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CUIDADOS À PESSOA EM SITUAÇÃO CRÍTICA

DEPENDENTE DE SUPORTE EXTRACORPORAL


DE VIDA (ECLS):
UM NOVO DESAFIO PARA A PRÁTICA ESPECIALIZADA

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


FICHA TÉCNICA

Título
Guia Orientador de Boas Práticas – Cuidados à pessoa em situação crítica dependente de
suporte extracorporal de vida: um desafio para a prática especializada.

Trabalho desenvolvido por iniciativa da Mesa do Colégio da Especialidade em Enfermagem Médico-


Cirúrgico (MCEEMC) da Ordem do Enfermeiros - Mandato 2016-2019.

Grupo de trabalho
Enfermeiros Especialistas em Enfermagem Médico-Cirúrgica:
Paulo Alexandre Dinis Oliveira (Coordenador)
Ana Carina Alves Faria
Dalva Manuela Dias da Silva Pinto da Costa Gomes
Fernando José de Araújo Miranda
João Alberto Rodrigues Dantas
Michelle de Sousa Viríssimo
(Nomeados em NI BAST 2017/23 de 08/08/2017)

Colaboração
Ricardo Miguel Martins Gomes Cruz
Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria
Nídia Celsa Oliveira Alves (infografia ilustrativa)
Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica

Revisão científica e redacção final da responsabilidade dos membros da Mesa do Colégio


da Especialidade de Enfermagem de Médico Cirúrgica - MCEEMC (Mandato 2016-2019):
Catarina Alexandra Rodrigues Faria Lobão (Presidente)
Sílvia Manuela Pação Alminhas (Secretário)
Nuno Cristóvão Alves Ferreira (Secretário)

O Grupo de Trabalho que elaborou este GOBP esteve em actividade entre junho de 2017 e
fevereiro de 2019.

A MCEEMC deu por terminado este GOBP em reunião de 29/07/2019.

Edição: Ordem dos Enfermeiros – Outubro 2019


Grafismo e Paginação: Onda Grafe
ISBN: 978-989-8444-48-6

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1. O DESENVOLVIMENTO DO SUPORTE EXTRACORPORAL DE VIDA 16


1.1 DO CONCEITO INICIAL À ERA MODERNA 17
1.2 DA ERA MODERNA À EXPANSÃO GLOBAL 19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 22

2. CONCEITOS E DEFINIÇÕES NO SUPORTE EXTRACORPORAL 25


2.1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES 26
2.2 INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES DO SUPORTE EXTRACORPORAL 28
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 32

3. MODALIDADES DO SUPORTE EXTRACORPORAL DE VIDA 33


3.1 MODALIDADE VENOVENOSA (VV) 34
3.2 MODALIDADE VENOARTERIAL (VA) 35
3.3 MODALIDADES HÍBRIDAS 37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38

4. COMPONENTES DO SUPORTE EXTRACORPORAL DE VIDA 39


4.1 ACESSOS VENOSOS E ARTERIAIS (CÂNULAS) 40
4.2 CIRCUITOS EXTRACORPORAIS 43
4.3 BOMBAS DE SANGUE 44
4.4 MEMBRANAS PERMUTADORAS DE GASES (MEMBRANAS 47
OXIGENADORAS)
4.5 UNIDADES PERMUTADORAS DE CALOR 49
4.6 MISTURADORES DE GASES 50
4.7 SENSORES DE PRESSÕES/FLUXOS/AR 50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52

5. PRINCÍPIOS FISIOLÓGICOS 53
5.1 FISIOLOGIA DAS TROCAS GASOSAS NO CORPO HUMANO 54
5.1.1 Quantidade de O2 55
5.1.2 Distribuição de O2 (DO2) 59
5.1.3 Consumo de O2 (CO2) 59
5.2 GESTÃO DAS TROCAS GASOSAS: O EQUILÍBRIO HEMODINÂMICO NO 60
CLIENTE COM ECMO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 66

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6. INÍCIO E FINALIZAÇÃO DO SUPORTE DE VIDA EXTRACORPORAL 67
6.1 CANULAÇÃO 68
6.2 PRIMING DO CIRCUITO 72
6.3 INÍCIO E ESTABILIZAÇÃO DA CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA 74
EXTRACORPORAL
6.4 DESMAME E TRIALL-OFF 84
6.5 DESCANULAÇÃO 90
6.6 TRANSPORTE DA PESSOA EM SITUAÇÃO CRÍTICA EM SUPORTE ECMO 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 97

7. COMPLICAÇÕES 99
7.1 PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS À PESSOA EM 100
SITUAÇÃO CRÍTICA COM SUPORTE ECMO (COMPLICAÇÕES CLÍNICAS)
7.2 PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS AO CIRCUITO 103
EXTRACORPORAL (COMPLICAÇÕES MECÂNICAS)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 104

8. RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS E ACTUAÇÃO DE EMERGÊNCIA 106


8.1 COMPLICAÇÕES CLÍNICAS 107
8.2 COMPLICAÇÕES MECÂNICAS 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 120

9. OUTCOMES DO SUPORTE DE VIDA EXTRACORPORAL: FOLLOW-UP 121


DA PESSOA E FAMÍLIA PÓS-ECMO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 127

10. A DIMENSÃO ÉTICA NO SUPORTE ECLS 128


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 131

11. UM MODELO ASSISTENCIAL DA PESSOA EM SITUAÇÃO DE ECMO/ECLS 132


11.1 CENTROS DE SUPORTE ECMO: REALIDADE PORTUGUESA 133
11.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS EQUIPAS DE ECLS 134
11.3 A FUNÇÃO DO ENFERMEIRO NA EQUIPA ECLS 135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 137

CONCLUSÕES 138

ANEXOS 141

Anexo 1 – Fórmulas de Cálculo


Anexo 2 – Recursos Necessários à Canulação
Anexo 3 – Richmond Agitação-Sedação Score (RASS)
Anexo 4 – Confusion Assessment Method for the ICU (CAM-ICU)
Anexo 5 – Estabilização e Manutenção do Cliente em Suporte ECMO
Anexo 6 – Recursos Humanos e Materiais Necessários na Descanulação Periférica
Anexo 7 - Complicações Clínicas e Mecânicas

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ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURA 1: MODALIDADE VENO-VENOSA 34


FIGURA 2: MODALIDADE VENO-ARTERIAL (VA) 35
FIGURA 3: MODALIDADE HÍBRIDA VENOVENOSA-ARTERIAL (VV-A) 37
FIGURA 4: CÂNULAS VENOSAS (AZUIS) E CÂNULAS ARTERIAIS (VERMELHO) 41
FIGURA 5: CÂNULA DE DUPLO-LÚMEN 42
FIGURA 6: CIRCUITO EXTRACORPORAL (CONJUNTO DE TUBOS) 43
FIGURA 7: BOMBA DE SANGUE OCLUSIVA (DE ROLETOS) 44
FIGURA 8: BOMBA CENTRÍFUGA 45
FIGURA 9: BOMBA CENTRIFUGA COM CONES CONCÊNTRICOS 46
FIGURA 10: MEMBRANA PERMUTADORA DE GASES 48
FIGURA 11: OXIGENADORES POR MEMBRANAS 49
FIGURA 12: PERMUTADORES DE CALOR 50
FIGURA 13: MISTURADOR DE GASES (BLENDER) 50
FIGURA 14: DETECTOR DE AR 51
FIGURA 15: MONITOR DO CARDIOHELP (INFORMAÇÕES DAS PRESSÕES/
®
51
FLUXOS)
FIGURA 16: CIRCULAÇÃO EXTRACORPORAL DE SANGUE POUCO OXIGENADO 54
E SANGUE OXIGENADO
FIGURA 17: TROCAS GASOSAS NO ALVÉOLO PULMONAR 55
FIGURA 18: QUANTIDADE DE OXIGÉNIO FORNECIDA E A EFECTIVAMENTE 56
CONSUMIDA
FIGURA 19: TEOR, DISTRIBUIÇÃO E CONSUMO DE OXIGÉNIO 57
FIGURA 20: PAO2 57
FIGURA 21: SATO2 58
FIGURA 22: TEOR DE O2 (PAO2 E SATO2) 58
FIGURA 23: FISIOLOGIA PULMONAR: DIFUSÃO 60
FIGURA 24: RELAÇÃO CAO2/SAT O2/PAO2/HGB 63
FIGURA 25: RELAÇÃO DO2/VO2 64
FIGURA 26: MODO DE SUPORTE VENO-ARTERIAL VENOSA (VA-V) 70
FIGURA 27: REFLEXO DA CURVA DA LINHA ARTERIAL AO AUMENTAR O FLUXO 79
DE BOMBA DE SANGUE NO SUPORTE ECMO

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ÍNDICE DE QUADROS

QUADRO 1: DEFINIÇÕES NO SUPORTE EXTRACORPORAL DE VIDA 26


QUADRO 2: ÍNDICE DE OXIGENAÇÃO 29
QUADRO 3: RELAÇÃO DO2/VO2/SVO2 64
QUADRO 4: ACÇÕES/ORIENTAÇÕES DESDE A CANULAÇÃO AO INÍCIO DO 71
SUPORTE ECMO
QUADRO 5: ACÇÕES/ORIENTAÇÕES PARA O INÍCIO DO SUPORTE 75
QUADRO 6: ALGORITMO DA VENTILAÇÃO DE REPOUSO 76
QUADRO 7: RICHMOND AGITATION SEDATION SCALE - RASS 82
QUADRO 8: ORIENTAÇÕES PARA O DESMAME EM TRIAL OFF DO SUPORTE 87
ECMO VV E ECMO VA
QUADRO 9: DESCANULAÇÃO DO SUPORTE ECMO 90
QUADRO 10: RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NAS COMPLICAÇÕES CLÍNICAS 108
QUADRO 11: RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NAS COMPLICAÇÕES MECÂNICAS 115

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1: Desmame ECMO VV 85

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ABREVIATURAS E SIGLAS

ACT Activated Clotting Time


ANOR Abdominal Normothermic Oxygenated Recirculation
APTT Activated Partial Thromboplastin Time
BIS Índice Bispectral
Ca++ Cálcio
C12H22CaO14 Gluconato de Cálcio 10%
Com Ventional Ventilation Support VS Extracorporeal Membrane
CESAR
Oxygenation for Severe Adult Respiratory Failure
ClCa2 Cloreto de Cálcio 10%
CaO2 Conteúdo Arterial de O2 ou Teor de O2
CAM-ICU Confusion Assessment Method for the ICU
DC Débito Cardíaco
DGS Direcção-Geral de Saúde
DPCC Dadores em Paragem Cardiocirculatória
ECECLS Enfermeiro Competente em Extracorporeal Life Support
ECLS Extracorporeal Life Support
ECMO ExtraCorporeal Membrane Oxygenation
ECMO VA ExtraCorporeal Membrane Oxygenation Arteriovenous
ECMO VAV ExtraCorporeal Membrane Oxygenation Venous Srteriovenous
ECMO VV ExtraCorporeal Membrane Oxygenation Venovenous
E-CPR Reanimação Cardiopulmonar Extracorporal
EEEMC Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica
EEESIP Enfermeiro Especialista em Enfermagem Saúde Infantil e Pediatria
EEG Electroencefalograma
EESO European Extracorporeal Life Support Organization
EISOR ExtraCorporeal Interval Support for Organ Retrieval
ELSO Extracorporeal Life Support Organization
EPE Empresas Públicas Empresariais
FiO2 Concentração de Oxigénio Inspirado
GOBP Guia Orientador de Boa Prática
GR Grama

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Ht Hematócrito
Hgb Hemoglobina
IO Índice de Oxigenação
Quilograma
Kg Potássio
K+ Litros por Minuto

L/M ou LPM Pressão Média das Vias Aéreas

Mesa do Colégio da Especialidade em Enfermagem Médico-


MAP
Cirúrgica
MCEEMC Milímetro de Mercúrio
mmHg Miliequivalente
mEq Miliequivalente por Litro
mEq/L Miligrama
mg Mililitro
ml Milimole por litro
mmol/L Sódio
NaHCO3 Bicarbonato de Sódio 8,4%
NECMO Normothermic Veno-Arterial ECMO
NIRS Tissue Oxygenation by Near Infrared Spectroscopy
NPT Nutrição Parenteral Total
OP-ECMO Organ-Preserving Extracorporeal Membrane Oxygenation
PCC Paragem Cardio Circulatória
PCR Paragem Cardio Respiratória
PEEP Positive End-Expiratory Pressure
PFC Plasma Fresco Congelado
pO2 /PaO2 Pressão Parcial de Oxigénio
pCO2 Pressão Parcial de Dióxido de Carbono
Pplat Pressão de Plateau
PP Posição Prone
RASS Richmond Agitação-Sedação Score
RCR Ressuscitação Cardiorespiratória
RMN Ressonância Magnética Nuclear

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Rpm Rotações por Minuto
Sat. Pós Ox. Saturação de Pós Oxigenação
Sat. Pré Ox. Saturação de Pré Oxigenação
Sat.O2 Saturação de Oxigénio
SCM Suporte Circulatório Mecânico
SGRQ St. George’s Respiratory Questionnaire

SDRA Síndrome de Dificuldade Respiratória Aguda

SNG Sonda Nasogástrica


SvO2 Mixed Venous Oxygen Saturation Measurements
TC Tomografia Computorizada
TET Tubo EndoTraqueal
TSFR Técnicas de Substituição da Função Renal
UCI Unidade de Cuidados Intensivos
VA VenoArterial
VV VenoVenoso
VA-V VenoArterial - Venosa
VV-A VenoVenosa - Arterial
VAD Dispositivo de Assistência Ventricular
VE Ventrículo Esquerdo
% Percentagem
+/- Mais ou Menos
> Maior
< Menor
≥ Maior ou Igual
≤ Menor ou Igual
≈≈ Diminuição
ΩΩ Aumento

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MENSAGEM DE BASTONÁRIA E PRESIDENTE DO
CONSELHO DE ENFERMAGEM DA ORDEM DOS
ENFERMEIROS

Separam-nos mais de 40 anos desde a primeira aplicação com sucesso da


oxigenação por membrana extracorporal, comummente designada por ECMO.
Todavia, a sua utilização só se generalizou mais recentemente, à medida que se
desenvolveram os meios tecnológicos necessários à sua implementação, bem
como, se incrementou a evidência científica e o desenvolvimento de competências
dos profissionais envolvidos na mesma.

Atentas ao desígnio fundamental da Ordem dos Enfermeiros no que concerne à


defesa da qualidade dos cuidados prestados à população, bem como às suas
atribuições inerentes à valorização científica dos seus membros e regulação do
exercício profissional, promovemos a elaboração de Guias Orientadores de Boa
Prática dos Cuidados de Enfermagem.

Estamos certas de que este documento contribuirá para a definição e implementação


de melhores respostas visando a resolução de problemas de saúde daqueles que
são alvo de cuidados enfermagem, no âmbito da implementação deste suporte de
vida baseado na circulação e oxigenação extracorporal do fluxo sanguíneo.

Ana Rita Cavaco e Ana Fonseca


Bastonária e Presidente do Conselho de Enfermagem
da Ordem dos Enfermeiros

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MENSAGEM DE PRESIDENTE DO COLÉGIO DA
ESPECIALIDADE DE ENFERMAGEM MÉDICO-CIRÚRGICA

A Ordem dos Enfermeiros tem como desígnio fundamental promover a qualidade


dos cuidados prestados à população. Nesta senda, a Mesa do Colégio da
Especialidade de Enfermagem Médico-Cirúrgica, regulamentou em 2018 o perfil
de competências específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-
Cirúrgica de acordo com o alvo e contexto de actuação, reformulando a área de
enfermagem à Pessoa em Situação Crítica. A pessoa em situação crítica é aquela
cuja vida está ameaçada por falência ou eminência de falência de uma ou mais
funções vitais e cuja sobrevivência depende de meios avançados de vigilância,
monitorização e terapêutica, sendo imperativo a dotação dos enfermeiros na
compreensão e manuseamento dos mesmos, para que tenham uma resposta
atempada e correcta às suas necessidades.

O avanço no conhecimento técnico e científico requer que o Enfermeiro Especialista


desenvolva uma prática baseada nas mais recentes evidências, orientada para
resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem. Foi neste contexto que surgiu a
necessidade de realização do presente documento, intitulado Cuidados à Pessoa
em Situação Crítica dependente de Suporte Extracorporal de Vida: Um novo
desafio para a prática especializada. A oxigenação por membrana extracorporal é
uma modalidade terapêutica utilizada no suporte temporário da função cardíaca e/
ou respiratória, permitindo que o coração e/ou o pulmão recuperem de uma situação
reversível perante o insucesso dos tratamentos convencionais, optimizando os
fluídos, o estado nutricional, o equilíbrio ácido-base e normalizar o fornecimento
de oxigénio.

Este Guia Orientador de Boa Prática evidencia o cuidado à pessoa, família/cuidador


a vivenciar processos complexos de doença crítica e/ou falência orgânica,
nomeadamente na pessoa submetida a oxigenação por membrana extracorpórea,
desde o pré-hospitalar à unidade de cuidados intensivos. Pretendemos que este
documento possa evidenciar os cuidados especializados e contribuir para a
uniformização da actuação dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem Médico-
Cirúrgica.

Este Manual foi desenvolvido por peritos na área a quem esta Mesa do Colégio
gostaria de deixar o seu mais sincero agradecimento.

Catarina Alexandra Rodrigues Faria Lobão


Presidente da Mesa do Colégio da Especialidade de
Enfermagem Médico-cirúrgica

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INTRODUÇÃO

A Ordem dos Enfermeiros tem como desígnio fundamental promover a defesa


da qualidade dos cuidados prestados à população, bem como desenvolver,
controlar e regular o exercício profissional, conforme descrito no Decreto de Lei
n.º 104/98, publicado em Diário da República a 21 de abril. Neste âmbito, a Ordem
dos Enfermeiros em Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem (2001),
reconhece que os Guias Orientadores de Boa Prática (GOBPs) de Cuidados de
Enfermagem constituem um contributo importante para a melhoria contínua da
qualidade do exercício profissional dos enfermeiros.

As boas práticas advêm da aplicação de linhas orientadoras baseadas na evidência


científica disponível e na opinião de peritos. O objectivo é obter as melhores
respostas na resolução de problemas de saúde específicos dos clientes, reflectindo
um compromisso para partilhar a excelência a nível local e nacional. Este Guia
Orientador de Boas Práticas toma como foco de atenção os cuidados à pessoa em
situação crítica dependente de Extracorporeal Life Support (ECLS1) e à sua família
por parte do Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica (EEEMC),
Enfermeiro Especialista em Enfermagem Saúde Infantil e Pediatria (EEESIP) ou
Enfermeiro Competente em Extracorporeal Life Support (ECECLS).

A noção de competência é entendida no Parecer MCEEMC de 10/2017 (págs. 2-3),


como um “conjunto de saberes indissociavelmente ligados à formação inicial de
base e à experiência da acção adquiridas ao longo do tempo que sobressaí em
situações concretas das práticas clínicas. O saber profissional de enfermagem é
um saber de acção, não se constituindo somente de execução ou de reprodução
de actos, mas engloba igualmente a capacidade de adaptar a conduta à situação
complexa, fazendo apelo aos conhecimentos”.

Os cuidados de enfermagem à pessoa em situação crítica são, por conseguinte,


cuidados que se revestem de uma importância extrema e que englobam uma
avaliação diagnóstica e uma monitorização constante por forma a conhecer
continuamente a situação da pessoa alvo dos cuidados, prevendo e detectando
precocemente as complicações e assegurando uma intervenção precisa, concreta,
eficiente e em tempo útil2.

1
Termo abrangente que engloba diversos modos de suporte de vida baseadas no uso de um circuito
extracorporal e utilizados na falência cardíaca e/ou pulmonar tendo como finalidades a oxigenação, a
remoção de dióxido de carbono e/ou o suporte cardíaco. Exclui-se desta definição a circulação extracorporal
utilizada nos procedimentos cirúrgicos cardiotorácicos e/ou vasculares realizados em contexto operatório
(bypass cardiopulmonar).
2
Coimbra, N. & Amaral, T. (2016). Acompanhamento de Enfermeiro no Transporte Primário do Doente
Critico. Revista Nursing, Fevereiro

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O Regulamento n.º 429/2018, publicado em Diário de República a 16 de Julho,
descreve que “a pessoa em situação crítica é aquela cuja vida está ameaçada por
falência ou eminência de falência de uma ou mais funções vitais e cuja sobrevivência
depende de meios avançados de vigilância, monitorização e terapêutica”.

No Regulamento n.º 122/201, publicado em Diário da República a de 18 de


Fevereiro, o Enfermeiro Especialista é o profissional de saúde com um conhecimento
aprofundado num domínio específico de enfermagem, tendo em conta as respostas
humanas aos processos de vida e aos problemas de saúde, que demonstram níveis
elevados de julgamento clínico e tomada de decisão, traduzidos num conjunto de
competências especializadas relativas a um campo de intervenção.

As competências específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem


Médico-Cirúrgica, na área de Enfermagem à Pessoa em Situação Crítica, estão
regulamentadas e publicadas pelo Regulamento n.º 429/2018, publicado em
Diário de República a 16 de Julho, a saber: “a) Cuida da pessoa, família/cuidador
a vivenciar processos complexos de doença crítica e/ou falência orgânica; b)
Dinamiza a resposta em situações de emergência, excepção e catástrofe, da
concepção à acção; c) Maximiza a prevenção, intervenção e controlo da infecção e
de resistência a Antimicrobianos perante a pessoa em situação crítica e/ou falência
orgânica, face à complexidade da situação e à necessidade de respostas em
tempo útil e adequadas”.

Assim, tendo como finalidade a melhoria da qualidade de vida da pessoa, o mesmo


Regulamento n.º 429/2018, refere que os cuidados especializados em enfermagem
Médico-Cirúrgica exigem a “concepção, implementação e avaliação de planos
de intervenção em resposta às necessidades das pessoas e famílias alvos dos
seus cuidados, com vista à detecção precoce, estabilização, manutenção e a
recuperação perante situações que carecem de meios avançados de vigilância,
monitorização e terapêutica, prevenindo complicações e eventos adversos, tal
como, na promoção da saúde e na prevenção da doença em diversos contextos
de acção”.

Neste âmbito, a Extracorporeal Membrane Oxygenation (ECMO) constitui-se como


um suporte de vida baseado na circulação e oxigenação extracorporal do fluxo
sangue tendo como génese o suporte circulatório efectuado em contexto cirúrgico
cardíaco (bypass cardiopulmonar). Este suporte possui um carácter temporário,
permitindo que o coração e/ou o pulmão recuperem de uma situação de falência

3
ELSO - Extracorporeal Life Support Organization. (2010). Guidelines for Training and Continuing Education
of ECMO Specialists version 1.5.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 13


reversível perante o insucesso dos suportes tidos como convencionais3 ou
suportando as suas funções até ao tratamento definitivo (ex. transplante).

A Extracorporeal Membrane Oxygenation Veno-Venosa (ECMO VV) é utilizada na


falência pulmonar sendo historicamente reconhecida como um método de eleição
na população neonatal4,5,6, a qual possui a melhor taxa de sobrevivência (84%)
entre todos os grupos etários7. Em Portugal, a modalidade VenoVenosa (VV) teve a
sua grande difusão aquando da pandemia mundial da gripe em 2009 (denominada
de gripe aviária dada a transmissão do vírus Influenzae tipo A subtipo H1N1 a partir
das aves) sendo na altura considerada como o último recurso no suporte da grave
falência pulmonar ligada ao Síndrome de Dificuldade Respiratória Aguda (SDRA),
umas das indicações mais relevantes para a utilização desta modalidade na faixa
etária adulta.

A Extracorporeal Membrane Oxygenation Veno-Arterial (ECMO VA) tem como


objectivo principal suportar a falência cardíaca e circulatória podendo sustentar
igualmente a função pulmonar em caso de falência respiratória. Utilizada
inicialmente no suporte pós-cirúrgico em cardiopatias congénitas pediátricas8,
a modalidade Veno-Arterial (VA) é actualmente um suporte abrangente no que
respeita à sua aplicação, abrangendo todas as situações de falência cardíaca /
choque cardiogénico em qualquer faixa etária. É frequentemente utilizada em
contexto peri-operatório/peri-intervencional cardiológico, suportando a falência
cardíaca aguda e/ou a função cardio-circulatória no período pós-cirúrgico cardíaco.

A modalidade Veno-arterial é também utilizada em contexto de reanimação


cardiorespiratória (Extracorporeal Cardiopulmonary Ressuscitation - ECPR)
nos casos em que se verifique uma recuperação ineficaz ou não sustentada da
circulação sanguínea espontânea com base nos métodos convencionais de

4
Bartlett, R. H., et al (1985). Extracorporeal circulation in neonatal respiratory failure: a prospective
randomized study. In T. Brogan, L. Lequier, R. Lorusso, G. MacLaren & G. Peek (2017). Extracorporeal Life
Suport – The ELSO Red Book (5ª Edição) (pp. 151 – 158). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support
Organization.
5
O’Rourke P. P. et al (1989). Extracorporeal membrane oxygenation and conventional medical therapy
neonates with persistent pulmonary hypertension of the newborn: a prospective randomized study. In T.
Brogan, L. Lequier, R. Lorusso, G. MacLaren & G. Peek (2017). Extracorporeal Life Suport – The ELSO Red
Book (5ª Edição) (pp. 151 – 158). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support Organization.
6
Firmin, R. K. et al (1996). Role of extracorporeal membrane oxygenation. In T. Brogan, L. Lequier, R.
Lorusso, G. MacLaren & G. Peek (2017). Extracorporeal Life Suport – The ELSO Red Book (5ª Edição) (pp.
151 – 158). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support Organization.
7
Harvey, C. (2017). Extracorporeal Life Support Organization (2016) - ELSO Registry International Summary.
In T. Brogan, L. Lequier, R. Lorusso, G. MacLaren & G. Peek (2017). Extracorporeal Life Suport – The ELSO
Red Book (5ª Edição) (pp. 1 – 11). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support Organization
8
Baffes, T. G. et al (1970). Extracorporeal circulation for support of palliative cardiac surgery in infants. In T.
Brogan, L. Lequier, R. Lorusso, G. MacLaren & G. Peek (2017). Extracorporeal Life Suport – The ELSO Red
Book (5ª Edição) (pp. 307 – 319). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support Organization

14 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


reanimação cardiopulmonar. A instituição do ECMO VA no contexto de PCR tem
como objectivo manter a perfusão dos órgãos e tecidos até à recuperação eficaz
da circulação sanguínea espontânea podendo, secundariamente e em caso de
irreversibilidade (morte cerebral), ser utilizada na manutenção de potenciais órgãos
para transplantação (ExtraCorporeal Interval Support for Organ Retrieval - EISOR).

O grupo de trabalho, em colaboração com um conjunto de peritos, fez uma análise


suportada numa extensa pesquisa bibliográfica, da qual resulta o presente GOBP.
As recomendações contidas neste documento baseiam se em estudos descritivos
não experimentais, na opinião consensual de peritos nacionais e também de
peritos internacionais reconhecidos pela Extracorporeal Life Support Organization
(ELSO). São suportadas pelas evidências apresentadas em documentos nacionais
e internacionais, publicados por diversas autoridades de saúde e associações
profissionais mundiais.

Desta forma, este guia orientador assume uma elevada importância para uma
prática consistente e sólida de todos os EEEMC uma vez que agrega um conjunto
de conhecimentos e saberes especializados, potenciando a visibilidade dos
cuidados de enfermagem à pessoa em situação crítica e sua família. Evidencia
igualmente o impacto que prestação de cuidados especializados em enfermagem
Médico-Cirúrgica possui na qualidade do desempenho profissional através de uma
prática orientada e sistemática dos cuidados de saúde.

Por último, pretende ser um meio facilitador e de incentivo aos EEEMC para a
criação e/ou implementação de programas de ECLS nas respectivas unidades
de cuidados intensivos e/ou centros de referência e para o desenvolvimento de
projectos empreendedores nesta área de cuidados específicos.

Este guia encontra-se estruturado em onze capítulos os quais abordam


sequencialmente o desenvolvimento do suporte extracorporal de vida, os conceitos
e as definições dos termos frequentemente utilizados neste contexto, as principais
modalidades do suporte extracorporal e os equipamentos que suportam a circulação
sanguínea extracorporal. São também analisados os princípios fisiológicos nos quais
se baseiam as trocas gasosas, os procedimentos referentes ao início e suspensão
do suporte extracorporal de vida, assim como, as complicações mais frequentes
que se podem encontrar durante a execução deste procedimento. Segue-se a
resolução dos problemas mais comuns que se podem verificar durante o suporte
extracorporal, bem como, a actuação de emergência por parte do EEEMC, EEESIP
ou ECECLS em caso de falência do suporte extracorporal de vida. Na parte final
deste guia é abordado o período pós-descontinuação do suporte extracorporal de
vida, tendo presente a dimensão ética deste suporte finalizando-se com a proposta
de um modelo assistencial à pessoa em situação crítica com suporte extracorporal
de vida.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 15


1

O DESENVOLVIMENTO DO
SUPORTE EXTRACORPORAL
DE VIDA

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)

C
pilboardPageNumber GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)
1. O DESENVOLVIMENTO DO
SUPORTE EXTRACORPORAL DE
VIDA

Apesar de notável e extraordinariamente complexo, o desenvolvimento do suporte


de vida extracorporal parte de uma simples formulação: é possível imitar a função
cardiopulmonar do corpo humano e dessa forma recuperar um organismo cujas
funções fundamentais se encontram gravemente comprometidas?

1.1 DO CONCEITO INICIAL À ERA MODERNA


Tendo apenas como objectivo perceber se o líquido a que se convencionou chamar
sangue poderia ser transferido entre duas espécies distintas, Jean Baptiste Denis,
ao tentar uma transfusão sanguínea entre um ser humano e um cordeiro1,2, marcou
em 1693 o início de um conceito que se foi desenvolvendo nos séculos seguintes,
à medida que progrediam igualmente outras áreas do conhecimento científico. Em
1812, Julian Jean Cesar le Gallois sugeriu que uma parte do corpo humano poderia
eventualmente ser preservada por um qualquer mecanismo externo de perfusão,
ao observar partes de animais aparentemente mortos que pareciam ganhar vida
quando se tentava restabelecer a corrente sanguínea1,2. Praticamente meio século
após esta formulação, Benjamin Richardson conduz, em 1860, experiências
laboratoriais nas quais é tentada uma circulação artificial num modelo animal2,
sendo construído em 1885, por Max Von Frey e Max Gruber, o primeiro protótipo
de dispositivo coração-pulmão, utilizada para estudar em laboratório a perfusão de
determinados órgãos2.

É no século XX que o desenvolvimento do suporte de vida extracorporal ganha


uma nova dimensão. Com efeito, a descoberta do anticoagulante heparina por
McLean e Howell, em 19162, possibilita uma evolução significativa quer da técnica
quer dos equipamentos que se viriam a desenvolver. Não obstante o contributo de
Sergei Brukhonenko e dos seus colaboradores, em 1920, para o desenvolvimento
do primeiro oxigenador de bolhas que viria a ser utilizado com sucesso em
experiências animais3, foram John e Mary Gibbon, respectivamente um cirurgião
cardíaco e uma perfusionista, os pioneiros na utilização do suporte de vida
extracorporal em seres humanos1. Efectivamente, e após o aperfeiçoamento do
protótipo coração-pulmão entre 1934 e 19464, ocorre em 1953 a primeira intervenção
cirúrgica cardíaca suportada por uma circulação sanguínea extracorporal durante
26 minutos1. Posteriormente, o cirurgião cardíaco C. Walton Lillehei aprimora este

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equipamento coração-pulmão reduzindo parcialmente os fenómenos de hemólise
e extravasamento de plasma aqui associados, possibilitando assim a realização de
cirurgias cardíacas mais complexas4,5.

Não obstante a utilização regular da heparina após 1940 e do aperfeiçoamento


dos equipamentos2 verificado durante a década de 50, constata-se que a
utilização do suporte de vida extracorporal por períodos mais alargados de
tempo era ainda problemática1. Com efeito, a exposição directa do sangue aos
gases nos oxigenadores de bolhas da época tinha como consequência nefasta
uma elevada taxa de destruição celular, comprometendo assim as primeiras
tentativas de suporte extracorporal por períodos prolongados6,7. A descoberta
em 1957 do polímero silicone8,9 e a incorporação da borracha de silicone nos
equipamentos de circulação extracorporal10 foram dois marcos revolucionários no
desenvolvimento desta técnica. De facto, a utilização de um material permeável
aos gases que, simultaneamente, era capaz de suster a pressão hidrostática do
sangue no interior do circuito extracorporal revelou-se como um passo decisivo
uma vez que se conseguiu a separação física entre o sangue e os gases, reduzindo
significativamente o processo de hemólise. A utilização e gestão da anticoagulação
de uma forma controlada contribuíram igualmente para o crescente sucesso da
circulação extracorporal dado permitir uma exposição prolongada do sangue à
superfície do circuito extracorporal, minimizando a sua interacção e a consequente
coagulação sanguínea7,11,12.

O desenvolvimento dos circuitos e das membranas permutadoras de gases teve,


ao longo dos anos, o contributo de inúmeras disciplinas do conhecimento científico
(engenharia, biologia, fisiologia, medicina) e também de inúmeras personalidades
que ficaram indubitavelmente ligadas à história da circulação extracorporal.
Algumas destas figuras destacaram-se ao nível das experiências laboratoriais
que levaram a cabo, com trabalhos verdadeiramente pioneiros. Neste domínio,
destaque para o trabalho de Kolobow no desenvolvimento da arquitectura em
espiral da membrana que fazia a separação entre os gases e o sangue13. Dada a
capacidade e permeabilidade às trocas gasosas desta membrana, a mesma seria
posteriormente baptizada de “membrana oxigenadora” estando inclusivamente
na génese da palavra ECMO (Extracorporeal Membrane Oxigenation). Realce
igualmente para o trabalho de Phil Drinker que em 1966, conjuntamente com
Robert Bartlett, desenvolve um circuito simplificado de circulação e oxigenação
extracorporal, utilizando-o laboratorialmente numa experiência animal durante
4 dias ininterruptos11. Esta experiência, que se tornaria uma antecâmara para a
utilização prolongada em humanos, foi igualmente aproveitada pela mesma dupla
para o desenvolvimento do ACT (Activated Clotting Time) como medida padrão no
que toca à gestão da anticoagulação, desenvolvimento esse que se mantém actual
e corrente várias décadas após a sua formulação7.

18 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


É em 1971 que aplicação de um mecanismo de circulação extracorporal ocorre
com sucesso em seres humanos fora do contexto operatório. Com efeito e fazendo
uso de um circuito e de uma membrana permutadora de gases aperfeiçoados por
Morrie Bramson e cujo tempo de primimng rondava as 12 horas, o médico Donald
Hill utiliza, com sucesso e durante 75 horas, a circulação e oxigenação extracorporal
no suporte de um cliente crítico de 24 anos, vítima de SDRA pós-trauma14. No ano
seguinte, Robert Bartlett utiliza este mesmo suporte, mas agora na modalidade
veno-arterial, suportando durante 36 horas a recuperação de uma criança de dois
anos de idade em falência cardíaca após uma intervenção cirúrgica15. Em 1975,
novamente Robert Bartlett, a quem é atribuído unanimemente o epiteto de “pai
do ECMO moderno”, utiliza novamente com sucesso a circulação e oxigenação
extracorporal durante 72 horas num recém-nascido vítima de hérnia diafragmática
congénita, pneumonia por aspiração de mecónico e hipertensão pulmonar16,17,18. A
esta criança, abandonada após o parto, foi dado o nome de Esperanza e o sucesso
do seu caso despertou, a nível mundial, o interesse da comunidade científica na
potencialidade do suporte ECMO quer na população neonatal quer na população
adulta.

1.2 DA ERA MODERNA À EXPANSÃO GLOBAL


A era moderna do suporte ECMO e a expansão global do seu uso inicia-se nas
unidades de neonatologia nas décadas de 70 e 80, contrariamente ao que era norma
na época, uma vez que, habitualmente, as inovações tanto terapêuticas como ao
nível dos equipamentos ocorriam primeiramente na população adulta e só depois
transitavam para as restantes faixas etárias1. Os estudos e ensaios realizados na
década de 80 evidenciavam pois melhores resultados do suporte ECMO na sua
modalidade veno-venosa em clientes neonatais e pediátricos, com significativa
vantagem em comparação com o tratamento então considerado convencional19,20.
Estes resultados21, publicados em 1985 por Robert Bartlett e algo controversos no
seio da comunidade científica pela metodologia do estudo1, catapultaram o suporte
ECMO para a ribalta o que, a par da miniaturização dos equipamentos que já então
se começava a verificar, fez com que este suporte extracorporal se tornasse uma
prática comum a nível mundial na falência pulmonar do doente neonatal.

Contudo, a afirmação do suporte ECMO na faixa etária adulta foi mais demorada,
existindo muitas reservas quanto à sua mais-valia1. O primeiro estudo22, publicado
por Snider Zapol em 1979, mostrou uma baixa taxa de sobrevivência do cliente
adulto com suporte ECMO, conclusão esta que abrandou o interesse da
comunidade científica na utilização deste suporte na falência respiratória. À luz
do conhecimento actual, argumenta-se agora que a população seleccionada
para este estudo possuía uma reduzida probabilidade de recuperação e que a
modalidade utilizada (veno-arterial) não era a mais indicada para a população em

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 19


questão (clientes com SDRA), comprometendo desta forma os resultados obtidos1.
A ausência de experiência ao nível da gestão do suporte ECMO nos locais onde os
estudos foram realizados é igualmente apontada com uma das razões para o seu
fraco desempenho1, falha também apontada ao estudo publicado23 em 1994 por
Morris no qual não eram evidenciados quaisquer benefícios do suporte ECMO no
cliente adulto, apesar dos resultados obtidos e publicados por Gattioni e Bartlett
durante o ano anterior relativamente a vários clientes adultos24.

Apesar da renitência da comunidade científica relativamente ao uso do suporte ECMO


no cliente adulto, na população neonatal e pediátrica sucediam-se os estudos25,26
que evidenciavam os benefícios do suporte extracorporal comparativamente à
abordagem tradicional. Com efeito, Pearl O’Rourke em 198925 e David Field em
199526 publicaram estudos alargados nos quais as taxas de sobrevivência dos
clientes neonatais suportados por ECMO eram muito superiores às dos restantes
clientes que não beneficiavam deste suporte, assinalando definitivamente a
relevância e vantagem do suporte ECMO.

Após quase duas décadas de aperfeiçoamento técnico e de experiência


acumulada relativamente aos primeiros estudos, surge em 2009 aquele que viria
a ser considerado um dos mais importantes estudos no que concerne a afirmação
do suporte ECMO na falência respiratória. O estudo CESAR27, conduzido por Giles
Peek, aproveitava a diferenciação que alguns centros hospitalares do Reino Unido
possuíam já na área do suporte ECMO (essencialmente neonatal) e comparava-
os com outras unidades que utilizavam uma abordagem convencional no suporte
da pessoa adulta em situação crítica em falência respiratória. Os resultados foram
elucidativos no que respeita à vantagem do suporte ECMO neste tipo de situações,
despertando em definitivo o interesse da comunidade científica na sua utilização.
Este interesse intensificou-se ainda durante esse mesmo ano aquando do surto
global do vírus Influenza, pandemia para a qual os métodos convencionais de suporte
eram manifestamente insuficientes dada a agressividade da doença, caracterizada
por uma rápida deterioração da função pulmonar1. Com efeito, o suporte ECMO
evidenciou-se como determinante para a sobrevivência e recuperação de milhares
de clientes nas diferentes faixas etárias afectados por esta pandemia28,29.

Apesar de tardiamente reconhecido como uma ferramenta importante na população


adulta com falência pulmonar, desde cedo o suporte ECMO ganhou o apoio e a
admiração pelo papel que desempenhava nas faixas etárias neonatal e pediátrica.
Não obstante a ausência de um estudo plenamente aceite pela comunidade
internacional acerca da sua mais-valia (isto é, sem qualquer reparo à metodologia
com que o estudo era conduzido1), o suporte ECMO teve um papel único no
desenvolvimento e disseminação global deste tipo de tecnologia e na evolução de
determinados cuidados de saúde. Com efeito, na segunda metade da década de
80, num mundo ainda sem o advento dos sistemas de comunicação globais e das

20 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


redes sociais digitais, o suporte ECMO aglomerava já, em torno de uma mesma
temática, inúmeros profissionais de saúde com um objectivo comum: discutir e
desenvolver este importante avanço no campo da saúde. As reuniões informais
entre os três hospitais norte-americanos30 que, em 1983, utilizavam regularmente o
suporte ECMO, transformaram-se rapidamente em grandes eventos, actualmente
com a participação de centenas de instituições e profissionais de saúde1.

Após a constituição em 1989 da sociedade ELSO (Extracorporeal Life Support


Organization), sediada nos Estados Unidos da América e dedicada ao estudo
do suporte extracorporal de vida1, é criada, dois anos mais tarde, em Paris a
congénere europeia EESO (European Extracorporeal Life Support Organization)
de modo a promover, de forma mais centrada no continente europeu, o estudo
e o desenvolvimento do suporte ECMO, respeitando as particularidades desta
evolução na europa. O contínuo crescimento, nos vários continentes, do número de
centros e de casos reportados resultou na criação de várias secções desta grande
organização mundial, directamente ligadas aos centros das respectivas áreas
de influência. Deste modo, em 2011 é criado o EuroELSO no continente europeu
(anteriormente denominado por EESO) e em 2013 surgem as restantes congéneres:
Asia-Pacífico, América Latina e Sudeste Asiático. Apesar da existência de várias
secções, a base de dados (conhecido como Registo31) mantém-se comum a todas
elas, partilhando os mesmos objectivos: reunir informação comum relativamente ao
uso do suporte ECMO, comparar os resultados obtidos por cada centro e discutir os
melhores métodos e estratégias no uso deste suporte extracorporal. Com efeito, a
criação e desenvolvimento desta base de dados internacional permitiu a avaliação
dos resultados obtidos caso a caso e a sua comparação entre centros nacionais e
internacionais, possibilitando não só aprimorar as indicações e contra-indicações
para este suporte, mas também as melhores práticas nas várias modalidades deste
suporte extracorporal de vida1.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 21


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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support versus extracorporeal membrane oxygenation for severe adult respiratory failure
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Michigan: Extracorporeal Life Support Organization.

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2

CONCEITOS E
DEFINIÇÕES NO SUPORTE
EXTRACORPORAL

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C
pilboardPageNumber GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)
2. CONCEITOS E DEFINIÇÕES NO
SUPORTE EXTRACORPORAL

A expansão global do suporte extracorporal de vida e o desenvolvimento dos


equipamentos a ele associados levou ao surgimento de uma multiplicidade de
termos e expressões cuja complexidade e ambiguidade dificultam, por vezes, a
sua compreensão. Empregues frequentemente quer na prática clínica quer na
investigação científica, estes termos e expressões associados ao suporte ECMO
foram alvo de uma uniformização internacional de modo a poderem ser utilizados
de forma consistente e consensual em qualquer localização geográfica e em
qualquer lingua, contribuindo assim para uma interpretação comum entre todos os
intervenientes.

2.1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES


O quadro que se segue baseia-se nas recomendações1 do grupo multiprofissional
de peritos formado para o efeito estando aprovadas pelos diversos capítulos da
ELSO nos diferentes continentes.

Quadro 1 - Definições no suporte extracorporal de vida

Termo abrangente que engloba diversos modos de suporte de


vida baseadas no uso de um circuito extracorporal e utilizados
na falência cardíaca e/ou pulmonar tendo como finalidades a
ExtraCorporeal
oxigenação, a remoção de dióxido de carbono e/ou o suporte
Life Support
cardíaco. Exclui-se desta definição a circulação extracorporal
(ECLS)
utilizada nos procedimentos cirúrgicos cardiotorácicos e/
ou vasculares realizados em contexto operatório (bypass
cardiopulmonar).

Mecanismo de suporte de vida baseado num fluxo sanguíneo


extracorporal ao qual, através de dispositivos vasculares (cânulas),
ExtraCorporeal
um circuito extracorporal, uma bomba de sangue e uma membrana
Membrane
permutadora de gases (pulmão artificial), é fornecido oxigénio e
Oxygenation
removido dióxido de carbono, sendo posteriormente devolvido
(ECMO)
à circulação sanguínea (venosa, arterial ou ambas) suportanto a
função pulmonar e/ou cardíaca.

Modalidade Mecanismo de suporte de vida utilizado na falência pulmonar


VenoVenosa onde o sangue é drenado a partir da circulação venosa sendo
(ECMO VV) posteriormente devolvido novamente à circulação venosa. Para
uma descrição detalhada (ver ponto 3.1).
Mecanismo de suporte de vida utilizado na falência cardíaca ou
Modalidade na falência cardíaca e pulmonar em simultâneo onde o sangue
VenoArterial é drenado a partir da circulação venosa sendo posteriormente
(ECMO VA) devolvido à circulação arterial. Para uma descrição detalhada (ver
ponto 3.2).

Procedimento no qual as cânulas de drenagem (acesso) e


retorno sanguíneo são inseridas no sistema vascular. De modo a
identificar os locais de drenagem e retorno sanguíneo é utilizada
uma abreviatura na qual a letra (maiúscula) à esquerda do hífen
diz respeito à cânula de drenagem e a letra (maiúscula) à direita do
hífen diz respeito à cânula de retorno sanguíneo. Nesta abreviatura,
o hífen representa a posição da membrana oxigenadora (ex.: VA:
Canulação a cânula de acesso encontra-se no sistema vascular venoso e a
cânula de retorno encontra-se no sistema vascular arterial).
A existência de uma cânula secundária destinada a uma drenagem
ou retorno adicional de sangue é representada pela adição de uma
letra junto daquela representativa do fluxo principal correspondente.
No caso de um fluxo reduzido, a letra deverá ser minúscula sendo
maiúscula caso o fluxo da cânula secundária seja similar ao da
cânula principal (ex.: VA-V ou VV-V).
Canulação central refere-se à colocação de uma ou mais cânulas
de forma directa numa ou mais cavidades cardíacas (ex. auricula
Canulação Central
direita) ou num grande vaso (ex.: artéria aorta) através de uma
incisão cirúrgica torácica, geralmente uma esternotomia.
Canulação periférica refere-se à colocação de uma ou mais
Canulação cânulas de forma percutânea, semi-percutânea ou cirúrgica num
Periférica vaso sanguíneo (venoso ou arterial) fora da cavidade torácica ou
abdominal.
Mecanismo de suporte de vida destinado a suportar parcialmente a
função pulmonar através da remoção parcial de CO2 da circulação
Extracorporeal
sanguínea. Indicado em situações de hipercapnia sem hipóxia
Carbon Dioxide
(falência pulmonar aguda ou exacerbação da falência pulmonar
Removal
crónica) é utilizado na modalidade VV requerendo um baixo fluxo
(ECCO2R)
sanguíneo baixo (0,2 - 1,5 l/min) não conferindo qualquer suporte
circulatório.
Mecanismo de suporte de vida utilizado na modalidade VA durante
uma paragem cardiorespiratória para o suporte da função circulatória
Extracorporeal
na ausência de uma reversão sustentada da circulação sanguínea
Cardiopulmonar
expontânea com base nos métodos convencionais de reanimação
Ressuscitation
Iniciado até 20 minutos após o início das manobras de reanimação,
(ECPR)
é geralmente instituído através da canulação de acessos venosos e
arteriais femorais.
Mecanismo de suporte de vida utilizado na modalidade VA
ExtraCorporeal com a finalidade de manter a perfusão sanguínea de órgãos
Interval Support destinados à transplantação. Requer a normotermia da circulação
for OrganRetrieval sanguínea extracorporal de modo a preservar a viabilidade dos
(EISOR) órgãos. Também conhecido por OP-ECMO (Organ-Preserving
Extracorporeal Membrane Oxygenation).

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 27


Procedimento no qual ocorre uma redução do fluxo sanguíneo e/
ou do aporte de gases à membrana permutadora de gases no
Teste de Desmame
circuito extracorporal com o propósito de avaliar a tolerância a
(Weaning Trial)
esta diminuição do suporte, tendo como objectivo último a sua
descontinuação definitiva.
Procedimento no qual ocorre uma suspensão temporária do fluxo
sanguíneo e/ou do aporte de gases no circuito extracorporal com
o propósito de avaliar a tolerância a esta suspensão temporária do
Teste de
suporte tendo como objectivo último a sua descontinuação definitiva.
Descontinuação
A suspensão temporária do fluxo sanguíneo é pouco comum devido
(Trial-Off)
ao grande risco de formar coágulos no circuito extracorporal. A
prática mais utilizada é a suspensão do aporte de gases no circuito,
de forma a nunca suspender o fluxo sanguíneo, quer seja na
modalidade VV ou na modalidade VA.
Fonte: Adaptado pelos autores

2.2 INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES DO SUPORTE


EXTRACORPORAL
De uma forma genérica, pode-se afirmar que o suporte extracorporal de vida
encontra-se indicado para as situações em que se verifica uma ineficácia dos
tratamentos considerados como convencionais e usualmente utilizados quer na
falência pulmonar quer na falência cardíaca. Tendo como objectivo a recuperação
de uma ou de ambas as funções em falência, o suporte de vida extracorporal
tem um carácter temporário actuando como suporte desses órgãos até ao seu
restabelecimento podendo igualmente servir como ponte para um tratamento
definitivo caso a recuperação dos mesmos não seja viável.

Adicionalmente, este mecanismo de suporte extracorporal de vida pode ser


utilizado com o intuito de preservar determinados órgãos para transplantação
(EISOR), especificamente em Dadores em Paragem Cardio-Circulatória (DPCC),
nos quais a manutenção da perfusão sanguínea é fundamental para a viabilidade
dos vários órgãos a transplantar.

Assim, e tendo em conta a função pulmonar e/ou cardíaca que se encontra em


falência e também a faixa etária da pessoa em situação crítica, as indicações para
a utilização do suporte extracorporal de vida são as seguintes:

Indicações na falência pulmonar em Neonatologia


Considerando as diferentes faixas etárias nas quais o suporte extracorporal de
vida pode ser utilizado, é possível afirmar, no que respeita ao suporte da falência
pulmonar na população neonatal, esta possui a melhor taxa de sucesso no
suporte ECMO entre todos os grupos etários2. Neste grupo etário, a modalidade
Veno-Venosa está especialmente indicada nos casos em que a ventilação
mecânica invasiva (incluindo de alta frequência) e a terapêutica vasodiladatora

28 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


não surtem o efeito desejado2, nomeadamente nos casos de:

• Hérnia diafragmática congénita


• Síndrome de aspiração de mecónio
• Hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido
• Pneumonia neonatal
• Sépsis (com comprometimento respiratório)
• Doença pulmonar congénita
• Falência respiratória hipoxémica

A utilização do suporte ECMO nas situações previamente mencionadas é


geralmente iniciada quando, apesar da optimização das medidas convencionais em
curso, se continua a verificar a persistência de hipóxia, de acidose metabólica e/ou
respiratória e de uma hipotensão não reactiva a fluídos, com evidente hipoperfusão
tecidular e diminuição do débito urinário4. Um Índice de Oxigenação (IO) igual ou
superior a 25 é habitualmente considerado como critério de análise para a tomada
de decisão acerca da utilização do suporte extracorporal de vida sendo que um
IO superior a 40 pode determinar a rápida decisão acerca do uso deste suporte3.

O IO é calculado através da Concentração de oxigénio Inspirado (FiO2) X Pressão


Média das vias aéreas (MAP) X 100 a dividir pela Pressão Parcial de O2 arterial
(PaO2), como exemplificado no Quadro 2:

Quadro 2 - Índice de Oxigenação

FiO2 x MAP x 100


Índice de Oxigenação (IO) = -------------------------
PaO2

Fonte: Adaptado pelos autores

A hipoplasia pulmonar que muitas vezes surge em consequência do desenvolvimento


da patologia assume-se como algo irreversível no tratamento posterior conduzindo
a situações de falência respiratória crónica. Serão casos de mau prognóstico e que
terão de ser muito ponderados antes de avançar para a técnica de suporte.

Indicações na falência pulmonar em Pediatria


As indicações em Pediatria para ínicio de suporte ECMO VV são mais diversas e
difíceis de ser definidas do que na faixa dos neonatais. Contudo, nos últimos anos,
o número de casos respiratórios relatados à ELSO aumentou para cerca de 500
crianças por ano, com taxa de sobrevida global de 58% com alta hospitalar ou
transferência. Assim, as principais indicações da falência pulmonar em Pediatria

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 29


são:

• Pneumonia viral
• Pneumonia bacteriana
• Sindrome de Dificuldade Respiratória Aguda (SDRA)
• Pneumonite/pneumonia por aspiração
• Agudização de estado asmático

Indicações na falência cardiaca em Neonatologia e Pediatria


Relativamente ao suporte da falência cardíaca na população neonatal, a
modalidade Veno-Arterial encontra-se indicada, genericamente, para todos casos
de falência circulatória cujo suporte convencional é manifestamente insuficiente.
Assim, as indicações para esta modalidade nesta faixa etária são as seguintes:

• Cardiomiopatias (congénitas e/ou adquiridas)


• Arritmias severas com compromisso hemodinâmico
• Hipertensão pulmonar
• Circulação ventricular única (ventrículo único)
• Miocardites

Contra-indicações do suporte em Neonatologia e Pediatria


A utilização do suporte ECMO nesta faixa etária não é isenta de algumas limitações
(conta-indicações). Com efeito, a sua utilização está restringida aos primeiros 10-14
dias de vida pós-parto, sendo necessário que o peso do recém-nascido em causa
seja igual ou superior a 2000 gramas e ainda que a sua gestação tenha decorrido,
pelo menos, durante 34 semanas2. A existência de uma malformação congénita
significativa, nomeadamente devido a uma alteração cromossómica5,6 constitui-se
como um entrave à colocação do suporte extracorporal de vida nesta faixa etária
bem como a existência de encefalopatia hipóxico-isquémica.
Comum a todas as faixas etárias, a hemorragia não controlada ou a hemorragia
intracraniana ou intracardíaca assumem-se como duas das contra-indicações
absolutas para a instituição do suporte extracorporal de vida também em
neonatologia.

Indicações na falência pulmonar em Adultos


As indicações para ECMO VV ou ECCO2R de acordo com a ELSO7 são:
• Insuficiência respiratória hipoxémica (qualquer causa)
• Risco mortalidade > 50% (considerar) ou PaO2/FIO2 < 150 com FiO2 >
90% e/ou Score Murray9 2-3
• Risco mortalidade > 80% (indicado) ou PaO2/FiO2 <100 com FiO2 > 90%
e Score Murray 3-4 apesar de tratamento optimizado durante > 6h

30 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


• Insuficiência respiratória hipercápnica
• Hipercapnia permissiva (PaCO2 > 80 com PH<7,2)
• Incapacidade de ventilar com segurança (Pplat > 30 cmH2O)
• Fístulas bronco-pleurais graves
• Ponte para transplante pulmonar
• Colapso cardíaco ou respiratório imediato

Indicações na falência cardíaca em Adultos


As indicações para ECMO VA de acordo com a ELSO9 são:
• Perfusão tecidual inadequada com hipotensão e baixo débito cardíaco
apesar do volume intravascular adequado
• Choque cardiogénico refractário (EAM, miocardite, miocardiopatia pós-
parto, insuficiência cardíaca descompensada, choque pós-miocardiotomia),
apesar da administração de volume, inotrópicos e vasoconstritores
• Choque séptico, embora considerado contra-indicação em alguns centros
ECMO

Contra-indicações do Suporte Extracorporal em Adultos


Não há contra-indicações absolutas para a ELSO7, apenas relativas, já que cada
cliente é considerado individualmente tendo em conta os riscos versus potenciais
benefícios. Assim, há determinadas condições que estão associadas a um mau
prognóstico e podem ser consideradas contra-indicações relativas, tais como:

• Lesão severa do sistema nervoso central/morte cerebral (DPCC)


• Falência multiorgânica avançada
• Hemorragia activa/coagulopatia não controlada
• Doença terminal/irreversível
• Ventilação artificial agressiva (FiO2 100%, Pplat >30) com duração superior
a 7 dias. Embora alguns centros não consideram o tempo de ventilação uma
contra-indicação
• Idade - não existe uma idade específica, mas considera-se maior risco de
mortalidade com o aumento da idade

9
O Score Murray tem como objetivo avaliar a gravidade da lesão pulmonar. Quatro critérios são tidos
em conta: Número de quadrantes pulmonares infiltrados na radiografia de tórax; PaO2/FiO2 expressa em
milímetros de mercúrio (mmHg); Nível de Positive end-expiratory pressure (PEEP), expresso em centímetros
de água (cm H2O) e a Compliance do sistema respiratório, expresso em mililitros por centímetro de água (ml
/ cm H2O). O valor final do score é obtido adicionando os valores de cada item e dividindo o resultado por 4
(número de parâmetros)8. Scroe Final: 0 = sem lesão Pulmonar; 01-2,5 = lesão pulmonar leve ou moderada e
> 2,5 = lesão pulmonar grave (SDRA).

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 31


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1
Conrad, S. A. et al (2018). The Extracorporeal Life Support Organization Maastricht Treaty
for Nomenclature in Extracorporeal Life Support. A Position Paper of the Extracorporeal
Life Support Organization. In American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine
(2018) (Vol. 198, N.4.). New York. United States of America.

2
Short, B. L., Soghier, L. (2017). Neonatal Rspiratory Diseases. In T. Brogan, L. Lequier, R.
Lorusso, G. MacLaren & G. Peek (2017). Extracorporeal Life Suport – The ELSO Red Book
(5ª Edição) (pp. 123 – 131). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support Organization.

3
Sutner, D. M. Indications and Contraindications for ECLS in Neonates with Respiratory
Failure In T. Brogan, L. Lequier, R. Lorusso, G. MacLaren & G. Peek (2017). Extracorporeal
Life Suport – The ELSO Red Book (5ª Edição) (pp. 151 – 158). Ann Arbor, Michigan:
Extracorporeal Life Support Organization.

4
Harting, M. T. et al (2017). Congenital Diaphragmatic Hernia and ECMO. In T. Brogan,
L. Lequier, R. Lorusso, G. MacLaren & G. Peek (2017). Extracorporeal Life Suport – The
ELSO Red Book (5ª Edição) (pp. 133 – 150). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life
Support Organization.

5
Logan, J. W. et al (2007). Congenital diaphragmatic hernia: a systematic review and
summary of best-evidence practice strategies. In T. Brogan, L. Lequier, R. Lorusso, G.
MacLaren & G. Peek (2017). Extracorporeal Life Suport – The ELSO Red Book (5ª Edição)
(pp. 133 – 150). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support Organization.

6
Snoeck, K. G. et al (2016) Standardized Postnatal Management of Infants with Congenital
Diaphragmatic Hernia in Europe In T. Brogan, L. Lequier, R. Lorusso, G. MacLaren & G.
Peek (2017). Extracorporeal Life Suport – The ELSO Red Book (5ª Edição) (pp. 133 – 150).
Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support Organization.

7
ELSO (Extracorporeal Life Support Organization).(2017). Guidelines for Adult Respiratory
Failure August, 2017. Obtido de: https://www.elso.org/Portals/0/ELSO%20Guidelines%20
For%20Adult%20Respiratory%20Failure%2014.pd.

8
Conventional Ventilation or ECMO for Severe Adult Respiratory Failure (CESAR) Obtido de:
http://cesar.lshtm.ac.uk/murrayscorecalculator.htm.

9
ELSO (Extracorporeal Life Support Organization).(2017). Guidelines for Adult Cardiac Failure.
December, 2013. Obtido de: https://www.elso.org/Portals/0/IGD/Archive/FileManager/
e76ef78eabcusersshyerdocumentselsoguidelinesforadultcardiacfailure1.3.pdf.

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3

MODALIDADES DO SUPORTE
EXTRACORPORAL DE VIDA

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3. MODALIDADES DO SUPORTE
EXTRACORPORAL DE VIDA

Há diferentes estratégias de canulação e configuração do ECMO. O modo de


canulação afecta a fisiologia cardiopulmonar neste tipo de tratamento e é um factor
determinante no outcome. Visto isto, a canulação caracteriza a configuração do
ECMO. Este pode ser caracterizada por ECMO Veno-Arterial (VA) ou ECMO Veno-
Venoso (VV).

A decisão de estabelecer a configuração VV ou VA no ECMO dependerá da natureza


e severidade da doença de base e da rapidez de declínio funcional. Se a indicação
primária para ECMO é falência cardíaca com choque cardiogénico refratário, o
ECMO VA deve ser realizado. Se a indicação para ECMO foi primariamente hipoxémia
progressiva ou hipercapnia, apesar da ventilação mecânica convencional óptima, a
canulação VV é a configuração de escolha1.

3.1 MODALIDADE VENO-VENOSA (VV)


A modalidade VV é utilizada na falência pulmonar. Aqui o sangue é drenado a partir
da circulação venosa (na imagem a veia femoral) sendo posteriormente devolvido
à circulação venosa (na imagem, a veia jugular), oxigenado com baixo teor de CO2.
Neste modo, o sangue que provém do circuito extracorporal irriga sequencialmente
os pulmões e o coração (fisiologia em série), não conferindo qualquer suporte
hemodinâmico na falência cardíaca.

Figura 1: Modalidade Veno-Venosa

Fonte: Adaptado pelos autores


Neste suporte, podem ser utilizadas duas cânulas distintas (uma como acesso e
outra como retorno) ou apenas uma cânula (cânula de duplo-lúmen), colocada
na veia jugular interna. A cânula de duplo lúmen possui dois lúmens internos
correspondendo um deles ao acesso e o outro ao retorno. No lúmen de acesso, os
orifícios por onde o sangue é drenado ficam localizados ao nível das veias cavas
superior e inferior estando o lúmen de retorno localizado ao nível da aurícula direita.

Esta modalidade de circulação sanguínea extracorporal, poderá ter uma outra


configuração com o objectivo de suportar parcialmente a função pulmonar através
da remoção de parte do CO2 da circulação sanguínea, denominando-se de
Remoção Extracorporal de CO2 (ECCO2R).

Está indicada em situações de hipercapnia sem hipóxia tanto na falência pulmonar


aguda como na exacerbação da falência pulmonar crónica sobretudo na população
adulta, utilizando um fluxo sanguíneo reduzido (requer potencialmente doses
superiores de anticoagulante) e coadjuvante da ventilação mecânica (quer seja
não invasiva ou invasiva).

Não confere qualquer suporte circulatório nem concede um suporte pulmonar total.

3.2 MODALIDADE VENO-ARTERIAL (VA)


Esta modalidade é utilizada na falência cardíaca ou na falência cardíaca e pulmonar
em simultâneo. Aqui o sangue é drenado a partir da circulação venosa sendo
posteriormente devolvido à circulação arterial. Neste modo, a acção da circulação
extracorporal ocorre em paralelo com as funções pulmonar e cardíaca (fisiologia
paralela) proporcionando assim o suporte de um ou ambos os órgãos.

Nesta modalidade, o sangue é drenado a partir de uma veia de grande calibre


(na imagem, veia femoral) e, após percorrer o circuito extracorporal, é devolvido
ao organismo através de uma artéria (na imagem, a artéria femoral). O sangue faz
deste modo um bypass ao coração e ao pulmão (fisiologia paralela), permitindo
o seu descanso e recuperação (de um ou ambos os órgãos). Esta modalidade
confere um suporte hemodinâmico directo.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 35


Figura 2: Modalidade Veno-Arterial (VA)

Fonte: Adaptado pelos autores

Esta modalidade também é utilizada na Reanimação Cardiopulmonar Extracorporal


(E-CPR) e nos Dadores em Paragem CardioCirculatória (DPCC).

A Reanimação Cardiopulmonar Extracorporal (E-CPR) é um procedimento baseado


na imediata instituição do suporte ECMO após a tentativa ineficaz de recuperação
sustentada da circulação sanguínea espontânea com base nos métodos
convencionais de reanimação cardiopulmonar.

Nos Dadores em Paragem CardioCirculatória (DPCC) ou ExtraCorporeal Interval


Support for Organ Retrieval (EISOR10) / Abdominal Normothermic Oxygenated
Recirculation (ANOR) / Normothermic Veno-Arterial ECMO (NECMO)/Organ-
Preserving ECMO (OP-ECMO11), a utilização desta modalidade VA tem o intuito
de manter a perfusão sanguínea dos órgãos destinados à transplantação e requer
normotermia (37ºC) da circulação sanguínea extracorporal de modo a melhor
preservar os órgãos destinados à transplantação.

10
EISOR refere-se habitualmente ao contexto de óbito por paragem cardiorrespiratória.
11
OP-ECMO é geralmente associado ao contexto de doação por morte cerebral.

36 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


3.3 MODALIDADES HÍBRIDAS
As configurações não podem ser vistas como estáticas e imutáveis. Mudanças na
condição do cliente, progressão da doença ou desenvolvimento de falência orgânica
deverá alertar para uma reavaliação da estratégia de canulação do ECMO para
suprir as novas condições metabólicas, clínicas, hematológicas ou hemodinâmicas.
Se tal acontecer o suporte de vida extracorporal pode ser convertido. Isto é,
um ECMO VV pode ser mudado para ECMO VA e vice-versa. Pode também ser
utilizada mais uma veia [VA+V (síndrome de Harlequim12), VV+V] para drenagem
venosa adicional. Estas configurações são designadas de configurações híbridas e
representam aspectos de optimização do ECMO no sentido de melhorar o suporte
e as trocas necessárias para suprir o metabolismo do cliente, fazendo deste um
sucesso1.

A modalidade híbrida VenoVenosa-Arterial é utilizada na falência pulmonar e


cardíaca. O sangue é drenado a partir da circulação venosa (na imagem, a veia
femoral) sendo posteriormente devolvido em simultâneo à circulação venosa (na
imagem a veia jugular) e à circulação arterial (na imagem a artéria femoral) através
de uma bifurcação pós-membrana permutadora de gases.

Figura 3: Modalidade Híbrida VenoVenosa-Arterial (VV-A)

Fonte: Adaptado pelos autores

12
A síndrome de Harlequim é uma situação que ocorre no modo ECMO VA onde ocorre a incapacidade de
fornecer sangue oxigenado suficiente para as necessidades metabólicas superiores do corpo pelo que é
necessário introduzir uma cânula adicional na veia jugular interna de modo a introduzir sangue oxigenado à
circulação pulmonar1.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 37


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1
V. Sorokin, G. MacLaren, P. C. Vidanapathirana, T. Delnoij e R. Lorusso, “Choosing
the appropriate configuration and cannulation strategies for extracorporeal membrane
oxygenation: the potential dynamic process of organ support and importance of hybrid
modes,” European Journal of Heart Failure Supplements, vol. 19, pp. 75-83, Maio 2017.

2
Michael Ibrahim MD PhD, Christian Bermudez MD (2017) - Universidade da Pensilvânia
- A Prospective Randomised Trial of Early LV Venting Using Impella CP for Recovery in
patients with cardiogenic shock managed with VA ECMO.

38 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


4

COMPONENTES DO SUPORTE
EXTRACORPORAL DE VIDA

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4. COMPONENTES DO SUPORTE
EXTRACORPORAL DE VIDA

Os sistemas de suporte extracorporal de vida baseiam-se, na sua essência, nos


equipamentos de bypass cardiopulmonar utilizados dentro do bloco operatório,
em contexto de cirurgia cardíaca. A evolução destes equipamentos, sobretudo
ao nível dos materiais utilizados, permitiu igualmente a evolução dos sistemas
extracorporais utilizados fora do contexto operatório sendo de realçar a sua
significativa miniaturização.

Os componentes básicos de um sistema extracorporal de vida incluem cânulas,


tubos condutores (circuito), uma bomba de sangue, a membrana permutadora de
gases (oxigenador) e uma unidade permutadora de calor, responsável pela regulação
da temperatura no circuito extracorporal. Os modernos sistemas extracorporais
possuem igualmente, integrados no seu circuito principal, diversos sensores
cuja função passa pela monitorização das diferentes pressões, temperaturas,
saturações, parâmetros metabólicos e fluxos bem como pela detecção de entradas
acidentais de ar ou bolhas, uma monitorização absolutamente fundamental para a
segurança deste suporte extracorporal.

Apesar da sua dimensão cada vez mais reduzida e do seu uso ser cada vez
mais intuitivo, os sistemas de suporte extracorporal de vida, produzidos em
materiais biocompatíveis, representam ainda um elevado nível de complexidade
sendo fundamental um conhecimento aprofundado acerca de cada um dos seus
componentes de modo a ser possível resolver, de uma forma rápida e segura, um
qualquer funcionamento deficiente de um ou mais destes componentes.

4.1 ACESSOS VENOSOS E ARTERIAIS (CÂNULAS)


O termo cânula refere-se aos cateteres que são colocados nos vasos sanguíneos
e por onde o sangue é recolhido (acesso) para o sistema extracorporal e
posteriormente devolvido (retorno) por este. Esta nomenclatura permite distinguir
estes cateteres dos restantes utilizados em outros procedimentos não relacionados
com o suporte extracorporal de vida. Fabricadas em poliuretano biocompatível
com ou sem revestimento interno de anticoagulante (heparina) e aprovadas para
uma utilização máxima de 30 dias (indicação do fabricante), as cânulas usadas
no suporte de vida extracorporal compreendem as cânulas venosas (acesso) e as
cânulas arteriais (retorno)1.
Figura 4: Cânulas Venosas (azuis) e Cânulas Arteriais (vermelhas)

Fonte: https://www.getinge.com3

As cânulas podem ser inseridas perifericamente de forma percutânea simples


(técnica de Seldinger), com exposição do vaso (técnica de Seldinger modificada)
ou ainda através de uma abordagem cirúrgica ao vaso em questão. Podem
também ser inseridas através de canulação central, sendo esta abordagem
utilizada essencialmente em contexto de cirurgia cardíaca, nomeadamente quando
é necessário prolongar o suporte circulatório no período pós-cirúrgico. Neste tipo
de canulação, a cânula venosa (acesso) encontra-se localizada na aurícula direita
estando a cânula de retorno (arterial) posicionada na artéria aorta ascendente. São
habitualmente utilizadas as cânulas empregues durante o procedimento cirúrgico,
substituindo-se apenas o circuito do equipamento de bypass cardiopulmonar.
Apesar de permitir fluxos sanguíneos consideráveis, a canulação central
implica geralmente manutenção do esterno aberto durante o período de suporte
extracorporal com o consequente risco acrescido de hemorragia e infecção.

O tamanho das cânulas e a sua localização (vaso sanguíneo onde é inserida) são
factores fundamentais na eficácia e eficiência do suporte extracorporal. Uma cânula
com um diâmetro inferior ao necessário irá provocar necessariamente um aumento
da resistência ao fluxo sanguíneo, resistência esta igualmente proporcional ao
seu cumprimento e ao número de orifícios laterais que esta possui. A escolha de
uma cânula de retorno com um diâmetro inferior ao necessário pode potenciar
os fenómenos de hemólise, de activação plaquetária excessiva e ainda possíveis
rupturas num ou mais componentes do circuito extracorporal sujeitos a uma pressão
elevada.

O tamanho de uma cânula é medido pelo seu diâmetro externo sendo a sua
medida expressa segundo a escala French (Fr). A partir desta escala, também
conhecida por escala Charrière (Ch), é possível determinar o seu diâmetro exacto
em milímetros já que a cada 3 Fr corresponde 1 mm na tradicional escala métrica.
Quer a modalidade quer a área de superfície corporal do cliente são factores a
ter em conta aquando da escolha do diâmetro e comprimento das cânulas que
serão utilizadas. Apesar de possuírem o mesmo diâmetro, as cânulas de diferentes
fabricantes apresentam comportamentos distintos ao nível do fluxo sanguíneo
permitido e também ao nível da pressão interna gerada1.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 41


A cânula por onde o sangue é recolhido e por onde este diverge para o circuito
extracorporal é denominada por cânula venosa (cânula de acesso). As cânulas
venosas possuem geralmente um maior calibre, possuindo um orifício central e
vários orifícios laterais de modo a facilitar a captação e drenagem sanguínea para
o sistema extracorporal. As cânulas venosas podem possuir apenas um lúmen,
variando o seu diâmetro entre os 10 Fr e os 29 Fr e o seu cumprimento entre os 11
cm e os 55 cm, sendo as de maior cumprimento geralmente utilizadas na canulação
dos vasos ao nível femoral2.

A cânula utilizada na devolução do sangue ao sistema circulatório do cliente é


denominada por cânula arterial (retorno) possuindo geralmente um orifício central
principal e dois orifícios laterais secundários, variando o seu diâmetro entre os 6 Fr
e os 23 Fr. A colocação desta cânula acarreta necessariamente uma diminuição no
espaço livre do vaso onde é inserida, tendo por isso impacto no fluxo sanguíneo
desse local2.

Este facto é particularmente relevante quando, na modalidade veno-arterial, esta


cânula de retorno é colocada ao nível femoral, diminuindo deste modo o fluxo neste
local. Neste cenário, e de modo a evitar uma baixa perfusão do membro inferior, a
colocação de uma pequena cânula de reperfusão (6 Fr a 8 Fr), orientada no sentido
próximo-distal, surge como garantia do fluxo sanguíneo necessário à irrigação
dessa extremidade evitando uma possível isquemia ou síndrome compartimental. A
monitorização da perfusão/oxigenação dessa extremidade é fundamental para uma
detecção precoce e atempada de uma situação de baixa perfusão.

Considerando-se a medida do diâmetro de uma cânula o seu diâmetro externo,


este factor é especialmente relevante nas cânulas de duplo lúmen. Nesta tipologia
de cânula, e para o mesmo número de Fr, o diâmetro interno de cada lúmen é
consideravelmente menor comparativamente com uma cânula venosa de apenas
um lúmen dado a coexistência, num mesmo espaço, de dois lúmens.

A cânula de duplo lúmen (Figura 5) possui dois lúmens internos e um diâmetro que
varia entre os 13 Fr e os 32 Fr. Também conhecida por cânula bi-cava, esta cânula
é apenas utilizada na modalidade veno-venosa destinada ao suporte da função
pulmonar sendo constituída por um lúmen destinado à drenagem do sangue e outro
orientado para a sua devolução.

Figura 5: - Cânula de duplo-lúmen

Fonte: https://www.getinge.com3

42 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Inserida através da veia jugular, a cânula de duplo lúmen necessita de uma
colocação precisa de modo a que as áreas de drenagem do sangue (orifícios da
cânula de acesso) fiquem localizadas ao nível das veias cavas inferior e superior
(drenagem simultânea em ambas as áreas) e a área de devolução (orifício distal da
cânula de retorno) fique localizada ao nível da aurícula direita, minimizando deste
modo a probabilidade de recirculação sanguínea no sistema extracorporal.

4.2 CIRCUITOS EXTRACORPORAIS


Os circuitos utilizados nos sistemas extracorporais de suporte de vida (Figura 6)
são constituídos por materiais biologicamente inertes, de elevada durabilidade e
resistentes à fragmentação do seu próprio material (fenómeno conhecido como
spallation). Desenvolvidos a partir dos sistemas de bypass cardiopulmonar
utilizados em contexto de cirurgia cardíaca e elaborados anteriormente em látex
e silicone, os modernos circuitos extracorporais são actualmente produzidos em
PVC isento de DEHP (di-etilhexil ftalato) apresentando uma elevada flexibilidade
e resistência à sua própria deterioração, suportando pressões que variam entre os
-500 mmHg e os +900 mmHg1.

Figura 6: - Circuito extracorporal (conjunto de tubos)

Fonte: https://www.getinge.com3

Acompanhando a evolução verificada ao nível das bombas de sangue utilizadas no


suporte extracorporal de vida, também os circuitos extracorporais evoluíram, tanto
ao nível da sua composição, como ao nível da sua arquitectura. Assim, os modernos
circuitos extracorporais encontram-se disponíveis com ou sem revestimento interno
de anticoagulante (heparina), carregados na sua superfície interna com cargas
eléctricas negativas (destinadas a repelir as plaquetas, também elas de carga
eléctrica negativa) e encontram-se disponíveis em diferentes tamanhos, adaptados
às várias faixas etárias e necessidades de suporte, sendo o fluxo sanguíneo máximo
de cada deles um expresso em litros/minuto conforme descrito abaixo:

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 43


• 3/16’’ (neonatal): 1,2 L/min
• 1/4’’ (pediátrico): 2,5 L/min
• 3/8’’ (pediátrico / adulto): 5 L/min
• 1/2’’ (adulto): 10 L/min

Uma das evoluções mais notórias diz respeito ao seu cumprimento e aos pontos
de acesso que, ao longo dos tempos, têm sido progressivamente reduzidos.
De facto, os circuitos foram sendo miniaturizados de modo a aumentar a sua
manobrabilidade o que permite uma movimentação mais segura da pessoa diminui
simultaneamente a resposta inflamatória do organismo e a probabilidade de
formação de coágulos. Neste particular, a redução do número de pontos de acesso
ao circuito é especialmente relevante já que, cada um destes pontos representa
uma provável zona de turbulência no fluxo sanguíneo, levando à sua hemólise e à
formação de coágulos, além de representar uma potencial porta de entrada de ar
no circuito extracorporal.

4.3 BOMBAS DE SANGUE


A bomba de sangue do sistema extracorporal é o mecanismo que controla o fluxo
sanguíneo do cliente através do circuito e da membrana permutadora de gases
existindo duas tipologias de que são habitualmente utilizadas, a bomba de sangue
oclusiva ou de roletos e a bomba de sangue centrífuga.

Baseada no mecanismo de bypass cardiopulmonar usado em contexto de cirurgia


cardíaca, a bomba de sangue oclusiva ou de roletos, como se pode verificar na
Figura 7, foi o equipamento utilizado na transição do suporte extracorporal entre o
bloco operário e as unidades de cuidados intensivos. Apresentando-se como uma
versão simplificada do dispositivo de bypass cardiopulmonar, este equipamento
extracorporal apresenta uma bomba de sangue com dois roletos principais que
comprimem uma determinada secção do circuito extracorporal impulsionando de
forma circular o fluxo sanguíneo no seu interior.

Figura 7: Bomba de sangue oclusiva (de roletos)

Fonte: https://www.getinge.com3

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Apesar de se apresentar com alguma dependência do efeito da gravidade para
garantir um constante aporte sanguíneo ao sistema e não obstante a fadiga da
superfície do circuito verificada na zona de compressão dos roletos, a bomba de
sangue oclusiva revelou-se fundamental na afirmação do suporte extracorporal fora
do contexto cirúrgico, sendo ainda usada em alguns centros como equipamento na
assistência de curta duração ao cliente neonatal e pediátrico dada a sua precisão
no controlo rigoroso dos baixos fluxos sanguíneos requeridos nestas faixas etárias,
embora existam outras alternativas de maior precisão com baixos fluxos.

No entanto, com intuito de prolongar o período de assistência que poderia ser


oferecido por estes mecanismos de suporte extracorporal de vida, uma nova
tipologia de bomba de sangue foi desenvolvida durante a década de 70, tendo
sido apresentada pela primeira vez em 1978, como uma alternativa às bombas de
sangue oclusivas. Esta nova tipologia, denominada por bomba de sangue centrífuga,
faz parte do grupo de mecanismos circulatórios denominados por não oclusivos,
grupo este que integra igualmente as bombas de sangue de configuração axial e
diagonal.

A bomba de sangue centrífuga funciona essencialmente através da acção rotativa


de um motor cuja rotação gera, no dispositivo (reservatório) do circuito extracorporal
que é acoplado à bomba, um movimento em vórtice com uma pressão negativa
(responsável pela sucção do sangue para o circuito) e, simultaneamente, uma
pressão positiva que impulsiona o sangue para fora desse mesmo dispositivo
(reservatório) rumo ao circuito.

Figura 8: Bomba centrifuga

Fonte: https://www.getinge.com3

Apresentando como principal vantagem um menor grau de complicações clínicas,


dada a ausência de compressão mecânica do sangue com a sua consequente
hemólise, esta tipologia de bomba permite igualmente utilizar um mesmo circuito
durante um período prolongado de tempo dado não existir uma degradação
acentuada numa determinada aérea do circuito (zona de compressão dos roletos),
reduzindo desta forma o potencial de libertação de partículas do circuito e mesmo
a ruptura deste nesse segmento.

As bombas de sangue centrífugas actuais, apesar de possuírem princípios de

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funcionamento semelhantes diferenciam-se pelo modo como a força magnética da
bomba de sangue é aplicada no dispositivo (reservatório) que lhe está acoplado
bem pelas características destes mesmos dispositivos, também conhecidos por
“cabeça da bomba”.

Com efeito, estes dispositivos podem ser constituídos, em alguns dos seus
modelos, por uma série de cones concêntricos cujo movimento giratório impulsiona
o sangue numa determinada direcção, num padrão de movimento tipo vórtice,
como mostra a Figura 9. Apesar da progressiva miniaturização destes dispositivos,
também conhecidos por bombas de vórtex, com a consequente redução da área e
tempo de contacto entre a sua superfície e o sangue, estes apresentam ainda um
considerável grau de hemólise dado a existência de um ponto fixo em torno do qual
os cones concêntricos se movimentam, gerando zonas de estagnação sanguínea
e de formação de coágulos.

Figura 9: Bomba centrifuga com cones concêntricos

Fonte: https://www.getinge.com3

As bombas centrífugas mais recentes necessitaram de mudanças na sua


composição de forma a reduzir ou eliminar áreas de estagnação, reduzindo a
hemólise mecânica que se verificava nas primeiras bombas desenhadas. Estas são
constituídas por um rotor dentro de um encaixe cónico rígido que cria um vórtice
constrangido para drenar o sangue para a bomba e usa a força centrífuga para
ejectar esse mesmo sangue da bomba3. O fluxo nestas bombas é dependente
da condição da pré e pós-carga do cliente, ou seja, se a volémia do cliente é
baixa ou reduzida, então a bomba mantém as rotações programadas, mas o fluxo
reduzirá automaticamente sem exercer pressão negativa extrema no átrio. Se há
um aumento da pós-carga ou um aumento modesto da pressão arterial, o fluxo
cairá automaticamente sem alterações nas rotações e sem gerar níveis elevados de
pressão positiva. As bombas centrífugas estão equipadas de uma manivela para
uso manual e uma bateria, para o caso de falha de energia4.

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Bombas de sangue: com o acesso fechado, a bomba deve exercer uma força de
sucção máxima entre os -100 e os -300 mmHg. Com o retorno venoso sanguíneo
fechado não deve exercer uma pressão positiva superior a +300 mm Hg.

Por vezes, quando a acesso venoso é subitamente interrompido, a pressão


negativa pode chegar aos -750 mm Hg. Nesta situação, pode ocorrer o fenómeno
de cavitação. A cavitação extrai os gases que se encontram dissolvidos no sangue
(oxigénio e dióxido de carbono) do sangue, causando hemólise do sangue no
acesso sanguíneo e na cabeça da bomba de sangue.

Os modelos mais recentes de bombas de sangue diminuem as RPM a partir


pressões pré-definidas (positivas e negativas).

Devem possuir bateria suficiente, pelo menos para 1h e devem ter sempre
disponiveis um disposito manual de bombeamento so sangue (hand crank).

4.4 MEMBRANAS PERMUTADORAS DE GASES


(MEMBRANAS OXIGENADORAS)
Esta componente tem como intuito a de fornecer oxigénio e remover dióxido de
carbono. Deve ter o tamanho adequado para providenciar antecipadamente as
necessidades metabólicas do cliente.

O sangue sai da bomba e entra para a membrana permutadora de gases ou a


unidade permutadora de calor, dependendo do tipo de aparelho que é usado. Para
oxigenadores com unidade de calor integrada, o sangue entrará primeiro neste.

A membrana permutadora de calor é constituída por vários biomateriais como:


borracha de silicone, fibra oca microporosa, uma superfície de polimetilpenteno
comprimido, cloreto de polivinilo e aço inoxidável. A área da superfície da membrana
e o local da mistura do sangue determina a capacidade máxima de oxigenação de
qualquer oxigenador. A taxa de fluxo ou entrega máxima de oxigénio é definida
pela quantidade de sangue dessaturado que pode ser quase totalmente saturado,
por minuto. A taxa de fluxo standard para qualquer membrana permutadora de
gases é a taxa de fluxo da qual o sangue venoso cuja saturação de 75% com uma
hemoglobina de 12-14mg/dl sairá da membrana com uma saturação de 95%5.

Tanto a membrana permutadora de gases como a bomba devem ser capazes de


fornecer e remover O2 e CO2 respetivamente, de pelo menos na mesma proporção
do metabolismo normal do cliente, o que equivale a uma taxa de fluxo sanguíneo
VV de 3cc/kg/min em adultos, 4-5cc/kg/min em crianças e 6cc/kg/min em recém-
nascidos1.

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Figura 10: Membrana permutadora de gases

Fonte: Adaptado pelos autores

Na membrana oxigenadora, tal como no pulmão, as trocas gasosas dão-se por


gradiente de pressão.

A vantagem que estas membranas têm em relação às cilíndricas é que o sangue


circula entre as fibras desalinhadas que criam turbulência facilitando o contacto
com todas as células, aumentando assim a superfície de contacto. Esta superfície
de contacto da membrana e a mistura (troca de gases) na via do sangue determinam
a capacidade máxima de oxigenação (rated flow).

Rated flow

O Rated flow ou “entrega máxima de O2” é a quantidade máxima de sangue venoso


normal que a membrana consegue aumentar desde a entrada do oxigenador
(SatO2 de 75%) até à saída (SatO2 de 95%), num dado período de tempo. A área
superficial da membrana influência no sentido de dar o suporte total necessário ao
cliente. Com um fluxo superior ao rated flow (definido pelos fabricantes) a SatO2
arterial desce por não haver tempo para as trocas.

A entrega de oxigénio máxima é a quantidade de oxigénio por minuto que é


entregue na membrana.

Primeiras membranas (membranas não porosas, sólidas, de borracha siliconada)


possuíam um circuito sanguíneo comprido e um gradiente de pressão elevado. As
iniciais membranas de circuitos de fibras ocas (holow fiber membranes) dentro das
quais circulava o sangue possuíam igualmente um gradiente de pressão elevado no
compartimento do sangue circulando os gases no exterior destas fibras. As actuais
membranas possuem igualmente fibras ocas mas as mesmas são utilizadas para a
circulação dos gases, circulando o sangue no seu exterior, com menor gradiente
de pressão.

Membranas Holow Fiber iniciais: feitas de polipropileno microporoso têm uma


longevidade limitada pelo leak de plasma que podia causar falha da membrana,
devido à saturação da superfície de contacto entre o sangue e os gases.

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Membranas Holow Fiber actuais: PMP (polimetilpentano); mais eficientes nas
transferências gasosas oferendo uma resistência muito baixa à passagem do
sangue pelo seu interior. Sem leak de plasma significativo. Apesar de apresentarem
uma estrutura de fibras bastante sólida, os gases podem passar para o circuito do
sangue (blood path) e se tal acontecer, pode ocorrer uma pressão muito negativa.

As actuais membranas de PMP demonstram uma elevada durabilidade, uma


atenuação da resposta inflamatória e uma menor necessidade de hemoderivados.

Figura 11: Oxigenadores por membranas

Fonte: https://www.getinge.com3

4.5 UNIDADES PERMUTADORAS DE CALOR


Estes aparelhos são constituídos ou por tubos de aço inoxidável ou por paredes
corrugados que separam o sangue que circula neles da circulação da fonte de
água. A sua função é bidireccional, aquecendo ou arrefecendo o sangue que vai
em direcção ao cliente. Consoante o tipo de aparelho, a sua eficiência é baseada
na transferência ou troca de calor.

Sabe-se que a hipotermia pode causar hemorragia e desregulação fisiológica bem


como a hipertermia pode trazer efeitos cerebrais devastadores4. O objectivo destes
aparelhos é a de manter a normotermia durante o tratamento de ECMO. Este efeito é
conseguido através da regulação da temperatura da água, discretamente mais alta
que a temperatura sanguínea normal, de forma a manter uma temperatura corporal
pretendida. Para que não haja nenhuma fuga de calor pelo circuito, estas unidades
são normalmente as componentes mais distais do circuito4. No entanto, como já
referido anteriormente, há membranas permutadora de gases já com sistema de
aquecimento/arrefecimento integrado. Estas unidades baseiam-se no conceito de
contracorrente do fluxo para que o sangue e a água circulem em direcções opostas
de forma a melhorar a sua eficiência.

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Figura 12: Permutadores de calor

Fonte: http://www.medtronic.com6 e https://www.getinge.com3

4.6 MISTURADORES DE GASES


Os misturadores de gases fornecem uma mistura precisa de ar comprimido e
oxigénio ao oxigenador por membranas, permitindo ajustes da concentração de 21
a 100%. Estes misturadores poderão ser de alto fluxo ou baixo fluxo e incorporam
filtração de gases de abastecimento, como podemos ver na figura abaixo.

Figura 13: Misturador de gases (Blender)

Fonte: https://sechristusa.com7

4.7 SENSORES DE PRESSÕES/FLUXOS/AR


Os monitores disponibilizam uma série de informações importantes aos profissionais
de saúde, pois integram um conjunto de informações visando a monitorização e
segurança. Monitorização das pressões do circuito, detecção de bolhas (Figura
14) e um sistema de alarmes com automatização e servo-regulação da bomba de
sangue ou mesmo interrupção do funcionamento da mesma, em caso de anomalias,

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são as capacidades destes monitores, como mostra a Figura 15. O fluxo sanguíneo
é monitorizado através de detectores ultrassónicos, sendo que a pressão pré e
pós membrana são servo-reguladas com uma pressão máxima programada de
forma a evitar pressões perigosas. Também servo-regulam a pressão do circuito de
drenagem do sangue para a bomba, para prevenir uma sucção excessiva1.

Figura 14: Detector de ar

Fonte: https://www.getinge.com3

Figura 15: Monitor do Cardiohelp® (informações das pressões/fluxos)

Fonte: https://www.getinge.com3

A informação disponibilizada por estes monitores não é suficiente. É também


necessária a monitorização da saturação de oxigénio das linhas venosa e arterial,
para uma avaliação em tempo real da adequação das funções de perfusão e
oxigenação do circuito. Alguns centros de suporte ECMO dispõem de monitores
que fazem esta avaliação contínua, enquanto que noutros é necessário colher
sangue numa seringa de gasimetria de forma a analisar as trocas gasosas, para
isso é necessário colocar uma torneira pré e outra pós membrana de forma a
facilitar essa colheita.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1
ELSO General Guidelines, “ELSO Guidelines for Cardiopulmonary Extracorporeal Life
Support,” Agosto 2017. [Online]. Available: https://www.elso.org/Portals/0/ELSO%20
Guidelines%20General%20All%20ECLS%20Version%201_4.pdf.

2
R. R. Thiagarajan, “https://thoracickey.com/,” 7 Junho 2016. [Online]. Available: https://
thoracickey.com/extracorporeal-membrane-oxygenation-in-infants-and-children/.

3
Getinge Group (2018) - Obtido de https://www.getinge.com.

4
ELSO: Extracorporeal Life Support Organization, ECMO Specialist Training Manual, 3a
ed., B. L. Short e L. Williams, Edits., Michigan: ELSO, 2010.

5
ELSO Extracorporeal Life Suport Organization, ECMO Extracorporeal Cardiopulmonary
Support in Critical Care, 4a edição ed., G. Annich, G. M. Laren, R. Bartlett, W. Lynch e J.
Wilson, Edits., Michigan: ELSO Extracorporeal Life Suport Organization, 2012.

6
Medtronic (2018) - Obtido de http://www.medtronic.com.

7
Sechristusa (2018) - Obtido de https://sechristusa.com.

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5

PRINCÍPIOS FISIOLÓGICOS

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5. PRINCÍPIOS FISIOLÓGICOS

A compreensão da fisiologia do suporte extracorporal de vida e da sua interacção


com a fisiologia do organismo pressupõe o entendimento de alguns conceitos
fundamentais ao nível das trocas gasosas que ocorrem tanto a nível pulmonar como
na superfície da membrana permutadora de gases. Esquematicamente com base
na figura 16, podemos definir este suporte, independentemente da sua modalidade,
como a circulação extracorporal de sangue pouco oxigenado e saturado com
dióxido de carbono através de uma membrana permutadora de gases onde este
é híperoxigenado e do qual é removido o excesso de dióxido de carbono sendo
posteriormente devolvido à circulação.

Figura 16: Circulação extracorporal de sangue pouco oxigenado e sangue oxigenado

Fonte: Adaptado pelos autores

A membrana permutadora de gases tem assim como principal objectivo mimetizar


a função pulmonar do organismo procurando, em conjugação com o aporte de
gases que lhe é conferido, um equilíbrio homeostático ao nível das trocas gasosas
semelhante ao que ocorre nos pulmões.

5.1 FISIOLOGIA DAS TROCAS GASOSAS NO CORPO HUMANO


A difusão de gases faz-se de um nível de pressão mais alta para um mais baixo
sendo que, neste contexto, a pressão parcial de oxigénio no ar atmosférico é de
cerca de 158mmHg chegando ao interior da célula com uma pressão de apenas
10mmHg, conforme pode ser observado na figura 17. Relativamente ao dióxido de
carbono, igualmente devido aos gradientes de pressão, este é transportado pelo
sangue a partir dos vasos capilares até aos alvéolos pulmonares e daí excretado
pelos pulmões1.

As trocas gasosas ocorrem, pois, a dois níveis, especificamente ao nível do pulmão


e ao nível celular. Em ambos, a troca de oxigénio e dióxido de carbono ocorre
devido aos diferentes gradientes de difusão que vão sendo originados pelas
mudanças nas pressões parciais destes gases ao longo dos seus trajectos.

Figura 17: Trocas gasosas no alvéolo pulmonar

Fonte: Adaptado pelos autores (obtido de https://rocas+gasosas+no+alv%C3%A9olo+pulmonar&source5)

São as necessidades metabólicas que determinam o consumo de oxigénio e o fluxo


sanguíneo necessário para a sua distribuição pelos diferentes órgãos. O sistema
cardiorrespiratório mantém homeostaticamente uma disponibilidade de oxigénio
que supera as necessidades de consumo do organismo, disponibilizando a todo
o momento o quádruplo do oxigénio que se encontra a ser consumido. Este rácio
assente na proporção de 4:1 entre o que está disponível e o que é necessário, serve
para, de uma forma imediata, acomodar uma qualquer necessidade adicional de
oxigénio e baseia-se numa relação intrínseca entre a quantidade/teor de oxigénio, a
sua distribuição e o seu consumo e cuja perturbação acarreta alterações fisiológicas
importantes1.

5.1.1 QUANTIDADE DE O2
Quando surge uma necessidade metabólica de oxigénio superior, de modo a
conservar o rácio de 4:1 entre a quantidade de oxigénio fornecida e a efectivamente
consumida, verifica-se em primeira instância, um aumento do débito cardíaco.
Esta resposta do organismo tem como objectivo manter a quantidade disponível
de oxigénio constante relativamente ao seu consumo que em condições normais,
equivale a um valor de saturação venosa de 75%.

Este valor, conforme se pode observar na figura 18, significa que o consumo de
oxigénio pelo organismo é de apenas 25% do total disponível assegurando a já

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referida relação homeostática entre quantidade, distribuição e consumo.

Figura 18: Quantidade de oxigénio fornecida e a efectivamente consumida

Fonte: Adaptado pelos autores

Na generalidade a PO2 é um parâmetro unanimemente aceite como reflexo da


ventilação/perfusão a nível pulmonar, proporcionando um indicador útil para os
ajustes na terapia suplementar com oxigénio. No entanto, a PO2 apenas representa
o oxigénio dissolvido no plasma, ou seja, cerca de 2% do oxigénio da corrente
sanguínea. Por outro lado, a SpO2 é outro parâmetro crucial representando
a saturação da hemoglobina disponível no sangue arterial. Contudo, a sua
concentração não é conhecida. Sabemos que a hemoglobina é a condição sine
qua non de 98% do transporte de oxigénio. Isto para dizer no que respeita ao
conteúdo de oxigénio no sangue as gasimetrias não expressam a quantidade de
oxigénio disponível sem o conhecimento do valor da hemoglobina. Valores altos de
concentração de hemoglobina correlacionam-se com níveis mais altos de conteúdo
de oxigénio do que valores elevados nas variáveis de SpO2 e de PO2.

O débito cardíaco é resultado de um balanço da força e volume de cada contracção


e frequência cardíaca e a resistência ao fluxo na circulação arterial. Por sua vez,
estes factores são regulados em parte pela pressão de enchimento do ventrículo
(volume sanguíneo), tónus vascular e viscosidade sanguínea (hematócrito).

A pressão arterial é o produto da pré-carga, frequência cardíaca, força contrátil


do ventrículo esquerdo e resistência. A pressão venosa central é menor e é
determinada pelo volume venoso sanguíneo e tónus dos vasos.

A nível alveolar a Hgb fica 100% saturada em 0,25 segundos por isso o sangue fica
saturado.

Teor de O2 (CaO2)

É a quantidade total de oxigénio existente no sangue arterial e é um parâmetro


muito relevante na gestão do suporte extracorporal de vida1.

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A quantidade de CO2 produzido a cada minuto pelo metabolismo sistémico é
aproximadamente igual à quantidade de oxigénio consumido. A frequência e
profundidade respiratória são controladas para manter uma pressão arterial de CO2
de 40mmHg. Ao contrário da entrega de Oxigénio, a excreção de CO2 não depende
da hemoglobina ou fluxo sanguíneo. É sim sensível a mudanças na ventilação.

Figura 19: Teor, distribuição e consumo de oxigénio

Fonte: Adaptado pelos autores

PaO2

A PaO2 representa o oxigénio dissolvido no plasma, o que corresponde apenas


a 2% do teor total de O2 no sangue. Este dado, isoladamente não nos confere
nenhuma informação relevante, mas se multiplicarmos pelo seu coeficiente de
solubilidade (0,003) obtemos a quantidade de oxigénio no plasma.

Figura 20: PaO2

Fonte: Adaptado pelos autores (obtido de https://cas+gasosas+no+alv%C3%A9olo+pulmonar&source5

SatO2

A SatO2 representa a comparação entre a quantidade real de oxigénio transportado


pela hemoglobina com a quantidade de oxigénio que a hemoglobina é capaz de

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 57


transportar. Assim, se a hemoglobina transporta a maior quantidade de oxigénio
possível, a saturação de oxigénio é de aproximadamente 100%, ou seja, cada
grama de Hgb consegue transportar aproximadamente 1,34cc de oxigénio.

Figura 21: SatO2

Fonte: Adaptado pelos autores (obtido de https://trocas+gasosas+no+alv%C3%A9olo+pulmonar&source5)

Teor de O2

É o conjunto dos dois parâmetros (PaO2 e SatO2), representando o total de oxigénio


disponível para ser utilizado pelos tecidos.

Figura 22: Teor de O2 (PaO2 e SatO2)

Fonte: Adaptado pelos autores (obtido de https://trocas+gasosas+no+alv%C3%A9olo+pulmonar&source5)

Teor de O2 = Hgb x 1,34 x SatO2 + (PaO2 x 0,003)

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5.1.2 DISTRIBUIÇÃO DE O2 (DO2)
A distribuição de O2 (DO2) é a quantidade de O2 entregue aos tecidos a cada
minuto. É efectuada através do plasma (2%) e da hemoglobina (98%)

Para aumentar a DO2 são necessárias duas medidas:


↑ fluxo sanguíneo
↑ Hgb

A entrega de O2 sistémico é a entrega deste gás aos tecidos periféricos, a cada


minuto ou o produto do conteúdo de oxigénio arterial vezes o débito cardíaco. A
entrega de O2 é controlada pelo débito cardíaco, concentração e saturação de
hemoglobina e oxigénio dissolvido. Como já referido, o valor normal da entrega de
O2 é de 4 a 5 vezes mais o seu consumo. Quando o consumo varia, consoante as
variações metabólicas, a entrega reajusta-se aumentando ou diminuindo o débito
cardíaco por forma a manter o rácio preconizado. Por exemplo, se há uma discreta
diminuição da entrega de O2 a nível sistémico, não há alteração no consumo deste
e por isso a quantidade de oxigénio retirado de cada decilitro de sangue arterial
é maior, o que resultará numa saturação venosa mista baixa. Posto isto, mesmo
que o sangue arterial esteja completamente saturado, se a saturação venosa mista
estiver baixa é óbvio que o consumo é desproporcional à entrega. Se esta entrega
de oxigénio é severamente baixa então não haverá oxigénio suficiente para as
necessidades metabólicas da pessoa e iniciar-se-á um metabolismo anaeróbico,
podendo até resultar em acidose metabólica e choque (rácio de 2:1). A variável da
saturação venosa mista é, por isso, um marcador importante na monitorização de
um cliente2.

5.1.3 CONSUMO DE O2 (CO2)


O consumo de oxigénio é a quantidade de oxigénio utilizado pelas células a cada
minuto e depende do metabolismo aeróbio. Os valores normais em repouso é de
5-8ml/Kg/min em recém-nascidos, 4-6ml/Kg/min em crianças e de 3-5ml/Kg/min
em adultos.

Factores que aumentam o consumo de O2

• Actividade muscular
• Hipertermia
• Dor
• Infecção
• Altos níveis de catecolaminas e de hormonas tiroideias
• Convulsões

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A quantidade de oxigénio absorvido nos pulmões aquando das trocas gasosas é igual
ao seu consumo nos tecidos. A difusão através dos tecidos é descrita e calculada pela
lei de Fick em que a velocidade de transferência de um gás é proporcional à área
da membrana e ao gradiente de pressão parcial entre os dois lados e inversamente
proporcional à espessura da membrana.

A área da barreira sangue-gás no pulmão é enorme (50 a 100 m2) e a espessura é


mínima (0,3 µm), ideal para difusão. Isto significa que o CO2 difunde-se cerca de 20
vezes mais rapidamente do que o O2 através da membrana ou tecido.

Figura 23: Fisiologia Pulmonar: Difusão

Fonte: https://ligadafisiointensiva.blogspot.com/2016/05/mecanismos-de-hipoxemia6

5.2 GESTÃO DAS TROCAS GASOSAS: O EQUILÍBRIO


HEMODINÂMICO NO CLIENTE COM ECMO
Para poder manusear o circuito de suporte de vida extracorporal é necessário
conhecer a fisiologia e fisiopatologia respiratória, cardíaca, renal, hematológica
e metabólica dos clientes submetidos a esta técnica, mas também é necessário
entender a própria fisiologia e hemodinâmica do ECMO de modo a prevenir,
antecipar, diagnosticar e resolver problemas.

A meta geral na gestão da fisiopatologia da falência cardiorrespiratória é a de manter


a entrega de O2 pelo menos duas vezes mais o seu consumo e preferencialmente
5 vezes mais.

60 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


A membrana permutadora de gases (oxigenador) que é semipermeável permite
a remoção de CO2 e adição de O2. A mesma quantidade de sangue que saiu do
cliente volta à circulação do cliente, através de uma veia ou artéria, num circuito
completamente fechado e estéril. Esta membrana consta de uma interface, isto
é, consta de duas faces em que numa fluí o sangue e noutra fluí o ar (interface de
difusão de gás), ambos em contracorrente. As pressões parciais do O2 e CO2 são
as pressões mandatórias para a difusão em que a pressão da face gasosa é inferior
à pressão da face sanguínea. Quando estas pressões se invertem pode ocorrer
embolia de ar. O fluxo de gases para a membrana é regulada por um fluxómetro e
por um misturador de gases que permite regular a fracção de O2 e eventualmente
de CO2, consoante a necessidade do cliente3.

O fluxo de sangue é regulado por uma bomba, usualmente bombas centrífugas que
gera fluxo e pressão permitindo o sangue circular através do circuito de ECMO4.

A pressão parcial de O2 é elevada no sweep gas de forma a causar uma força


maior de condução de O2 pela membrana rapidamente. Os glóbulos vermelhos
que entram em contacto com a membrana do oxigenador ficam saturados de O2.
Este difunde-se através do fluxo de sangue aumentando a PaO2. A espessura da
superfície da membrana pela qual o sangue passa é um factor importante na entrega
de O2. Esta superfície é laminar o que diminui a exposição do sangue à membrana.
Aumentar a taxa de fluxo sanguíneo, aumentará o fluxo de sangue através da
superfície da membrana e melhorará a oxigenação. Desta forma, compreende-se
de que também é possível aumentar ou diminuir a quantidade de CO2 do sangue
ao aumentar a taxa de fluxo do sweep gas. Ou seja, ao aumentar o sweep gas
de O2 diminuiremos a concentração de CO2 na face gasosa da membrana e
automaticamente diminuiremos a quantidade de CO2 no sangue1. Este aumento da
taxa de sweep gas não afectará, como já mencionado, o conteúdo de O2 no sangue
visto que o conteúdo de O2 do sweep gas é maior que o do sangue.

O sangue oxigenado no circuito pode ser aquecido ou arrefecido aquando da troca


gasosa antes de ser devolvido ao cliente, através de um aquecedor que está ligado
à membrana permutadora de gases. Ao perceber as caraterísticas difusoras da
membrana permutadora de gases mais facilmente se detecta potenciais falhas e
alterações no seu funcionamento. Entender que a perfusão desta membrana pode
ser comprometida por coágulos no circuito de entrada, portas de distribuição,
fuga de sangue para a face gasosa, entre outros só não diminui a difusão de O2 e
CO2 como aumenta a resistência do fluxo sanguíneo. A monitorização da pressão
pré membranar alerta-nos para as mudanças na resistência do fluxo sanguíneo
correlacionando com presença ou não de coágulos ou alterações no funcionamento
da membrana. Aumentos na resistência arterial do cliente ou nas pressões pós
membrana também se refletem nas mudanças de pressão pré membranar1.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 61


Resumindo, a entrega de O2 é multifactorial. É controlada pela combinação da
oxigenação de sangue na membrana permutadora de gases, pelo fluxo ao longo do
circuito, absorção de O2 no pulmão nativo e pelo débito cardíaco do coração nativo.
A oxigenação na membrana, dá-se devido à geometria desta, à espessura da sua
face sanguínea, à mistura criada por diversos fluxos, FiO2, tempo de permanência
dos glóbulos vermelhos na área das trocas gasosas, concentração de hemoglobina
e a saturação de entrada. Este conjunto de factores designados de taxa de fluxo
ou fluxo avaliado (rated flow) são a génese do funcionamento da membrana.
Determina a quantidade de sangue venoso que pode aumentar de 75% para 95%
de saturação de oxihemoglobina, num período de tempo. A entrega de O2 deve
ser adequado para total suporte (saturação sistémica maior que 95% em VA ou
superior a 80% em VV) com parâmetros ventilatórios e FiO2 mínimos. A saturação
venosa deverá ser de 20-30% menor que a saturação arterial, indicando assim que a
entrega de O2 sistémico é de 3 a 5 vezes o consumo de O2. Mantendo o hematócrito
superior a 40% fará com que haja uma optimização da entrega de O2 permitindo um
baixo fluxo sanguíneo possível2. Posto isto, o fluxo sanguíneo é configurado para
providenciar uma adequada troca gasosa e a ventilação mecânica é reduzida a
parâmetros fisiológicos, se possível.

Durante o suporte de vida por ECMO é mandatório que a hemoglobina se mantenha


nos 14-15g/dl na hemodinâmica do cliente, embora não exista consenso nás várias
unidades/centros de referência ECMO em Portugal. Se o sangue estiver anémico, há
necessidade de aumentar o fluxo sanguíneo para atingir o fornecimento de oxigénio
exigido, visto que a entrega de oxigénio é dependente do fluxo no circuito. Sendo
que o fluxo é limitado pela resistência na cânula venosa, uma sucção excessiva
pode ser necessária para aumentar esse mesmo fluxo ou equacionar a necessidade
de colocar mais uma cânula venosa. No entanto, esta sucção excessiva causa
dano às plaquetas e às células, para além do risco de avaria do equipamento. O
fluxo sanguíneo depende do volume: para se atingir maior volume de sangue e
aumentar o fluxo há uma tendência para administrar cristaloides contribuindo para
anemia e edema, sendo que os riscos são maiores que os da transfusão sanguínea,
que por sua vez, também terá o risco de coagulopatia2. Assim, a vigilância e a
monitorização são fundamentais quer dos parâmetros analíticos quer do cliente
(perdas hemáticas visíveis nos locais de canulação, hematúria, perdas hemáticas
nas secreções, resíduo gástrico, retrorragias, …).

O oxigénio dissolvido no sangue e avaliado na gasimetria arterial (PaO2) corresponde


apenas a uma pequena fracção do CaO2, sendo este quase inteiramente composto
pelas moléculas de O2 repletas de hemoglobina. Alcançando-se uma SatO2 de 90-
92% de hemoglobina geralmente garante um CaO2 satisfatório. Valores ao entre 60 a
70mmHg de PaO2 são suficientes para tanto. Elevações da PaO2 pouco influenciam
a SatO2 têm pouco efeito no transporte de O2. A figura 24 ilustra a importância da

62 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


hemoglobina e de sua curva de dissociação do O2 sobre o CaO2 e portanto sobre
a oferta tissular de O2.

Figura 24: Relação CaO2/Sat O2/PaO2/Hgb

Fonte:https://www.google.com/search?q=rela%C3%A7%C3%A3o+entre+conte%C3%BAdo+de+oxig%
C3%A9nio,+sat+de+oxig%C3%A9nio+pao2+e+hemoglobina&rlz=1C1GCEU_pt8

A contagem de plaquetas deverá ser superior a 75000x109L e o tempo de coagulação


mantida até ao máximo de 200 segundos, também não existe consenso nas várias
unidades/centros de referência ECMO em Portugal. Um decréscimo acentuado na
saturação venosa sem outras alterações é normalmente causado por um aumento
do consumo metabólico que pode ser temporário (tremores, dores, choro). Nestes
casos temporários, pode ser resolvido com sedação, paralisia e/ou hipotermia. Por
outro lado, um aumento na saturação venosa sem outras alterações é normalmente
causado pela diminuição do consumo metabólico ou início da função pulmonar
do cliente. Hipovolémia, cateteres dobrados ou mal posicionados, pneumotórax
ou tamponamento cardíaco pode causar uma diminuição repentina na drenagem
de sangue. Uma diminuição gradual na oxigenação sistémica ou um aumento na
PaCO2 pode ser sinal de degradação da função da membrana permutadora de
gases, o que é muito raro acontecer2.

A disfunção da membrana pode acontecer em qualquer momento, mesmo em


circuitos com pouco tempo de utilização. A sua vigilância diária é muito importante
e para isso a manutenção é fundamental.

Num organismo saudável o aumento do consumo (ex. febre) ou a diminuição da


distribuição (ex. Hgb ↓) é compensado através do aumento da frequência cardíaca,
logo do débito cardíaco, mantendo assim a relação homeostática de 4:1.

De 4:1 até 2:1 o organismo compensa a diminuição de oxigénio aumentando a


extracção.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 63


Com uma proporção inferior a 2:1 o consumo de O2 começa a depender de
mecanismos anaeróbios.

Figura 25: Relação DO2/VO2

Fonte: https://slideplayer.com.br/7

SvO2 é o melhor parâmetro para avaliar a relação DO2/VO2, logo reflete a extracção
total de oxigénio em todo o corpo relativamente à quantidade total de oxigénio
disponível. Quando a SvO2 baixa pode indicar:

↓ distribuição (↓fluxo, ↓Hgb, ↓SatO2)

↑ consumo (dor, ansiedade, febre)

No Quadro 3, podemos visualizar como varia a relação DO2/VO2/SvO2

Quadro 3 - Relação DO2/VO2/SvO2

DO2 VO2 SvO2

↓ ↔ ↓
↑ ↔ ↑
↔ ↑ ↓
↔ ↓ ↑
↓ ↑ ↓↓↓
↑ ↑ ↔
Fonte: adaptado pelos autores

64 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Apresentamos no Anexo 1, algumas fórmulas de cálculo que ajudam a calcular o
Teor de O2 Arterial, Venoso, Distribuição e Consumo de O2.

A troca de O2 que acontece no oxigenador é uma variável dependente do fluxo


sanguíneo e independente do fluxo de gás. A troca gasosa do CO2 através da
membrana é uma variável dependente do fluxo de gás (sweep gas) e da área
de superfície da membrana e independente do fluxo sanguíneo, da espessura da
coluna de sangue circulante e da espessura da membrana.

Sintetizando, os factores que influenciam a oxigenação:

Fluxo de sangue

• Concentração de Hgb

• FiO2 na mistura de gases

• Rated flow

• Superfície membrana

Factores que influenciam a remoção de CO2:

• Fluxo de oxigénio

• Superfície membrana

• Concentração de CO2 na mistura de gases

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 65


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1
ELSO: Extracorporeal Life Support Organization, ECMO Specialist Training Manual, 3a
ed., B. L. Short e L. Williams, Edits., Michigan: ELSO, 2010.

2
ELSO Extracorporeal Life Suport Organization, ECMO Extracorporeal Cardiopulmonary
Support in Critical Care, 4a edição ed., G. Annich, G. M. Laren, R. Bartlett, W. Lynch e J.
Wilson, Edits., Michigan: ELSO Extracorporeal Life Suport Organization, 2012.

3
D. Brodie e M. Bacchetta, “Extracorporeal Membrane Oxygenation for ARDS in Adults,”
the new England Journal of Medicine, pp. 1905-1914, 17 Novembro 2011.

4
P. Soares e G. Rocha, “OXIGENAÇÃO POR MEMBRANA ExTRACORPORAL NO RECÉM-
NASCIDO,” Acta Pediátrica Portuguesa, vol. 46, nº artigo de revisão, 2015.

5
https://trocas+gasosas+no+alv%C3%A9olo+pulmonar&source.

6
https://ligadafisiointensiva.blogspot.com/2016/05/mecanismos-de-hipoxemia.

7
https://slideplayer.com.br/.

8
https://www.google.com/search?q=rela%C3%A7%C3%A3o+entre+conte%C3%BAdo+de
+oxig%C3%A9nio,+sat+de+oxig%C3%A9nio+pao2+e+hemoglobina&rlz=1C1GCEU_pt.

66 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


6

INÍCIO E FINALIZAÇÃO
DO SUPORTE DE VIDA
EXTRACORPORAL

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C
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6. INÍCIO E FINALIZAÇÃO DO
SUPORTE DE VIDA
EXTRACORPORAL

O circuito ECMO é composto por uma bomba, um oxigenador, um permutador de


calor, cânulas e um circuito extracorporal (conjunto de tubos) para ligar o cliente ao
dispositivo. Em caso de ECMO-VA (suporte cardíaco), será necessário uma cânula
venosa e uma cânula arterial. Esta canulação arterial normalmente é feita pela
artéria carotídea, com o intuito de devolver o sangue ao cliente, que, entretanto, foi
submetido a trocas gasosas na membrana. Um outro acesso alternativo à artéria
carotídea é a artéria femoral.

Em caso ECMO-VV (suporte respiratório), vai ser usado apenas duas cânulas venosas
(ou uma cânula venosa que tem uma saída e uma entrada). Convencionalmente,
o sangue venoso é drenado do cliente a partir de uma veia de grande calibre, a
mais comum, a veia femoral13 por meio de uma bomba e, em seguida, é oxigenado
e descarboxilado através da membrana. Em seguida, o sangue é devolvido ao
cliente, usualmente pela veia jugular interna que aloja a ponta da cânula no centro
da aurícula direita. Em clientes obesos poderá ser necessário um outro acesso
venoso através da veia femoral para uma melhor drenagem venosa1,2.

6.1 CANULAÇÃO
A escolha das cânulas é fundamental para o ECMO funcionar de forma ideal com
o mínimo de complicações possíveis. Há uma infinidade de cânulas classificadas
de acordo com o seu diâmetro interno, o comprimento e o seu tratamento. Elas são
constituídas em poliuretano Bicompatível, apresentam uma ponta de contornos para
facilitar a penetração nos vasos (especialmente para a abordagem percutânea),
bobinas de metal para reforçar a cânula (de forma a prevenir o risco de dobras
kinking), uma porção proximal rígida com uma ligação de encaixe e visíveis ao
controlo radiológico. O termo “cânula acesso” é usado para cânula drenagem
venosa e “cânula retorno” para a cânula que transporta o sangue oxigenado a partir

13
Devido a acontecimentos de recirculação e com o desenvolvimento de cânulas maiores quer em
comprimento quer em largura com paredes estreitas e fenestradas, constatou-se um método preferencial no
acesso venoso de drenagem que é a veia femoral e infusão pela veia jugular interna, permitindo altas taxas
de fluxo com recirculação mínima3.

68 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


da bomba para o cliente (inserido quer numa artéria ou numa veia, dependendo do
tipo de ECMO). As cânulas venosas são geralmente mais largas e mais compridas
do que as cânulas arteriais1,4.

Os locais de punção para a canulação variam consoante a modalidade de suporte,


a idade do cliente e da sua superfície corporal1. Os locais de punção mais utilizados
são4,5,11

• Veno-venoso:

• Veia Jugular Interna → Veia Femoral

• Veia Femoral → Veia Jugular Interna

• Veia Femoral → Veia Femoral

• Veia Jugular Interna → Veia Jugular Interna (Cânula duplo lúmen –


mais comum em pediatria)

• Veno-Arterial:

• Veia Jugular Interna → Artéria Femoral

• Veia Femoral → Artéria Femoral (unilateral ou bilateral)

• Veia Jugular Interna → Carótida (mais comum em pediatria)

• Aurícula direita → Arco aórtico (transtorácica pós-cardiotomia)

A técnica de colocação é escolhida pelo clínico e depende da situação do cliente


e dos recursos existentes1,2,4,5,11:

• Percutânea (guiada ou não por ecógrafo)

• Por desbridamento

• Híbrida (abertura da pele para visualização dos vasos e cânulação por


técnica de Seldinger)

• Transtorácica

As cânulas de acesso a utilizar, devem possuir um maior lúmen e um menor


comprimento possível, permitindo os seguintes fluxos mínimos:

• 100 – 120 ml/Kg/min – recém-nascidos

• 80 – 100 ml/Kg/min – crianças

• 60 – 80 ml/Kg/min – adultos

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 69


O recurso à Ecocardiografia é importante para avaliar a função ventricular esquerda
e direita, assim como, descartar contra-indicações para ECMO VA, como por
exemplo, regurgitação aórtica grave, entre outras. A Ecografia também é importante
para avaliar o diâmetro dos vasos para seleccionar o tamanho das cânulas e evitar
lesões relacionadas com a cânulação 2,6.

Deve-se recorrer à Ecografia em tempo real para a canulação, sobretudo para a


punção da artéria superficial de forma a ser colocada em segurança. Posteriormente
à canulação, é importante avaliar a localização das cânulas (pontas) de forma a
evitar um mal posicionamento no ventrículo direito ou junto ao septo inter-auricular,
assim como, evitar recirculação pela proximidade das cânulas de acesso e retorno
na ECMO VV6.

Na modalidade ECMO VA pode ser necessária a colocação de uma terceira cânula


na aurícula esquerda ou numa das veias pulmonares com o objectivo de drenar
o sangue desta aurícula. Esta necessidade advém da possível distensão desta
câmara pela acumulação do sangue proveniente da circulação nativa do cliente
(pulmão), que pode ser residual ou numa quantidade significativa. Isto porque a
canulação da artéria femoral fornece suporte hemodinâmico, mas a entrega de
sangue oxigenado para o arco aórtico e artérias coronárias pode ser comprometido
na presença de insuficiência respiratória com débito cardíaco nativo significativo.
Figura 26: Modo de suporte VenoArterial -Venosa (VA-V)

Fonte: Adaptado pelos autores

No entanto, devido à baixa contractilidade do miocárdio, o sangue fica estagnado


levando à formação de coágulos e à distensão e disfunção da aurícula esquerda,
atrasando deste modo a recuperação da função. Neste caso a terceira cânula
fica ligada em Y à cânula venosa para onde drena o sangue existente na aurícula
esquerda, sangue este que por sua vez provém do pulmão do cliente e mudando
assim, o modo de suporte a VenoArterial-Venosa (VA-V)1,7.

70 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Nesta mesma modalidade (ECMO VA), caso a cânula de acesso seja inserida na
femoral e se o fluxo arterial distal para o membro inferior é inadequado, deve ser
colocada uma linha de perfusão (catéter/introdutor 4-10 Fr) em posição próximo-
distal na artéria femoral superficial por dissecação directa ou na artéria tibial
posterior, para perfusão retrógrada de forma a reduzir o risco de isquemia do
membro1,2,5.

No quadro abaixo, está mencionado as acções/observações desde a canulação ao


início do suporte ECMO1,9.

Quadro 4 - Acções/orientações desde a canulação ao início do suporte ECMO

ACÇÃO/ORIENTAÇÃO JUSTIFICAÇÃO
Identificar o cliente Gestão risco e segurança
Explicar ao cliente todos os
Tranquilizar o cliente
procedimentos (se aplicável)
Informar / apoiar a família Tranquilizar o cliente / família
Proceder à higiene das mãos Prevenção de IACS
Reunir os recursos necessários (ver
Gestão de tempo
Anexo 2)
Avaliar sinais vitais Obtenção de valores de referência
Sedar, analgesiar o cliente (segundo
Promoção do conforto do cliente
indicação médica)
Prevenção de complicações
Curarizar o cliente (segundo indicação associadas à entrada de ar no sistema
médica) vascular do cliente aquando da
canulação
Preparar a mesa cirúrgica Gestão do tempo
Administrar um bólus de heparina
50-100 UI/Kg não fraccionada,
dependendo do peso do cliente
no momento anterior à dilatação Prevenção de formação de coágulos
do primeiro vaso quando já se
encontra(m) o(s) vaso(s) submetido(s)
com o(s) fio(s) guia introduzido(s)
Assistir a equipa médica no
Gestão de tempo
procedimento de canulação

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 71


Preparar o circuito ECMO/ECLS

Alguns centros de ECMO em Portugal, os


circuitos já se encontram preparados e
preenchidos antes do procedimento ser
iniciado Gestão de tempo
Apenas nas situações pediátricas, a
preparação final do circuito é realizada
muito perto do momento de conexão com
o preenchimento de solução priming (ver
ponto 6.2)

Assistir a equipa médica na conexão


das cânulas ao circuito extracorporal.

utilizar uma seringa de 50 ou 60ml pré- Gestão de tempo


cheia de solução salina para limpar o ar
residual das cânulas e do circuito ECLS
antes de conectar

Prevenção de deslocação /
Fixar as cânulas e as linhas
exteriorização das cânulas
Realizar um Rx e/ou Ecocardiografia
Prevenção de complicações/
para verificar/confirmar o
recirculação (ECMO VV)
posicionamento das cânulas
Executar penso nos locais de inserção
Prevenção de IACS
das cânulas
Avaliar sinais vitais Avaliar estado hemodinâmico do cliente

Fonte: Adaptado pelos autores

6.2 PRIMING DO CIRCUITO


O circuito ECLS é estéril, descartável, composto por tubos de PVC e silicone,
componentes atóxicos, conectores em Policarbonato, protectores em Vinil Plastisol
e com um diâmetro interno variável dependendo do cliente8. O circuito tem um
tratamento de superfície de forma a reduzir a coagulação sendo preparado em
condições esterilizadas com uma solução salina (eletrólitos isotónicos) semelhante
ao fluído extracelular normal. O objectivo do priming é fazer circular a solução
salina em todo o circuito fechado até que todas as bolhas de ar sejam removidas.

72 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


O circuito pode ser preparado no momento da sua utilização, ou dias antes. Não
é recomendado usar um circuito com a realização do priming há mais de 30 dias.

Em alguns centros de ECMO, acrescentam à solução salina, albumina (100ml) e


heparina (100U). A heparina tem a função de anticoagulante e a adição de albumina
serve para “revestir” a superfície interna do circuito e adicionar um componente
oncótico1,2.

Nas crianças com menos de 40 Kg deve-se fazer o priming de sangue porque o


volume para preencher o circuito corresponde a uma grande percentagem do seu
peso e nesta situação a adição da heparina é muito importante2. Posteriormente é
adicionado cálcio para substituir o cálcio ligado ao citrato no sangue e caso seja
possível, deve-se verificar a composição do eletrólito e cálcio ionizado antes de
iniciar o suporte ECMO1,2 .

Priming de Sangue

• Por cada unidade de CE (fresco < 5 dias) acrescentar:


P 50-100U de heparina
P 50ml de Albumina 20%
P 50ml de Plasma Fresco Congelado
P 10-15 mEq NaHCO3 (Bicarbonato de Sódio 8,4%)
4-5 mg ClCa2 (Cloreto de Cálcio 10%) ou 300mg C12H22CaO14
P
(Gluconato de Cálcio 10%)

• Com o sangue a recircular colocar a fonte de O2 com FiO2 a 100% a 2


Lpm durante 2–3 min e retira-se de seguida a fonte de O2 (se deixarmos
mais do que o tempo preconizado vai resultar num PCO2 baixíssimo)

• Após 20 minutos em recirculação colher uma gasimetria

• Os valores na gasimetria devem ser aproximadamente os descritos


abaixo:
• pO2: 500 mmHg
• pCO2: 35 – 50 mmHg
• Na+ : 136 mEq/L
• K+ : 3,5 – 6 mEq/L
• Ht: 40 – 45 %
• Ca++: 1,0 – 1,2 mmol/L

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 73



Corrigir os desequilíbrios e repetir avaliação até atingir os valores
pretendidos

• Uma solução de priming equilibrada vai reduzir a ocorrência de alterações


fisiológicas importantes no cliente aquando do contacto com o sangue

No caso de substituição do circuito em pediatria, devemos reduzir o sweep gas


para metade no momento da troca e avaliar posteriormente com gasimetria arterial
do cliente e reajustar os parâmetros.

Abaixo são apresentados os volumes dos primings e fluxos máximos dos circuitos8:

Volumes de Priming dos circuitos:

PLS Sets: 2,8 (pediátrico): 350 ml (Membrana: 81 ml)

5,0 (adulto) : 585 ml (Membrana: 250 ml)

HLS Set: 2,8 (pediátrico): 247 ml

5,0 (adulto): 570 ml

7,0 (adulto): 600 ml

Fluxos máximos dos circuitos:

3/16’’ (neonatal): 1,2 L/min

1/4’’ (pediátrico): 2,5 L/min

3/8’’ (pediátrico / adulto): 5 L/min

1/2’’ (adulto): 10 L/min

6.3 INÍCIO E ESTABILIZAÇÃO DA CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA


EXTRACORPORAL
Toda a equipa trabalha em sintonia no sentido de garantir uma correcta avaliação do
cliente, condições de segurança para a canulação, verificação de procedimentos
técnicos, preparação da mesa cirúrgica, posicionamento adequado do cliente e área
envolvente livre de objectos desnecessários, livre de ruído e interferências capaz
de proporcionar um ambiente facilitador dos mais altos níveis de concentração9.

Após canulação e conexão do circuito ECLS às cânulas, dá-se o início do suporte


que deve ser lento, nomeadamente o fluxo de sangue conforme quadro abaixo7:

74 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Quadro 5 - Acções/orientações para o início do suporte

ACÇÃO/ORIENTAÇÃO JUSTIFICAÇÃO
Iniciar o suporte lentamente:

Começar com 20 ml/Kg/min Prevenção de complicações

Aumentar o fluxo de sangue, na Prevenção de complicações (evita


modalidade V-A, a cada 20 - 30 min alterações bruscas no preload
até atingir o fluxo máximo possível e afterload que podem provocar
(resistência das cânulas e tolerância do myocardial stun) assegurando a mistura
cliente) gradual do sangue com alto teor de
oxigénio com o sangue muito pobre em
Aumentar o fluxo de sangue, na oxigénio. (ver capítulos 7 e 8)
modalidade V-V, a cada 10-15 min
até atingir o fluxo máximo possível Prevenção de complicações (ver
(resistência das cânulas e tolerância do capítulos 7 e 8)
cliente)

Nesta modalidade os problemas de


reperfusão e as alterações no afterload
não se aplicam

Registar o valor de fluxo máximo Obtenção do valor de fluxo máximo que


permitido pelas cânulas e pelo cliente se pode atingir em caso de necessidade
(tolerância hemodinâmica)

Baixar o fluxo lentamente até atingir o


valor mínimo necessário à adequação
do suporte:

V-A: Obtenção de nível de suporte ideal


• até obter Pressão Arterial de Pulso
≥ 10 mm Hg (PAP = TA sistólica
– TA diastólica) e até obter SatO2
arterial > 95% e SvO2 > 70%

V-V:

até obter SatO2 arterial > 85% e
SvO2 > 60%

Nota: os valores de SatO2 arterial e SvO2


referem-se ao cliente com parâmetros
ventilatórios de repouso

Colocar o fluxo de O2 numa relação de Promoção da oxigenação dos tecidos


1:1 com o fluxo de sangue (1L de O2
para cada litro de sangue)

Fonte: Adaptado pelos autores

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 75


Ventilação e trocas gasosas

Durante a canulação dos clientes, o parâmetro da FiO2 do ventilador deve estar


nos 100%. No início do suporte de ECMO, é possível após alguns minutos dar
início à redução de parâmetros ventilatórios, consoante a tolerância (ECMO VV) ou
mesmo reduzir rapidamente (ECMO VA), valores esses que permitam o descanso
e recuperação pulmonar (parâmetros de repouso)2,7,12. No caso do cliente estar
consciente e acordado em suporte ECMO VA, ou seja, com suporte cardíaco mas
com função pulmonar adequada, este pode ser extubado e ficar em respiração
espontânea2.

Os parâmetros ventilatórios de repouso variam de serviço para serviço ou de centro


para centro de suporte ECMO. Normalmente incluem2,12:

o Volume corrente (< 6 ml/Kg)

o Pressão de Plateau baixa (< 30 cm H2O)

o PEEP (5 – 15 cm H2O)

o FiO2 baixo (< 40%, idealmente 21%)

o Aumento do tempo inspiratório (I:E = 2:1)

o FR baixa (< 10 cpm)

Cada cliente é diferente, mas o algoritmo na gestão da ventilação de repouso é o


seguinte2,12, como se pode visualizar no quadro 6.

Quadro 6 - Algoritmo da Ventilação de Repouso

Primeiras 24h 24h a 48h Após 48h


Modalidade Ventilatória Pressão controlada
Volume Corrente ≤6 mL/kg ≤ 6 mL/kg ≤ 6 mL/kg
PPlateau ≤ 25 cm H2O ≤ 25 cm H2O ≤ 25 cm H2O
reduzir até 10
10 - 20 cm H2O 10 - 20 cm H2O
cm H2O se
PEEP (Usualmente = (Usualmente =
possível
15 cm H2O) 10 cm H2O))

FiO2 ≤ 0.40 ≤ 0.40 ≤ 0.40


Relação I:E 2:1 2:1 1:1
Frequência Respiratória
5 - 10 cic /min 10 - 15 cic /min 10 - 15 cic /min
(FR)
Fonte: Adaptado pelos autores

76 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Assim que o cliente reúna condições (trocas gasosas adequadas e
hemodinamicamente estável), deve ser colocado em parâmetros de ventilação
espontânea (CPAP 10 – 20 cm H2O) dado que estas modalidades aceleram a
recuperação pulmonar até ser extubado.

No caso das trocas gasosas serem inadequadas com os parâmetros de repouso,


ou seja:
P Sat.O2 arterial < 95% (ECMO VA)
P Sat.O2 arterial < 85% (ECMO VV)
P PaCO2 > 40%

Deve-se aumentar as trocas gasosas a nível do suporte ECMO e não subir os


parâmetros ventilatórios, embora na modalidade ECMO VA pode ser necessário
proporcionar um suporte ventilatório para garantir a oxigenação das coronárias.

Esta inadequação das trocas gasosas, deve-se ao facto do CO2 a nível da membrana
permutadora de gases ser superior à troca de O2 sendo controlada através do fluxo
de O2 entregue à membrana7.

Assim, para aumentar a PaO2 deve-se:

• Aumentar o fluxo se sangue até ao valor máximo permitido

Se mantiver hipoxémia refractária à medida anteriormente instituída:

• Aumentar FiO2 até atingir objectivo,

Caso se mantenha hipoxémia:

• Fazer recrutamento, aumentar PEEP, Prone Position, Broncoscopia, entre


outros.

Já para diminuir a PaCO2 deve-se:

• Aumentar o débito de O2 (L/m ) no sistema, diminuindo-se este mesmo


débito de O2 caso a PaCO2 esteja baixa.

Na presença de hipercapnia, a PaCO2 deve ser reduzida lentamente de modo a


evitar uma possível lesão neurológica. No adulto deve-se aumentar o fluxo de O2 no
máximo 1L de cada vez e nos recém-nascidos nunca ultrapassar os 0,1L por cada
aumento de fluxo de O21,2,12.

Numa situação de emergência, em que exista a necessidade de interromper o


suporte circulatório extracorporal, o ventilador deverá ser imediatamente colocado
nos parâmetros ventilatórios de urgência:

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 77


o FiO2: 100%

o FR: 20 a 30

o Pressão de Pico: 40 cm H2O

o PEEP: 10 cm H2O

Hemodinâmica

O suporte de ECMO é um dispositivo não pulsátil e gera um fluxo laminar. Um


aspecto importante a considerar diz respeito à bomba centrífuga do circuito
extracorporal, componente que coloca o sangue em movimento. Uma vez que esta
bomba não possui um funcionamento pulsátil, o fluxo que dela provém é contínuo e
consequentemente, a linha arterial perde amplitude e as pressões arteriais, sistólica
e diastólica, deixam de ser um parâmetro representativo do suporte circulatório7.

Os clientes em suporte ECMO VV não têm apoio hemodinâmico directo fornecido


pelo circuito extracorporal. O cliente depende da sua própria hemodinamica
fisiológica. Para isso, deve-se adequar inotrópicos, vasodilatadores e expansores
de volume de sangue para controlar a tensão arterial, contratibilidade cardíaca
e resistências vasculares. O ecocardiograma é uma excelente ferramenta para
avaliar a função hemodinâmica e de gestão durante ECMO VV. As arritmias podem
ser frequentes na primeira hora por alterações na concentração de iões, como, o
cálcio, o potássio, entre outros. Se ocorrer uma falha cardíaca do cliente durante
ECMO VV pode-se converter para ECMO VA, adicionando acesso arterial para a
artéria femoral ou subclávia2,7,12,13.

Relativamente aos clientes em suporte ECMO VA, têm pouca qualidade ou


ausência de pulsatilidade do coração e a sua gestão hemodinâmica depende
do fluxo sanguíneo (débito cardíaco nativo e do fluxo da bomba ECLS) e das
resistências vasculares (diminui o preload e aumenta o afterload)2,7. Se a pressão
de perfusão sistémica é inadequada (directamente afectada pelas alterações no
fluxo) a pressão pode ser aumentada pela administração de sangue ou de baixas
doses de vasopressores.

Mesmo com uma pressão arterial média baixa, a perfusão sistémica pode ser
completamente adequada, para isso, o SvO2 pode ser usado para esta gestão
hemodinâmica2.

A recuperação de uma pressão arterial pulsátil é um dos sinais de melhora da


função ventricular esquerda. A pressão arterial média (PAM) passa assim a ser
o parâmetro de referência do estado hemodinâmico e da perfusão tecidular,

78 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


sendo os seus valores de referência os seguintes2,13,7:

o PAM neonatal: 40 – 50 mmHg

o PAM pediátrica: 50 – 70 mmHg

o PAM adulto: 50 – 70 mmHg

Assim, a gestão hemodinâmica do cliente com suporte ECMO VA é feita através


do fluxo da bomba e das resistências vasculares. Para aumentar a PAM pode-se
proceder da seguinte forma2,7:

1. Aumentar o fluxo de bomba de sangue (a curva da linha arterial vai ficando


mais achatada mas PAM ↑↑)

2. Administrar expansores de volume

3. Administrar vasopressores/inotrópicos

Figura 27: Reflexo da curva da linha arterial ao aumentar o fluxo de bomba de sangue no
suporte ECMO

Fonte: Adaptado pelos autores

Com este suporte ECMO VA pretende-se atingir os seguintes objectivos(7):

• Suporte do coração do lado direito

• Suporte do coração do lado esquerdo

• Suporte da perfusão sistémica

• Suporte da oxigenação sistémica

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 79


Uma bomba de balão pode ser inserido para evitar edema pulmonar. Nesse caso,
a linha arterial vai recuperar a pulsatilidade causado pela presença do balão. Para
avaliar se a pulsatilidade é devido ao balão ou ao coração do cliente, esvaziamos o
balão durante alguns segundos e observamos a repercussão da linha arterial: caso
apresente traçado achatado ou ausência de onda é porque o coração nativo ainda
não recuperou13.

Anticoagulação

Devido ao contacto do sangue com uma superfície não-endotelial (artificial)


torna-se necessário proceder a uma anticoagulação de modo a inibir a acção
plaquetária e a activação de respectiva cascata de coagulação. No entanto, esta
anticoagulação deve permitir uma actividade procoagulante suficiente de forma a
prevenir hemorragias. A perfusão de heparina fraccionada é a escolha habitual,
salvo situações de incompatibilidade ou trombocitopenia induzida pela heparina7.

Depois de estabilizado o fluxo, deve-se avaliar o tempo de coagulação activado


(ACT), método que avalia em segundos a formação de coágulos no sangue em
resposta a um reagente de activação da fibrina5.

O doseamento da heparina deve ser inicialmente a cada 15-30 minutos e após


a sua estabilização deve ser avaliado de hora a hora. Posteriormente, deve ser
avaliado com intervalos mais alargados consoante os centros de suporte ECMO. A
perfusão de heparina deve ser iniciada a uma velocidade mínima entre 10 - 15 UI/
Kg/h ao máximo de 40 - 60 UI/Kg/h e posteriormente ajustada consoante o resultado
do ACT, cujos valores de referência são adaptados por cada centro ou serviço com
suporte ECMO, dependendo do tipo de cliente, circuito de ECLS, entre outros7,10:

Deve-se também ter em conta outros aspectos que podem alterar a necessidade
de heparina para manter o ACT dentro dos valores recomendados:

• Débito urinário alto, hemofiltração ou administração de plaquetas aumentam


a necessidade de heparina.

• Débito urinário baixo / oligúria diminui a necessidade de heparina.

O tempo de tromboplastina parcial activado (aPTT) é o tempo (em segundos) e


constitui um método convencional de doseamento in vitro na formação de coágulos
em resposta a um reagente de activação da fibrina combinado com cálcio.

O aPTT é mais vantajoso do que o ACT porque pode ser avaliado em laboratório.
No entanto, é menos fiável do que o ACT porque é medido no plasma e plaquetas,
e as células de sangue podem afectar a actividade da heparina. Os valores de

80 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


referência são:

• 50-60 normal

• > 60 segundos - risco de hemorragia.

A perfusão de heparina têm de ser doseada para se obter uma razão entre aPPT(5) de:

• 1,8 e 2 vezes o nível normal para clientes ECMO VA, dependendo da sua
condição cardíaca

• 1,5 e 1,8 vezes o nível normal para clientes ECMO VV

• 2 e 2,2 vezes o nível normal para circuitos de ECMO com mais de duas
cânulas como VAV.

No entanto, os clientes em ECLS são específicos e não há nenhuma dose padrão de


heparina. Se o cliente apresenta trombocitopenia, insuficiência renal ou degradação
da fibrina na circulação pode não ser necessário perfusão de heparina ou uma
pequena quantidade em perfusão(5).

A concentração de heparina no sangue também poderá ser avaliada através de


outros procedimentos ou através de outras medições, tais como, anti-factor Xa,
Tromboelastografia (TEG), Nível de antitrombina (AT3), HITT10.

Sedação

Os clientes em suporte ECMO, são cada vez mais precoce acordados e extubados(13).
Embora devam ser sedados para a canulação e por vezes curarizados, devem
manter uma perfusão contínua durante as primeiras 12 a 24 horas. O objectivo é
evitar a respiração espontânea do cliente durante a canulação ou assincronia com
o ventilador, diminuir o metabolismo até ao nível basal, evitar o desconforto inicial
do cliente e ainda prevenir movimentações e deslocações das cânulas2,7.

Posteriormente, assim que o cliente apresente estabilidade hemodinâmica em


ECLS, todas as drogas (sedativos e curarizantes) devem ser interrompidos o mais
precoce possível para permitir um exame neurológico completo do cliente. O ideal
é que se apresente acordado o suficiente para interagir com a família e com os
profissionais de saúde e de preferência em respiração espontânea. A sedação
poderá ser retomada, dependendo do nível de ansiedade e desconforto do cliente,
embora a analgesia eficaz, as medidas de conforto e o controlo da ansiedade
podem dispensar o uso de sedação7.

A principal razão para sedação durante o suporte ECMO VV é tolerar intubação

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 81


endotraqueal e a realização da traqueostomia que deve ser considerada no início
em clientes com mais de 5 anos de idade de forma a permitir a redução e até
mesmo a suspensão da sedação. A sedação deve ser mínima, mas é importante
ter certeza de que o cliente não retira as cânulas e tubos, correndo o risco de
descanulação ou oclusão da linha de perfusão2,7. Outra razão, para minimizar ou
mesmo suspender a sedação, é porque as membranas do oxigenador retêm e
altera a farmacocinética e a farmacodinâmica de analgésicos e sedativos como, o
propofol, midazolam, opióides, entre outros.

No caso de clientes em suporte ECMO VA, eles podem ser acordados após a
canulação e estabilização do suporte ECMO. Aliás, em alguns serviços ou centros
de referência em clientes extubados apenas administram anestésicos locais para
a cânulação13.

Relativamente à monitorização da agitação-sedação nos clientes em suporte


ECMO, recorre-se à aplicação da Richmond Agitação-Sedação Score (RASS), ver
Anexo 3, como se pode visualizar no Quadro 7, de forma a gerir a sedação, em
que o normal é que o cliente apresente uma pontuação entre -1 e 0 e à Confusion
Assessment Method for the ICU (CAM-­‐ICU) para avaliar a agitação-delirium do
cliente2,7,12,13,14.

Quadro 7 - Richmond Agitation Sedation Scale - RASS

Fonte: Ely E.; Truman B; Shintani A; et al. (2003)19

82 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


O Delirium é outra situação clínica que os clientes em UCI apresentam uma elevada
prevalência. Assim, o Delirium é um síndrome confusional agudo com grande
impacto na morbilidade e mortalidade que pode apresentar diversas causas,
podendo ser devido a intoxicação, suspensão de substâncias ou doença médica
geral, apresentando na maioria das vezes uma origem multifactorial14.

É Importante diagnosticar o mais rapidamente esta situação clínica, de modo a


obter melhores cuidados de saúde. Para a sua identificação têm surgido várias
escalas de avaliação, sendo a Confusion Assessment Method for the ICU (CAM‐
ICU) a que mostra melhor evidência13,14.

Nos clientes em suporte ECMO deve ser monitorizada a escala CAM-ICU, ver
Anexo 4, que permite identificar o delirium, principalmente a clientes em ventilação
mecânica. Utiliza métodos de avaliação não‐verbal para avaliar as características
importantes de delirium14.

Para avaliação do delirium nestes clientes, necessita que o mesmo apresente


um nível igual ou maior que -3 na RASS. Para isso também é necessário uma
mudança do estado mental ou do estado de consciência. O uso de Haldol é o
fármaco de primeira linha para o delirium. Também podem ser usados, agonistas
adrenérgicos de acção directa do receptor adrenérgico α2, tais como, a Clonidina
ou dexmedetomidina e anti psicóticos, como a Olazanpina e a Risperidona12.

Assim, recomenda-se que após início de suporte ECMO a gestão de sedação e


agitação seja a seguinte12:

Primeiras 48h:

Uso de Morfina EV ou Midazolam EV

P Podendo requer administração de curarização (Atracurium)

P Se respirar espontaneamente, com RASS = 0 a -1 e clinicamente estável,


devemos parar a curarização e reduzir a perfusão de Morfina EV e
Midazolam EV (caso apresente em perfusão)

Após as 48h:

P Parar a sedação em perfusão contínua e iniciar:

o Perfusão de Remifentanil

o No caso de agitação - perfusão de Propofol e um hipnótico

P Se agitação e delirium, continuar com administração de Haldol e parar o


propofol e remifentanil (mais de 48h), se necessário administrar a Clonidina

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 83


P Agitação Mantida

o Administrar Dexmedetomidina, no caso do cliente apresentar-se


consciente e em respiração espontânea.

A agitação do cliente associada à ECLS pode comprometer todo o tratamento e


recomenda-se administração de bólus de Propofol para manter o cliente calmo de
forma ajustar o nível de sedação12.

A estabilização e manutenção do cliente em suporte ECMO deve ser segundo o


Anexo 5 e efectuar os devidos Registos.

6.4 DESMAME E TRIALL-OFF


O desmame do suporte ECMO deve ser iniciado assim que haja resolução da
doença aguda, melhoria da função de órgão (lesão renal, coagulação, lesão
hepática, lesão miocárdica), valores de gasimetria apresente uma PaO2 ≥ 80mmHg
com FiO2 ≤ 50% ou PaO2/FiO2 ≥ 200; pH > 7.30 por período ≥ 12h15.

Caso se verifiquem os critérios acima referidos devemos iniciar o desmame do


suporte ECMO, programando os parâmetros do ventilador (FiO2 ≤ 50%, PEEP ≤
10 cmH2O, FR ≤ 20 cpm) para atingir objectivos respiratórios e ventilatórios sem
ECMO, pelo menos durante 2h.

Os sinais de recuperação pulmonar são geralmente indicados pelo suporte ECMO,


ao reduzir as trocas gasosas e o fluxo de forma a manter SatO2 e PaCO2 aceitáveis,
melhoria da radiografia de tórax e aumento de volumes correntes, o cliente está
pronto para o desmame do suporte ECMO15.

Com base nas orientações ELSO de 2017, quando o suporte ECMO é <30% do total,
a função pulmonar pode ser adequada para permitir o desmame do suporte ECMO.
No caso do suporte ser >30% a 50%, não à indicação para desmame do suporte,
excepto em alguns casos especiais, tais como, hemorragia descontrolada2.

No desmame do ECMO VV em adultos, deve-se diminuir o fluxo lentamente, 1 L/min


com o FiO2 de 100% ou diminuir o fluxo 2 L/min com diminuição do FiO2 de forma a
obter SatO2 > 95%. Se for mantido o fluxo ideal mínimo suficiente para garantir um
suporte adequado, o desmame vai sendo realizado naturalmente7. Nestes casos
devemos ter cuidado com o risco de formação de coágulos no circuito devido aos
baixos fluxos, embora com as trocas gasosas do ECMO desligadas minimiza a sua
formação15.

Nestes casos, a função cardíaca é adequada, apenas a função respiratória (trocas


gasosas) é testada. Assim, deve-se ajustar os parâmetros do ventilador de forma a

84 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


que se consiga desligar as trocas gasosas no ECLS (este procedimento não poderá
ser realizado no suporte ECMO VA uma vez que pode gerar um shunt venoarterial
da direita para a esquerda) embora mantendo o fluxo de sangue e anticoagulação.
Se a função pulmonar é adequada numa hora ou mais é porque o cliente está
pronto para a descanulação. Em alguns casos, o circuito ECLS pode ser retirado
mas mantidas as cânulas no cliente nas próximas 24 horas, após lavagem das
mesmas com solução salina e heparina, no caso de ainda ser necessário o reinício
do suporte ECMO com um novo circuito. Se não há dúvidas sobre a necessidade
do reinício ECLS, é melhor remover as cânulas após desmame do suporte ECMO2.

O procedimento de desmame ECMO VV é descrito na Tabela 1, mas geralmente


o ventilador é programado como níveis moderados de suporte mecânico, como
abaixo descritos15:

P Volume corrente 6 mL/kg,

P Pressão Plateau <30 cmH2O

P PEEP 5-12 cmH2O

P FiO2 < 0.6

Tabela 1 – Desmame ECMO VV

Fonte: Schmidt, M.; (2017), pág.9915

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 85


O suporte ECMO pode ser retirado no caso de(15):

• PaO2 > 60 mmHg

• SatO2 > 90%

• FiO2 do ventilador <60%

• Pressão Plateau <30 cmH2O

• Ecocardiografia não revela sinais de insuficiência cardíaca direita (1-12 h).

Relativamente ao suporte ECMO VA não existe consenso entre os centros de


suporte ECMO em relação à forma de gerir o seu desmame. Diminuição das doses
de infusão de catecolaminas, a recuperação de uma pressão arterial de pulso
e recuperação da função do miocárdio avaliada através da ecocardiografia são
indícios que o cliente pode iniciar o desmame do suporte ECMO VA.

O algoritmo que se apresenta abaixo serve para gerir o desmame ECMO VA com
dois critérios que são realizados concomitantemente, são eles:16,17,18:

P função cardíaca adequada com níveis aceitáveis de agentes vasoativos


(desmame do suporte circulatório).

P função pulmonar adequada (desmame do suporte pulmonar).

Desmame do suporte circulatório

Duas abordagens podem ser usadas:


1. Redução do fluxo de sangue extracorporal (recomenda-se ≥ 1 L/min)
o Monitorização hemodinâmica com vasopressores e avaliação da função
cardíaca por ecocardiograma (contratilidade cardíaca)
• Se hemodinamicamente estável è Início do desmame do suporte
pulmonar
• Se hemodinamicamente instável, retomar a taxa de fluxo de sangue
anterior e optimizar ainda mais a hemodinâmica do cliente.
2. Redução transitória diária do fluxo sanguíneo ECMO
o Reduzir o fluxo sanguíneo ECMO a 1 L/min durante 10-15 min e
monitorizar a hemodepressão dinâmica e alterações ecocardiográficas.
• Se os critérios clínicos e ecocardiográficos estão estáveis è Início do
desmame do suporte pulmonar
• Se os critérios são instáveis, reiniciar a taxa de fluxo de sangue num
fluxo menor possível (> 2,5 L / min para evitar a coagulação do circuito)

86 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Esta última abordagem pode acelerar o processo de desmame, no entanto, não é a
mais adequada para o desmame da falência do ventrículo direito.

Desmame do suporte pulmonar

Em alguns serviços ou centros com suporte ECMO, pode-se realizar o desmame


através de uma das seguintes opções:

Opção 1: Reduzir progressivamente a FiO2 do misturador até ser possível a


oxigenação do cliente apenas com a ventilação. Manter o fluxo de
sangue, (método recomendado).

Opção 2: Suspender de imediato fluxo de gás do misturador, verificando se é


possível a oxigenação do cliente, apenas com a ventilação, mantendo
fluxo de sangue.

Opção 3: Reduzir progressivamente o fluxo de sangue (até mínimo de 1500 rpm


e com atenção à formação de coágulos no oxigenador), mantendo a
FiO2 do misturador a 100%.

Caso os clientes apresentem critérios para desmame do suporte circulatório e


suporte pulmonar, a descanulação é recomendada. Caso apresente critérios para
o desmame do suporte circulatório, mas não para o suporte pulmonar, deve-se
considerar a mudança para um ECMO VV16,18.

Abaixo, encontra-se um resumo do desmame em trial off do suporte ECMO VV e


ECMO VA.

Quadro 8 - Orientações para o desmame em trial off do suporte ECMO VV e ECMO VA

ACÇÕES/ORIENTAÇÕES JUSTIFICAÇÃO
Avaliar condições fundamentais do cliente
para o processo de desmame:
• Hemodinamicamente estável, com
baixa dependência inotrópica
• RX tórax sem alterações significativas Prevenção de complicações
• Ecocardiograma sem alterações, com
boa função
• Parâmetros metabólicos dentro dos
valores normais
• SvO2 dentro dos parâmetros normais

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 87


Diminuir gradualmente o fluxo de sangue
na bomba a uma velocidade máxima de:
Prevenção de complicações
• 10 – 20 ml/Kg (na modalidade VA)
• 40 – 50 ml/Kg (na modalidade VV)

Diminuir o fluxo a cada 15/30/60 minutos


Prevenção de complicações
(dependendo da tolerância do cliente à
Avaliação da resposta do cliente
redução do fluxo)

Avaliar parâmetros vitais, SatO2 e SvO2 a


cada 15 minutos durante o processo de Avaliação da resposta fisiológica do cliente
desmame

Colher gasimetria arterial após cada


diminuição do fluxo de sangue/fluxo de Avaliação da resposta fisiológica do cliente
gás durante o desmame

Continuar a diminuir o fluxo de sangue à


razão descrita anteriormente até ao limite
mínimo de:
• Circuito 1/4’’ (neonatal): 100 ml/min Prevenção de coagulação do sistema
• Circuito 3/8’’ (pediátrico / adulto): 200
ml/min
• Circuito 1/2’’ (adulto): 500 ml/min

Manter a perfusão de heparina de modo a


Prevenção de coagulação do sistema
manter os valores de ACT preconizados

Desconectar qualquer perfusão ou sistema


de HDF ligado ao sistema extracorporal e Gestão de tempo
ligar directamente ao cliente

Aumentar ou iniciar inotrópicos consoante Estabilização hemodinâmica do cliente


a necessidade do cliente Prevenção de complicações

Administrar expansores de volume, se Estabilização hemodinâmica do cliente


necessário Prevenção de complicações

Ajustar os parâmetros ventilatórios para


valores que se considerem necessários Promoção de trocas gasosas adequadas
após retirar o suporte extracorporal

Assegurar que o consumo de O2 não está


Promoção de trocas gasosas adequadas
aumentado (ex. febre, dor, ansiedade)

88 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Retirar fonte de O2 da membrana
permutadora de gases

Avaliação da função pulmonar nativa do


Nota: no caso da modalidade VV esta
cliente
é a última acção antes de avançar para
a descanulação. Após o seu sucesso, é
Início do processo de trial-off
possível proceder à finalização do suporte
e à descanulação, conforme decisão da
equipa multidisciplinar

Na modalidade VA, após desmame com


sucesso e indicação médica, clampar
as cânulas e parar a bomba durante 2
Avaliação da função cardíaca nativa do
minutos (120 seg)
cliente

Nota: O sistema pode permanecer parado


Início do processo de trial-off
durante aproximadamente 2 minutos (120
segundos) sem formação de coágulos
(com ACT=200’’)

Seguir a seguinte ordem:


1. Clampar linha de retorno Prevenção de complicações
2. Clampar linha de acesso
3. Desligar a bomba

Desclampar a cada 2 minutos e voltar a


ligar a bomba de sangue durante, pelo Prevenção de formação de coágulos
menos, 1 minuto

Realizar, durante este período, a avaliação


Avaliação da resposta fisiológica do cliente
constante dos parâmetros hemodinâmicos
Prevenção de complicações
e SatO2

Retomar, com indicação médica, os


Promoção da adequação de suporte
parâmetros anteriores em caso de
circulatório e respiratório
insucesso no trial-off

Avançar para o processo de descanulação


em caso de sucesso no trial-off
Fonte: Adaptado pelos autores

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 89


6.5 DESCANULAÇÃO
É o processo de remoção das cânulas dos vasos sanguíneos. Na maioria dos
casos, após a interrupção de anticoagulação sistémica durante 1h, as cânulas
ECMO podem ser removidas sem intervenção cirúrgica, mas simplesmente por
uma pressão local durante 30 min. Cânulas colocadas por dissecação directa são
removidos por dissecação directa18.

À medida que a cânula é retirada, o cliente deve estar em decúbito dorsal na


posição horizontal ou em Trendelenburg e administrar um curarizante de curto
prazo (se necessário) ou executar uma manobra de Valsalva para reduzir o
risco de embolia gasosa, no caso do cliente estar a respirar espontaneamente.
Isto porque, aquando da remoção da cânula venosa, o ar pode entrar no sangue
venoso através dos orifícios laterais2,7,15.

O uso do Doppler na descanulação venoso é importante para detectar uma


trombose venosa profunda no vaso da cânula2,18.

O ECLS deve ser interrompido imediatamente se não há esperança de vida ou


qualidade de vida saudável [lesão cerebral grave, coração ou pulmão irrecuperável,
ou nenhuma esperança para substituição do órgão por Dispositivo de Assistência
Ventricular (VAD) ou transplante]. A possibilidade de interromper o suporte ECMO
por inutilidade deve ser explicado à família antes da ECLS ser iniciada. A definição
de coração ou de pulmão com lesões irreversíveis depende do cliente e dos
recursos da instituição. Em cada caso, deve ser estipulado um prazo razoável para
recuperação do órgão ou substituição do mesmo. Para a insuficiência cardíaca,
por exemplo, de três a cinco dias de não recuperação da função cardíaca em que
o cliente não é candidato a transplante é considerado inútil na maioria dos centros
de suporte ECMO. Por insuficiência pulmonar, por exemplo, duas semanas de não
recuperação da função pulmonar num cliente que não é um candidato a transplante
é considerado inútil em muitos centros2,15,18.

Abaixo, no quadro 9, encontra-se um resumo da descanulação do suporte ECMO:

Quadro 9 - Descanulação do suporte ECMO

ACÇÕES/ORIENTAÇÕES JUSTIFICAÇÃO
Informar e instruir o cliente sobre o Diminuição da ansiedade
procedimento Obtenção da colaboração do cliente

Posicionar o cliente em decúbito dorsal na


Facilitação da realização do procedimento
posição horizontal ou em Trendelenburg

90 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Assistir a equipa médica no processo de
Gestão de tempo
descanulação (ver Anexo 6)

Retirar as cânulas 30 a 60 min após


interrupção da perfusão de heparina
(alguns centros ECMO em Portugal não
interrompem a perfusão de heparina para
descanulação)

Nota: A remoção das cânulas é um acto


Prevenção de complicações
médico. Ao retirar a cânula venosa existe
o risco de entrada de ar pelos orifícios
laterais desta, passível de ocorrer quando
o cliente tem respiração espontânea. Esta
situação pode ser evitada utilizando a
apneia / pausa expiratória (no ventilador) e
retirando a cânula num gesto rápido

Para a descanulação venosa são


efectuadas cerclagens com fio de sutura;
No caso da descanulação arterial, a
técnica mais utilizada é aplicação de
Perclose ProGlide®;
Em ambos os casos, ainda podemos
recorrer à compressão directa [manual
Prevenção de complicações
ou com sistema de contenção vascular
com controlo de pressão (compressor
FemoStop®)]

Nota: Se a canulação foi feita por


desbridamento pode ser necessário a
reconstrução cirúrgica do vaso

Realizar penso compressivo e manter


compressão no máximo durante 4 horas,
Prevenção de complicações
consoante coagulação do cliente e
capacidade hemostática

Avaliar perfusão distal dos membros


Prevenção de complicações
afectados durante penso compressivo

Prevenção de complicações
Fazer penso oclusivo
Prevenção de IACS

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 91


Reavaliar parâmetros vitais, SatO2, SvO2,
gasimetria arterial e perfusão distal dos
membros
Fonte: Adaptado pelos autores

6.6 TRANSPORTE DA PESSOA EM SITUAÇÃO CRÍTICA EM


SUPORTE ECMO
A Ordem dos Médicos e a Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos24 defende
que o transporte de doentes críticos deverá passar por três fases fundamentais,
“decisão, planeamento e efectivação”, sendo que o transporte do doente em ECMO
também obedece a estas fases cruciais. A fase de decisão passa pela selecção
do cliente, ou seja, pela avaliação médica de dois clínicos envolvidos (hospital
receptor e hospital onde se encontra o cliente) que após realização de todos
os procedimentos possíveis para eventual reversão do quadro (prone position;
recrutamento alveolar, entre outros) e na presença dos seguintes critérios: Avaliação
da indicação e Exclusão de contraindicação, determina o inicio do suporte ECMO.

Para ELSO7, além destes dois critérios também é importante que os clientes tenham
uma avaliação do seu estado hemodinâmico antes da canulação, recorrendo à
ecocardiografia de forma a avaliar a função miocárdica e o débito cardíaco (escolha
da modalidade).

Posteriormente, caso tenha indicação para ECMO segue-se a fase de planeamento,


na qual é contactada e activada a equipa de ECMO.

Esta equipa de ECMO deve enviar ao hospital de origem (onde se encontra o


cliente) uma lista de material e equipamento de forma a estar disponível aquando
da chegada desta equipa. Esse material e equipamento é composto por batas
esterilizadas, toucas, compressas e luvas esterilizadas de vários tamanhos,
clorohexidina, ecógrafo com sonda vascular, sedas de vários tamanhos, soro
fisiológico, polieletrolítico, seringas (2, 5, 10 e 50 ml), agulhas, Spongostan®,
Placas Hidrocolóides Varihesive® (10x10), Tegaderm Film ® (10x12), máquina de
tricotomia e mesa cirúrgica, assim como, a realização de alguns procedimentos
técnicos, tais como, tricotomia do joelho à zona umbilical bilateralmente, tricotomia
da região temporal direita (pescoço e toda a zona temporal) no caso de ECMO VV,
cateter venoso central de 5 vias na sub clávia esquerda e linha arterial na radial
esquerda.

Restantes equipamentos/materiais necessários devem ser transportados e


disponibilizados pela equipa ECMO do hospital receptor.

O transporte seguro de um cliente em suporte ECMO é fundamental e exige

92 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


organização e apoio específico. A mobilização deste tipo de clientes pode ser
arriscada, deve ser excepcional e realizada por uma equipa especializada, com pelo
menos três pessoas, incluindo pelo menos um médico, um Enfermeiro Especialista
em Enfermagem Médico-Cirúrgica e um Profissional de ECMO (Médico/Enfermeiro/
Perfusionista). A antecipação, a conformidade com os procedimentos e a logística
adequada são as condições que assegurem o máximo de segurança para o cliente
em ECMO21.

O transporte de clientes entre instituições de saúde, devido à sua especificidade,


encontra-se uniformizado por documentos legais e/ou orientações das Ordens
Profissionais bem como Sociedades Científicas.

Este documento procura ser um complemento, para a orientação do transporte com


a especificidade do cliente em suporte ECMO.

Conforme o guia da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, o transporte


deve ser constituído por 3 fases: decisão, planeamento e efectivação.

A decisão de transferência de um cliente em situação crítica pressupõe sempre


uma avaliação dos benefícios e riscos inerentes ao transporte e este deve ser
considerado como uma extensão de cuidados do hospital23.

Assim a Decisão do transporte, será sempre da reponsabilidade do Médico ECMO,


que tendo em conta as necessidades do cliente irá avaliar as condições de risco
benefício.

O Planeamento deverá ter em conta:

a. O contacto com os diferentes intervenientes, no sentido de minimizar os


tempos de transporte.

b. Seleccionar o meio de transporte mais adequado para a deslocação, tendo


em conta os dispositivos de ECMO a utilizar.

c. Realizar estimativa do tempo do transporte, a fim de preparar suplementação


eléctrica, de gases e terapêutica para a deslocação.

d. Fazer-se acompanhar de material para acção e correcção de possíveis


complicações/intercorrências, como: via aérea; respiração; circulação; e
circuito extra-corporal.

Por último, a Efectivação do transporte inicia-se com a saída da equipa de ECMO


da unidade hospitalar de origem, no caso do transporte inter e extra-hospitalar.
A responsabilidade do cliente é responsabilidade da equipa de saúde que se
encontra com o mesmo na chegada da equipa de ECMO, sendo a responsabilidade
assumida por a última a partir do momento em que se inicia o procedimento de
canulação. A responsabilidade da equipa de transporte, finda com a admissão do
GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 93
cliente na outra unidade hospitalar.

A ELSO tem publicado as directrizes para o transporte do cliente em suporte ECMO


e que pretende ser referência para os programas actuais e futuros de ECMO. Deve
ser usado como um guia para a concepção e o estabelecimento de um programa
de transporte ECMO inter-hospitalar de serviços/centros de suporte ECMO e intra-
hospitalar. Pressupõe que qualquer cliente que é admitido para o transporte ECMO
já foi avaliado separadamente para a necessidade de apoio extracorpórea. Estas
directrizes abordam a selecção e execução do transporte do cliente em ECMO22.

Alguns dos factores para a Decisão do transporte do cliente em suporte ECMO


passam por2,20,21,22,23:

(A) Tipo de Transporte

Transporte Intra-hospitalar: O transporte intra-hospitalar, é aquele realizado


dentro do edifício onde o cliente está internado. Será a deslocação entre
a unidade do cliente e outro local para a realização de intervenções e/ou
exames complementares de diagnóstico imprescindíveis.

Transporte Inter-hospitalar: O transporte inter-hospitalar, é aquele realizado


entre duas unidades de saúde. Neste caso podemos estar perante dois
cenários. O primeiro, a deslocação de equipa para colocação de técnica
no hospital de origem e respectivo resgate para o serviço/centro de suporte
ECMO – transporte primário; o segundo cenário, o transporte entre serviços/
centros de referência em ECMO de cliente sob a técnica – transporte
secundário.

Transporte Extra-hospitalar: O transporte extra-hospitalar pressupõe o


resgate da pessoa da via pública e/ou propriedade privada para a instituição
hospitalar, com a implantação da técnica no local onde se encontra o cliente.

(B) Factores Geográficos e questões relacionadas com as condições climatéricas

A distância entre o serviço/unidade hospitalar e serviço/centro de suporte


ECMO, desempenha um grande papel na selecção do tipo de transporte.
Em cada caso, as considerações geográficas devem ser tidas em conta
no contexto de prioridades clínicas, tempo e recursos. Se a duração entre
serviços/unidades é superior a 3-4 horas por via terrestre, então o transporte
pelo ar deve ser considerado.

As condições climatéricas têm um grande impacto sobre o transporte aéreo,


assim como, o gelo/neve ou outras condições das estradas perigosas podem
afectar a viabilidade de transporte terrestre. O impacto do clima sobre a
adequação do transporte para uma determinada missão deve sempre estar

94 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


uma decisão do condutor/piloto sem a entrada da equipa médica.

(C) Equipa de Transporte:

De acordo com a ELSO “a equipa de transporte deve ser totalmente


autossuficiente para a transferência de hospital para hospital”(3).

A deslocação de um cliente em ECMO, devido ao risco de instabilidade


iminente, deverá sempre ser realizado com Médico (com a devida formação)
e Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica14, bem como
os técnicos necessários para operação dos diferentes meios. A esta equipa
deve acrescentar-se o Enfermeiro de ECMO que deverá estar em contacto
permanente com o Médico de ECMO. Sistematizando, a equipa de transporte
deve possuir:

- Médico: com a devida formação

- Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica ou Enfermeiro


Especialista em Enfermagem em Saúde Infantil e Pediatria e/ou
Enfermeiro Competente em Extracorporeal Life Support

- Profissional de ECMO (Médico/Enfemeiro/Perfusionista)

- Equipa de logística, mediante o meio a utilizar.

(D) Material/equipamento a acompanhar o transporte do cliente em ECMO:

Relativamente ao material/equipamento, deve ser seleccionado e “montado”


de modo a que durante o transporte estabilize de forma segura contra as
forças de vibração, aceleração e desaceleração em todas as direcções; evite
potenciais impactos ou interferências com outros materiais/equipamentos;
permita a fixação e remoção rápida (no caso de ser necessário) e que o
oxigenador esteja sempre a um nível inferior do cliente para evitar embolia de
ar no caso de uma paragem acidental da bomba com o oxigenador.

O material necessário:

• Monitor de transporte com alarmes e desfibrilhador, com Monitorização


continua da Frequência Respiratória; FiO2; Oximetria de pulso; ECG continuo;
Frequência Cardíaca; Pressão arterial invasiva;

• Material de intubação com tubos traqueais adequados ao cliente e insuflador

14
PARECER N.º 09 / 2017 – Transporte da Pessoa em Situação Crítica24

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 95


manual (com válvula de PEEP);

• Fonte de oxigénio com capacidade adequada – O2 necessário = [(20 +


Vmin) x FiO2 x tempo de transporte em minutos] + 50% e considerar gazes
de varrimento;

• Aspirador eléctrico (com baterias) e sondas de aspiração;

• Drenos torácicos, conjunto de introdução e acessórios;

• Material para punção e manutenção de perfusões endovenosas e respectivas


seringas ou bombas volumétricas com bateria (agulhas, catéteres venosos,
seringas, sistemas de soros...);

• Soros (cristalóides e colóides) com mangas para administração sob pressão;

• Fármacos, para suporte avançado de vida, e outros que se julguem


necessários ou específicos para terapêuticas continuadas ou intermitentes
pré-programadas;

• Ventilador de transporte, com possibilidade de monitorização do volume/


minuto, e da pressão da via aérea, com capacidade de fornecer PEEP e FiO2,
reguláveis de forma fiável e com alarmes de desconexão e pressão máxima
da via aérea;

• Máquina de circulação extracorporal com visualização de rotações da


bomba, débito de bomba, ponderar restante monitorização;

• Bomba de suporte do débito de sangue, suplente;

• Clampes para tubuladuras (no minímo 4 e idealmente metálicos);

• Outro materal: Tesoura e Conexões ¼ - ¼ e 3/8 – 3/8;

• Equipamento de comunicações (permitindo contactos entre os hospitais de


origem e destino).

Durante o transporte são tomadas todas as precauções para prevenir complicações/


intercorrências que coloquem o cliente em perigo de vida, para isso é efectuada
uma apertada vigilância, através da monitorização de todos os parâmetros e
registados.

96 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PARECER N.º 09 / 2017 - TRANSPORTE DA PESSOA EM SITUAÇÃO CRÍTICA. Parecer


25

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98 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


7

COMPLICAÇÕES

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)

C
pilboardPageNumber GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)
7. COMPLICAÇÕES

A avaliação, o planeamento e a intervenção de enfermagem ao cliente submetido


a ECMO são dirigidas por três objectivos principais: “a promoção do conforto e
repouso, a prevenção de complicações e o suporte enquanto ocorre o processo
de cura”1.

Assim, na prática de enfermagem, a antecipação de possíveis complicações e


a prevenção do dano são dois dos aspectos que coexistem em simultâneo para
a segurança do cliente, no respeito pelo princípio ético da beneficência/não
maleficência2.

7.1 PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS À


PESSOA EM SITUAÇÃO CRÍTICA COM SUPORTE ECMO
(COMPLICAÇÕES CLÍNICAS)
Complicações Hemorrágicas/Embólicas – Gestão da Anticoagulação

A heparinização do cliente é um pré-requisito para a concretização das técnicas


ECLS, o que, aliado ao consumo de plaquetas e de outros factores da coagulação
pelo circuito extracorporal potencia exponencialmente o risco de hemorragia.

A anticoagulação sistémica constitui-se, pois, como um importante foco de atenção,


dado o risco de complicações hemorrágicas que acrescenta, nomeadamente ao
nível do local cirúrgico e zonas de canulação3.

As complicações hemorrágicas “são a principal causa de morbilidade e


mortalidade” nestes clientes6, estando a hemorragia intracraniana descrita como
uma complicação major da ECMO1,7.

Prevenção

Algumas das práticas clínicas a estes clientes implica, assim, baixar perfusão de
heparina, administrar Plasma Fresco Congelado (PFC), plaquetas, fibrinogénio,
controlar o local da hemorragia, revisão cirúrgica da hemóstase, interrupção
esporádica da heparina se persistência de hemorragia grave (maior vigilância de
coágulos) e interromper suporte extracorporal, caso risco de vida5.

100 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Complicações Neurológicas – Gestão da Sedação

As complicações com o Sistema Nervoso são as mais documentadas como mais


graves e estão relacionadas com o grau de hipoxia e acidose8. É recomendado que
se evite agentes paralisantes e se realizem exames neurológicos regulares.

Prevenção

Os cuidados de enfermagem especializados assumem um papel preponderante


na sua prevenção, nomeadamente na aplicação da escala numérica para avaliar
a dor em clientes capazes de comunicar de forma verbal ou motora e a Behavioral
Pain Scale por meio subjectivo da observação de comportamentos, em clientes
incapazes de comunicar, sedados e ventilados9,10.

Em relação à avaliação da qualidade e profundidade da sedação, a escala


Richmond Agitation- Sedation Scale será uma boa maneira de gerir a sedoanalgesia
em conformidade com os resultados da evidência científica mais recente dirigida
aos adultos na UCI12,13.

Complicações Intratorácicas

Assim, as complicações cardíacas incluem alterações do miocárdio, como uma


diminuição na percentagem de encurtamento do ventrículo esquerdo, por mais de
25% com o início do ECMO que retorna ao normal após 48 horas de ECMO. Além
disso, a hipertensão é uma complicação perigosa devido ao risco de hemorragia e
acidente vascular cerebral. Arritmia pode ocorrer como resultado de hipóxia e de
desequilíbrio eletrolítico4.

Relativamente às complicações pulmonares, o edema agudo do pulmão


juntamente com hemorragia pulmonar, embolia pulmonar e a hipertensão pulmonar
são as complicações mais frequentes.

Prevenção

Durante a terapia com ECMO, a perfusão sistémica e o volume intravascular


devem ser mantidos. O status do volume pode ser avaliado clinicamente por débito
urinário, sinais físicos de perfusão e medindo a pressão venosa central e a pressão
arterial média. O débito cardíaco pode ser reforçado com agentes inotrópicos. O
ecocardiograma deve ser realizado para excluir qualquer grande anomalia cardíaca
congénita, que pode exigir uma intervenção imediata que não o ECMO15.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 101


Complicações Renais – Instituição e Gestão das TSFR

Durante as primeiras 24-48 horas de ECMO, oligúria e necrose tubular aguda


associada a permeabilidade capilar e deplecção de volume intravascular são
comuns porque o ECMO desencadeia uma reacção inflamatória aguda. A fase de
diurético, o que geralmente começa dentro de 48-72 horas, é muitas vezes um dos
primeiros sinais de recuperação. Mas por vezes a oligúria persiste após 72 horas
assim como, a necrose tubular aguda, os diuréticos deixam de ter qualquer efeito e
as Técnicas de Substituição da Função Renal (TSFR) será a solução para melhorar
a insuficiência renal.

Prevenção

As Técnicas de Substituição da Função Renal (TSFR) associada ou adicionada ao


circuito ECMO será a solução para melhorar a insuficiência renal.

Complicações Infecciosas – Gestão das Medidas de Controlo da Infecção

O risco de infecção aumenta consoante o número de portas de entrada e sua


manipulação. As cânulas colocadas nas femorais acarretam um maior risco de
infecção5.

A sépsis é uma complicação do suporte ECMO porque o seu circuito representa


um corpo estranho grande intravascular e a sua manipulação frequente aumenta o
risco de infecção4.

Prevenção

A execução do penso das cânulas deve seguir as normas institucionais para


dispositivos intravasculares, bem como a manipulação das torneiras do circuito.
Ao contrário dos restantes catéteres, as cânulas não podem ser substituídas por
suspeita de colonização e a troca do circuito acarreta sempre riscos significativos.

Administração de antibioterapia profilática na colocação de cânulas é aconselhável5.

Complicações Nutricionais – Gestão do Suporte/Aporte Nutricional

Complicações do tracto GastroIntestinal incluem hemorragia, que pode ocorrer como


resultado de stress, isquémia, ou tendências hemorrágicas. Hiperbilirrubinemia
directa e cálculos biliares podem ocorrer secundários ao jejum prolongado e
nutrição parenteral total (NPT), hemólise, e diuréticos4.

102 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Prevenção

“A nutrição entérica é considerada a via de eleição para o suporte nutricional nos


clientes críticos”16. Vários estudos têm demonstrado que, sob a supervisão clínica
adequada, a alimentação entérica deve ser iniciada o mais precocemente possível,
é bem tolerada pelos clientes em suporte desta técnica, independentemente da
modalidade, não existindo motivo dos impedir dos benefícios17.

Complicações Associadas à Imobilidade – prevenção de úlceras por pressão e


auto-cuidados comprometidos

Existe uma tendência para manter o cliente em suporte ECMO em posição dorsal
durante várias horas o que pode provocar atelectasias e condensação pulmonar
posterior.

Assim, as complicações associadas à imobilidade de um cliente submetido à


terapia de ECMO é semelhante a um outro cliente em situação crítica que esteja
internado numa UCI. Neste caso, devemos mobilizar este cliente com esta terapia
o mais precoce possível.

Prevenção

Observar todo o circuito, verificar as fixações das cânulas, avaliar o comprimento


do tubo, avaliar o nível de consciência do cliente, avaliar os recursos humanos
suficientes e preparar todos os materiais necessários.

7.2 PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS


AO CIRCUITO EXTRACORPORAL (COMPLICAÇÕES
MECÂNICAS)
Complicações envolvendo o Circuito extracorporal podem ser dramáticas pelo
risco de vida para o cliente e exigem respostas imediatas. Embora sejam raras e
geralmente evitáveis.

As possíveis complicações mecânicas associadas ao Circuito Extracorporal são:


coágulos no sistema, ar no sistema, falha na membrana permutadora de gases
(oxigenador), anomalia ou falência da bomba, ruptura do sistema e complicações
associadas às cânulas.

Assim, apresentamos no Anexo 7, um quadro resumo das possíveis complicações


clínicas e mecânicas11,18,19.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 103


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 105


8

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
E ACTUAÇÃO DE
EMERGÊNCIA

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)

C
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8. RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS E
ACTUAÇÃO DE EMERGÊNCIA

Estando a condição de saúde da pessoa em situação crítica com apoio circulatório


e de oxigenação na dependência directa do correcto funcionamento deste
suporte, a resolução imediata de qualquer intercorrência com ele relacionado é
crucial para a sobrevivência do cliente. Nestas situações, “respostas instantâneas
são imperativas para tratar as complicações e/ou prevenir uma cascata de
acontecimentos devastadores e/ou irreversíveis”1.

8.1 COMPLICAÇÕES CLÍNICAS

Não só a tecnologia envolvida como também todo o processo de circulação e


oxigenação sanguínea extracorporal, nomeadamente as alterações na homeostasia
do organismo, na sua resposta inflamatória e no seu processo de coagulação,
acrescentam riscos significativos à estabilidade do cliente, já em condições críticas
de saúde e de falência orgânica. Neste quadro de elevada instabilidade e passível
de súbitas alterações, “as vidas dos clientes dependem da decisão do enfermeiro
em tomar as acções clínicas em pré-emergências e emergências em que o tempo
é escasso e exige uma acção imediata”1.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 107


Quadro 10 - Resolução de Problemas nas Complicações Clínicas
Problema Causa Prevenção Acção/Orientação

• Baixar perfusão de heparina


Alterações da
(segundo protocolo)
Coagulação
Despistar sinais Gerais: • Avaliar ACT pelo menos 2/2h
P Hemoglobina baixa quando estável e dentro dos limites
P Hipotensão e em intervalos mais curtos quando
P Taquicardia fora dos valores e frequentes
Despistar sinais Específicos: alterações na perfusão de heparina
P Convulsões • Administrar Plasma Fresco
P Midríase ou anisocoria Congelado (PFC), plaquetas,
Perda sanguínea /
Hemorragias pupilar fibrinogénio, entre outros
hemorragia
P Sinais de tamponamento • Controlar a hemorragia
cardíaco/hemotórax • Rever a intervenção cirúrgica da
P Secreções hemáticas hemóstase
P Distensão abdominal • Interromper temporariamente a
P Hematoquésias heparina se persistir a hemorragia
Trombocitopenia (por P Drenagem hemática (via (maior probabilidade de formação
acção da digestiva) de coágulos)
bomba ou • Interromper suporte extracorporal,
induzida pela no caso de risco de vida
heparina)

Hemorragia Avaliar a dor em clientes capazes


intracraniana de comunicar de forma verbal ou
motora
• Avaliar a qualidade e profundidade
Aplicar a escala numérica da sedação
Behavioral Pain Scale • Monitorizar a actividade
Hipóxia (diminuição PAplicar a escala Richmond cerebral em respostas a diversas
do fluxo por Agitation- Sedation Scale combinações de sedativos e
canulação da carótida) P Monitorizar por BIS anestésicos no cérebro
(índice bispectral) • Avaliar o tamanho e a reactividade
P Avaliar o tamanho e a pupilar, do estado de consciência,
Neurológicas
reactividade pupilar, dos reflexos, dos movimentos
P Avaliar o estado de corporais e da presença de
Embolia (migração de consciência actividade convulsiva
coágulo ou bolha de P Avaliar os reflexos, dos • Realizar exames complementares
ar – ECMO VA) movimentos corporais e de diagnóstico para despiste de
da presença de actividade alterações neurológicas
convulsiva O ideal será o cliente estar acordado
o suficiente para interagir com a
família e com os profissionais,
PIC elevada de preferência com respiração
(canulação da veia espontânea
jugular interna)

108 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Problema Causa Prevenção Acção/Orientação
Maior consumo
(coagulopatia de
consumo)
Diminuição da
produção (por P Despistar sinais de • Administrar Plasma Fresco
Hematológica hipoxia dos órgãos trombocitopenia Congelado (PFC), plaquetas,
(Trombocitopenia) produtores) P Hemograma diário fibrinogénio, entre outros
Sequestração
(esplenomegalia)

Diluição no sangue

Coágulos no circuito
A formação de coágulos no circuito
não pode ser completamente evitada.
Pressão no P Correcta gestão da anticoagulação
Despistar sinais de:
circuito muito P Vigiar as pressões pré e pós
Hematológicas P Hemoglobina livre (> 50
positiva ou muito membrana
(Hemólise) mg/dl)
negativa P Vigiar a formação de coágulos nos
P Hemoglobinúria
componentes do circuito
P Avaliar a temperatura central do
Aumento da
cliente
temperatura do
sangue

Disfunção Cardíaca

Hipertensão Pulmonar
Cardiopulmonares P Despistar sinais P Protocolos de actuação nas
Edema Agudo do de complicações complicações cardiopulmonares
Pulmão cardiopulmonares

Embolia Pulmonar/
cardíaca

Pneumotórax
Intratorácicas hipertensivo
P Despistar sinais de P Protocolos de actuação nas
Hemotórax maciço
complicações intratorácicas complicações intratorácicas
Tamponamento
Cardíaco
Resposta inflamatória
com fuga de líquido
Renais para o espaço • Tratamento diurético
P Avaliar débito urinário
(Oligúria – 1as 24 – extravascular • Expansores de volume
P Avaliar balanço hídrico
48 horas
Diminuição do fluxo
sanguíneo renal

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 109


Problema Causa Prevenção Acção/Orientação
Agudização de doença
anterior • Tratamento diurético
Renais
P Avaliar débito urinário • Técnica de Substituição da Função
(Insuficiência Renal Baixo débito urinário
P Avaliar balanço hídrico Renal (TSFR)
Aguda)
Débito não pulsátil
(ECMO VA)
Catéteres vasculares
Circulação sanguínea
extracorporal
P Rigor no cumprimento de • Actuar conforme as orientações
Ventilação mecânica
normas institucionais e do descritas nas normas institucionais
Infecção
Feridas cirúrgicas serviço na prevenção da e do serviço
infecção
Imunodepressão
Ambiente
Outras….
Hemorragia • Iniciar protocolo de nutrição
entérica sob supervisão clínica
Stress P Gerir a alimentação
adequada, o mais precoce possível
entérica e a eliminação
Isquemia • Controlar valores de glicemia
Nutricionais intestinal
segundo protocolo
Hiperbilirrubinemia P Iniciar precocemente a
• Vigiar eliminação intestinal e
direta nutrição entérica
iniciar protocolo de eliminação
Cálculos biliares (obstipação ou diarreia)
P Prevenir: úlceras por
• Posicionar de 2 em 2 horas ou
pressão, rigidez articular,
Imobilidade sempre que necessário;
Imobilidade atrofia muscular
prolongada • Mobilizar o mais precoce possível
P Prevenir problemas
cardiopulmonares
Hipovolémia (≈ ≈
• Administrar expansores de volume
preload)
P Vigiar tensão Arterial
Hipotensão Má função (≈ ≈ Sistólica, Diastólica e
• Administrar inotrópicos
Persistente (PAM < contratilidade) Média
65mmHg) P Monitorizar com monitor
≈ ≈ Resistências
hemodinâmico (PiCCO)
vasculares • Administrar vasopressores
periféricas

Hipervolémia P Vigiar tensão Arterial • Administrar diuréticos


Hipertensão Sistólica, Diastólica e
Inotropismo alto Média • Diminuir inotrópicos
Persistente (PAM > P Vigiar débito urinário
65mmHg) P Monitorizar com monitor
ΩΩ Resistências
• Administração de vasodilatadores
vasculares periféricas hemodinâmico (PiCCO)

110 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Problema Causa Prevenção Acção/Orientação
Fluxo da bomba de • Aumentar fluxo de bomba de
sangue muito baixo sangue
• Administrar concentrado
Hemoglobina baixa
eritrocitário
Consumo metabólico P Vigiar fluxo de bomba • Diminuir consumo metabólico
aumentado (Sépsis, P Hemograma diário e (administrar antipiréticos,
Saturação Venosa hipertermia, entre sempre que necessário analgesia, sedação, entre outros)
de O2 Baixa outros) P Vigiar temperatura central
(<60%) do cliente
Disfunção do
P Vigiar parâmetros • Substituir membrana/acrescentar
oxigenador/Superficie
ventilatórios outra membrana
insuficiente
Parâmetros
• Aumentar parâmetros ventilatórios
ventilatórios baixos
(apenas na modalidade ECMO VA e
(programados no
na ausência de falência pulmonar)
ventilador)
Recirculação (ECMO VV) por:
Posição das cânulas P Vigiar posição e local de • Reposicionar cânulas
inserção das cânulas
Velocidade de bomba • Diminuir a velocidade da bomba de
P Vigiar bomba de sangue
Saturação Venosa de sangue (muito alta) sangue (se possível)
P Vigiar tensão Arterial
de O2 Alta (>90%) Hipovolémia Sistólica, Diastólica e • Administrar expansores de volume
Média
Função cardíaca P Vigiar débito urinário
P Monitorizar com monitor • Gerir inotrópicos
diminuída
hemodinâmico (PiCCO)

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 111


Problema Causa Prevenção Acção/Orientação
• Aumentar FiO2 na misturadora
FiO2baixo
ligada à membrana
• Aumentar velocidade da bomba de
Fluxo de sangue baixo
sangue do sistema extracorporal
• Administrar concentrado
Hemoglobina baixa
eritrocitário
P Vigiar Sat. O2
Oxigénio P Vigiar bomba de sangue
• Reconectar Oxigénio
desconectado P Hemograma diário ou
sempre que necessário
• Administração de expansores de
Hipovolémia P Vigiar tensão Arterial
volume
Sistólica, Diastólica e
Disfunção da Média
• Substituir membrana permutadora
membrana P Vigiar débito urinário
de gases ou adicionar membrana
permutadora de P Monitorizar com monitor
permutadora de gases (em caso de
gases/superfície hemodinâmico (PiCCO)
superfície insuficiente)
insuficiente
Saturação Arterial
de O2 Baixa Recuperação da • Aumentar fluxo de sangue
(<80%) função cardíaca • Converter em modalidade ECMO
nativa do cliente (na VV (se tolerado)
modalidade ECMO • Converter em modalidade ECMO
VA) VA-V (se necessário/adequado)
P Procurar razão de
recirculação15 e resolver:
o Fluxo de sangue muito
Mobilizar as cânulas
elevado
• Mudar para uma cânula dupla
o Cânulas muito próximas
lúmen (Avalon ®): mas ter cuidado
o Volume auricular baixo
Recirculação (na uma vez que estas cânulas pode
o Função cardíaca
modalidade ECMO ser menores e não permitir que um
deprimida
VV) fluxo de ECMO acima de 5 L / min
Há sempre alguma
• Adicionar uma cânula na outra veia
recirculação (+/- 30%)
femoral
P Valor estimado da fração
de recirculação = Sat. Pré
Ox. – SvO2 / Sat. Pós Ox.
– SvO2

15
É um fenómeno específico para VV ECMO implantado em femorojugular e resulta numa execução ECMO
ineficiente. O sangue oxigenado entregue pelo ECMO na cânula jugular (eferente) é imediatamente aspirada
pela cânula femoral (aferente), sem passar através da circulação geral. Nesse caso, os órgãos não são
eficientemente oxigenados2

112 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Problema Causa Prevenção Acção/Orientação
Fluxo de Oxigénio • Aumentar fluxo de Oxigénio na
baixo membrana (LPM)
Oxigénio
desconectado da • Conectar oxigénio à membrana
membrana P Vigiar Sat. O2
PCO2 Alta (> P Vigiar bomba de sangue
45mmHg) Disfunção da P Vigiar coneção do • Substituir membrana
membrana oxigénio
Superfície da
membrana insuficiente • Colocar membrana adicional de
(cliente com peso forma paralela (em Y)
corporal > 100 Kg)
Fluxo de sangue para
o membro é baixa ou P Comparar a temperatura
inexistente pode ser de ambos os membros
• Inserir uma linha de reperfusão na
no membro inferior P Observar o aspecto do
artéria femoral ou axial superficial
Isquémia onde está inserida a membro onde está inserida
e ligá-lo à cânula para permitir
(ECMO VA) cânula ou no membro a Cânula: Rigidez e Cor
perfusão do membro inferior
superior quando a P Uso em ambos os
cânula está inserida membros de: Oximetria
na jugular (menos e NIRS
frequente)
Hipovolémia • Administrar expansores de volume
• Diminuir o fluxo de sangue e logo
Cânula venosa de
que possível, substituir cânula por
baixo calibre
uma de maior calibre
Pressão de acesso
Linha/cânula venosa P Despiste de complicações
ΩΩ
obstruída (ex: cardiopulmonares e • Procurar fonte de obstrução e
(Não deve exceder -
clampada, coágulo, intratorácicas resolver
300 mmHg)
posicionamento)
Tamponamento/
• Drenar tamponamento/
pneumotórax
pneumotórax hipertensivo
hipertensivo
Linha de retorno
• Procurar fonte de obstrução e
obstruída (ex:
Pressão de retorno resolver
clampada, coágulo,
≈≈ posicionamento)
(Não exceder 400
mmHg) • Diminuir o fluxo de sangue e logo
Cânula arterial de
que possível, substituir cânula por
baixo calibre
uma de maior calibre

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 113


Problema Causa Prevenção Acção/Orientação
Disfunção cardíaca
extrema, (o coração
P Para detectar e / ou
está a bater e a válvula
diagnosticar hipoxia
aórtica não está a
diferencial, o oxímetro
abrir). ECMO VA é
de pulso deverá ser
proporcionar 100%
Hipóxia Diferencial colocado sobre um dedo
do fluxo de sangue do
da mão direita, e os gases
(ECMO VA) cliente e oxigenação.
sanguíneos (gasimetria)
Síndrome Harlequin Se a função pulmonar
deve ser realizada na • Inserir uma cânula jugular para
ou síndrome de é prejudicada, a taxa
artéria radial direita, o que fornecer oxigénio para o cérebro
duas circulações de fluxo VA ECMO
reflecte o débito cardíaco
ou Síndrome Norte/ típico (80% de
do cliente.
Sul rendimento cardíaco
P Observar a cabeça do
completo) pode
cliente que aparece
resultar em sangue
em azul, enquanto as
dessaturado do
extremidades inferiores
ventrículo esquerdo,
aparecem rosa.
do cérebro e artérias
coronárias.
Fonte: Adaptado pelos autores

8.2 Complicações Mecânicas


Conhecer os componentes ECLS e a sua interligação, dominando os seus
princípios de funcionamento e estando apto para a resolução de problemas com
eles relacionados são factores determinantes para uma prestação de cuidados de
enfermagem segura, sendo que um dos aspectos “para a prevenção de reais e
potenciais perigos relacionados com os equipamentos tecnológicos é assegurar
que estes funcionam de forma correcta e precisa”1. Efectivamente, este manancial
de conhecimentos e competências assume uma faceta preponderante no domínio
de actuação do enfermeiro com competência em ECLS, dada a sua extrema
importância na gestão de situações inesperadas ou emergentes. Interpretar
de forma rápida e precisa o funcionamento destes equipamentos (…) requer
conhecimento clínico, competências práticas e ainda respeito pelo equipamento e
pelos riscos potenciais que ele representa1.

114 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Quadro 11 - Resolução de problemas nas Complicações Mecânicas

Problema Causa Prevenção Acção/Orientação


Problema mecânico
mais comum
No acesso (venoso), membrana ou
Fluxo de sangue baixo
bomba:
ACT baixo • Informar o médico
• Documentar
Pequenos coágulos • Vigiar
normalmente não
representam perigo No retorno (arterial):
significativo para o A formação de coágulos Extrair porção da linha com coágulo:
cliente no circuito não pode ser • Clampar pós-bomba
Coágulos no completamente evitada. • Parar a bomba
Coágulos de grandes
Sistema dimensões podem • Clampar pré e pós coágulo
P Correcta gestão da • Cortar pré e pós coágulo
levar a: anticoagulação
è Falha do • Colocar conector
P Vigiar as pressões pré e • Fazer flush
oxigenador pós membrana
èCoagulopatia • Reconectar
P Vigiar os componentes • Validar ausência de bolhas
de consumo do circuito e respectiva
(contagem alta de • Ligar a bomba até 1000rpm
documentação • Desclampar linhas
plaquetas)
èEmbolia pulmonar • Repor parâmetros
(ECMO VV) ou
sistémica (ECMO
VA)

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 115


Problema Causa Prevenção Acção/Orientação
PO2 muito alta (>600 No acesso (venoso):
mmHg). A pressão do • Colocar uma pinça na linha
O2 excede a pressão vermelha
do sangue e bolhas • Certificar que a bomba está parada
de ar são transferidas • Apertar a cânula venosa atrás e à
para o lado onde frente do conector, tendo o cuidado
circula o sangue para não o danificar
• Remover a linha venosa da cânula
venosa, de modo a que o ar
Pressão de acesso
presente no sistema de tubos seja
muito negativa
expulso
(Cavitação de
• Deixar que o ar no sistema de
ar)
Manter PO2 pós membrana tubos seja expulso através da linha
< 600 mmHg venosa desconetada e conecte
P Evitar oclusão das depois a linha venosa, já sem ar,
Pressão de retorno cânulas (circuito dobrado, à cânula venosa ou fazer circular
muito positiva clampado, vincado, a(s) bolha(s) de ar até à membrana
(oclusão da posição do cliente) oxigenadora e aspirar
membrana) P Vigiar permanentemente o • Fixar a cânula de acordo com as
circuito e prevenir fracturas indicações no manual de instruções
Ar no Sistema
do sistema • Iniciar novamente a perfusão a
(presença de ar no Entrada de ar através P Utilizar dispositivo abra as pinças nas linhas, azul e
circuito de ECMO) de conectores ou detector de ar auto vermelha
componentes do regulador
circuito P Evitar manuseamento do No retorno (arterial):
circuito por equipa sem Quando o ar ultrapassa a membrana
experiência e passa para a linha de retorno exige
P Preencher e canular o acção rápida:
Injecção acidental no
sistema efectuado por • Clampar circuito arterial próximo
circuito
equipa experiente do cliente
• Parar a bomba
• Parâmetros ventilatórios de
urgência
Deslocação da cânula
• Tentar remover o ar por aspiração
venosa
• Se não for possível, mudar o
circuito
Identificar a origem do ar e
soluccionar (Cardiohelp®)
Preenchimento e • “Intervenções”
canulação deficiente • “Abrir alarme de bolhas ativo”
na expurga de ar • “Repor” e “confirmar”
• Substituir o sistema, se necessário

116 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Problema Causa Prevenção Acção/Orientação
• Clampar imediatamente a linha
arterial (retorno) e a linha venosa
(acesso)
• Parar a bomba de sangue
Ar no Sistema • Priming de um novo circuito
Entrada massiva Deslocação/ extracorporal
de ar Exteriorização da • Parâmetros ventilatórios de
SITUAÇÃO cânula venosa urgência
EMERGENTE • Expansores de volume
• Inotrópicos
• Suporte Básico e Avançado de Vida
• Conexão de novo circuito
• Estabilização do cliente
Coagulação das
• Substituir a membrana
fibras (coágulos no
Falha na permutadora de gases (oxigenador)
oxigenador)
Membrana
Permutadora de Ruptura da membrana
Gases permutadora
(incapacidade de (oxigenador)
oxigenar o sangue)
Ruptura no
permutador de calor
• Ligar a bateria secundária (se
Falha de energia aplicável)
eléctrica • Utilizar a bomba manual (rotações
Falha de energia ideais: 2250-4750 rpm) até ao
(bateria e fonte restabelecimento da energia
externa) • Parâmetros ventilatórios de
urgência
Falha Mecânica
è Aumento
repentino de ruido P Manter a unidade de
de bomba emergência sempre
è Hemoglobinúria disponível
Anomalia ou e aumento da P Manter sempre a bateria
Falência da Bomba hemoglobina ligada à fonte externa
livre (hemólise P Proteger a bomba de • Utilizar bomba manual (rotações
por aumento impactos esternos ideais: 2250-4750 rpm) até à
da temperatura substituição da bomba de sangue
gerada por • Parâmetros ventilatórios de
ineficiente urgência
funcionamento da
bomba)
è Falha mecânica do
motor
èImpacto acidental
com queda de
bomba

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 117


Problema Causa Prevenção Acção/Orientação
Ambas com uma
tonalidade clara • Procurar causa de recirculação
Coloração idêntica (vermelho vivo)
das Linhas
(venosa e arterial) Ambas com uma
tonalidade escura • Aumentar aporte de Oxigénio
(vermelho escuro)
Fractura ou fissura de P Sistema sempre visível
um dos componentes para evitar impactos ou • Isolar imediatamente o local de
Ruptura do do sistema punções inadvertidas ruptura (clampar antes e depois da
Sistema
Corte ou punção P Não usar soluções zona de ruptura)
(falha/fissura em
acidental do sistema alcoólicas na limpeza do • Parar a bomba de sangue
qualquer parte do
sistema • Colocar parâmetros ventilatórios
sistema) Limpeza do sistema P Usar braçadeiras de de urgência
SITUAÇÃO com soluções plástico para reforço • Substituir segmento danificado ou
EMERGENTE alcoólicas das junções/ligações do substituir circuito completo
Pressão muito elevada sistema

Descanulação –
remoção acidental de
uma cânula
èRelacionados com
a colocação:
èDilaceração da
P Colocar as cânulas com
jugular interna
controlo ecocardiográfico e
e/ou veia cava
subsequentes controlos • Clampar imediatamente o circuito
superior
P Fixar cuidadosamente as próximo da cânula removida e
èDisseção da
cânulas parar a bomba
carótida comum
P Posicionar o cliente • Colocar o cliente em
èColocação da
P Suportar o peso das Trendelemburg
cânula arterial
Associadas às cânulas à cama (atenção • Comprimir o local de inserção da
na artéria Aorta
Cânulas durante o posicionamento) cânula (evitar perda sanguínea)
descendente
P Registar o nível de • Parâmetros ventilatórios de
èColocação da
inserção de cada cânula urgência
cânula arterial na
P Garantir que o cliente não
Válvula Aorta • Administrar expansores de volume
rexterioriza as cânulas
èCânula arterial
P Circuito sempre visível
encostada ao
para evitar “tracções”
endotélio do
inadvertidas
Ventrículo
esquerdo

Obstrução (dobra,
presença de coágulos,
posicionamento)
Fonte: Adaptado pelos autores

118 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


Substituir segmento

Fonte: Adaptado pelos autores

Substituir circuito completo

Fonte: Adaptado pelos autores

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 119


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS
1
Benner, P., Hooper, P., & Stannard, D. (2011). Clinical Wisdom and Interventions in Acute
and Critical Care. A Thinking-in-Action Approach (2ª ed.). New York: Springer Publishing
Company, LLC.

2
Mossadegh, C.; Combes, A. (2017). Nursing Care and ECMO. Spring International
Publishing Switzerland. ISBN 978-3-319-201009.

120 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


9

OUTCOMES DO SUPORTE
DE VIDA EXTRACORPORAL:
FOLLOW-UP DA PESSOA E
FAMÍLIA PÓS-ECMO

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)

C
pilboardPageNumber GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)
9. OUTCOMES DO SUPORTE DE
VIDA EXTRACORPORAL:
FOLLOW-UP DA PESSOA E FAMÍLIA
PÓS-ECMO

Ao longo dos anos temos assistido a uma alteração no paradigma da saúde, sendo
crescente a preocupação em implementar medidas que avaliem, não só o impacto
da doença e o compromisso nas actividades de vida diárias, mas sobretudo a
qualidade de vida relacionada com a saúde. Os tradicionais indicadores de
mortalidade e morbilidade revelam-se insuficientes quando se pretende analisar
a qualidade dos cuidados centrados nas pessoas e no seu bem-estar a longo
prazo. Neste sentido, têm surgido vários instrumentos de avaliação da qualidade
de vida relacionada com a saúde, embora sejam ainda escassos os resultados de
evidência decorrentes da sua aplicação.

A duração do suporte de ECMO pode ser bastante variável, sendo propícia a


ocorrência de múltiplas complicações neste período. Os efeitos nefastos destas
intercorrências encontram-se bem caracterizados a curto prazo mas pouco se
conhece sobre a sua repercussão a médio-longo prazo na qualidade de vida dos
sobreviventes.

Até recentemente o foco de atenção dos cuidados prestados ao cliente dependente


de suporte ECMO esteve relacionado com a sua sobrevivência ao próprio suporte
extracorporal e com o sucesso do seu desmame/descanulação. Efectivamente,
a complexidade envolvente e as características deste suporte como técnica de
resgate e de último recurso podem ter contribuído para uma maior preocupação
com as consequências imediatas da sua utilização em detrimento das implicações
a longo termo na vida das pessoas. Assim sendo, apesar da comprovada eficácia
na sobrevida dos clientes, pouco se sabe sobre o impacto do suporte extracorporal
na sua qualidade de vida após a alta hospitalar.

Estudos1 recentes de follow-up em adultos submetidos a ECMO VV referem taxas


de sobrevida (6 a 12 meses após a alta) superiores a 60%, sendo que, nos casos de
ECMO VA, outros estudos2 demostram (num período alagado de 1 a 10 anos após
alta) uma sobrevida compreendida entre 17% e 40%. No caso da idade neonatal e
pediátrica, esta modalidade de suporte tem demonstrado2 largos benefícios, tanto
a curto como a longo prazo, sem provocar sequelas incapacitantes na maioria dos
casos. No caso dos clientes pediátricos a sobrevida pós-ECMO é menor do que

122 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


nos neonatais, embora alguns estudos3 refiram existir um melhor prognóstico tanto
no grupo com insuficiência respiratória como nos clientes suportados com ECMO
por causas cardíacas.

Num estudo de follow-up com um tempo médio de seguimento de aproximadamente


8 anos após a alta realizado no Karolinska ECMO Center (Estocolmo, Suécia) em
clientes submetidos a ECMO na modalidade VV, concluiu-se que o maior risco de
mortalidade se situava nos meses imediatamente seguintes ao suporte ECMO,
sendo que, nos clientes que sobreviveram mais de 3 meses após a alta hospitalar,
91% encontravam-se vivos ao fim de 5 anos, com resultados4 semelhantes em todas
as faixas etárias. De uma forma geral, os poucos dados de evidência existentes têm
demonstrado melhores outcomes, a longo prazo, nas situações de insuficiência
respiratória em detrimento das situações de insuficiência cardíaca, em todas
as faixas etárias. Estes resultados podem estar associados às particularidades
inerentes à utilização de cada uma das modalidades terapêuticas e às suas
complicações imediatas, dada a maior complexidade na utilização da ECMO
VA em comparação com a ECMO VV. Assim sendo, o acompanhamento destes
clientes ao longo dos anos pode contribuir para melhorar os cuidados prestados
durante o tratamento, prevenindo efeitos indesejados a longo prazo. Na verdade,
reconhecendo as necessidades particulares destes clientes, a Extracorporeal
Life Support Organization (ELSO) tem emitido orientações específicas para a
estruturação de programas de follow-up nos centros de referência ECMO, de modo
a melhorar os cuidados prestados a estes clientes ao longo das várias faixas etárias.

Dados recentes têm sugerido que os adultos sobreviventes à ECMO têm resultados
de saúde adversos após a alta hospitalar, cursando com uma recuperação lenta
e alto risco de problemas de saúde mental, tais como ansiedade, depressão e
stresse pós-traumático. Já nos clientes neonatais e pediátricos as preocupações
mais prementes prendem-se com o neuro desenvolvimento das crianças, uma vez
que os compromissos neuropsicológicos em sobreviventes de ECMO neonatais
mostraram emergir na infância persistindo até a adolescência(4). De acordo com a
ELSO5 a preparação para a alta dos clientes neonatais e pediátricos deve iniciar-
se durante o próprio internamento e deve incluir a avaliação frequente do neuro
desenvolvimento, a avaliação audiológica, um exame oftalmológico e a realização
de TC ou RMN. Idealmente esta preparação deve ser trabalhada pelo centro de
suporte ECMO com a comunidade onde a criança se insere (cuidados de saúde
primários, pediatra, instituições de educação), com ênfase na educação e no
suporte da própria família5.

Num estudo realizado com adultos, um maior agravamento da saúde física do


que da saúde mental destes clientes, embora ambas as situações melhorem ao
longo do tempo6, tal como corroborado por Schmidt, Zogheib, Rozé, Repesse,
Lebreton, Luyt e Combes1. De acordo com as conclusões obtidas neste estudo,

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 123


muitos clientes recuperaram em todos os domínios da saúde, embora alguns
tivessem graves deficiências neurológicas nas extremidades inferiores devido a
complicações durante o curso da ECMO (decorrentes essencialmente de problemas
na canulação e descanulação). 50% dos participantes neste estudo, apresentavam
ainda ao fim de 1 ano, dor ou problemas neurológicos relacionados com o local ou
membro da canulação, incluindo queda do pé. Estes resultados vão de encontra
estudos anteriores que relataram problemas neurológicos causados por lesão
do nervo femoral em mais de 40% dos sobreviventes de ECMO VA, a presença
de parestesias ou deficits neurológicos periféricos em 48% destes clientes6 bem
como dificuldades na deambulação e agachamento, que embora com prevalência
superior na ECMO VA também ocorrem em situações de ECMO VV7 Por outro lado
a imobilidade severa e a fraqueza muscular a que estes clientes estão sujeitos,
devido ao internamento prolongado na UCI e aos fármacos utilizados, são também
contribuidores para uma recuperação lenta com necessidade de longos períodos
de reabilitação6,8,9. Deste modo, recomenda-se, ainda sob suporte de ECMO, a
mobilização precoce destes clientes pelos enfermeiros e o início de um programa
de reabilitação direccionado a cada situação particular, com continuidade após a
alta hospitalar.

Alguns estudos direccionados para a utilização de ECMO VV, em casos de


insuficiência respiratória por SDRA, reportam também alterações no parênquima
pulmonar a longo prazo representativas de fibroses, na maioria dos clientes. No
entanto, Lindén10 refere que a extensão das anormalidades morfológicas encontradas
na TAC foram limitada e que a predominância da patologia parenquimatosa descrita
anteriormente em clientes com SDRA, tratados convencionalmente, não foi observada
no seu estudo (provavelmente pela utilização de uma ventilação ultraprotetora nos
clientes submetidos a ECMO). Assim, apesar de alguns clientes relatarem “falta de
ar”, mesmo durante exercícios leves, na maioria dos estudos encontrados não foi
necessário recorrer a oxigenoterapia domiciliária após a alta hospitalar8,10. Schmidt,
Zogheib, Rozé, Repesse, Lebreton, Luyt e Combes1 acrescentam ainda no seu
estudo que 36% dos clientes relataram dispneia persistente à data do follow-up e
que 30% estavam ainda sob utilização de medicamentos pulmonares (b2-agonistas
de longa duração em 16 clientes, corticoides inalatórios em 7, oxigenoterapia
domiciliar em 1 e ventilação mecânica noturna em 3).

De acordo com Lindén, Lidegran, FrisÉn, Dahlgren, Frenckner & Larsen10 todos
os estudos mostram algum prejuízo residual na qualidade de vida dos clientes
por problemas respiratórios tardios, após o tratamento convencional nos casos de
SDRA. No entanto, a avaliação dos sintomas pulmonares utilizando o St. George’s
Respiratory Questionnaire (SGRQ) nos clientes sob ECMO, nos casos de SDRA
grave, indicaram uma tendência geral para scores mais baixos em comparação
com o relato de estudos anteriores face ao tratamento convencional. Este estudo
refletiu também uma consideração importante face à recuperação dos clientes

124 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


idosos, constatando-se pontuações significativamente mais altas no SGRQ, o que
pode sugerir uma recuperação mais difícil de lesões graves nesta faixa etária.

Apesar dos sobreviventes de ECMO poderem apresentar menor qualidade de vida


nos domínios físico e psicológico na aplicação do Short-Form 36 (SF-3616) quando
comparados com a população saudável7, estes compromissos são menores em
clientes com SDRA tratados com ECMO, verificando-se uma boa função física e
social, com alta taxa de empregabilidade pós- ECMO10. Contudo, no estudo de
Hodgson, Hayes, Everard, Nichol, Davies, Bailey e Pellegrino8 os sobreviventes de
ECMO a longo prazo apresentavam uma saúde física semelhante, embora com
diminuição da saúde mental, da saúde geral, da vitalidade e da função social em
comparação com outros sobreviventes de SDRA, obtendo um inesperado mau
retorno ao trabalho, apenas com um quarto dos participantes a regressarem à sua
actividade prévia. Já no estudo de Schmidt, Zogheib, Rozé, Repesse, Lebreton,
Luyt e Combes1, à data do follow-up 72% dos clientes haviam regressado ao
trabalho, sem alterações das suas funções normais, sendo que Lindén et al.10 refere
uma taxa de 76% no retorno à sua actividade laboral. Os dados existentes mostram
algumas contrariedades face a estas questões, sugerindo a necessidade de
realização de mais estudos e por períodos mais alargados de follow-up, no sentido
da confirmação dos mesmos. Hsieh, Huang, Ko & Lou9 acrescenta, no entanto, que
apesar da qualidade de vida dos sobreviventes de ECMO após alta ser menor que
a da população média, esta pode ser melhor ou semelhante à dos clientes com
outras doenças graves ou crónicas.

As alterações nas actividades sociais e a incapacidade de retornar aos níveis


anteriores de trabalho, relacionadas com as complicações durante o tratamento,
são factores que acrescentam stresse físico e psicológico aos sobreviventes de
ECMO, segundo Chen Chen, Tsai, Tsai, Yeh, Weng & Yeh7. De acordo com o estudo
do autor supracitado, apesar da força física e da condição geral dos clientes ter
melhorado sensivelmente cerca de seis meses após a alta, as preocupações com a
perda de amigos e com a vida social limitada mantiveram-se em alguns casos. Vários
estudos têm demonstrado que o apoio familiar tem sido um elemento essencial na
gestão de doenças crónicas, aumentando a moral do cliente e, consequentemente,
o seu autocuidado, tendo um impacto muito positivo no processo de reabilitação
dos mesmos7. Posto isto, a necessidade de contacto frequente dos clientes com
os serviços de saúde após a alta, acresce um factor de stresse contínuo, não só
aos próprios, mas também às suas famílias. É então prioritário que os enfermeiros,
durante o internamento destes clientes, incentivem e eduquem os membros da
família sobre a importância e participação no processo de reabilitação9.

16
SF-36 instrumento de medição genérico que avalia 8 dimensões do estado de saúde: função física,
desempenho físico e emocional, dor física, saúde em geral, vitalidade, função social e saúde mental

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 125


Na perspectiva de Tramm, Hodgson, Ilic, Sheldrake & Pellegrino11 os clientes
tratados com ECMO estão expostos a quase todos os factores de risco de stress pós-
traumático conhecidos (idade precoce, história psiquiátrica, ventilação mecânica,
delirium e agitação, terapêutica medicamentosa). A esta situação acresce o facto
de os clientes estarem cada vez mais conscientes nas UCI’s durante o internamento,
o que pode ter efeitos psicológicos positivos ou negativos, segundo este autor. A
tentativa cada vez mais frequente de manter os clientes em ECMO “acordados”
(conscientes) durante o suporte de vida, pode em si representar um factor de risco
único nesta perspectiva, tanto para os clientes, como para os seus familiares6.

Perante o exposto é notória a importância do acompanhamento prolongado destes


clientes após a alta hospital, em programas estruturados de follow-up. A avaliação
do estado de saúde e da qualidade de vida dos sobreviventes de ECMO pode
ajudar os enfermeiros a determinar intervenções para melhorar efectivamente a
qualidade de vida relacionada com a saúde destas pessoas e dos seus familiares9.
De acordo com Chen, Tsai, Tsai, Yeh, Weng & Yeh7, intervenções multidisciplinares
baseadas em evidência devem ser implementadas antes ou logo após a alta
hospitalar no sentido de ajudar os sobreviventes da ECMO nos problemas físicos,
psicológicos e sociais que estes experienciam.

126 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
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2 Kattan, J., González, Á., Castillo, A., & Caneo, L. F. (2017). Oxigenação por membrana
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3 Bahr, V. V. O. N. (2015). God långtidsöverlevnad efter ECMO-behandling, (March).

4 Schiller, R. M., Madderom, M. J., Reuser, J. J. C. M., Steiner, K., Gischler, S. J., Tibboel, D.,
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7 Chen, K.-H., Tsai, F.-C., Tsai, C.-S., Yeh, S.-L., Weng, L.-C., & Yeh, L.-C. (2016). Problems
and health needs of adult extracorporeal membrane oxygenation patients following
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8 Hodgson, C. L., Hayes, K., Everard, T., Nichol, A., Davies, A. R., Bailey, M. J., Pellegrino,
V. (2012). Long-term quality of life in patients with acute respiratory distress syndrome
requiring extracorporeal membrane oxygenation for refractory hypoxaemia. Critical Care,
16(5), R202. http://doi.org/10.1186/cc11811.

9 Hsieh, F.-T., Huang, G.-S., Ko, W.-J., & Lou, M.-F. (2016). Health status and quality of life
of survivors of extra corporeal membrane oxygenation: a cross-sectional study. Journal of
Advanced Nursing, 72(7), 1626–1637. http://doi.org/10.1111/jan.12943.

10 Lindén, V. B., Lidegran, M. K., FrisÉn, G., Dahlgren, P., Frenckner, B. P., & Larsen, F.
(2009). ECMO in ARDS: A long-term follow-up study regarding pulmonary morphology
and function and health-related quality of life. Acta Anaesthesiologica Scandinavica, 53(4),
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11 Tramm, R., Hodgson, C., Ilic, D., Sheldrake, J., & Pellegrino, V. (2015). Identification and
prevalence of PTSD risk factors in ECMO patients: A single centre study. Australian Critical
Care, 28(1), 31–36. http://doi.org/10.1016/j.aucc.2014.04.005. 10. A DIMENSÃO ÉTICA
NO SUPORTE ECLS.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 127


10

A DIMENSÃO ÉTICA NO
SUPORTE ECLS

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10. A DIMENSÃO ÉTICA NO
SUPORTE ECLS

A prestação de cuidados aos clientes sob suporte de vida extracorporal prevê-


se uma situação transitória com o objectivo de recuperar as funções nativas do
pulmão e/ou do coração, sendo cada vez mais frequente a sua utilização. Contudo,
o desenvolvimento tecnocientífico das técnicas ECLS, tem alterado de tal forma
a prática clínica e melhorado os outcomes dos clientes, que as suas indicações
clínicas se têm expandido continuamente, tornando muito ténue a linha que separa
a sua utilização como tratamento standard do tratamento experimental1. Posto isto,
várias questões éticas têm emergido no que diz respeito às indicações, duração
e remoção deste tipo de suporte. Questões estas que decorrem muitas vezes da
extrema emergência do início da técnica, da ambiguidade do resultado, assim
como da falta de clareza sobre a direcção do tratamento pretendido (ponte para
recuperação, ponte para transplante ou para apoio mecânico ao longo da vida2.

No caso da ECMO, os clientes estão sob risco de vida iminente e, apesar desta
tecnologia ser lifesaving, não é garantia de sobrevivência, podendo durante a sua
utilização surgir condições irreversíveis que desafiam os limites do conceito de
futilidade médica. De acordo com Williams e Dahnke3, esta situação pode levar
os enfermeiros a experienciarem sensações de frustração, de conflito ético e de
stresse moral perante o dever de fornecer o tratamento solicitado e a possibilidade
de favorecerem intervenções não benéficas ou mesmo prejudiciais aos clientes
(como aquelas que causam deterioração do corpo, descompensação dos
sistemas ou que que decorrem das complicações inerentes à técnica: hemorragia,
tromboembolismo, infecção, disfunção neurológica, entre outras descritas em
capítulos anteriores).

Por outro lado, com a crescente utilização deste suporte em situações de


emergência, como nos casos de paragem cardiorrespiratória (PCR), a urgência no
início da técnica pode conduzir a situações em que a ECMO se torna uma “ponte
para lugar nenhum”, mantendo o cliente vivo ainda que sem aspiração a uma
recuperação ou a transplantação4.Tal desafio ético tem implicações óbvias tanto
para o cliente, como para a sua família, para os profissionais de saúde, para o
hospital e para o próprio sistema de saúde (Idem). De acordo com a ELSO5 “a ECLS
deve ser descontinuada imediatamente se não houver esperança de sobrevivência
saudável (dano cerebral grave, ausência de recuperação do coração ou do pulmão
e nenhuma esperança de reposição de órgãos por VAD ou transplante),” sendo
que a possibilidade de suspensão da técnica por futilidade deve ser explicada

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aos familiares, preferencialmente antes do início da mesma. Assim sendo, torna-se
primordial envolver a família em todo o processo, esclarecendo antecipadamente as
metas, a duração, as expectativas, os planos estratégicos de saída e os resultados
funcionais aceitáveis após a remoção do suporte ECLS2. É também essencial
que a própria equipa de saúde esteja preparada para reconhecer a futilidade do
suporte, sendo que, quando confrontados com esta situação, podem surgir vários
problemas éticos, incluindo questões de autonomia e autoridade apropriada para
a tomada de decisão, a determinação do dano versus bem proporcionado pelo
tratamento, o conceito difícil e incerto de futilidade médica, questões de justiça social
relacionadas com o possível desperdício de recursos médicos e o sofrimento moral
por parte daquele que prestam assistência fútil percebida2. Posto isto, a existência
de guidelines bem definidas referentes à suspensão do suporte extracorporal2 e a
consulta frequente de comittés de ética durante a prestação de cuidados a estes
clientes6 são estratégias sugeridas na literatura recente que podem ajudar a mitigar
estas questões e a minimizar o sofrimento moral dos profissionais envolvidos na
prestação de cuidados a estes clientes e às suas famílias.

Encontramo-nos cada vez mais numa era em que a evolução tecnológica se insurge
rapidamente, deixando-nos pouco tempo para reflectir sobre as implicações que
as novas tecnologias podem inferir no cuidado humano, nomeadamente no que
concerne aos clientes, aos seus familiares e aos próprios profissionais de saúde.
Enquanto enfermeiros especialistas com competências específicas do domínio da
responsabilidade profissional, ética e legal7 compete-nos discutir estas questões
do cuidado ao cliente sob técnicas ECLS junto das equipas de saúde em que
estamos inseridos.

É certo que os desafios éticos relativos à utilização do suporte ECLS não são
únicos. Cada novo dispositivo médico ou tecnologia que surge gera debates
relativos à sua aplicação, utilização prolongada e eventual desenvolvimento de
modalidades crónicas1. As técnicas ECLS continuam em expansão crescente e,
consequentemente a desafiar as nossas habilidades face a questões quanto à
obtenção do consentimento informado, à determinação dos melhores interesses do
cliente, à gestão da tomada de decisão partilhada e à promoção de cuidados em
fim de vida de elevada qualidade. Posto isto, recomenda-se a discussão contínua
destas situações no dia-a-dia do cuidado aos clientes e aos seus familiares.

130 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1
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781-790). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support Organization.

2
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dilemmas. Annals of Translational Medicine, 5(5), 112–112. http://doi.org/10.21037/
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3
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4
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6
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7
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Especialista. Ordem Dos Enfermeiros, 1–10. Retrieved from http://www.ordemenfermeiros.
pt/legislacao/Documents/LegislacaoOE/Regulamento_competencias_comuns_
enfermeiro.pdf.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 131


11

UM MODELO ASSISTENCIAL
DA PESSOA EM SITUAÇÃO DE
ECMO/ECLS

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)

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11. UM MODELO ASSISTENCIAL
DA PESSOA EM SITUAÇÃO DE
ECMO/ECLS

Com o progresso verificado na técnica e nas componentes mais biocompatíveis


com sistemas miniaturizados, compactos e portáteis, a expansão do ECMO tornou-
se óbvia e a hipótese de referenciar e resgatar o cliente de forma segura e em
tempo útil para centros especializados tornou-se mandatória. Segundo Roncon1
por ser uma técnica de tratamento complexa, que envolve riscos e custos elevados
é do consenso da comunidade científica internacional que os clientes submetidos a
ECMO devam ser tratados/transferidos para Centros de referência/especializados,
que possuam uma equipa multidisciplinar diferenciada com uma casuística
significativa de casos, de forma a que a segurança do cliente seja preservada,
existindo uma optimização dos recursos inerentes à técnica em questão.

11.1 CENTROS DE SUPORTE ECMO: REALIDADE


PORTUGUESA
Com a necessidade imperiosa de criar centros de referência para a área de ECMO
no país, no sentido de melhorar os outcomes e a excelência de cuidados a estes
clientes, iniciou-se em Portugal, o processo de candidatura para obtenção de
reconhecimento, como centro de referência, pelo Ministério da Saúde, a 22 de
dezembro de 2016 emitido pelo aviso nº 15955-D/2016 divulgado no Dec. lei nº
244/20162. As candidaturas tiveram de obedecer a todos os critérios incluídos na
portaria nº194/2014 alterado pelo 3º artigo da Portaria nº195/2016 de 19 de julho e
52/20173, de 2 de fevereiro. De referir que, centro de referência “é qualquer serviço,
departamento ou unidade de saúde reconhecido como o expoente mais elevado
de competência na prestação de cuidados de saúde de elevada qualidade
em situações clínicas que exigem uma concentração de recursos técnicos e
tecnológicos altamente diferenciados, de conhecimento e experiência, devido à
baixa prevalência da doença, à complexidade no seu diagnóstico ou tratamento
e/ou aos custos elevados da mesma, sendo capaz de conduzir formação pós-
graduada e investigação científica nas respetivas áreas médicas”4. Foram
oficialmente reconhecidos pelo Ministério da Saúde, no Despacho 6669/2017 do
Diário da República nº 148/20175 de 2 de agosto, o Centro Hospitalar de São João,
E.P.E, Centro Hospitalar Lisboa Central, E. P.E e o Centro Hospitalar Lisboa Norte,
E. P.E.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 133


No entanto, não foi necessário esperar por este reconhecimento para que as
entidades competentes reconhecessem esta técnica como vanguarda em vários
cenários, sendo uma área emergente na medicina pré e intra-hospitalar. Em outubro
de 2016 foi iniciado um projecto-piloto destinado a optimizar o aproveitamento de
colheitas de órgãos de dadores em paragem cardiorrespiratória (PCR), que resultou
de um protocolo assinado entre o Instituto Português do sangue e transplantação,
o Centro Hospitalar São João e o Instituto Nacional de Emergência Médica. Visou
a criação de uma área de integração de emergência pré-hospitalar com um centro
de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO-VA) para a assistência à PCR
extra-hospitalar refratária, polarizada no centro de ECMO do Centro hospitalar São
João. Um ano após a sua implementação, os resultados superaram as previsões
iniciais de uma forma bastante positiva pelo que a fase piloto ficou concluída e
integrou-se este tipo de colheita de órgãos na actividade desta unidade alargando-
se inclusive ao Centro Hospitalar Lisboa Central e ao Centro Hospitalar Lisboa
Norte, pelo Despacho nº 9063/20176.

Neste sentido, importa continuar a investir em políticas de saúde na área da


transplantação que permitam aumentar o número de órgãos disponíveis para
transplantação e, consequentemente, o número de transplantes em Portugal,
procedendo-se assim, ao alargamento da implementação do projecto-piloto ao
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E. P. E. a partir do dia 2 de janeiro de
2019, pelo Despacho n.º 9731/20187.

11.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS EQUIPAS DE ECLS


Os procedimentos associados às ECLS são tecnicamente complexos, de alto
risco, dependentes de múltiplos recursos e imprevisíveis em termos de volume
e de tempo. Assim sendo, para garantir a excelência na prestação de cuidados
é necessária a existência de estratégias institucionais efectivas que garantam a
qualidade, segurança e eficácia destas técnicas, sendo para tal fundamental a
existência de um programa de treino e formação bem delineado para as equipas
de ECLS8.

A ELSO, enquanto entidade de referência mundial nesta área, tem emitido


guidelines referentes os programas de treino e formação que os centros de ECMO
devem desenvolver para garantir a qualidade dos cuidados prestados às pessoas
e aos seus familiares. Não obstante, é sugerido por esta entidade que estas
linhas orientadoras sejam adaptadas a cada uma das realidades institucionais.
Recentemente, em Portugal, o programa de candidatura ao reconhecimento dos
centros de referência para a área de ECMO, pelo Ministério da Saúde, exigiu a
existência de um Programa de Formação sólido, com início numa certificação
inicial, sujeita a um processo de recertificação periódica da equipa de ECMO, para
que os centros fossem reconhecidos como tal.
134 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)
De acordo com a ELSO, os programas de formação devem contemplar cursos
didáticos multiprofissionais (em sala de aula, com a duração de 24 a 36h) seguidos
de sessões de treino com água (water drills) e/ou sessões de laboratório com
animais, sendo que as sessões de simulação constituem uma excelente ferramenta
para ensino, aquisição e manutenção das competências necessárias para gerir
as técnicas ECLS8. De um modo geral, é recomendado que os cursos de ECMO
incluam nos seus principais tópicos a revisão dos equipamentos necessários, o
treino de procedimentos de emergência e resolução de complicações, assim como
os cuidados à cabeceira dos clientes de modo a garantir a segurança e qualidade
dos mesmos. As guidelines da ELSO recomendam que os especialistas em ECMO
sejam anualmente submetidos a um exame escrito ou oral, onde seja avaliado não
só o conhecimento, mas também as competências técnicas e comportamentais.
Devem também ser detentores de uma certificação institucional.

No seguimento destas recomendações, os planos de formação de cada centro


de suporte ECMO devem garantir não só uma formação inicial, mas também a
formação contínua das suas equipas. A existência de reuniões de equipa formais
que incluam: revisão de casos, actualizações sobre os tratamentos, garantia da
qualidade, revisão da política e dos procedimentos em curso, assim como discussão
de questões administrativas, são também promotoras da formação contínua dos
profissionais. Segundo a ELSO, a periodicidade destas reuniões deve estar de
acordo com o tamanho das equipas e com a casuística de clientes tratados em
cada centro de suporte ECMO.

De acordo com a ELSO, os programas formativos devem ter por base os princípios
inerentes à formação de adultos e a pirâmide de Miller17 para a avaliação de
competências clínicas, de modo a diferenciar os vários níveis de iniciado a perito
na prestação de cuidados aos clientes submetidos a técnicas ECLS.

11.3 A FUNÇÃO DO ENFERMEIRO NA EQUIPA ECLS


Embora cada centro de suporte ECMO possa desenvolver um modelo
assistencial e organizacional próprio, o enfermeiro representa sempre um papel
fundamental na prestação de cuidados a estes clientes e aos seus familiares. Os
aspectos relacionados com a segurança do cliente têm sido o foco principal do
desenvolvimento tecnológico associado às técnicas ECLS e, neste seguimento,

17
A Pirâmide de Miller é um modelo conceitual que ilustra as bases cognitivas (“saber” e “saber como
fazer”) da prática profissional (“fazer”) e a necessidade da avaliação de habilidades e competências
práticas (“mostrar como faz”), especialmente interessante nas áreas clínicas. Ferramenta importante para o
desenvolvimento de métodos de construção do conhecimento e de avaliação, bem como, para a construção
de objetivos de aprendizagem9.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 135


os enfermeiros têm vindo a ser incentivados a desenvolverem competências e
responsabilidades não só no cuidado directo ao cliente e familiares, mas sobretudo
na monitorização dos equipamentos e na prevenção de complicações associadas
aos mesmos.

Podemos então considerar que, de acordo com as competências adquiridas, o


enfermeiro pode desempenhar diferentes papéis dentro da equipa de ECMO.
Em Portugal, segundo o Aviso n.º 15955-D/2016, a equipa de ECMO deverá ser
multiprofissional, detendo na sua constituição médicos, enfermeiros e perfusionistas
com capacidade de acção 24h/7 dias, tal como o preconizado também pela ELSO.
Assim, no caso dos enfermeiros, considera-se premente a existência de:

Enfermeiro de UCI: Deverá ser um enfermeiro com competência no cuidado ao


cliente crítico, detentor de uma formação base específica em ECLS, com
objectivo de prestar cuidados à cabeceira do cliente e família, estando apto a
agir prontamente em caso de intercorrência/acidente com o circuito/cânulas
de ECMO.

Enfermeiro Especialista com competência em ECLS: Deverá ser detentor do Título


de Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica ou Pediatria,
com experiência na prestação de cuidados diários a clientes em ECLS,
por mais de 1 ano. O seu percurso formativo deverá ser realizado em
Centros de Referência certificado pela DGS, num período compreendido
entre 3 a 6 meses. Além das competências gerais e específicas do Enfermeiro
Especialista, o enfermeiro com competência em ECMO deverá: gerir o circuito
extracorporal, nomeadamente no que concerne à vigilância regular do circuito
e à monitorização dos gases pré e pós-oxigenador; garantir condições
de segurança junto do cliente durante o transporte inter e intra hospitalar;
actuar eficientemente em emergências decorrentes de alterações no circuito;
participar nos procedimentos de canulação, descanulação e troca de circuitos;
participar na equipa de resgate, fazendo a ligação com o hospital de origem
do cliente; assumir um papel de formador junto da equipa de enfermagem da
UCI;

Enfermeiro Coordenador: Enfermeiro Especialista na área Médico-Cirúrgica ou


Pediatria, com competência em ECLS, que juntamente com o Coordenador
Médico, garantem a operacionalização do programa de técnicas ECLS.
Assume, co responsabilidade na elaboração do programa de formação do
centro de ECLS, garantindo a formação contínua e avaliação da equipa de
enfermagem com competência em ECLS, bem como junto dos enfermeiros
da UCI que prestam cuidados aos clientes e família sob suporte de vida
extracorporal. Deverá acrescentar às suas responsabilidades a promoção da
investigação dos cuidados de enfermagem aos clientes e família sob técnicas
ECLS.

136 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1
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2
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3
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Série II. Número: 9731/2018. Páginas: 27896–27897. Gabinete do Secretário de Estado
Adjunto e da Saúde. Lisboa. [online] Disponível na Internet via https://dre.pt/application/
conteudo/116696237. Arquivo capturado em 25 de Novembro de 2018.

8
Ogino, M., Froehlich, C., & Moore, E. (2017). Education and Training. Em T. Brogan, L.
Lequier, R. Lorusso, G. MacLaren, & G. Peek, Extracorporeal Life Suport: The ELSO
Red Book (5ª Edição) (pp. 747-764). Ann Arbor, Michigan: Extracorporeal Life Support
Organization.

9
Panúncio-Pinto MP; Troncon LEA. (2014). Avaliação do estudante – aspectos gerais
Student assessment – general aspects. Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3): 314-23.
[online] Disponível na Internet via http://revista.fmrp.usp.br/2014/vol47n3/10_valiacao-do-
estudante-aspectos-gerais.pdf. Arquivo capturado em 15 de Fevreiro de 2019.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 137


CONCLUSÕES

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)

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CONCLUSÕES

A Extracorporeal Membrane Oxygenation (ECMO) constitui assim uma técnica de


suporte de vida extracorporal, internacionalmente consagrada pela Extracorporeal
Life Support Organization (ELSO). Esta técnica significa suporte cardiopulmonar
temporário permitindo que o coração e/ou o pulmão recuperem de uma situação
reversível perante o insucesso dos tratamentos convencionais e na perfusão de
órgãos destinados a transplantação18.

A necessidade de aumentar o número de dadores levou à implementação de


programas de transplantação com dadores em Paragem Cardio Circulatória
(PCC) em vários países Europeus e em Portugal também é uma realidade com a
Operacionalização do Programa de Colheita de Órgãos em Dadores em Paragem
CardioCirculatória19.

A Extracorporeal Cardiopulmonary Resuscitation (E-CPR) assume um suporte


importante como técnica de Ressucistação Cardiorespiratória (RCR) avançada e
caso não se consiga reverter os sinais de vida do cliente, a manutenção do possível
dador para colheita de órgãos para transplantação poderá ser uma possibilidade,
tanto a nível intra-hospitalar como no extra-hospitalar.

No entanto, foi necessário esperar por um reconhecimento para que as entidades


competentes reconhecessem este suporte como vanguarda em vários cenários,
sendo uma área emergente na medicina pré e intra-hospitalar. Actualmente, em
Portugal existem 3 centros de referência e um projecto-piloto.

Com o progresso verificado neste suporte, tornou-se óbvia e mandatória a hipótese


de referenciar e resgatar o cliente de forma segura e em tempo útil para centros
especializados/referência que possuam uma equipa multidisciplinar diferenciada
com uma casuística significativa de casos, de forma a que a segurança do cliente
seja preservada, existindo uma optimização dos recursos inerentes à técnica em
questão.

18
ELSO (Extracorporeal Life Support Organization. (2010). Guidelines for Training and Continuing
Education of ECMO Specialists version 1.5. [online] Disponível na Internet via https://www.
elso.org/Portals/0/IGD/Archive/FileManager/97000963d6cusersshyerdocumentelsoguidelinesf
ortrainingandcontinuingeducationofecmospecialists.pdf. Arquivo capturado em 25 de Novembro de 2018.

19
OPCODPCC (2014) - Operacionalização do Programa de Colheita de Órgãos em Dadores em Paragem
CardioCirculatória. Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP. . [online] Disponível na Internet
via http://www.ipst.pt/files/TRANSPLANTACAO/Paragem_Cardiocirculatoria.pdf Arquivo capturado em 25 de
Novembro de 2018.

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 139


O EEEMC faz parte desta resposta e a sua intervenção deve ser igualmente
consistente e competente, baseada na evidência científica produzida. De acordo
com as competências adquiridas, o enfermeiro pode desempenhar diferentes
papéis dentro da equipa multidisciplinar de ECMO. Assim, no caso dos enfermeiros,
considera-se premente a existência de um Enfermeiro Especialista em Enfermagem
Médico Cirúrgica com competência em ECLS, porque os procedimentos
associados à ECLS são tecnicamente complexos, de alto risco, dependentes de
múltiplos recursos e imprevisíveis em termos de volume e de tempo. Assim sendo,
para garantir a excelência na prestação de cuidados ao cliente e sua família é
necessária a existência de estratégias institucionais efectivas que garantam a
qualidade, segurança e eficácia destas técnicas, sendo para tal fundamental a
existência de um programa de treino e formação bem delineado para os EEEMC,
EEESIP e ECECLS.

Segundo o Parecer MCEEMC 10 / 2017, página 2, “os cuidados de enfermagem


à pessoa em situação crítica são cuidados altamente qualificados, prestados de
forma contínua à pessoa com uma ou mais funções vitais em risco imediato, como
resposta às necessidades afectadas e permitindo manter as funções básicas de
vida, prevenindo complicações e limitando incapacidades, tendo em vista a sua
recuperação total. Estes cuidados de enfermagem exigem observação, colheita e
procura contínua, de forma sistémica e sistematizada de dados, com os objectivos
de conhecer continuamente a situação da pessoa alvo de cuidados, de prever e
detectar precocemente as complicações, de assegurar uma intervenção precisa,
concreta, eficiente e em tempo útil”.

Assim, o propósito de elaborar este guia, foi contribuir para o aprofundamento de


conhecimentos técnicos e científicos, no âmbito do Suporte Extracorporal de Vida,
habilitando os EEEMC, EEESIP e ECECLS para uma prática de cuidados mais segura
e eficiente, significando isso, desenvolver competências e responsabilidades nos
cuidados mais adequados às necessidades da pessoa em situação crítica em
suporte de ECLS e sua família, mas também, desenvolver um modelo assistencial
e organizacional próprio, na monitorização dos equipamentos que envolve este
suporte e na prevenção de complicações associadas aos mesmos e ao cliente.

140 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


ANEXOS

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1

FÓRMULAS DE CÁLCULO

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Teor de O2 arterial

Teor de O2 venoso

Relação O2 art /ven (quantidade de O2 utilizado)

Distribuição de O2

Simplificando

Consumo de O2

Simplificando

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2

RECURSOS NECESSÁRIOS À
CANULAÇÃO

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Canulação periférica (percutânea ou híbrida)

Recursos Humanos

• 2 médicos

• 2 enfermeiros

• 1 profissional de ECMO (enfermeiro ou perfusionista)

Recursos Materiais

• Mesa cirúrgica:

o Caixa de ferros para colocação de catéter por desbridamento (se


aplicável)

o Cânulas arterial e venosa (conforme indicação médica)

o Panos cirúrgicos

o Campos com buraco

o Kit de pensos

o Compressas esterilizadas

o Clorohexidina 2% corada

o 2 seringas de 50ml

o Soro fisiológico

o Linhas de sutura (conforme indicação médica)

• Equipamento de Protecção Individual (EPI)

o Batas esterilizadas

o Luvas esterilizadas

o Toucas cirúrgicas

o Máscaras cirúrgicas

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 145


• Anestesia (conforme indicação do anestesista)

o Analgesia

o Sedação

o Curarização

• Heparina

• Equipamento do sistema extracorporal

o Circuito

o Membrana permutadora de gases

o Consola

o Permutador de calor

o Bomba manual de emergência

o 4 clampes metálicos

o Equipamento de ACT (depende de cada centro/serviço ECMO)

• Material de execução de penso

o Kit de pensos

o Compressas esterilizadas

o Soro fisiológico

o Clorohexidina

o Penso branco semipermeável

o Tesoura ou lâmina de bisturi esterilizados

146 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


3

RICHMOND AGITAÇÃO-
SEDAÇÃO SCORE (RASS)

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Fonte: Ely E, Truman B, Shintani A, et al. Monitoring Sedation Status Over Time in ICU Patients: Reliability
and Validity of the Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS). JAMA. 2003;289(22):2983-2991.
doi:10.1001/jama.289.22.2983

148 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


4

CONFUSION ASSESSMENT
METHOD FOR THE ICU
(CAM-ICU)

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Confusion Assessment Method for the ICU (CAM-ICU)

Fonte: Faustino, Alexandra (2014) – Abordagem do Delirium no Doente Critico. Monografia apresentada
no âmbito de avaliação final de estágio em Unidade de Cuidados Intensivos. Orientadora: Drª. Cristina
Miranda. Hospital Prfº. Doutor Fernando Pessoa, Unidade de Cuidados Intensivos Polivalentes (UCIP) e

Unidade de Cuidados Intensivos Cirúrgicos Especiais (UCICRE).

150 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


5

ESTABILIZAÇÃO E
MANUTENÇÃO DO CLIENTE
EM SUPORTE ECMO

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Estabilização e manutenção do cliente em suporte ECMO

ACÇÃO/ORIENTAÇÃO JUSTIFICAÇÃO
Avaliar e registar sinais vitais de 1/1 Avaliação do estado hemodinâmico
hora Despiste de complicações
Confirmação dos parâmetros do
Avaliar e registar de 1/1 hora o fluxo suporte
de sangue, a velocidade da bomba, o Detecção precoce e prevenção de
FiO2 e o fluxo de ar da fonte ligada ao complicações
ECMO Construção de um mapa de
tendências
Pesquisar de 2/2 horas, com uma
Detecção precoce e prevenção de
lanterna, a presença de coágulos,
complicações
fibrina ou ar no sistema
Pesquisar de 2/2 horas uma possível
Detecção precoce e prevenção de
perda de líquido na membrana
complicações
permutadora de gases
Avaliar ACT de 2/2 horas Prevenção de complicações
Reajustar perfusão de heparina
Manutenção de valores ideais de ACT
consoante protocolo existente
Verificar 1 vez por turno a temperatura Detecção precoce e prevenção de
do permutador de calor complicações
Monitorizar coloração das linhas de Detecção precoce e prevenção de
acesso e retorno complicações
Detecção precoce e prevenção de
Verificar posicionamento das cânulas
complicações
Garantir fixação adequada das cânulas
Prevenção de complicações
e das linhas
Garantir o posicionamento do Prevenção de complicações (ex.
equipamento abaixo do nível do cliente cavitação de ar)
Garantir a disponibilidade constante Gestão de tempo em caso de urgência
de 4 clampes metálicos / emergência
Garantir a presença e funcionamento Gestão de tempo em caso de urgência
da bomba manual de urgência / emergência
Garantir a presença de um circuito Gestão de tempo em caso de urgência
adicional / emergência
Garantir a presença e funcionamento Gestão de tempo em caso de urgência
da fonte de energia de reserva / emergência

152 | GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP)


ACÇÃO/ORIENTAÇÃO JUSTIFICAÇÃO
Garantir acesso fácil e rápido a Gestão de tempo em caso de urgência
material de reanimação / emergência
Realizar penso dos locais de inserção das cânulas:
Não levantar o penso antes das
primeiras 48 horas, excepto se
Prevenção de IACS
visivelmente sujo, descolado ou
saturado
Substituir penso de 2/2 dias Prevenção de IACS
Realizar o penso com ajuda de outro
profissional (médico ou enfermeiro) Prevenção de complicações
de modo a que um dos elementos
mantenha a fixação das cânulas
Utilizar como solução desinfectante
Prevenção de IACS
Clorohexidina 2%
Não utilizar Iodopovidona ou acetona
Prevenção de complicações
nas cânulas
Desinfectar a pele em círculos no
sentido próximo-distal até 10cm
de raio. Posteriormente desinfectar
Prevenção de IACS
as cânulas, igualmente no sentido
próximo-distal, até 10 cm de distância
desde a sua inserção
Envolver as cânulas nos locais de
inserção com compressas, de forma Prevenção de IACS
circular
Proteger a pele do contacto directo Prevenção de zonas / úlceras de
com as cânulas pressão
Proteger penso com adesivo branco
Prevenção de IACS
semipermeável
Colher amostra de sangue para
Avaliação do estado da membrana
gasimetria pré e pós-membrana
permutadora de gases
permutadora de gases 1 vez / dia
Avaliação da adequação de suporte
(realizado pelo perfusionista de
serviço)
Colher amostra de sangue para
gasimetria arterial e venosa pelo Gestão do suporte
menos uma vez 1 vez por turno

GUIA ORIENTADOR DE BOAS PRÁTICAS (GOBP) | 153


6

RECURSOS HUMANOS E
MATERIAIS NECESSÁRIOS NA
DESCANULAÇÃO PERIFÉRICA

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Recursos Humanos e Materiais Necessários na

Descanulação periférica

Recursos Humanos

• 2 médicos

• 2 enfermeiros

• 1 profissional de ECMO (enfermeiro ou perfusionista)

Recursos Materiais

• Mesa cirúrgica:

o Caixa de ferros para colocação de catéter por desbridamento (se


aplicável)

o Kit de pensos

o Compressas esterilizadas

o Clorohexidina 2%

o Linhas de sutura (conforme indicação médica)

• Equipamento de Protecção Individual (EPI)

o Batas esterilizadas

o Luvas esterilizadas

o Toucas cirúrgicas

o Máscaras cirúrgicas

• Material para execução de penso

o Kit de pensos

o Clorohexidina 2%

o Compressas esterilizadas

o Penso branco semi-permeável

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o Perclose ProGlide®;

o Sistema de contenção vascular com controlo de pressão-compressor


FemoStop® (se aplicável)

o Adesivo de compressão (se aplicável)


7

COMPLICAÇÕES CLÍNICAS E
MECÂNICAS

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COMPLICAÇÕES
Complicações Clínicas Complicações
Complicações do Cliente Mecânicas
Hemorragias Hipotensão Persistente Coágulos no sistema
Neurológicas Hipertensão Persistente Ar no sistema
Saturação Venosa de O2 Falha na membrana
Hematológicas
baixa (<60%) permutadora de gases
Saturação Venosa de O2 Anomalia ou Falência da
Cardiopulmonares
alta (>90%) Bomba
Saturação Arterial de O2 Coloração idêntica das
Intratorácicas
baixa (<80%) linhas
Renais PCO2 Alta (> 45mmHg) Ruptura do Sistema
Infecção Isquemia do membro Associadas às cânulas
Pressão de acesso ≈≈ (>
Nutricionais
- 300mmHg)
Pressão de retorno ΩΩ (>
Imobilidade
400mmHg)
Hipoxia diferencial
Fonte: Adatado pelos autores

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Ordem dos Enfermeiros
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