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Manual Teórico

I Curso Online de Doenças


Prioritárias para o SUS
LIGA ACADÊMICA DE MEDICINA TROPICAL E INFECTOLOGIA DO PARÁ

Presidência: Eduarda Souza Dacier Lobato.

Vice-presidência: Matheus Vinícius Mourão Parente.

Diretorias:

Científico: Danillo Monteiro Porfírio e Juliana Valente Alves.

Ensino: Gabriela Pereira da Trindade e Lucival Seabra Furtado Junior.

Estágio: Laura Closset e Márcio Augusto Moraes Alvarez.

Extensão: Gilson Guedes de Araújo Filho.

Financeiro: Lehi Rodrigues de Oliveira.

Marketing: Iameme Fadul Barros.

Secretaria: Larissa Santos Bastos.

Autores:
Ana Luísa Queiroz de Azevedo Laura Closset
Danillo Monteiro Porfírio Lehi Rodrigues de Oliveira
Diego de Sousa Sena Lucival Seabra Furtado Junior
Eduarda Souza Dacier Lobato Maria Fernanda Brito de Matos
Gabriela Pereira da Trindade Mariana Jorge Gonçalves
Gilson Guedes de Araújo Filho Márcio Augusto Moraes Alvarez
Iameme Fadul Barros Matheus Lucas Meireles Franklin
Jéssica Cordovil Portugal Lobato Mikael Veras Vieira
Juliana Valente Alves Rafael Izel D’Andrade
Larissa Pinheiro Viana Raquel do Vale Trindade
Larissa Santos Bastos Roberta Figueiredo Pamplona
Sumário

Arboviroses..................................................3
Malária........................................................24
Hanseníase.................................................29
Leishmaniose Visceral............................39
Influenza....................................................50
Sífilis...........................................................55
Sarampo.....................................................59
Arboviroses
4

Dengue
d

1. AGENTE ETIOLÓGICO
A dengue é uma doença febril aguda que possui como agente etiológico o vírus dengue
(DENV), o qual possui 4 sorotipos que apresentam distintos genótipos e linhagens, sendo que uma
vez infectada por um dos tipos do vírus a pessoa adquire imunidade para aquele sorotipo específico
apenas.

O vírus dengue (DENV) é um arbovírus de RNA do gênero Flavivírus, pertencente à família


Flaviviridae, o qual se multiplica no intestino médio do vetor e infecta outros tecidos até alcançar as
glândulas salivares.

2. TRANSMISSÃO
Relacionado à transmissão ao homem, o DENV apresenta 3 formas: via vetorial, vertical e
transfusional, sendo a principal a vetorial, enquanto a vertical (gestante – feto) demostra raros relatos
e a transfusional possui relevância reduzida.

Os vetores da dengue são mosquitos hematófagos do gênero Aedes, no continente americano,


o Aedes aegypti é o principal, enquanto na Ásia a doença é mantida pelo Aedes albopictus. A
transmissão vetorial ocorre pela picada de fêmeas do mosquito infectadas, no ciclo humano – vetor –
humano, ou seja, após picar uma pessoa infectada no período virêmico, o inseto pode transmitir o
vírus para outras pessoas.

O processo de transmissão compreende a um período de incubação intrínseco (PII) que ocorre


no humano e outro extrínseco (PIE) correspondente ao tempo decorrido desde a ingestão do sangue
infectado pelo mosquito até o surgimento do vírus na saliva do inseto que varia de 8 – 14 dias. Vale
ressaltar que, após o PIE, o mosquito permanecerá infectante até o final de sua vida.

3. FISIOPATOLOGIA
O vírus da dengue é um arbovírus que pode ser transmitido ao homem por via vetorial, vertical
e transfusional. Tem destaque a transmissão vetorial pela picada de fêmeas do mosquito Aedes aegypti
infectadas. O inseto contrai o vírus ao ingerir sangue de um indivíduo em fase virêmica da doença
(entre um dia antes do aparecimento de febre até o sexto dia dos sintomas). O mosquito uma vez
infectado permanece infectado até o fim da sua vida e mantém o vírus em suas glândulas salivares,
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que também são o local de proliferação viral. As fêmeas do mosquito infectadas inoculam o vírus
juntamente com a sua saliva ao picarem uma pessoa não infectada e, também, transmitem o vírus para
a sua prole. Após ser inoculado em um hospedeiro humano, o vírus tem um período de incubação de
3 a 15 dias, em que penetra nas células, se replica, prolifera e desencadeia a fase de viremia, associada
a disseminação do vírus pelo organismo. Acredita-se que a replicação viral nos humanos ocorra em
células da linhagem monocítica-macrofágica de órgãos linfoides, pulmões e fígado. A partir do
quinto ou sexto dia são produzidos os anticorpos IgM antidengue que permanecem detectáveis no
soro por dois meses e são responsáveis por neutralizar o vírus e declinar a viremia. Entre 7 e 10 dias
da doença, aparecem os anticorpos IgG antidengue, que conferem imunidade sorotipo específica e
permanecem em níveis baixos por toda vida. Isso significa que em uma infecção secundária, por
existirem anticorpos de memória, os títulos de IgG se elevam rapidamente para agir contra o vírus.

4. QUADRO CLÍNICO
O quadro clinico evidenciado pelo vírus da dengue apresenta inúmeras particularidades e varia
de quadros inaparentes até quadros como de hemorragia e choque, que podem evoluir a óbito. Três
fases clinicas podem se desenvolver: febril, crítica e de recuperação.

4.1 Fase febril

A primeira manifestação é a febre que tem duração de dois a sete dias, geralmente alta (39ºC
a 40ºC), de início abrupto, associada à cefaleia, à adinamia, às mialgias, às artralgias e a dor retro
orbitária. O exantema está presente em 50% dos casos, é predominantemente do tipo maculopapular,
atingindo face, tronco e membros de forma aditiva, não poupando plantas de pés e palmas de mãos,
podendo apresentar-se sob outras formas com ou sem prurido, frequentemente no desaparecimento
da febre. Anorexia, náuseas e vômitos podem estar presentes. A diarreia está presente em percentual
significativo dos casos, habitualmente não é volumosa, cursando apenas com fezes pastosas numa
frequência de três a quatro evacuações por dia, o que facilita o diagnóstico diferencial com
gastroenterites de outras causas. Após a fase febril, grande parte dos pacientes recupera-se
gradativamente com melhora do estado geral e retorno do apetite.

A erupção cutânea (rash) quando ocorre (é mais frequente nas infecções primárias do que nas
secundárias) surge dois a cinco dias após o início da febre, é macular ou maculopapular, confluente
(deixando eritema difuso entremeado por áreas de pele sadia) e pode ser pruriginoso.

Manifestações hemorrágicas podem ocorrer nessa forma da doença e acontecem com relativa
frequência, apesar de apenas em raros casos trazerem risco de morte ao paciente. Podem ser
espontâneas, como epistaxe, gengivorragia, petéquias e metrorragia; ou provocadas, como prova do
laço positiva. Essa prova é realizada desenhando-se no antebraço do paciente um quadrado com
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2,5cm de lado (ou uma área ao redor da falange distal do polegar). Em seguida deve-se verificar a
pressão arterial do paciente (sentado ou de pé) e calcular o valor médio (PAS + PAD)/2. Então, deve-
se insuflar novamente o manguito até atingir o valor médio e manter por cinco minutos. Depois é
feita a contagem do número de petéquias que apareceram dentro do quadrado. A prova é considerada
positiva se houver 20 ou mais petéquias. Deve-se ter em mente que essa prova também pode ser
positiva em outras situações clínicas que cursem com fragilidade microvascular ou plaquetopenia.

Os principais achados laboratoriais são leucopenia e plaquetopenia (que não costuma ser
muito intensa). Elevação de transaminases também pode ocorrer. Geralmente o aumento é moderado
(duas a cinco vezes acima do limite da normalidade), mas ocasionalmente pode ser mais acentuado
(cinco a 15 vezes o limite da normalidade).

4.2 Fase crítica

Esta fase pode estar presente em alguns pacientes, podendo evoluir para as formas graves e,
por esta razão, medidas diferenciadas de manejo clínico e observação devem ser adotadas
imediatamente. Tem início com a defervescência da febre, entre o terceiro e o sétimo dia do início da
doença, acompanhada do surgimento dos sinais de alarme.

4.2.1 Dengue com sinais de alarme

Os sinais de alarme devem ser rotineiramente pesquisados e valorizados, bem como os


pacientes devem ser orientados a procurar a assistência médica na ocorrência deles. A maioria dos
sinais de alarme é resultante do aumento da permeabilidade vascular, a qual marca o início do
deterioramento clínico do paciente e sua possível evolução para o choque por extravasamento de
plasma.

Sinais de alarme na dengue:

a) Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua;

b) Vômitos persistentes;

c) Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico);

d) Hipotensão postural e/ou lipotimia;

e) Hepatomegalia maior do que 2 cm abaixo do rebordo costal;

f) Sangramento de mucosa;

g) Letargia e/ou irritabilidade;


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h) Aumento progressivo do hematócrito.

4.2.2 Dengue grave

As formas graves da doença podem manifestar-se com extravasamento de plasma, levando ao


choque ou acúmulo de líquidos com desconforto respiratório, sangramento grave ou sinais de
disfunção orgânica como o coração, os pulmões, os rins, o fígado e o sistema nervoso central (SNC).
O quadro clínico é semelhante ao observado no comprometimento desses órgãos por outras causas.
Derrame pleural e ascite podem ser clinicamente detectáveis, em função da intensidade do
extravasamento e da quantidade excessiva de fluidos infundidos. O extravasamento plasmático
também pode ser percebido pelo aumento do hematócrito, quanto maior sua elevação maior será a
gravidade, pela redução dos níveis de albumina e por exames de imagem.

O choque ocorre quando um volume crítico de plasma é perdido através do extravasamento,


o que geralmente ocorre entre os dias quatro ou cinco (com intervalo entre três a sete dias) de doença,
geralmente precedido por sinais de alarme. O período de extravasamento plasmático e choque leva
de 24 a 48 horas, devendo a equipe assistencial estar atenta à rápida mudança das alterações
hemodinâmicas.

O choque na dengue é de rápida instalação e tem curta duração. Podendo levar o paciente ao
óbito em um intervalo de 12 a 24 horas ou a sua recuperação rápida, após terapia antichoque
apropriada. O choque prolongado e a consequente hipoperfusão de órgãos resultam no
comprometimento progressivo destes, bem como em acidose metabólica e coagulação intravascular
disseminada. Isso, por sua vez, pode levar a hemorragias graves, causando diminuição de hematócrito
agravando ainda mais o choque.

Podem ocorrer alterações cardíacas graves (insuficiência cardíaca e miocardite),


manifestando-se com redução de fração de ejeção e choque cardiogênico. Síndrome da angústia
respiratória, pneumonites e sobrecargas de volume podem ser a causa do desconforto respiratório.

4.3 Fase de recuperação

Nos pacientes que passaram pela fase crítica haverá reabsorção gradual do conteúdo
extravasado com progressiva melhora clínica. É importante estar atento às possíveis complicações
relacionadas à hiper-hidratação. Nesta fase o débito urinário se normaliza ou aumenta, podem ocorrer
ainda bradicardia e mudanças no eletrocardiograma. Alguns pacientes podem apresentar um rash
cutâneo acompanhado ou não de prurido generalizado. Infecções bacterianas poderão ser percebidas
nesta fase ou ainda no final do curso clínico. Tais infecções em determinados pacientes podem ter um
caráter grave, contribuindo para o óbito.
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5. DIAGNÓSTICO

5.1 Diagnostico diferencial:

Influenza, enteroviroses, doenças exantemáticas (sarampo, rubéola, parvovirose, eritema


infeccioso, mononucleose infecciosa, exantema súbito, citomegalovirose e outras), hepatites virais,
hantavirose, pneumonia, sepse, infecção urinária, meningococcemia, leptospirose, malária, febre
amarela

5.2 Confirmação diagnóstica:

Testes sorológicos: inibição da hemaglutinação (IH), fixação do complemento (FC), teste de


neutralização (TN), ensaio imunoenzimático (ELISA) e MAC-ELISA.

Testes para detecção viral: os testes sorológicos identificam na amostra de soro examinada
a presença de anticorpos contra o vírus da dengue. Em geral, eles só podem ser realizados a partir do
sexto dia de doença, quando esses anticorpos começam a surgir, de forma que possuem maior
importância epidemiológica do que clínica; e, além disso, não conseguem identificar o sorotipo do
vírus envolvido na infecção. As técnicas disponíveis são: inibição da hemaglutinação (IH), fixação
do complemento (FC), teste de neutralização (TN) e ensaio imunoenzimático (ELISA). O exame mais
empregado é o MAC-ELISA, que detecta anticorpos IgM específicos contra a dengue. Sua grande
vantagem é exigir uma única amostra de soro. Pode ser realizado a partir do sexto dia de sintomas e
permanece positivo por 30 a 90 dias. Testes imunocromatográficos estão sendo desenvolvidos para
serem realizados como exames de triagem, já que o resultado é disponibilizado mais rapidamente.
Entretanto, seus resultados precisam ser confirmados por técnicas mais sensíveis. Para detecção viral
pode-se realizar isolamento do vírus, imunohistoquímica e reação em cadeia da polimerase (PCR). A
RT-PCR (reverse transcriptase - polymerase chain reaction) é o único método que pode detectar o
vírus dentro de tempo clinicamente significativo (um a dois dias). Pode ser empregado para detectar
o RNA viral em amostras clínicas, material de necropsia, culturas de tecido e mosquitos adultos ou
larvas. Tem sensibilidade comparável ao do isolamento viral com a vantagem de o resultado não ser
influenciado pelo manuseio e armazenamento inadequados e nem pela presença de anticorpos.

6. TRATAMENTO
Não existe um tratamento específico para dengue. A indicação é que seja realizada hidratação
e utilização de remédios para alívio de sintomas específicos. Não devem ser utilizados salicilatos e
anti-inflamatórios não hormonais pelo risco de hemorragias.
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O Ministério da Saúde preconiza um protocolo em que objetiva, principalmente, a reposição


volêmica adequada, e que abrange todos os pacientes com suspeita da doença, os dividindo em grupos
de estadiamento A, B, C e D a partir dos sinais e sintomas apresentados e identificação de sinais de
alarme.

Estadiamento Prova do laço ou Sinais de Conduta


manifestações alarme
hemorrágicas
Grupo A Prova do laço negativa e Ausentes 1 - Solicitar hemograma;
sem manifestações 2 - Realizar hidratação oral (60-80ml/kg/dia),
hemorrágicas sendo 1/3 do volume com soro de reidratação oral e
o restante com líquidos caseiros (água, suco e chás)
3 - Orientar retorno caso apareçam sinais de
alarme ou quando desaparecer a febre.
Grupo B Prova do laço positiva ou Ausentes 1 - Paciente deve permanecer na unidade de saúde
manifestações recebendo hidratação oral e sintomáticos até o
hemorrágicas espontâneas, resultado do hemograma:
sem repercussão Hemograma normal: liberar paciente para
hemodinâmica tratamento ambulatorial.
Hematócrito aumentado (10% acima do valor
normal), plaquetopenia (50.000-100.000 mm3)
e/ou leucopenia (<1.000células/mm3): realizar
tratamento ambulatorial com hidratação oral
vigorosa e sintomáticos; reavaliar em 24 horas.
Hematócrito aumentado (10% acima do valor
normal) e/ou plaquetopenia (<50.000mm3):
observar paciente por 6 horas e realizar hidratação
oral supervisionada; reavaliar hematócrito:
✓ Hematócrito normal: tratamento
ambulatorial com hidratação oral
vigorosa; reavaliar em 24 horas.
✓ Resposta inadequada: repetir conduta e
avaliar necessidade de internação.
Grupo C Manifestações Presentes 1 - Solicitar hemograma, tipagem sanguínea,
hemorrágicas presentes ou albumina sérica e radiografia de tórax;
ausentes 2 - Permanecer sob supervisão médica por no
mínimo 24 horas;
3 - Iniciar hidratação endovenosa imediatamente,
com 25ml/kg de soro fisiológico ou ringer lactato;
4 - Reavaliar:
✓ Melhora clínica e laboratorial: iniciar
etapa de manutenção com 25ml/kg em 8
horas e depois em 12 horas
✓ Reposta inadequada: repetir conduta
inicial até 3 vezes; se não houver melhora,
tratar paciente como do grupo D
Grupo D Manifestações Presentes 1 - Solicitar hemograma, tipagem sanguínea,
hemorrágicas presentes ou albumina sérica e radiografia de tórax;
ausentes, apresentando 2 - Permanecer sob supervisão médica por no
pressão arterial mínimo 24 horas;
convergente, hipotensão 3 - Iniciar imediatamente hidratação parenteral
arterial ou choque com solução salina isotônica (20ml/kg em 20
minutos; se necessário, repetir até 3 vezes;
4 - Reavaliar a cada 15-30 minutos;
5 - Coletar hematócrito após 2 horas do início do
tratamento:
✓ Melhora clínica: tratar paciente como do
grupo C e iniciar etapa de manutenção da
hidratação
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✓ Resposta inadequada: avaliar


hemoconcentração: hematócrito em
ascensão + choque após hidratação:
utilizar expansores plasmáticos. Se
hematócrito em queda + choque:
investigar hemorragia
6 - Encaminhar o paciente para UTI caso a
resposta permaneça inadequada

Para a alta hospitalar deve-se considerar os seguintes critérios:


• Melhora visível do quadro;
• Ausência de febre por 24 horas sem o uso de antitérmicos;
• Hematócrito normal e estável;
• Plaquetas acima de 50.000/mm3;
• Estabilidade hemodinâmica por 24 horas;
• Derrames cavitários em absorção e sem repercussão clínica.

7. PROFILAXIA
Até o momento, só existe uma vacina contra a dengue registrada na ANVISA mas ela está
disponível somente na rede privada, dessa maneira, a melhor forma de prevenção da dengue é evitar
a proliferação do mosquito Aedes Aegypti, eliminando água armazenada que podem se tornar
possíveis criadouros, como em vasos de plantas, lagões de água, pneus, garrafas plásticas, piscinas
sem uso e sem manutenção, e até mesmo em recipientes pequenos, como tampas de garrafas.

Uma outra medida que pode ser adotada é utilizar, durante o dia, roupas que minimizem a
exposição da pele pois é nesse momento que os mosquitos estão mais ativos, principalmente em
épocas e surtos. A utilização de repelentes e inseticidas também pode ser adotadas, de acordo com o
rotulo do fabricante. Os mosquiteiros também podem proporcionar uma boa proteção durante as
pessoas que dormem de dia, em especial os bebes e as pessoas acamadas.

Roupas que minimizem a exposição da pele durante o dia - quando os mosquitos são mais
ativos - proporcionam alguma proteção às picadas e podem ser uma das medidas adotadas,
principalmente durante surtos. Repelentes e inseticidas também podem ser usados, seguindo as
instruções do rótulo. Mosquiteiros proporcionam boa proteção para aqueles que dormem durante o
dia, como bebês, pessoas acamadas e trabalhadores noturnos.
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Chikungunya

1. AGENTE ETIOLÓGICO
A chikungunya é uma arbovirose, causada por vírus de mesmo nome, podendo o agente
etiológico também ser identificado como CHIKV. Esse patógeno apresenta três genótipos diferentes
já identificados na natureza, sendo apenas dois deles encontrados em território brasileiro, possuindo
em todas as suas variações genoma de RNA positivo de fita simples. Pertence ao gênero Alphavírus
e família Tagoviridae, e tem como principais vetores os mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus,
mas podendo também ser encontrado em outras espécies como Ae. futcifer, Ae. vittatus, Ae. africanus,
Ae. fulgens, Ae. luteocephalus, Ae. dalzieli, Ae. Vigila e Ae. camptorhynchites, como se observa no
continente africano. A primeira espécie, de ação antropofíbica, é encontrada em locais de grande
aglomeração humana, realizando alimentação hematófaga e repousam dentro de habitações, estando
distribuído nas regiões tropicais e subtropicais, além de estar disseminado em todos os estados
brasileiros. Já o Ae. Albopictus tem comportamento alimentar extenso, frequentemente presente em
áreas de menor aglomeração humana, alimentando-se e repousando no espaço peridomiciliar,
podendo ser encontrado também em latitudes temperadas. Além desses, Culex annulirostris,
Mansonia uniformis e Anopheles sp. têm sido, ocasionalmente, associados com a transmissão do
CHIKV. A ampla distribuição dessas espécies no Brasil torna o país suscetível à propagação do vírus
da febre chikungunya em território nacional.

É uma doença que cursa com sintomatologia febril aguda, subaguda ou crônica. A enfermidade
aguda se caracteriza, principalmente, por início súbito de febre alta, cefaleia, mialgias e dor articular
intensa, afetando todos os grupos etários e ambos os sexos. Em uma pequena porcentagem dos casos
a artralgia se torna crônica, podendo persistir por anos. Deste último sintoma, inclusive, surgiu o
nome para a doença, já que chikungunya no idioma Makonde (dialeto predominante na região em
que surgiu a enfermidade) significa “andar curvado”. As formas graves e atípicas são raras, mas
quando ocorrem podem, excepcionalmente, evoluir para óbito. A febre de chikungunya é uma
enfermidade endêmica nos países do Sudeste da Ásia, África e Oceania. Emergiu na região das
Américas no final de 2013.
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2. TRANSMISSÃO
Com relação à transmissão do agente etiológico, esta pode se dar por meio da picada das
fêmeas das espécies vetoras infectadas pelo CHIKV, verticalmente ao se tratar de partos de gestantes
virêmicas, o que provoca infecção neonatal grave, ou por meio da via transfusional. O primeiro caso
de transmissão vertical na febre chikungunya foi relatado nas Ilhas da Reunião, e pode ocorrer em
casos de mulheres infectadas em trabalho de parto, quando a gestante possui alta carga viral nesse
momento. Recém-nascidos infectados durante o trabalho de parto geralmente apresentam no mínimo
um sintoma grave, incluindo a encefalopatia, presente em 53% desses casos.

3. PERÍODO DE INCUBAÇÃO E TRANSMISSIBILIDADE


No que tange ao período de incubação intrínseco do vírus, nos seres humanos, é de cerca de 3
a 7 dias após a picada da fêmea do mosquito vetor, mas pode variar também entre o 1º ao 12º dia. O
extrínseco, que ocorre no vetor, dura em média 10 dias. Os mosquitos adquirem o vírus a partir de
um hospedeiro virêmico. Depois do período de incubação extrínseca, o mosquito é capaz de transmitir
o vírus a um hospedeiro suscetível, como o ser humano. Em seguida, o mosquito permanece
infectante até o final da sua vida (6 a 8 semanas). O período de viremia no ser humano pode perdurar
por até 10 dias e, geralmente, inicia-se 2 dias antes da apresentação dos sintomas.

4. FISIOPATOLOGIA
As formas de transmissão dos vírus da Zika, Dengue e Chikungunya são semelhantes: via
vetorial, via vertical e via transfusional. A transmissão mais comum é a vetorial, ocorrendo a partir
da picada de fêmeas do mosquito Aedes aegypti infectadas. Com a inoculação do vírus, juntamente
com a saliva do inseto, no hospedeiro, há um processo de penetração celular, replicação e proliferação
viral. O período de incubação do vírus varia de 1 a 12 dias e é seguido pela fase virêmica da doença,
que se inicia dois dias antes dos sintomas e pode se estender por até dez dias. Acredita-se que a
imunidade adquirida pela infecção seja duradoura e protetora contra novas infecções, mesmo que
produzida por genótipos virais diferentes.

5. QUADRO CLÍNICO
Os sintomas costumam aparecer entre 3 e 7 dias após a picada do mosquito (podendo variar
de 1 a 12 dias). Cerca de 70% indivíduos infectados pelo CHIKV desenvolve sintomas, o que é um
valor alto comparado as outras arboviroses. A infecção pode se desenvolver de formas distintas,
evoluindo em três fases: aguda, subaguda e crônica ou de forma atípica, caracterizando casos graves.
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5.1 Fase aguda

A fase aguda se caracteriza principalmente por febre de início súbito e surgimento de intensas
dores articulares, geralmente acompanhada de dores nas costas e o aparecimento de exantema
maculopapular, o qual ocorre em cerca de metade dos pacientes por volta 2 ao 5 dia após o início da
febre. Além disso, cefaleia, mialgia, náuseas, vômitos, poliartrite e conjuntivite são manifestações
raras que podem aparecer em momentos diferentes da doença. Fatores individuais podem estar
relacionados ao aumento do risco ao serem infectados para idosos, neonatos e a presença de
comorbidades. Essa fase tem duração média de 7 dias, podendo variar de 3 a 10 dias.

5.2 Fase subaguda

Nesse momento normalmente a febre desaparece, pode haver persistência ou agravamento da


artralgia e pode estar presente também nesta fase a astenia, recorrência do prurido generalizado, além
do surgimento de lesões purpúricas, vesiculares e bolhosas. Alguns pacientes podem desenvolver
doença vascular periférica, fadiga e sintomas depressivos. Se houver persistência dos sintomas por
mais de 3 meses estará instalada a fase crônica.

5.3 Fase crônica

Após a fase subaguda, alguns indivíduos poderão ter persistência dos sintomas. A prevalência
da fase crônica pode atingir mais da metade dos pacientes. Os principais fatores de risco para que
haja a cronificação são: idade acima de 45 anos, ser do sexo feminino, desordem articular preexistente
e maior intensidade das lesões articulares na fase aguda.

Os sintomas mais comuns nesta fase é o acometimento articular persistente nas mesmas
articulações atingidas anteriormente, caracterizado por dor com ou sem edema, limitação de
movimentos e deformidades. O acometimento pode ser poliarticular simétrico ou assimétrico
monoarticular, também há relatos de dores nas regiões sacroilíaca, lombossacra e cervical. Alguns
pacientes poderão evoluir com artropatia destrutiva semelhante à artrite psoriática ou reumatoide.

Outras manifestações descritas durante a fase crônica são: fadiga, cefaleia, prurido, alopecia,
exantema, bursite, tenossinovite, disestesias, parestesias, dor neuropática, fenômeno de Raynaud,
alterações cerebelares, distúrbios do sono, alterações da memória, déficit de atenção, alterações do
humor, turvação visual e depressão. Essa fase pode durar de 3 a 6 anos.

5.4 Manifestações atípicas

Se um paciente com suspeita de chikungunya apresentar sintomas no sistema nervoso,


cardiovascular, olhos, pele, rins ou outros, pode ser enquadrado nas manifestações atípicas. Isso pode
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acontecer por vários fatores, como a ação do vírus e até mesmo da resposta imune, porém menos 5%
dos casos possuem essa evolução, quando ocorrem podem excepcionalmente evoluir a óbito. Uma
das manifestações atípicas mais comuns pela infecção da chikungunya é a convulsão, que acomete
com maior frequência pessoas com história prévia de epilepsia e/ou alcoolismo.

6. DIAGNÓSTICO

6.1 Laboratorial específico

• Pesquisa de vírus – isolamento do CHIKV;


• Pesquisa de genoma de vírus – detecção de RNA de CHIKV por reação em cadeia da
polimerase
• de transcrição reversa (RT-PCR) em tempo real ou RT- PCR clássico/convencional;
• Pesquisa de anticorpos IgM por testes sorológicos – ensaio imunoenzimático;
• ELISA;
• Teste de neutralização por redução em placas (PRNT);
• Demonstração de soroconversão (negativo → positivo ou aumento de quatro vezes) nos títulos
de IgG por testes sorológicos (ELISA ou teste de Inibição da Hemaglutinação – IH) entre as
amostras nas fases aguda (preferencialmente primeiros 8 dias de doença) e convalescente,
preferencialmente de 15 a 45 dias após o início dos sintomas, ou 10-14 dias após a coleta da
amostra na fase aguda.

6.2 Exames inespecíficos:

Os exames inespecíficos são solicitados conforme estadiamento do paciente. As alterações


hematológicas são semelhantes às observadas em outras viroses com leucopenia e predominância de
linfopenia (MS, 2017); a trombocitopenia é rara. A velocidade de hemossedimentação (VHS) é
geralmente elevada. Proteína C reativa se encontra aumentada durante a fase aguda e pode
permanecer elevada por algumas semanas.

7. TRATAMENTO
Ainda não existe um tratamento antiviral específico para chikungunya, sendo realizada uma
terapia analgésica e de suporte dos sintomas. Entre as medidas estão:

1) Estimular a hidratação oral dos pacientes;

2) Avaliar o paciente, aplicando a escala de dor, para realizar escolha medicamentosa mais adequada
e individualizada, respeitando a fase da doença;
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3) Não administrar anti-inflamatórios não esteroides e os corticosteroides na fase aguda da doença;

4) Não administrar ácido acetilsalicílico na fase aguda da doença, pelo risco de síndrome de Reye e
hemorragias;

5) Realizar avaliação hemodinâmica para a escolha de terapia de reposição de volumes e para


tratamento de complicações;

6) Avaliar a presença de disfunção renal, sinais e sintomas neurológicos, insuficiência hepática,


acometimento cardíaco, hemoconcentração e plaquetopenia;

7) Associar ao tratamento farmacológico: fisioterapia e/ou exercícios de intensidade leve ou


moderada e crioterapia;

Deve-se realizar o acompanhamento diário de gestantes com suspeita de chikungunya em fase


aguda pelo risco de sofrimento fetal. Além disso, todos os recém-nascidos cujas mães iniciaram os
sintomas em até 7 dias antes do parto devem ficar internados para observação, por no mínimo 7 dias,
acompanhados da mãe.

8. PROFILAXIA
Não existem vacinas contra a Chikungunya, nesse viés, a melhor prevenção, e mais eficaz, é
evitar a proliferação do Aedes Aegypti, eliminando água armazenada que pode se tornar um possível
criadouro.
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Zika

1. AGENTE ETIOLÓGICO
O vírus Zika é um flavivírus (família Flaviviridae) transmitido por Aedes aegypti e que foi
originalmente isolado de uma fêmea de macaco Rhesus febril na Floresta Zika (daí o nome do vírus),
localizada próximo de Entebbe na Uganda, em 20 de abril de 1947. Esse vírus é relacionado ao vírus
da febre amarela e dengue, também transmitidos por Aedes aegypti e que causam febre hemorrágica.
O vírus Zika, de RNA positivo de fita simples, tem causado doença febril, acompanhada por discreta
ocorrência de outros sintomas gerais, tais como cefaleia, exantema, mal estar, edema e dores
articulares, por vezes intensas. No entanto, apesar da aparente benignidade da doença, quadros mais
severos, incluindo comprometimento do sistema nervoso central (síndrome de Guillain-Barré, mielite
transversa e meningite), associados ao Zika têm sido comumente registrados.

2. TRANSMISSÃO
Além da transmissão pelo mosquito Aedes aegypti, existem também outras formas de
transmissão documentadas: sexual, transfusão sanguínea e vertical.

3. FISIOPATOLOGIA
O vírus da Zika pode ser transmitido ao homem por 3 vias: vetorial, vertical e transfusional.
A principal forma é a vetorial através da picada das fêmeas de Aedes aegypti infectadas, que inoculam
o vírus, juntamente com sua saliva, no hospedeiro. A partir disso, o vírus penetra no organismo
humano, apresentando um período de incubação entre 2 e 7 dias. O vírus invade as células, se replica
e prolifera, se espalhando pelo organismo humano. A fase virêmica, na qual o Aedes aegypti é
infectado ao picar o indivíduo doente, começa a partir do início dos sintomas e se estende por mais 5
dias. Não há, ainda, evidências científicas que permitam assegurar o tempo de duração da imunidade
adquirida pela infecção por Zika vírus.

4. QUADRO CLÍNICO
A zika é uma doença febril autolimitada que possui a manifestação sintomática com uma
duração de 3 a 7 dia. Os principais sintomas são exantema maculopapular, febre, artralgia,
17

conjuntivite não purulenta, cefaleia, diarreia, aftas, mialgia e prurido, porém alguns casos relatam a
evolução da doença com o surgimento da síndrome de síndrome de Guillain-Barré (doença autoimune
desmielinizante que causa paralisia flácida aguda ou subaguda), além de outras complicações
neurológicas.

A infecção é bastante preocupante em gestantes, pois mesmo assintomáticas podem transmitir


o vírus para o feto, o que pode causar aborto espontâneo, óbito fetal ou anomalias congênitas.

5. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de zika é clínico e feito por um médico. O resultado é confirmado por meio de
exames laboratoriais de sorologia e de biologia molecular ou com o teste rápido, usado para triagem.
A sorologia é feita pela técnica Mac ELISA, por PCR e teste rápido. Todos os exames estão
disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).

Por ser uma doença febril existem vários diagnósticos diferencias possíveis, cujo o principal
é a dengue, logo no primeiro momento é assim que serão tratados os casos. Porém, com a análise dos
sintomas e contextos do indivíduo também estão incluídos como possibilidade para diagnóstico
diferencial a Chikungunya, febre amarela e outras doenças. Por isso a necessidade do exame
laboratorial para confirmar o diagnóstico.

6. TRATAMENTO
A maioria dos casos de zika são assintomáticos ou autolimitados, por isso a procura pelos
serviços de saúde é baixa. Para os pacientes que buscam por atendimento, ainda não existe antiviral
específico para a doença, sendo recomendada a realização de medidas de alívio dos sintomas. Entre
essas medidas estão:

1) Repouso relativo enquanto durar a febre;

2) Recomendar ao paciente que retorne imediatamente ao serviço de saúde em casos de sensação de


formigamento dos membros ou alteração do nível de consciência;

3) Estimular a ingestão de líquido pelo paciente;

4) Administrar paracetamol ou dipirona em caso de dor ou febre;

5) Não administrar ácido acetilsalicílico;

6) Administrar anti-histamínicos;
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7) Em casos de queixa de alteração visual, deve-se encaminhar ao oftalmologista para avaliação e


tratamento;

8) Em caso de síndrome de Guillain-Barré: realizar plasmaférese ou utilizar imunoglobulina.

7. PROFILAXIA
Atualmente, não há vacina contra o Zika vírus. As medidas de prevenção e controle são
semelhantes aos da dengue e Chikungunya.
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Febre
Amarela

1. CONCEITO
A febre amarela é uma doença infecciosa aguda não contagiosa, cuja forma clássica se
caracteriza por um quadro febril icteremorrágico, sendo causada pelo vírus da febre amarela. É
transmitida em natureza por dípteros hematófagos da família Culicidae, principalmente por espécies
pertencentes aos gêneros Aedes, Haemagogus e Sabethes. Atualmente é endêmica na América do Sul
e na África intertropical.

O vírus da febre amarela determina no homem desde quadros inaparentes e


oligossintomáticos, até formas fulminantes caracterizadas por falência múltipla de órgãos,
especialmente do fígado e dos rins. A lesão mais importante da febre amarela ocorre no fígado, a
nível dos hepatócitos.

No Brasil, o padrão temporal de ocorrência é sazonal, com a maior parte dos casos incidindo
entre dezembro e maio, e com surtos que ocorrem com periodicidade irregular, quando o vírus
encontra condições favoráveis para a transmissão (elevadas temperatura e pluviosidade; alta
densidade de vetores e hospedeiros primários; presença de indivíduos suscetíveis; baixas coberturas
vacinais; eventualmente, novas linhagens do vírus), podendo se dispersar para além dos limites da
área endêmica e atingir estados fora da região amazônica.

2. AGENTE ETIOLÓGICO
O vírus da febre amarela é o protótipo da família Flaviviridae. Está incluído no gênero
Flavivirus, possui RNA de fita simples, linear, não segmentado, polaridade positiva e coeficiente de
sedimentação de 44S. É um vírus estável na faixa de pH 7-9. Sendo um vírus envelopado, é sensível
aos solventes lipídicos e é rapidamente inativado pelos raios ultravioletas.

3. TRANSMISSÃO
É transmitida por mosquitos vetores em áreas urbanas ou silvestres. No ciclo silvestre, em
áreas florestais, os vetores da febre amarela na América Latina são principalmente os mosquitos
Haemagogus e Sabethes, que possuem hábitos diurnos, sendo mais ativos entre às 9h e 16h do dia. Já
no meio urbano, a transmissão se dá através do mosquito Aedes aegypti. A infecção acontece quando
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uma pessoa que nunca tenha contraído a febre amarela ou tomado a vacina contra ela circula em áreas
florestais e é picada por um mosquito infectado. Ao contrair a doença, a pessoa pode se tornar fonte
de infecção para o Aedes aegypti no meio urbano. Além do homem, a infecção pelo vírus também
pode acometer outros vertebrados, sendo no ciclo silvestre os macacos os principais hospedeiros e
amplificadores do vírus. Uma pessoa não transmite a doença diretamente para outra.

No ciclo urbano, cada mosquito que se infecta a partir de caso virêmico leva, em média, 2
semanas para se tornar vetor com capacidade de transmissão. Esse período de tempo é conhecido
como período de encubação extrínseco.

4. FISIOPATOLOGIA
Em seres humanos, o período de viremia é de 5 a 7 dias. O título da viremia atinge o pico por
volta das 96 horas após o início dos sintomas (4 dias), quando então começa a decrescer rapidamente,
até não ser mais detectado mais vírus circulante, o que ocorre após o oitavo dia de doença.

Tem-se demonstrado que o padrão histopatológico observado no fígado humano na febre


amarela é caracterizado por necrose lítica dos hepatócitos, acompanhada de esteatose macro e
microgoticular, e que o componente hialino caracterizado pela presença dos corpúsculos de
Councilman são representados por hepatócitos apoptóticos, sendo este último o fenômeno que
responderia pela maior parte do quadro lesional observado no fígado amarílico. Além disso, o achado
da apoptose, como principal mecanismo de morte celular observado na infecção pelo vírus da febre
amarela, explicaria em parte a desproporção entre intensidade de lesão e resposta inflamatória, uma
vez que esse processo é em geral de moderada intensidade quando comparado a outros quadros de
lesões virais hepáticas e à intensidade de lesão do fígado na febre amarela.

Por fim a caracterização do padrão de resposta imunológica no fígado em casos fulminantes


da doença demonstrou que o infiltrado inflamatório era constituído principalmente por linfócitos
TCD4+ e TCD8+, acompanhado de células NK, células apresentadoras de antígeno S100+ e
linfócitos B. O padrão de citocinas é de perfil TH1, com expressão de TNF-alfa e IFN-gama, e intensa
expressão associada de uma citocina imunossupressora e indutora de apoptose, o TGF-beta.

5. QUADRO CLÍNICO
Ainda que a maioria das pessoas acredite que a febre amarela sempre produz infecções graves
e quase sempre fatais, na verdade, o número de casos com evolução benigna, com ou sem sintomas
corresponde a 90% de todos os casos da infecção. Os quadros clínicos, com manifestações com
manifestações íctero-hemorrágicas acompanhadas ou não se insuficiência renal, responsáveis pela
totalidade dos casos hospitalizados e fatais, bem como por cerca de 10% do número total de infecções,
21

são as formas clínicas mais diagnosticadas face ao clássico quadro clínico da doença amarílica. A
letalidade em tais casos pode ultrapassar 50%. Fora as formas assintomáticas, as infecções amarílicas
que apresentam sintomatologia podem ser divididas em quatro tipos, sendo leve, moderada, grave e
maligna.

5.1 Forma leve

Os únicos sintomas usualmente presentes são febre e cefaleia. Ambos duram no máximo 2 dias
e tendem a ser de pouca intensidade, não impedindo que os acometidos continuem com seus
afazeres. Por tratar-se de caso benigno autolimitado, esta forma clínica pode ser confundida com
outras doenças febris, principalmente a gripe.

5.2 Forma moderada

Possui outros sintomas além de febre e cefaleia. Os mais frequentemente assinalados são
mialgias, mal-estar, dor lombossacral, congestão conjuntival, rubor facial e do pescoço, artralgias,
náuseas em geral sem vômitos, adinamia e astenia. Epistaxe, subicterícia ou albominúria leve podem
estar presentes, ainda que transitoriamente. Além disso, os sintomas tendem a ser mais intensos que
na forma leve e permanecem por mais dias. Esses quadros evoluem sempre satisfatoriamente entre 2
e 4 dias. Costuma ocorrer em pessoas em pessoas que previamente se infectaram com outro
Flavivirus.

5.3 Forma grave

Um ou mais sintomas clássicos da doença estão presentes. Além dos sintomas presentes nas
formas anteriores apresentarem-se com maior severidade, vômitos alimentares ou hemorrágicos
sobrevêm e costumam ser muito intensos. Consequentemente, dor epigástrica sobrevém. A febre é
elevada, variando de 39 a 40 graus celsius. A cefaléia frontal, de grande intensidade, é queixa
frequente. As mialgias são intensas, generalizadas e responsáveis pela prostração dos enfermos. É
comum ocorrer congestão da face e do pescoço. A icterícia é franca, com níveis plasmáticos de
bilirrubina elevados.

5.4 Forma maligna

Todos os sintomas clássicos estão presentes com grande intensidade. As hemorragias são
frequentes, profusas e acometem múltiplos órgãos. Além da hematêmese, outras manifestações
hemorrágicas, tais como melena, epistaxe, gengivorragia, otorragia, urorragia e metrorragia,
costumam ocorrer. Os níveis plasmáticos de aminotransferases e bilirrubina encontram-se elevados.
Tais níveis começam a subir no segundo dia e encontram-se muitas vezes acima dos valores normais
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em torno do sexto dia. Nos sobreviventes, a partir do sétimo dia, e no décimo quarto dia voltam aos
valores normais. Tem-se leucopenia, neutropenia e linfocitose. A insuficiência renal se instala
repentinamente. De início, oligúria com aumento discreto de ureia e creatinina. Com a evolução da
doença, a insuficiência renal pode agravar-se sobrevindo sobrevir anúria. Nesta forma, a letalidade
pode ser superior a 50% dos casos e a doença dura invariavelmente mais de 1 semana, podendo chegar
a duas.

6. TRATAMENTO
É inespecífico para febre amarela, fundamentado na sintomatologia apresentada, mas devendo
visar à correção das alterações frequentemente encontradas em pacientes graves que apresentam
disfunções hepática, renal, da coagulação e hemodinâmica. Neste sentido, o tratamento inespecífico
procura tratar a insuficiência hepática, insuficiência renal, hemorragias e alterações metabólicas, bem
como sintomas gerais quais sejam febre, cefaleia, náuseas, vômitos e agitação.

Para o combate à febre e cefaleia, o paracetamol é o tratamento mais indicado, sendo 500mg
a cada 6 horas. A dipirona nas esmas dosagens e intervalos também pode ser utilizada. O tratamento
das náuseas e vômitos deve ser feito com antiméticos, sendo o cloridrato de ranitidina o medicamento
de eleição. Nos casos graves, a via intravenosa é mais indicada. A dose varia, mas em geral é de
300mg a cada 12 horas. Para tratar a agitação, é preferível administrar o diazepam, na dose inicial de
10mg via intravenosa e de acordo com a resposta ajusta-se a dose e o horário de aplicação. Este
medicamento seda o paciente sem alterar o nível de consciência.

As outras medidas terapêuticas preconizadas estão voltadas para tratar as complicações da


febre amarela.

7. PROFILAXIA
Como a transmissão urbana da febre amarela só é possível através da picada de mosquitos
Aedes aegypti, a prevenção da doença deve ser feita evitando sua disseminação. Os mosquitos criam-
se na água e proliferam-se dentro dos domicílios e suas adjacências. Qualquer recipiente como caixas
d'água, latas e pneus contendo água limpa são ambientes ideais para que a fêmea do mosquito ponha
seus ovos, de onde nascerão larvas que, após desenvolverem-se na água, se tornarão novos mosquitos.
Portanto, deve-se evitar o acúmulo de água parada em recipientes destampados. Para eliminar o
mosquito adulto, em caso de epidemia de dengue ou febre amarela, deve-se fazer a aplicação de
inseticida através do "fumacê”. Além disso, devem ser tomadas medidas de proteção individual, como
a vacinação contra a febre amarela, especialmente para aqueles que moram ou vão viajar para áreas
23
com indícios da doença. Outras medidas preventivas são o uso de repelente de insetos, mosquiteiros
e roupas que cubram todo o corpo.
Malária
25

Malária

1. FISIOPATOLOGIA
A malária humana é uma doença parasitária, de evolução rápida e grave, cuja transmissão
ocorre pela picada de mosquitos do gênero Anopheles infectados. A partir da picada tem início a
infecção. Os parasitos (esporozoítos) se direcionam para o fígado, e invadem os hepatócitos (células
hepáticas). Dentro dessas células eles se multiplicam rápida e intensamente, originando milhares de
novos parasitos chamados de merozoítos, que rompem os hepatócitos e seguem para a corrente
sanguínea. No sangue, penetram e destroem os glóbulos vermelhos, invadindo novas células. Com
isso, tem início repetitivas multiplicações eritrocitárias. Após algumas multiplicações, os merozoítos
presentes nas hemácias se diferenciam em formas sexuadas, originando os gametócitos. Tanto os
macrogametas (feminino) quanto os microgametas (masculino) não se dividem, podendo fecundar-
se e originar o ciclo sexuado do parasito quando ingeridos pelos insetos vetores. É na fase sanguínea
que aparecem os primeiros sintomas da doença, sendo que o tempo entre a picada pelo mosquito
infectado e o surgimento dos sintomas varia entre 8 e 30 dias de acordo com a espécie de Plasmodium,
a carga parasitária e a resposta imune do hospedeiro.

2. QUADRO CLÍNICO
O quadro clínico da Malária é variável, podendo variar de uma forma não complicada a uma
com complicações maiores, dependendo se o indivíduo é proveniente ou não de áreas endêmicas, da
espécie de plasmódio infectante, uso de medicação profilática, e da resposta imune do hospedeiro,
que envolve fatores genéticos.

2.1 Malária não complicada

A primoinfecção é caracterizada pela ocorrência de paroxismos febris. Os paroxismos


iniciam-se com calafrios, acompanhados de mal-estar, cefaleia e dores musculares e articulares.
Náuseas e vômitos são sintomas frequentes, podendo também ocorrer dor abdominal intensa. A
frequência dos sintomas está descrita na tabela abaixo. Em algumas horas, inicia a febre alta que
produz adinamia e prostração; a esta fase se segue um período de sudorese profusa, com melhora
progressiva do estado geral. Em geral, pacientes com infecção por P. falciparum, P. vivax e P. ovale
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têm paroxismos febris a cada 48 horas (febre terçã), enquanto aqueles infectados por P. malariae têm
paroxismos a cada 72 horas (febre quartã).

Nos indivíduos que habitam regiões endêmicas de Malária, este quadro de paroxismo de
febres (paludismo) não ocorre, sendo mais comum a ocorrência de um ou poucos dos sintomas acima
descritos. Sinais clínicos de anemia, esplenomegalia e hepatomegalia geralmente estão presentes.

Febre 100%
Cefaleia 100%
Fraqueza 94%
Sudorese 91%
Insônia 69%
Artralgia 59%
Mialgia 56%
Diarreia 13%
Dor abdominal 8%

2.2 Malária complicada

Em geral, a Malária é classificada como não complicada, conforme já descrito. Já nos casos
graves, a doença expressa complicações em diversos órgãos, sendo reconhecida por alguns sinais e
sintomas clínicos (tabela abaixo). A Malária causada pelo P. falciparum pode acometer outros órgãos,
como a Malária cerebral, caracterizada por sintomas de encefalite (sonolência, prostração intensa,
convulsões, alteração do nível de consciência até o coma). Segundo a Organização Mundial de Saúde,
a definição de Malária cerebral exige a presença de coma profundo (escala de coma de Glasgow < 9).
O comprometimento renal é caracterizado por oligúria e urina escura. A Malária pulmonar pode variar
desde taquipneia e dispneia com alterações discretas na ausculta até edema pulmonar e franca
insuficiência respiratória. Icterícia é um sinal de gravidade da doença, não sendo comum nos casos
leves a moderados da doença.

Achado clínico Definição


Malária cerebral Coma profundo excluindo outra causa de encefalopatia
Convulsões generalizadas Mais de duas crises convulsivas em 24 horas
Anemia grave Concentração de hemoglobina sanguínea < 5 g/L ou hematócrito
< 15%
Hipoglicemia Concentração de glicose sanguínea < 40 mg/dL
Insuficiência renal aguda Concentração de creatinina plasmática > 3 mg/dL com débito
urinário inferior a 400 mL em 24 horas (12 mL/kg/dia em
crianças)
Edema pulmonar e síndrome da angústia Se possível, com comprovação radiológica do edema pulmonar e
respiratória do adulto monitoramento de pressão capilar pulmonar ou venosa central
Choque circulatório (“Malária álgida”) Choque vascular
Acidose metabólica Níveis sanguíneos de bicarbonato abaixo de 15 mmol/L e pH
sanguíneo abaixo de 7,35
Alterações de hemostasia Hemorragias retinianas e gengivais, trombocitopenia
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Hemólise intravascular maciça ou febre Urina escura, que pode ocorrer após início do tratamento
hemoglobinúrica (“blackwater fever”)
Hipertermia
Hiperparasitemia Parasitemia acima de 100.000 parasitas/mcL
Icterícia
Ruptura esplênica

Embora os ciclos evolutivos das espécies causadoras sejam similares, do ponto de vista
patológico a infecção malárica apresenta diferenciações que podem determinar as variações na
evolução clínica da doença. A infecção de indivíduos não imunes pelo P. falciparum resulta em maior
parte na forma grave característica da doença, caracterizada pelo acometimento e disfunção de vários
órgãos ou sistemas, como os listados acima.

3. DIAGNÓSTICO

3.1 Diagnóstico diferencial

Febre tifoide, dengue, febre de Katayama (esquistossomose aguda), leptospirose, riquetsioses


e febre amarela.

3.2 Diagnóstico laboratorial

A alta suspeita clínica e o rápido diagnóstico são importantes para otimizar os resultados do
tratamento da Malária. O padrão-ouro no diagnóstico da infecção continua sendo as colorações de
sangue periférico - "gota espessa", coradas com Giemsa, Wright ou Field. Os esfregaços permitem
tanto a identificação quanto a quantificação da carga parasitária. Malária só pode ser excluída quando
há pelo menos 3 esfregaços negativos dentro de 48 horas de observação da febre. Porém, o
processamento e a interpretação dos esfregaços exigem equipamento e treinamento apropriados,
fatores que limitam o uso em áreas endêmicas ou não-endêmicas.

Testes rápidos podem superar os problemas dos esfregaços. Os testes reconhecem proteínas
do plasmódio em amostras de gotículas de sangue do paciente, disponíveis apenas para o
P.falciparum e P.vivax. Pela persistência de antigenemia por longos períodos, mesmo após o
tratamento, os testes rápidos não são recomendados para avaliar a cura. A sensibilidade para detectar
a malária por P.falciparum é maior que 90%, mas cai bastante em casos de baixa parasitemia e estes
testes não podem ser usados isoladamente para excluir Malária.

Polymerase chain reaction (PCR) é sensível (mais de 90%) e altamente específica (quase
100%), e pode detectar níveis muito baixos de parasitas, útil quando o esfregaço é negativo, e é
espécie-específica. Porém, pela inacessibilidade técnica, permanece como instrumento de pesquisa.
28

Métodos sorológicos como o ELISA e a imunofluorescência indireta não têm papel no


diagnóstico da Malária aguda. Recentes avanços nos testes para diagnóstico são a PCR real-time,
extração de DNA, a coloração com Acridina laranja e a citometria de fluxo.

4. TRATAMENTO
Os medicamentos antimaláricos são disponibilizados gratuitamente em unidades do Sistema
Único de Saúde (SUS) em todo o território nacional. O tratamento da malária busca alcançar o
parasito em pontos chave de seu ciclo evolutivo, objetivando: interromper a fase sanguínea
responsável pela patogenia e pelas manifestações clínicas da doença; destruir as formas latentes do
parasito no fígado; interromper a transmissão do parasito com drogas que impeçam o
desenvolvimento das formas sexuadas (gametócitos). Para que isso seja possível, são utilizados vários
medicamentos, que agem de forma específica, para impedir o desenvolvimento do parasito no
indivíduo.

Para decidir qual medicamento utilizar no tratamento, deve-se levar em consideração a espécie
de plasmódio infectante; a idade do paciente; a história de infecção anterior; as condições associadas,
como gravidez e problemas de saúde; a gravidade da doença e necessidade de hospitalização.

• Esquema curto de tratamento para malária: Cloroquina em 3 dias + Primaquina em 7 dias


• Esquema longo de tratamento para malária: Cloroquina em 3 dias + Primaquina em 14 dias

É importante ressaltar que existem especificidades para o tratamento de crianças, gravidas e


idosos que são elucidadas no Guia Prático da Malária disponibilizado pelo Ministério de Saúde.

5. PROFILAXIA
Também não existe vacina contra malária, dessa maneira, as medidas de proteção que devem
ser adotadas são o uso de mosqueteiros, roupas que protejam braços e pernas, telas em portas de
janelas e uso de repelentes. Ainda também é possível realizar medidas de forma coletiva contra essa
doença como a borrifação de inseticidas intradomiciliar, drenagem, pequenas obras de saneamento
para eliminação de criadouros do vetor, aterro, limpeza das margens dos criadouros, modificação do
fluxo de água e o uso racional da terra.
Hanseníase
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Hanseníase

1. FISIOPATOLOGIA
A Hanseníase é uma doença crônica e infecciosa transmissível, cujo agente etiológico é o
Mycobacterium leprae, o qual é um parasita intracelular Bacilo Álcool-Ácido Resistente (BAAR).
Essa patologia apresenta uma alta infectividade, ou seja, possui capacidade de infectar um elevado
número de pessoas, além de ter baixa patogenicidade, o que significa que poucas pessoas adoecem,
existindo, assim, estimativas de que 90% da população possua defesa natural que garanta imunidade
contra o M.leprae, além de ser comprovado a existência de uma suscetibilidade genética a essa
doença.

O ser humano é reconhecido como a única fonte de infecção dessa enfermidade e a


transmissão dela se dá por intermédio de um indivíduo com elevada taxa de bacilos no organismo
(multibacilares - MB), sem tratamento, e que elimina o micro-organismo para o meio exterior,
contaminando ,assim, outras pessoas suscetíveis. Os enfermos com poucos bacilos, chamados de
paucibacilares (PB), não são uma fonte importante de transmissão, pois apresentam baixa carga
bacilar.

O principal meio de eliminação e mais provável via de entrada de entrada do bacilo são as
vias aéreas superiores (mucosa nasal e orofaringe), ainda mais se houver um contato próximo e
prolongado, principalmente de convivência familiar. Além disso, descobriu-se outras possibilidades,
como a transmissão por meio de insetos vetores, bem como a ingestão de carne de tatus de nove
bandas infectados. Soma-se a média de um período de incubação na média de 2 a 7 anos, com
variações mais curtas como de 7 meses, e mais longas podendo chegar a 10 anos.

A M. leprae é uma bactéria intracelular obrigatória, sem especializações locomotoras, as quais


não formam esporos, possuem um crescimento lento por volta de 14 dias, é classificada como gram-
positiva e apresenta forma de bastonete. A sua superfície é constituída por membrana celular, parede
celular de peptideoglicano e ácidos micólicos, acrescida de uma cápsula rica em glicolipídeo fenólico
1 (PGL-1)o que confere a especificidade imunológica da bactéria e garante a interação entre esse
bacilo e a célula neural, denominada Schwann.
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Quando essa bactéria entra em contato com um organismo há diversas maneiras de


suscetibilidade e respostas imunes, as quais serão aqui descritas. A forma de alta resistência à infecção
chamada de hanseníase tuberculóide, detém manifestações em relação à exacerbação da resposta
imunocelular, com limitação de lesões, em que gera granuloma bem definido e destruição completa
de bacilos. Há a forma de alta suscetibilidade denominada hanseníase virchowiana com deficiência
da resposta imunocelular, apresentando excessiva multiplicação de bacilos e disseminação da doença
para o sistema nervoso e vísceras, com acentuação e especificidade da resposta humoral. Além disso,
existe a forma instável dessa doença, conhecida como hanseníase dimorfa, a qual pode permanecer
assim ou apresentar características dos aspectos clínicos tuberculoide e virchowiana. E pacientes com
a configuração virchowiana e dimorfa possuem altas concentrações de anticorpos contra a M.leprae,
no soro, a exemplo do anti PGL-1,o que se associa à depressão da imunidade celular.

2. QUADRO CLÍNICO
As manifestações clínicas da doença estão diretamente relacionadas ao tipo de resposta ao M.
leprae:

2.1 Hanseníase indeterminada

• Característica: forma inicial; a maioria dos casos evolui espontaneamente para a cura,
porém cerca de 25% dos casos evolui para as formas polarizadas em um prazo de 3 a 5
anos.
• Sinais: lesão única de cor mais clara que a pele normal e com distúrbio da sensibilidade,
ou áreas circunscritas de pele com aspecto normal e com distúrbio de sensibilidade,
podendo ser acompanhadas de alopecia e/ou anidrose.
2.2 Hanseníase tuberculoide

• Característica: forma mais benigna e localizada que aparece em pessoas com alta
resistência ao bacilo.
• Sinais: poucas lesões (ou única), de limites bem definidos e pouco elevados, e com
ausência de sensibilidade (dormência). Ocorre comprometimento simétrico de troncos
nervosos, podendo causar dor, fraqueza e atrofia muscular. Próximos às lesões em placa,
podem ser encontrados filetes nervosos espessados. Nas lesões e/ou trajetos de nervos,
pode haver perda total da sensibilidade térmica, tátil e dolorosa, ausência de sudorese e/ou
alopecia.
32

• Forma nodular infantil: acomete crianças de 1 a 4 anos, quando há um foco multibacilar


no domicílio. É caracterizada por lesões papulosas ou nodulares, únicas ou em pequeno
número, principalmente na face.

2.3 Hanseníase dimorfa (ou borderline)

• Característica: forma intermediária, resultante de uma imunidade também intermediária,


com características clínicas e laboratoriais que podem se aproximar do polo tuberculoide
ou virchowiano.
• Sinais: maior variedade de lesões cutâneas as quais se apresentam como nódulos
eritêmato-acastanhados, em grande número e com tendência à simetria. As lesões mais
características são denominadas lesões pré-faveolares ou faveolares, sobre-elevadas ou
não, com áreas centrais deprimidas e aspecto de pele normal, com limites internos nítidos
e externos difusos. O acometimento dos nervos é mais extenso, podendo ocorrer neurites
agudas de grave prognóstico.
2.4 Hanseníase virchowiana (ou lepromatosa)

• Característica: forma grave, na qual a imunidade celular é nula e o bacilo se multiplica


com mais facilidade, levando à anestesia dos pés e mãos. Esse quadro favorece os
traumatismos e feridas, que por sua vez podem causar deformidades, atrofia muscular,
inchaço das pernas e surgimento de lesões elevadas na pele (nódulos).
• Sinais: lesões cutâneas caracterizam-se por placas infiltradas e nódulos (hansenomas), de
coloração eritêmato-acastanhada ou ferruginosa, que podem se instalar também na mucosa
oral. Podem ocorrer infiltração facial com madarose superciliar e ciliar, hansenomas nos
pavilhões auriculares, espessamento e acentuação dos sulcos cutâneos. Pode, ainda, ocorrer
acometimento da laringe, com quadro de rouquidão, e de órgãos internos (fígado, baço,
suprarrenais e testículos).
• Hanseníase histoide: predominância de hansenomas com aspecto de queloides ou
fibromas, com grande número de bacilos. Ocorre comprometimento de maior número de
troncos nervosos de forma simétrica.

2.5 Reações hansênicas

A hanseníase pode apresentar estados reacionais, que nada mais são do que períodos de
alterações imunes que se exteriorizam como manifestações inflamatórias agudas e subagudas, mais
frequentes nos casos multibacelares (MB). Essas reações podem ocorrer antes do diagnóstico da
doença, durante ou depois do tratamento com poliquimioterapia (PQT), e caracterizam-se por:
33

• Reação Tipo 1 ou reação reversa: aparecimento de novas lesões dermatológicas


(manchas ou placas), infiltração, alterações de cor e edema nas lesões antigas, com ou sem
espessamento e neurite;
• Reação Tipo 2 ou reação de eritema nodoso hansênico: é a expressão clínica mais
frequente, cujo quadro inclui nódulos subcutâneos dolorosos, acompanhados ou não de
febre, dores articulares e mal-estar generalizado, com ou sem espessamento e neurite.
Esses estados manifestam-se da seguinte forma: na hanseníase dimorfa, as lesões tornam-se
avermelhadas e os nervos, inflamados e doloridos. Já na forma virchowiana, surge o eritema nodoso
hansênico: lesões nodulares, endurecidas e dolorosas nas pernas, braços e face, acompanhadas de
febre, mal-estar, queda do estado geral e inflamação de órgãos internos.

3. DIAGNÓSTICO
3.1 Diagnóstico clínico:

O diagnóstico é essencialmente clínico e epidemiológico, realizado por meio da análise da


história e condições de vida do paciente, além do exame dermatoneurológico para identificar lesões
ou áreas de pele com alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos, com
alterações sensitivas e/ ou motoras e/ou autonômicas.

Os casos com suspeita de comprometimento neural, sem lesão cutânea (suspeita de hanseníase
neural pura), e aqueles que apresentam área com alteração sensitiva e/ou autonômica duvidosa e sem
lesão cutânea evidente deverão ser encaminhados para unidades de saúde de maior complexidade,
para que sejam submetidos novamente ao exame dermatoneurológico criterioso, à coleta de material
para exames laboratoriais (baciloscopia ou histopatologia cutânea ou de nervo periférico sensitivo),
aos exames eletrofisiológicos e/ou a outros mais complexos, para identificar comprometimento
cutâneo ou neural discreto e para diagnóstico diferencial com outras neuropatias periféricas.

Em crianças, recomenda-se utilizar o Protocolo Complementar de Investigação Diagnóstica


de Casos de Hanseníase em Menores de 15 anos. A classificação operacional do caso de hanseníase,
visando ao tratamento com PQT, é baseada no número de lesões cutâneas, de acordo com os seguintes
critérios:
• PB – casos com até 5 lesões de pele;
• MB – casos com mais de 5 lesões de pele.
34
Quadro – Classificação Operacional da Hanseníase

Fonte: BRASIL, 2019 – Guia de Vigilância em Saúde (3ª edição).

3.2 Diagnóstico laboratorial

• Exame baciloscópico – a baciloscopia de pele (esfregaço intradérmico) deve ser utilizada


como exame complementar para a classificação dos casos em PB ou MB. A baciloscopia
positiva classifica o caso como MB, independentemente do número de lesões. O resultado
negativo da baciloscopia não exclui o diagnóstico da hanseníase e também não classifica
obrigatoriamente o doente como PB.

• Exame histopatológico – indicado como apoio na elucidação diagnóstica e em pesquisas.

3.3 Diagnóstico de reações hansênicas

Os estados reacionais são a principal causa de lesões dos nervos e de incapacidades


provocadas pela hanseníase. Portanto, frente à suspeita de reação hansênica, é importante:

• Confirmar o diagnóstico de hanseníase e fazer a classificação operacional;


• Diferenciar o tipo de reação hansênica;
• E investigar fatores predisponentes (infecções, infestações, distúrbios hormonais, fatores
emocionais e outros) para início imediato do tratamento das reações, visando prevenir
precocemente essas incapacidades.
35

4. TRATAMENTO
4.1 Tratamento poliquimioterápico (PQT)

• O tratamento da hanseníase é eminentemente ambulatorial, utiliza os esquemas terapêuticos


padronizados (PQT) e está disponível nas unidades públicas de saúde definidas pelos
municípios.
• A PQT é uma associação de rifampcina, dapsona e clofazimina, na apresentação de blíster
que mata o bacilo e evita a evolução da doença, levando à cura. O bacilo morto é incapaz de
infectar outras pessoas, rompendo a cadeia epidemiológica da doença. A execução dessa
forma de tratamento se dá da seguinte maneira:
Quadro - Esquemas terapêuticos utilizados para paucibacilar (PB): 6 cartelas

Fonte: BRASIL, 2019 – Guia de Vigilância em Saúde (3ª edição).

Quadro - Esquemas terapêuticos utilizados para multibacilar (MB): 12 cartelas

Fonte: BRASIL, 2019 – Guia de Vigilância em Saúde (3ª edição)

• Para crianças com hanseníase, a dose dos medicamentos do esquema padrão (PQT) é ajustada
de acordo com a idade e o peso.

1. Crianças com peso superior a 50kg – deve-se utilizar o mesmo tratamento prescrito para
adultos.
36

2. Crianças com peso entre 30 e 50kg – deve-se utilizar as cartelas infantis (marrom/azul).

3. Crianças (ou adultos) com menos de 30kg – deve-se fazer os ajustes de dose conforme o
seguinte quadro:

• No caso de pessoas com intolerância a um dos medicamentos do esquema padrão, são


indicados esquemas substitutivos orientados por serviços de saúde de maior complexidade

4.2 Efeitos adversos


Ainda que os efeitos adversos aos medicamentos da PQT sejam pouco frequentes, estes podem
ser graves e requerem a suspensão do tratamento, com imediato encaminhamento do doente para
avaliação em unidade de maior nível de atenção, apoio de exames laboratoriais complementares e
prescrição da conduta adequada.

4.3 Efeitos colaterais:

• Dapsona: anemia hemolítica, hepatite medicamentosa, meta-hemoglobinemia, gastrite,


agranulocitose, síndrome da dapsona, eritrodermia, dermatite esfoliativa e distúrbios renais.
• Rifampicina: alteração da cor da urina, distúrbios gastrointestinais, diminuição da eficácia dos
anticoncepcionais orais, hepatotoxicidade, síndrome pseudogripal, e plaquetopenia.
• Clofazimina: pigmentação cutânea, ictiose e distúrbios gastrointestinais.

4.4 Tratamento de reações hansênicas

É imprescindível:

• Diferenciar o tipo de reação hansênica;


• Avaliar a extensão do comprometimento de nervos periféricos, órgãos e outros sistemas;
• Investigar e controlar fatores potencialmente capazes de desencadear os estados reacionais;
• Conhecer as contraindicações e os efeitos adversos dos medicamentos utilizados no
tratamento da hanseníase e em seus estados reacionais;
• Instituir, precocemente, a terapêutica medicamentosa e medidas coadjuvantes adequadas
visando à prevenção de incapacidades;
• Encaminhar os casos graves para internação hospitalar
37

O esquema a seguir resume como tratar os diversos tipos de reações e suas possíveis
evoluções:

Fonte: BRASIL, 2019 – Guia de Vigilância em Saúde (3ª edição).

4.5 Critérios de alta por cura

O encerramento da PQT deve acontecer segundo os critérios de regularidade no tratamento:


número de doses e tempo de tratamento, de acordo com cada esquema mencionado anteriormente,
sempre com avaliação neurológica simplificada, avaliação do grau de incapacidade física e orientação
para os cuidados após a alta. Situações a serem observadas:

• Condutas para pacientes irregulares – os que não completaram o tratamento preconizado


deverão ser avaliados quanto à necessidade de reinício ou possibilidade de aproveitamento
de doses anteriores, visando à finalização do tratamento dentro do prazo preconizado.
• Condutas para indicação de outro ciclo de tratamento em pacientes MB – para o doente MB
sem melhora clínica ao final das 12 doses de PQT, a indicação de um segundo ciclo de 12
doses de tratamento deverá se basear na associação de sinais de atividade da doença, mediante
exame clínico e correlação laboratorial em unidades de referência.

5. PREVENÇÃO
5.1 Vacinação BCG (bacilo de Calmette-Guërin)

Os contatos prolongados de portadores de hanseníase, independentemente da forma clínica


PB ou MB, deverão ser avaliados e vacinados seletivamente com BCG, considerando a história de
vacinação anterior, conforme descrito a seguir:

Menores de 1 (um) ano de idade:


38

• Não vacinados: administrar 1 (uma) dose de BCG;


• Comprovadamente vacinados que apresentem cicatriz vacinal: não administrar outra dose de
BCG.
• Comprovadamente vacinados que não apresentem cicatriz vacinal: administrar 1 (uma) dose
de BCG 6 (seis) meses após a última dose.

A partir de 1 (um) ano de idade:

• Sem cicatriz vacinal: administrar 1 (uma) dose;


• Vacinados com 1 (uma) dose: administrar outra dose de BCG, com intervalo mínimo de 6
(seis) meses após a dose anterior;
• Vacinados com 2 (duas) doses: não administrar outra dose de BCG.

Na incerteza de cicatriz vacinal ao exame dos contatos, recomenda-se aplicar uma dose,
independentemente da idade.
Leishmaniose
Visceral
40
Leishmaniose
Visceral

1. AGENTE ETIOLÓGICO, VETOR E FORMA DE TRANSMISSÃO


A LV é causada por protozoários do gênero Leishmania. No Brasil, a principal espécie
envolvida na transmissão é a Leishmania chagasi, a qual, para causar a infecção, precisa ser
transmitida por um vetor (o mosquito). No Brasil, duas espécies deste transmitem o agente: Lutzomya
longipalpis (principal) e L. cruzi. Logo, a transmissão ocorre pela picada dos vetores
contaminados.

2. FISIOPATOLOGIA
O ciclo da doença inicia com a contaminação do vetor ao picar um indivíduo com LV ou um
reservatório – cães, raposas e marsupiais. Com a picada, o mosquito adquire a forma amastigota do
protozoário, a qual, no intestino do inseto, transforma-se em promastigota (forma infectante e
flagelada) e, assim, pode transmiti-lo. Ao picar o ser humano, o contamina, e o protozoário parasita
macrófagos, transformando-se em amastigota. O paciente que apresentar resposta imunológica
predominantemente Th 2 não produzirá citocinas para a ativação dos macrófagos contaminados,
permitindo a multiplicação do agente no interior destes fagócitos com posterior rompimento e
disseminação. Devido ao acúmulo de macrófagos infectados no baço e fígado, o paciente apresentará
hepatoesplenomegalia e, pela hiperplasia de macrófagos na medula, pancitopenia.
41

3. QUADRO CLÍNICO E FORMAS DIAGNÓSTICAS


A infecção pela L. (L) chagasi possui um amplo espectro clínico, demonstrando um
comportamento oligossintomático em alguns casos (cursando como uma manifestação subclínica),
moderado ou grave – podendo levar os pacientes à óbito.

3.1 Infecção

Nos casos de infecção, o exame sorológico deve ser utilizado, devendo ser reforçado que
infecções inaparentes não devem ser notificadas, nem tratadas. As formas assintomáticas são aquelas
que advém de locais onde há evidência epidemiológica e imunológica para a infecção.

O diagnóstico é feito por meio:

• Da coleta de sangue para sorologia (imunofluorescência indireta/IFI ou ELISA) ou;


• Da Intradermorreação de Montenegro reativa*.

É necessário frisar que existe reação cruzada para casos de Leishmaniose Tegumentar ou em
casos de cura clínica dos pacientes.

3.2 Diagnóstico clínico

Deve ser considerado em pacientes que apresentam febre e esplenomegalia associada ou não
à hepatomegalia. Didaticamente, a doença é dividia em: período inicial, de estado e final (Tabela 1).

Tabela 1 - Quadro comparativo da evolução clínica da leishmaniose visceral

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2006.

*Intradermorreação de Montenegro – teste complementar com avaliação da hipersensibilidade tardia ao antígeno de Leishmania sp
mediada por células T. É o mais utilizado para o diagnóstico em pacientes suspeitos de Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA),
devido sua alta sensibilidade, fácil aplicação e baixo custo.
42

A fase aguda é caracterizada pela origem dos sintomas, podendo incluir febre com duração <
4 semanas, palidez cutaneomucosa e hepatoesplenomegalia (Figura 1). Geralmente, os pacientes se
apresentam ao serviço de atendimento sob uso de antimicrobianos sem resposta clínica efetiva, muitas
vezes com tosse e diarreia. Para o exame físico, é válido denotar que manobras de percussão e a
palpação do baço, com auxílio da posição lateral de Schuster*, podem evidenciar um baço com
tamanho 5 cm após o rebordo costal esquerdo. A classificação de Boyd** pode ser usada para
descrever o aumento presente do baço.

Figura 1 - Fase aguda: Pacientes com Leishmaniose Visceral (LV)

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2006.

Figura 2 - Paciente com Leishmaniose Visceral, forma oligossintomática.

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2006.

Em áreas endêmicas, as crianças podem ser mais acometidas, cursando com um quadro oligo
ou assintomático, durando até 15 dias, evoluindo para dura espontânea (Figura 2). Os quadros com
poucos sintomas podem ser confundidos com processos infecciosos mais brandos e benignos. As
alterações laboratoriais que podem ser visualizadas nesses casos são hiperglobulinemia e velocidade
de hemossedimentação alta.

O período de estado (Figura 3) cursa com febre irregular, geralmente associada com
emagrecimento cada vez mais acentuado, palidez cutaneomucosa e aumento da
hepatoesplenomegalia. Geralmente é visto como um quadro arrastado, sendo dois meses de evolução,
com um comprometimento do estado geral visualizado.

*Posição de Schuster – Decúbito lateral direito com membro inferior esquerdo flexionado, para palpação com manobra bimanual ou em
garra (Mathieu-Cardarelli);
**Classificação de Boyd – Referente ao tamanho do baço, sendo uma classificação de I (para o baço palpável abaixo do rebordo costal)
a IV (para o baço palpável abaixo do plano horizontal ao nível da cicatriz umbilical).
43

Já no período final (Figura 4), com a falha diagnóstica e terapêutica, e evolução natural da
doença cursa com febre contínua e comprometimento grave do estado geral. Com a progressão do
emagrecimento, ocorre a desnutrição, edema de membros inferiores (podendo evoluir para um quadro
de anasarca), hemorragias (manifestadas como epistaxe, gengivorragia e petéquias), icterícia e ascite.
O óbito por complicações nestes pacientes ocorre geralmente por infecções oportunistas de bactérias
(por sepse de condições advindas da otite média aguda, de piodermites, de infecções do Trato Urinário
e Respiratório) e pelo sangramento intenso (secundárias à plaquetopenia).

Figura 3 - Fase de estado: Pacientes com LV.

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2006.

Figura 4 - Fase Final: Pacientes com LV.

Fonte: Google Imagens.


44

3.3 Diagnóstico laboratorial complementar

O hemograma é uma ferramenta complementar que não irá denunciar a presença da LV,
contudo, associado ao exame clínico, possui grande valor para o médico examinador. A forma
oligossintomática não apresentará alterações laboratoriais, exceto a velocidade de
hemossedimentação aumentada e a hiperglobulinemia. Na fase aguda, o hemograma geralmente
aponta:

• Anemia, pouco expressiva, com hemoglobina acima de 9g/dl;


• Leucócitos não apontam alterações significativas, com predominância de células
linfomonocitárias;
• Plaquetas podem estar normais;
• Elevada velocidade de hemossedimentação (>50mm);
• Proteínas totais e frações possuem um discreto aumento.

Para a fase de estado, o hemograma e os exames bioquímicos apresentarão:

• Anemia;
• Trombocitopenia;
• Leucopenia com predominância acentuada de células linfomonocitárias;
• Inversão da relação albumina/globulina.
• Elevação das enzimas hepáticas (2 a 3 vezes os valores normais);
• Elevação nos valores de bilirrubinas;
• Aumento discreto dos níveis de ureia e creatinina.

3.4 Diagnóstico imunológico e parasitológico

No exame imunológico e parasitológico, saber qual a fase da doença e como escolher o


método diagnóstico para cada caso, individualizando-o, se torna essencial na conduta médica. Um
teste sorológico positivo, na presença de dados clínicos e laboratoriais, sempre irá reforças o
diagnóstico de LV. Diluições positivas de IFI são consideradas a partir de 1:80, sendo títulos 1:40
passíveis de repetição num período de 30 dias.

O diagnóstico parasitológico é considerado de certeza para os casos de LV (sensibilidade de


90-95%) e se dá pelo encontro da forma amastigota do parasita em material biológico,
preferencialmente da medula óssea, do linfonodo ou do baço. Este tipo de exame deve ser realizado
em ambiente hospitalar com condições cirúrgicas adequadas.
45

A forma oligossintomática apresentará sorologia invariavelmente reagente e


Intradermorreação de Montenegro (IDRM) pode estar positiva, numa punção aspirativa de medula
óssea, pode ou não denotar a presença do parasita, não sendo um método indicado num primeiro
momento. Para o exame na fase aguda, teremos IFI e ELISA reativos e IDRM negativa, com o exame
do aspirado de medula óssea e do baço, geralmente, apontando a presença de formas amastigotas* do
parasita.

A fase de estado terá anticorpos anti-Leishmania elevados, com IDERM negativa. Neste
período, o esfregaço de aspirado de medula óssea, baço fígado e linfonodos terá presença das formas
amastigotas do parasita.

4. TRATAMENTO
Antes do início do tratamento, a confirmação parasitológica deve ser obtida. Contudo, na
ausência deste teste, ou de um teste sorológico, ou mesmo a demora na liberação ou realização dos
testes, deve-se iniciar o tratamento. Para isso, um escore clínico de risco (Quadros 1 e 2) deve ser
feito para a tomada desta decisão.

Quadro 1 – Prognóstico pela adição de variáveis clínica e/ou laboratoriais (pacientes com menos de 2 anos)

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2019.

*Amastigota - forma arredondada, com cinetoplasto em forma de barra ou bastão na região anterior ao núcleo, flagelo curto (não visível
ao microscópio óptico) que emerge na bolsa flagelar. Esta forma pode ser encontrada no interior de células em hospedeiros infectados
bem como em cultivo axênico.
46
Quadro 2 - Prognóstico pela adição de variáveis clínicas e/ou laboratoriais (pacientes com mais de 2 anos)

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2019.

Quadro 3 - Conduta pela somatória das variáveis (para pacientes maiores ou menores que 2 anos)
Escore Clínico Conduta adequada
≥ 4 (clínico) Manejo em âmbito hospitalar.
ou
≥ 6 (clínico-laboratorial)
≤ 4 (clínico) Hospitalização é opcional.
ou
≤ 6 (clínico-laboratorial)
Fonte: Organizado pelo autor.

O tratamento engloba medidas específicas e adicionais, como hidratação, uso de antitérmicos,


antibióticos, hemoterapia e suporte nutricional. Exames complementares, como laboratoriais e
eletrocardiográficos devem ser realizados para acompanhamento e evolução do paciente, bem como
identificas possíveis toxicidades pelo uso dos medicamentos.

O uso do antimonial pentavalente a nível ambulatorial é seguro, podendo reduzir os riscos


relativos à hospitalização. Assim, como primeira escolha, deve-se optar pelo antimoniato N-metil
glucamina (Quadro 4) para o tratamento, levando em conta cada caso para o uso de anfotericina B
(também, levando em conta como primeira escolha nesses casos, a forma lipossomal). A anfotericina
B é o único tratamento para gestantes e pacientes que apresentem contraindicação ao uso dos
antimoniais (Quadro 5).
47

Quadro 4 - Tratamento de LV com antimoniato de N-metil glucamina

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2019.

As indicações para o uso de anfotericina B lipossomal incluem pacientes: menores que 1 ano,
maiores que 50 anos, escore de gravidade para tratamento hospitalar, insuficiência renal, insuficiência
hepática, insuficiência cardíaca, intervalo QT corrigido maior que 450ms, uso concomitante de
medicamentos que alteram o intervalo QT, hipersensibilidade ao antimonial pentavalente ou a outros
medicamentos utilizados para o tratamento de LV, infecção pelo HIV, comorbidades que
comprometem a imunidade, uso de medicação imunossupressora, falha terapêutica ao antimonial
pentavalente ou a outros medicamentos utilizados para o tratamento da LV e gestantes.

Quadro 5 – Tratamento de LV com Anfotericina B lipossomal

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2019.


48

Considera-se o abandono de tratamento todo os casos que não completaram 20 doses de


tratamento com antimonial pentavalente no tempo definido ou para casos que não compareceram no
serviço de saúde até 30 dias após o agendamento, para avaliação clínica. Em casos de abandono, é
necessário considerar o número de doses, o estado clínico atual e o tempo desde a última dose. Com
menos de 10 doses, independente do estado clínico, deve-se reiniciar o tratamento, no entanto, tendo
recebido 10 doses ou mais, os pacientes clinicamente curados devem permanecer em observação
constante, enquanto os pacientes que ainda se apresentem doentes devem reiniciar o tratamento.

Os critérios de cura são essencialmente clínicos, sendo o desaparecimento da febre, redução


da esplenomegalia, ocorrendo nas primeiras semanas. Ao fim do tratamento, o baço tende a apresentar
uma redução de 40% ou até mais, tendo relação seu tamanho antes da infecção. Melhoras nos
parâmetros hematológicos ocorrem a partir da 2ª semana. O ganho ponderal do paciente é perceptível,
com a volta do seu apetite e melhora no estado geral. O seguimento de observação deve ser feito ao
3º, 6º e 12º meses após o tratamento, até ser considerado curado completamente. Provas sorológicas
e parasitológicos são dispensáveis após a infecção e o tratamento adequado, sendo o surgimento de
eosinofilia ao final do tratamento um fator de bom prognóstico.

5. PREVENÇÃO
As secretarias municipais de saúde devem ter o apoio das secretarias estaduais de saúde para
organizar a rede de atenção, visando cuidar precocemente dos casos, necessitando de um aparato bem
estruturado para realizar a referência dos casos aos centros especializados, bem como assistir os casos
mais benignos de LV. Condições de transporte e tratamento são as formas que podem ser
consolidadas de maneira a permitir esse contato entre municípios, reduzindo a morbimortalidade da
doença e melhorando os serviços da Atenção Primária.

O atendimento deve ser viabilizado por meio da demanda passiva, registro e busca ativa de
casos em áreas de maior risco ou quando indicados pelos serviços de vigilância epidemiológica. O
objetivo da vigilância epidemiológica é realizar um diagnóstico precoce juntamente com um
tratamento adequado aos casos humanos, reduzir contato do vetor com hospedeiros e as fontes de
infecção por este mesmo vetor. Faz parte, também, promover ações de educação em saúde e
mobilização social, de forma a reduzir o contato com as causas da doença.

Em casos de vulnerabilidade, em que um determinado município apresenta contiguidade com


municípios transmissores de LV canina ou humana, possui fluxos migratórios nacionais ou
internacionais intensos e integra o mesmo eixo rodoviário de outros municípios com transmissão, há
a possibilidade de introdução ou circulação de fontes de Leishmania infantum chagasi. Assim, tais
áreas necessitam de um reforço na sua estrutura de vigilância epidemiológica.
49

Além disso, a vigilância precisa agir de maneira a reduzir os cães vetores da doença, reduzindo
o ciclo de replicação do parasita e mantendo as ações de educação em saúde para os cuidados com os
animais domésticos. O alerta aos serviços e a categoria médica veterinária quanto ao risco de
transmissão de LV Canina, divulgar para população informações sobre a ocorrência de LVC na região
e alertar sobre os sinais clínicos e os serviços para o diagnóstico, bem como informar sobre as medidas
preventivas para eliminação dos prováveis criadouros do vetor são funções inerentes à vigilância,
para o cuidado com a saúde do município.
Influenza
51

Influenza

1. AGENTE ETIOLÓGICO
O agente etiológico é o Myxovirus influenzae, o qual pertencente à família Ortomixiviridae,
possui RNA de hélice única e se subdivide em três tipos antigenicamente distintos: A, B e C. O vírus
tipo A é mais suscetível às variações antigênicas, e periodicamente sofre alterações em sua estrutura
genômica, o que contribui para a existência de diversos subtipos. São responsáveis pela ocorrência
da maioria das epidemias de influenza e classificados de acordo com os tipos de proteínas que se
localizam em sua superfície, chamadas de hemaglutinina (H) e neuraminidase (N). A proteína H está
associada à infecção das células do trato respiratório superior, onde o vírus se multiplica, enquanto a
proteína N facilita a saída das partículas virais do interior das células infectadas. O vírus influenza
tipo A infecta o homem, suínos, cavalos, mamíferos marinhos e aves; o tipo B infecta exclusivamente
humanos; e o tipo C, humanos e suínos. O vírus tipo B sofre menos variações antigênicas e, por isso,
está associado com epidemias mais localizadas. O vírus tipo C é antigenicamente estável, provoca
doença subclínica e não ocasiona epidemias, motivo pelo qual merece menos destaque em saúde
pública.

2. TRANSMISSÃO
A transmissão direta (pessoa a pessoa) é mais comum e ocorre por meio de gotículas,
expelidas pelo indivíduo infectado com o vírus influenza, ao falar, espirrar e tossir. Eventualmente,
pode ocorrer transmissão pelo ar, pela inalação de partículas residuais, que podem ser levadas a
distâncias maiores que 1 metro. Também há evidências de transmissão pelo modo indireto, por meio
do contato com as secreções de outros doentes. Nesse caso, as mãos são o principal veículo, ao
propiciarem a introdução de partículas virais diretamente nas mucosas oral, nasal e ocular. A
eficiência da transmissão por essas vias depende da carga viral, contaminantes por fatores ambientais,
como umidade e temperatura, e do tempo transcorrido entre a contaminação e o contato com a
superfície contaminada. A infecciosidade está relacionada com a excreção viral pelo trato respiratório
superior, porém a correlação entre a excreção viral nasofaríngea e a transmissão é incerta e pode
variar, particularmente em função do nível de imunidade preexistente.
52

3. FISIOPATOLOGIA
O reconhecimento e ataque às células do corpo humano, bem como a aglutinação de eritrócitos, são
realizados através das hemaglutininas. Em contrapartida, a liberação das novas partículas virais
formadas ocorre pela lise das células infectadas por ação das neuroaminidases. Portanto, as enzimas
hemaglutinina e neuroaminidase reconhecem resíduos de ácidos siálicos nas glicoproteínas presentes
na membrana da célula hospedeira e induzem a fusão destas glicoproteínas e incorporação do
envelope viral. A ativação proteolítica dos receptores de membrana virais é indispensável para o
espalhamento efetivo do vírus no hospedeiro infectado e é um importante determinante da
patogenicidade. Dessa forma, o vírus da influenza penetra no organismo através das mucosas do trato
respiratório ou dos olhos e dissemina-se pela corrente sanguínea alcançando as células. O RNA do
vírus pode, então, ser liberado no interior da célula e, posteriormente, ser internalizado no núcleo
celular. Assim, o vírion metaboliza o material celular e se multiplica, atacando outras células e
enviando sinais e sintomas da gripe.
Figura 5 - Relação do vírus influenza com a célula humana

Fonte: Modificado de Lawer W. G. et al, 1999.

4. QUADRO CLÍNICO
A influenza sazonal, classicamente, tem o quadro clínico de início abrupto, com características
sintomáticas de Síndrome Gripal (SG), como febre, acompanhada de tosse seca, dor de garganta,
53

cefaleia, mialgia e prostração. Geralmente, tem resolução espontânea em 7 dias, ainda que possa
haver persistência de alguns sintomas, como a febre, mal-estar e fadiga. Em alguns casos,
principalmente em pessoas com fatores de risco, o quadro clínico pode evoluir para Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SRAG).

Figura 6 - Sintomas de Síndrome Gripal

Febre

Prostração Tosse seca


SG

Mialgia Dor de
garganta
Cefaleia

As complicações são possíveis, especialmente em indivíduos idosos, pacientes com doenças


crônicas e em crianças menores de 2 anos. Dentre essas complicações, as mais comuns são:
pneumonia bacteriana e viral por outros agentes; pneumonia primária por influenza (principalmente
em pacientes com doenças cardiovasculares ou em mulheres grávidas); sinusite; otite; desidratação
e, até mesmo, piora das doenças crônicas de base.

5. PRINCIPAIS FORMAS DIAGNÓSTICAS


O diagnóstico clínico inicial da doença é descrito como SG e vai depender da investigação
clínica-epidemiológica e do exame físico do paciente.

Quanto ao diagnóstico laboratorial, é preferencialmente utilizado a Secreção da Nasofaringe


(SNF) como amostra clínica. Levando em conta a sazonalidade da influenza, o período de coleta deve
ser entre o 3º e 7º dia após início dos sintomas. Em casos de SRAG hospitalizados, óbito por SRAG
e casos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a coleta deve ser feita independente do dia de início
dos sintomas.

As amostras coletadas são processadas por biologia molecular, através da técnica de Reação
em Cadeia da Polimerase de Transcrição Reversa (RT-PCR). Os exames iniciais são de
responsabilidade dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen).

Entretanto, sabe-se que o quadro clínico de influenza não é específico e pode ser semelhante
à clínica causada por outros vírus respiratórios que, eventualmente, circulam ao mesmo tempo, como
rinovírus; parainfluenza; vírus sincicial respiratório; adenovírus; e coronavírus. Logo, é válido
considerar esses outros agentes etiológicos como diagnóstico diferencial, por meio do diagnóstico
laboratorial de vírus respiratórios realizado pelo Lacen.
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6. TRATAMENTO
Realizar o tratamento com o antiviral precocemente ajuda a reduzir a duração dos sintomas
da SG causada pela influenza. Para tanto, os antivirais de escolha são fosfato de oseltamivir
(Tamiflu®) e zanamivir (Relenza®). A indicação entre os dois medicamentos varia com a
especificidade dos casos. O zanamivir somente está indicado em casos de intolerância gastrointestinal
grave, resistência ou alergia ao oseltamivir, sendo também contraindicado para menos de 5 anos e
para todo paciente com doença respiratória crônica, devido ao risco de causar broncoespasmo severo.

7. PREVENÇÃO
A prevenção é feita principalmente pela imunização por meio da vacina influenza trivalente
(fragmentada, inativada). A imunização da população é importante porque a doença pode levar a
complicações como a pneumonia, podendo ser causada pelo próprio vírus ou por infecção bacteriana.
Além disso, a proposta da vacinação é de evitar ou diminuir o número de internações e mortes
substancialmente, não só pela infecção primária, mas também as infecções secundárias. Vale destacar
que os vírus influenza, sofrem muitas mutações de um ano para o outro. Essas alterações são
suficientes para que o sistema imune não reconheça mais as primeiras cepas virais, deixando a pessoa
mais suscetível à doença. Por isso, novas vacinas precisam ser produzidas anualmente e a composição
delas é definida pela Organização Mundial de Saúde. Além disso, a limpeza e desinfecção de
superfícies com água e sabão, solução de hipoclorito de sódio ou álcool 70% também é muito eficaz.
O uso de EPI adequado pelos profissionais da saúde é fundamental para conter a transmissão da
doença.
Outras medidas de prevenção são:
• Frequente higienização das mãos, principalmente antes de consumir algum alimento;
• Utilizar lenço descartável para higiene nasal;
• Cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir;
• Higienizar as mãos após tossir ou espirrar. No caso de não haver água e sabão, usar
álcool gel;
• Evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca;
• Não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas;
• Manter os ambientes bem ventilados;
• Evitar contato próximo a pessoas que apresentem sinais ou sintomas de influenza;
• Evitar sair de casa em período de transmissão da doença;
• Evitar aglomerações e ambientes fechados (procurar manter os ambientes ventilados);
• Adotar hábitos saudáveis, como alimentação balanceada e ingestão de líquidos;
• Orientar o afastamento temporário do trabalho, escola, entre outros, até 24 horas após
cessar a febre.
Sífilis
56

Sífilis

1. AGENTE ETIOLÓGICO
O T. pallidum é uma bactéria procariótica e gram negativa de alta patogenicidade. É um micro-
organismo espiralado de 5 a 20µ de comprimento e de 0,1 a 0,2µ de espessura, contendo de quatro a
catorze espiras. O Treponema pallidum, bem como os outros treponemas patogênicos, não é
cultivado em ambientes artificiais.

2. FORMAS DE TRANSMISSÃO
A transmissão da sífilis ocorre por contato direto com lesões abertas, transmissão sexual, ou
por transfusões de sangue contaminado na sífilis adquirida e por via transplacentária na sífilis
congênita.

3. QUADRO CLÍNICO

3.1 Sífilis primária

O tempo de incubação é de dez a 90 dias (média de três semanas). A primeira manifestação é


caracterizada por uma úlcera rica em treponemas, geralmente única e indolor, com borda bem
definida e regular, base endurecida e fundo limpo, que ocorre no local de entrada da bactéria (pênis,
vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outros locais do tegumento), sendo denominada “cancro
duro”. Sua duração pode variar muito, em geral de três a oito semanas, e seu desaparecimento
independe de tratamento.

3.2 Sífilis secundária

Ocorre em média entre seis semanas a seis meses após a cicatrização do cancro. As
manifestações são muito variáveis, mas tendem a seguir uma cronologia própria. As lesões são
constituídas por pápulas palmo-plantares, placas mucosas, poliadenopatia generalizada, alopecia em
clareira, madarose e condilomas planos. As lesões dessa fase desaparecem independentemente de
tratamento.
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3.3 Sífilis latente

Período em que não se observa nenhum sintoma. O diagnóstico se faz exclusivamente por
teste treponêmico e não treponêmico. É dividida em latente recente (até um ano de infecção) e latente
tardia (mais de um ano de infecção).

3.4 Sífilis terciária

As manifestações surgem em um período médio entre 3 a 12 anos -ou mais- após o contagio.
É comum o acometimento do sistema nervoso e do sistema cardiovascular. Além disso, verifica-se a
formação de gomas sifilíticas (tumorações com tendência a liquefação) na pele, mucosas, ossos ou
qualquer tecido. As lesões podem causar desfiguração, incapacidade e até morte.

3.5 Período toxêmico

Apresenta quadro clinico variável. Manifestações como febre, icterícia,


hepatoesplenomegalia, linfadenopatia generalizada, anemia, podem ser notadas separadas ou
simultaneamente.

3.6 Remissão

A remissão espontânea é improvável. Já com o tratamento adequado, os sintomas sofrem


remissão em poucos dias. Entretanto, as lesões tardias já instaladas não serão revertidas com a
antibioticoterapia.

4. DIAGNÓSTICO
Os testes utilizados para o diagnóstico de sífilis são divididos em duas categorias:
• Exame direto: teste onde se realiza a pesquisa ou detecção do T. pallidum em amostras
coletadas diretamente das lesões. Os testes podem ser:
✓ Exame em campo escuro: a pesquisa pode ser feita em lesões primárias e
secundárias da sífilis, em adultos ou em crianças. O material deve ser analisado
imediatamente após a coleta da amostra, sendo levado ao microscópio com
condensador de campo escuro, o que permite a visualização de treponemas
móveis.
✓ Pesquisa direta com material corado: apresenta sensibilidade inferior à
microscopia de campo escuro. A amostra para esse exame deve ser coletada da
mesma maneira que a amostra para o exame direto a fresco.
• Testes imunológicos: tipos de teste mais utilizados, eles realizam pesquisa de anticorpos em
amostras de sangue total, soro ou plasma. Dividem-se em duas classes:
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✓ Treponêmicos: detectam anticorpos específicos produzidos contra os


antígenos de T. pallidum. São os primeiros a se tornarem reagentes, podendo
ser utilizados como primeiro teste ou teste complementar.
✓ Não treponêmicos: detectam anticorpos anticardiolipina não específicos para
os antígenos do T. pallidum. Permitem a análise qualitativa e quantitativa.

TESTES IMUNOLÓGICOS
Classe Exemplos

Treponêmicos FTA-Abs
ELISA/EQL/CMIA
TPHA/TPPA/MHA-TP
Teste Rápido (TR)
Não treponêmicos VDRL
RPR
TRUST
USR

5. TRATAMENTO

O esquema terapêutico é feito com penicilina benzatina e depende do estágio clínico da


sífilis:

• Sífilis primária, secundária e latente recente (com menos de um ano de evolução) → Penicilina
G benzatina 2,4 milhões UI, IM, dose única (1,2 milhão UI em cada glúteo).
• Sífilis latente tardia (com mais de um ano de evolução) ou latente com duração ignorada e
sífilis terciária → Penicilina G benzatina 2,4 milhões UI, IM, semanal, por 3 semanas. Dose
total: 7,2 milhões UI, IM.
• Sífilis em gestantes → deve ser iniciado o mais rápido possível seguindo os estágios
clínicos.

6. PREVENÇÃO
• Orientações e ações direcionadas na atenção básica
• Uso de preservativos feminino ou masculino → Sexo vaginal, oral e anal
• Todos os parceiros devem ser testados
• Sífilis congênita → Pré natal → Teste em três momentos → 1º e 3º trimestre, parto e casos de
abortamento.
Sarampo
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Sarampo

1. AGENTE ETIOLÓGICO
O agente etiológico do sarampo possui apenas um sorotipo, o vírus de RNA pertencente ao
gênero Morbillivirus, da família Paramyxoviridae.

2. TRANSMISSÃO
A transmissão ocorre pelo contato direto com aerossóis infectados por meio de secreções
nasofaríngeas, advindas da tosse, espirro ou fala. O período de incubação varia de 7 a 21 dias, desde
a data de exposição até o aparecimento do exantema. No entanto, a infecção clássica costuma
apresentar incubação de 8 a 12 dias. Em contrapartida, o período de transmissibilidade inicia-se 6
dias antes do exantema e permanece até 4 dias após seu aparecimento. Ressalte-se que o período de
maior transmissibilidade ocorre 2 dias antes e 2 dias após o início do exantema.

3. FISIOPATOLOGIA
O vírus do sarampo entra no organismo pelo trato respiratório superior, inferior ou conjuntivo,
e em seguida migra para os linfonodos regionais, onde se replica e se dissemina na via linfática, até
chegar à corrente sanguínea, marcando a primeira viremia. Aproximadamente no quinto dia de
infecção inicia-se a viremia secundária, em que há a replicação do vírus para as superfícies mucosas
e epiteliais, e a patologia se manifesta após um período de incubação de em média 10 a 12 dias. O
vírus do sarampo infecta os linfócitos TCD4+, e assim gera uma imunodepressão na resposta Th1.

Em uma infecção primária aguda de sarampo, os anticorpos IgM, IgG e IgA são produzidos.
As concentrações séricas de anticorpo IgM atingem o pico 7-10 dias após o início do exantema e
podem persistir por mais de 1 mês. A produção transiente de IgA sérica e secretória também acontece.
As concentrações de anticorpo IgG sérico atingem o pico dentro de 4 semanas e subsequentemente
declinam, porém persistem por toda a vida.
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4. QUADRO CLÍNICO
Os principais sintomas são febre alta (acima de 38,5 ºC), exantema, tosse seca, conjuntivite
não purulenta, coriza, fotofobia e manchas de Koplik (pequenos pontos brancos na mucosa bucal, na
altura do terceiro molar, antecedendo o aparecimento do exantema). O exantema é patognomônico
da doença, caracterizado por ser maculopapular, de cor avermelhada, mobiliforme e de sentido céfalo-
caudal que surge na região retro-auricular e face.

A evolução sintomática possui três períodos:

• Período prodrômico: tem duração de 6 dias. Primariamente, surge febre acompanhada de


tosse, corrimento seromucoso no nariz, conjuntivite e fotofobia. Nas últimas 24 horas de tal
etapa, surgem as manchas de Koplik, características da infecção do sarampo.
• Período exantemático: ocorre a acentuação de todos os sintomas supracitados, além do
surgimento do exantema maculopap0ular na região retro-auricular e face. De 2 a 3 dias depois,
estende-se ao tronco e extremidades, persistindo por 5 a 6 dias.
• Período de convalescença: as manchas tornam-se escurecidas e surge uma descamação fina,
nomeada furfurácea, que lembra farinha.

Se a febre persistir por mais de três dias após o aparecimento do exantema, há indício de
complicações; as complicações são mais frequentes em crianças menores de 5 anos, pessoas em
situação de imunocomprometimento, gestantes, pessoas desnutridas ou com deficiência de vitamina
A. Dentre as complicações, as mais comuns são a otite média, diarreia, laringotraqueobronquite e
pneumonia, ao passo que as raras são a encefalite e a panencefalite esclerosante subaguda, que pode
ocorrer anos após a infecção.
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5. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico do sarampo apresenta abordagens clínicas, epidemiológicas e laboratoriais. É
considerado caso suspeito de sarampo todo paciente que apresentar exantema maculopapular e febre,
acompanhados de um ou mais dos seguintes sintomas: tosse, coriza e/ou conjuntivite. No que tange
ao diagnóstico laboratorial, o mais utilizado é o ensaio imunoenzimático (ELISA), para a detecção
de anticorpos IgG e IgM, sendo os anticorpos IgM os que estão presentes na corrente sanguínea na
fase aguda da doença. Ademais, o vírus pode ser identificado também por meio da técnica de RT-
PCR, além da prática do isolamento viral, importante para elucidar o padrão genético do vírus
circulante no país.

6. TRATAMENTO
Não há tratamento específico para o sarampo. Por se tratar de uma doença viral, antibióticos
são contraindicados, exceto se houver infecções secundárias, como a pneumonia. Antitérmicos são
indicados para controle da temperatura e recomenda-se a administração de palmitato de retinol
(vitamina A) em todas as crianças consideradas como caso suspeito de sarampo, para redução da
mortalidade e prevenção de complicações pela doença.

7. PREVENÇÃO
A única forma eficaz de prevenção contra o sarampo é a vacinação. O brasil possui um
Calendário Nacional de Vacinação, onde são elucidados os esquemas vacinais que devem ser
cumpridos.

Aos 12 meses, a criança deve receber a primeira dose da tríplice viral (vacina que protege
contra o sarampo, a caxumba e a rubéola). Aos 15 meses, a criança deve receber como segunda dose
a vacina tetra viral (protege contra o sarampo, a caxumba, a rubéola e a varicela).

De 2 a 29 anos, caso o indivíduo não tenha recebido nenhuma dose da vacina, o paciente deve
receber duas doses, com uma diferença de no mínimo 30 dias entre elas.

De 30 a 49 anos, caso o indivíduo não tenha recebido nenhuma dose da vacina, o paciente
deve receber apenas uma dose.

Após os 49 anos de idade a vacina é mais indicada, pois considera-se que o paciente já tenha
sido exposto ao vírus e esteja imune.

Profissionais da saúde de todas as idades devem apresentar duas doses válidas da tríplice viral
documentadas.
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