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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS - GRADUAÇÃO LATU SENSO


PROJETO VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Autora: Acácia Peroni Thedim Costa

Orientador: Celso sanches

RIO DE JANEIRO
Junho / 2003
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES


PÓS - GRADUAÇÃO LATU SENSO
PROJETO VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

OBJETIVOS:

Este trabalho teve como objetivo principal buscar compreender como o lúdico, as

brincadeiras e os jogos influenciam e interferem no desenvolvimento escolar em

crianças da pré-escola, levando em consideração os aspectos: sociais, psicológicos,

físicos e cognitivos.
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AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que, durante este projeto, colaboraram de alguma

maneira. os meus pais, por toda dedicação e carinho. Aos meus

sogros, pela ajuda e apoio. E, em especial à minha nova família,

Marcus Vinícius ( meu marido) e Dimitri ( meu filho), alicerces e

companheiros de luta.
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DEDICATÓRIA

Ao meu filho Dimitri que promoveu

em mim grandes descobertas e que

se tornou uma inspiração e sentido

na minha trajetória de vida.

RESUMO
5

Esta é uma pesquisa bibliográfica, com ilustrações práticas ( anexos) e pesquisa

de campo, que busca verificar qual é “ A importância dos jogos e brincadeiras na

Educação Infantil”.

A introdução apresenta o caminho que percorri para chegar até esta monografia,

o porquê da escolha deste tema.

O primeiro capítulo busca contextualizar o percurso dos jogos e brincadeiras em

períodos históricos, buscando encontrar as influências que receberam dos diversos

povos formadores de nossa cultura.

No segundo capítulo, trata especificamente da importância das brincadeiras e

jogos na vida das crianças, mostrando em que áreas do desenvolvimento cognitivo elas

são relevantes e ainda, demonstrando, através de anexos, a forma prática com que são

exploradas em sala de aula. Apresenta também algumas sugestões de atividades, de

acordo com os objetivos a serem trabalhados. “Afinal, brincar é coisa séria!”

O terceiro capítulo faz um levantamento sobre a vida de dois grandes teóricos da

Educação : Piaget e Vygotsky, quem foram, suas teorias e qual é a função dos jogos e

brincadeiras para afirmá-las. Cita ainda outros dois teóricos não menos importantes :

Frobel e Montessori, realizando um breve histórico sobre suas vidas e obras e a sobre a

função da brincadeira para elas.

O quarto e último capítulo desta pesquisa, busca mostrar como é importante que

os pais realizem a escolha de uma escola para seus filhos em que o lúdico esteja

presente e onde as brincadeiras tenham espaço, além da importância da relação entre

professor, aluno, pais e ambiente físico para proporcionar este espaço lúdico e visa

mostrar ainda o que a falta destas brincadeiras e jogos com objetivos trabalhados na pré-

escola, podem acarretar a crianças do Ensino Fundamental.


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Na conclusão, encontram-se algumas respostas às indagações realizadas na

introdução, afirmando o quanto brincar é importante na formação de uma criança, para

sua vida presente e futura.

Nos anexos podem ser encontradas músicas infantis, capas de livros, sugestões

de atividades, fotos de crianças “trabalhando”, do espaço físico de uma escola de

educação Infantil, entre outras.

METODOLOGIA
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Esta monografia parte de um estudo bibliográfico envolvendo a

modalidade da pesquisa descritiva e em especial a observação de aluno a

respeito da educação baseada em um trabalho lúdico e recreativo.

Trata-se de observar com lócus de estudo o papel que a recreação, os

jogos e as brincadeiras exercem no ambiente escolar com crianças de 3 a 5

anos de idade em seu desenvolvimento cognitivo, social, físico e psicológico,

como forma facilitadora da aprendizagem. Também tem a finalidade de

pesquisar como se dá o, processo de atuação pedagógica com recreação e

ludicidade no primeiro ciclo do ensino fundamental, ou seja da primeira à

quarta série. A observação será feita em uma escola particular de ensino da

educação infantil.

Nesta escola, participarão do universo de amostras, cerca de

aproximadamente 30 crianças, de idades variadas, onde estarão

contextualizadas as seguintes séries: Jardim I, jardim II, Jardim III e 1º à 4º

séries.

•Serão utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa:

•Estudo bibliográfico do tema

•Registro com fotografias do espaço da escola e da família

•Registro com fotografias das crianças em atividades

•observação dos alunos

Os dados serão analisados tomando como base a observação, o

resultado das pesquisas e o referencial utilizado.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08
8

CAPÍTULO I 10

A HISTÓRIA DOS JOGOS NO CONTEXTO DA HUMANIDADE


CAPÍTULO II 21

OS JOGOS E BRINCADEIRAS E SUA IMPORTÂNCIA NA VIDA

DAS CRIANÇAS

CAPÍTULO III

34

ALGUNS PENSADORES DA EDUCAÇÃO: QUEM SÃO, SUAS TEORIA E A

IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS PARA CADA UM

CAPÍTULO IV 55

A ESCOLA, A CRIANÇA E A FAMÍLIA: UMA RELAÇÃO DE TROCAS

CONCLUSÃO 62

BIBLIOGRAFIA

65

ÍNDICE 67

ANEXOS 69

INTRODUÇÃO
9

A idéia desta monografia existe muito antes de eu ingressar na universidade e na pós -

graduação.

O papel da recreação na vida das crianças foi o tema que pesquisei para escrever

meu trabalho final, no término do curso normal – formação de professores, em 1995, no

Instituto de educação do Rio de Janeiro.

Turmas de educação Infantil, livros e trocas de experiência com companheiros

de profissão, fizeram e ainda fazem parte de meu cotidiano profissional, o que desperta

ainda mais, o interesse que tenho pelo tema.

Partindo desse pressuposto, resolvi ampliar o estudo, que agora se intitula: “ A

importância dos jogos e brincadeiras na Educação Infantil ” buscando aprofundar mais

os estudos bibliográficos e a pesquisa de campo, com o objetivo de enriquecer toda a

bagagem de conteúdo que se acumulou durante minha trajetória profissional e pessoal.

Este trabalho teve como objetivo principal buscar compreender como o lúdico,

as brincadeiras e os jogos influenciam e interferem no desenvolvimento escolar em

crianças da pré-escola, levando em consideração os aspectos sociais, psicológicos,

físicos e cognitivos.

Esta pesquisa buscou responder algumas indagações e formular alguns

conceitos:

• Lúdico, Recreação, Jogos e brincadeiras,

• O surgimento e influências dos jogos e brincadeiras na história ,

• Como os jogos e brincadeiras influenciam no desenvolvimento

psicológico e social das crianças, favorecendo a construção do

conhecimento,
10

• Como explorar as atividades recreativas e lúdicas no ambiente escolar

com o objetivo de explorar alguma área do conhecimento.

Para buscar responder essas questões e outras que foram surgindo ao longo desta

pesquisa fiz um estudo bibliográfico, buscando em alguns autores como Piaget,

Kishmoto, Vigotsky, entre outros, às respostas para minhas indagações.

Além disso, sabendo da grande importância em unir a teoria com a prática, como

ilustração e confirmação de algumas hipóteses, busquei em escolas que trabalham com

Educação Infantil observar alunos ( nos anexos constam algumas fotos e produções das

crianças observadas ) , conversei com os educadores e pais e, finalmente, através de

desenhos e frases escritas por alunos do primeiro segmento do Ensino Fundamental

constatei o quanto a brincadeira e o lúdico fazem falta a essas crianças visto que já não

é mais tão utilizado em sala, na escola devido à grande exigência do currículo.

I. A HISTÓRIA DOS JOGOS NO CONTEXTO DA


HUMANIDADE
1.1. O jogo e a história, da antigüidade aos dias de hoje.
11

Desde os primórdios da educação greco- romana, com base nas idéias de Platão
e Aristóteles, utilizava-se o brinquedo na educação. Associando a idéia de estudo ao
prazer, Platão sugeria ser, ele mesmo uma forma de brincar.
Na antigüidade, utilizavam-se dados, assim como doces e guloseimas em forma
de letras e números, para o ensino das crianças. A importância da educação sensorial
nesse período determinou, portanto, o uso do ”jogo didático” por professores das mais
diferentes áreas, como filosofia, matemática, estudo de línguas e outros ( Vial, 1981 ).
No entanto, é apenas com a ruptura do pensamento romântico que a valorização
da brincadeira ganha espaço na educação das crianças pequenas. Anteriormente, a
brincadeira era geralmente considerada como uma fuga ou recreação e a imagem social
da infância não permitia a aceitação de um comportamento infantil, espontâneo, que
pudesse significar algum valor em si.
A partir dos trabalhos de Comenius ( 1593 ) Rousseau ( 1712 ) e Pestalozzi
( 1746 ) surge um novo “sentimento da infância” que protege as crianças e que auxilia
este grupo etário a conquistar um lugar enquanto categoria social. Dá-se início à
elaboração de métodos próprios para a sua educação, seja em casa, seja em instituições
específicas para tal fim.
Na Grécia antiga, existiam os paidagogos ( condutores de crianças ) que
ficavam encarregados de guiar as crianças até a escola, onde recebiam as primeiras
letras ou de cuidar de sua educação em casa mesmo, o que anteriormente era feito pela
família.
No século XVI, quando iniciou essa transformação dos sentimentos dos adultos
com relação às crianças, tratadas anteriormente com indiferença e paparicação, a escola
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( gymnasium - local de cultivo ao corpo ) passou a ser considerada um local de grande


relevância para o desenvolvimento da criança. O filósofo francês Michel de Montaigne
( 1533- 1592 ) foi um dos vários militantes contra a paparicação. Para ele, os pais
buscavam nas crianças seus prazeres individuais, as utilizando como intreterimento
lúdico, comportamento esse que, segundo vários intelectuais da época deveria ser
extirpado em favor do reconhecimento da criança como um ser diferente do adulto, por
isso merecedora de um tratamento pautado por uma disciplina racional, ultima atitude
capaz de faz6e-la ultrapassar a infância e se tornar um adulto responsável.
Já nesta época a escola começou a se reestruturar em prol de ocupar uma função
disciplinar e instrutiva em favor da criança. Tornando-se algo parecido com o que é
hoje: um local de divisões internas para o estudo e para o lazer, regrado por
discriminação de séries a partir das diferenças de idades e do grau de dificuldade do
conteúdo do ensino etc. A teoria do “homúnculo, ”ou seja, a idéia de que a criança é
apenas um homem pequeno, começa a perder espaço. Jean Jacques Rosseau ( 1712 -
1778 ) tem um papel importante nesse processo.
No século XVIII, a idéia da criança como um ser singular já está melhor
estabelecida. O filósofo genebriano J. J. Rosseau investe no estudo para comprovar a
importância da infância na vida do ser humano, é dele a afirmação de que a criança não
é um adulto em miniatura, e que é na infância que estamos de posse do melhor de nós,
onde ainda não estamos contaminados pela coerção social e principalmente, onde
estamos com os corações puros e abertos ao cultivo de sementes boas para gera-se
frutos melhores.
Tanto para Montaigne quanto para Rosseau, a infância é uma época especial
cada ser humano, não devendo sofrer interferências desastrosas. A escola reorganiza-se
para ser então, “o mundo da criança “que não pode abalar-se pelo “mundo de fora”.
Assim, conforme nos relata Kishimoto ( 1998 ): As influências das idéias de
Rosseau naFrança, permitiu que se criasse inúmeros brinquedos
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educativos .Brinquedos esses criados primeiramente para serem trabalhados com


deficientes mas que depois foram utilizados por crianças normais.
Em seguida, sob a influência do pensamento e da filosofia de suas épocas, cada
um a sua maneira, os pedagogos Friederich Frobel ( 1782 - 1852 ), Maria Montessori (
1870 - 1909 ) e Ovide Decroly ( 1971 - 1952 ) elaboraram pesquisas à respeito das
crianças pequenas, ligando à educação grande contribuição sobre seu desenvolvimento.
Esse foram os primeiros pedagogos da educação pré escolar, atualmente chamada de
educação - infantil, a romper a educação verbal e tradicional de sua época. Propuseram
uma educação sensorial, baseada na utilização de jogos e materiais didáticos, que
deveria traduzir por si a crença em uma educação natural de instintos infantis.
Froebel, Montessori e Decroly, contribuíram, e muito, para a superação de uma
concepção tradicional de ensino, abrindo espaço para que as crianças passassem a ser
respeitadas e compreendidas enquanto seres ativos.
Pode-se afirmar então, que os ;”pais “da valorização da criança e transformação
da escola como recurso principal no desenvolvimento infantil (cognitivo, social,
psicológico), além de pensar nos jogos, nas brincadeiras e no lúdico como ferramentas
de aprendizado dentro do contexto escolar, são: Montaigne, Rosseau, Froebel,
Montessori, Decroly. É importante ressaltar que inúmeros outros pensadores e
estudiosos fazem parte dessa rede de estudo e que alguns serão ainda abordados neste
trabalho.
No contexto do estudo e pesquisa do surgimento histórico dos jogos em caráter
mundial pode-se compreender basicamente como deram-se os fatos, ou seja, como foi a
jornada de desenvolvimento desse tema, resta-nos saber como os jogos e brincadeiras
chegaram no Brasil.

1.2.Os jogos e as brincadeiras no Brasil.


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“Não reclamava grande descortino de inteligência a previsão


de que o folclore brasileiro havia de ser uma resultante
dos folclores das raças colonizadoras com modificações e
adições do povo que deles proveio. No entanto, é
dificílimo, no produto atual, discriminar, hoje a
contribuição de cada um dos fatores étnicos. A adaptação
ao novo meio, já pelo conflito e congraçamento das
diversas raças, já pela fusão hereditária de suas
tendências no sentido e forma primitiva dos contos
populares, dando-lhes colorido local e atual.”

(Rodrigues, Nina, 1962 p.183)

Considerado como parte da cultura popular, o jogo tradicional infantil guarda a


produção espiritual de um povo em certo período da história, através de uma cultura não
oficial, desenvolvida pela oralidade. Isto permite que esteja em constante
transformação, incorporando criações anônimas das gerações que se sucedem.
Como bem afirma Kishimoto(1993):“ Por ser elemento folclórico, o jogo
tradicional infantil assume características de anonimato, tradicionalidade, transmissão
oral,, conservação, mudança universalidade.”(p.15)
A origem desses jogos não se conhece bem. Sabe-se apenas que são
provenientes de práticas abandonadas por adultos, de trechos de romances, poesias,
rituais religiosos e mitos.
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Kishimoto(1993), diz ainda à respeito da tradicionalidade dos jogos infantis:


“ A tradicionalidade e universalidade dos jogos assenta-se no fato de que povos
distintos e antigos como os da Grécia e Oriente brincaram de Amarelinha, de empinar
papagaios, jogar pedrinhas, e até hoje as crianças o fazem quase da mesma forma. Esses
jogos foram transmitidos de geração em geração através de conhecimentos empíricos e
permanecem na memória infantil.” (p.15)
No entanto, tais jogos possuem grande força de expressão através da oralidade e
possuem a função de perpetuar a cultura infantil, desenvolvendo formas de convivência
social.
Livre e natural, onde a criança brinca pelo prazer da brincadeira, o jogo
tradicional infantil pertence à categoria de experiências transmitidas espontaneamente
conforme motivações internas da criança e possui um fim em si mesmo.
Para compreender a origem dos jogos tradicionais infantis e seu significado faz-
se necessário um estudo histórico, uma busca das raízes folclóricas.
No Brasil, a influência portuguesa é muito forte devido a nossa colonização.
Quando nossa sociedade estava organizando-se, há cerca de 500 anos atrás,
Portugal já tinham, no mínimo, um século de experiência de convívio com os trópicos,
na Índia e na África.
Nossa colonização foi baseada numa sociedade patriarcal, apoiada no trabalho
escravo, na união dos portugueses com as mulheres índias, numa sociedade agrária
onde, inicialmente houve uma exploração híbrida do índio e posteriormente, do negro.
Assim como com as índias, na época da escravidão negra, os portugueses
também uniam-se ( sexualmente) com as negras.
Além disso, consta em nossa história a entrada de diversos imigrantes
( italianos, espanhóis, alemães, entre outros), o que permitiu a rápida miscigenação da
população inicial.
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À respeito disso Kishimoto(1993):, afirma “ Foi graças a esse cruzamento,


estimulado pela ausência de preconceitos raciais, que no Brasil se misturaram as raças
brancas, ameríndias e africanas na formação do povo brasileiro. Posteriormente,
continuou o cruzamento com povos europeus e asiáticos, produzindo a grande
heterogeneidade da composição populacional de hoje em dia.”(p.18/19)
Devido a esta miscigenação, o folclore brasileiro é uma mistura das influências
trazidas pelas raças que por aqui passaram.

1.2.1. A influência portuguesa.

Versos, parlendas, adivinhas foram trazidas ao Brasil por nossos colonizadores.


Alguns personagens que, até hoje fazem parte da infância brasileira, tais como a cuca, o
bicho-papão, a mula-sem-cabeça, são herança trazidas pelos portugueses.
As lendas das cucas, papões e bruxas foram divulgadas pelas avós portuguesas
aos seus netos e pelas negras e amas aos sinhozinhos e acompanharam as infâncias de
nosso país, além de penetrarem em nossos jogos, em nossas vidas.
Ainda falando sobre a influência portuguesa em nossos jogos, alguns, como os
de bater palmas, são popularmente conhecidos e cantados atualmente. Tal tipo de
brincadeira pode ser exemplificada como a “Fiorito”, encontrada por Magalhães (1909):

“ Fiorito que bate bate,


Fiorito que já bateu,
Quem gosta de mim é ela.
Quem gosta dela sou eu.”(p.143)

Segundo a autora, Fiorito aparece em alguns álbuns de anúncios portugueses no


início do século.
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No Brasil, o Fiorito foi substituído por pirulito e, tal brincadeira é vivenciada


pela maioria das crianças pré-escolares.
Além disso, grande parte dos jogos popularizados no mundo inteiro como
Amarelinha, bolinhas de gude, jogos de botão, jogo de pião, entre outros, chegou ao
nosso país por intermédio dos primeiros portugueses.

1.2.2. A influência negra.

Os negros primitivos misturaram-se ao cotidiano do Brasil no período colonial,


nos engenhos de açúcar, nas plantações, nas minas, nos trabalhos das cidades do litoral
e isto dificultou a separação do que é específico da população africana e suas
adaptações.
Nosso país possui uma profunda influência dos negros em todos os setores da
vida, seja ele econômico, cultural ou social.
Não existe precisão da data de chegada dos primeiros escravos ao Brasil devido
à falta de documentação mas sabemos que, durante os séculos XVI,XVII e XVIII, os
negros africanos entraram no Brasil para substituir o trabalho dos índios. Tal
escravização foi facilitada pois estava referendada por leis portuguesas. Também,
devido à falta de documentos, que após a extinção da escravidão foram destruídos
baseados em um movimento romântico que pretendia eliminar essa “mancha” na
história do Brasil, não sabe-se com precisão o número de africanos que entraram aqui.
Ramos (1956), afirma a cerca disto: “ Muitos afirmam ter oscilado entre 4 milhões a 15 ou 18
milhões. Os mais ponderados afirmam não ter ultrapassado os 5 milhões.”(p.14)
Segundo Câmara Cascudo é muito difícil a tarefa de detectar jogos e
brincadeiras africanas devido ao desconhecimento dos brinquedos dos negros anteriores
ao séc. XIX. Com centenas de anos de convivências com os europeus, a criança africana
sofreu forte influência de Paris e Londres e, além disso, existem brinquedos e
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brincadeiras universais em qualquer cultura e situação social como as bolas, danças de


roda, corridas, entre outras.
A grande questão colocada pelo folclorista é saber se as crianças africanas do
séc XVI, que foram trazidas ao Brasil junto com seus pis escravizados, tiveram
ambiente para repetir as brincadeiras típicas do continente negro ou tiveram que aceitar
e adotar as brincadeiras locais.
Sabe-se que a cultura infantil é veiculada pela oralidade de forma bem livre e, as
crianças chegadas aos Brasil na época da escravidão talvez tenham encontrado
dificuldade em difundir suas brincadeiras e jogos puramente verbais pois consta que,
nos primeiros tempos usava-se misturar negros de diferentes localidades e línguas para
impedir rebeliões.
No entender de Cascudo (1958):
“ A criança africana aceitava depressa a lúdica que o ambiente lhe permitia. Servia-se do material mais
próximo e brincava, talvez conservando a técnica africana ou adotando a local. Mas, é na literatura oral
que deixava a sua marca.
A mãe- preta jamais deixava de transmitir às crianças as estórias de sua terra, os contos, as lendas, os
mitos, os deuses e animais encantados.
Essa cultura oral evoluiu, aglutinou-se com outros elementos, mas permaneceu deixando o traço
marcante do africano.” (p.53)
A economia de nosso país concentrava-se, naquela época, nos engenhos de
açúcar.
Compreender a infância desta época requer uma análise da estrutura familiar que
era patriarcal, do sistema educacional e do modo de vida na casa-grande.
A constituição da família brasileira origina-se nas práticas portuguesas. A
mulher e ama possui um papel secundário, de pouca importância. Ela encontrava-se
afastada do convívio da sociedade e sobrava-lhe a companhia das escravas e dos filhos.
Sua única função era tocar piano, administrar escravas, bordar e cuidar dos filhos. Nem
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mesmo a amamentação destes era seu papel e sim das escravas, as chamadas “amas de
leite”. A mãe brasileira anulava-se a ponto de abdicar de seu papel de orientadora e
tornando a relação mãe e filho extremamente permissiva.
A mortalidade infantil, naquela época era muito grande devido à falta de
higiene, aos primitivos cuidados médicos.
A infância brasileira era repleta de problemas sociais e, já no séc.XIX, ainda
continuava distante do fenômeno ocorrido na Europa: a descoberta dela. Naquela época,
no Brasil, perder um filho não parecia um grande problema e isto era reafirmado pela
religião que considerava que as crianças eram anjos e por isso iam para o céu.
A ama negra que dava de mamar ao menino branco, que o embalava no berço e
lhe contava histórias, a cozinheira negra, as mucamas de feitiço e os moleques negros
faziam parte das relações sociais dos filhos dos senhores de engenho na infância.
O fato de ser designado um ou mais moleques negros ( filhos de escravos negros
e de idade aproximada) para ficar à disposição do sinhozinho como companheiro de
brincadeiras facilitou uma reprodução, em menor escala, das relações de dominação no
sistema de escravidão.
Os moleques negros, nas brincadeiras eram sempre os que apanhavam. O melhor
brinquedo dos meninos de engenho era montar a cavala, em carneiros mas, na falta
desses animais, eles usavam os próprios moleques.
Apesar disso, por viverem soltos, em companhia dos moleques, também
nadavam em rios, nas represas, matavam passarinhos e faziam todos os tipos de
travessuras típicas da idade e eram acobertados pelos moleques negros. As traquinagens
aumentavam e, apesar da relação de dominador e dominado havia também uma certa
cumplicidade entre essas crianças.
Um comentário muito interessante à respeito, feito pelo Pe. Lopes Gama,
registrado por Freyre ( 1963), faz-se aqui necessário: “Não compreendo que deixem os
meninos de família viver pelos telhados como gatos e pelas ruas empinando papagaios, jogando a
pedrada e o pião com a rapaziada mais porca e brejeira.”(p.411)
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Consolida-se então, a influência negra nas brincadeiras e jogos da infância


brasileira.

1.2.3. A influência indígena.

O indígena trouxe incontáveis contribuições de grande valor para o nosso


folclore. Kishimoto(1993), muito bem explica tais contribuições:

“ A mulher indígena é, não só a base física da família brasileira, aquela em quem se apoia, robustece e
multiplica o reduzido número de povoados europeus, mas um valioso elemento da cultura, na formação
brasileira. Por seu intermédio, enriqueceu-se a vida no Brasil com uma série de alimentos que compõe
ainda hoje a culinária brasileira, como o uso de drogas e remédios caseiros, tradições ligadas ao
desenvolvimento da criança, utensílios de cozinha e, especialmente, processos de higiene.” (p.59)

As mães faziam para seus filhos, em algumas tribos, brinquedos de barro cozido,
representando figuras de gente e animais, geralmente femininos. Parece que, na
verdade, tais figuras não representavam simples brinquedos mas elementos da
religiosidade.
No entanto, as bonecas de barro provenientes da cultura indígena não se
transferiram à cultura brasileira, onde prevaleceu a boneca de pano, possivelmente
vinda dos povos africanos.
Da tradição indígena ficou no Brasil o gosto pelos jogos e brinquedos imitando
animais. Assim diz Freyre(1963): “ O jogo do bicho, tão popular no Brasil, tem suas origens no
resíduo animista e totêmico da cultura indígena, posteriormente reforçado pela africana.”(p.14)
Sabe-se que em registros dos séculos XVI e XVII, os meninos indígenas
brincavam, logo cedo, com arcos, flechas, tacapes, propulsores, ou seja, o arsenal
guerreiro dos pais.
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O principal divertimento destas crianças era imitar os adultos, caçando pequenos


animais, tentando pescar e, tais brincadeiras não eram vistas como mero passatempo e
sim como uma tarefa educativa, um preparo para a vida adulta.
À respeito disso Kishimoto(1993), comenta:
“ Essa questão do brincar enquanto preparação para a vida adulta tem muito mais significado em
comunidades primitivas rurais onde não há separação da criança do mundo adulto e que, ao mesmo
tempo, não se insere a criança em um sistema social de divisão do trabalho” (p.62)

As crianças indígenas não eram castigadas, reprimidas e, devido a isto o


proibido quase não existia. Os encantos e descobertas podiam se transformar em
traquinagens infantis.
A educação da criança indígena era realizada da seguinte maneira: durante os
dois primeiros anos de vida, ela ficava permanentemente sob os cuidados da mãe, avó
ou irmã mais velha, descansando na faixa de algodão amarrada às costas das mesmas.
Em tal posição, ela recebe alimento e acompanha sua protetora em todos os lugares.
A vida da criança indígena transcorre sem violência, sem gritos e brigas e, por
isso elas são mais confiantes, corteses e serviçais. A vida em grupo facilita a cooperação
e a solidariedade. Brincando, elas aprendem diversas atividades do cotidiano.
O pai ou avô, talham, para os meninos a partir dos 2 ou 3 anos, um arco com
flechas. Com um arsenal inofensivo, o menino inicia seu treinamento.
As meninas, desde muito pequenas, auxiliam suas mães, cuidando dos irmãos e
auxiliando nas tarefas destinadas à mulher.
Existe entre os indígenas, a prática de parar as atividades na final da tarde para
descansar e conversar e que, em vários locais do Brasil, principalmente em cidades do
interior, ainda é reproduzida e adotada na conversa com os vizinhos ao final do dia.
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Tornando a falar sobre as brincadeiras indígenas dos meninos Koch-Grunberg


(1976), relata:
“ O primeiro brinquedo do menino é um chocalho de cascas de frutas ou unhas de veado que se amarra
a uma boneca. Tão logo passa a engatinha, brinca no chão com pedrinhas ou pedacinhos de madeira,
cava a areia e às vezes põe na boca um punhado de areia e se diverte com um inseto amarrado num fio.
Como todas as crianças, os índios gostam de brincar com animais e insetos.” (p.135)

Os meninos também brincam de rodar pião e de matraca. Além disso, os vários


jogos envolvendo figuras de animais, sempre colocando em oposição grupos ou
elementos, envolvendo um pegador, incluem sempre a imitação dos gestos, dos
movimentos, cantos e grunhidos dos animais, originaram brincadeiras que hoje
denominamos: “A galinha e seus pintinhos”, “Macaco mandou”, entre outras.
Outro jogo também muito apreciado e inserido em nossa cultura é a peteca que,
como apontam alguns especialistas originou-se de tribos Tupis brasileiras.
Para finalizar, faz-se necessário uma observação a respeito da imagem da
criança indígena em sua sociedade.
Segundo Kishimoto(1993): “ Não se pode falar em jogos típicos
de crianças indígenas. Existem jogos indígenas e o significado de jogo é distinto de outras cultura nas
quais a criança destaca-se do mundo adulto.”(p.72)

II. OS JOGOS E BRINCADEIRAS E SUA IMPORTÂNCIA


NA VIDA DAS CRIANÇAS.

Como observa-se no capítulo anterior, os jogos e as brincadeiras trazidas por


diferentes culturas, instalaram-se no Brasil e ainda fazem parte do cotidiano de nossas
crianças.
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No Brasil, as multiplicidade de raças, de jogos e de culturas compõem um só


povo, o nosso povo. Inventamos e reinventamos toda uma estrutura social com o
decorrer do dia a dia. Estamos em processo de transformação a todo momento.
Sofremos influência de todas as áreas, inclusive a educacional. A nossa escola adotou e
adota filosofias pedagógicas vindas de todas as partes do mundo. Somos uma mistura de
conhecimentos.
Este capítulo irá tratar sobre as grandes possibilidades educativas do jogo em
crianças da pré-escola, com idade de 3 à 6 anos.
Sabe-se que a criança se desenvolve pela experiência social, nas trocas que
vivência, na relação com o meio, nas experiências sócio- históricas dos adultos e no
mundo por eles criado.
A brincadeira é uma atividade humana e faz parte da nossa sociedade e da nossa
cultura. Com o desenvolvimento da humanidade, a escola passou a ser o local onde as
crianças aprenderiam e se divertiriam, como foi dito no capítulo anterior., sendo assim,
como criança e brincadeira não se separam, a escola passou a ser um local onde o
brincar estaria sempre presente, onde o lúdico, a imaginação, a fantasia estariam
inserida dentro de cada coração infantil..
A possibilidade de que o jogo e as brincadeiras sejam, de um modo geral, um
mero passatempo, uma distração sem importância, um divertimento sem conseqüência,
há muito tempo já foi descartada por teóricos da educação e de diversas áreas. Acredita-
se que brincando ou jogando, a criança manipula a realidade, explora, modifica, cria e
recria, interpreta e, nesse processo, desenvolve suas estruturas mentais, progride
socialmente, realiza experiências de conteúdo emocional, além de colocar em ação as
habilidades físicas já desenvolvidas e poder exercitá-las ainda mais.
Aos educadores, cabe então a grande tarefa de oferecer condições para que este
trabalho se realize numa atmosfera de brinquedo, de prazer, de alegria, providenciando
e dispondo de vários materiais simples e, gradualmente aumentando as dificuldades,
promovendo aos alunos sempre novos desafios.
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É fator fundamental e cabe aqui afirmar que, no jogo, a fantasia é ponto crucial
para atingir-se o universo de uma criança. É a linguagem que ela compreende, porque
pertence ao seu universo simbólico, conforme demonstra a psicologia de autores como
Freud e Piaget. No entanto, não deve-se confundir fantasia com alienação. É
perfeitamente possível tratar de assuntos importantes para a realidade de uma criança
(ou de um outro indivíduo de idade adolescente ou adulta) através de uma linguagem de
fantasia.
No entanto, com o intuito de aprofundar o presente estudo, é de fundamental
importância conhecer a definição de alguns termos.

Brincadeira, jogos, recreação, lúdico...

Palavras tão faladas e utilizadas por educadores e por profissionais de áreas


afins. Vejamos, a seguir, a definição de cada uma delas.
De acordo com o dicionário Aurélio Buarque de Holanda(1977) entende-se
como:
“Brincadeira - ato ou efeito de brincar, entretenimento.(p.73), Jogo - atividade física ou
mental fundadas num sistema de regras que definem a perda ou ganho, passatempo.(p.280), Recreação -
divertimento, prazer.(p.405)e, finalizando, “Lúdico - relativo à jogos, brinquedos,
divertimentos.”(p.297).

Com tais definições permite-se uma visão muito simples e restrita da


importância destes conceitos no desenvolvimento de uma criança servindo apenas como
um ponto de partida para um aprofundamento a seguir.

2.1. O brincar
25

2.1.1.O que é exatamente a brincadeira infantil ?

Segundo Gisela Wajskop ( 2001 ) A brincadeira é um fato social, espaço


privilegiado de interação infantil e de constituição do sujeito da criança como sujeito
humano, produto e produtor de história e cultura.( p. 29 )
A brincadeira é uma forma de comportamento social. Como bem afirma
Brougére ( 1989 ): A brincadeira é uma mutação do sentido do sentido, da realidade:
nele, as coisas transformam-se em outras. É um espaço à margem da vida cotidiana
que obedece as regras citadas pelas circunstâncias.( 32 )
Brincar é uma atividade da realidade cotidiana das crianças e, para que elas
brinquem é suficiente, primeiramente, que não sejam impedidas de exercitar sua
imaginação. Isso ocorre com todas as crianças, independente de sua raça, religião ou
nação.
A imaginação ( que aqui podemos também chamar de fantasia ) é um
instrumento que permite que as crianças relacionem seus interesses e suas necessidades
com a realidade de um mundo que pouco conhecem, é o meio para interagir com o
universo dos adultos, que já existia quando nasceram, na qual ela deverá ser inserida.
O brincar é também o espaço onde a criança pode expressar seus desejos de um
modo simbólico, suas fantasias, medos e sentimentos agressivos.
Confirmando tais afirmações Bettelheim(1991), diz:
“ Através de uma brincadeira de uma criança podemos compreender como ela vê e
constrói o mundo. O que ela gostaria que ele fosse, quais as suas preocupações e que problemas a estão
assediando.
Pela brincadeira ela expressa o que teria dificuldades de colocar em palavras.
Nenhuma criança brinca espontaneamente só para passar o tempo.” (p.75)
26

Além disso, afirma: ”Sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas,
ansiedades. O que está acontecendo com a mente da criança determina suas atividades lúdicas.``(p.78)

Finalizando, ele define: ``Brincar é a sua linguagem secreta, que devemos respeitar mesmo se não
entendemos.``(p.79)
Quando uma criança brinca de médico, por exemplo, na maioria das vezes
reproduz a ação de médicos dos quais já foi paciente. A criança reproduz o que lhe é
típico. Outro exemplo onde pode-se ilustrar tal afirmação é o do menino índio e sua
tentativa no brincar com o arco e a flecha, como foi citado no capítulo anterior.
A brincadeira é, para as crianças, um espaço de investigação e construção de
conhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo. Na brincadeira ela age como se tivesse
uma idade maior do que a que tem na realidade, realizando simbolicamente o que mais
tarde realizará na vida real. Embora aparente faça apenas o que faz, a criança quando
brinca aprende a subordinar às regras das situações que reconstrói. Esta capacidade de
sujeição às regras, imposta pela situação imaginada, é uma das fontes de prazer no
brinquedo.

A medida em que crescem, com o desenvolvimento físico, intelectual e social, as


crianças habilitam-se, progressivamente à brincadeiras mais complexas, envolvendo
símbolos e regras sem, no entanto, eliminar ou mesmo diminuir a ocorrência dos jogos
de exercício.
Pelo contrário, basta observar as brincadeiras infantis para verificar que essa
forma de atividade se desenvolve e ganha diversidade a medida em que as crianças
crescem.
Os jogos de combinação de palavras, com o desenvolvimento da linguagem,
podem se diversificar quando as crianças tem condições de aprender e reproduzir
adivinhas para lendas, trava-línguas ,entre outros.
27

Representar conflitos e diálogos, narrar fatos do cotidiano, expressar nosso


mundo interior através de jogos e brincadeiras, utilizando uma “boa dose” de ludicidade
é uma prática muito antiga entre os seres humanos.
Porém, a arte de expressar-se na vida através de jogos e brincadeiras não é
apenas ficção, mas também um ato de reflexão e diálogo com a própria realidade,
deflagrando conflitos existenciais, sociais e afetivos.
É através desta mistura entre fantasia e realidade que a ludicidade pode ser, para
a criança ( e, muitas vezes até para adultos) um convite a transformação da vida e de si
próprio.
Para Vigotsky ( 1896 - 1934 ), a ludicidade possui uma função específica que
permite ao homem produzir novas formas de comportamento. ( 1984. P.117 ):
É portanto, na situação de brincar que as crianças se podem colocar desafios e
questões além de seu comportamento diário, levantando hipóteses na tentativa de
compreende os problemas que lhe são propostos pelas pessoas e pela realidade com a
qual interagem. Quando brincam, ao mesmo tempo que em que desenvolvem sua
imaginação, as crianças podem construir relações reais entre elas e elaborar regras de
organização e de convivência. Ao brincar as crianças uma consciência de realidade e já
vivem a possibilidade de modificá-la.
O jogo é o processo interativo que oferece à criança a troca de papéis, de tempos
e espaços. É a atividade que propicia à criança a construção de sua singularidade,
experimentando o que é diferente em si mesma. Ou seja, a atividade principal da criança
é o jogo, o seu “trabalho”, digamos.
Vigotsky também compreende o brinquedo como sendo a mediação entre o
campo da percepção (empírico) e o campo do possível (significação). Para ele é
brincando de fazer de conta que surge o espaço da inventiva, que se desenvolve a
capacidade de criar. Mais do que representar situações fantasiosas, a criança utiliza a
dramatização para vivenciar também circunstâncias que seu ambiente não lhe
28

proporciona, podendo assim experimentar novas emoções e acontecimentos. A criança


busca materializar, em ações e imagens viventes, aquilo que pensa e sente.
A brincadeira oferece uma ampla estrutura básica para alterações das
necessidades infantis e da consciência . Isto porque nela está presente a imaginação, que
lhe possibilita libertar-se dos limites espaço-t emporais. A atividade lúdica propicia que
a criança se distancie do que vive na realidade para viver algo mais, além de ajudá-la a
entender a realidade em que vive. Tal fato, amplia suas experiências e faz com que ela
se desenvolva.
A brincadeira torna possível que a criança se comporte além do usual e do
esperado para sua faixa etária, criando assim a zona de desenvolvimento proximal,
teorizada por Vigotsky que será abordado no decorrer desta pesquisa. Assim ela não
lida apenas com suas percepções imediatas, mas também com possibilidades de
significados, o que é fundamental para que seu pensamento torne-se complexo e criativo
Em Vigostky (1984.) registrou-se que : É na brincadeira que a criança se comporta
além do seu comportamento habitual de sua idade, além do seu comportamento diário.
A criança vivencia uma experiência no brinquedo como se ela fosse maior do que é na
realidade. ( p. 177 )
Brincando a criança introduz-se no campo semântico, isto é, no campo da significação
dos acontecimentos.
Ao longo de seus estudos, Vigotsky chegou a afirmar que as brincadeiras infantis eram
atividades fundamentais para o desenvolvimento da escrita.
Desta forma, ao invés de afastar as crianças da brincadeira porque “ é chegada a
hora de ler e escrever”, o professor precisa abrir espaços no cotidiano da sala de aula
para que a brincadeira e a livre expressão sempre aconteçam.
As crianças jogam com suas próprias descobertas, fantasias e vivências, assim
como, com a dos colegas. Jogando, elas experimentam o sentido coletivo da criação.
Percebem que são capazes de inovar, de imaginar a partir das experiências por ela
vividas e também das vividas por seus colegas. Sendo assim, os jogos e brincadeiras
também proporcionam o crescimento da interação com os outros sujeitos, conjugando
socialização ,convivência, prazer e conhecimento.
Podemos concluir que a brincadeira é fundamental para o desenvolvimento
cognitivo, envolvendo todas as áreas na vida de uma criança. Brincar é trabalhar a
29

imaginação. Conclui-se também que possui um “papel” de relevância no


desenvolvimento social da criança.
As formas de brincar são diversas e, através delas podemos, desde a mais tenra
idade trabalhar com as crianças conceitos lógico-matemáticos, de localização espaço-
temporal, das diversas formas de linguagem e assim por diante.
Pensando nisso, a seguir uma explanação mostrando onde e como a brincadeira
apresenta-se nas específicas áreas do conhecimento, trabalhadas na pré-escola.

2.2 Objetivos da pré escola e o papel dos jogos e brincadeiras.

De acordo com a LDB ( Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional),


n.º9.394/96, no cap. 1, Art.21:“ A educação escolar compõe-se de: I - educação básica, formada
pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. e II - educação superior.”

Ainda baseando-se na mesma lei pode-se dizer que a Educação Infantil compõe a
primeira etapa da Educação Básica e tem por finalidade o desenvolvimento integral da
criança dos 0 aos 6 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e de sua comunidade.
Ao dizer que deve-se complementar a ação da família e da sociedade fica
implícito que o brincar e o lúdico devem ser trabalhados no contexto escolar, pois sabe-
se que ambos fazem parte da realidade social do nosso país. Como discutido
anteriormente nesta monografia.
No artigo 30 desta lei encontramos a seguinte determinação à respeito da
educação Infantil:“ Art.30 - a educação Infantil será oferecida em:I- creches, ou entidades
equivalentes, para crianças de 0 à 3 anos de idade; II- pré-escolas para as crianças de 4 à 6 anos de
idade.”
30

Muito mais do que ser considerada como um “treino” para a escola, a pré-escola,
atualmente esta incluída na escolaridade e nela devem ser oferecidas atividades onde a
criança alcance os objetivos propostos na LDB, auxiliando os alunos ao
desenvolvimento de habilidades e competências, iniciando alguns conceitos que lhe
serão muito úteis para a assimilação de conteúdos importantes no Ensino Fundamental.
Devido a isto, pode-se resumir as áreas de desenvolvimento cognitivo
trabalhadas na pré-escola da seguinte maneira: Psicomotricidade ( ampla e fina ),
Linguagem ( verbal e não-verbal), Percepções (sensoriais e espaço-temporais).
Os jogos e brincadeiras, na pré-escola, servem como instrumento, meio para o
desenvolvimento dessas áreas que devem ser desenvolvidas e estimuladas nos alunos.

2.2.1 Psicomotricidade.

A chamada coordenação-motora divide-se em dois tipos: a coordenação-motora


fina e a ampla.
A coordenação-motora fina pode ser considerada como a capacidade que a
criança adquire para realizar movimentos específicos, utilizando os pequenos músculos.
Na pré-escola, tal habilidade poderá ser desenvolvida através de atividades,
propostas como brincadeiras, onde a criança necessite rasgar, torcer, picotar, recortar
papeis, colar diferentes materiais ( canudos, penas, papel, etc) em atividades de artes,
desenhar com giz-de-cera, lápis de cor, hidrocor, realizar dobraduras, modelar com
massinha e/ou argila, fazer pinturas, entre outras.
A coordenação-motora ampla pode ser considerada como a realização de
grandes movimentos com todo o corpo, envolvendo as grandes massas musculares.
Esta habilidade poderá ser desenvolvida através de jogos que exijam a
movimentação de todo o corpo e, ao mesmo tempo, uma harmonia nos deslocamentos.
31

Correr livremente, ao som de um ritmo, batendo palmas, colocando as mãos na cabeça,


marchar, saltar, pular com as duas pernas, com uma perna só, percorrer caminhos de
obstáculos são algumas das atividades que ajudam a desenvolver a coordenação motora
ampla, de um modo geral.
Além disso, tais atividades possuem como objetivo trabalhar o equilíbrio da
criança, a manutenção de seu corpo em uma mesma posição durante um tempo
determinado, estático ou dinâmico como, por exemplo, nas brincadeiras de estátua.
Na medida em que melhor o indivíduo domina seu corpo e sentimentos,
gradativamente irá conduzir-se com mais segurança no seu meio ambiente.
É através da atividade psicomotora, principalmente nos jogos e atividades
lúdicas, que a criança irá explorar o mundo que a cerca, diferenciando aspectos
espaciais, reelaborando seu espaço psíquico, suas ligações afetivas e domínio de seu
corpo.

2.2.2. As percepções.

A imagem que fazemos do mundo é bastante influenciada por nossa organização


perceptiva. A percepção da forma, o conhecimento dos objetos e do nosso ambiente são
muito valiosos, pois permite-nos agir adequadamente, dando-nos segurança e
tranqüilidade.
Para desenvolver este conhecimento, ao nascer, a criança já está preparada
visualmente para receber estímulos externos. A percepção se forma a partir dos
estímulos recebidos pelos órgãos sensoriais.
Desta maneira, divide-se em dois grupos: sensoriais ( visual, auditiva, olfativa,
gustativa e tátil) e espaciais.
A percepção sensorial consiste na aquisição de conhecimentos por meio de
impressões sensoriais do mundo exterior e do próprio corpo. Pode ser considerada como
o fenômeno de captar, distinguir, associar e interpretar as sensações.
32

A visual trata-se da percepção de objetos, pessoas, formas, cores, tamanhos e


espessuras, o que trabalha, desde a pré-escola conceitos matemáticos que serão
utilizados no Ensino Fundamental, de uma maneira concreta. Por exemplo: em uma
brincadeira, utilizando os blocos lógicos, propor que as crianças encontrem os objetos
que possuam a mesma forma geométrica ( quadrado, retângulo, circulo e triângulo ), os
mais finos ou mais grossos, e assim por diante.
A percepção auditiva trabalha a distinção através da audição de sons, ruídos,
ritmo e tonalidade. Uma brincadeira típica, onde pode-se trabalhar esta habilidade, é
propor que, de olhos vendados a criança identifique a voz de um colega de turma.
Como o próprio nome já sugere, a percepção olfativa possui como objetivo a
identificação de diferentes perfumes, odores e cheiros característicos, o que pode ser
proposto, por exemplo, ao solicitar que uma criança, de olhos vendados cheire varias
embalagens vazias de produtos de higiene ( sabonete, shampoo, perfume, etc) e
descubra qual é.
A percepção gustativa e a verificação, através do gosto, de diferentes sabores:
doce, azedo, amargo, salgado, etc. Um exemplo de atividade que promova o
desenvolvimento desta habilidade seria propor que uma criança, de olhos vendados
consiga dizer o nome da fruta que esta provando.
Finalmente, a percepção tátil promove a interpretação das sensações táteis ou
térmicas relacionadas com formas, tamanhos, textura, peso, temperatura. O professor
pode propor a brincadeira do saco surpresa, por exemplo, onde uma criança precisa,
sem olhar, adivinhar o nome do objeto que está pegando.
A partir da breve explanação acima, percebe-se que conceitos matemáticos
( altura, peso, formas geométricas, etc) e de Ciências ( os sentidos, por exemplo) são
trabalhados e desenvolvidos na pré-escola, através de brincadeiras lúdicas e , sem
duvida, facilitarão a vida escolar da criança no Ensino Fundamental.
Além da percepção sensorial, ainda são trabalhadas na pré-escola as percepções
espaço-temporal.
33

A espacial consiste no fato de perceber a dimensão relacionada a tudo o que nos


cerca, ou seja, a distinção do local, no espaço, de algo em relação à um observador. Tal
habilidade pode ser trabalhada, por exemplo numa brincadeira onde a professora
proponha que os alunos imitem posturas por ela apresentadas ou vistas em uma gravura.
Cabe lembrar que, a deficiência desta percepção, futuramente, poderá ocasionar a troca
na identificação de letras, tais como do p pelo q, ou ainda, do b pelo d, o que os
fonoaudiólogos chamam por “ espelhar ”.
Ainda falando sobre a percepção espacial, também considera-se a habilidade do
sujeito de observar a posição de um objeto ou de uma pessoa em relação à outra pessoa
ou objeto. Isto permite à criança reconhecer a seqüência de letras nas frases e palavras,
por exemplo.
Ao trabalhar esse tipo de percepção deve-se também estimular o aluno para a
constância da mesma. Isso significa que, para ter constância de percepção o aluno deve
possuir a compreensão de que um objeto possui propriedades invariáveis. Problemas
neste aspecto provocam dificuldades em reconhecer sinais gráficos, quando
apresentados de maneira diferente. Exemplo: mostrar um círculo para a criança, pedindo
para que ela aponte, na sala, outros objetos que possuam a mesma forma.
Já a percepção temporal consiste na compreensão das dimensões do tempo em
relação a acontecimentos do passado, presente e futuro. Agora, ontem, hoje, amanhã,
noite, dia, novo, velho são alguns dos vocábulos utilizados para trabalhá-la.
Para finalizar, não pode-se deixar de citar um outro tipo de percepção, antes não
mencionado, chamado percepção figura-fundo que consiste na capacidade de destacar,
de um conjunto, a figura ( que e o foco da atenção ) e que funciona como segundo
plano. Um bom exercício para exercitar a atenção e a concentração.
Tal habilidade pode ser trabalhada da seguinte forma: a professora mostra uma gravura (
uma página de um livro de histórias, por exemplo) e propõe que a criança encontre a “
flor amarela” que aparece como detalhe.
34

2.2.3. Linguagem.

A linguagem (instrumento pelo qual nos comunicamos e elaboramos textos)


pode ser dividida em duas vertentes : verbal e não-verbal.
A verbal poderá ser instrumentalizada através da escrita, a qual denominamos
linguagem verbal e escrita ( texto, por todos tão conhecido) ou da oralidade, através da
fala.
Já a não-verbal pode ser instrumentalizada através do corpo ( Linguagem
corporal), de desenhos e gravuras(Linguagem gráfica e pictórica), dos sons (
Linguagem musical), etc... Existem livros que trabalham apenas a linguagem não-verbal
como, por exemplo, “ Do outro lado da janela” de Ricardo Azevedo e “ Bate e volta” de
Arelino Guedes. Ambos são direcionados para as crianças da Educação Infantil.
Como bem afirma Orlandi (1997):“A relação do aluno com o universo simbólico não se
dá apenas por uma via - a verbal- ele opera com todas as formas de linguagem na sua forma de relação
com o mundo”.(pág. 38)
Além disso, todos os tipos de linguagens podem ser artísticos ou não. Depende
do objetivo com que forem utilizados.
Podemos exemplificar isto da seguinte forma: uma pessoa que está com a voz
rouca, acena com as mãos para chamar alguém e lhe dá um abraço é completamente
diferente de alguém fazer o mesmo representando um papel numa peça de Teatro. No
primeiro caso, a linguagem utilizada é denominada de Corporal não-artística e, no
segundo de Corporal artística.
As diferentes formas de linguagem, na pré-escola, podem ser trabalhadas de
diversas formas.
Músicas ( Anexo I ), histórias contadas oralmente, livros infantis ( Anexo II),
peças teatrais, conversas informais, histórias coletivas ( Anexo III) são algumas das
maneiras de trabalhar e desenvolver a linguagem em crianças de 4 à 6 anos de idade,
ajudando-as a tornarem-se seres críticos e criativos.
35

Atualmente, vivencia-se inúmeras situações com relação a qualidade dos


materiais oferecidos pelo mercado, tais como: livros, cds infantis, entre outros. No
entanto, faz-se necessária uma observação crítica para selecioná-los. Deve existir uma
preocupação, por parte de pais e educadores de oferecer um material que estimule a
criatividade e o pensar, afinal este material assume um papel de grande importância na
construção do cognitivo, contribuindo de forma satisfatória ou não neste processo de
contrução do conhecimento.
Além disso, as atividades de linguagem existentes na pré-escola, ajudam no
aumento do vocabulário e na formação de um futuro leitor e escritor consciente,
argumentativo e coerente.
Para exemplificar as afirmações feitas acima, a cerca dos “conteúdos”
trabalhados na pré-escola através dos jogos e brincadeiras, nada melhor do que trazer a
realidade vivenciada no cotidiano escolar através de planejamentos elaborados e
utilizados por professores de pré-escola.
Tal material foi colhido em duas escolas particulares da zona Sul do Rio de
Janeiro ( Anexo IV ).

III. ALGUNS PENSADORES DA EDUCAÇÃO: QUEM


SÃO, SUAS TEORIAS E A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E
BRINCADEIRAS PARA CADA UM.

3.1. Jean Piaget

“ A essência da autonomia é que as crianças se tornem capazes de tomar decisões por elas mesmas.
Autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa. Autonomia significa ser capaz de considerar
os fatores relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho da ação. Não pode haver
moralidade quando alguém considera somente o seu ponto de vista, sem conhecer o das outras
pessoas, veremos que não somos para mentir, quebrar promessas ou agir irrefletidamente.”
(KAMI,1986, seguidora de Piaget, p.79)
36

Os educadores de hoje em dia, identificariam Jean Piaget, como um menino


portador de superdotação. Aos 10 anos de idade, em Neuchâtel (Suíça) , sua cidade
natal, publica um artigo com estudos sobre um pardal branco. Doutor em Biologia aos
22 anos, escreveu cerca de 70 livros e 300 artigos sobre Psicologia, pedagogia e
Filosofia.
Vivia nas fronteiras entre Suíça e França, onde excursionava com sua bicicleta
antiga, cachimbo, boina e mochila. Era considerado uma figura simples, original e
circunspecta.
O próprio lar de Piaget foi uma extensão da Universidade. Casou-se com uma de
suas assistentes, desvendou diversos enigmas sobre a inteligência infantil dentro de
casa, observado os próprios filhos.
Nascido em 1896, como já vimos, iniciou sua obra bastante cedo, em 1907, aos
10 anos de idade.
Após estudar Biologia e doutorar-se em Zoologia em 1918, mudou-se para Zurique,
para estudar Psicologia.
Em 1919 ingressou na Universidade de Paris e foi convidado a trabalhar com testes de
inteligência infantil com Binet, onde veio a interessar-se pelas “respostas erradas”.
Convidado pelo psicólogo da educação Edouard clararede ( Escola nova) fez
diversas pesquisas no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra, destinado a
formação de professores.
Seu primeiro livro “A linguagem e o pensamento da criança” foi lançado em
1923 e logo após casou-se com Valentine Châtenay, uma de suas assistentes e com
quem teve 3 filhos: Jacqueline (1925), Luciene (1927) e Laureni (1913).
Inspirado no desenvolvimento de seus filhos, nos anos 30 escreveu vários
trabalhos sobre as primeiras fases do desenvolvimento infantil.
Ao longo desses anos continuou realizando suas pesquisas, participou da
elaboração da constituição da UNESCO, publicou outros livros e, em 1980 morreu, em
Genebra, deixando vários seguidores de sua teoria Construtivista.
37

3.1.2. Proposições gerais da teoria piagetiana.

Os estudos sobre a teoria Construtivista começaram com Piaget, esse biólogo


que sempre teve preocupações epistemológicas ( Teoria do Conhecimento), numa
perspectiva interdisciplinar.
A grande pergunta que formulou foi : “ Como se passa de um conhecimento
menos elaborado para outro mais elaborado?”
Pesquisou e elaborou uma teoria sobre os mecanismos cognitivos da espécie (
sujeito epistêmico) e dos indivíduos ( sujeito psicológico).
Percebendo ser praticamente impossível remontar os primórdios da humanidade
par compreender o processo de desenvolvimento cognitivo a partir do homem primitivo
até os dias atuais ( Filogênese), voltou-se para o desenvolvimento de espécie humana do
nascimento até a idade adulta ( Ontogênese).
Tal teoria procura mostrar quais as mudanças qualitativas pelas quais passa a
criança, desde o estágio inicial de uma inteligência prática ( período sensório-motor),
até o pensamento formal, lógico dedutivo, a partir da adolescência.
Quanto ao conhecimento não pode ser concebido como algo pré- determinado
desde o nascimento ( inatismo) e nem como resultado do simples registro de
percepções e informações (empirismo). Resulta das ações e interações do sujeito com o
ambiente em que vive.
Todo o conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada desde a
infância, através das interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, dos
brinquedos que manipula, das brincadeiras das quais participa.
38

Segundo Peterson e Felton-Collins (1986):


“ A seguir estão algumas idéias chaves sobre como as crianças aprendem e crescem
intelectualmente, de acordo com Piaget:

• O pensamento das crianças difere do pensamento do adulto, não apenas quantitativamente, mas
também qualitativamente. As crianças não processam simplesmente menos informações que os adultos,
mas também processam-nas de modo diferenciado. Em essência, as crianças têm maneiras diferentes de
enxergar o mundo e determinar a realidade.

• O desenvolvimento mental avança através de estágios definidos e estes, ocorrem em seqüência fixa. A
seqüência é a mesma para todas as crianças, embora algumas possam passar de um estágio para o
seguinte um pouco antes que as outras. Estes estágios formam uma hierarquia, isto é, um diferente do
anterior, mas cada um incorpora o estágio prévio. Cada estágio não é caracterizado por um conteúdo
específico de pensamento, mas por um modo de pensar em potencial.” (p.13)

Os estágios aos quais refere-se à citação acima são: Sensório-motor (0 à 2 anos


de idade), Pré-operacional ( 2 à 7 anos de idade ) , Operacional Concreto ( 7 à 11 anos
de idade) e , por último o estágio de Operações Formais ( 11 anos em diante).
Como a presente pesquisa tem por objetivo “estudar” a importância dos jogos e
brincadeiras em crianças de idade pré-escolar, devemos nos deter aos dois primeiros
estágios da teoria de Piaget.
Segundo ele, existem quatro fatores relacionados que, juntos, ajudam a criança a
passar de um estágio para o outro. São eles: amadurecimento, experiência, interação
social e equilíbrio.
Entende-se por amadurecimento o crescimento físico e fisiológico da criança,
incluindo os sistemas muscular e nervoso.
A experiência dá-se através de informações sensório-motoras assimiladas a
partir de ações e de raciocínio em relação a objetos reais ou concretos.
Já a interação social ocorre através da socialização, do brincar, do falar, do
perguntar e do trabalhar com os outros, especialmente com as outras crianças.
39

O equilíbrio é o processo de reunir o amadurecimento, a experiência e a interação para


construir estruturas ou sistemas mentais para examinar o mundo.

3.1.3. O estágio pré - operacional.

Este estágio divide-se em dois “subestágios”: o pré-conceitual (2 à 4 anos) e o


intuitivo (4 à 7 anos).
Durante ambos a criança baseia-se no uso das sensações, no entanto, é cada vez
mais capaz de usar a linguagem, as palavras para representar coisas que não são
visíveis. Seu pensamento é puramente egocêntrico pois ela “enxerga” tudo através do
seu modo de vista, porém não está consciente de que o ponto de vista dos outros pode
ser diferente do seu. Além disso, ela acredita que muito do que acontece no mundo foi
criado para ela. Ao invés de buscar a lógica, a criança pré-operacional raciocina e
explica eventos baseando-se na intuição, em como as coisas lhe parecem.
Confiando em seus sentidos ( tato, visão, audição, paladar e olfato) ela busca
conhecer o mundo, descobri-lo.
Deste egocentrismo surgem explicações animísticas ( atribuição de
características humanas à animais, objetos, plantas, etc), como por exemplo: “ A boneca
vai dormir pois está com sono.” ou explicações artificialistas ( atribuição de causas
humanas aos fenômenos naturais). Como exemplo de uma explicação artificialista pode-
se citar: “ Os rios foram feitos por um homem, a nuvem está chorando – chuva ”.
Paralelamente à isso usa símbolos, a linguagem para representar o que está
ausente pois agora já desenvolveu a “constância da percepção”, citada no capítulo
anterior. Tal habilidade é muito importante para que a criança perceba que os objetos
são constantes em tamanho, forma, cor, etc, mesmo quando vistos em posições
alteradas.
40

O pensamento da criança pré-operacional é ainda caracterizado por uma


supergeneralização, uma superdiferenciação, pela participação, pelo animismo e,
finalmente, pelo artificialismo.
A supergeneralização seria a dificuldade que ela apresenta em diferenciar itens
em uma classe.
Superdiferenciação é caracterizada pela dificuldade para fazer generalizações
apropriadas para itens em uma classe.
Participação consiste no fato dela acreditar que pode controlar e participar da
natureza e seus fenômenos.
O animismo é a capacidade que ela tem de acreditar que o mundo da natureza
está vivo e que tudo é dotado de um propósito consciente.
Por fim, o artificialismo é a capacidade da criança em acreditar que os seres
humanos criaram os fenômenos naturais.
Dois outros importantes aspectos do pensamento da criança pré-operacional são
a utilização do raciocínio e da concentração transductiva. Ela acredita no raciocínio
transductivo, isto é, raciocina de ponto à ponto para explicar eventos, antes de utilizar a
lógica intuitiva ou dedutiva.

3.1.4. As áreas de aprendizagem da teoria piagetiana e a importância


do brincar para desenvolvê-las.

O desenvolvimento lingüístico, a percepção e a memória visual e a “pré-


matemática” são as área do conhecimento nas quais a teoria piagetiana acredita.
No primeiro capítulo desta pesquisa foi explicada cada uma dessas área mais
detalhadamente.
Peterson e Felton-Collins ( 2002) explicam muito bem que na teoria de Piaget a
brincadeira é compreendida como instrumento para desenvolver essas habilidades:
41

“ Piaget dá ênfase à importância das brincadeiras nos desenvolvimentos cognitivo, social e psicomotor
da criança ... Piaget diferencia “imitação” e “brincadeira”. Na imitação, a criança parece estar
fazendo um esforço sério para se acomodar a novos objetos e atividades. Na representação de um papel
ou fingindo ser “papai”, por exemplo, a criança está experimentando como deve ser este papel. Ela está
aprendendo a ter sua própria identidade imitando e experimentando. Na brincadeira, contudo, a criança
não está fazendo um esforço para se acomodar à realidade, em vez disso, ela está assimilando objetos e
atividades para sua própria satisfação. Ela pode fazer construções com blocos, criar um novo jogo,
mover veículos em uma corrida ou experimentar e explorar objetos.” (p.29)

Baseando-se na afirmação acima pode-se dizer que na brincadeira a criança está


plenamente envolvida no desenvolvimento da linguagem oral, das habilidades sociais e
auditivas, dos conceitos de relações espaciais, de conservação, de classificação, de
seriação, na aptidão matemática, entre outros.

3.2. Vigotsky

“ A aranha realiza operações que lembram o tecelão e as caixas suspensas que as abelhas constróem
envergonham o trabalho de muitos arquitetos. Mas até mesmo o pior dos arquitetos difere, de início,
da mais hábil das abelhas, pelo fato de que, antes de fazer uma caixa de madeira, ele já a construiu
mentalmente. No final do processo do trabalho ele obtém um resultado que já existia em sua mente
antes dele começar a construção. O arquiteto não só modifica a forma que lhe foi dada pela natureza,
dentro das restrições impostas pela natureza, como também realiza um plano que lhe é próprio,
definindo os meios e o caráter da atividade aos quais ele deve subordinar sua vontade.” ( Marx)

Nascido em 5 de novembro de 1896, Lev Semenivich Vigotsky descende de


família judia de classe média. Natural da Rússia, com 1 ano de idade mudou-se com a
42

família para Gomel, dentro de Pale ( um território vigiado onde eram confinados os
judeus na Rússia czarista) uma cidade pequena, com vida cultural intensa, onde viveu
sua infância e juventude.
Filho de um executivo do Banco Unido de Gomel, criador de uma biblioteca
pública muito utilizada por Lev e seus irmãos e de uma professora licenciada fazia
parte de uma das famílias mais cultas da cidade.
Em 1911 ingressou pela primeira vez numa instituição escolar e, aos 15 anos era
chamado de “ o pequeno professor”, porque provia discussões intelectuais entre os
amigos.
Em 1913 iniciou seus estudos na Universidade de Moscou, onde somente 3% de
alunos judeus tinha acesso. Cursou Direito.
Além disso era um ávido leitor no campo da Lingüistica, das Ciências Sociais,
da Psicologia e das Artes. Dominava diferentes idiomas, tais como: hebraico, francês e
inglês.
Dono de uma memória extraordinária freqüentou aulas de História e de Filosofia
na Universidade Popular de Shanyavskii e concluiu um ensaio sobre Hamlet como
trabalho de fim de curso.
Advogado e filósofo, em 1917, iniciou sua carreira como psicólogo após a
revolução russa.
Quando regressou a Gomel lecionou Literatura, Psicologia para adultos em
curso de especialização de professores, na Faculdade dos trabalhadores e em escolas
técnicas para impressores e metalúrgicos. Ao mesmo tempo, ministrou cursos de Lógica
e Psicologia no Instituto Pedagógico e Estética e História da Artes no Conservatório.
Em 1918 abriu uma pequena editora com um primo e um amigo que, pouco
tempo depois foi fechada devido a uma crise de fornecimento de papel na Rússia.
Um ano mais tarde, contraiu a Tuberculose e, após um severo ataque da doença
pediu ao primo Dobkin ( seu sócio na antiga editora) para visitar em Moscou Yuly
Aikhenvald, crítico literário e ex-professor da Universidade de Moscou a fim de
convencê-lo a publicar seus manuscritos quando morresse.
Casou-se em 1924 com Rosa Smekhova, uma mulher determinada e inteligente,
com quem teve duas filhas: Gita Levona que graduou-se em Psicologia educacional e,
atualmente vive em Moscou e Asya, especialista em Biofísica, falecida em 1985.
43

Este ano marcou o segundo período da trajetória biográfica de Vygotsky pois


nele teve início o seu trabalho sistemático em psicologia. Mudou-se para Moscou e lá
trabalhou no Instituto de Psicologia.
Após um ano escreveu o livro Psicologia da Arte, sua tese de doutorado em
Moscou.
Organizou o Laboratório de Psicologia para crianças deficientes que, atualmente
é chamado de Instituto Científico sobre Deficiências da Academia de Ciências
Pedagógicas.
O seu grande interesse em distúrbios neurológicos do pensamento e da
linguagem levaram-no a estudar Medicina, em moscou, onde foi nomeado diretor da
seção de Psicologia do Instituto Nacional de Medicina Experimental.
Suas principais idéias eram datilografadas por uma estenógrafa. Assim, no seu
leito de morte, ditou o último capítulo de seu livro Pensamento e Discurso. Suas últimas
palavras foram: “ Estou pronto”. Morreu em junho de 1934 aos 37 anos.
Desde o início de sua carreira percebia o pensamento marxista como uma fonte
científica.“ Uma aplicação do materialismo histórico e dialético relevante para a
psicologia” seria um resumo preciso da teoria sociocultural de Vigostky dos processos
psicológicos superiores.
Sob a perspectiva marxista, tornou-se conhecido como o homem que percebeu a
determinação histórica da consciência e do intelecto humano. Mas, um exame do lugar
ocupado por ele na Psicologia mundial revela que a sua posição transcende tanto o
funcionalismo habitual, quanto o materialismo histórico convencional da ideologia
marxista. Vigotsky é original.
Seu estilo é extremamente difícil. Ele teve uma produção escrita abundante e
44

muito dos seus manuscritos nunca foram adequadamente editados. Espaços em branco
nos manuscritos originais os tornam, hoje em dia, ainda menos acessíveis do que devem
ter sido no tempo em que foram escritos.

3.2.1. A teoria histórico cultural

O contexto social vivido por Vigotsky e seus colaboradores, influenciou


decisivamente os seus estudos. Participando de um momento conturbado da História
( a Revolução Comunista, na Rússia ), o foco de suas preocupações foi o
desenvolvimento do indivíduo e da espécie humana, como resultado de um processo
sócio-histórico. Cabe destacar que as suas pesquisas foram baseadas numa abordagem
interdisciplinar ( considerando-se as diferentes formações do próprio Vigotsky), o que,
para a Educação possibilita uma visão integrada de conhecimentos.
As origens da vida consciente e do pensamento deveriam ser procuradas, no
entender de Vigotsky, na interação do organismo com as condições de vida social e nas
formas histórico-sociais de vida de espécie humana e não, como muitos acreditavam, no
mundo espiritual e sensorial do homem. Sendo assim, deve-se analisar o reflexo do
mundo interior dos indivíduos a partir da interação destes sujeitos com a realidade.
A teoria Histórico Cultural defende que as mudanças existentes no homem, ao
longo de seu desenvolvimento, está, segundo seus princípios, na sociedade, na cultura e
na sua história.
A linguagem possui uma função comunicativa, que permite ao ser humano
vivenciar um processo de interlocução constante com seu semelhantes. Porém, este não
é o seu único papel. Ela também permite ao homem formular conceitos, portanto,
abstrair e generalizar a realidade, através de atividades mentais complexas.
45

Assim como afirma Vigotsky ( 1987 ):


“ A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções
intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à atenção, à associação,
à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém
insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como meio pelo qual conduzimos as nossas operações
mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que
enfrentamos.” (p.50)

Através da palavra designamos objetos, os representamos mas também


abstraímos e generalizamos suas características. A palavra “gato”, por exemplo, designa
qualquer tipo de gato: branco, preto, doméstico, grande, pequeno, etc.
A função da generalização garante a comunicação entre pessoas. Essa
capacidade de generalizar liberta o indivíduo dos limites da experiência concreta.
Para que se torne compatível a perspectiva de Vigotsky sobre o
desenvolvimento de conceitos, é necessário entender que o significado da palavra
transforma-se ao longo do desenvolvimento do sujeito, evolui visto que integra novos
sentidos, novas conotações.
Assim, o desenvolvimento conceitual não ocorre de forma definitiva porém
gradual.
Se uma criança, inicialmente, formula conceitos a partir da relação direta que
estabelece com a realidade concreta, aos poucos ela vai isolando determinados atributos
do objeto rumo à abstrações e generalizações cada vez mais complexas.
A teoria de Vigotsky acredita em dois tipos de conceitos: os cotidianos e os
científicos.
Por conceitos cotidianos compreende-se aqueles que durante seu processo de
desenvolvimento a criança vai formulando, na medida em que usa a linguagem para
nomear objetos e fatos presentes em sua vida diária.
46

Os conceitos científicos são considerados como aqueles formados a partir da


aprendizagem sistematizada e, portanto, a partir do momento em que a criança defronta-
se com as atividades escolares. São todos aqueles conceitos que derivam de um corpo
articulado de conhecimento e que aparecem nas propostas curriculares como
fundamentais na organização de conteúdos a serem trabalhados com os alunos.
Geralmente, as crianças formulam os conceitos cotidianos mas não conseguem
defini-los por meio da linguagem oral a não ser numa fase mais adiantada de suas vidas.
Com os conceitos científicos, o processo de formação ocorre de forma inversa.
Ao iniciar seu aprendizado na escola, auxiliada pelas explicações e colaborações dos
professores, o aluno chega à definição porém, a apropriação destes conceitos ocorre a
partir das atividades escolares.
Em seus trabalhos, Vigostsky aponta para a importância da linguagem como
instrumento de pensamento, afirmando que a função planejadora da fala introduz
mudanças de qualidade na forma de cognição da criança, reestruturando diversas
funções psicológicas, tais como: formação de conceitos, memória, etc.
A linguagem age de forma decisiva na estrutura do pensamento e é a ferramenta
básica para a construção de conhecimentos. Em seu sentido amplo, é considerada como
um instrumento que atua para modificar o desenvolvimento e a estrutura das funções
psicológicas superiores.
A teoria de Vigotsky acredita que, num primeiro momento, o conhecimento
constrói-se de maneira inter-subjetiva ( entre pessoas) e, após esta etapa, de maneira
intra-subjetiva ( no interior do sujeito).
Um bebê nasce num mundo simbólico onde significados vão sendo utilizados
por indivíduos para controlar seu ambiente e a si próprios. Através da interação que
estabelece com os outros membros de sua cultura ( mãe, pai, irmãos, professores, etc) e
com os meios de comunicação em geral , as crianças constroem seu próprio sistema de
significados.
47

Entretanto, ao mesmo tempo em que depende de sua constituição orgânica e das


possibilidades de ação e interação que lhe são oferecidas pelo ambiente, elas podem
escolher entre diferentes modos de comportamento, construindo novos modos de ação.
As diferentes interações a que são submetidas são fundamentais para que isto ocorra.
Aos poucos vão construindo significados, conhecimentos, valores através de um diálogo
consigo próprias, com o outro e com o mundo.
Nesta teoria, a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos
humanos, sendo a principal mediadora entre o sujeito e o objeto do conhecimento.
Ao estudar as funções psicológicas superiores que caracterizam o ser humano,
Vigotsky travou um intenso diálogo com vários representantes das correntes
psicológicas de sua época: Freud, Pavot, Piaget, entre outros. Como resultado deste
diálogo e influenciado pela obra de Marx e Engels, ele assinala que as origens das
formas superiores do comportamento (lembrar, comparar, falar, pensar, etc) deveriam
ser estudadas a partir das relações sociais que os indivíduos estabelecem com o meio em
que vivem.
Ao abordar as maneiras pelas quais se entrelaçam os aspectos naturais
( maturação física e mecanismos sensoriais) com os processos culturais na produção
das funções psicológicas superiores, a teoria Vigotskyana afirma a natureza mediadora
destas funções bem como a importância da vida social no desenvolvimento das mesmas.
Percebendo o processo de aquisição da linguagem como “paradigma” para
esclarecer o desenvolvimento psicológico humano, Vigotsky afirma que todas as
funções superiores originam-se das relações reais entre os indivíduos humanos e
aparecem duas vezes em suas vidas: interpsiclogicamente e intrapsicologicamente.
Desde os primeiros dias do desenvolvimento, as ações das crianças adquirem um
significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetivos
específicos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O contato das
crianças com o ambiente físico e social é mediado por outras pessoas que as auxiliam
em seu processo de inserção no meio humano.
48

Inicialmente, o comportamento infantil é controlado pelo meio social que lhe


oferece um conjunto de significados que orientam as crianças. A medida em que ela
exercita tais significados, através dos jogos, brincadeiras, do aprendizado e domínio da
linguagem, etc, os internaliza ( aprende) e isto lhe possibilita uma certa independência
em relação aos adultos. Neste processo, a criança de um lado, apreende os significados
dos conceitos que lhe permite comunicar-se com o outro e, por outro lado, ela tem a
possibilidade de criar um sentido próprio para o conjunto de signos/símbolos que o
meio social lhe oferece e se apropria dos mesmos.
Pode-se dizer que a estrutura psicológica é o produto de um processo
profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social. Ao
mesmo tempo em que a criança se individualiza, ela também se insere num universo
geral, amplo.
Vigotsky( 1991), porém, não defende o “ determinismo sociológico”, visto que
ele resgata a capacidade do indivíduo em reelaborar os significados, os instrumentos
que o mundo cultural lhe propõe e muito bem recoloca esta questão partindo de um
questionamento das correntes em sua época que tentavam explicar tal relação:

“ A primeira centra-se no pressuposto de que os processos de desenvolvimento da criança são


independentes do aprendizado. O aprendizado é considerado como um processo puramente externo que
não está envolvido ativamente no desenvolvimento. (...) A Segunda grande posição teórica é a que
postula que aprendizado é desenvolvimento... O desenvolvimento é visto como o domínio dos reflexos
condicionados... o processo de aprendizado está completa e inseparavelmente misturado com o processo
de desenvolvimento. (...) A terceira posição teórica sobre a relação entre o aprendizado e
desenvolvimento tenta superar os extremos das outras duas... Tal perspectiva postula que o
desenvolvimento se baseia em dois processos inerentemente diferentes, embora relacionados... de um
lado a maturação que depende diretamente do sistema nervoso e, de outro o aprendizado que é em si
mesmo, também um processo de desenvolvimento.” (p.89/91)
49

Vigotsky ( 1991) , por sua vez, aborda esta relação a partir de duas perspectivas:
a relação geral entre o aprendizado e o desenvolvimento e os aspectos específicos
dessas relações quando a criança atinge a idade escolar. Ele acredita que o aprendizado
começa mesmo antes das crianças entrarem na escola, com exemplifica na citação
abaixo:
“ Continua-se afirmando que o aprendizado tal como ocorre na idade pré-escolar difere nitidamente do
aprendizado escolar, o qual está voltado para a assimilação de fundamentos do conhecimento científico.
No entanto, já no período de suas primeiras perguntas, quando a criança assimila nomes de objetos em
seu ambiente, ela está aprendendo. (...) De fato,aprendizado e desenvolvimento estão interrelacionados
desde o primeiro dia de vida da criança.” (p.95)

Sem dúvida existe diferença entre o aprendizado escolar e o aprendizado que


ocorre a partir das relações que se estabelecem fora deste contexto social. Diferença que
consiste na não sistematização do segundo. Além disso, em função da sua
especificidade, o aprendizado escolar produz algo novo no desenvolvimento da criança:
a zona de desenvolvimento proximal.
A zona de desenvolvimento proximal descreve a distância entre o nível de
desenvolvimento real da criança (NDR) e o nível de desenvolvimento potencial (NDP).
Este é um conceito fundamental para o entendimento das relações entre
desenvolvimento e aprendizado.
A zona de desenvolvimento proximal, portanto, nos permite explorar aquelas
funções que ainda não se desenvolveram, que estão em “estado embrionário”.
Assim, a operacionalização deste conceito na análise do processo de
desenvolvimento da criança permite aos educadores e psicólogos o entendimento do
curso interno do seu desenvolvimento.
A partir deste conceito, a relação entre o desenvolvimento e o aprendizado toma outra
dimensão: o aprendizado passa a ser imprescindível para o desenvolvimento humano,
50

como afirma Vigotsky ( 1991):

“ ... o aprendizado orientado para os níveis de desenvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do
ponto de vista do desenvolvimento global da criança. Ele não se dirige para um novo estágio do
processo, mas, ao invés disso, vai a reboque desse processo. Assim, a zona de desenvolvimento proximal
capacita-nos a propor uma nova fórmula, a de que o bom aprendizado é aquele que se adianta ao
desenvolvimento.” (p.100/101)

3.2.2. A importância dos jogos e brincadeiras na teoria histórico


cultural.

Todas as proposições explicitadas no ítem anterior vem afirmar a importância do


professor no processo de desenvolvimento dos alunos, visto que ele está diretamente
relacionado com as formas como este professor irá abordar os conteúdos, assim como
com as oportunidades que ele irá oferecer para que os alunos deles se apropriem.
No caso desta pesquisa cujo objetivo é o de investigar a cerca de crianças em
idade pré-escolar, o professor aborda seus conteúdos/ conceitos através da linguagem
mais entendida pela criança dessa faixa etária: a brincadeira e o jogo.
Através deles, além de desenvolver as áreas do conhecimento e sobretudo a
linguagem oral que irá permitir à criança uma interação com o meio em que vive e uma
“ apropriação” do mesmo, as brincadeiras e os jogos facilitam a socialização da criança.
Cabe apontar que o aprendizado / desenvolvimento das habilidades específicas
da pré-escola não se estabelece exclusivamente da relação professor X aluno que se
estabelece em sala de aula e sim, a partir do exercício social dos mesmos, no contato
com a realidade em que ambos estão envolvidos. Para entender essa realidade e
vivenciá-la a criança utiliza a imaginação, o lúdico contidos nos jogos e brincadeiras
presentes na pré-escola.
51

Vigotsky considera que a brincadeira cria para as crianças uma “zona de


desenvolvimento proximal ‘ ( ZDP ) que não é outra coisa senão a distância entre o
nível atual de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver
independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da resolução de um problema orientado por um adulto ou com a colaboração de
um companheiro mais capaz. Ainda segundo Vigotsky, a brincadeira possui três
características: a imaginação, a imitação e a regra. Estas características estão presentes
em todos os tipos de brincadeiras infantis, sejam elas tradicionais, de faz de conta, de
regras e podem aparecer também no desenho, considerado enquanto atividade lúdica.
Finalizando, cabe lembrar que para Vigotsky, a linguagem é, desde o início
social e socializada. A existência dela, mais do que expressão oral, é a troca e a
compreensão dos significados seja por gestos, olhares, choro ou palavras. Esta
linguagem torna-se interior. Pensar é dialogar consigo mesmo e, este é um processo
eminentemente criador e ativo, pleno de afetividade.
Para desenvolver esta habilidade, na pré-escola existem várias brincadeiras e jogos que
trabalham as diversas formas de linguagem: músicas gesticuladas, histórias, teatro de
fantoches, interpretação oral das histórias contadas, estímulo à criação de enredos, entre
outras brincadeiras auxiliam a criança neste caminho de tornar-se um ser que se
apropria da linguagem utilizada em seu meio e, possui a habilidade de questioná-la e,
muitas vezes, reestruturá-la. Assunto este abordado anteriormente e ilustrado com
materiais em anexo.

3.3.1. Friedrich Frobel; breve histórico e teoria.

Nascido em 1782, na Alemanha, sexto filho de uma família evangélica com


apenas 1 ano de idade perde a mãe e vive uma infância bastante infeliz.
52

Após concluir a escola primária, tornou-se um guarda florestal e, a partir daí


conscientiza-se de seu amor pela natureza. Em 1799 vai para Jena estudar Ciências
Naturais, curso que interrompe dois anos depois após a morte de seu pai.
Em 1805 resolve estudar arquitetura em Frankfurt, onde conhece Gruner,
dirigente de uma escola maternal. Nesta época aceitou o convite do recente amigo para
trabalhar como educador da escola e descobriu sua verdadeira vocação. Depois de uma
viagem até Pestalozzi, em Yverdon, financiada por Caroline Von Holzhausen, torna-se
preceptor particular da família Von Holzhausen e passa dois anos com Pestalozzi, em
companhia dos três filhos da família.
Em 1810, entre em desentendimento com o grande educador suíço a quem acusa
de orientar-se pelo homem tal como é, em vez de pautar sua concepção educacional pala
imagem que mostra o homem tal como deve ser.
Um ano depois, deixa a família Von Holzhausen , continua seus estudos e muda-
se para Berlim em 1812 onde estudou Cristalografia.
Entre 1813 e 1814, participou da campanha contra Napoleão e depois assume
um cargo de assistente no Instituto Mineralógico de Berlim. Em 1816, com os três
filhos de seu irmão Chistoph, prematuramente falecido, abre em Grisheim o “Instituto
Alemão de educação Geral ”, transferido um ano depois para keilhau, perto de
Rudolstadt. Em 1818, casou-se com Wilhelmine Hoffmeister e em torno de 1820
começa a escrever sua mais importante obra “ A Educação do Homem”, publicada em
1826.
Com o fortalecimento da reação prussiana, Frobel, cujo Instituto de Keilhau
alcançara elevado prestígio sob o impulso reformista do barão Von Stein, sentiu-se
vítima de muitas suspeitas e ataques. Por isso, emigra para a Suíça e fundou um
estabelecimento de educação em Wartensee e a partir de 1833 dirige o Instituto de
Educação de Willisau e, depois em 1825, o orfanato de Burqdorf.
53

Um ano depois, volta à Alemanha e em 1827 fundou em Blankenburg o


“ Instituto para o Desenvolvimento do Impulso da Atividade para a Infância e a
juventude ” onde desenvolveu seus dons a cerca do brinquedo.
Em maio de 1840, conclama para a criação do “Jardim da Infância Alemã” e,
através de escritos e conferências, empenha-se na divulgação e, através de escritos e
conferências empenha-se na divulgação de suas idéias pedagógicas.
Oito anos mais tarde conseguiu conquistar o interesse do professorado alemão o
que, após o malogro da revolução de 1848, é suspeito de disseminar idéias perigosas
para o Estado e pensamentos ateus.
Em 1851 são fechados todos os jardins da infância da Prússia, medida injusta e
absurda, que só foi revogada em 1860.Frobel não sobreviveu muito tempo a este golpe,
falecendo no mesmo ano.
Embora seja citado ainda hoje, não há previsão de que tenhamos algum
renascimento de Frobel.
Porém, apesar de toda a fragilidade e obscuridade de mundo de suas idéias,
alguns dos seus pensamentos, com certeza, merecem ser salvos do esquecimento.
Ele defendia que, se um educador não quiser agir superficialmente, se quiser
atingir o homem no centro da sua vida, precisa de uma ligação final : o embasamento no
religioso. Isto explica-se, principalmente devido ao período histórico em que viveu (
poder que a igreja católica assumia diante do contexto social da época).
Não se fixou na pedagogia das crianças pequenas e do jardim da infância. De um
modo geral, Frobel preocupou-se com a educação do homem. Seu plano estendeu-se
desde a infância na família, passando pelo jardim da infância, a escola elementar, a
escola de aprendizagem ou de conceitos até a escola profissional e da vida.
No entanto, foi um dos primeiros a buscar um método para a educação da
criança pequena, não cansando-se de pregar o respeito por ela.
54

Também preocupou-se com as estruturas e tarefas do jardim da infância e da


pré-escola e, neste contexto, dirigiu-se, nominalmente à família, da qual esperou o
cumprimento dessas tarefas.
Entre os maiores méritos de Frobel inclui-se seu engajamento em prol do direito
de brincar da criança. Em sua concepção o brincar, a utilização de um brinquedo era o
grau mais elevado do desenvolvimento da criança, do desenvolvimento do homem
nesse período pois é a representação livre do interior, a representação do interior por
força do próprio interior. Sua teoria considera o brinquedo o produto mais puro, mais
espiritual do homem nesta fase ( infância) e, ao mesmo tempo, o modelo e imagem de
toda a vida humana.
Acredita que, uma criança que brinca com vontade, com tranqüila
espontaneidade, com perseverança e até com cansaço físico, certamente será uma
pessoa capaz, tranqüila, perseverante, promotora generosa do bem-estar próprio e
alheio. O brinquedo não é apenas considerado como instrumento de uma brincadeira
pois a brincadeira, em sua opinião, tem elevada seriedade e profundo significado. Os
brinquedos e brincadeiras da infância são considerados como os brotos de toda a vida
futura do indivíduo.

3.4. Maria Montessori: um pouco sobre sua história e concepções.

Nascida em 1870, a italiana Maria Montessori chega à Pedagogia através de


caminhos indiretos. Seus múltiplos interesses levam-na ao estudo da Biologia e da
matemática, da Psicologia e da Filosofia mas, sobretudo da Medicina.
Fato inaudito para toda a Europa daquele tempo, aos 26 anos é a primeira
mulher do seu país a doutorar-se em Medicina.
Com sua formação, seu engajamento social e profundas raízes cristãs, dedicou-
se inicialmente às crianças portadoras de deficiência.
55

Suas realizações não permaneceram ocultas pois, pressionada por amigos, em


1909, publicou os princípios básicos de seu método e, desde então, trabalhou
incansavelmente para divulgar suas idéias e experiências pedagógicas em todo o
mundo.
Era profundamente católica mas sua Pedagogia não pode ser rotulada de
confessional. A tendência social de Maria Montessori e seu engajamento na “
socialização da casa” e na “ colonização da família”, bem como seu trabalho
pedagógico-social no bairro operário da San Lorenzo, em Roma, onde fundou seu
primeiro lar de crianças: a Casa dei Bambini, fizeram-na cooperar temporariamente com
representantes do movimento socialista italiano. No entanto, nunca foi comunista nem
socialista.
A parte central de sua atividade foi, sem dúvida, seu empenho pela realização
dos direitos das crianças. Direito à vida própria, à liberdade e à autonomia. A realização
desses direitos era o objetivo dos dois princípios básicos de seu método: despertar a
atividade infantil através do estímulo e promover a auto-educação da criança, colocando
meios adequados de trabalho à sua disposição. Para ela a criança é a própria educadora
de sua personalidade que constrói através da disciplina que nasce da liberdade. Para
adquirir tal habilidade necessita da ajuda do adulto que, segundo a teoria montesoriana
deve ocorrer através de medidas educacionais indiretas: um ambiente favorável à
educação, em que o educador não atua num diálogo pedagógico direto com a criança.
Em tal ambiente que a teoria montessoriana chama de favorável devem ser
encontrados brinquedos adequados para a determinada faixa etária e brincadeiras que
promovam o nascimento da disciplina.
Mantendo-se em segundo plano, através da oferta de meios adequados para a
autoformação, à semelhança do “bom jardineiro”, o educador deve promover o
desenvolvimento da criança e o seu contato com a realidade, pois assim ela aprenderá a
ser “ senhora de si mesma”.

IV. A ESCOLA, A CRIANÇA E A FAMÍLIA: UMA RELAÇÃO DE


TROCAS
56

4.1. A escolha da escola pela família.

O primeiro contato da criança com a escola, em qualquer idade, não é nada


simples, o que não significa que precise ser, necessariamente problemático. O
importante é notar que a “ Primeira Escola” da criança é, e precisa ser, um espaço
diferente de todos os outros espaços que lhe são familiares: o da sua própria casa, a casa
de parentes e amigos, as praças, os play-groundes, etc.
Não se pode desconsiderar, para início de conversa, que nesses outros espaços as
crianças costumam circular, não só com o consentimento dos pais ou de adultos
responsáveis, mas, em geral, com a presença deles.
A entrada da criança na escola, é uma escolha exclusiva da família.
( principalmente na pré-escola),não resulta de uma escolha da própria criança quanto ao
que, no momento é adequado para ela, pois ela não possui, ainda, maturidade para tal.
Cabe ao adulto a tomada de decisão, até porque seria extremamente demagógico
afirmar que estas decisões devem ser tomadas por crianças com 3 ou 4 anos.
de idade.
No entanto, é muito necessário que os pais estejam conscientes de que, a tomada
de decisões por seus filhos, durante algumas fases de suas vidas, precisa ser
permanentemente analisada por eles, criticamente, para que possa acompanhar
efetivamente seu desenvolvimento, proporcionando-lhes um espaço agradável, onde a
aprendizagem flua de forma divertida, onde transformem-se em pessoas críticas,
construtivas.
57

Neste ponto, após tudo o que já foi explicitado nos capítulos anteriores cabe
lembrar que, nesta decisão é importante que os pais escolham uma escola onde seus
filhos tenham oportunidade e espaço para serem, de fato, crianças vivendo efetivamente
a infância em suas determinadas faixas etárias.
O espaço-brincar na escola ( Anexo VI ), uma proposta pedagógica pautada na
construção do conhecimento ( Anexo IX) , no respeito ao outro e a si próprio, baseado
teoricamente ( Anexo XIX), profissionais qualificados e sérios, são alguns requisitos
básicos para a escolha de uma escola.
A entrada da criança neste novo espaço é o momento em que ela confronta-se
com um espaço novo. Espaço este em que há adultos e crianças até então
desconhecidos, além de regras e normas estabelecidas ( geralmente, rapidamente
percebidas) e bem diferentes ( na maioria das vezes) daquelas que regem a vida
familiar.
Este espaço deve ser socializador ( como vimos no capítulo anterior, na teoria
Histórico Cultural, de Vigotsky), por excelência, a história peculiar, as singularidades,
as características marcantes da personalidade e o temperamento de cada criança
precisarão ser conhecidos e respeitados, sem negar, no entanto, o caráter coletivo das
experiências vividas a partir deste momento.
Se as crianças vierem para a escola, em seus primeiros anos de vida ( o que
atualmente ocorre cada vez com maior freqüência, devido ao excesso de trabalho dos
pais ), com a certeza de que esse espaço lhes é prazeroso, sedutor e alegre, certamente,
grandes “ passos” terão sido dados para uma adaptação favorável ao novo espaço.
Se, por outro lado, são trazidas para a escola por mãos de adultos culpados e
inseguros, que não estão certos da importância da escola na vida das crianças, no mundo
de hoje, a despeito das necessidades dos adultos que vivem à sua volta, elas poderão ter
muita dificuldade na adaptação à nova realidade.
58

É importante frisar que a educação de zero a seis anos de idade é um Direito


Adquirido constitucionalmente desde de 1988.
A escola nesta fase não deve ser encarada, pelos pais, como um espaço onde a
criança fica apenas para que eles possam trabalhar. Deve ser compreendida como um
espaço onde a criança irá desenvolver habilidades, socializar-se, apreender valores,
“ brincando com seriedade”.
Para tal, é necessário colocar as crianças na linha de foco das suas lentes e
compreender como se desenvolvem, como aprendem, como constroem conhecimentos,
quem são, de que gostam ou não, o que tem para contar através dos gestos, com
palavras, com o olhar, com o corpo até que possam escolher o que desejam viver e
experimentar sozinhas.
Pode-se afirmar, sem medo, que tudo o que é novo assusta e, ainda que, nossos
primeiros embates com situações novas durante toda a nossa vida, costumam ser
inesquecíveis.
Desta forma, não é difícil imaginar a nobreza do primeiro contato da criança
com a escola. Se esta experiência lhe for favorável, certamente carregará consigo a
certeza de que é capaz de explorar o desconhecido e que, muitas vezes, ele é mais
interessante do que as fantasias infantis poderiam supor.
Por outro lado, contatos desastrosos podem trazer muito mais preocupação e
trabalho para serem revertidos.
Cabe lembrar também o quanto é importante que a família não se isente de seu
verdadeiro papel, delegando todos os deveres à escola. Os pais devem participar de
maneira ativa da educação de seus filhos, estabelecendo limites sempre que necessário,
interessando-se por suas dúvidas e questionamentos, procurando manter em casa um
espaço que também propicie o desenvolvimento da criatividade, das suas habilidades
( Anexo VII ).
59

4.2. A escola.

Para proporcionar o desenvolvimento das habilidades e competências de seuss


alunos a escola precisa acreditar na educação como ação transformadora,
contextualizada e integrada à sociedade em que vivemos, onde, desde a mais tenra idade
as questões sociais são articuladas ao conteúdo programático de cada segmento,
respeitando as características da faixa etária com a qual trabalha e propiciando uma
reflexão crítica constante do mundo e da função social do conhecimento.
A criança deve ser vista como um sujeito ativo, que pensa e interage com o meio
e o conhecimento, que articula seus desejos, direitos e deveres, participando
efetivamente do seu próprio processo de aprendizagem.
Entendendo a criança como ser histórico, criador da cultura é importante que a
escola seja um local em que respeite-se e valorize-se a “bagagem” de conhecimento
trazida por ela, frutos de suas vivências e que propicie condições para que amplie,
construa e adquira novos conhecimentos.
Seu “ currículo” deve visar a construção da autonomia, da cooperação, do
enfrentamento e da solução de problemas, da responsabilidade, da criatividade, da
formação do autoconceito estável e positivo e da comunicação e expressão em suas
diversas formas, levando em consideração as características específicas das crianças e
do momento em que vivem, as interferências da família, do meio e os conhecimentos
das diferentes áreas, capazes de permitir uma progressão articulada da Educação Infantil
com o ensino Fundamental.
Para atender ao aluno nesta perspectiva, a escola precisa se propor a trabalhar
com profissionais conscientes, críticos e comprometidos com as intenções, orientações e
os caminhos que norteiam a organização e a prática educacional da instituição, sua
filosofia e metodologia.
60

Deve contar com o apoio de uma equipe multidisciplinar: Pedagogos,


Psicólogos, Nutricionistas, Pediatras, Professores especializados e Fonoaudiólogos, que
estejam sempre em debates, atualizados , observando e auxiliando a criança como um
sujeito individual e coletivo.
Ao educador cabe o papel de facilitador do conhecimento, estabelecendo uma
relação de confiança com seus alunos, estimulando-os na busca de novas experiências.
Para isso, deve conhecer profundamente a faixa etária com a qual trabalha para basear
seu planejamento nas necessidades específicas das crianças.
O educador é exemplo para seus alunos e só conseguirá promover o
desenvolvimento da criticidade neles para que sejam capazes de transformar a realidade
em que vivem, aquele que também for um sujeito crítico e transformador.
Sendo assim, com visões diversas sobre um mesmo assunto ou problema, as
soluções encontradas serão, com certeza, mais ricas e eficazes.
Como pode-se observar ao longo deste trabalho, na pré-escola a criança
consegue desenvolver suas competências e habilidades de forma tranqüila quando está
inserida num ambiente que a respeite enquanto criança, que lhe proporcione um espaço
onde o brincar seja permitido, valorizado e onde este mesmo brincar tenha objetivos que
possibilitem o desenvolvimento de tais competências.
O espaço de cada um, de cada grupo social assume uma feição singular, cada
qual com seus significados: pessoas, atividades e histórias iguais e diferentes,
desigualdades, contradições que, numa combinação ímpar constitua “espaço de gente”.“
O espaço de cada um” pode ser também o “espaço de “todos”.
É muito importante frisar que, não é apenas na pré-escola que tais espaços
devam ser respeitados: o brincar, o lúdico, a construção do conhecimento devem estar
sempre presentes em toda a vida escolar.
61

Infelizmente, como pode-se observar nos desenhos do Anexo VIII, elaborados


por crianças de uma escola particular da zona Sul do Rio de Janeiro, sobre a brincadeira
de que mais gostam , os alunos da pré-escola ( Jardins I, II e III ) preferem as
brincadeiras mais lúdicas onde podem imitar personagens, interagir com os outros
colegas, explorar o espaço enquanto que os alunos do Ensino Fundamental, em sua
grande maioria, preferem os brinquedos eletrônicos, uma brincadeira individual ,
sedentária e introspecta.

4.3. Os meios de comunicação

Já houve tempo em que a TV, o computador,o vídeo eram aparelhos distantes da


sala de aula.
Atualmente, tais meios de comunicação encontram-se presentes no cotidiano das
crianças e, sem dúvida influenciam muito em suas escolhas e opiniões inserindo-as num
mundo extremamente consumista e individualista.
No entanto, a televisão, o computador, os jogos eletrônicos, não funcionam
como influência negativa se utilizados a favor da construção de uma consciência crítica
por parte da criança.
Nem a escola, nem a família podem ignorar sua existência. A tecnologia e os
meios de comunicação existem e, muitas vezes facilitam a vida do ser humano. Porém,
não podem “dominar” toda uma sociedade e sim devem ser “dominados” por ela.
Existem programas de TV, por exemplo, que são impróprios para as crianças e
que não devem ser estimulados por parte da família. Como diz o ditado popular “ Cada
macaco no seu galho”. Existe tempo para tudo. Tempo de ser criança e tempo de ser
adulto. Programas de adultos não foram feitos para crianças e, cabe à família estabelecer
este limite.
Mas, o que percebe-se ainda, é que muitos programas infantis estão recheados
de insinuações obscenas e violentas, icentivando a criança na imitação de tais atitudes.
Neste caso, faz-se necessário que a criança seja estimulada ( tanto na escola
quanto em casa) a pensar, a questionar e a saber aproveitar ou não o que lhe é oferecido
pelos meios de comunicação.
62

4.4. Escola e família, uma parceria constante.

Como já foi citado nos dois primeiros itens deste capítulo, a escola e a família
devem estar “em sintonia”.
Por isso, é fundamental que os pais tenham cautela ao escolher uma escola para
seus filhos, estabelecendo com ela uma relação de confiança e respeito. Isto será
possível se a filosofia da escola estiver condizente com a filosofia de vida da família.
A real participação dos pais na vida da escola, permite a dinamização de uma
efetiva parceria, tornando o processo educativo dinâmico, coerentes, prazeroso, único e
global.
Aos pais cabe comparecer as reuniões, promover e estabelecer debates, colocar
claramente os limites aos filhos , conhecer a faixa etária em que se encontram,
proporcionar um ambiente de respeito, de paz e alegria, onde a brincadeira e o lúdico
sejam estimulados (pois, principalmente para as crianças da pré-escola esta é a
linguagem mais eficaz), entre outros.
A escola precisa estar aberta às dúvidas e questionamentos dos pais, sabendo
orientá-los com sua equipe multidisciplinar, visando sempre o bem-estar da criança, seu
pleno desenvolvimento enquanto sujeito críticos, histórico e único.

CONCLUSÃO:
63

“ Eu fico com a
pureza da resposta
das crianças.
É a vida, é bonita e é
bonita.
Viver, e não ter a
vergonha de ser feliz,
Cantar e cantar e
cantar a beleza de ser
um eterno aprendiz...
Eu fico com a pureza
da resposta das
crianças: é a vida, é
bonita e é bonita...”

( Gonzaguinha)

Quando observa-se uma criança que tem um olhar esperto e o riso fácil, que

relaciona-se espontaneamente com as pessoas, que é curiosa e investiga tudo o que vê,

pode-se ter uma certeza: essa criança brinca.

Brincar para uma criança é assunto muito sério, pois assim ela começa a

relacionar-se com as pessoas, descobre o mundo, desenvolve suas habilidades e

competências, organiza as emoções que experimenta, assimila as informações que

recebe, descobre a coragem para ousar, a iniciativa e autonomia para agir.

Brincar para a criança é um ato tão importante quanto trabalhar para o adulto.

Para ela, tal atividade é fundamental, tarefa essencial pra que possa descobrir a si

própria, ao mundo que a cerca e perceber o seu “papel” diante dele.


64

Como pode-se constatar nos capítulos desta pesquisa monográfica, os jogos e

brincadeiras são defendidos, há muito tempo, por importantes teóricos da Educação.

Piaget, Vygotsky, Kishmoto, Montessori, Frobel, ente outros, pautam em suas

teorias a importância e seriedade da brincadeira na infância.

Conclue-se então que, uma escola que não privilegia o espaço “brincar” torna-se

um lugar triste e desinteressante aos olhos da criança, favorecendo comportamentos

agressivos, individualistas e dependentes.

A infância é um “bem” ameaçado nos dias atuais e tem vários desafios a vencer.

A violência das cidades, o excesso de trabalho dos pais, a competição e as novas

cobranças da vida moderna atingem profundamente a criança.

Em épocas de transformações sociais e avanços científicos a infância ganhou

novas características, diferente das que tinha, por exemplo, há 50 anos atrás. Hoje as

famílias estão cada vez menores e, por isso, as crianças possuem menos irmãos e

crescem mais solitárias e individualistas. As mães, por sua vez, precisam trabalhar para

contribuir ou, em muitos casos, para sustentar o lar.

O tempo da criança na escola é cada vez maior e, por isso é muito importante

que a escola seja um espaço que valorize o lúdico, a construção do conhecimento, a

brincadeira.

A idade pré-escolar é fundamental para a construção de alguns conceitos básicos

sobre valores, respeito, autonomia, liberdade e, através da brincadeira a criança pode

construir esses valores, perceber-se um ser único inserido numa sociedade. Sendo

assim, será através do “exercício” do brincar a criança irá aprender a se socializar, a se

desenvolver de forma, motora, física e cognitiva.


65

Á escola e à família cabem facilitar todo esse processo de desenvolvimento,

afinal ambas são os elos de ligação desse criança com o mundo.

Esses conceitos adquiridos na pré-escola facilitarão não só os demais anos

escolares da criança, como sua postura enquanto ser social e histórico, que sabe seu

“papel” no mundo, que transforma a realidade, que respeita-se e é respeitado.

Pode-se constatar um fato bastante importante com essa pesquisa. Quando a

escola não dá continuidade ao trabalho baseado no lúdico e no brincar como forma de

auxíliar na assimilação dos conteúdos trabalhados em sala de aula (que tende a ser

apenas realizado na educação- infantil) acaba por contribuir para que a criança das

séries seguintes ( Ensino- Fundamental, Médio, universitário) seja afetado.

Quando pense-se nos jogos, brincadeiras como fontes de socialização, trocas de

calor humano, vias de escape para as tensões, pode se deduzir que quando tais

atividades não são inseridas no cotidiano das crianças maiores e até mesmo dos adultos,

ocorre uma grande perda. A perda da oportunidade de se trabalhar inúmeros ‘aspectos

qualitativos e de eficientes resultados no processo ensino aprendizagem e na construção

da cidadania.

Acredita-se, tendo como base o conteúdo desta pesquisa que o

crescimento e o brincar caminham juntos e são grandes aliados ao desenvolvimento

como um todo.

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66

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_______________. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São


Paulo: EPU, 1987.

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 08
68

CAPÍTULO I 10

A HISTÓRIA DOS JOGOS NO CONTEXTO DA HUMANIDADE


1.1 - O jogo e a história, da antiguidade aos dias de hoje 10
1.2. Os jogos e as brincadeiras no Brasil 13
1.2.1. A influência portuguesa 15
1.2.2. A influência negra 16
1.2.3. A influência indígena 19

CAPÍTULO II

OS JOGOS E BRINCADEIRAS E SUA IMPORTÂNCIA NA VIDA DAS


CRIANÇAS 21
2.1. Brincar 21
2.1.1 O que é exatamente a brincadeira infantil? 24
2.2 - Objetivos da pré - escola e o papel dos jogos e brincadeiras 28
2.2.1 Psicomotricidade 29
2.2.2. As percepções 30

2.2.3. Linguagem 33

CAPÏTULO III 34

ALGUNS PENSADORES DA EDUCAÇÃO: QUEM SÃO, SUAS TEORIA E A

IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS PARA CADA UM 34

3.1 - Jean Piaget 34

3.1.1. Proposições gerais da teoria piagetiana 36

3.1.2. O estrágio pré - operacional 38

3.1.3. As áreas de aprendizado da teoria piagetiana e a importância do brincar

para desenvolvê- las 39

3.2.Vigotsky 40

3.2.1. A teoria histórico cultural 43

3.2.2. A importância dos jogos e brincadeiras na teoria histórico cultural 49


69

3.3. Friedrich Frobel : breve histórico e teoria 50

3.4. Maria Montessori: um pouco sobre sua história e concepções 53

CAPÍTULO IV

A ESCOLA, A CRIANÇA E A FAMÍLIA: UMA RELAÇÃO DE TROCAS 55

4.1. A escolha da escola pela família 55

4.2. A escola 58

4.3. Os meios de comunicação 60

4.4. Escola e família, uma parceria constante 61

CONCLUSÃO 62

BIBLIOGRAFIA 65

ÍNDICE 67

ANEXOS 69
70

ANEXOS
71

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