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137-149, 2012
Resumo: O ofício de criar empresas é inerente aos empreendedores. Quando a motivação é a necessidade, o risco
de insucessos aumenta muito. Nesse trabalho, busca-se conhecer, compreender e compartilhar os aprendizados de
um grupo de empreendedores que passaram por essa situação e obtiveram sucesso. A partir do ponto de vista teórico
dos autores que tratam do pragmatismo dos processos empreendedoriais, o estudo de caso buscou, no decurso das
entrevistas com os empresários, a relação entre as teorias e práticas. Instituída a relação, sugere-se um modelo
de atuação empreendedora que possa orientar outros empresários em situação semelhante. Ao final, observou-se
que ter seu próprio negócio os motivou e a atenção aos feedbacks os estimulou para as mudanças. O elevado grau
de coerência entre o empreendedor, seu negócio e o ambiente favoreceram a situação. Enquanto desenvolviam
experiências empreendedoriais, essas pessoas, influenciadas por diferentes modos de atuação, alteraram os seus,
levando-as a desenvolver o processo empreendedor. Diante disso, pode-se dizer que suas atitudes catalisaram as
mudanças, caracterizadas pelo elevado grau de assertividade.
Palavras-chave: Empreendedorismo. Criação de empresas por necessidade. Processo empreendedor.
Abstract: Creating firms is an inherent entrepreneurial spirit. When necessity is the motivation, the risk of failure
is high. The objective of this study is to understand and share the learnings and experiences of an entrepreneurial
group that was faced with this challenging situation and reached success. From the theoretical point of view of
the authors who dealt with the entrepreneurial process, the case study aimed to establish a relationship between
theory and practice through interviews with entrepreneurs. Once this relationship was established, a model of
entrepreneurial action that can guide other entrepreneurs in similar situations was suggested. It was observed that
the idea of having their own business motivated the entrepreneurs and the feedback received stimulated changes.
Prudent entrepreneurship, the business created, and the environment favored this situation. While developing
entrepreneurial experiences, these entrepreneurs, influenced by different types and styles of management, changed
their own management approach and developed the entrepreneurial process. This behavior speeded up changes
leading to high levels of accomplishment.
Keywords: Entrepreneurship. Firms created of necessity. Entrepreneurial process.
1 Introdução
O Brasil tem se posicionado no topo das listas Empreendedores por oportunidade: motivados
dos países mais empreendedores. Fato esse que pode pela percepção de um nicho de mercado em
ser interpretado como um indicador de crescimento potencial e Empreendedores por necessidade:
econômico e de um ambiente propício à criação de motivados pela falta de alternativa satisfatória
novas empresas. Porém, ao ser analisado com maior de ocupação e renda. (GLOBAL..., 2005, p. 13)
profundidade, esse fato remete a uma realidade na qual
se observa que para cada empresa que surge devido Acredita-se que as Micro e Pequenas Empresas
a uma oportunidade outra surge por necessidade de – MPEs criadas por necessidade estejam mais
ocupação e renda de seus criadores. propensas ao fracasso. Porém, muitas não atendem
Essa dicotomia está evidenciada nos relatórios a essa expectativa. Nesse caso, que fatores determinam
executivos Global Entrepreneurship Monitor – GEM sua prevalência?
(2005, 2006, 2007, 2008), que diferencia os Pesquisadores das áreas do comportamentalismo
empreendedores conforme a motivação pela qual (WEBER, 1930; McCLELLAND, 1971; TIMMONS,
criaram suas empresas: 1973; PINCHOT, 1989) e da economia (CANTILLON,
1
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Centro de Tecnologia, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM,
Av. Roraima, 1000, Cidade Universitária, Camobi, CEP 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil, e-mail: janisr@smail.ufsm.br
Recebido em 20/10/2009 — Aceito em 20/8/2011
Suporte financeiro: CAPES.
138 Ruppenthal et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 19, n. 1, p. 137-149, 2012
1755; SAY, 1983, 1815, 1816, 1839; SCHUMPETER, Segundo Dolabela (1999b, p. 4), “[...] boas ideias
1954, 1997; BAUMOL,1968, 1990, 1993; não são necessariamente oportunidades e não saber
BUCHANAN; DI PIERRO, 1980) têm estudado o distinguir umas das outras é uma das grandes causas de
comportamento humano e a forma como estabelecem insucesso.”. Conhecer e utilizar comportamentos que
relações consigo mesmo e com os seus negócios, e auxiliaram na jornada empreendedora desencadeia
como ambos relacionam-se com o ambiente. Entre um processo de modelagem que permite o registro
esses estão os autores dos modelos conceituais e a incorporação desses traços de comportamento
que orientam este trabalho e evidenciam o viés ao patrimônio vivencial dos empresários aprendizes.
empreendedor dos sujeitos da pesquisa: a teoria Não há unanimidade sobre a definição de
visionária (FILION, 1993); a teoria empreendedora empreendedorismo como uma área de estudos ou
dos sonhos (DOLABELA, 2003); e os fundamentos como uma atividade com a qual pessoas se ocupam.
cognitivos do empreendedorismo (BARON; SHANE, Dessa forma, Shane e Venkatareman (2000), Baron e
2007; STERNBERG, 2004). Shane (2007) sugerem que o empreendedorismo, como
Objetiva-se conhecer os comportamentos gerenciais uma área de negócios, busca entender como surgem as
determinantes do sucesso desses empreendedores, oportunidades para criar algo novo. E, além disso, de
procurar esclarecer os motivos pelos quais uma que forma as oportunidades são descobertas ou criadas
ou várias decisões foram tomadas, como foram por indivíduos que, a seguir, usam meios diversos
implementadas e quais resultados foram alcançados. E, para explorá-las ou desenvolvê-las, produzindo,
por fim, propor um modelo de atuação empreendedora assim, uma ampla gama de efeitos.
que possa ser utilizado por outros empresários. A perceptível retomada nos estudos sobre
empreendedorismo no campo acadêmico e fora dele
2 O processo empreendedor deve-se a múltiplos fatores. Entre os quais, Serafin
Historicamente o empreendedor tem sido e Leão (2007) citam o crescimento da colaboração
relacionado ao sonho de conquistar algo importante, interdisciplinar entre economistas, sociólogos,
à necessidade de realização, ao desenvolvimento antropólogos e cientistas políticos, a atenuação da força
econômico, à inovação, ao aproveitamento de da ideologia marxista – que não faz distinção entre
oportunidades para gerar novos negócios e concretizar capitalistas e empreendedores – e que tende a incluir
visões (SAY, 1983), (SCHUMPETER, 1997), ambos a um julgamento fortemente crítico. E, também,
(MCCLELLAND, 1972), (DOLABELA, 1999a, 2000), o reconhecimento do papel fundamental que as
(FILION, 2000), (DORNELAS, 2005), (BARON; pequenas empresas familiares e o empreendedorismo
SHANE, 2007). Esses empreendedores, segundo Filion social possuem no desenvolvimento econômico de
apud Dolabela (1999a), podem ser voluntários porque um país.
têm motivação para empreender ou involuntários Há ainda o debate sobre os elementos que
porque são forçados a empreender por motivos alheios diferenciam empreendedores de operadores de
à sua vontade, tais como desempregados, imigrantes, pequenos negócios. Filion (1999) identificou diferentes
herdeiros entre outros. sistemas de atividades que estruturam o processo de
As altas taxas de insucesso das MPEs no Brasil, em gerenciamento nos dois grupos. Nos empreendedores,
que, de acordo com Global Entrepreneurship Monitor destacaram-se visão, projeto, animação, monitoração
(2008), cerca de 60% do total de novas empresas e aprendizagem, enquanto que nos operadores,
não sobrevivem por mais de três anos, levaram destacaram-se seleção, desempenho, atribuição,
à implementação de ações visando reverter essa alocação, monitoração e ajuste.
situação. Assim, surgiu o seguinte questionamento:
o empreendedorismo pode ser ensinado e, portanto, 2.1 A teoria empreendedora dos sonhos
aprendido? Ou ele é algo inerente às pessoas?
Pesquisadores como Schumpeter (1997), McClelland A teoria é composta de dois movimentos: sonhar
(1971), Druker (1998), Filion (1991), Dolabela e buscar a realização do sonho (DOLABELA,
(1999a), Sternberg (2004), (2004), Mitchell et al. 2003). O ato de sonhar envolve imaginar algo que
(2007), Baron e Shane (2007), entre outros propõem dá estrutura, é estimulante e articula sinergicamente
que ao indivíduo compete o esforço da percepção e a visão, valores, competências, desejos, preferências
desenvolvimento de suas, características, habilidades, e autoestima, experimentados no desenvolvimento de
interesses pessoais, crenças e valores. Tendo, portanto, projetos que levem o empreendedor ao sentimento
na educação formal ou informal um dos veículos de autorrealização. O sonho estruturante deve ser
para o aprendizado e desenvolvimento das práticas congruente com o sistema de valores e a forma de
empreendedoras. ser de quem sonha, e ainda ser factível.
O empreendedorismo alimenta-se de oportunidades, Considerando-se que os comportamentos são
porém, é comum confundir-se uma ideia com condicionados por situações, circunstâncias e
oportunidade e assim surge mais uma empresa. condições e que surgem de acordo com a “situação
O processo empreendedor em empresas criadas por necessidade 139
em torno de atividades pontuais: trabalho, política, decisões importantes e dispõe-se de pouca informação
sociais, religiosas, entre outras. As relações terciárias (BARON; SHANE, 2007).
são estabelecidas com a finalidade de atender a uma Resultante de processos cognitivos básicos, a
necessidade específica em determinada área de criatividade pode ser definida considerando dois
interesse (FILION, 1991). aspectos-chave: os itens ou ideias produzidos são tanto
novos, originais, não esperados, como apropriados ou
2.3 A inteligência empreendedor úteis, pois atendem a restrições relevantes. Dentre esses
processos, dois são centrais: Um primeiro envolve a
Os empreendimentos bem sucedidos originam-se expansão de certas estruturas mentais internas, cuja
de um somatório de eventos, nem sempre percebidos. função é facilitar o processo de recuperar e utilizar
São, portanto, decorrentes de oportunidades que as informações armazenadas na memória de longo
resultam de frequentes mudanças na tecnologia ou prazo – os conceitos. E um segundo que envolve as
nas condições políticas, sociais e demográficas que operações de algumas características da inteligência
geram o potencial para criar algo novo (BARON; humana. Essa organização de informações pode afetar
SHANE, 2007). O passo seguinte, a exploração dessas positivamente o desempenho mental, permitindo
oportunidades por meio de inovações, requer uma que as matérias-primas, das quais as novas ideias
mistura de aspectos analíticos, criativos e práticos da podem surgir, sejam mais facilmente armazenadas e
inteligência, que, ao serem combinados, constituem acessadas. E negativamente, limitando o pensamento
a inteligência para o sucesso (STERNBERG, 2004). a círculos viciosos mentais, inibindo a criatividade
Considerada a principal competência do empreendedor, (BARON; SHANE, 2007).
a inteligência emerge a partir de três conceitos: a A inteligência humana é definida por Antunes
formação de novas ideias, a criatividade e a capacidade (2000, p. 11) como “[...] a capacidade cerebral pela
de reconhecer oportunidades. qual conseguimos penetrar na compreensão das coisas
Esses conceitos encontram-se ancorados na escolhendo o melhor caminho.”. Baron e Shane (2007,
capacidade intrínseca dos indivíduos de acessar, p. 73) a definem como
armazenar, processar e utilizar informações, [...] as habilidades de um indivíduo de
intimamente ligada ao sistema cognitivo humano. compreender ideias complexas, de adaptar-se
A geração de novas ideias acontece quando indivíduos ao mundo ao seu redor, de aprender com a
utilizam o conhecimento existente que adquiriram e experiência, de envolver-se com várias formas
armazenaram para gerar algo novo (BARON; SHANE, de raciocínio e de superar obstáculos.
2007). Ou seja, o fenômeno acontece a partir de um
A multiplicidade da inteligência humana, defendida
estímulo e da qualidade da resposta, que é diretamente
por Goleman (1995) abrange sete tipos diferentes de
proporcional ao estoque de conhecimento desses
inteligências: a vivacidade verbal, a matemática-lógica,
indivíduos.
a espacial, a cinestésica, a musical, a interpessoal e a
A memória subdivide-se em vários sistemas:
intrapsíquica. Antunes (2000) acrescenta a naturalista
a memória de trabalho, de capacidade limitada e
e cita Machado (1996) ao acrescentar uma nona – a
de curto prazo; a memória de longa duração que pictórica.
armazena grande quantidade de informações por Para Sternberg (2004), a obtenção do sucesso
logos períodos de tempo; e a memória procedural, empreendedor é influenciada pela utilização de uma
responsável pelo armazenamento de informações fusão estratégica das inteligências prática, analítica
dificilmente verbalizáveis. Essa memória talvez e criativa. Baron e Shane (2007) acrescentam ainda
demonstre porque os empreendedores têm dificuldades a inteligencia social. E Sternberg (2004), embora
para explicar como ocorre a identificação e a opção não a incluía, comenta que empreendedores bem
por assumir uma determinada oportunidade (BARON; sucedidos parecem possuir um grau mais elevado de
SHANE, 2007). inteligência social que os mal-sucedidos.
Além da memória, há estruturas temporárias: os O reconhecimento de oportunidades é considerado
esquemas, que são estruturas mentais cognitivas uma das etapas iniciais do processo empreendedor
representativas de nosso conhecimento e hipóteses e ocorre de uma sequência de eventos envolvendo
a respeito de aspectos específicos do mundo. Já os novas ideias, criatividade, motivação e muita energia.
protótipos são estruturas mentais cognitivas formadas Essa sequência de eventos sugere o motivo pelo qual
por representações mentais abstratas idealizadas se deve examiná-lo como um processo composto
que capturam a essência de uma categoria de de diversas questões-chave (BARON; SHANE,
objetos. Ambas as estruturas criadas para auxiliar 2007). A primeira procura compreender como as
a compreender e integrar novas informações com pessoas identificam oportunidades. A segunda trata
outras anteriormente adquiridas podem induzir ao do porquê algumas pessoas são melhores que outras
erro, como em situações nas quais devem ser tomadas para identificar oportunidades. A terceira discute por
O processo empreendedor em empresas criadas por necessidade 141
que alguns indivíduos são melhores em decidir quais criada. Os sujeitos da pesquisa foram determinados
oportunidades são melhores e poderão gerar maiores a partir dos seguintes critérios: empresários cujas
ganhos econômicos e por fim, se as oportunidades empresas estavam estabelecidas e em operação há, pelo
existem de fato ou se são criadas pela mente humana. menos, três anos e meio, ainda não haviam completado
Para Baron e Shane (2007, p. 78), “[...] as oportunidades, o décimo ano de existência, e tinham pertencido
tanto existem lá fora, como também são resultado da inicialmente a grupos culturais diferenciados. Porém,
criação do pensamento humano.”. todos eles, em algum momento anterior ao da criação
Considerando-se que o reconhecimento de ou aquisição da empresa, passaram, necessariamente,
oportunidades passa pelo acesso e adequada utilização por alguma dificuldade financeira, sendo esse o
das informações, e que as pessoas, por possuírem principal motivo e origem da necessidade da criação
características individuais diferenciadas, obtêm e das empresas selecionadas.
utilizam informações de maneira diferente, pode-se O cuidado para que os sujeitos pesquisados
esperar que determinados indivíduos desfrutem de uma apresentassem diferentes níveis culturais, de
maior acessibilidade a informações úteis no processo escolaridade e de capacitação técnica foi devido
de identificação de oportunidades. Em resposta a essas ao fato de acreditar-se que a formação técnica
questões, pode-se dizer que o reconhecimento de na área empresarial influencie seu desempenho
oportunidades tem relação direta com a capacidade gerencial, dificultando ou facilitando a sua trajetória
de acessar e utilizar informações. empresarial. Além disso, os sujeitos foram consultados
quanto ao fato de aceitarem fazer parte da pesquisa,
3 Delineamento metodológico entendendo seu testemunho como contribuição à
Considerando que, nessa pesquisa, o fenômeno de compreensão dessa realidade. Os empresários e
interesse não pode ser estudado fora de seu ambiente empresas selecionados foram assim identificados:
natural, o problema é pouco conhecido e a exploração Empresa A - Comércio de cosméticos; Empresa
caracteriza a pesquisa, concluiu-se que a abordagem B - Escola de informática; Empresa C - Oficina de
adequada é a qualitativa (TRIVIÑOS, 2006). autoelétrica; Empresa D - Instalação e manutenção de
A estratégia de pesquisa utilizada foi o estudo de ar condicionado automotivo; Empresa E - Comércio
caso, e o objetivo foi o de aumentar o entendimento de materiais de construção.
sobre eventos reais e contemporâneos. Além de Elaborou-se um roteiro procurando-se abranger
procurar esclarecer os motivos pelos quais uma o maior número de aspectos possíveis, objetivando
ou várias decisões foram tomadas, como foram demonstrar as relações, e as consequentes implicações,
implementadas e quais resultados foram alcaçados entre a história de vida dos entrevistados, os históricos
(MIGUEL, 2007; YIN, 2001). Dessa forma, os empresariais e o meio em que atuam. Procurou-se
resultados são válidos somente para o caso que se ainda, identificar as situações gerais e específicas que
estuda, porém seu valor é fornecer o conhecimento envolveram suas trajetórias empresariais e de que forma
detalhado de uma realidade delimitada, e que os resultaram na realidade atual, tais como escolhas,
resultados possam levar à formulação de hipóteses ações e consequências. As entrevistas realizadas
para o encaminhamento de outras pesquisas. abordaram as seguintes questões: a) identificação
A partir de um plano de pesquisa pré-estabelecido, dos sujeitos da pesquisa, empresários e empresas;
foram utilizados como procedimentos a entrevista b) escolaridade do empresário, bem como suas
estruturada e a semiestruturada, além da observação relações com o aprendizado, com a escola formal
direta não participante, os artefatos físicos e culturais, e com outras formas de aprendizagem; c) tipo de
e os documentos e registros (GIL, 1996; MIGUEL, empresa e conhecimento do negócio; d) conhecimento
2007). As empresas foram intencionalmente escolhidas sobre empreendedorismo; e) ocupação anterior;
na região centro-oeste do Paraná para esse estudo f) histórico de vida, sistema de relações parentais
e, como sujeitos entrevistados, os seus gestores. A e grupos a que pertenceu; g) relação do empresário
escolha foi motivada pelo fato de que essas empresas com as pessoas, com a empresa e com o meio em que
foram criadas ou adquiridas por necessidade, pela atua; h) capacidade de perceber as retroinformações
semelhança no seu porte e pelo fato de que elas e delas fazer uso. Os resultados foram organizados de
representam a principal fonte de sustento dos seus forma que permitissem a caracterização dos sujeitos
donos. Papel que ainda cumprem, diferenciando-as da pesquisa.
das criadas com o mesmo fim, mas que já não mais É conhecida a dificuldade em concentrar o universo
existem. das informações e do saber descritos. Dessa forma,
A pesquisa in loco, segundo Richardson (1999), para dar razão pragmática aos fatos narrados a partir
é possivelmente a forma mais comum de descrever da literatura impressa, optou-se pela realização das
as características e medir determinadas variáveis. entrevistas nas empresas. Os sujeitos da pesquisa
Assim, optou-se por uma abordagem que contemplasse foram intencionalmente selecionados como forma de
inicialmente os motivos pelos quais a empresa foi direcionar as entrevistas àquele grupo de empresas.
142 Ruppenthal et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 19, n. 1, p. 137-149, 2012
Com a intenção de obter uma análise mais autônomo, os sujeitos da pesquisa são ex-funcionários,
aprofundada dos fatos e assim atender os objetivos com diferentes graus de escolaridade. Observou-se
pré-estabelecidos nessa pesquisa, optou-se por realizar que a maioria deles detinha alguma experiência
duas entrevistas. Na primeira entrevista, procurou-se no ramo, fator que pode ter facilitado o caminho
identificar, genericamente, nos entrevistados, os percorrido. O Quadro 2 resume a caracterização dos
aspectos de duas teorias que fundamentaram essa empresários entrevistados.
pesquisa: A teoria empreendedora dos sonhos Os elementos da teoria empreendedora dos sonhos
(DOLABELA, 2003) e a teoria visionária (FILION, e da teoria visionária, descritos no Quadro 3, na
1993). Enquanto que, na segunda entrevista, medida em que são declarados, conferem-lhes
priorizou-se o desenvolvimento dos empreendedores pragmatismo. O elemento da teoria empreendedora
e de seus negócios, além da possível ativação da dos sonhos, manifestado no desejo de ser dono de
inteligência empreendedor, fundamentada nas seu próprio negócio, aparece como mobilizador para
teorias de vários autores (BARON; SHANE, 2007; a concretização do sonho pessoal dos entrevistados
STERNBERG, 2004; MITCHELL et al., 2007). e como impulso inicial para a formação do processo
Esse procedimento visou fortalecer a construção do visionário. Na sequência, observa-se que as visões
modelo proposto. emergente e central confundem-se ao surgirem
praticamente ao mesmo tempo. E, ao expressarem
4 Perfil empreendedor o desejo de ter seu próprio negócio, reforçam a
As informações obtidas dos empresários motivação.
entrevistados são apresentadas em tópicos que Apenas depois da empresa já montada, com a
procuram obedecer a sequência proposta pelos diminuição da ansiedade, as visões emergentes
modelos conceituais desse trabalho. Dessa forma, retornam e reorientam esses empreendedores para os
as informações coletadas, na primeira entrevista, são próximos passos: a implementação de ações voltadas
apresentadas resumidamente nos Quadros 1, 2, 3 e 4 para a realização das visões externas e internas. As
por meio de anotações pontuais a respeito da teoria visões externas e internas aparecem inicialmente
empreendedora dos sonhos, da teoria visionária e do fundidas à visão central, quase sempre de forma
plano de negócios. desestruturada, não pensada e praticamente não
As empresas, identificadas no Quadro 1, foram diferenciada. Desenvolvidas a partir de um modelo
criadas pelos seus donos atuais, que continuavam baseado na conduta de outra pessoa ou empresa já
as administrando. existente e conhecida.
A maior incidência de empresários do sexo As visões complementares passaram a acontecer
masculino ocorreu por acaso e não deve ser considerada depois da abertura da empresa, como consequência
como indício de sua predominância no meio das sugestões e necessidades manifestadas pelos
empresarial. Com exceção do ex-motorista que era clientes. E podem ser consideradas como os principais
motivos das frequentes mudanças no mix de produtos, feedbacks recebidos, e declaradamente importantes,
layout, endereço, entre outras. ratifica essa impressão.
O sistema de relações, da teoria visionária no Dentre os fatos observados, atrai atenção o elevado
Quadro 4, revelou-se um fato presente, motivador e grau de coerência existente entre o empreendedor,
consistente em suas vidas, percebido nos depoimentos seu negócio e o ambiente em que acontece, conforme
pelas revelações sobre o apoio familiar e a vida exposto no Quadro 5. Essa triangulação, e a forma
como ela se desenvolve, atende quase totalmente às
social, com exceção de um deles que é avesso a
necessidades de espaço, afeto e realização profissional
eventos sociais. da maioria dos entrevistados.
O alto grau de identificação pessoal com a atividade Percebe-se que, em sua maioria, ainda que
facilita o relacionamento com os vários elementos que inconscientes do fato, esses empreendedores
a compõem: serviços, produtos, ambiente, clientes, adquiriram maior autonomia e ampliaram suas
empregados, participação em eventos sociais, feiras práticas empreendedoriais. Assim como detinham
setoriais e outras áreas de interesse. A influência dos boa parte das características necessárias para lidar
144 Ruppenthal et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 19, n. 1, p. 137-149, 2012
o desenvolvimento das competências gerenciais que permanente e requer sua aquisição de forma imediata
atendam às demandas empresariais, originadas a partir e pontual. Assim, na terceira etapa do processo,
do impulso empreendedor. O modelo apresenta três acontece a expansão intencional dos conhecimentos,
etapas: A criação de um novo negócio ou uma nova objetivando o aumento da assertividade no desempenho
atividade, estimulada pelo desejo ou necessidade das atividades empresariais e a conquista do sucesso
de mudanças, sustentada pelo sonho a ser realizado empreendedor.
e influenciada pelas alterações ambientais que, por O Quadro 6 orienta o empreendedor para um
sua vez, sofrem influências das ações e mudanças conjunto de ações que, ao serem implementadas,
efetuadas. A experimentação empreendedor, na qual complementam o modelo apresentado na Figura 2.
empreendedores são submetidos às dificuldades, Uma vez que sua aplicação potencializa o processo
sensações de desconforto e de ansiedade, impostas pelo visionário, amplia o repertório de conhecimentos dos
mercado. Nesse contexto, desenvolvem percepções protagonistas e permite a experimentação de novas
decorrentes das relações que estabelecem e, ao habilidades, favorecendo o estabelecimento da atuação
tomarem decisões, experimentam-se. Esse conjunto empreendedora na gestão das MPEs.
de fatores, reagindo entre si e se interinfluenciando Acredita-se que a aplicação desse modelo poderá
provoca o desenvolvimento de aprendizados que, ao suprir a demanda pelas competências necessárias
serem armazenados, combinados e utilizados ativam para a gestão eficaz de MPEs. Pois a ativação da
a inteligência empreendedor. Sendo, o meio, pródigo inteligência empreendedor, reforçada por ações
em mudanças, a demanda por novos conhecimentos é coerentes e oportunas, orientadas para a solução
Figura 2. Modelo de ações e objetivos desejáveis para o desenvolvimento de competências gerenciais e conquista do sucesso
empreendedor.
O processo empreendedor em empresas criadas por necessidade 147
de um modelo de atuação empreendedor, mais de ter seu próprio negócio. Ao ser analisado sob o
adequado e apropriado à realidade interna e externa ponto de vista dessa teoria, o empreendedor pode ser
dessas MPEs. caracterizado como o elemento catalisador de um
A capacidade de adaptação e de construção, nos relacionamento sinérgico entre ele, sua organização e
casos estudados, está relacionada a ações fortes e o ambiente externo. Compondo, nessa triangulação,
positivas, que se desenvolvem numa realidade em que uma consistente rede de inter-relações.
alguns fatores definitivos para o sucesso, por serem Pode-se concluir que o comportamento desses
do ambiente externo, em nada ou muito pouco podem empreendedores os tornou capazes de responder às
ser alterados, apesar do desejo e do esforço aplicado situações críticas de forma rápida, flexível e com
pelos empreendedores em questão. Então, há que elevado grau de assertividade. Além disso, de acordo
se adaptar a esta realidade. A observação dos fatos com Mitchell et al. (2007), os empreendedores são
narrados leva a crer que a construção pode vir junto peritos na utilização de estruturas do conhecimento
à adaptação, ou logo depois, mas não antes. Pois, se que lhes permitem utilizar as informações signi
isso acontecer, podem ocorrer desconformidades na ficativamente melhor que os não empreendedores,
concepção ou na estratégia. habilidade detentora de considerável significado na
Pode-se dizer que os sujeitos da pesquisa, nesse implementação de atitudes inovadoras e essencial ao
estudo de caso, encontram-se em harmonia com processo empreendedor. Esse conjunto contribuiu
as atividades que desenvolvem. Essa harmonia para uma maior capacidade de perceber e utilizar
envolve a utilização consciente e inconsciente da as informações fundamentais para a formação de
capacidade de interligar e operar fatores pessoais e uma inteligência voltada para seus negócios. Fato
ferramentas de gestão ao ambiente no qual operam que se constituiu numa vantagem competitiva para
e fazem parte simultaneamente. Enquanto atuam, a empresa, no decorrer do seu desenvolvimento.
movidos pelo desejo de desenvolver e concretizar Não obstante essa possibilidade concreta, resta
suas visões, estimulados pela motivação, gerada ainda um grande desafio: conseguir que o empresário
inicialmente pela necessidade de atender ao passe a acreditar na possibilidade de mudar sua forma
impulso interior de segurança e, em seguida, pela de pensar e de agir, tornando-se protagonista de sua
integração e adequação entre a personalidade do caminhada para o sucesso, deixando, portanto, de
empreendedor e sua atividade. Orientados pelos ser mero expectador.
planos de conquista e realização – alguns consistentes
e palpáveis, outros quase intangíveis, mas presentes Referências
e persistentes. Os três elementos – visão, motivação
ANTUNES, C. As inteligências múltiplas e seus estímulos.
e planejamento – acontecem e interinfluenciam-se
Campinas: Papirus, 2000.
mutuamente, enquanto influenciam e são influenciados BARON, R. J.; SHANE, S. A. Empreendedorismo: Uma
por um quarto elemento, a inteligência empreendedor. visão do Processo. São Paulo: Thomson Learning, 2007.
Agindo como interface entre os outros três, BAUMOL, W. J. Formal Entrepreneurship Theory in
o desenvolvimento e a utilização da inteligência Economics: Existence and Bounds. Journal of Business
empreendedor, revela-se como fator definitivo para Venturing, n. 3, p. 197-210, 1993. http://dx.doi.
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mudanças estimuladas pelos sinais e informações BAUMOL, W. J. Entrepreneurship in Economic Theory.
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sua maneira, de acordo com suas competências para Unproductive, and Destructive. Journal of Political
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Percebeu-se ainda que, na medida em que BUCHANAN, J. M.; DI PIERRO, A. Cognition, Choice and
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com outros empresários, em capacitações, encontros inédita de Clube de empreendedores para apoio às
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Os resultados orientam para o fato de que o processo ENTREPRENEURSCHIP, 1999, Singapure.
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O processo empreendedor em empresas criadas por necessidade 149