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Conferência XVIII: Fixação em traumas – o inconsciente.

Sigmund Freud

Freud inicia a presente conferência enfatizando que se valerá das descobertas, e não das dúvidas,
para dar continuidade ao trabalho até então desenvolvido. Posto isto, ele desenvolve, através da análise dos
casos de duas pacientes, um aspecto que particularmente lhe chama a atenção nestas mulheres, mas que
acredita ser uma característica comum nas neuroses: há um ponto de fixação no qual uma pessoa pode ficar
enclausurada numa determinada parte de sua história e, devido a isto, pode vir a tomar uma série de atitudes
que provoquem inúmeras e sérias dificuldades à própria vida. Nos casos tomados por Freud para ilustrar tal
inferência, as mulheres demonstram uma fixação no passado que as impedem de dar continuidade às etapas
da vida: enquanto uma permanecia extremamente fiel àquele que deixara de ser seu marido, a outra não se
casou.

Ao se debruçar sobre o estudo das fixações, Freud constata que há sentido nos atos obsessivos
destas jovens – o que evidencia uma clara conexão entre a conduta obsessiva e a experiência que oculta um
episódio traumático. A moça que permanecera fiel mesmo após o término de seu casamento procura
retificar, através de seu ato obsessivo, uma dimensão particularmente desagradável de seu passado – sua
noite de núpcias – ao criar para seu marido uma imagem menos degradante. E a outra, aquela que deixara
de se casar, obedecia de maneira rigorosa a regra de sempre manter a mesma distância entre seu travesseiro
e a cabeceira da cama. Ambas se percebem num estado mental normal, mas não têm o menor conhecimento
sobre aquilo que atua como predeterminante da conduta obsessiva; inclusive, Freud aproxima esse
comportamento, cuja ordem vem não se sabe de onde, com o estado hipnótico dos pacientes de Bernheim:
“É uma situação semelhante que temos diante de nossos olhos quando falamos na existência de processos
mentais inconscientes (...) Algo não real, que produz efeitos de uma realidade tão tangível como um ato
obsessivo” (p. 328).

Estas constatações oferecem os subsídios necessários para afirmar de maneira contundente, como
faz Freud, que somos conduzidos à convicção da existência do inconsciente na mente humana. Neste ponto,
ele faz uma critica incisiva à psiquiatria clínica de sua época, que encerra os sintomas como “sinais de um
tipo especial de degeneração” (p. 329) e não concebe nenhuma outra forma de lidar com os mesmos. A
psicanálise, pela via da interpretação, possibilita uma outra escuta que permite que conteúdos inconscientes
se tornem conscientes para o paciente: “a possibilidade de conferir um sentido aos sintomas neuróticos,
mediante interpretação analítica, é uma prova inarredável da existência (...) de processos mentais
inconscientes” (p. 329).

Freud enfatiza a fundamental descoberta de Breuer, que diz respeito ao desaparecimento do sintoma
a partir da técnica de trazer seu sentido à consciência, e a desenvolve problematizando a questão acerca do
saber na psicanálise, dizendo-nos que há diferentes formas de saber. Com isso, ele pretende esclarecer que
o trabalho do analista não é decifrar os sentidos dos sintomas e simplesmente comunicá-los ao paciente,
mas sim colocar este último em movimento, pois o “conhecimento deve basear-se numa modificação
interna do paciente, e esta só pode efetuar-se através de uma parcela de trabalho psicológico orientado para
um objetivo determinado” (p. 332).

Logo após esta afirmação, Freud destaca os problemas clínicos que são efeitos da dinâmica da
construção dos sintomas e enfatiza a importância de nos perguntarmos sobre a finalidade do sintoma –
dimensão esta que é representada pela pergunta “para quê?”. Nesta questão, não só repousa o aspecto da
dinâmica da construção do sintoma, mas também aquilo que Freud chamou de terceiro golpe à megalomania
humana, pois evidencia que o ego, assim como a posição da Terra em relação ao universo, “não é senhor
nem mesmo em sua própria casa” (p. 336).

Mariana Galletti Ferretti

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