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Adolescência e Conflitualidade, 2015(12):255-267 255

A Construção da Identidade do Adolescente e a sua

Pinto
Patrícia Feiten Pinto1 Relação com as Mídias Sociais

Resumo
Este artigo tem como foco uma análise do contexto da
adolescência e suas peculiaridades, enfatizando a
decatexia dos objetos amorosos familiares com a
construção da identidade do adolescente, que é
considerada a tarefa mais importante da adolescência,
além dos resultados destes processos no
desenvolvimento do adolescente. Concomitantemente a
isso, será analisado o uso das mídias sociais como
recurso mediador da retirada dos investimentos
familiares para o grupo de iguais e como ferramenta para
a construção da identidade do adolescente. A
metodologia da pesquisa foram observações de grupos
de adolescentes, registrados em diário de campo.

Palavras-chave: Adolescência. Identidade. Decatexia


dos Objetos Amorosos Familiares. Mídias sociais.

The Development of Teenager Identity and its


1Universidade
Regional Integrada
Relationship with Social Média
do Alto do Rio Uruguai e das
Missões.
E-mail: patiiftn@hotmail.com
Abstract
This article focuses on an analysis of the context of
adolescence and its peculiarities, emphasizing decatexia
loving family of objects with the construction of the
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identity of the teenager, who is considered the most important


task of adolescence, and the results of these processes in
adolescent development. Concurrently, it will analyze the use
of social media as a mediator of the withdrawal of family
investments for the peer group and as a tool for the
construction of the identity of teen appeal. The research
methodology were observations of groups of teens, recorded
in a field diary.

Keywords: Adolescence. Identity. Decatexia Loving Family


of Objects. Social Media.

1 Introdução
A adolescência é uma das etapas do desenvolvimento
humano que se fundamenta na busca frenética de uma
construção identificatória. Para construir a identidade, eles
precisam se espelhar em alguém e este espelhamento já não
pode ser mais os objetos amorosos primários. A consolidação
final da sua personalidade precisa de um objeto novo: o grupo
de iguais. Deste modo, o grupo de iguais é uma espécie de
auxilio que proporciona condições para o adolescente se
posicionar subjetivamente.
No que tange a adolescência inicial, há um incremento dos
impulsos sexuais e agressivos. O objetivo primordial dessa
subfase de desenvolvimento consiste na decatexia dos
objetos amorosos familiares, então a libido objetal está livre
para novos objetos, logo o adolescente irá buscar relações
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extrafamiliares, substituindo as identificações familiares por


outras (amigos, idealizações). (CORDIOLI, 2008).
Esta pesquisa foi realizada a partir de observações com os
alunos e adolescentes de uma escola de rede particular de
ensino de Santo Ângelo. Em relação ao contexto das
observações, elas foram realizadas antes das aulas
começarem no período da tarde, dentro da escola ou no bar
desta.
Durante as observações, constatou- se o uso de ferramentas
de comunicação entre os adolescentes observados, que é uma
característica marcante dessa fase. Com o advento das novas
tecnologias, a sociedade contemporânea atual está inserida
em um processo cultural no qual as redes sociais têm um
grande papel na construção da identidade do adolescente
além de que o meio eletrônico é um espaço que possibilita a
interação social, intercâmbio sociocultural e construção de
conhecimentos.

2 Desenvolvimento
2.1 Metodologia
Na psicologia, o método de observação é apontado como um
instrumento satisfatório no processo da pesquisa. A
observação é um instrumento de coleta de dados que permite
à socialização e consequentemente a avaliação do trabalho e
é utilizada para coletar dados acerca do comportamento e da
situação ambiental. (DANNA; MATOS, 1999).
A pesquisa de observação foi desenvolvida a partir de 10
observações, que ocorreram durante 10 semanas. As
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observações foram de uma hora cada, e todas realizadas com


os adolescentes no espaço escolar, nas quartas-feiras por
volta das 13h00min.
Durante as observações fui utilizado Diário de Campo para
registros e anotações da pesquisadora. O diário de campo é
um meio através do qual se possibilita a sistematização das
observações, tanto quanto percepções subjetivas e
particulares do pesquisador. Diário é conceituado como
“caderno ou similar em que se registram os acontecimentos
diários” (FERREIRA, 2004, p.318). Para Minayo e Gomes
(2007), entende-se campo, na pesquisa qualitativa, como o
recorte espacial que diz respeito à abrangência, em termos
empíricos, do recorte teórico correspondente ao objeto da
investigação. Assim, pode-se compreender o diário de campo
como o caderno onde se registram diariamente os elementos
percebidos no contexto onde se desenvolve a pesquisa.

2.2 Apresentação e análise dos dados advindos das


observações
A adolescência nem sempre despontou culturalmente como
uma fase desenvolvimental específica do ser humano, um
período de mudanças físicas e psicológicas. Toda esta
complexidade está relacionada à adolescência não como uma
fase naturalizada do desenvolvimento humano e nem como
uma transição da infância para a vida adulta, mas como uma
construção social.
Para Calligaris (2000) a adolescência, assim como a própria
infância é uma invenção social. A partir do momento em que
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a infância se afasta de um simples consolo estético, quando é


mais encarregada de preparar o futuro, ou seja, de se preparar
para alcançar um possível sucesso que faltou aos adultos,
força a invenção da adolescência, que é um derivado
contemporâneo da infância moderna. Faz um século que se
começou a estudar este tema, já que até então, a adolescência
não era um fator social reconhecido, era uma faixa etária, mas
não por isso um grupo social.
Até algum tempo atrás, a adolescência era considerada
simplesmente uma etapa de transição entre a infância e a
idade adulta e era caracterizada pelos comemorativos
biológicos que marcavam esse momento evolutivo. O
adolescente do sexo masculino era descrito como o
desengonçado, que estava mudando a voz, já a adolescente
do sexo feminino era vista como desproporcional e estava
passando pelo período do desabrochar do seio. Porém, nas
últimas décadas, a adolescência vem sendo analisada como o
momento crucial do desenvolvimento do indivíduo, não
marcando somente a aquisição da imagem corporal, mas
também a estruturação final da personalidade (CORSO,
1989).
Para consolidar a estruturação final da sua personalidade, o
adolescente passa por diversas turbulências, principalmente
relacionadas à sua relação com os seus pais, já que o
adolescente não utiliza mais os seus pais como uma fonte de
equilíbrio egóico. Na infância, o ego dos pais esteve
disponível para a criança como uma extensão do seu próprio
ego, entretanto, com a advinda da fase desenvolvimental da
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adolescência, o adolescente rejeita este ego parental, com


isso, tem-se o enfraquecimento do superego, que segundo
Blos (1998), é em decorrência do desinvestimento dos
objetos primários internalizados. O superego diminui a
eficácia, deixando o ego sem as orientações da consciência.
O ego, então, não depende da autoridade do superego e a
retirada da catexia objetal e a ampliação da distância entre o
ego e o superego, que resultam num empobrecimento do ego,
que é sentido pelo adolescente como um sentimento de vazio,
uma agitação que pode ser dirigida, na busca de alívio do
vazio, para qualquer oportunidade mitigadora que o ambiente
ofereça.
A rejeição do ego parental, que gera certo distanciamento dos
adolescentes perante seus pais e consequentemente de sua
casa, foram presenciadas na seguinte observação: Mais tarde,
os dois guris começam a falar sobre uma “jantinha” que eles
haviam combinado com os amigos deles. “Só não pode ser lá
em casa”. “Na minha até poderia, mas só se não tiver outro
lugar, porque a mãe só vai incomodar”.
Com o desinvestimento das relações parentais, tanto a
menina quanto o menino se voltam para os objetos
extrafamiliares e fazem a transição da casa para a rua,
iniciando a separação dos antigos laços objetais. O caráter
marcante da adolescência inicial, para Blos (1998) está na
decatexia dos objetos amorosos familiares, então, a libido
objetal está livre para buscar novos objetos.
A transição da casa para rua é claramente vista em uma das
observações feitas: “Vocês não tinham nada de importante
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para fazer hoje em casa ao invés de jogar truco? ““ Até tinha,


mas eu não estou a fim de ficar em casa” “Sim, não tem nada
para fazer”. Essas falas podem ser analisadas a partir da
perspectiva de que o adolescente não quer ficar a maior parte
de seu tempo em casa, visto que eles não aceitam a moratória
imposta pela sociedade e pelos próprios pais, que lhes
impõem regras e limites. A sua identidade fica um tanto que
confusa, pois essa situação gera desconfiança do adolescente
e a ideia de não ser compreendido pelo mundo.
Durante as observações, evidenciou-se que a partir da
decatexia dos objetos familiares, os adolescentes investem a
sua catexia em outro objeto: o grupo de iguais e a finalidade
desse grupo é a construção da identidade dos adolescentes, já
que em casa o adolescente não consegue construir sua
identidade, pois ele precisa se espelhar nos iguais. O grupo
de iguais é primordial para a formação de opiniões próprias e
de valores pessoais. Um dos trechos que comprova a
existência do grupo de iguais é a seguinte (momento
registrado pela pesquisadora): 4 guris estavam na escola da
URI. Inicialmente eles falavam sobre festas de aniversário de
um deles. A festa ia ser na casa dele e ele ia convidar toda a
turma com exceção dos colegas que ele não gostava e que a
festinha dele iria bombar.
O grupo de iguais tem como finalidade cristalizar a
identidade adulta do adolescente e afirmar-se como indivíduo
autônomo, para deixar de utilizar os pais ou sub-rogados
desses, como modelos de identificação, concomitantemente a
isso, os adolescentes têm necessidade de buscar novas pautas
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identificatórias no seu grupo de iguais. É nos grupos de


iguais que surge um ambiente propício ao intercâmbio e
confronto de experiências que permite a seus componentes
uma melhor identificação dos limites entre o eu e o outro.
(CORSO, 1989).
A construção da identidade, que é a finalidade do grupo de
iguais, para Erikson (1972) é a autoimagem formada durante
a adolescência que integra as nossas ideias quanto ao que
somos e ao que queremos ser. A construção da identidade,
durante a adolescência, tem como principal empreitada
adaptar o sentido do eu às mudanças físicas da puberdade,
além de desenvolver uma identidade sexual madura, buscar
novos valores e fazer uma escolha ocupacional. A formação
da identidade utiliza um processo de reflexão e observação,
pelo qual o indivíduo se julga a si próprio à luz daquilo que
percebe ser a maneira como os outros o julgam, em
comparação com eles próprios e com uma tipologia que é
significativa para eles; enquanto que ele julga a maneira
como eles o julgam, à luz do modo como se percebe a si
próprio em comparação com os demais e com os que se
tornaram importantes para ele. Além disso, este mesmo
autor enfatiza que a identidade não é algo estático e imutável,
como se fosse uma armadura para a personalidade, mas como
algo em constante desenvolvimento.
Portanto, é possível pensar a construção da identidade como
algo social, que é formada através da interação do
adolescente com o meio, isto é, com o seu grupo de iguais e
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está sempre se adaptando, já que a construção desta é algo


mutável.
Atualmente, quando falamos de adolescência logo vem à tona
outro assunto muito pertinente, as redes sociais, que é
utilizada pelos adolescentes na construção de suas
identidades. A juventude dos dias atuais nasceu e se criou na
era da comunicação e informação instantânea, logo, as redes
sociais conquistaram grande valor na cultura e na construção
da identidade, além de fazerem parte de seu estilo de vida,
pois eles são diretamente influenciados pelas mídias sociais
em vários aspectos.
As mídias elaboram e difundem valores, formas de viver,
hábitos que afetam as identidades das pessoas, o sentido da
vida, as relações humanas. Em relação à juventude, elas
lançam estratégias de construção de um modo de ser jovem,
de uma cultura juvenil, que vão desde a indução ao consumo,
à cultura do corpo, à rebeldia, a modelos de vida adultos até
a forma de resistência à padronização midiática da cultura
jovem (LIBÂNEO, 2006).
O uso das redes sociais foi uma característica marcante dos
adolescentes observados. Além disso, a maioria das
conversas deles tem alguma relação com essas. Um trecho
que é evidenciado isto é: “Vocês excluíram o meu facebook
raqueado?” “Eu sim”. “Eu acho que sim, mas não sei qual dos
dois é o raqueado”. “Mas é só tu olhar o que tem mais amigos
é o raqueado, isso é lógica, moloide”. “Você sabe quem fez
isso?” “Foi uma tal de Carol, porque eu adicionei o face
raqueado no meu novo e me aceitaram e esses dias eu estava
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falando com quem raqueou e essa pessoa disse que era uma
guria e que se chama Carol” “Mas será que não te mentiram”
“Não sei”.
As redes sociais também são formas de compartilhamento de
informações e conhecimento entre os adolescentes, além de
ser um meio a qual eles utilizam para compartilhar fotos ou
simplesmente para conhecer outras pessoas e conversar. Um
exemplo disso coletado durante as observações seria: “Tu não
têm chat no celular né”? A outra responde: “Não, eu excluí”.
“Baixa que eu quero te enviar uma foto”.
Diante das possibilidades que as mídias sociais oferecem,
temos os jogos, já que ele proporciona para o adolescente a
socialização. Podemos verificar o uso dos jogos nas
observações feitas: Um deles diz: “estou querendo baixar um
jogo novo, mas ele é muito pesado” “eu quero o jogo X, dá
para falar, é fera”. Nesse sentido, para Cabral (2004), os jogos
representam uma atividade lúdica e socializadora, pois
transportam crianças e adolescentes para experiências
diversas, abrindo-lhes as portas para o entendimento da
realidade e ajudando-os a construir os valores tomados como
próprios.
O ápice dessas tecnologias, tanto as redes sociais, quanto os
games e chats, é que eles são uma ferramenta para a
construção da identidade do adolescente e,
consequentemente, eles são formas de retirada de
investimento familiar, ou seja, a decatexia dos objetos
amorosos familiares. A mídia social, portanto, é uma
alternativa que o adolescente contemporâneo encontra para
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investir parte de sua catexia, já que o cenário midiático


configura-se sob uma perspectiva de pertencimento, um
pertencer adolescente a uma determinada “sociedade
virtual”, ou seja, de um grupo de iguais, que têm outros
adolescentes que compartilham das mesmas características,
do mesmo pensar revolucionário, mesma tribo, etc.
Assim sendo, percebe-se a centralidade e a importância que
as mídias sociais, juntamente com suas particularidades,
como o facebook ou até mesmo os jogos, ocupam na vida do
adolescente. Estamos na era da tecnologia digital e ela
introduz no cotidiano do adolescente novas configurações de
comunicação e socialização e dificilmente temos algum
adolescente que não tenha nenhuma rede social.

3 Conclusão
Com a análise das observações, verificou-se que a
adolescência não é apenas a aquisição da imagem corporal,
como era pensado há algum tempo atrás, mas também a
estruturação final da personalidade, visto que os adolescentes
passam por muitos conflitos durante esta fase, como a
instabilidade emocional, busca pela identidade e pela
independência e a rebeldia.
A partir desses conflitos, o jovem passa a desenvolver uma
relação um tanto conturbada com os pais, exatamente devido
à decatexia dos objetos amorosos familiares, pois o
adolescente se sente não compreendido pelos pais devido à
moratória imposta pelos mesmos, que lhes impõem regras e
limites e isso pode acarretar em problemas de
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relacionamentos entre pais e filhos. Entretanto, frisa-se que


esses conflitos que o adolescente tem com seus pais são
normais, se for de uma forma saudável, pois faz parte do seu
desenvolvimento.
Com o distanciamento dos objetos primários, foi observado
que os adolescentes se voltam para os amigos, justamente
para a formação final de sua identidade. O grupo de iguais é
a forma que o adolescente utiliza para afirmar a sua diferença
e se reconhecer.
Além do mais, constatou-se a centralidade e o valor que as
mídias sociais possuem na vida do adolescente, já que foi
observado o uso de dispositivos como o facebook, sendo que
norteiam as relações dos jovens. A partir dessa pesquisa de
observação, conclui-se que as mídias sociais fazem parte do
seu estilo de vida e, com isso, as relações que os adolescentes
têm são mediadas pela tecnologia e concomitantemente a
isso, produzem uma forma de decatexia dos objetos amorosos
familiares de forma contextualizada com os efeitos da cultura
de uma época imersa na tecnologia.

Referências
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