecto categórico, contudo
alguns normodeontologistas apontam que não existem regras que não tenham
exceção, menos aquelas que são deveres prima facie.

3.3 ÉTICA DAS VIRTUDES


Diferentemente da ética do dever, que está centrada na ação, a ética das
virtudes está centrada no agente. Segundo Beauchamp e Childress (2013, p. 79):
Enquanto as teorias utilitaristas e kantianas são expressadas
principalmente na linguagem das obrigações e dos direitos,
concentrando-se nas situações de escolhas, a ética do caráter ou
ética da virtude enfatiza os agentes que executam as ações e fazem
as escolhas. Seguindo a tradição de Platão e de Aristóteles, a ética do
caráter atribui uma posição proeminente ao caráter virtuoso.

Por possuir seu foco voltado para o agente, a teoria ética das virtudes se
direciona para as questões “o que devo ser?”, “como eu devo viver?” e não mais
para a pergunta comum nas teorias éticas deontológicas: “o que devo fazer?”
Assim, a necessidade prática não é vista como uma obrigação e obediência às
normas ou deveres, mas é vista como expressão do caráter e como resposta aos
valores pessoais do agente moral, pois de acordo com Hooft (2013, p. 23):

A ética da virtude está mais interessada na condição moral do agente


do que em saber se a sua ação está certa ou errada. Ela enfoca o caráter
do agente e as virtudes que constituem esse caráter. As ações do
agente são vistas como expressões desse caráter, não sendo, portanto,
o principal objeto de atenção.

A citação nos faz observar a distinção que Aristóteles faz entre as virtudes
do intelecto ou da razão e as virtudes éticas ou do caráter, pois ele diz “que algumas
virtudes são intelectuais e outras morais; por exemplo, a sabedoria filosófica,
a compreensão e a sabedoria prática são algumas das virtudes intelectuais, e a
liberalidade e a temperança são algumas das virtudes morais” (ARISTÓTELES,
2001, p. 39).

Em relação à primeira, seu aperfeiçoamento depende do tempo, pois a


virtude intelectual é aprimorada com a experiência, enquanto que a virtude de
caráter é resultado do hábito, dos costumes. As virtudes de caráter ou éticas não
são parte de nossa natureza, mas são constituídas em nós através dos hábitos.

136
TÓPICO 3 | ÉTICA

As virtudes são adquiridas pela prática e pela ação, pois é por meio da prática
de determinadas coisas que o indivíduo se torna o que é. Um bom pianista, por
exemplo, alcança a excelência em decorrência de seus esforços, dedicação e ensaio.

Aristóteles (2001, p. 41) diz que “pelos atos que praticamos em nossas
relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; pelo que fazemos em
situações perigosas e pelo hábito de sentir medo ou de sentir confiança, tornamo-
nos corajosos ou covardes”.

Tais atos ocorrem no interior de um contexto específico em que o indivíduo


age a reage às diversas situações da vida. Assim, poderíamos questionar se as
virtudes morais não são aperfeiçoadas pelas virtudes intelectuais? Parece-nos
que sim, pois a experiência e o conhecimento das coisas possibilitam que as ações
particulares expressem uma melhor qualidade.

Entretanto, o que caracteriza uma ação como virtuosa, o que é a virtude


em Aristóteles? As virtudes éticas apontam para o meio-termo, que deve ser
buscado em relação a nós:
A virtude é, então, uma disposição de caráter relacionada com a
escolha de ações e paixões e consistente em uma mediania, isto é, a
mediania relativa a nós, que é determinada por um princípio racional
próprio do homem dotado de sabedoria prática. É um meio-termo
entre dois vícios, um por excesso e outro por falta, pois nos vícios ou
há falta ou há excesso daquilo que é conveniente no que concerne às
ações e às paixões, ao passo que a virtude encontra e escolhe o meio-
termo (ARISTÓTELES, 2001, p. 49).

O meio-termo entre a falta e o excesso é um ponto alto na teoria ética de


Aristóteles. As pessoas encontram dificuldades para viver entre os dois extremos.
A felicidade depende da maneira como a pessoa moral consegue manter o
equilíbrio em suas ações. A sabedoria consiste em viver moderadamente, escolher
o meio-termo.

Outro conceito central na ética aristotélica é a prudência (phrónesis), pois


cabe à prudência governar as ações morais do indivíduo. Na Ética a Nicômaco, o
conceito revela um agir moral que é realizado nas ações concretas, sem que o agir
esteja voltado para um bem transcendente.

4 BIOÉTICA
De acordo com Pessini e Barchifontaine (2005, p. 15), “inicialmente, a
bioética foi definida por Potter como a ‘ciência da sobrevivência humana’, em
uma perspectiva de promover e defender a dignidade humana e a qualidade de
vida, ultrapassando o âmbito humano para abarcar inclusive a realidade cósmico-
ecológica”. A finalidade da bioética é refletir sobre os problemas da existência
humana a partir de uma perspectiva mais humanista e menos científico-tecnicista.
É pensar sobre a vida em sua totalidade.
137
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

A origem da bioética se deve às mudanças profundas que ocorreram nas


últimas décadas. De acordo com Byc (2015, p. 19), “suas origens derivam de um duplo
fenômeno: por um lado, a revolução biomédica; por outro, a crise da ética universal”.

A revolução biomédica trouxe a possibilidade de mudanças significativas


na condição física e psicológica dos seres humanos. Naturalmente desencadeou
uma série de debates sobre moralidade ou a imoralidade na intervenção que se
faz na condição e na natureza humana.

Quando falamos de uma crise ética universal, estamos nos referindo aos
avanços científico-tecnológicos que colocam em risco a própria existência da espécie
humana, pois atualmente nos deparamos com as bombas de hidrogênio com
potência de até 50 megatons, capazes de causar estragos de grandes proporções.

O principialismo é a abordagem predominante acerca da bioética. A


teoria foi desenvolvida por Tom L. Beauchamp e James F. Childress. Segundo
os autores, há quatro que devem fundamentar a bioética: o princípio do respeito
pela autonomia, da não-maleficência, da beneficência e da justiça.

A bioética tem um caráter interdisciplinar, pois dialoga com as diferentes


áreas do saber humano, tais como a psicologia, o direito, a biologia, a antropologia,
a teologia, a ecologia, a filosofia, dentre outras. A relação consiste na busca de um
discurso ético bem fundamentado nas diferentes formas de vida e concepções de
mundo dos seres humanos, pois a bioética lida com os diversos dilemas morais
que estão presentes no agir prático dos indivíduos.

A bioética consiste no estudo da moralidade e da conduta humana na área das


ciências da vida, buscando examinar o que seria lícito ou científico ou tecnicamente
possível. Assim, a bioética requer o comprometimento com a vida (todos os tipos de
vida), com a dignidade do ser humano, com sua liberdade e autonomia.

DICAS

Gattaca – Experiência genética (1997). Num futuro não


muito distante, um homem menos do que perfeito quer viajar para as
estrelas. A sociedade classificou Vincent Freeman como menos do
que adequado, dada a sua constituição genética, e ele se tornou uma
das subclasses de seres humanos que só são úteis para trabalhos
subalternos. Para seguir em frente, ele assume a identidade de
Jerome Morrow, um espécime genético perfeito que é paraplégico
como resultado de um acidente de carro.

Com aconselhamento profissional, Vincent aprende a enganar o


teste de amostras de DNA e urina. Apenas quando ele está finalmente
agendado para uma missão espacial, seu diretor de programa é

138
TÓPICO 3 | ÉTICA

morto e a polícia começa uma investigação, pondo em risco seu segredo. O filme traz um
debate oportuno sobre as formas de preconceitos, e determinamos quem é melhor ou pior
de acordo com suas limitações físicas. É uma crítica também às manipulações genéticas e
quais os limites éticos da ciência.

5 ÉTICA E TÉCNICA
Diante dos avanços tecnológicos e dos aperfeiçoamentos das mais variadas
técnicas, o que se pensa no campo da ética diz respeito ao futuro da humanidade.
Desde os primórdios, o ser humano vem desenvolvendo técnicas para melhorar
a vida, pois ela é um meio para a sobrevivência das pessoas.

Podemos usar como exemplo as técnicas de plantio, colheita e


armazenamento de alimentos, desenvolvidas desde muito cedo pelo ser humano,
cuja finalidade era garantir que os grupos tivessem alimentos o ano inteiro.
Contudo, com o passar do tempo, as técnicas também foram se aperfeiçoando
e atualmente já discutimos os limites éticos de determinadas técnicas, como a
manipulação genética das sementes.

De acordo com Abbagnano (2012, p. 1106), o sentido geral do termo


(técnica) “coincide com o sentido geral da arte (v.): compreende qualquer
conjunto de regras aptas a dirigir eficazmente uma atividade qualquer”. Técnica,
portanto, trata-se de um conjunto de procedimentos que tem como objetivo obter
um determinado resultado. Assim, ao se estabelecer uma meta, o cientista, artista,
ou qualquer outro técnico opta por um conjunto de regras, normas ou protocolos
que é utilizado como meio para chegar ao objetivo estabelecido.

Quando tratamos de ética e técnica, estamos discutindo a moralidade de


determinadas técnicas utilizadas em nossa sociedade para se chegar aos objetivos
desejados. Atualmente, há grande discussão das técnicas de melhoramento
humano, que impactam diretamente na competitividade saudável entre as pessoas.

As técnicas podem ser divididas em dois campos: técnicas racionais e


mágicas. O que nos interessa no presente momento são as técnicas racionais, que
podem ser divididas em técnicas cognitivas e artísticas, técnicas de comportamento
e técnicas de produção. A seguir, vamos discorrer brevemente sobre técnicas de
produção devido à importância direta para a sobrevivência humana.

De acordo com Abbagnano (2012, p. 1106), “o terceiro grupo de técnicas


é o que diz respeito ao comportamento do homem em relação à natureza e visa à
produção de bens”. A supremacia da técnica em detrimento da ética tem sido uma
questão preocupante, pois se algo precisa ser feito, deve-se ignorar a necessidade
de uma justificação ética. A manipulação da natureza com a finalidade de
produção de bens de consumo tem acendido o sinal de alerta.

139
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

A manipulação genética, por exemplo, pode fomentar um mercado que


possa vender bebês projetados de acordo com as preferências dos pais. A técnica
tinha como objetivo melhorar as condições de vida do ser humano, contudo, o
que estamos presenciando é um avanço contínuo da técnica que trouxe efeitos
colaterais muito severos.

Atualmente, muitos pensadores das mais diversas áreas têm escrito e


discutido intensamente sobre os efeitos negativos da técnica. Tais efeitos são
enumerados da seguinte maneira por Abbagnano (2012, p. 1107):

1º exploração intensa dos recursos naturais acima dos limites de


seu restabelecimento natural, portanto o empobrecimento rápido e
progressivo desses recursos;
2º poluição da água e do ar por resíduos industriais e com a multiplicação
dos mecânicos de transporte e com a maior densidade demográfica;
3º destruição da paisagem natural e dos monumentos históricos
e artísticos, em decorrência da multiplicação das indústrias e da
expansão indiscriminada dos centros urbanos;
4º sujeição do trabalho humano às exigências da automação, que tende
a transformar o homem em acessório da máquina;
5º incapacidade da técnica de atender às necessidades estéticas,
afetivas e morais do homem; portanto, sua tendência a favorecer ou
determinar o isolamento e a incomunicabilidade dos indivíduos.

Apesar de se justificar constantemente a necessidade do aprimoramento


e do avanço das técnicas para a sobrevivência humana, é imprescindível que se
considere os afeitos negativos e alternativas para remediar os danos. O quarto e
o quinto pontos destacados por Abbagnano chamam a atenção devido ao uso da
técnica como uma forma de dominação e manipulação dos indivíduos.

Na sociedade contemporânea, a ética ficou sujeita à técnica, resultando


em uma deformidade da moral moderna. Galimberti (2006, p. 520) aponta que “a
técnica celebra a impotência da ética, a definitiva subordinação do agir ao fazer”
em relação ao contexto histórico atual.

DICAS

Ética a Nicômaco é uma obra de Aristóteles escrita no


século IV a.C. É um dos primeiros tratados preservados sobre ética e
moral da filosofia ocidental e, certamente, o mais completo da ética
aristotélica. É composto de dez livros que são considerados baseados
em anotações sobre suas palestras no Liceu. O trabalho cobre uma
análise da relação de caráter e inteligência com a felicidade. Lembrando
que a ética aristotélica continua sendo uma das bases fundamentais
do pensamento humano.

140
TÓPICO 3 | ÉTICA

LEITURA COMPLEMENTAR

Dilemas morais: o que você faria?

Tente responder a 5 famosos dilemas morais e descubra o que suas respostas dizem
sobre você.

Fábio Marton

No livro A Escolha de Sofia, de William Styron, que virou filme estrelado


por Meryl Streep, uma prisioneira polonesa em Auschwitz recebe um “presente”
dos nazistas: ela pode escolher, entre o filho e a filha, qual será executado e qual
deverá ser poupado. Escolhe salvar o menino, que é mais forte e tem mais chances
na vida, mas nunca mais tem notícias dele. Atormentada com a decisão, Sofia
acaba se matando anos depois.

Dilemas morais, como a escolha de Sofia, são situações nas quais nenhuma
solução é satisfatória. São encruzilhadas que desafiam todos que tentam criar
regras para decidir o que é certo e o que é errado, de juristas a filósofos que
estudam a moral.

Cada vez que um filósofo monta um sistema de conduta, procura algo


que responda a todas as situações possíveis. O filósofo inglês John Locke (1632-
1704), por exemplo, definiu o bem pela não agressão, aquela ideia de que “minha
liberdade começa onde termina a sua”. Já Rosseau (1712-1778) considerava o
certo a vontade geral, a decisão da maioria.

Agora, os dilemas morais estão virando objeto de estudo de cientistas. E,


para alguns deles, talvez os filósofos tenham trabalhado em vão ao se esforçarem
tanto para montar teorias morais. É que, segundo novas pesquisas, raramente
usamos a razão para decidir se devemos tomar uma atitude ou não.

Analisando o cérebro de pessoas enquanto elas pensavam sobre dilemas,


os pesquisadores perceberam que muitas vezes decidimos por facilidade,
empatia ou mesmo nojo de alguma atitude. Duvida? A seguir, faça o teste com
você mesmo, respondendo a 5 dilemas morais clássicos.

1 O trem descontrolado

Um trem vai atingir 5 pessoas que trabalham desprevenidas na linha.


Entretanto, você tem a chance de evitar a tragédia acionando uma alavanca que
leva o trem para outra linha, onde ele atingirá apenas uma pessoa. Você mudaria
o trajeto, salvando as 5 e matando 1?

O dilema foi apresentado aos voluntários pelo filósofo e psicólogo


evolutivo Joshua Greene, da Universidade Harvard. “É aceitável mudar o trem

141
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

e salvar 5 pessoas ao custo de uma? A maioria das pessoas diz que sim”, afirma
Greene em um de seus artigos. De fato, em uma pesquisa feita pela revista Time,
97% dos leitores salvariam os 5.

Fazer isso significa agir conforme o utilitarismo – a doutrina criada


pelo filósofo inglês John Stuart Mill, no século 19. Para ele, a moral está na
consequência: a atitude mais correta é a que resulta na maior felicidade para o
máximo de pessoas. Contudo, há um problema.

A ética de escolher o mal menor tem um lado perigoso – basta multiplicá-


la por 1 milhão. Você mataria 1 milhão de pessoas para salvar 5 milhões? Uma
decisão assim sustentou regimes totalitários do século 20 que desgraçaram, em
nome da maioria, uma minoria tão inocente quanto o homem sozinho no trilho.
Ainda, o ato de matar 1 para salvar 5 é o oposto do espírito do direito humano,
segundo o qual cada vida tem um valor inestimável em si.

2 O trem descontrolado

Imagine a mesma situação anterior: um trem em disparada irá atingir


5 trabalhadores desprevenidos nos trilhos. Agora, porém, há uma linha só. O
trem pode ser parado por algum objeto pesado jogado em sua frente. Um homem
com uma mochila muito grande está ao lado da ferrovia. Se você empurrá-lo
para a linha, o trem vai parar, salvando as 5 pessoas, mas liquidando uma. Você
empurraria o homem da mochila para a linha?

Avaliando pela lógica pura, esse dilema não tem diferença em relação ao
anterior. Continua sendo uma questão de trocar 1 indivíduo por 5. Apesar disso,
a maioria das pessoas (75% nos estudos de Joshua Greene, 60% no teste da Time)
não empurraria o homem.

A equipe de Greene descobriu que, enquanto usamos áreas cerebrais


relacionadas à “alta cognição”, ou seja, ao pensamento profundo, para
resolvermos o dilema anterior, este aqui provoca reações emocionais, mesmo nos
que empurrariam o homem para os trilhos.

Uma versão mais bizarra propõe uma catapulta para jogar o homem
pesado nos trilhos e, surpresa, a maioria das pessoas volta a querer matar 1
para salvar 5. Conclusão: estamos dispostos a matar com máquinas, mas não
mataríamos com as mãos.

Para Greene, a diferença nas respostas aos dois dilemas pode ser explicada
pela seleção natural. Durante milhares de anos da nossa evolução, os seres
humanos que matavam outros friamente atraíam violência para si próprios: eram
logo mortos pelo grupo, gerando menos descendentes. Já aqueles que conseguiam
se segurar, conquistavam amigos e proteção, transmitindo seus genes para o
futuro. Assim, ao longo dos milênios, criamos instintos sociais que nos refreiam
na hora de matar alguém.

142
TÓPICO 3 | ÉTICA

Acontece que, na maior parte do tempo da nossa evolução, vivemos em


cavernas e com lanças na mão, e não operando máquinas, botões ou alavancas.
Faz com que nossos instintos sociais não relacionem o ato de apertar um botão ou
puxar uma alavanca com o de jogar alguém para a morte. É por esse motivo que,
para Joshua Greene, tanta gente mudaria a alavanca na situação anterior, mas não
executaria o homem no segundo dilema.

Ele dá outro exemplo. Achamos um absurdo não prestar socorro a alguém


que sofreu um acidente na estrada, mas nos esquecemos rapidinho que milhares
de pessoas morrem de fome na África. Para Greene, o motivo dessa disparidade
também está nos instintos.

“Nossos ancestrais não evoluíram em um ambiente em que poderiam


salvar vidas do outro lado do mundo. Da forma como nosso cérebro é construído,
pessoas próximas ativam nosso botão emocional, enquanto as distantes
desaparecem na mente”.

Para Greene, a diferença de atitudes mostra que os filósofos que lidam


com a moral devem levar mais em conta a natureza do homem – não para
agirmos conforme a natureza, mas para superá-la. Tendo consciência de que
nossos instintos nos tornam capazes de matar friamente por meio de uma
alavanca ou de ignorar genocídios distantes, temos mais poder para decidir o
que é ou não correto.

3 Totem e tabu

No seu país, a tortura de prisioneiros de guerra é proibida. Você é tenente


do Exército e recebe um prisioneiro recém-capturado que grita: “Alguns de vocês
morrerão às 21h35”. Suspeita-se que ele sabe de um ataque terrorista em uma
boate. Para saber mais e salvar civis, você o torturaria?

Recentemente, Israel e os EUA foram duramente criticados pela prática de


tortura de terroristas árabes em prisões e pelas tentativas de legalizá-la em forma
de “pressão psicológica” ou “pressão física moderada”. Na defesa, os países
usaram dilemas como esse. Se você achar que o correto é torturar o prisioneiro,
vai legitimar carceragens sangrentas. Por outro lado, caso se recusasse a torturá-
lo, poderá deixar inocentes morrer.

A situação também se parece com as anteriores pela razão pura, pois trata-
se de salvar o maior número de vidas. Contudo por que, então, é tão difícil tomar a
decisão de torturar o homem? Além do instinto básico de não-agressão apontado
pelo cientista Joshua Greene, somos movidos por outra emoção primitiva: o nojo.
É isso aí, o mesmo nojo que faz você ter uma ânsia de vômito ao olhar um esgoto.
“Acreditamos que a aversão moral é nojo mesmo, e não apenas uma metáfora”,
diz o psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade da Virgínia.

143
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

Em uma de suas pesquisas, Haidt mostrou vídeos de neonazistas a seus


voluntários, monitorando a atividade cerebral deles. Concluiu que sentiam nojo,
e não uma reprovação racional. É por isso que, em casos que provocam asco,
como a tortura, costumamos agir conforme o absolutismo moral: as regras não
devem ser transgredidas nem para salvar inocentes, ainda mais se lembrarmos
que os países que querem legalizar o método geralmente se valem de dilemas
como esse para situações mais leves.

4 Os limites da promessa

Um amigo quer contar um segredo e pede que você prometa não contar a
ninguém. Você dá sua palavra. Ele conta que atropelou um pedestre e, por isso,
vai se refugiar na casa de uma prima. Quando a polícia o procura, querendo saber
do amigo, o que você faz?

O antropólogo holandês Fonz Trompenaars realizou pesquisas em


diversos países com dilemas como esse. O mais interessante é que as respostas
variaram de acordo com o povo. A maioria dos russos acusaria o amigo na lata.
Outros mentiriam para protegê-lo, dando dicas ambíguas à polícia, como os
americanos. Já os brasileiros inventariam histórias malucas para dizer que a culpa
não era do amigo, mas do pedestre, que era um suicida.

Os gregos antigos já tinham consciência de que cada cultura tem noções


diferentes sobre o que é certo ou errado: diziam que havia tantas morais quanto
povos no mundo. A princípio, saber que a moral muda de acordo com a cultura é
importante para não julgarmos costumes de um povo como se fossem os nossos,
descobrindo suas razões particulares.

Foi o que propôs o antropólogo Franz Boas (1858-1942), considerado o


pai do relativismo cultural – a ideia de que nenhuma cultura é melhor que outra.
Entretanto, quando duas culturas diferentes se chocam, surgem dilemas morais
ainda mais difíceis – como o próximo.

5 Choque de cultura

Você é um funcionário da Funai, trabalhando na Amazônia sob ordem


expressa de jamais intervir na cultura indígena. Passeando perto de uma clareira,
nota que ianomâmis estão envenenando o bebê de uma índia, que está aos
prantos. Você impediria a morte do bebê?

Em 2008, a  Folha de S. Paulo  contou a história do índio Mayutá, de 2


anos, que nasceu de uma gravidez de gêmeos. Como os índios camaiurás
acreditam que gêmeos trazem maldição, Mayutá deveria ser envenenado. O
irmão dele já havia sido assassinado quando o pai interveio. Com ajuda da
ONG Atini, que tenta acabar com o infanticídio entre os índios brasileiros, o
pai retirou a criança da tribo.

144
TÓPICO 3 | ÉTICA

A ONG foi formada pelos pais adotivos da ianomâmi Hakani, que viveu
um caso parecido em 1995. Depois que Hakani nasceu com hipotireoidismo, seus
pais receberam do conselho da tribo a ordem de envenená-la, mas acabaram
tomando o veneno eles mesmos. O irmão e o avô foram encarregados de levar a
tarefa adiante e não conseguiram – o avô também se suicidou.

Hakani, abandonada, desnutrida e quase morta, acabou adotada por um


casal de funcionários da Funai. Um antropólogo do ministério público tentou
barrar a adoção, dizendo que era uma agressão à cultura ianomâmi. E aí, o que vale
mais: a vida humana ou o respeito às tradições de um povo? Se você acha que o
certo é deixar a cultura acontecer, é um relativista cultural. Se considera o valor da
vida maior que o das culturas, é um absolutista moral, como o Papa Bento 16.

Talvez a solução do dilema esteja na hesitação dos pais. Ela mostra que o
infanticídio não é um consenso entre os índios, ou seja, o terror emocional diante
de matar o próprio filho existe mesmo em culturas que admitem matar suas
crianças. Assim, converge com a tese do psicólogo evolutivo Steven Pinker: assim
como qualquer língua do mundo diferencia verbo e objeto, a moral também tem
suas regras universais, que cada cultura trata de forma diferente.

Segundo a teoria da “gramática universal”, de Noam Chomsky, temos uma


capacidade de nascença para falar, e o que prova são as semelhanças de sintaxe
entre todas as línguas do mundo. Em um artigo para o jornal  New York Times,
Pinker parodiou a tese de Chomsky: “Nascemos com uma gramática moral que
nos permite analisar as ações humanas mesmo que com pouca consciência disso”.
Entretanto, como mostram os dilemas morais, nem sempre é fácil fazer a análise.

FONTE: MARTON, Fábio. Dilemas morais: o que você faria? 2018. Disponível em: <https://super.
abril.com.br/cultura/dilemas-morais-o-que-voce-faria/>. Acesso em: 23 jun. 2018.

145
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A ética é a filosofia moral ou pensamento filosófico acerca da moralidade dos


problemas morais e dos juízos morais.

• A ética procura estabelecer os princípios de vida boa, pois o fim último das
ações humanas deve ser o sumo bem, a felicidade.

• O utilitarismo é uma teoria baseada em um único princípio: o princípio da


utilidade.

• A ética deontológica ou o dever tem como questão central a seguinte: O que


devo fazer?

• As teorias deontológicas de ato consistem em uma reação às teorias ontológicas


de regra.

• A ética da virtude está mais interessada na condição moral do agente do que


em saber se a sua ação está certa ou errada. Ela enfoca o caráter do agente e as
virtudes que constituem esse caráter.

• A finalidade da bioética é refletir sobre os problemas da existência humana


a partir de uma perspectiva mais humanista e menos científico-tecnicista. É
pensar sobre a vida em sua totalidade.

• Quando tratamos de ética e técnica, estamos discutindo a moralidade de


determinadas técnicas utilizadas em nossa sociedade para chegarmos aos
objetivos desejados.

146
AUTOATIVIDADE

1 Ao decorrer dos nossos estudos deste tópico, nós apontamos para um


dilema ético muito intrigante: o dilema do bonde. Sobre a situação apontada,
reflita sobre a seguinte questão: o trem, em seu curso normal, mataria cinco
pessoas, mas você pode puxar a alavanca e desviar o trem para matar apenas
uma. O que você faria? Justifique sua resposta a partir das teorias éticas
apresentadas neste tópico.

2 A ética tem por finalidade estabelecer os princípios de vida boa, pois o


fim último das ações humanas deve ser o sumo bem, além da felicidade.
Aristóteles defendia a ideia de que nossas ações devem atingir um fim
nobre. Diante do exposto, assinale a alternativa correta:

a) ( ) A ética é a ciência do dever pelo dever, porém se afasta de qualquer


possibilidade de estudo da práxis humana.
b) ( ) A ética consiste, portanto, em um estudo da práxis humana e seus fins,
visto que os agentes morais devem justificar moralmente suas ações
fundamentadas na razão.
c) ( ) A ética é o estudo da moralidade sem a preocupação de ser normativa
ou estabelecer princípios que fundamentam as ações humanas.
d) ( ) Do ponto de vista ético, nossas ações não necessitam ser moralmente
justificáveis, pois nossa preocupação deve ser apenas com os fins e
jamais com os meios.

147
148
UNIDADE 2
TÓPICO 4

ESTÉTICA

1 INTRODUÇÃO
Atualmente, o termo “estética” tem sido empregado para definir os tratamentos
de beleza. Entretanto, o uso apenas nesse sentido foge da proposta original desenvolvida
pelos filósofos da arte, pois a estética também é chamada de Filosofia da Arte. Assim, a
estética não se resume apenas ao aspecto visual de um determinado objeto ou pessoa,
mas aponta para aspectos mais amplos e profundos da arte.

Neste tópico, vamos discorrer inicialmente sobre o que é estética (i) e,


em seguida, vamos apresentar pelo menos dois objetos de estudo da estética
(ii). Nossa proposta é estudar o ponto de partida da estética, pois é uma área
da filosofia geral que apresenta uma discussão bastante complexa no sentido de
compreender o valor da arte. Vamos à leitura!

2 O QUE É ESTÉTICA?

De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 341), “a palavra estética vem do


grego aisthesis, com o significado de ‘faculdade de sentir’, ‘compreensão pelos sentidos’,
‘percepção totalizante’”. Observe que a estética apela fundamentalmente para a
sensibilidade, uma aprendizagem pelos sentidos. Assim, uma obra de arte, por exemplo,
não é destituída de seu caráter pedagógico, que deve ser captado pelo observador.

Embora na Grécia Antiga outros filósofos já tenham utilizado o termo


“estética”, foi o filósofo Alexander G. Baumgarten (1714-1831), que utilizou pela
primeira vez a palavra no conceito moderno. O seu intuito era o de estabelecer uma
disciplina da Filosofia que fosse encarregada de estudar todas as manifestações
artísticas. Embora os primeiros filósofos gregos tenham utilizado a palavra “estética”,
atualmente o seu significado corresponde à “doutrina do conhecimento sensível”.

Assim, Baumgarten definiu a estética como sendo uma disciplina que


deveria refletir sobre as emoções produzidas pelos objetos que são admirados
pelos seres humanos. O filósofo ainda afirmava que a estética deveria ser
abordada a partir da consciência de cada indivíduo. Baumgarten entendia
que a sensibilidade era a única forma de apreciar uma obra de arte. Assim, a
sensibilidade só é possível quando o observador permite contemplar a arte a
partir da sua própria subjetividade.

149
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

3 OBJETOS DE ESTUDO DA ESTÉTICA


Assim como todas as áreas da filosofia definem um objeto de estudo, com
a estética não é diferente. Nesta oportunidade, iremos discorrer apenas sobre o
belo e o feio e a arte. Existem outros objetos de interesse da estética, mas vamos
destacar apenas esses que foram apresentados.

3.1 O BELO E O FEIO


Ao estudarmos sobre as concepções de feio e de belo, não podemos fugir
de questões como: o que é o belo ou o feio? É possível definirmos objetivamente o
que é feio ou o que é belo? A beleza ou a feiura depende da subjetividade de cada
pessoa? Essas são questões que muitos filósofos que discutiram a arte tiveram
que enfrentar. Assim, a grande questão do feio e do belo está na objetividade ou
subjetividade.

A discussão em torno do feio e do belo é bastante ampla. Se concebermos


o belo como uma manifestação do objeto em si, logo estaremos afirmando que há
uma essência própria do belo independentemente da vontade do sujeito.

Em uma concepção mais contemporânea, o belo pode ser concebido


como uma manifestação subjetiva, ou seja, a beleza de um determinado objeto
é resultado de uma concepção subjetiva e a cultura, os valores e tradições
influenciam diretamente na concepção.

Segundo Aranha e Martins (1993, p. 342), “para Platão, a beleza é a única


ideia que resplandece no mundo. Se, por um lado, reconhece o caráter sensível do
belo, por outro continua a afirmar sua essência ideal, objetiva”. Em decorrência
dessa objetividade do belo, os filósofos clássicos deduzem “regras para o fazer
artístico a partir desse belo ideal, fundando uma estética normativa” (ARANHA;
MARTINS, 1993, p. 342).

A estética normativa se difere da estética profana no seguinte sentido: a


normativa trata da produção de conhecimento acerca do que é belo, enquanto
que a profana trata do sentimento de beleza para o corpo. Assim, a estética
normativa busca objetividade do belo ao adotar regras a partir de uma concepção
racionalista da arte e se deve ao fato de que o racionalismo estético dos séculos
XVII e XVIII estabeleceu normas claras para o labor artístico.

Segundo Reali e Antiseri (2004, p. 365), o racionalismo estabeleceu que


“a arte é imitação da natureza que inclui o universal, o normativo, o essencial,
o característico e o ideal”. Ao desenvolver tais princípios, originou-se o
academicismo ou o classicismo ensinado nas academias de arte. De acordo com
Reali e Antiseri (2004, p. 365), “é a chamada estética normativa, que estabelece
regras para o fazer artístico, limitando a criatividade e individualidade da
intuição artística”.

150
TÓPICO 4 | ESTÉTICA

Assim, temos a posição de David Hume, que contrapõe essa ideia


normativa da arte e aponta para a relativização da beleza de acordo com o gosto
de cada pessoa. Assim, a arte é interpretada e assimilada de acordo com o gosto
de cada.

Hume não está assumindo que qualquer coisa seja arte, até porque ele
entendia que ela é um padrão estabelecido socialmente levando em consideração
a beleza, a delicadeza, o gosto e a estética. A questão fundamental é que o belo
não segue um único padrão de gosto e não pode ser discutido racionalmente.

Se, por um lado, temos aqueles que tentam objetivar o belo e, do outro,
aqueles que tentam relativizar, Kant procurou estabelecer um meio-termo entre essas
duas posições. De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 342), Kant entendia que:

O objeto belo é uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito. O


princípio do juízo estético, portanto, é o sentimento do sujeito e não o
conceito de objeto. No entanto, há a possibilidade de universalização
desse juízo subjetivo porque as condições subjetivas da faculdade
de julgar são as mesmas em todos os homens. Belo, portanto, é uma
qualidade que atribuímos aos objetos para exprimir um certo estado
da nossa subjetividade. Sendo assim, não há uma ideia de belo nem
pode haver regras para produzi-lo.

Kant aponta para o fato de que as capacidades subjetivas da faculdade de


julgar são comuns em todos os seres humanos. Assim, é possível deduzir que o
belo era um dado objetivo, presente nos próprios objetos como um atributo destes,
e o gosto era a faculdade humana de julgar o dado. Assim, tais julgamentos, que
Kant denomina de juízos de gosto, não eram lógicos, mas estéticos, portanto,
sensíveis e subjetivos.

DICAS

Grandes olhos (2014): contará a história dos


artistas Margaret e Walter Keane, que foram muito famosos
durante os anos 1950 e 1960. O motivo? Seus quadros. Em vez
de belas paisagens, como os pintores tradicionais, os de Keane
apresentavam pinturas de crianças com grandes olhos, muitas
vezes tristes, profundos e sombrios, que de tão diferentes,
acabaram por se tornar moda na época.

151
UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

3.2 A ARTE
Apesar de arte e estética possuírem uma relação muito próxima, no
entanto não são sinônimas. A arte é a técnica, o fazer, enquanto que a estética é
a impressão que a técnica causará, pois como já vimos anteriormente, a palavra
“estética” remete para a “faculdade de sentir”, “compreender pelos sentidos”, à
“percepção totalizante”.

Arte nem sempre esteve ligada à estética, pois servia para propósitos
diversos, como a fabricação de ferramentas, objetos e pinturas que contavam a
história de alguma aventura ou em alguma celebração. Quando a arte é associada
à estética, o artista passa a se preocupar não apenas com a funcionalidade do
que está sendo fabricado, desenhado, pintado etc., preocupa-se ainda com a
possibilidade de agradar a todos, afetando-os como experiência sensível.

A arte pode ser concebida de três maneiras: como imitação, como criação
e como construção. É sobre essas concepções que iremos discorrer agora.

A arte como imitação concebe o artista como aquele que é capaz de imitar a
natureza, os objetos com a maior precisão possível. O artista não se revela no objeto
em si, mas seu mérito reside na escolha do objeto a ser imitado. Assim, o artista
tem um papel passivo, pois apenas está reproduzindo o que existe e está dado. A
inspiração do artista está intrinsecamente associada à cópia de algum elemento
pertencente à natureza, que é representado em uma pintura ou escultura.

A arte como criação se caracteriza pela originalidade, pois é independente


da natureza. Assim, a originalidade de uma obra é expressada no próprio
sentimento do artista. Ainda, o conceito de arte é característico do romantismo.
De acordo com Abbagnano (2012, p. 428):

A tese romântica da arte como criação compõe-se de duas teses


diferentes: I, a arte é originalidade absoluta, e os seus produtos não são
referíveis à realidade natural; II, como originalidade absoluta, a arte é
parte (continuação ou manifestação) da atividade criadora de Deus.

Na criação da obra de arte, o artista pode expressar sua subjetividade, suas


sensações e experiências. Tais expressões não são destituídas de intencionalidade,
mas são uma atividade da consciência que é revelada em uma pintura, em um
poema, em uma escultura etc. Ela representa a capacidade criativa e inovadora
do homem.

A arte como construção é revelada quando o artista é capaz de criar uma


obra artística na qual ele combina os elementos da natureza e os sentimentos
do próprio homem. O artista se afasta da realidade, mas não a ignora. Ele não
está totalmente submisso à natureza como acontece na arte como imitação, e nem
se desvincula subjetivamente dela como na arte como criação. O artista é livre
para se expressar, mas consegue combinando os elementos da natureza com seus
próprios sentimentos.

152
TÓPICO 4 | ESTÉTICA

LEITURA COMPLEMENTAR

CARTA XX
Friedrich Schiller

Discutindo o estado estético, Schiller esclarece, na carta XX, dirigida ao príncipe


Augustenburg:

Para leitores que não estejam familiarizados com a significação deste


termo tão mal-empregado pela ignorância, sirva de explicação o seguinte. Todas
as coisas que de algum modo possam ocorrer no fenômeno são pensáveis sob
quatro relações diferentes. Uma coisa pode referir-se imediatamente ao nosso
estado sensível (nossa existência e bem-estar): esta é a sua índole física.

Ela pode, também, referir-se ao nosso entendimento, possibilitando-nos


conhecimento: esta é sua índole lógica. Ela pode, ainda, referir-se à vontade a
ser considerada como objeto de escolha para um ser racional: é sua índole moral.
Finalmente, ela pode referir-se ao todo de nossas diversas faculdades sem ser
objeto determinado para nenhuma isolada dentre elas: é sua índole estética.

Um homem pode ser-nos agradável por sua solicitude; pode, pelo


diálogo, dar-nos o que pensar; pode incutir respeito pelo seu caráter; enfim,
independentemente disso tudo e sem que tomemos em consideração alguma lei
ou fim, ele pode aprazer-nos na mera contemplação e apenas por seu modo de
aparecer.

Na última qualidade, nos julgamos esteticamente. Existe, assim, uma


educação para a saúde, uma educação do pensamento, uma educação para
a moralidade, uma educação para o gosto e para a beleza. Esta tem por fim
desenvolver em máxima harmonia o todo de nossas faculdades sensíveis e
espirituais.

Para contrariar a corriqueira sedução de um falso gosto, fortalecido também


por falsos raciocínios, segundo os quais o conceito do estético comporta o do
arbitrário, observo ainda uma vez que a mente no estado estético, embora livre, e
livre no mais alto grau, de qualquer coerção, de modo algum age livre de leis.

Acrescento que a liberdade estética se distingue da necessidade lógica


no pensamento e da necessidade moral no querer apenas pelo fato de que as
leis segundo as quais a mente procede ali não são representadas e, como não
encontram resistência, não aparecem como constrangimento.

FONTE: SCHILLER, F. A educação estética do homem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

153
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• A discussão em torno do feio e do belo é bastante ampla se concebermos o belo


como uma manifestação do objeto em si. Logo, estaremos afirmando que há
uma essência própria do belo independentemente da vontade do sujeito.

• A estética normativa se difere da estética profana no seguinte sentido: a


normativa trata da produção de conhecimento acerca do que é belo, enquanto
a profana trata do sentimento de beleza para o corpo.

• David Hume contrapõe a ideia normativa da arte e aponta para a relativização


da beleza de acordo com o gosto de cada pessoa.

• Kant aponta para o fato de que as capacidades subjetivas da faculdade de


julgar são comuns em todos os seres humanos.

• A arte é a técnica, o fazer, enquanto que a estética é a impressão que a técnica


causará, pois como já vimos anteriormente, a palavra “estética” remete
para a “faculdade de sentir”, “compreender pelos sentidos”, à “percepção
totalizante”.

• A arte pode ser concebida de três maneiras: como imitação, como criação e
como construção.

154
AUTOATIVIDADE

1 Como qualquer outra área da filosofia, a estética possui objetos específicos


de estudo, como a questão do feio e do belo, neste caso. Embora haja muita
discussão sobre a caracterização de uma coisa, uma arte, um objeto etc., como
feio ou bonito, a estética busca fazer a avaliação de maneira mais profunda a fim
de estabelecer os critérios. Sobre o feio e o belo, analise as sentenças a seguir:

a) ( ) Para os racionalistas, o belo é plenamente subjetivo, ou seja, depende da


concepção racional de cada sujeito.
b) ( ) A estética normativa procura pela objetividade do belo ao adotar regras
tendo como base a concepção racionalista da arte.
c) ( ) O filósofo inglês David Hume se posiciona contrário à concepção
racionalista do belo, pois para ele, a beleza está relacionada diretamente
às regras objetivas da razão para avaliação do que é o belo.

2 É muito comum as pessoas não fazerem distinção entre arte e estética.


Contudo, há diferenças importantes entre elas, embora a arte seja um dos
objetos de estudo da estética. A arte, por exemplo, pode ser concebida de três
maneiras. Sobre essas maneiras, assinale V para as afirmativas verdadeiras e
F para as falsas:

( ) A arte como imitação é caracterizada pelo fato de o artista buscar imitar a


natureza com maior precisão possível.
( ) A arte como construção reflete apenas a capacidade do artista em construir
um objeto, cuja perfeição remete à natureza.
( ) No caso da arte como imitação, o mérito do artista não está em sua
criatividade, mas na escolha do objeto a ser imitado.
( ) A arte como criação é a capacidade criativa do artista, pois ela expressa
originalidade independente da natureza.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – F – F – V.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) V – V – F – F.
d) ( ) V – F – F – V.

155
156
UNIDADE 3

FILOSOFIA PARA HOJE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• conhecer o panorama histórico da Filosofia Política com a finalidade de


compreender seu desenvolvimento até os dias atuais;

• compreender alguns aspectos relacionados à Filosofia da Mente e seus


principais problemas;

• avaliar a importância da Filosofia da Educação para o desenvolvimento de


uma educação mais crítica e reflexiva.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No final de cada um deles, você
encontrará atividades que ajudarão a ampliar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – FILOSOFIA POLÍTICA

TÓPICO 2 – FILOSOFIA DA MENTE

TÓPICO 3 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

157
158
UNIDADE 3
TÓPICO 1

FILOSOFIA POLÍTICA

1 INTRODUÇÃO
A Filosofia Política é uma área da filosofia que possibilita ter uma
compreensão mais ampla sobre a maneira como a sociedade se relaciona social,
cultural, econômica e moralmente.

Quando falamos em política, estamos nos referindo à maneira como a vida


é vivida na coletividade, no espaço plural, diverso. Diversas forças se manifestam
e precisam entrar em consenso para que a vida em sociedade seja possível.

No espaço, as instituições foram surgindo e cada uma delas ocupa seu


papel na integração social, bem como no estabelecimento das regras, limites e
mecanismos de controle social. Devem manter a sociedade coesa, possibilitando
a segurança de seus membros e uma convivência pacífica.

Ao voltarmos para a Filosofia Política, será possível perceber como o ser


humano teve e tem que lidar com desafios constantes ao longo de sua história,
em busca da construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, que deve ser
a base de uma sociedade igualitária e que respeita os diversos grupos que dela
fazem parte.

Neste tópico, nós vamos discorrer de maneira sucinta sobre os principais


momentos e pensadores do campo da Filosofia Política, para compreendermos o
contexto atual e os desafios que ainda teremos pela frente.

Devemos dar nossa contribuição para o desenvolvimento de uma


sociedade plural e diversificada. As diferenças devem ser discutidas no espaço
público e os atores políticos devem dar justificativas racionais e razoáveis para
suas crenças, valores, tradições, posições e decisões políticas.

Convido você a iniciar mais uma etapa de sua formação acadêmica!

159
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

2 A POLÍTICA NA GRÉCIA
O nascimento da polis grega marca um período de profundas
transformações na configuração política da Grécia. Até o surgimento das
primeiras cidades-estados (polis), a Grécia havia vivenciado diferentes formas de
organização política, como o sistema gentílico, em que a célula básica é o génos
(comunidade formada por numerosas famílias e descendentes de um mesmo
ancestral).

Na comunidade, os bens eram comuns para todos, o trabalho era


desenvolvido de maneira coletiva, cultivavam a terra e criavam gado. Aquilo
que era produzido era dividido entre eles. Dependiam das ordens do chefe
comunitário (pater), que concentrava o poder e exercia as funções religiosas,
administrativas e jurídicas. Entretanto, com o aumento da população, houve um
desequilíbrio entre a população e o consumo do que era produzido. Então, o
resultado foi a desagregação dos génos.

FIGURA 1 – SURGIMENTO DA POLIS

FONTE: <https://pt.slideshare.net/BriefCase/grcia-2011>. Acesso em: 3 out. 2018.

A desagregação dos génos desencadeou um processo. Houve o crescimento


das desigualdades sociais. Em decorrência,

A desigual divisão de terras privilegia alguns, gerando uma


aristocracia baseada na riqueza decorrente da propriedade da terra.
Em contrapartida, os que perdem seus lotes passam a trabalhar para
os ricos e, aos poucos, se desenvolve o sistema escravista (ARANHA;
MARTINS, 1993, p. 190).

Com o enfraquecimento e a desintegração do sistema gentílico ou génos, a


consequência inevitável do processo foi o aumento do poder da aristocracia “com
o conselho de nobres e a assembleia dos guerreiros” (ARANHA; MARTINS, 1993,
p. 190).

160
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

Até o momento da história grega não é possível dizer que houve ação
política propriamente dita. Ainda “resta a crença de que agentes divinos
promovem o agir humano” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 190). A ação política
propriamente dita terá início quando o homem for capaz de decidir sobre seu
próprio destino sem a interferência dos deuses.

Um fato importante a ser destacado aqui é que “a passagem do mundo rural


e aristocrático da Grécia homérica para a formação das primeiras aglomerações
urbanas no período arcaico é concomitante a mudanças na estrutura social, política
e econômica” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 190). A aglomeração contribui
para uma divisão do trabalho devido ao sistema escravagista, à ampliação e ao
desenvolvimento do comércio e do artesanato.

Na polis grega, o ponto mais alto da cidade era chamado de acrópole,


onde ficava a ágora. Na acrópole ficava o templo e era também o local onde se
refugiavam os habitantes das cidades, quando se encontravam sob ataque dos
inimigos invasores.

A ágora, por sua vez, era “a praça central, onde se estabeleciam as


trocas comerciais e os cidadãos se reúnem para debater os assuntos da cidade”
(ARANHA; MARTINS, 1993, p. 191). A ágora configurava o espaço de exposição
de opiniões.

FIGURA 2 – ÁGORA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81gora>. Acesso em: 9 ago. 2018.

A ágora é, portanto, o espaço público das cidades gregas escolhido pelos


cidadãos para debaterem os mais diversos assuntos. As assembleias aconteciam
na ágora, pois os gregos decidiam sobre os mais diversos temas: as leis, a justiça,
obras públicas, a cultura etc. Outro detalhe importante sobre as assembleias é que
os cidadãos votavam e decidiam através do voto direto.

161
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

As sementes da democracia começaram a germinar nos espaços de


discussão. De agora em diante era necessário combater o poder aristocrático e
aumentar a participação popular nas decisões políticas da polis. “A luta contra
a aristocracia exige a institucionalização da lei escrita, a fim de evitar abusos de
poder. Favorecerá a nova classe” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 191). Para que
fosse possível, eram necessárias reformas políticas profundas na sociedade grega.

O primeiro a promover as reformas foi Sólon, em 594 a. C. A democratização


em Atenas se ampliou sob o governo de Clístenes no final do século VI a.C. Houve
“a redução do poder da nobreza territorial provocada por uma nova distribuição
das famílias em diversas tribos” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 191). Contudo,
o auge da democracia ateniense aconteceu quando Péricles assumiu o governo
no século V a.C. Sua capacidade como orador, general e estadista possibilitou a
estabilização política de Atenas e sua hegemonia entre as demais cidades-estados.

FIGURA 3 – PÉRICLES

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4b/Pericles_Pio-Clementino_
Inv269_n2.jpg/1200px-Pericles_Pio-Clementino_Inv269_n2.jpg

A história política grega foi responsável por formar importantes


pensadores que discutiram a política em suas obras. Dentre os pensadores, não
podemos deixar de destacar os pensamentos de Platão e Aristóteles em relação
à política grega. Assim, vamos discorrer sucintamente sobre alguns aspectos dos
principais temas abordados pelos pensadores.

162
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

3 PLATÃO
A obra A República, escrita por Platão por volta de 380 a.C., é particularmente
rica em termos filosóficos, políticos e sociais. O ponto central da discussão entre
Sócrates e seus interlocutores está na busca de uma fórmula que garanta uma
harmoniosa administração para a cidade. Tal harmonia deve ser buscada com
a finalidade de manter a cidade livre da anarquia, dos interesses e disputas
particulares e da desordem completa.

“Sócrates discute a natureza da justiça com um número grande de


pessoas” (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 31). Além de a justiça estar em debate,
Platão discorre sobre a cidade ideal e as formas de governo. Na ocasião, vamos
discorrer brevemente sobre a justiça e a democracia, que são dois aspectos centrais
na política.

Na obra A República, o ponto central gira em torno da seguinte questão:


O que é necessário para termos uma sociedade bem ordenada? A cidade bem
ordenada é a cidade ideal, mas que não passa de uma utopia, pois a sociedade
que ele deseja está muito além do alcance de um projeto político que satisfaça os
anseios de todos os cidadãos.

Em A República, a justiça é vista como a maior das virtudes por considerar


o outro. Contudo, os conceitos e conclusões ainda consideram que a justiça é a
virtude que ultrapassa a lei da polis (legislação). O cidadão deve buscar o que é
justo além do costume.

A justiça é melhor definida no Estado e não no indivíduo. A definição do


que é justiça, na obra de Platão, não é uma tarefa simples. Assim, vários pensadores
e estudiosos tentaram sintetizar o conceito. Jaeger (1996, p. 594) aponta que:

A justiça nada mais é do que a harmonia que se estabelece entre


três virtudes, a temperança (lavradores, artesãos e comerciantes), a
fortaleza ou a coragem, (guardas) e a sabedoria (governantes). Quando
cada cidadão e cada classe social desempenham as funções que lhes
são próprias da melhor forma e fazem aquilo que por natureza e por
lei são convocados a fazer, então realiza-se a justiça perfeita. Existe,
portanto, uma justiça perfeita entre as virtudes da cidade e as virtudes
do indivíduo.

A justiça, portanto, é a virtude central na esfera pública. Ela é responsável


por estabelecer uma vivência harmoniosa e pacífica entre os indivíduos.
Entretanto, o próprio conceito de justiça não é facilmente entendido e aceito
pelos cidadãos da polis. As pessoas possuem concepções de justiça que diferem
umas das outras. Assim, o espaço público é o local onde as concepções de justiça
devem ser submetidas à razoabilidade, ou seja, é necessário encontrar um ponto
em comum sobre o que é justiça e de que maneira que ela pode ser exercida e
aplicada na esfera pública.

163
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Quanto à democracia, Platão definiu como o Estado no qual reina a


liberdade. Descreve uma sociedade utópica dirigida pelos filósofos. No seu
entendimento, eram os únicos capazes de governar, pois eram os únicos
conhecedores autênticos da realidade, que ocupariam o lugar dos reis, tiranos
e oligarcas. Contudo, vale ressaltar que Platão vê com certo receio a democracia,
devido às desilusões e experiências frustrantes com a política. Voltaremos ao
assunto quando tratarmos da democracia propriamente dita.

E
IMPORTANT

A República, do filósofo grego Platão (427-347 a.C.), livro escrito há mais de 2.300
anos, continua sendo uma obra de grande atualidade. Deixando de lado as colocações que
soam como esquisitas ao homem moderno, é possível perceber a atualidade dos escritos
do filósofo.

Faz análises dos sistemas de governo e seus instrumentos e mecanismos de poder


e aborda temas antigos, mas sempre atuais, como riqueza e pobreza, justiça e injustiça,
verdade e mentira, guerras inúteis, descaso pela cultura e educação. Apresentando sob
forma de uma sucessão ininterrupta de diálogos, A República é um livro que merece ser
lido. Platão não apenas crítica os governos, mas apresenta soluções para uma estratégia
política perfeita.

4 ARISTÓTELES
A política, na Filosofia de Aristóteles, está intrínseca e essencialmente
associada à moral. Tal vínculo acontece devido ao fim último do Estado ser a
virtude. Para que o fim seja alcançado, é necessário que os cidadãos tenham uma
boa formação moral. Assim, o Estado consiste em um organismo moral, é também
a condição e o complemento da atividade moral individual. Embora a política
esteja associada à moral, é necessário considerar que ela é distinta.

A distinção se deve ao fato de que a moral tem como objetivo o indivíduo,


enquanto que a política tem como objeto a coletividade. Assim, é possível afirmar
que a ética é a doutrina moral individual, enquanto que a política é a doutrina
moral social.

No entendimento de Aristóteles, o Estado é superior ao indivíduo, pois


a coletividade é superior ao indivíduo. Aquilo que é considerado como sendo o
bem comum deverá ser colocado acima do bem particular. É apenas no Estado
que a satisfação de todas as necessidades humanas pode ser satisfeita.

O homem é por natureza um animal político que precisa viver em sociedade,


pois ele não pode chegar à perfeição sem a contribuição da sociedade e do Estado.
A polis, portanto, é um lugar adequado para o homem desenvolver suas aptidões
164
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

humanas. Na busca do bem, o homem forma a comunidade, que se organiza na


distribuição das tarefas especializadas para as necessidades do grupo.

Afastando-se um pouco de Platão, que havia centralizado no conceito de


justiça o elemento central da vida em sociedade, Aristóteles defendia que a justiça
necessitava estar associada à philia.

O termo remete à ideia de amizade entre os pais e filhos, entre irmãos.


Quando se refere à cidade, “significa a concordância entre as pessoas que têm ideias
semelhantes e interesses comuns. Resulta em camaradagem, companheirismo.
Daí a importância da educação da formação ética dos indivíduos, preparando-os
para a vida em comunidade” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 194-195).

A vida social não é possível se os indivíduos forem regidos apenas pela


letra fria da lei, que visa garantir a justiça. A vida social depende dos indivíduos.
Estes devem contribuir para o bem coletivo e tendo em vista os laços de amizade
que estão acima da própria lei. Assim, a educação tem uma importante função na
formação humana dos agentes morais, pois tal formação ética tem por finalidade
despertar nas pessoas o senso de coletividade e suas responsabilidades.

5 O ESTADO MODERNO
O surgimento do Estado acontece devido à necessidade da sobrevivência.
Diante dos desafios impostos pela natureza, os grupos humanos tiveram que se
organizar, pois somente de tal maneira seriam capazes de superar as intempéries
naturais e desenvolver formas mais sofisticadas que garantissem a superação dos
obstáculos naturais.

Por outro lado, o Estado surge para controlar a natureza humana na


relação com seus pares. O Estado Moderno, por sua vez, tem um sentido mais
amplo, pois se afasta daquela organização social mais rudimentar e de caráter
feudal. Passa a se organizar em torno de um conjunto de ideias e instituições
melhor estruturadas. Precisamos esclarecer: O que é um Estado? De acordo com
Silva e Silva (2009, p. 115):

A palavra Estado vem do latim “status”, verbo stare, manter-se em


pé, sustentar-se. Na Antiguidade Clássica, a expressão para designar
o complexo político-administrativo que organizava a sociedade era o
“status rei pubblicae”, ou seja, situação de coisa pública, em Roma,
e pólis, na Grécia. Foi na Europa Moderna que surgiu a realidade
política do Estado Nacional. Com Maquiavel, o termo Estado começou
a substituir civitas, polis e res publica, passando a designar o conjunto
de instituições políticas de uma sociedade de organização complexa.

É possível observar as mudanças ocorridas no entendimento do conceito


de Estado e a maneira como o próprio Estado se reorganiza ao longo da sua
história. É necessário atentar que, para Weil (1990, p. 198), por exemplo, “o

165
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Estado Moderno é a organização consciente de uma comunidade que trabalha


racionalmente. O governo que dirige os negócios da comunidade-sociedade deve
ser informado para poder deliberar e decidir: o aparelho destinado a preencher a
função é a administração”.

O governo deve administrar o Estado com o objetivo de executar aquilo


que é considerado necessário à vida da comunidade. Para maior eficiência,
o governo dispõe da administração pública, que cumpre o papel de auxiliar o
governo. A administração não é o governo. Ela coloca em prática as determinações
do governo, mas é uma entidade autônoma, ou pelo menos deveria ser, para o
bom andamento da máquina pública e da democracia.

6 MAQUIAVEL: O PRÍNCIPE
Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu na cidade de Florença e foi um
filósofo e político. Sua obra mais conhecida, O príncipe é um clássico para quem
deseja compreender o pensamento político moderno. No tratado, Maquiavel
propõe a unificação da Itália por meio da figura de um príncipe.

FIGURA 4 – NICOLAU MAQUIAVEL

FONTE: <https://pt.wikiquote.org/wiki/Nicolau_Maquiavel>. Acesso em: 11 set. 2018.

Na época em que Maquiavel viveu, a Itália estava dividida, tanto é que ele
vivia na República de Florença. Tal divisão ocasionava muita instabilidade política
na Itália. Tornava um território fragilizado e facilitava a invasão de seus territórios
por parte de países vizinhos que tanto cobiçavam e reivindicavam as terras.

Durante parte da sua vida, por pelo menos dez anos, Maquiavel serviu ao
republicano Suderini. Ao ocupar a Segunda Chancelaria do governo Suderini, e
devido à função de chanceler, teve que realizar inúmeras viagens pelos demais
países europeus e cidades italianas. Com o retorno da família Medici ao poder,
Maquiavel se retirou de cena para escrever suas obras.

166
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

É importante destacar que, durante as viagens que realizou, ele teve a


“oportunidade de entrar em contato direto com reis, papas e nobres, e também
com o condottiere César Bórgia, que estava empenhado na ampliação dos Estados
Pontifícios” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 204). Foi inspirado na política de
unificação de César Bórgia que Maquiavel considerou a maneira de Bórgia agir
como “o modelo de príncipe que a Itália precisava para ser unificada” (ARANHA;
MARTINS, 1993, p. 204).

E
IMPORTANT

Condottieri: Liderando as notórias companhias mercenárias italianas desde o


século XIV, os condottieri se tornaram infames no cenário medieval italiano, principalmente
devido às frágeis alianças políticas e ao seu pérfido envolvimento. Mesclando os assuntos
militares e usando-os para seu próprio ganho pessoal ou ascensão política, os condottieri
acabaram se tornando um dos símbolos da Itália medieval.

O termo “condottiere” significa “contratante”, indicando o status desses homens


como capitães de companhias mercenárias. Os contratos eram entregues pelo condottiere
para o seu futuro contratador e, geralmente, os contratos possuíam um certo equilíbrio,
impedindo os lados de violarem seus termos, e até mesmo fazendo com que o Estado
garantisse pensões aos mutilados de guerra de uma das companhias. Os primeiros
condottieri, realmente, não eram nativos da Itália.

FONTE: <https://tormentopabulum.wordpress.com/2015/12/13/condottiere/>. Acesso em:


11 set. 2018.

Apesar das controvérsias em torno da sua principal obra, O príncipe, na


verdade, trata do desejo de Maquiavel em ver uma Itália unificada, comandada
por um legítimo rei, que fosse capaz de defender o povo e a nação de forma
incondicional. O conteúdo da obra serve como uma série de conselhos para
governantes.

Para entendermos o caráter que o livro possui, Maquiavel trata, por


exemplo, das espécies de principados e das maneiras como são conquistados.
Ele escreve aos príncipes, que chegaram ao principado pela mercê dos cidadãos,
que terão que lidar com o povo e com os poderosos. Maquiavel dá a seguinte
orientação:

O principado é instituído ou pelo povo ou pelos grandes, de acordo


com a oportunidade. Os grandes, quando descobrem que não podem
resistir ao povo, principiam a formar a reputação de um de seus
elementos e o tornam príncipe para este, sob sua sombra, satisfazer
seus apetites. Também o povo, percebendo não poder resistir aos
grandes, cria a reputação de um cidadão e o elege príncipe, para
manter-se seguro com a autoridade. Aquele que alcança o principado
com o apoio dos poderosos conserva-se mais dificilmente do que

167
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

aquele que é eleito pelo povo; o primeiro terá muita gente a cercá-lo e,
por esse motivo, não pode comandar nem manejar como bem quiser.
Aquele que se torna príncipe pelo favor popular está sozinho: ou não
há ninguém, ou há poucos, ainda não preparados para obedecê-lo.
Ademais, não se pode, com honestidade, manter satisfeitos os grandes
sem ofensa a outros; ao povo, porém, pode-se satisfazer. No povo, o
objetivo é mais honesto do que entre os grandes; estes desejam oprimir
e aquele não quer ser oprimido. O príncipe nunca estará seguro contra
a hostilidade do povo, porque ele é composto de muitos; quanto aos
grandes, isso é possível, uma vez que são poucos (MAQUIAVEL, 1999,
p. 73-74).

O que é possível perceber é que o povo possui um papel fundamental


para a manutenção do poder do príncipe. O governante precisa estar atento ao
clamor e aos anseios populares, pois sua indiferença poderá levar seu governo à
ruína. De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 204):

As ideias democráticas aparecem também no capítulo IX de O príncipe,


quando Maquiavel se refere à necessidade de o governador ter o apoio
do povo, sempre melhor do que o apoio dos grandes, que podem
ser traiçoeiros. O que está sendo timidamente esboçado é a ideia de
consenso, que terá importância fundamental nos séculos seguintes.

A concepção maquiavélica de poder é raramente discutida, pois sempre


se refere à obra de maneira negativa, pois alguns veem nela a exaltação de um
tipo de governo que está disposto a fazer de tudo para manter o poder. Contudo,
é necessário ter em mente que, o príncipe, para Maquiavel, precisa ser sagaz, sem
que ele esteja contra todos os interesses do povo.

O governo precisa entrar em consenso com seus governados, pois são


estes que darão sustentação ao seu poder, visto que “os grandes” lutam pelos seus
interesses. Segundo Maquiavel (1999, p. 73), “aquele que alcança o principado
com o apoio dos poderosos conserva-se mais dificilmente do que aquele que é
eleito pelo povo”.

7 HOBBES: O LEVIATÃ
A teoria mais conhecida e, talvez, a mais importante sobre o Estado, foi a
desenvolvida por Thomas Hobbes (1588-1679). Sua convivência com a nobreza,
da qual recebeu apoio financeiro para estudar, resultou em uma posição de
ferrenho defensor do poder absoluto do Estado.

Sua principal e mais conhecida obra, Leviatã (1651), parte da ideia de que
os homens vivem em constante conflito devido à natureza perversa. Segundo
Hobbes (1983, p. 75), há três causas para a discórdia: “primeiro, a competição;
segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória”.

Assim, o resultado do Estado Natural em que o homem se encontra é a


guerra de todos contra todos, na célebre formulação de Hobbes. Diante de tal

168
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

quadro é impossível que existam comércio, indústria ou civilização, conduzindo


a vida do homem à solidão, pobreza, sujeira e brutalidade. A discórdia ocorre
porque cada homem persegue racionalmente os seus próprios interesses, sem
que o resultado interesse a alguém. Qual seria a solução para tamanho problema?
A criação de um pacto social.

A celebração do pacto social depende de os homens abrirem mão de seu


Estado de Natureza, no qual ele tem direito a tudo. De acordo com Hobbes (1983,
p. 78):

O Direito de Natureza é a liberdade que cada homem possui de usar


seu próprio poder e, da maneira que quiser, para a preservação de sua
própria natureza, ou seja, de sua vida. Consequentemente, é poder
fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão indiquem como
meios adequados.

No Estado de Natureza, cada homem decide como viver, pois ele é a


sua própria lei. Contudo, na condição, cada homem está por sua conta e deve se
defender como pode para sobreviver e proteger aquilo que é seu, pois a qualquer
momento alguém poderá reivindicar aquilo que está em sua posse.

O homem, portanto, pode abandonar sua liberdade de duas maneiras:


renunciando ou transferindo. Entretanto, o abandono não é sem motivos.
O Estado que Hobbes propõe tem caráter absolutista. O poder do soberano é
ilimitado, pois “a transmissão do poder dos indivíduos ao soberano deve ser total.
Caso contrário, um pouco que seja conservado de liberdade natural se instaura de
novo para a guerra” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 211).

FIGURA 5 – O LEVIATÃ DE THOMAS HOBBES

FONTE: <http://www.arqnet.pt/portal/teoria/leviata.html>. Acesso em: 30 set. 2018.

169
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Ao utilizar a figura bíblica do Leviatã como um “animal monstruoso


e cruel, mas que defendia os peixes menores de serem engolidos pelos mais
fortes” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 211), Hobbes estava querendo dizer que
o Estado tinha um poder semelhante, ou seja, os pequenos (o povo, os pobres,
os fragilizados) abrem mão de sua liberdade para a proteção do Estado contra
o abuso dos maiores. O pacto celebrado entre os homens e o Estado objetiva a
garantia do bem para si mesmos.

8 MONTESQUIEU: OS TRÊS PODERES


Montesquieu (1689-1755) justifica a necessidade de o poder ser
descentralizado sem perder a harmonia, alegando que “quando os poderes
Legislativo e Executivo ficam reunidos em uma mesma pessoa ou instituição do
Estado, a liberdade desaparece. Para que não haja abuso, é preciso organizar as
coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder” (MONTESQUIEU, 1996,
p. 168).

O freio do poder é o próprio poder, desde que este não esteja centralizado
em uma única pessoa ou instituição. A conclusão de Montesquieu é resultado da
situação vivida pela França, durante a dinastia Bourbon, que era uma dinastia
absolutista que perdurou até 1789, ano da Revolução Francesa.

A separação dos poderes é a base para o exercício do poder democrático.


Cada poder tem uma função específica e limitada em relação aos demais poderes,
o que garante o equilíbrio das forças que governam um país. No Brasil, os poderes
são divididos em: Executivo, Legislativo e Judiciário.

O Executivo é composto por presidente, governadores estaduais e prefeitos


municipais. A função do Executivo consiste em administrar a coisa pública, ou
seja, cabe a este poder governar o povo e administrar os interesses públicos. Sua
administração é regida pela Constituição Federal. Em relação ao Executivo:

O presidente é o chefe do Executivo e a autoridade suprema do país.


No governo, ele é auxiliado pelo vice-presidente e pelos ministérios. É
o Executivo que coloca em prática as leis elaboradas pelo Legislativo
(Congresso Nacional formado pela Câmara dos Deputados e Senado
Federal). O presidente pode propor projetos de lei e emendas à
Constituição. Ele também pode adotar medidas provisórias em casos
de relevância ou urgência (LENZI, 2018, p. 1).

O Legislativo é constituído de senadores, deputados (federais e


estaduais) e vereadores. A principal função do Legislativo é elaborar as leis que
regulam o Estado. O Legislativo (Congresso Nacional) tem como principais
responsabilidades a elaboração das leis e a fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União e das administrações diretas
e indiretas.

170
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

O Judiciário é composto pelo Supremo Tribunal Federal, tribunais


estaduais e os juízes. Sua função consiste em garantir que os direitos individuais,
coletivos e sociais sejam atendidos e resolver conflitos entre cidadãos, entidades
e Estado.

O Judiciário tem autonomia administrativa e financeira garantidas pela


Constituição Federal. Em relação aos demais poderes, o Judiciário é o mais
importante. Não significa que possua mais poder, mas pelo fato de que é seu
dever o respeito às leis, entendidas como a base de toda sociedade civilizada,
sendo crucial sua independência em relação aos demais.

9 REGIMES POLÍTICOS
Os regimes políticos consistem na maneira como o governo se relaciona
com o povo através das suas instituições. O governo se organiza através das
instituições que compõem o Estado. A seguir, estudaremos alguns tipos de
regimes políticos, com a finalidade de compreender suas estruturas e a forma
como se sustentam.

9.1 REGIME DEMOCRÁTICO


Em um sentido geral, a democracia é compreendida como o governo
em que o povo exerce a soberania. Não iremos nos aprofundar no estudo do
conceito, mas vamos apenas apresentar uma visão geral sobre a maneira como a
democracia é entendida por alguns pensadores.

Sobre a democracia, Montesquieu (1996, p. 19) comenta que “o povo é,


sob certos aspectos, o monarca; sob outros, o súdito”. Significa dizer que em um
regime democrático o povo é o alvo das suas próprias decisões, ou seja, o povo
legisla para ele mesmo. Platão, por exemplo, faz críticas em relação à democracia
a partir de três argumentos principais:

Em primeiro lugar, argumenta que a maior parte dos indivíduos,


afirma ele, julga com base no impulso, com sentimento de pena,
com preconceito pessoal e assim por diante [...]. Em segundo lugar,
Platão argumenta que a democracia produz maus líderes. O sistema
encoraja a promoção de slogans populistas e a tomada de decisão
deficiente por parte dos líderes [...]. A democracia pode maximizar
a liberdade dos súditos, mas, ao fazer assim, na verdade fortalece a
tendência à formação de facções, sectarismo e tribalismo na política
(MACKENZIE, 2011, p. 113-114).

Apesar da visão pessimista e, de certo modo, realista da democracia, é o


regime no qual o indivíduo tem, ou pelo menos deve ter, sua liberdade garantida.
Ainda que o sistema possua suas falhas, a democracia é o regime que objetiva
garantir a participação de todos os indivíduos nos rumos da sociedade.

171
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Diante dos argumentos platônicos, tão pessimistas e desfavoráveis ao


regime democrático, nós encontramos outro pensador que, dois milênios depois,
“virou esses argumentos do avesso, por assim dizer, em famosa defesa do
governo representativo” (MACKENZIE, 2011, p. 1134). Estamos nos referindo a
John Stuart Mill.

Segundo Mackenzie (2011, p. 115), “ele defendeu a democracia com base


em que participar do governo seria maximizar as próprias capacidades morais
e intelectuais e assim alcançar um sentimento de prazer que é qualitativamente
superior aos prazeres elementares, meramente transitórios da vida”.

O ser humano é capaz de participar da vida pública e das tomadas de


decisão. A participação na vida política traz benefícios pois, segundo ele, “a forma
idealmente melhor de governo é aquela em que cada cidadão não apenas tem
voz no exercício da soberania, mas também participa de alguma função pública”
(MACKENZIE, 2011, p. 116). É a linha argumentativa de Mill que sustentará sua
ideia de democracia representativa. O exercício do poder político do povo de um
país elege os seus representantes através do voto nas eleições.

FIGURA 6 – DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

FONTE: <https://otambosi.blogspot.com/2018/05/por-uma-democracia-representativa.html>.
Acesso em: 19 set. 2018.

Se fizermos um estudo mais detido sobre as democracias representativas,


vamos nos deparar com inúmeras falhas. Ainda, deparamo-nos com outro tipo de
democracia denominada de deliberativa. “É um modelo de governo democrático
que procura superar as falhas do modelo puramente representativo, colocando
grande ênfase no valor da ‘deliberação’” (MACKENZIE, 2011, p. 124).

172
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

FIGURA 7 – DEMOCRACIA DELIBERATIVA

FONTE: <https://conexaoc.blogspot.com/2015/08/eu-posso-voce-nao-pode.html?m=0>.
Acesso em: 19 set. 2018.

De acordo com Gutmann e Thompson (2016, p. 1):

A democracia deliberativa afirma a necessidade de justificar as decisões


tomadas pelos cidadãos e pelos seus representantes. Esperamos que
ambos justifiquem as leis que querem impor uns aos outros. Em uma
democracia, os líderes devem dar razões que justifiquem as suas
decisões e responder às razões que, por sua vez, são apresentadas
pelos cidadãos. Mas a deliberação não é necessária para todos os
assuntos, nem é necessária em todas as situações. A democracia
deliberativa deixa lugar para outros processos de tomada de decisão
– incluindo negociações entre grupos e operações secretas ordenadas
pelo Executivo –, desde que tenham eles próprios usado as formas
de justificação em um momento qualquer do processo deliberativo. A
sua primeira e mais importante característica é, então, o requisito de
fornecer razões.

A necessidade de dar razões para a tomada de decisão eleva o nível do


debate e o refinamento das decisões. Ao darem justificativas para tal decisão, os
indivíduos devem apelar para uma racionalização constante das decisões políticas.
“Uma percepção que embasa a teoria deliberativa é que o debate e a discussão, se
empreendidos racionalmente, podem nos levar a transformar nossas opiniões e
preferências” (MACKENZIE, 2011, p. 124).

Na atitude da discussão, o homem interdita a velha luta, a atitude mais


primitiva que é comum ao homem e ao animal. O homem que prefere
a luta é violento. Assim, inicia-se o processo histórico de constituição
da ideia de cidadania razoável quando o homem opta por discutir.
Cidadão é o homem que, ao optar por falar, abandona a violência, ou
melhor, é o homem domesticado pela atitude da discussão. Dito de
outro modo, cada homem ao discutir está, no fundo, se constituindo
cidadão pelo uso da linguagem, em vista de resolver seus conflitos,
os problemas da comunidade e do Estado (CAMARGO, 2014, p. 64).

A discussão cumpre o propósito de buscar as melhores soluções para os


problemas comuns de uma comunidade, pois muitas soluções encontradas sem
discussão se tornam solução para uns e problemas para outros.

173
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Seu objetivo é a busca do consenso, do bem-estar coletivo, de encontrar o


lugar do indivíduo na universalidade, pois a maneira de evitar as discussões é o
isolamento. Mesmo assim, o indivíduo irá travar uma discussão consigo mesmo
sobre o que é melhor ou pior: suportar o peso da discussão coletiva ou a solidão
do isolamento.

Assim, a democracia deve garantir ao cidadão o espaço para o debate


a fim de que ele seja ouvido e atendido, quando este conseguir justificar suas
opiniões e decisões. Portanto, o espaço público é o espaço da justificação.

9.2 REGIME TOTALITÁRIO


O oposto do regime democrático seria o regime totalitário. É uma forma
de governo que marcou profundamente algumas nações durante o século XX.
No totalitarismo, todos os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) ficam
concentrados na mão de uma única pessoa.

Em um regime totalitário, o governo não reconhece qualquer lei, instituição


ou tribunal que possa limitar sua autoridade. O totalitarismo é a exclusão total de
qualquer liberdade fora do controle do governo. As características dos regimes
totalitários não podem ser comparadas a nenhum outro regime político da história
da humanidade, pois é peculiar em sua maneira de ser, se organizar e agir.

FIGURA 8 – TOTALITARISMO

FONTE: <http://systemfailureb.altervista.org/il-totalitarismo-perfetto/>. Acesso em: 17 jan. 2015.

Em um regime totalitário é negado um dos princípios fundamentais da


justiça: o direito que o indivíduo tem de se defender. As pessoas são eliminadas,
sua identidade e qualquer outra coisa que seja que possa preservar o seu nome.
“Nos países totalitários, todos os locais de detenção administrados pela polícia

174
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

constituem verdadeiros poços de esquecimento. As pessoas caem por acidente,


sem deixar atrás de si os vestígios tão naturais de uma existência anterior como
um cadáver ou uma sepultura” (ARENDT, 2012, p. 577).

Tal prática foi muito comum no campo de extermínio nazista e nos campos
de trabalho forçado na Rússia. Esses regimes negaram os direitos mínimos de um
cidadão, incluindo o direito de ser sepultado por seus familiares ou amigos. É a
negação extrema da liberdade.

Os meios de comunicação, por exemplo, são apropriados pelos regimes


totalitários. Devem ampliar seu poder através da propaganda e censurar aqueles
que são contrários à política do regime. Arendt (2012, p. 474) comenta que
“somente a ralé e a elite podem ser atraídas pelo ímpeto do totalitarismo; as
massas têm de ser conquistadas por meio da propaganda”.

A propaganda cria um mundo fictício no qual reside a esperança das


massas. Desejam fugir de um mundo de problemas, necessidades e privações,
refugiando-se na esperança de que aquilo que está sendo proposto será possível
com sua adesão ao movimento. Segundo Garcia (2015, p. 11-12):

Os noticiários de jornais, rádio e televisão e documentários


cinematográficos transmitem as informações como se fossem neutras,
mera e simples descrição dos fatos ocorridos. Contudo, em verdade,
essa neutralidade é apenas aparente, pois as notícias são previamente
selecionadas e interpretadas de molde a favorecer determinados pontos
de vista. Os filmes de ficção, romances, poesias, as letras das músicas
e expressões artísticas parecem resultar da livre imaginação dos mais
variados artistas. Todavia, a distribuição e a promoção das obras são
controladas para que o conteúdo não contrarie as ideias dominantes.

É possível observar que o governo totalitário estende seus tentáculos e define


quais conteúdos serão veiculados pelos meios de comunicação. A imprensa, o cinema,
a literatura ou a música são destituídos da neutralidade. Tudo o que é desenvolvido
nos seguimentos segue as ordens do governo e serve aos interesses do regime.

Assim, a liberdade de expressão deixa de existir, pois os conteúdos a


serem veiculados nos meios de comunicação devem ser de interesse do governo e
tudo é minuciosamente selecionado para promover a ideologia totalitária.
 
Outro aspecto fundamental a ser considerado sobre os regimes totalitários
é o controle das massas. São constituídas de pessoas que não pertencem a
nenhuma classe política e não estão alinhadas a nenhuma ideologia.

Para Souza (2009, p. 246) “o totalitarismo é um regime que só ganha


viabilidade se implantado em grande escala, inclusive em termos populacionais”.
As massas se constituem em um elemento facilmente manobrável que possibilita
a implantação dos ideais totalitários, inclusive o extermínio. O terror e o
aniquilamento, aplicados em uma parcela da população, geram o medo e facilitam
o domínio quase absoluto dos demais indivíduos.

175
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

10 FORMAS DE GOVERNO
Vimos anteriormente como alguns teóricos desenvolveram sua concepção
de Estado e da figura que governa. Assim, é necessário compreendermos as
diferentes formas de governo que são responsáveis por dirigir o Estado e trabalhar
pela manutenção do pacto social, que une os homens.

10.1 MONARQUIA
A monarquia é uma forma de governo em que o monarca, que pode ser
um rei, uma rainha, um imperador ou uma imperatriz, é o chefe permanente do
Estado ou até que a pessoa morra ou abandone a sua posição.

Uma das principais características das monarquias é que os monarcas


quase sempre têm reinado vitalício, sendo que a maior parte das monarquias é
hereditária. Significa dizer que, quando o monarca morre, um filho, uma filha
ou outro parente sucede. Vale destacar que a monarquia pode ser absolutista
e constitucional (ou parlamentarista). No caso das monarquias absolutistas, o
poder está centralizado totalmente na pessoa do rei, ou seja, é dele a palavra final.

Na monarquia constitucional ou parlamentarista, o poder do rei


é estabelecido e limitado pela Constituição. O rei precisa prestar conta ao
parlamento. A Grã-Bretanha, por exemplo, é uma monarquia parlamentarista,
visto que é o primeiro-ministro o responsável por chefiar o governo e tomar
decisões que estejam de acordo com a constituição.

10.2 REPÚBLICA
A República é uma forma de governo na qual os cidadãos, ou seja, seus
representantes, o povo, elege um chefe de Estado para representar por tempo
determinado. Uma república pode ser parlamentarista ou presidencialista.

10.2.1 Parlamentarismo
O parlamentarismo é uma forma de governo na qual o Legislativo
(parlamento) é o responsável por oferecer a sustentação política (apoio direito ou
indireto) para o Executivo. Portanto, o Executivo necessita do parlamento para
governar. O Executivo é, geralmente, exercido por um primeiro-ministro.

O parlamentarismo é um sistema que pode existir tanto em monarquias


como em repúblicas. Ele funciona de maneira a aliar um gabinete de decisão,
ou seja, o poder pode ser ocupado por um monarca ou por um presidente, que
são apenas os chefes de Estado, pois é o primeiro-ministro o chefe de governo.

176
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

A eleição do primeiro-ministro é realizada por uma democracia indireta, com


indicação do parlamento.

A Câmara dos Deputados exerce um papel diferente daquele que é comum


no sistema presidencialista, pois aprovará e chancelará o plano de governo a ser
apresentado. Sua função consistirá em investigar se o plano estipulado está sendo
seguido pelo primeiro-ministro.

10.2.2 Presidencialismo
O Executivo é exercido pelo presidente. No presidencialismo há três
poderes que devem funcionar para poderem equilibrar o poder um do outro:
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário e exercidos, respectivamente, pelo
presidente, pelo Parlamento (no caso do Brasil, o Congresso Nacional) e pelo
Supremo Tribunal Federal.

Toda a concepção do presidencialismo se baseia na harmonia desses três


poderes. Nenhum poder se sobrepõe ao outro. Se houver a tentativa, há uma crise
institucional em decorrência dos poderes extrapolarem sua esfera da competência.

Para evitar o desequilíbrio entre os três poderes, há um sistema de freios


e contrapesos. Um poder controla o outro e cada um depende dos outros dois.
Assim, é competência de o Legislativo aprovar os projetos de lei, assim como
o orçamento que fixa as despesas. A ação possibilita controlar o Executivo e o
Judiciário. Contudo, compete ao presidente o poder de vetar o que foi aprovado
pelo Congresso.

Se observarmos atentamente, vamos perceber que, na República, as duas


formas de governo têm o compromisso pela manutenção da democracia. São
criados mecanismos que dificultam decisões centralizadas pelos interesses dos
cidadãos. Mesmo que as formas de governo não sejam perfeitas, vale ressaltar
que objetivam, em última instância, garantir a liberdade e a participação, direta
ou indireta, no espaço público.

Para finalizar este tópico, gostaríamos de ressaltar a importância


da organização política de um Estado para o bom funcionamento das suas
instituições. O princípio básico da vida em sociedade é a liberdade, igualdade e
fraternidade.

Desde que os primeiros Estados começaram a se organizar, a reflexão


filosófica passou a fazer parte das discussões. É por meio de uma reflexão
aprofundada que podemos nortear as políticas públicas dos governos. Discutir
política exige mais do que boa vontade, exige que as pessoas tenham o mínimo
de conhecimento sobre o funcionamento das instituições e seus papéis na
organização da vida pública.

177
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

LEITURA COMPLEMENTAR 1

PÉRICLES: A DEMOCRACIA ATENIENSE

Péricles (495-429 a.C.) faz a oração fúnebre aos guerreiros mortos durante
o primeiro ano da Guerra do Peloponeso, e suas palavras são relatadas pelo
historiador Tucídides. Convém verificar a divergência entre o texto e o de Platão.

Péricles, filho de Xantipa, tinha sido escolhido para pronunciar o elogio


dos primeiros guerreiros mortos. Quinze vezes estratego, é o homem mais
eminente de Atenas e o primeiro em tudo, quer pela palavra quer pela ação.
Chegado o momento, aproxima-se do túmulo, colocado alto, a fim de ser ouvido
do mais longe possível pela multidão [...]. “A nossa Constituição não inveja as leis
dos nossos vizinhos”. Ela é antes o protótipo das leis de outros Estados.

“Não imitamos os outros. Pelo contrário, servimos de modelo a alguns”. O


governo, próprio de Atenas, “recebeu o nome de democracia porque a sua direção
não está na mão de um pequeno grupo, mas sim da maioria” [...]. “Um temor salutar
impede-nos de faltar ao cumprimento dos nossos deveres no que toca à pátria.
Respeitamos sempre os magistrados e as leis”. Perante elas, todos os atenienses são
iguais, iguais na vida privada, “iguais na solução dos diferidos entre particulares,
iguais na obtenção das honras as quais são devidas aos méritos e não à classe”.
“Podem-se prestar alguns serviços ao Estado? Ninguém deve ser rejeitado por ser
desconhecido ou pobre. Dedicam-se aos seus assuntos particulares” e aos do governo.

Os que têm como profissão o trabalho manual não são afastados da


política [...]. Não representa para eles somente um direito, mas um dever, visto
que todo aquele que se desinteressa do governo da cidade é malvisto. Não existe
distinção permanente entre governantes e governados. Cada um será, por seu
turno, governante e governado. Vê-se na alternância, não sem razão, um dos
traços fundamentais da democracia.

Para a igualdade de direito perante a lei (isonomia), corresponde a


igualdade do direito à palavra na assembleia (isegoria). “Todos exprimimos
livremente a nossa opinião sobre os assuntos de interesse público”. “Não
acreditamos que os discursos entravem a ação; o que parece prejudicial é não
esclarecermos primeiro, através do discurso, o que é preciso fazer”.

A afirmação é capital. O orador ateniense confessa a sua crença nas


vantagens da deliberação. Na antiguidade, esta é necessariamente oral, visto que
os meios de escrita são, tecnicamente, muito limitados.

Péricles responde à concepção antagônica dos lacedemônios, para quem


o silêncio e a brevidade das respostas, o “laconismo”, são considerados como
virtudes individuais e como méritos coletivos. Inversamente, Atenas, como diz A.
Croiset, coloca-se sob “a soberania da palavra eloquente”.

FONTE: ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo:
Moderna, 1993.
178
TÓPICO 1 | FILOSOFIA POLÍTICA

LEITURA COMPLEMENTAR 2

ORIGENS DO TOTALITARISMO

Hannah Arendt

O que prepara os homens para o domínio totalitário é o fato de que a


solidão, que já foi uma experiência fronteiriça, sofrida geralmente em certas
condições sociais marginais como a velhice, passou a ser, em nosso século, a
experiência diária de massas cada vez maiores. O impiedoso processo no qual o
totalitarismo engolfa e organiza as massas parece uma fuga suicida da realidade.
O “raciocínio frio como gelo” e o “poderoso tentáculo” da dialética parecem ser o
último apoio em um mundo onde ninguém merece confiança.

É a coerção interna, cujo conteúdo único é a rigorosa evitação


de contradições, que parece confirmar a identidade de um homem
independentemente de todo relacionamento com os outros. Prende-o no
cinturão de ferro do terror mesmo quando ele está sozinho. O domínio
totalitário procura nunca deixá-lo sozinho, a não ser na situação extrema da
prisão solitária. Destruindo todo o espaço entre os homens e pressionando-os
uns contra os outros, destrói até mesmo o potencial produtivo do isolamento,
ensinando e glorificando o raciocínio lógico da solidão.

O homem sabe que estará completamente perdido se deixar fugir a primeira


premissa que dá início ao processo. Elimina até mesmo a vaga possibilidade de
que a solidão espiritual se transforme em solidão física e a lógica se transforme
em pensamento.

As condições em que hoje vivemos na política são realmente ameaçadas


por pelas devastadoras tempestades de areia. O domínio totalitário, como a
tirania, traz em si o germe da sua própria destruição. O medo e a impotência são
princípios antipolíticos e levam os homens à situação contrária à ação política.
Também há a solidão e a dedução do pior por meio da lógica ideológica.

Representam uma situação antissocial e contêm um princípio que


pode destruir toda forma de vida humana em comum. Não obstante, a solidão
organizada é consideravelmente mais perigosa do que a impotência organizada
de todos os que são dominados pela vontade tirânica e arbitrária de um só homem.
É o seu perigo que ameaça devastar o mundo que conhecemos.

Ainda, permanece o fato de que a crise do nosso tempo e a sua principal


experiência deram origem a uma forma inteiramente nova de governo que tende
infelizmente a ficar conosco de agora em diante. Ficaram também outras formas de
governo surgidas em diferentes momentos históricos e baseadas em experiências
fundamentais, como monarquias, repúblicas, tiranias, ditaduras e despotismos.

179
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Contudo, permanece também a verdade de que todo fim na história


constitui necessariamente um novo começo. O começo é a promessa, a única
“mensagem” que o fim pode produzir.

O começo, antes de se tornar evento histórico, é a suprema capacidade


do homem. Politicamente, equivale à liberdade do homem. Initium ut esset homo
creatus est ou “o homem foi criado para que houvesse começo”, disse Agostinho.
Cada novo nascimento garante o começo. Ele é, na verdade, cada um de nós.

FONTE: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

180
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• O nascimento da polis grega marca um período de profundas transformações


na configuração política da Grécia.

• Com o enfraquecimento e desintegração do sistema gentílico ou génos, a


consequência inevitável foi o aumento do poder da aristocracia.

• A ágora é o espaço público das cidades gregas escolhido pelos cidadãos para
debaterem sobre os mais diversos assuntos.

• A obra A República, escrita por Platão por volta de 380 a.C., é particularmente
rica em termos filosóficos, políticos e sociais. O ponto central da discussão
está na busca de uma fórmula que garanta uma harmoniosa administração à
cidade.

• A política, na filosofia de Aristóteles, está intrínseca e essencialmente associada


à moral.

• O surgimento do Estado vem da necessidade que os seres humanos tiveram


em relação aos desafios da sobrevivência.

• Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu na cidade de Florença e foi um filósofo


e político. Sua obra mais conhecida, O príncipe, é um clássico para quem deseja
compreender o pensamento político moderno.

• Montesquieu justifica a necessidade de o poder ser descentralizado e sem


perder a harmonia. Alega que quando Legislativo e Executivo ficam reunidos
em uma mesma pessoa ou instituição do Estado, a liberdade desaparece.

• Em um sentido geral, a democracia é compreendida como o governo em que o


povo exerce a soberania.

• Na visão de Mill, é o próprio exercício democrático o responsável pelo


aperfeiçoamento e melhoramento da democracia.

• O oposto do regime democrático é o regime totalitário. É uma forma de


governo que marcou profundamente algumas nações durante o século XX.
No totalitarismo, todos os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) ficam
concentrados na mão de uma única pessoa.

181
AUTOATIVIDADE

1 Nos regimes totalitários, a propaganda totalitária foi um meio escolhido para


que pudessem disseminar suas ideologias e doutrinar as massas. Sobre a
propaganda totalitária, assinale V para a sentença verdadeira e F para a falsa:

( ) A liberdade de expressão é extinta em regime totalitários, pois os conteúdos


são minuciosamente selecionados de acordo com os interesses do governo.
( ) A propaganda é responsável pela criação de um mundo fictício no qual
reside a esperança das massas.
( ) A propaganda, nos regimes totalitários, está preocupada em revelar os
avanços do governo e seu comprometimento com a verdade.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F.
b) ( ) V – F – F.
c) ( ) F – V – F.

2 Nas cidades gregas, havia um espaço no ponto mais alto da cidade que
era chamado de acrópole, onde ficava a ágora. No espaço, os cidadãos se
reuniam diariamente, pois era o local onde ocorriam as trocas comerciais.
Contudo, a ágora tinha outra função, que ia além da que citamos. Sobre a
segunda função, podemos afirmar que:

a) ( ) Consistia em um espaço público de debates dos assuntos relativos à


vida social.
b) ( ) Era o espaço reservado para o desfile dos gladiadores e soldados.
c) ( ) Era um espaço reservado aos nobres, para que realizassem os jogos
olímpicos.

182
UNIDADE 3
TÓPICO 2

FILOSOFIA DA MENTE

1 INTRODUÇÃO
Qual é a importância da Filosofia da Mente? Ela se torna fundamental
para as demais áreas, tais como Ética, Estética e Filosofia da Linguagem. Tudo
começa na mente.

Pelo menos algumas questões inquietaram os filósofos e religiosos durante


séculos: O que é a mente? O que caracteriza os fenômenos mentais? Como é
possível que a mente exista e exerça influência no mundo físico? Não é possível
encontrar uma resposta fácil ou simples, pois muitos elementos estão envolvidos
na busca por uma resposta que satisfaça a inquietação humana.

A ciência tem contribuído para esclarecer alguns aspectos de tais


perguntas, contudo será necessário avançar muito ainda para se compreender a
totalidade da mente, se é que um dia será possível.

Este tópico tem a finalidade de lançar alguma luz no sentido de


compreendermos alguns aspectos envolvidos no estudo da mente. Nosso objetivo
é analisar de maneira sintetizada, dando atenção aos elementos que consideramos
fundamentais para termos uma noção básica do que vem a ser Filosofia da Mente.

DICAS

Assista ao filme “Uma mente brilhante”, que conta a história de John Nash
(Russell Crowe), um gênio da matemática que, aos 21 anos, formulou um teorema que
provou sua genialidade e o tornou aclamado. Contudo, aos poucos, o belo e arrogante
Nash se transforma em um sofrido e atormentado homem, que chega até mesmo a ser
diagnosticado como esquizofrênico pelos médicos.

Após anos de luta para se recuperar, ele consegue retornar à sociedade e acaba
sendo premiado com o Nobel.

FONTE: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-28384/>. Acesso em: 30 out. 2018.

183
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

2 O QUE É FILOSOFIA DA MENTE?


Quando pensamos na palavra “mente”, é comum que tenhamos certa
dificuldade em lidar com tudo aquilo que está associado a ela. A Filosofia da
Mente é uma das maneiras que encontramos para compreender um pouco
melhor o conceito.

FIGURA 9 – FILOSOFIA DA MENTE

FONTE: <https://www.guiadaFilosofia.com.br/Filosofia-da-mente-e-psicologia/>.
Acesso em: 1 out. 2018.

Os fenômenos mentais possuem, como característica básica, a


impossibilidade de serem visualizados ou medidos, como é comum na maior
parte dos fenômenos estudados pela ciência. A “inacessibilidade dos fenômenos
mentais torna-os essencialmente subjetivos ou privados” (TEIXEIRA, 2016, p. 17).
Significa dizer que a alegria ou tristeza de alguém não pode ser medida em uma
escala numérica como é medida, por exemplo, a febre de uma pessoa.

É comum ouvirmos alguém dizer para outra pessoa que perdeu um ente
querido: “Eu sei a tristeza que você está sentindo porque já perdi um parente
que amava”. Perder um parente não causa o mesmo grau ou sensação de tristeza
em pessoas diferentes, pois envolve vários elementos, tais como o grau de
proximidade, a convivência etc.

Assim, os fenômenos mentais são subjetivos, ou seja, são únicos para


cada pessoa. Contudo, mesmo diante das dificuldades encontradas no estudo
da mente, não somos impedidos de tentar entendê-la com aquilo que temos
disponível. De acordo com Costa (2005, p. 8):

A Filosofia da Mente consiste em reflexões conjecturais acerca de


estados (eventos, processos, disposições) mentais. Em conjunto,
constituem o que chamamos de mente. Eis uma classificação das
várias espécies de Estados mentais:

1) Sensações: dores, coceiras, cócegas, calafrios...


2) Percepções: ver, ouvir, tocar, cheirar...
3) Estados quase-perceptuais: sonhar, imaginar, alucinar...

184
TÓPICO 2 | FILOSOFIA DA MENTE

4) Emoções: amor, ódio, medo, alegria, tristeza, inveja, pesar...


5) Cognições: crer, saber, entender, pensar, raciocinar, conceber...
6) Estados conativos: desejar, querer, intencionar...

Surgem as muitas questões que são discutidas pelos filósofos da mente.


De acordo com Teixeira (2016, p. 18):

Sempre tiveram por objetivo esclarecer questões fundamentais,


tais como: O que distingue a mente de outros objetos que estão no
universo? Qual a natureza do pensamento? Será o pensamento algo
imortal e eterno? Serão mente e cérebro uma só e mesma coisa? Será
a distinção entre espírito e matéria apenas uma ilusão produzida pela
nossa linguagem ou pela nossa cultura?

Tais questões orientam as reflexões para compreendermos a maneira


como funciona a mente humana. Não há, portanto, respostas definitivas e
dogmáticas que deem conta de responder integralmente aos questionamentos
humanos. A Filosofia da Mente tem a finalidade de refletir sobre tudo aquilo que
consideramos fazer parte da mente.

Um dos problemas centrais da reflexão diz respeito ao problema mente e


corpo. É um dos problemas que mais motivou os debates em torno do assunto.
De um lado temos os filósofos monistas e, do outro, os dualistas.

3 O PROBLEMA MENTE-CORPO
Como falamos anteriormente, um dos problemas filosóficos é a questão
da mente-corpo. Assim, como é possível que a mente exista e exerça influência
no mundo físico? Se a mente e o cérebro são coisas distintas, de que maneira
a relação entre ambos é estabelecida? É um problema que cabe ao filósofo da
mente solucionar.

FIGURA 10 – MENTE-CORPO

FONTE: <http://www.martacogo.it/il-problema-mentecorpo-e-nato-prima-luovo-o-la-gallina/>.
Acesso em: 28 ago. 2018.

185
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Cabe ressaltar que a mente, embora seja algo um tanto abstrato, não é uma
preocupação apenas da Filosofia, mas é objeto de estudo de outras ciências que
utilizam métodos diferentes. A ciência que se dedica a estudar o cérebro se chama
Neurofisiologia, que faz parte do campo da Neurociência e tem como objeto de
estudo o sistema nervoso.

Contudo, é importante lembrar que determinada ciência lida com as


células nervosas e não com as ideias, pois as ideias não podem ser medidas ou
observadas. A questão que se levanta aqui é a seguinte: Tais ciências poderão
contribuir para resolver as questões relativas à mente? Leia o fragmento a seguir:

E
IMPORTANT

Podemos até imaginar um neurocirurgião abrindo a cabeça de alguém e


examinando seu cérebro. Certamente, ele verá muitas células nervosas, mas nunca verá uma
ideia, um sentimento ou uma emoção. Talvez seja uma maneira de caracterizar a natureza
dos fenômenos mentais. Eles são invisíveis. Contudo, será uma boa caracterização?

Os átomos também são invisíveis. Entretanto seria difícil dizer que átomos são
fenômenos mentais apenas porque não podemos observá-los. A diferença estaria no fato de que
os átomos são invisíveis, mas não significa que um dia eles não possam ser observados. Através
de um microscópio eletrônico, que poderia ser construído no futuro, quem sabe? O mesmo não
ocorreria com os fenômenos mentais. Assim, parece absurdo supor que, um dia, mesmo com
um microscópio eletrônico, poderemos observar uma ideia, um sentimento ou uma emoção.

O neurofisiólogo poderia objetar: “É claro que eu só observo células nervosas


quando abro a cabeça de alguém. Não posso observar ideias, sentimentos ou emoções da
mesma maneira que o físico não pode observar a "massa", "aceleração" ou "gravidade".

Não quer dizer que o estudo da mente não possa ser feito a partir do estudo do
cérebro. Contudo, ao fazer determinada afirmação, o neurofisiólogo estaria se esquecendo
de uma diferença fundamental: "massa", "aceleração", "gravidade" podem ser medidas. Não
teria sentido dizer que um dia poderemos "medir uma ideia" ou estabelecer a "quantidade de
alegria" que sentimos ao descobrir que nosso bilhete de loteria foi premiado.

Falamos de coisas que dão mais alegria ou menos alegria. Seria estranho pensar
em ter uma escala para medirmos alegrias: hoje minha alegria está no nível 1,8. Depois de
alguns copos de vinho, ela poderá chegar ao nível 3,6. A alegria que sinto quando encontro
o bilhete de loteria premiado não é maior nem menor do que aquela que sinto quando a
menina que eu paquerava há meses me dá um beijo: elas são alegrias diferentes.

Fenômenos mentais não são apenas invisíveis e impossíveis de serem medidos.


A grande diferença estaria no fato de eles serem inacessíveis à observação. Se disser que
tenho febre, alguém pode colocar um termômetro em meu braço e, após alguns minutos,
afirmar: "Não, você não tem febre, o termômetro marca apenas 36,5 graus". Contudo, se
digo “Estou com dor de cabeça", ninguém, exceto eu, pode saber se estou mentindo ou
dizendo a verdade. Alguém pode dizer e fingir que está com dor de cabeça. Somente a
pessoa saberá se o que diz é verdade ou não. A inacessibilidade dos fenômenos mentais
torna-os essencialmente subjetivos ou privados.

FONTE: TEIXEIRA, João F. O que é filosofia da mente. 2. ed. Porto Alegre, 2016.

186
TÓPICO 2 | FILOSOFIA DA MENTE

Podemos compreender que é impossível observarmos uma ideia ou


emoção, pois são fenômenos imateriais. “Pensamentos não podem ser destruídos:
só podemos destruir coisas que estão no mundo” (TEIXEIRA, 2016, p. 17).

Diante da indestrutibilidade das ideias ou da mente, filósofos, místicos e


religiosos passaram a considerar a ideia da imortalidade da mente ou da alma,
como é mais comum entre aqueles que associam a mente ao mundo espiritual,
no entanto, muitos podem argumentar que nem a matéria é destrutível, pois
tudo se transforma, mas é outra questão que não cabe discutirmos aqui. Antes de
avançarmos em nossos estudos, leia atentamente mais um texto que vem a seguir:

E
IMPORTANT

AS MENTES E OS ESTADOS MENTAIS SÃO DISTINTOS DOS CORPOS OU


ESTADOS MATERIAIS?

É bastante óbvio que as pessoas têm estados mentais conscientes, incluindo não
apenas sensações e sentimentos de vários tipos, como também crenças, desejos e emoções
conscientes. As pessoas têm mentes e, ao mesmo tempo, é óbvio que as pessoas têm
corpos físicos, incluindo, em especial, seus cérebros, que envolvem vários tipos de estados
e processos físicos.

Será que as mentes e estados mentais são distintos dos corpos ou dos estados
materiais ou corporais (como o dualismo afirma), sendo que as pessoas seriam constituídas
de dois tipos fundamentalmente diferentes de ingredientes? Será que, de algum modo,
as mentes e os estados mentais são redutíveis a corpos e a estados materiais (como o
materialismo afirma)? A conexão entre os dois aspectos básicos está longe de ser óbvia.

Ao pensar as visões, será útil ter disponível um exemplo simples que envolva estados
mentais e materiais. Suponha que eu saia pela porta da frente e pare na metade do caminho
em direção ao meu carro, pois percebo que está frio e úmido, que há nuvens escuras e
que o vento parece estar aumentando. Eu decido que, provavelmente, irá chover e esfriar.
Eu volto para casa para buscar um casaco e um guarda-chuvas e, tendo feito, vou ao carro
novamente.

Aqui temos vários estados mentais: sensações de frio, umidade, escuridão e tempo
ventoso; crenças perceptivas sobre tudo e ainda a crença de que vai chover e esfriar.
Supostamente, um desejo de não me molhar ou sentir frio. Há também vários estados físicos
ou materiais.

Além da condição física do meu ambiente, há o comportamento físico do meu


corpo. Andando, parando, virando a cabeça e andando outra vez. Ainda, juntamente com a
condição física do meu corpo, vários órgãos sensoriais: o frio e a umidade da minha pele, as
ondas de luz atingindo meus olhos, e assim por diante.

FONTE: BONJOUR, L.; BAKER, A. Filosofia: textos fundamentais comentados. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2010.

187
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

4 DUALISMO
O dualismo é a teoria que parte do princípio de que mente e corpo são
duas substâncias diferentes. Substância não no sentido químico, mas no sentido
filosófico. Assim, estados mentais, na concepção dualista, “são bem distintos dos
estados físicos e materiais” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 199).

“A motivação inicial do dualismo é a constatação de que apenas um grupo


de filósofos (os behavioristas lógicos) chegou a negar que os estados mentais
conscientes não parecem, na medida em que somos conscientes deles, ser estados
do cérebro ou de nenhum tipo de estado físico” (BONJOUR; BAKER, 2010, p.
199). Significa dizer que os estados mentais não se resumem a estados cerebrais,
pois então seria necessário abandonar completamente a ideia dualista, pois as
atividades cerebrais são físicas, portanto, materiais.

“Os filósofos, muitas vezes, afirmaram que há mais argumentos específicos que
mostram, aparentemente, que os estados mentais não podem ser idênticos aos estados
físicos de nenhum tipo e, assim, dão mais suporte à abordagem dualista das mentes e
dos estados mentais” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 200). Há pelo menos duas versões
do dualismo que merecem atenção: dualismo de substância e dualismo de atributo.

4.1 DUALISMO DA SUBSTÂNCIA


O dualismo de substância ou cartesiano é um conceito fundamental na
filosofia de René Descartes (1596-1650). Tal conceito consiste em uma dicotomia
entre corpo e consciência. Significa dizer que o corpo (o elemento material) está
submetido a diversos fatores. Dentre eles, podemos destacar o mundo externo, as
condições fisiológicas e as leis físicas.

A mente (o elemento imaterial), por outro lado, não possui medida, forma,
extensão, peso ou qualquer outro traço que seja característico do corpo. Portanto, a
mente está livre dos fatores que condicionam o corpo. Assim, podemos compreender
mente e corpo como substâncias de natureza, realidade e funcionalidade diferentes
e que se encontram separadas, mas que interagem entre si.

FIGURA 11 – MENTE E CORPO

RES COGITANS RES EXTENSA

Pensamiento Materia
Activa Pasiva
Es pensada, ordenada y dotada de sentido por
Peinsa, ordena y da sentido
el pensamient
Se trata, en consecuencia, de la realidad más Se trata, en consecuencia, de una realidad
importante y primera secundaria

FONTE: <http://rojas.magnaplus.org/articulo/-/articulo/RT092/el-hombre-ser-espiritual>. Acesso


em: 24 set. 2018.

188
TÓPICO 2 | FILOSOFIA DA MENTE

De acordo com Jolivet (1963, p. 639), “substância designa, com efeito,


uma realidade não sensível, imanente a todos os fenômenos. A unidade sintética
é realizada pela forma substancial, que é o primeiro princípio da existência
substancial”.

É imprescindível que se faça a distinção entre objetos e estados mentais


e materiais. Segundo Heil (1998, p. 31), “os objectos (sic) materiais são espaciais.
Ocupam um lugar no espaço e apresentam dimensões espaciais. Os objectos
mentais, pensamentos e sensações, por exemplo, aparentemente não são
espaciais”.

Não há como medir o tamanho ou peso de uma ideia em termos físicos.


Diante de uma boa ideia, costumamos dizer: “Que ideia genial!”. A genialidade
da ideia é um atributo que possui um critério subjetivo de quem avalia, pois a
mesma ideia pode ser considerada, por outra pessoa, como simplória ou sem
sentido.

Outro exemplo que podemos citar é a sensação de “dor de cabeça”. O que


é uma forte dor de cabeça? Depende de cada indivíduo em suportar a dor. Do
mesmo modo a sensação de frio. O termômetro pode estar marcando 5° e algumas
pessoas estarem sentindo menos frio. Existe o componente físico na relação, mas
também existe o componente mental, que é a capacidade de suportar o frio. Ainda
que haja um instrumento que possa medir a temperatura de um ambiente, não há
como medir a sensação de frio experimentada por cada indivíduo.

4.2 DUALISMO DE ATRIBUTO OU PROPRIEDADE


O dualismo de atributo, que também é denominado de propriedade,
consiste na defesa de “uma visão segundo a qual há dois tipos fundamentalmente
diferentes de atributos, propriedades ou características: os atributos mentais ou
espirituais e os materiais ou físicos, mas todos eles são atributos da mesma coisa
ou substância subjacente” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 200).

Que substância subjacente seria? “A substância é o corpo (ou mais


provavelmente uma parte do corpo, a saber, o cérebro” (BONJOUR; BAKER, 2010,
p. 200). Entretanto, devemos atentar para o fato de que “nessa visão, a substância
em questão não é nem puramente material nem puramente mental, uma vez que
possui ambas as propriedades” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 200).

De acordo com a versão, os filósofos, juntamente com os cientistas


cognitivos, irão defender que, embora a mente não seja constituída como uma
entidade substancial distinta, ela possui um conjunto de propriedades que são
peculiares. Tais atributos são distintos daquelas propriedades que podem ser
atribuídas ao corpo. São propriedades completamente independentes.

189
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

5 MATERIALISMO OU FISICALISMO
O fisicalismo é uma tese metafísica que defende que tudo é físico. O nome
foi proposto por Otto Neurath “como denominação do Círculo de Viena, que via,
na linguagem, o campo de indagação da filosofia” (ABBAGNANO, 2012, p. 539).
Para os fisicalistas, o único mundo que existe é o mundo físico. Significa dizer que
os estados mentais são, de alguma maneira, estados físicos.

Em relação à mente, a posição filosófica assume que “não há uma mente


em um sentido dualista, ou seja, independente do corpo. Ainda, não há atributos,
exceto os materiais. A mente e seus estados mentais são, em certo sentido,
inteiramente redutíveis aos corpos e aos estados materiais” (BONJOUR; BAKER,
2010, p. 201). Mente e corpo não podem ser dissociados, pois não há uma mente
independente do corpo.

O fisicalismo é a teoria que acredita que tudo o que existe ou tudo o que
é real, no mundo espaço-temporal, é um fato físico ou uma entidade física. É
preciso considerar que as propriedades dos fatos físicos são propriedades físicas
em si ou são propriedades constituídas/realizadas/compostas por propriedades
físicas. Assim, a matéria é a única substância da realidade, ou seja, cada objeto
material está condicionado/determinado por suas características físicas próprias
da matéria.

6 A CONSCIÊNCIA
A consciência é considerada uma das áreas mais desafiadoras. Várias
perguntas foram e são feitas quanto à consciência: Pode uma máquina ter
consciência? A consciência é um atributo exclusivo dos seres humanos? A
consciência pode ser definida como o conhecimento que o homem possui dos
seus próprios pensamentos, sentimentos e atos. Assim, tanto um robô quanto
um animal possuem “conhecimento” de seus próprios pensamentos? Sobre o
conceito de consciência, Abbagnano (2012, p. 217) esclarece que:

O significado que o termo tem, na filosofia moderna e contemporânea


[...], é o de uma relação da alma consigo mesma, de uma relação
intrínseca ao homem, “interior” ou “espiritual”, pela qual ele pode
conhecer-se de modo imediato e privilegiado e, por isso, julgar-se de
forma segura e infalível. Trata-se, portanto, de uma noção em que o
aspecto moral – a possibilidade de julgar-se – tem conexões estreitas
com o aspecto teórico.

Em um sentido mais simples, “a consciência é a experiência integrada


que a mente tem da realidade externa e interna” (COSTA, 2005, p. 10). Sem a
integração com a experiência não há consciência, pois a consciência é consciência
de algo.

190
TÓPICO 2 | FILOSOFIA DA MENTE

O algo é a experiência que o ser humano vivencia em sua vida. Entretanto,


vale ressaltar que não é qualquer tipo de experiência, mas a “realidade da
experiência externa e/ou interna [...] entre duas modalidades (sentidos) principais
da consciência: a perceptual e a introspectiva” (COSTA, 2005, p. 10).

A consciência perceptual se desenvolve a partir daquilo que vemos,


ouvimos e experimentamos pelos nossos sentidos, pela sensibilidade. É a
realidade externa, que possibilita termos experiências com o meio. A consciência
introspectiva é o que experimentamos como realidade interna por meio da
reflexão. É constituída pelo pensamento e pela cognição. De acordo com Costa
(2005, p. 14):

Para filósofos como Thomas Nagel, D.J. Chalmers s Colin McGinn, o


problema mais importante não é o de classificar formas de consciência
ou de investigar os seus traços mais característicos. O grande problema
metafísico é o de tornar compreensível como, em um mundo totalmente
físico, se faz possível a existência de algo irredutivelmente subjetivo
e fenomenal como a consciência. É, para muitos, um inescrutável
mistério.

A dificuldade se deve ao fato de que a neurociência está em desenvolvimento.


Não significa que o problema metafísico em relação à consciência seja insolúvel
pois, para filósofos como John Searle e Daniel Dennett, “a razão pela qual parece
impossível conciliar o fenômeno da consciência com o mundo físico estaria
apenas no fato de não possuirmos ainda ciência capaz de explicar em detalhes
como o cérebro funciona” (COSTA, 2005, p. 14).

A consciência é, portanto, a capacidade que o ser humano possui de se


voltar para sua interioridade. É preciso buscar nele mesmo as respostas para as
diversas situações da vida, julgar seus atos e avaliar suas ações.

FIGURA 12 – A CONSCIÊNCIA

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/consciencia-moral-liberdade-humana.htm>.
Acesso em: 2 out. 2018.

191
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Ao tratarmos da consciência, não podemos esquecer seu sentido moral.


Determinado tipo de consciência se caracteriza pela capacidade humana de
avaliar e distinguir o certo do errado. A formação da consciência moral possui
um amplo campo de debate, pois é difícil responder se o ser humano possui uma
intuição moral para agir certo ou errado, pois até os próprios conceitos de certo e
errado são debatidos pela ética.

O que podemos afirmar é que a formação da consciência moral também


sofre influência do meio. A educação que uma pessoa recebe influenciará
diretamente nas suas concepções éticas. Assim, a educação tem um papel
fundamental na formação da consciência moral e crítica de cada ser humano.

Neste tópico, buscamos, de maneira sintetizada, lançar algum


esclarecimento sobre as questões de Filosofia da Mente. Devido à amplitude
do assunto, sugerimos uma leitura complementar a seguir, bem como uma
bibliografia que você poderá estar lendo e se aprofundando.

DICAS

Leia a obra Filosofia da mente, escrita por Cláudio Costa, que traz um debate
sobre a Filosofia da Mente de maneira acessível. A obra é uma clara, concisa e atualizada
exposição crítica dos problemas mais discutidos pela Filosofia da Mente contemporânea: a
natureza da consciência, a relação mente-corpo, a identidade pessoal e a estrutura da ação
humana. Vale muito a pena ler!

192
TÓPICO 2 | FILOSOFIA DA MENTE

LEITURA COMPLEMENTAR

O MISTÉRIO DA MENTE

Desidério Murcho

Os problemas da Filosofia da Mente e das ciências da cognição são


extremamente estimulantes. Estudam fenômenos que, até pouco tempo, muitas
pessoas consideravam fora do alcance da ciência.

Muitos dos temas foram estudados por filósofos como Platão e Aristóteles,
assim como por Tomás de Aquino, Descartes e Locke. Todavia, só com os estudos
de John Dewey (1859-1952) e Rudolf Carnap (1891-1970), a moderna filosofia
adquire o perfil que hoje conhecemos.

A obra The Concept of mind, de Gilbert Ryle (1900-76), é considerada por


muitas pessoas a obra fundadora da filosofia contemporânea. Todavia, a obra A
psicologia de um ponto de vista empírico, de Franz Brentano (1838-1917), publicada
em 1874, anunciava já um dos temas fundamentais que iria fazer parte da Filosofia
da Mente: o problema da intencionalidade.

Tanto Dewey como Carnap procuraram compreender o fenômeno da


consciência de um ponto de vista naturalista. Contudo, a abordagem naturalista
dos fenômenos mentais e da consciência tem enfrentado grandes dificuldades e
conduzindo, por vezes, alguns filósofos à ideia de que tal coisa será impossível.

O problema da abordagem naturalista da mente é que parece implausível,


além de minar a convicção religiosa de que os seres humanos possuem uma
alma imortal, criada à imagem de Deus. Contudo, se fosse impossível explicar
cientificamente os fenômenos mentais, significaria que o universo não seria
susceptível de ser inteiramente explicado de um ponto de vista naturalista, o que
violaria a ideia basilar da ciência: a ideia da completude essencial das explicações
naturalistas do universo. O desafio da Filosofia da Mente é, pois, imenso e todas
as dificuldades parecem pequenas se pensarmos no que está em jogo.

Os fenômenos mentais são aparentemente muito diferentes dos fenômenos


físicos, químicos, biológicos etc. Assim, qualquer tentativa de reduzirmos os
fenômenos mentais para fenômenos biológicos, químicos etc., é extremamente
difícil. O chamado “problema da mente-corpo” procura precisamente resolver a
questão de saber qual é exatamente a relação entre os dois tipos de fenômenos.

Pense, por exemplo, em uma dor de dentes. O aspecto mental da sua dor é
o facto de ser algo que o leitor sente. Por mais que eu diga que a sua dor é um certo
fenômeno químico ou neurológico no seu cérebro, parece simplesmente falso. Os
fenômenos físicos que ocorrem no seu cérebro são susceptíveis à observação por
qualquer pessoa que tenha os instrumentos relevantes à disposição. Contudo, a

193
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

sua dor de dentes é algo que só o leitor pode realmente sentir. Observar redes
neuronais e fenômenos físicos no cérebro de alguém é algo muito diferente de
sentir uma dor de dentes.

Assim, é uma das dificuldades que enfrentamos na Filosofia da Mente: a


perspectiva típica da ciência, a perspectiva da terceira pessoa, parece insuficiente
no caso dos fenômenos mentais. A perspectiva da primeira pessoa parece, no
caso, ser algo intrínseco aos fenômenos mentais. “What is it like to be a bat?”, de
Thomas Nagel, e “What Mary didn't know”, de Frank Jackson, são dois artigos
muito discutidos hoje em dia e que colocam dificuldades, ou limites, às explicações
científicas dos fenômenos mentais.

Contudo, há outros problemas. O problema da identidade pessoal é um


dos mais agudos. Locke e Hume o tinham enfrentado. O problema decorre,
uma vez mais, do carácter “diáfano” da mente. Não é muito difícil ter uma ideia
intuitiva da identidade de objetos materiais, como o nosso corpo, por exemplo.
Contudo, como explicar a identidade da nossa mente? Quem está a escrever
este artigo é alguém que tem uma história pessoal, uma biografia determinada.
Contudo, como poderemos compreender uma biografia e uma identidade de
algo imaterial, como a mente?

No Sentimento de Si, António Damásio apresenta várias teorias científicas


que procuram resolver alguns dos problemas clássicos da Filosofia da Mente:
O que é um fenômeno mental? O que é a intencionalidade? Como se explica a
identidade pessoal? O que é a consciência?

Muitos filósofos naturalistas podem agora respirar: algumas das suas ideias
parecem confirmadas pela ciência. São os teólogos que têm agora de repensar a
sua concepção de alma, pois a concepção tradicional tem, definitivamente, os dias
contados.

FONTE: MURCHO, Desidério. O mistério da mente. 1998. Disponível em: <https://criticanarede.


com/filos_damasio.html>. Acesso em: 28 ago. 2018.

194
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A Filosofia da Mente consiste em reflexões conjecturais acerca de estados


(eventos, processos, disposições) mentais. Em conjunto, constituem o que
chamamos de mente.

• Um dos problemas centrais da reflexão diz respeito ao problema mente e


corpo.

• O dualismo de substância ou cartesiano é um conceito fundamental na filosofia


de René Descartes (1596-1650).

• O dualismo de atributo, que também é denominado de propriedade, consiste


na defesa de uma visão segundo a qual há dois tipos fundamentalmente
diferentes de atributos, propriedades ou características: os atributos mentais
ou espirituais e os materiais ou físicos. Contudo, todos eles são atributos da
mesma coisa ou substância subjacente.

• O fisicalismo é uma tese metafísica que defende que tudo é físico.

• Em um sentido simples, a consciência é a experiência integrada que a mente


tem da realidade externa e interna.

195
AUTOATIVIDADE

1 Os fenômenos mentais consistem em um grande desafio para a ciência, pois


são essencialmente subjetivos ou privados. Significa dizer que eles ocorrem
para nós, para cada indivíduo diferentemente. Sobre os fenômenos mentais,
é possível dizer que:

a) ( ) Podem ser facilmente estudados pela neurociência, pois os avanços


tecnológicos possibilitaram aos estudiosos acessarem a consciência
humana.
b) ( ) Apenas a religião pode explicar os fenômenos mentais devido ao seu
caráter espiritual.
c) ( ) Diferentemente dos outros fenômenos, possui como característica básica
a impossibilidade de serem visualizados ou medidos.

2 O dualismo é a teoria sobre mente-corpo. Parte do princípio de que mente


e corpo são duas substâncias diferentes. Entretanto, os defensores da
teoria não são unânimes sobre a relação, pois existem diferentes formas de
dualismo. Sobre as formas de dualismo, analise as sentenças a seguir:

I- O dualismo de atributo consiste na defesa de um ponto de vista segundo o


qual há dois tipos fundamentalmente diferentes de atributos: os mentais e
os materiais.
II- O dualismo cartesiano consiste na defesa de um ponto de vista segundo o
qual há dois tipos fundamentalmente diferentes de atributos: os mentais e
os materiais.
III- O dualismo de substância é um conceito fundamental na filosofia de René
Descartes e consiste em uma dicotomia entre corpo e consciência.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
c) ( ) Apenas a sentença III está correta.

196
UNIDADE 3
TÓPICO 3

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Quando tratamos de educação, encontramos um debate muito amplo
sobre as mais diversas questões e concepções relacionadas a ela. Assim, é possível
falar de educação de um ponto de vista pedagógico, psicológico, sociológico etc.,
e também de um ponto de vista filosófico.

Refletir sobre a educação a partir da filosofia é a oportunidade que temos


de desenvolver um senso crítico e analítico sobre tudo o que envolve a educação,
desde o currículo, os conteúdos, as práticas de ensino e os métodos avaliativos.
Evidentemente que não será possível fazer tudo aqui, pois nossa proposta é
apenas apontar alguns temas que são de interesse da Filosofia da Educação.

A questão fundamental que deverá guiar nossa discussão neste capítulo


é a seguinte: qual é a relação da filosofia com a educação? A resposta da questão
depende da maneira como concebemos a educação. Se pensarmos em educação
como apenas a transmissão do conhecimento, a filosofia não fará quase nenhum
sentido, diferentemente se pensarmos a educação como uma maneira de
contribuir para a emancipação humana e o desenvolvimento de um olhar crítico.

Vamos compreender a área da filosofia que se dedica a refletir sobre os


processos e os sistemas educativos, bem como a sistematização dos métodos
didáticos, dentre outros temas que estão relacionados com a pedagogia. Seu
alvo principal é tentar compreender as relações entre o fenômeno educativo e o
funcionamento da sociedade. Partindo de tais pressupostos, vamos discorrer um
pouco mais sobre o assunto.

2 TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO OU EDUCAÇÃO


CRÍTICA?
Se pensarmos a filosofia como “um corpo de conhecimento, constituído
a partir de um esforço que o ser humano vem fazendo de compreender o seu
mundo e dar a ele um sentido, um significado compreensivo” (LUCKESI, 1994, p.
22), vamos perceber que o papel é conduzir o sujeito a pensar por ele mesmo. Tal
afirmação já demonstra o teor antidogmático da filosofia e seu caráter dinâmico,
pois ela não é um conhecimento estático que fica preso a um período histórico.
Sua principal característica é que constitui um tipo de conhecimento que vem se

197
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

desenvolvendo a partir dos esforços humanos. Tem por finalidade compreender


o humano e, a partir da compreensão, dar um sentido para tudo aquilo que é
possível conhecer e compreender.

A filosofia possui métodos que fazem o ser humano pensar bem e


criticamente. Atualmente, as pessoas são bombardeadas constantemente por
ideias prontas e acabadas através das mídias. Há uma visão distorcida da
realidade e a disseminação de ideologias que tentam obstruir a capacidade de
reflexão do ser humano.

A filosofia, no contexto da educação, objetiva romper com a dominação


e provocar as pessoas para que saiam de suas cavernas dogmáticas, superficiais,
distorcidas, cheias de ideias, pensadas por outras pessoas.

FIGURA 13 – A FALTA DE FILOSOFIA DA SOCIEDADE ATUAL

OH! MAIOR DAS MÍDIAS DE OBRIGADO PELO ARTIFICIALIS- ESTA TIGELA DE MINGAU
MASSA, OBRIGADO POR MODAS SOLUÇÕES RÁPIDAS E MORNO REPRESENTA O MEU
ELEVAR A EMOÇÃO, REDUZIR O PELA INSIDIOSA MANIPULAÇÃO CÉREBRO. EU O OFEREÇO, EM
PENSAMENTO E SUFOCAR A HUMILDE SACRIFÍCIO. CONCE-
DOS DESEJOS HUMANOS PARA
DA TUA LUZ CINTILANTE,
IMAGINAÇÃO. FINS COMERCIAIS.
ETERNAMENTE!

FONTE: <http://joralimatexto.blogspot.com/2018/05/univesp-curso-de-pedagogia-disciplina_17.
html>. Acesso em: 22 ago. 2018.

Se você observar o primeiro quadrinho da figura, será possível perceber


que a filosofia objetiva justamente o contrário, pois sua finalidade é ampliar o
pensamento, os horizontes do conhecimento e liberar a imaginação. “A filosofia
não é, de modo algum, uma simples abstração independente da vida. Ela é, ao
contrário, a própria manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão”
(LUCKESI, 1994, p. 23).

Possibilita romper com a superficialidade, com as respostas prontas. É


preciso compreender o universo plural e dinâmico, mas que frequentemente
empurra o indivíduo para um comportamento padronizado pela cultura de
massa e do consumo.

Ainda, busca romper com a ideia de que educar é transmitir conhecimento.


Embora o educador seja um sujeito que possui saberes, a finalidade da educação
não é uma transmissão de conhecimento, como se o aluno fosse um recipiente

198
TÓPICO 3 | FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

que recebesse as informações depositadas pelo professor. Luckesi (1994, p. 32)


ressalta um ponto importante na relação educação e filosofia:

Nas relações entre filosofia e educação só existem realmente duas


opções: ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e assim se realiza
uma ação educativa consciente ou não se reflete criticamente e se
executa uma ação pedagógica a partir de uma concepção mais ou
menos obscura e opaca existente na cultura vivida do cotidiano. Assim
se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência.

A educação, em uma perspectiva crítica, provoca o aluno no sentido de


levá-lo ao desenvolvimento de um senso crítico. Não significa que a educação
deve ter um caráter apelativo para a rebeldia, sem uma racionalidade, contra as
instituições estabelecidas.

A educação crítica possibilita que o aluno pense por ele mesmo, seja capaz
de se posicionar e, a partir de uma reflexão crítica e fundamentada na razão,
tomar uma posição que garanta seus direitos e sua liberdade de agir.

DICAS

Assista ao filme “O substituto”, que conta a história de Henry Barthes (Adrien


Brody), um professor de ensino médio. Apesar de ter o dom nato para se comunicar com
os jovens, só dá aulas como substituto, para não criar vínculos com ninguém. Contudo,
quando ele é chamado para lecionar em uma escola pública, encontra-se em meio a
professores desmotivados e adolescentes violentos e desencantados com a vida, que só
querem encontrar um apoio.

Sofrendo uma crise familiar, Henry verá três mulheres entrando em sua vida e vai começar
a perceber como ele pode fazer a diferença, mesmo que isso venha com um alto custo.

FONTE: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-193427/>. Acesso em: 30 out. 2018.

3 PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO


De acordo com Luckesi (1994, p. 31), “a educação, dentro de uma sociedade,
não se manifesta como um fim em si mesma, mas sim como um instrumento de
manutenção ou transformação social. Ela necessita de pressupostos, de conceitos
que fundamentem e orientem os seus caminhos”.

A educação serve para um propósito maior do que ela mesma. Parte


do pressuposto de que educar é possibilitar que o indivíduo desenvolva
determinadas habilidades e capacidades necessárias ao processo de socialização.
Assim, acreditamos ser necessário discorrer brevemente sobre os pressupostos
filosóficos da educação.

199
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

3.1 EPISTEMOLOGIA
Consiste em estudar a origem, a estrutura, os métodos e a validade
do conhecimento. Ela também é conhecida como a teoria do conhecimento. É
possível afirmar ter sua origem em Platão, que opõe a crença ou opinião (doxa) ao
conhecimento (episteme). Enquanto que conhecimento é uma crença verdadeira e
justificada, a opinião consiste em uma crença em um determinado ponto de vista
subjetivo, que se baseia no senso comum.

Pode ser dividida basicamente em duas tendências: o racionalismo e o


empirismo. No caso do racionalismo, parte-se da premissa de que são ideias
verdadeiras e que vêm da razão. A tendência empirista se assenta na premissa de
que o conhecimento só começa após a experiência sensível.

Assim, a Epistemologia se torna um pressuposto da educação, pois a


função da educação é possibilitar que o aluno tenha acesso aos conhecimentos
que foram construídos ao longo do tempo. A partir dos conhecimentos existentes,
ser capaz de lidar com eles e gerar novos conhecimentos.

A escola tem a finalidade de promover o acesso aos conhecimentos que


vão além do senso comum. Os educadores devem buscar o aperfeiçoamento
constante, a fim de que possam conduzir seus alunos em direção àquilo que há de
atual em relação à determinada área de conhecimento. A escola deve promover
um espaço de pesquisa e debate. Seus alunos e professores devem submeter suas
crenças, valores e conhecimentos à crítica e à análise por parte de seus pares.

3.2 ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA


Tem por objeto de estudo a estrutura essencial do homem se partirmos da
premissa de que a antropologia “é o logos que diz respeito ao antropos, ou seja, o discurso
que diz respeito ao ser humano” (CASTORIADIS, 1992, p. 83). Logo, tem por objetivo
desvendar o fundamento da existência do homem enquanto pessoa humana.

A racionalidade é o elemento que distingue os seres humanos dos animais


e de todas as demais coisas que existem na Terra. Logo, a característica deverá
receber atenção especial no processo de ensino. O que caracteriza a racionalidade?
É capacidade de exercer a própria razão, ou seja, a habilidade de utilizar o
raciocínio para a resolução de problemas. Trata-se, portanto, de uma operação
mental complexa que consiste em estabelecer relações entre elementos dados.

A grande questão é: O que é o homem? A concepção que temos de ser


humano influencia e muito na maneira como educamos. Assim, a Antropologia
Filosófica nos auxilia na maneira como concebemos o ser humano quanto à
condição, sua dignidade, sua liberdade, e assim por diante. Compreender
a realidade humana não é tão simples quanto compreender a composição
mineralógica das rochas.

200
TÓPICO 3 | FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Portanto, busca estudar e compreender o ser humano em suas múltiplas


dimensões, ou seja, em sua dimensão social, cultural, religiosa etc. No espaço
educacional, todas as dimensões se manifestam, pois é o espaço diverso e
plural. Assim, um conhecimento básico de antropologia auxilia a compreender
o comportamento humano no espaço social e a maneira como se relaciona com
seus pares.

3.3 AXIOLOGIA
É o estudo de valores do ser humano na educação, valor no sentido moral,
político, estético, entre outros valores que estão presentes e ocupam lugar de
destaque em uma determinada sociedade.

Quando falamos na educação, temos em mente que a educação não


consiste apenas em conhecimento científico destituído de valores. A educação
trabalha com uma perspectiva holística, ou seja, objetiva a formação integral do
ser humano. Assim, independentemente de qual disciplina o professor trabalhe,
o profissional deverá pensá-la no contexto da formação integral de seus alunos.
De acordo com Rayo (2004, p. 125):

A educação está cheia de valores, pois não existe nenhuma educação


que possa defender sua neutralidade. O planejamento educativo, a
distribuição de recursos, a organização e funcionamento dos centros
educativos, o papel dos professores, as matérias curriculares, os
critérios utilizados na avaliação e na promoção dos alunos: tudo isso
reflete algumas diretrizes prévias e alguma seleção de valores.

A educação baseada em valores tem como finalidade contribuir para a


formação de pessoas conscientes do seu papel social, pois devem compreender
que cada indivíduo pode ser um agente transformador de um mundo novo e que
busca por novos conhecimentos e novas atitudes na esfera particular e coletiva.

Assim, o educador consciente de seu verdadeiro papel social deve


contribuir para a mudança da sociedade. A partir do desenvolvimento integral
de seus alunos, ele promoverá melhor qualidade de vida individual e coletiva.
Segundo Rayo (2004, p. 170):

Educar na liberdade e na responsabilidade deve ser, antes de tudo, um


processo de educação integral das pessoas que desenvolvem todas as
suas capacidades a partir de situações que possibilitem a autoestima
pessoal, a livre escolha entre um conjunto de valores. Que haja uma
maturidade não apenas intelectual, mas também moral, nos domínios
tanto afetivos como sensoriais. Que conduzam ao desenvolvimento do
juízo crítico e da capacidade de transcendência.

No espaço social com diversas pessoas e valores sociais, culturais,


religiosos e familiares, deparamo-nos com a necessidade de apontar para os
valores que estão para além das concepções particulares de vida. Valores como

201
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

liberdade, respeito, dignidade e igualdade transcendem, pois são pilares de


sustentação da vida social. Assim, educar contribui para que os indivíduos
alcancem a maturidade moral e, com suas ações, construam uma sociedade mais
justa e fraterna.

4 FILOSOFIA E A FORMAÇÃO HUMANA NA ESCOLA


O processo de formação do ser humano perpassa por suas experiências
cotidianas. O espaço escolar deve possibilitar que o aluno tenha experiências que
contribuirão para a sua formação humana integral. É justamente no espaço de
convivência entre alunos e professores que se estabelecem importantes relações
sociais.

A filosofia pode auxiliar o professor e os seus alunos para que compreendam


o momento em que vivem e refletir sobre ele. Não estamos nos referindo às aulas
de Filosofia, mas à maneira como a reflexão no contexto escolar poderá contribuir
para o desenvolvimento social e humano de cada pessoa. “A filosofia [...] não é
apenas um instrumento para a compreensão do mundo e interpretação dos seus
fenômenos. É também um instrumento de ação e arma política e, como tal, tem
sido utilizada, em todos os tempos, consciente ou inconscientemente” (LUCKESI,
1994, p. 27).

A filosofia, como instrumento de formação humana, pretende educar o


indivíduo para a vida. Educar para a vida é mais do que educar uma pessoa para
um campo específico do conhecimento, preparando-o apenas para o exercício de
uma determinada profissão.

A formação humana vai mais além, pois prepara o indivíduo para as suas
múltiplas relações, sejam elas no campo moral, político, cultural etc. Pensar a
educação requer uma reflexão aprofundada sobre o papel da escola, do professor,
do aluno, da família e do poder público.

5 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR


O sistema educacional é fruto de seu tempo e dos desafios que são
característicos. Nesse sentido, a escola cumpre a função de preparar o cidadão
para viver em sociedade e saber lidar com as questões públicas cotidianas. No
decorrer da história da educação, surgiram algumas tendências pedagógicas que
foram influenciadas pelo pensamento filosófico e social de seu tempo. Assim,
vamos discorrer e conhecer algumas dessas tendências, que se tornaram referência
para a construção dos parâmetros curriculares e da prática pedagógica.

202
TÓPICO 3 | FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

5.1 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS LIBERAIS


A primeira coisa que precisamos fazer é conhecer o sentido da palavra
liberal no contexto, pois pode facilmente ser confundida com progressista. De
acordo com Luckesi (1994, p. 54):

O termo liberal não tem o sentido de "avançado", "democrático",


"aberto", como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como
justificação do sistema capitalista. Ao defender a predominância da
liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma
forma de organização social baseada na propriedade privada dos
meios de produção. A pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação
própria desse tipo de sociedade.

A educação, na concepção liberal, está mais voltada para atender aos


interesses econômicos que definem os rumos da sociedade, incluindo, além da
economia, também a cultura e a educação. A educação não está comprometida
em primeiro lugar com a socialização do indivíduo, no sentido de formar um
cidadão para a vida, capaz de assumir uma posição crítica. Segundo Luckesi
(1994, p. 55), a Pedagogia Liberal:

Sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos


para o desempenho de papéis sociais e de acordo com as aptidões
individuais. Os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos valores
e às normas vigentes na sociedade através do desenvolvimento da
cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade
das diferenças de classes. Embora difunda a ideia de igualdade de
oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições.

No contexto, ignoramos os interesses particulares dos indivíduos, pois


ela possui um caráter homogeneizante. Cria pessoas que pensam igual, sem o
incentivo para que o indivíduo busque, por meio do conhecimento, a emancipação
e a capacidade de avaliar criticamente a realidade. É capaz de tomar decisões de
acordo com suas preferências, e não necessariamente de acordo com aquilo que
pensa a maioria.

5.2 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS


As tendências progressistas nasceram diante das situações autoritárias
que foram impostas por muitos governos. Tinham como finalidade subjugar
a capacidade humana. Assim, a Pedagogia Progressista foi uma reação ao
autoritarismo e às políticas de dominação que tanto impediram o progresso da
humanidade. De acordo com Luckesi (1994, p. 63):

O termo "progressista", emprestado de Snyders, é usado aqui para designar


as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais,
sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação.
Evidentemente, a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-
se em uma sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos
professores ao lado de outras práticas sociais.

203
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

A tendência tem a finalidade de formar indivíduos críticos, ou seja,


capazes de pensar por si mesmos e tomar decisões autônomas. No processo de
ensino, no interior das escolas de tendência progressista, há uma valorização da
experiência do aluno. É o conhecimento da realidade social que contribui para
uma sólida formação social e cultural do ser humano.

FIGURA 14 – EDUCAÇÃO PARA TRANSFORMAÇÃO

FONTE: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/10/20/a-hora-da-inovacao-transformadora/>.
Acesso em: 18 set. 2018.

É necessário destacar que ainda é dividida em libertadora, libertária e


crítico-social dos conteúdos. A Tendência Libertadora, idealizada por Paulo
Freire, foi construída a partir dos trabalhos com educação popular, na maioria
das vezes não estando vinculada necessariamente ao ensino escolar.

A Tendência Libertária espera que a escola exerça uma transformação na


personalidade dos alunos, ou seja, cada um deve ser capaz de tomar conta de si e
ser um agente transformador da realidade social.

A terceira tendência, Crítico-Social dos Conteúdos, “propõe uma síntese


superadora das pedagogias tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica
enquanto inserida na prática social concreta” (LUCKESI, 1994, p. 64).

Assim, a escola deve se apresentar como um instrumento de apropriação


do saber e agente transformador da sociedade. A principal função é preparar os
alunos para o mundo no qual eles vivem, criando possibilidade para se tornarem
pessoas críticas e conscientes das contradições existentes na sociedade.

As discussões filosóficas sobre a educação podem ser muito produtivas,


pois dão a oportunidade de avaliar os problemas e desafios da educação. É preciso
considerar as possibilidades e oportunidades de desenvolver uma educação
voltada para a construção de uma sociedade mais justa.

204
TÓPICO 3 | FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

A filosofia é a ferramenta indispensável para pensarmos a educação livre


de dogmatismos e tendências ideológicas. Pensar a educação a partir dos métodos
filosóficos possibilita que ultrapassemos as discussões rasas do senso comum e
cheguemos na causa dos problemas que encontramos nos processos de ensino-
aprendizagem.

205
UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

LEITURA COMPLEMENTAR

ENSINAR A PENSAR

Immanuel Kant
Tradução de Desidério Murcho

Espera-se que o professor desenvolva, no seu aluno, em primeiro lugar,


o homem de entendimento. Depois, o homem de razão e, finalmente, o homem
de instrução. O procedimento tem uma vantagem: mesmo que, como acontece
habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado a
sua aprendizagem. Terá adquirido experiência e terá se tornado mais inteligente,
se não para a escola, pelo menos para a vida.

Se invertermos o método, o aluno imita uma espécie de razão, ainda antes


de o seu entendimento ter se desenvolvido. Terá uma ciência emprestada que usa
não algo que, por assim dizer, cresceu nele, mas como algo que foi dependurado.

A aptidão intelectual é tão infrutífera como sempre foi. Contudo, ao


mesmo tempo, foi corrompida em um grau muitíssimo maior pela ilusão de
sabedoria. É por tal razão que não é infrequente se deparar com homens de
instrução (estritamente falando, pessoas que têm estudos) que mostram pouco
entendimento. Ainda, as academias enviam para o mundo mais pessoas com as
suas cabeças cheias de inanidades do que qualquer outra instituição pública.

Em suma, o entendimento não deve aprender pensamentos, mas pensar.


Deve ser conduzido, mas não levado em ombros. A natureza peculiar da própria
filosofia exige um método de ensino assim. Contudo, visto que a filosofia é,
estritamente falando, uma ocupação apenas para aqueles que já atingiram a
maturidade, não é se de espantar que se levantem dificuldades quando tentamos
adaptá-la às capacidades menos exercitadas dos jovens.

O jovem que completou a sua instrução escolar, habituou-se a aprender.


Agora pensa que vai aprender filosofia. Contudo, isso é impossível, pois agora
deve aprender a filosofar [...]. Para que pudesse aprender filosofia, teria de
começar por já haver uma filosofia. Teria de ser possível apresentar um livro e
dizer: “Veja, aqui há sabedoria, aqui há conhecimento em que podemos confiar. Se
aprenderem a entendê-lo e a compreendê-lo, se fizerem dele as vossas fundações
e se construírem com base nele daqui para a frente, serão filósofos”.

O método de instrução próprio da filosofia é zetético, como disseram


alguns filósofos da antiguidade (de ζητειν). Por outras palavras, o método da
filosofia é o método da investigação. Só quando a razão já adquiriu mais prática,
e apenas em algumas áreas, é que o método se torna dogmático, ou seja, decisivo.

206
TÓPICO 3 | FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

O que o aluno realmente procura é proficiência no método de refletir e


fazer inferências por si. Para que a colheita do conhecimento seja abundante,
basta que o aluno semeie em si as fecundas raízes do método.

FONTE: MURCHO, Desidério. Ensinar a pensar. 2002. Disponível em: <https://criticanarede.com/


fil_ensinarpensar.html>. Acesso em: 6 set. 2018.

207
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A filosofia possui métodos que têm como finalidade levar o ser humano a
pensar bem e criticamente.

• A filosofia busca romper com a ideia de que educar é transmitir conhecimento.

• A educação serve para um propósito maior, pois parte do pressuposto de que


educar é possibilitar que o indivíduo desenvolva determinadas habilidades e
capacidades necessárias ao processo de socialização.

• A finalidade da Epistemologia consiste em estudar a origem, a estrutura, os


métodos e a validade do conhecimento.

• A Antropologia Filosófica tem por objeto de estudo a estrutura essencial do


homem.

• A Axiologia é o estudo de valores do ser humano na educação, valor no sentido


moral, político, estético, entre outros valores que estão presentes e ocupam
lugar de destaque em uma determinada sociedade.

• O processo de formação do ser humano perpassa por suas experiências


cotidianas. O espaço escolar deve possibilitar que o aluno tenha experiências
que contribuirão para a sua formação humana integral.

208
AUTOATIVIDADE

1 As tendências pedagógicas dizem respeito à maneira como a educação deve


ser aplicada e desenvolvida, seus métodos, conteúdos, objetivos e práticas.
Sobre as tendências pedagógicas progressistas, é possível dizer que:

a) ( ) Revela a incapacidade do ser humano de seguir as ordens de seus


superiores.
b) ( ) Foi uma das situações autoritárias que foram impostas por muitos
governos ao longo do tempo.
c) ( ) Nasceram como uma reação ao progresso científico e tecnológico do
ocidente após a revolução industrial.

2 Dentre os pressupostos da educação, ou seja, aquilo que se busca alcançar


no processo educativo, podemos destacar a Epistemologia, que possui
uma função elementar na formação intelectual dos indivíduos. Sobre a
Epistemologia, analise as sentenças a seguir:

I- Podemos afirmar que a epistemologia pode ser dividida basicamente em


racionalismo e o empirismo.
II- A epistemologia é a área da Filosofia que se preocupa em estudar os
fenômenos mentais e espirituais.
III- O objetivo central da epistemologia consiste em estudar a origem, a
estrutura, os métodos e a validade do conhecimento.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.


b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) Apenas a sentença I está correta.

209
210
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