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Inclusive – Napoleão Mendes de Almeida

Empregar inclusive com o significado de até, até mesmo ou com função


prepositiva é erro que revela ser o redator mero escrevinhador falto de recursos
sintáticos e esquivo de dicionários. Inclusive é advérbio latino correspondente à forma
adverbial portuguesa inclusivamente; é antônimo de exclusive: “Quero que você me
copie este trecho até as palavras ‘mas não veio’ inclusive.
Só deve empregar-se com função adverbial. “Cheguei ao capítulo dez inclusive”.
Seu condenável emprego por até encontra-se sempre de cambulhada com outros erros
de gramática e com mais indícios de que o autor da notícia, do editorial, do relatório, do
artigo não sabe expor o que pensa. Nosso rico idioma possui termos e locuções que
expressam com fidelidade a intenção do escritor inexperiente ou desavisado, sem que o
obriguem a mostrar que desconhece o significado do advérbio latino, termos e locuções
que tornam a linguagem mais expressiva e harmoniosa e evitam a desagradável,
enfadonha repetição dessa palavra, que já se torna antipática.

Alguns exemplos:

· ...o velho escritor ficou revoltado e ameaçou inclusive fisicamente.


(...e ameaçou até fisicamente.)

· ...tinha muito dinheiro; pede-se apenas a pasta com a documentação. Gratifica-se


inclusive.
(Não se sabe o que o dono da pasta pretende fazer antes de gratificar.)

· ...está dando de máxima liberalidade para com o Senador, inclusive dando a S.


Exa. a palavra.
(...para com o Senador, chegando a ponto de dar-lhe a palavra.)

· ...no resguardo das determinações maiores da população brasileira, inclusive com


relação à receita.
(...da população brasileira, até mesmo com relação à receita.)

· ...declarou que precisava saber quanto tempo estava falando, inclusive pôs em
dúvida a palavra do Presidente.
(...e até pôs em dúvida, e chegou a pôr em dúvida a palavra do Presidente.)

· ...tendo inclusive alguns deputados hoje, no Palácio Tiradentes, criticado...


(...ao ponto de alguns deputados terem hoje criticado...)

· ...mostrou seu desagrado a respeito do mau estado da estrada, inclusive de seu


constrangimento...
(...além de seu constrangimento...)

· ...atenderá ao escoamento da produção não só dessas cidades, inclusive da


extensa região da Zona da Mata.
(...dessas cidades, mas também da extensa região da Zona da Mata.)

· ...mas valerá no seu resultado para o país, oferecendo inclusive demonstração...


(...oferecendo ao mesmo tempo, oferecendo além do mais, oferecendo até...)

· Há dezoito passageiros a bordo, inclusive quatro crianças.


(Há dezoito passageiros a bordo incluindo quatro crianças.)

· Todos os alunos, inclusive o diretor, tentaram acertar o alvo.


(Todos os alunos e o próprio diretor – e também o diretor – tentaram acertar o alvo.
Sem necessidade das vírgulas nem neste nem no exemplo anterior.)

A continuar esse linguajar crioulo, longe não estaremos do dia em que teremos de
assim cantar nosso hino nacional: “Desafia o nosso peito inclusive a morte”, “Gigante
inclusive pela natureza”, “Nem teme, quem te adora, inclusive a morte”.
Que pretende dizer o jornalista quando redige “Lembremo-nos inclusive de que...”?
Quer ele incluir uma lembrança dentro de outras, ou quer dizer, com bom senso e em
legítimo português, “Lembremo-nos outrossim de que...”, “Lembremo-nos ainda (além
disso, ademais) de que...”?
A legítima significação de inclusive vem de longa data, pois já se encontra nas
Ordenações Afonsinas: “Acontece algumas vezes, que he assignado termo ao Reo, que
ata certo dia aja de aparecer em juízo, ou fazer algum outro auto Judicial, e bem assi a
ho Autor, e recresce duvida ao Julgador, se aquelle dia, em que se acaba o dito termo, se
entenderá inclusive, ou exclusive, que quer tanto dizer como se se comprenderá em o
dito termo, ou não, em tal guisa, a que tal termo for assignado, não seja theudo a
aparecer em juízo em o dito dia” (Liv. 3, tit. 19).
O significado de compreender, de colocar dentro não se encontra em construções
levianas e estropiadas como estas:

· Realizar-se-á reunião inclusive se chover


(em vez de ainda que chova)

· Chegaram a constituir inclusive uma caixinha para conseguir seus desígnios


(em vez de chegaram até, chegaram até mesmo a...)

· Ele assim agiu inclusive e principalmente no sentido de...


(não se trata aqui de mau português, mas de falta de senso em quem não sabe o que quer
dizer, coisa comum em quem emprega inclusive sem conhecer-lhe o significado.)

· Não lhes foi possível falar com ninguém, inclusive com os jornalistas
(em vez de nem ao menos, nem sequer)

· O doente mostra inclusive sinais de recuperação


(em vez de já mostra, chega a mostrar, mostra até)
· Falei com o chefe inclusive
(em vez de com o próprio chefe)

· E lhe digo inclusive: Isso deixou de me interessar


(em vez de digo-lhe mais, e lhe digo até, chego até a dizer-lhe)

· A medida é benéfica inclusive para os professores


(em vez de também para os professores, para os próprios professores).

Frases como essas estiolam o que é genuína e belamente nosso, para dar guarida ao
que atrofia e deforma nossa língua. O conhecimento do idioma pátrio é cartão de visita,
é carta de referência de todo e qualquer profissional.
O emprego desta palavra constitui prova, a todo instante, nas colunas dos jornais,
nas ondas de rádio, nos canais de televisão, do quanto anda enfraquecido nosso idioma.
A confusão vai longe, pois a palavra vem sendo usada sem o devido sentido e sem a
função léxica que lhe cabe. Já cuidamos do assunto, mas vamos repisá-lo um pouco.
Inclusive é advérbio; equivale a inclusivamente. Não é preposição, como vemos
estropiada e continuamente empregado por redatores apressados: “...que estabelece
novas normas modificando inclusive o critério de linhas” (corrija-se para: “...que
estabelece novas normas e modifica o próprio critério de linhas” – além de errado
emprego de inclusive, o erro de emprego do gerúndio “normas modificando”).
Em vez de “sofre de uma inflamação dos rins e inclusive retenção de urina”,
construa-se “sofre de uma inflamação dos rins e ainda (e até, e também) de retenção de
urina”.
Constitui hoje doença o emprego de inclusive, doença introduzida pelas cozinheiras
na alimentação diária dos patrões. Melhor se serve a língua ressuscitando palavras,
formas, giros e significações antigas do que acolhendo novidades extravagantes e
barbarismos escandalosos. Os melhores escritores são antes restauradores do que
inovadores. São eles que nos conservam as belas expressões do tempo que passou, as
pérolas da linguagem de nossos pais.
Os medíocres, os inventores de “estórias”, esses deixam-se levam sem resistência
na torrente das inovações.
Nossa autonomia linguística seria inexequível, sobre vulgar e grosseira, se
consistisse em dar pontapés nos clássicos, nos grandes escritores que poliram a língua e
nos deixaram o precioso legado de uma dicção urbaníssima e de peregrina beleza.
Sejamos seus continuadores.

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