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Crítica

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28 de Abril de 2021   Epistemologia

Relativismo epistemológico
Richard Feldman
Tradução de L. H. Marques Segundo

Um conjunto final de questões sobre a Perspectiva Padrão1 emerge


da consideração da Perspectiva Relativista. Assim como a
Perspectiva Naturalista e ao contrário da Perspectiva Cética, a
Perspectiva Relativista não sugere exatamente que a Perspectiva
Padrão seja falsa, mas antes que é incompleta e que não leva em
conta considerações importantes. O ponto de partida da Perspectiva
Relativista são as observações de que há grande diversidade
cognitiva e que pessoas aparentemente razoáveis podem discordar
substancialmente. A Perspectiva Padrão parece ignorar isso. Este
capítulo examinará esses pontos e suas implicações.2

I. Formas incontroversas de relativismo


Harvey Siegel (um crítico do relativismo) descreve o relativismo
como se segue:

O relativismo epistemológico pode ser definido como a


perspectiva de que o conhecimento (e/ou verdade) é relativo – ao
tempo, ao lugar, à sociedade, à cultura, à época histórica, ao
esquema ou enquadramento conceitual ou à convicção ou
experiência pessoal – de modo que aquilo que conta como
conhecimento depende dos valores de uma ou mais dessas
variáveis.3

Há uma variedade de ideias diferentes que poderiam ser extraídas


da caracterização que Siegel faz do relativismo. Começaremos com
algumas formulações simples e incontroversas. Considere as
seguintes afirmações:

R1. Aquilo que uma pessoa sabe poderia diferir daquilo que outra
pessoa sabe.
R2. Aquilo que uma pessoa sabe num tempo pode diferir daquilo que
ela sabe noutro tempo.
R3. Aquilo que geralmente é conhecido numa sociedade poderia diferir
daquilo que geralmente é conhecido em outra sociedade.
R4. Aquilo que geralmente é conhecido numa sociedade num tempo
poderia diferir daquilo que é geralmente conhecido nessa mesma
sociedade num tempo diferente.

Ninguém, pelo menos alguém que não seja um cético, discordaria de


quaisquer dessas teses.

É preciso esclarecer o significado de (R1)–(R4). Considere (R1). Uma


coisa que a torna verdadeira é o fato de cada um de nós ter
segredos, coisas sobre nós mesmos que ninguém mais sabe. Como
resultado, cada um de nós sabe coisas que os outros não sabem. Não
há a implicação aqui de que uma pessoa pode saber algo
incompatível com algo que outra sabe. (R1) não implica que eu possa
saber que está chovendo num determinado lugar num dado tempo e
você saber que não está chovendo nesse lugar nesse mesmo
instante. Diz apenas que podemos saber coisas diferentes.
Observações similares se aplicam a (R2)–(R4).

Teses análogas a (R1)–(R4) valem para a crença razoável ou


justificada. Diferentes pessoas podem razoavelmente acreditar em
coisas diferentes, e crenças amplamente razoáveis numa sociedade
poderiam diferir das de outra. Crenças razoáveis podem mudar ao
longo do tempo. Ademais, no caso da crença razoável, não é
controverso admitir que possa haver conflitos diretos acerca daquilo
que é razoavelmente crido. Vimos isso várias vezes nos capítulos
anteriores. Os antigos podem ter tido crenças razoáveis sobre o
formato da Terra, que diferem hoje daquilo que razoavelmente
acreditamos sobre o mesmo tópico. Nada disso é particularmente
controverso. E nada disso põe em xeque qualquer coisa associada à
Perspectiva Padrão. Essas não são teses relativistas; e se são, são
formas de relativismo inteiramente incontroversas.
Presumivelmente, ao caracterizar o relativismo, Siegel tinha algo
mais em mente.

II. Relativismo sério


Uma tese relativista mais forte e que provavelmente Siegel tinha em
mente é uma tese sobre a relatividade dos padrões para o
conhecimento ou para a crença razoável. Stephen Stich propõe tal
abordagem do relativismo na seguinte passagem:

Uma abordagem daquilo que torna um sistema de raciocínio ou


revisão de crença um bom sistema é relativista se é sensível aos
fatos sobre o uso que a pessoa ou o grupo faz do sistema. Pode
então ser que um sistema seja melhor para uma pessoa ou grupo,
enquanto que um sistema completamente diferente seja melhor
para outro.4

A ideia aqui é a de que não há um único padrão correto de


racionalidade ou conhecimento, que se de algum modo algo conta
como racional ou conhecimento, tal se deverá em um sentido ou
outro a um conjunto de padrões que podem variar de um cenário
para outro. Podemos formular essa versão do relativismo do seguinte
modo:

R5. O sistema (ou princípios) correto (ou razoável) de formação de


crenças de uma pessoa ou grupo pode ser diferente do sistema correto
(ou razoável) de outros.

O relativismo é geralmente contrastado com o “absolutismo”, de


acordo com o qual há apenas um sistema correto, aplicável a todas
as pessoas.

Essa apresentação do relativismo é pouco clara; o bastante para


tornar a sua avaliação problemática. Um exemplo simples nos
ajudará a perceber.

Exemplo 9.1: Os dois professores

A Professora Expert é uma distinta especialista em sua área. Ela


dá aulas detalhadas e precisas sobre um tema. Os alunos escutam
cuidadosamente o que ela diz e, a menos que algo altamente
incomum aconteça, aceitam sua palavra. O Professor Provocativo
é também um distinto especialista em sua área, embora em suas
aulas ele tipicamente diga coisas absurdas a fim de provocar os
estudantes a pensar sobre o tema. Os estudantes escutam
cuidadosamente o que ele diz e, a menos que algo bastante
incomum aconteça, rejeitam o que ele diz.

Os estudantes das duas turmas no Exemplo 9.1 seguem princípios de


formação de crença diferentes. Um grupo de alunos segue a regra:
Acredite no que diz o professor. O outro grupo segue a regra
contrária. Seria um erro dizer que apenas uma das regras é a
correta. Cada grupo de alunos, poderíamos dizer, está usando uma
regra ou padrão que é apropriado para as suas circunstâncias.

As diferenças nas regras podem ser maiores do que as do Exemplo


9.1. Por exemplo, consideramos que a evidência visual é
particularmente importante para determinadas proposições. Assim,
se você quer saber se há maçã na geladeira, a evidência visual seria
mais relevante do que a sua memória sobre aquilo tinha na geladeira
ou sobre aquilo estava numa lista de compras. A mesma prioridade,
entretanto, não será dada à visão por aqueles que possuem uma
visão é extremamente ruim; eles seguirão regras diferentes. E, como
outro exemplo, pessoas que cresceram em sociedades muito
diferentes, em que é dado menos valor aos estudos científicos do que
nas culturas contemporâneas, seguirão também regras diferentes.

Se as diferenças ilustradas por esses exemplos são suficientes para


tornar (R5) verdadeira, então essa forma de relativismo epistêmico é
quase certamente verdadeira. Esse tipo de relativismo é
relativamente incontroverso. As regras que funcionam melhor para
uma pessoa ou grupo podem diferir daquelas que funcionam melhor
para outro. Se isso é tudo o que o relativismo implica, ele é sem
dúvida verdadeiro.

O tipo de relativismo até agora descrito não ameaça a Perspectiva


Padrão. Ele é consistente com as observações feitas em parágrafos
precedentes de que sabemos aquelas coisas que a Perspectiva
Padrão diz que sabemos e que as fontes de conhecimento que ela
identifica são de fato fontes de conhecimento. Ademais, a abordagem
fundacionista modesta5 ao conhecimento e à justificação é também
consistente com o relativismo.

Há, porém, uma razão para nos perguntarmos se as teses relativistas


até agora descritas revelam o cerne da Perspectiva Relativista. Uma
razão para se duvidar disso é que tudo o que foi dito até agora é
também consistente com aquilo que poderíamos plausivelmente
considerar como uma perspectiva absolutista sobre questões
epistêmicas. A menos que o absolutismo seja uma doutrina
ingenuamente simplista e completamente insatisfatória, ele também
implica que princípios diferentes devem ser aplicados em diferentes
circunstâncias. Para discordar da avaliação relativista do Exemplo
9.1, um absolutista teria de dizer que, ou todos os alunos devem
sempre acreditar naquilo que seus professores dizem, ou que
nenhum estudante deveria. Obviamente que ninguém diria isso. Na
verdade, as diretrizes dos estudantes nas duas turmas parecem se
enquadrar num princípio único, mais geral, que diz que devemos
acreditar naquilo que for dito por fontes nas quais tenhamos razão
para confiar.6 Similarmente, os absolutistas teriam de estar
extraordinariamente equivocados em negar que pessoas com
capacidades perceptuais diferentes possam razoavelmente tratar a
evidência perceptual de maneira diferente. Uma vez mais, é provável
que um princípio adequado, mais geral, cubra todos os casos. O
relativismo, caso mereça atenção, tem de implicar algo mais do que
isso. Tem de implicar algo que os absolutistas queiram negar.

Há uma tese muito mais questionável que pelo menos alguns


filósofos associam ao relativismo.7 É difícil apresentá-la de modo
preciso. A seguinte passagem apresenta um enunciado dela:

Para o relativista não faz sentido a ideia de que alguns padrões ou


crenças sejam de fato racionais em oposição àqueles localmente
aceitos. Dado que ele pensa não haver normas de racionalidade
independentes de contexto ou supra-culturais, ele não enxerga a
racionalidade e a irracionalidade das crenças constituindo duas
classes distintas e qualitativamente diferentes.8

A afirmação central aqui está contida na primeira frase. Ela nos


servirá como a próxima apresentação do relativismo:
R6. Nenhuns “padrões ou crenças são de fato racionais em oposição
àqueles localmente aceitos”.

(R6) parece implicar algo muito mais controverso. Ao pensar sobre o


Exemplo 9.1, presumimos que era de fato racional da parte dos
alunos da turma da Professora Expert acreditar nas coisas que ela
lhes dizia e que era de fato racional da parte dos alunos da turma do
Professor Provocativo rejeitar o que ele lhes dizia. Além do mais, não
é o fato de os estudantes terem efetivamente práticas diferentes que
os torna racionais. Poder-se-ia imaginar alunos teimosos na turma da
Professora Expert não aceitando aquilo que ela diz. Eles poderiam
ter essa prática crítica e ainda assim (pelo menos de acordo com o
tipo de perspectiva aplicada previamente) não serem razoáveis em
discordar das afirmações dela. Similarmente, alunos excessivamente
ingênuos na turma do Professor Provocativo poderiam ter a prática
de aceitar irrazoavelmente os absurdos ditos por ele. A nossa
discussão prévia pareceu então pressupor que havia um fato sobre o
que é realmente racional. (R6) nega isso. Aparentemente, os
defensores de (R6) pensam que nada conta para a racionalidade
além de padrões locais. Assim, se um grupo adota um padrão (e.g.,
acreditar no que o professor diz) e outro grupo em circunstâncias
descritivamente idênticas adota um padrão diferente (e.g., negar
aquilo que o professor diz), cada grupo é racional.

É difícil interpretar e avaliar (R6). Os seus defensores,


presumivelmente, pensam que a racionalidade é, num sentido,
especial e que outras propriedades “realmente” se aplicam aos
objetos. É difícil ver por que eles se dariam ao incômodo de dizer
que as coisas não são “realmente” racionais se também pensassem
que as coisas não são “realmente” quadradas e não “realmente”
humanas e não “realmente” composta por átomos. O relativismo
sobre essas questões parece completamente absurdo. Para dar outro
exemplo, se as pessoas numa sociedade estivessem a sofrer de uma
doença rara, seria um erro pensar que não há fato sobre o que
realmente está causando a doença, mas apenas crenças locais sobre
essa questão. Se um grupo pensa que é um vírus, e outro pensa que
foi comida contaminada, eles realmente discordam e não podem
ambos estar certos.9 Assim, é razoável perguntar por que os
relativistas pensam que a racionalidade seja assim tão especial.

Poderíamos ser levados a pensar que nada há que seja “realmente”


racional, pois todos aqueles que pensam sobre uma questão a
tratarão de sua própria perspectiva ou contexto. Não há um ponto
privilegiado do qual se possa ver as coisas. O que quer que você
pense sobre a racionalidade será afetado pelas suas experiências,
pela sua cultura e por outros fatores. Algo assim bem que poderia
ser o caso. Podemos fazer de tudo para tentar superar alguns de
nossos vieses, mas veremos ainda assim as coisas de alguma
perspectiva ou ponto de vista. É difícil, contudo, ver aqui qualquer
razão para pensarmos que disso se siga não haver verdade sobre a
questão. Quando ajuizamos sobre algum tópico, incluindo as formas
dos objetos ou as causas das doenças, temos de fazê-lo a partir do
nosso próprio ponto de vista. Novamente, podemos fazer de tudo
para evitar vieses, mas as nossas conclusões sempre serão afetadas
pelas nossas perspectivas ou pontos de vista. Não se segue disso que
os objetos “realmente” não tenham formas ou que doenças
realmente não tenham causas.

Finalmente, é difícil ver por que afinal um defensor de (R6) não


estaria comprometido com alguma forma de absolutismo. Esse
defensor pensa que tudo o que conta para a racionalidade são os
padrões locais. Por que não dizer então que aquilo que é realmente
racional a uma pessoa é aquilo que, seja lá o quer for, é exigido pelos
padrões locais? Isto é, (R6) parece ser equivalente a

A1. É sempre realmente racional a uma pessoa se conformar aos


padrões de racionalidade localmente aceitos.

(A1) é uma regra altamente implausível: os padrões locais poderiam


incorporar regras tolas. Mas isso não é crucial para os presentes
propósitos. O que é crucial é que mesmo essa última forma de
relativismo parece, em última análise, tornar-se um tipo de
absolutismo.

A conclusão até agora é a de que há versões de relativismo que são


inteiramente incontroversas, tais como (R1)–(R5). Essas formas de
relativismo não são incompatíveis com as coisas ditas pela maioria
dos absolutistas, e não são incompatíveis com o que quer que seja
implicado pela Perspectiva Padrão. Outra forma de relativismo é
expressa em (R6). Mas essa versão de relativismo é um tipo
implausível de absolutismo. Não há dúvidas de que outras versões de
relativismo poderiam ser desenvolvidas, e é ainda possível que uma
versão melhor seja desenvolvida.

Nada disso desconsidera a diversidade cognitiva constatada que


levou alguns à Perspectiva Relativista. As pessoas são diversas, e
seria um erro negar tal coisa ou supor de maneira arrogante a
superioridade da própria perspectiva. Contudo, é difícil extrair
qualquer doutrina epistemológica relevante dessas observações, pelo
menos alguma doutrina que enfraqueça a Perspectiva Padrão.

III. Desacordos razoáveis


Não é incomum que uma discussão sobre um assunto controverso
termine com uma declaração de que pessoas razoáveis podem
discordar sobre a questão. Os defensores da Perspectiva Relativista
não hesitam em aceitar essa possibilidade. Essa observação é feita
em debates políticos, religiosos, filosóficos e às vezes científicos.
Talvez seja de se esperar que isso propicie um desacordo respeitoso
e uma maior tolerância a perspectivas opostas. Nada do que se
segue visa minimizar o valor do respeito e da tolerância. Muito pelo
contrário, a questão a ser tratada diz respeito ao quanto é possível
para pessoas razoáveis discordarem. Talvez os relativistas e os
absolutistas difiram sobre o quanto de desacordo razoável possa
haver.

A. Casos incontroversos de desacordo razoável

É melhor começar por clarificar a questão. Vamos identificar e deixar


de fora dois tipos de caso em que pessoas razoáveis (ou racionais)
discordam entre si, muito embora tais casos não sejam relevantes ao
problema em causa.

Primeiro, poder-se-ia pensar que uma pessoa razoável é aquela que


tem uma tendência geral a ter crenças razoáveis. Assim como uma
pessoa honesta poderia contar uma mentira infrequente, a pessoa
razoável poderia ter uma eventual crença irrazoável. Ao ter tal
crença, a pessoa razoável discordaria de outra pessoa razoável que
dispõe de evidência similar mas que não está sofrendo um lapso de
racionalidade. Obviamente não é isso que se pretende com a
observação “pessoas razoáveis podem discordar”. Antes, a afirmação
é a de que ambos os pontos de vista são razoáveis nas mesmas
circunstâncias.

Uma segunda maneira pela qual é incontroverso que pessoas


razoáveis possam discordar depende crucialmente daquilo que conta
como desacordo. Suponha que eu goste de sorvete de baunilha e
você prefira o de chocolate. Num sentido, discordamos sobre algo.
Contudo, nada há de irrazoável sobre ambas as preferências.
Pessoas perfeitamente razoáveis podem ter desacordos não-
intelectuais como esse. É claro que nesse tipo de caso não há
qualquer proposição particular tal que uma pessoa pense que seja
verdadeira e a outra pense que seja falsa. Mas o que está em causa
aqui é a existência de desacordos razoáveis sobre o valor de verdade
de uma proposição.

Esses dois exemplos sugerem que ao perguntarmos pela


possibilidade do desacordo entre pessoas razoáveis o ponto central
é: poderia ser o caso de uma pessoa acreditar numa proposição ao
mesmo tempo em que outra acredita em sua negação, e ainda assim
ambas serem razoáveis em suas crenças? Uma vez mais, é fácil ver
que a resposta a essa pergunta é incontroversamente afirmativa. As
crenças que os antigos e os modernos tinham sobre o formato da
terra, por exemplo, respondem à questão. O tipo de caso que
geralmente provoca a observação de que pessoas razoáveis podem
discordar é diferente, todavia. Suponhamos que as crenças dos
antigos estivessem baseadas na melhor informação observacional e
teórica disponível a eles. Isso é o que torna a crença deles razoável.
Estamos numa posição claramente superior à deles no que diz
respeito a essa questão. Temos observações e informação que vão
além daquelas que eles tinham. Além da informação disponível a
eles, temos ainda mais informações. Isso nos permite dizer,
corretamente, que eles eram razoáveis em sua crença, embora
estivessem errados, e que a nossa crença na proposição concorrente
é também razoável.

No que diz respeito a essas questões, a relação entre os antigos e


nós é, num sentido importante, assimétrica: nós sabemos sobre eles,
mas eles não sabiam sobre nós. Não houve uma conversa em que
eles tenham ouvido o nosso ponto de vista, que nós tenhamos ouvido
o deles, e, então, razoavelmente tenhamos compreendido (ou
tolerado) os pontos de vistas diferentes uns dos outros. Em
contraste, o tipo de situação vislumbrada desde o início desta seção
foi a de duas pessoas travando uma discussão, escutando e
defendendo seus pontos de vista, e, em consequência disso,
chegando à conclusão de que pessoas racionais podem discordar
sobre o assunto em pauta. Há, nesse caso, um compartilhamento de
informação, embora conclusões diferentes tenham sido atingidas.
Esse é um caso mais intrigante. Quando isso acontece, podem ambas
as partes serem razoáveis?

B. Mantendo crenças à luz do desacordo

Uma maneira de pôr a questão é perguntar se é razoável manter


suas crenças quando você sabe que outras pessoas tão inteligentes
quanto você têm crenças conflitantes com as suas. A questão é ainda
mais desafiadora quando diz respeito a crenças que despertam
paixão entre as pessoas, tais como crenças morais ou religiosas. Será
razoável manter as suas crenças mesmo sabendo que outras pessoas
tão inteligentes e bem informadas quanto você acreditam em coisas
em claro contraste com aquilo que você acredita? Poderá você
sensatamente pensar que as suas próprias crenças são razoáveis ao
mesmo tempo em que as crenças daqueles que discordam de você
são também razoáveis? A ideia aqui é que não há assimetria, ou, pelo
menos, nenhuma assimetria óbvia, como no caso dos antigos e nós.
Nesses casos, você e aqueles com os quais discorda sabem tudo
sobre as perspectivas um do outro. Dizer que as suas próprias
crenças são razoáveis ao mesmo tempo em que as crenças
concorrentes são também razoáveis é dizer (de uma perspectiva
evidencialista) três coisas:

(a) Você tem boas razões para as suas crenças.


(b) Eles têm boas razões para as crenças concorrentes deles.
(c) Você está correto e eles errados.

Será essa combinação de crenças defensável?

Você poderia pensar que na situação em questão você não teria de


aceitar o elemento (c). Mas se há um desacordo real, então há algo
que você acredita e os outros negam. E se você acredita que p e sabe
que alguém acredita que ¬p, então você pensa que a outra pessoa
está errada. Você poderia não querer colocar as coisas assim tão
diretamente, mas isso é o que a consistência exige que você pense.
Se você pensa que eles poderiam estar corretos ao mesmo tempo
que você, então você pensa que não há de todo um desacordo.
Quando há desacordo real, o elemento (c) está presente.10

Algumas pessoas têm tentado interpretar os aparentes desacordos


sobre questões importantes de modo a não torná-los desacordos
reais. Isto é, elas têm tentado interpretar algumas questões de modo
que (c) não se aplique. Por exemplo, algumas pessoas têm tentado
interpretar as aparentes diferenças sobre questões religiosas não
como um desacordo genuíno. Poder-se-ia dizer que perspectivas
religiosas aparentemente conflitantes são na verdade casos em que
as pessoas usam uma linguagem diferente para dizer essencialmente
a mesma coisa. Ou considerar a conversa religiosa não como
descrevendo fatos mas, ao invés, como sendo um modo de expressar
a lealdade a determinado modo de vida. Não entraremos nessa
disputa sobre a natureza da linguagem religiosa.11 A nossa questão é
sobre desacordos genuínos. Se os desacordos religiosos são
genuínos, então o que se dirá abaixo se aplicará a eles.

A nossa questão, então, é se uma pessoa pode razoavelmente aceitar


(a)–(c) no caso de um desacordo genuíno sobre alguma questão de
fato. Talvez esse seja um ponto no qual relativistas e absolutistas
discordem. Em outras palavras, talvez os defensores da Perspectiva
Relativista aceitem, e os absolutista neguem, um princípio tal como

R7. É possível para uma pessoa estar justificada em acreditar que p e,


ao mesmo tempo, estar justificada em acreditar que outra pessoa está
justificada em acreditar que ¬p.

Aqueles que encerram uma discussão com “pessoas razoáveis podem


discordar” parecem ter (R7) em mente. Elas dizem “Sou razoável em
minha crença, mas você também é razoável em sua crença
concorrente”.

É claro, contudo, que os absolutistas não teriam problemas em


aceitar (R7). O seguinte exemplo inicialmente nos ajuda a
compreender por quê:

Exemplo 9.2: Tratamentos eficazes

O Dr. J faz um estudo cuidadoso para examinar a efetividade das


drogas X, Y e Z para o tratamento de uma doença. O estudo
indica que X funciona melhor. O Dr. J não tem outra informação
relevante quanto à superioridade dos três medicamentos.
Enquanto isso, a Dr.ª K fez um estudo similar que indicou que Y
funciona melhor. Nenhum pesquisador sabe algo acerca de outros
resultados ou mesmo da existência de outro estudo. Nenhum
pesquisador é de modo algum negligente em não saber sobre o
estudo um do outro. Cada um tem uma boa razão para pensar que
o seu estudo fora efetivamente conduzido e concluído.

A essa altura, podemos aceitar cada uma das seguintes afirmações:

1. O Dr. J está razoavelmente bem justificado em pensar que X funciona


bem.12
2. A Dr.ª K está razoavelmente bem justificada em pensar que Y funciona
bem.

Na presente forma, esse exemplo não fornece apoio a (R7). Para


estabelecer (R7) não é suficiente que 2 seja verdadeira. É também
necessário que o Dr. J esteja justificado em pensar que (2) é
verdadeira.

Suponha que adicionemos ao exemplo que o Dr. J fica sabendo dos


resultados da Dr.ª K. Se pudermos também adicionar fatores que
tornem o Dr. J justificado em pensar que ele está correto e que a Dr.ª
K está errada, então teremos um exemplo que estabelece (R7). Não é
difícil fazê-lo. Suponha que o Dr. J também saiba sobre as falhas no
estudo da Dr.ª K, falhas que ela não tinha como saber e que não
envolvem erros de raciocínio. O fato de a Dr.ª K não ter como saber
dessas falhas e não ter cometido erros de raciocínio torna verdadeiro
que ela está justificada em sua crença. O fato de o Dr. J ter
descoberto essas falhas mostra que ele tem razão para
desconsiderar os resultados da Dr.ª K e acreditar que ele está
correto e ela errada.13 Ele está ainda justificado em pensar que X
funciona melhor. Podemos então estabelecer (R7). O exemplo
depende do fato de que o Dr. J sabe mais do que a Dr.ª K sabe. Ele é
capaz de explicar os resultados conflitantes. Assim, você pode ter
boas razões para a sua crença, saber que outras pessoas têm boas
razões para a crença concorrente, e ainda assim estar justificado em
manter a sua própria crença.

Dá-se o caso, então, de a tese relativista (R7) ser verdadeira. Mas


isso de modo algum estabelece aquilo que os absolutistas quereriam
negar. Os princípios de raciocínio poderiam ser tão absolutos quanto
poderíamos imaginar, e mesmo assim o exemplo recém-descrito
estabelecer (R7).

Como até agora descrito, o exemplo do Dr. J e da Dr.ª K envolve uma


assimetria. O Dr. J sabe mais do que a Dr.ª K sobre a situação. Nesse
aspecto, ele é como o exemplo da nossa crença, e dos antigos, sobre
o formato da terra. Mas podemos modificar o exemplo a fim de
eliminar essa característica. Suponha que os dois médicos trocam
toda a informação sobre os dois experimentos. Assim, eles têm
exatamente a mesma evidência sobre os resultados da pesquisa. E
suponha que eles mantenham suas crenças originais. O Dr. J ainda
pensa que X funciona melhor e a Dr.ª K ainda pensa que Y é que
funciona melhor. Talvez os relativistas queiram dizer que cada um
deles estaria justificado e que ambos estariam justificados em
acreditar que o outro está justificado. Eles poderiam discordar
razoavelmente sobre qual é o melhor medicamento. Se os relativistas
dizem isso, eles estão a defender um princípio como o seguinte

R8. É possível que uma pessoa esteja justificada em acreditar que p,


justificada em acreditar que outras pessoas estejam justificadas em
acreditar que ¬p e não ter qualquer razão para acreditar que suas
próprias razões (ou métodos) sejam superiores aos das outras pessoas.

Aceitar (R8) é aceitar uma tese relevante. Talvez seja isso que os
defensores da possibilidade de desacordos razoáveis tenham em
mente. Pois (R8) é uma maneira de dizer “Tenho a minha crença,
você tem a sua, ambos estamos justificados, e as nossas situações
epistêmicas são comparáveis”. Isso permite o desacordo sem que os
discordantes pressuponham estar numa posição superior um em
relação ao outro.

Os absolutistas negarão (R8). Os evidencialistas parecem estar


comprometidos com a perspectiva de que os dois médicos em nosso
exemplo não possam estar justificados em acreditar em coisas
diferentes com base na mesma evidência. Eles negarão (R8). Assim,
talvez seja (R8) o ponto de contenda entre os relativistas e os
absolutistas.

Há uma boa razão para favorecer o lado absolutista da disputa. Pois,


para que cada um dos médicos mantenha a sua crença em sua
situação é preciso que eles confiram um status especial a seu próprio
estudo sem qualquer boa razão para isso. E é uma falha tratar casos
iguais desigualmente. Eles deveriam suspender seu juízo sobre qual
droga é mais efetiva. Não há razão para aceitar a tese relativista de
que um deles está justificado em manter a sua crença original. É
melhor rejeitar (R8).

Uma ideia correlata é a seguinte. Às vezes você tem uma crença


particular e sabe que outras pessoas, tão inteligentes quanto você,
têm crenças conflitantes com a sua. Pode ser reconfortante e
amigável pensar que tanto você tanto quanto eles estejam
justificados em suas crenças. Mas se você genuína e razoavelmente
pensa que eles estão justificados, então, caso seja razoável que você
mantenha a sua crença, você precisa de alguma razão para pensar
que, de um modo ou de outro, eles têm uma crença falsa justificada.
Isto é, você precisa de alguma informação comparável àquela que
temos no caso dos antigos e nós. Na falta dessa informação, você não
está justificado a manter a sua crença.

Esse é um resultado intrigante. Muitas pessoas estão inclinadas a


pensar que seus pontos de vista filosóficos, políticos, religiosos e
assim por diante são razoáveis, e que aqueles que discordam deles
são também razoáveis. Elas querem ser tolerantes e inclusivas. Elas
querem manter os seus próprios pontos de vista e, ao mesmo tempo,
conceder que aqueles que diferem delas têm também boas razões. O
resultado da nossa discussão é que, em casos em que toda a
evidência a favor de ambos os lados é compartilhada, essa
combinação de pontos de vista não é razoável. Você não pode
razoavelmente pensar que as suas crenças são justificadas por
aquelas evidências e que as crenças concorrentes são também
justificadas pela mesma evidência. E mais, ainda que você não tenha
compartilhado toda a evidência, uma vez que você conceda que os
outros têm boas razões para seus pontos de vista, você tem de ter
uma boa razão para pensar que eles estão errados, caso você queira
ser razoável em manter as suas crenças originais. Os desacordos
razoáveis são mais difíceis de obter do que poderiam pensar os
defensores de (R8).

C. Duas objeções

O argumento da seção anterior nega que possa haver desacordos


razoáveis do tipo que os relativistas descrevem. Essa seção examina
duas réplicas.

C1. Atitudes diferentes perante o risco

Exemplo 9.3: Corajoso e cauteloso

Corajoso e Cauteloso examinam a evidência para a proposição p e


concluem que a evidência a apoia ligeiramente. Corajoso conclui
que é uma evidência boa o bastante para acreditar que p e assim
o faz. Cauteloso conclui que acreditar com base nessa quantidade
de evidência é bastante arriscado. Cauteloso não acredita que p.
Mas cada um deles reconhece a legitimidade das diretrizes do
outro. Eles decidem que ambos têm uma atitude razoável frente a
p.

Se Corajoso e Cauteloso estão corretos em pensar que são razoáveis,


então parece que temos um caso de desacordo razoável do tipo que
estávamos procurando. Esse exemplo, caso esteja correto, mostra
que não há uma única atitude razoável a ser tomada frente a uma
proposição, mesmo tendo um corpo fixo de evidência. Isso parece
minar o absolutismo.

O tipo de desacordo envolvido no Exemplo 9.3 difere dos


apresentados anteriormente. Esse não é um caso em que as pessoas
discordam realmente sobre p; isto é, não é um caso em que alguém
acredita que p e o outro desacredita. Ao invés, um acredita e o outro
apenas suspende o juízo. E não há modo de modificar o exemplo de
modo que Cauteloso viesse a acreditar que ¬p com base na
evidência, a menos que eles tivessem um desacordo ainda mais
substancial sobre a natureza dessa evidência. Assim, ainda que
correto, esse não é um caso de desacordo razoável do tipo que
estamos procurando.
Talvez isso se dê por conta de termos falado sobre a crença como se
ela fosse uma atitude de “tudo ou nada”. Talvez devêssemos
distinguir entre graus de crença, ou mesmo reconhecer diferenças
entre a aceitação cautelosa, a convicção plena e uma gama de
atitudes entre elas. É defensável, então, que alguma forma fraca de
crença esteja justificada no exemplo em consideração. Desse ponto
de vista, a suspensão de juízo é justificada somente quando a
evidência relacionada a uma proposição é de fato contrabalanceada
— quando ela nem mesmo modestamente apoia a proposição. Se for
esse o caso, então atitudes diferentes frente ao risco não parecem
justificar sequer o mais modesto tipo de desacordo envolvido no
Exemplo 9.3.

Exemplos como 9.3, portanto, não apoiam qualquer abandono


significativo da perspectiva absolutista. Talvez eles mostrem que
haja espaço para algumas diferenças razoáveis em quanta evidência
é exigida para razoavelmente se formar uma crença. Mas isso nem
chega perto de mostrar que possa haver desacordos razoáveis do
tipo vislumbrados por (R8).

C2. Quando escolhas são exigidas

Exemplo 9.4: A bifurcação na estrada

Canhoto e Destro estão dirigindo em carros separados rumo a um


encontro importante. Eles dirigem em horários diferentes, de
modo que um não vê o outro. Há uma bifurcação na estrada. Cada
um deles tem de pegar uma das bifurcações. A sinalização não
menciona a bifurcação, eles não têm qualquer mapa ou telefone
celular e não há ninguém por perto a quem se possa perguntar.
Voltar não é uma opção. Eles têm de fazer uma escolha. Canhoto
escolhe o caminho da esquerda. Destro o da direita. Mais tarde,
ao ouvir o que aconteceu, Canhoto diz que Destro fez uma
escolha razoável, embora ele, Canhoto, tenha também sido
razoável. Nenhum deles pensa que a escolha do outro é melhor.

Canhoto e Destro tinham exatamente a mesma informação quando


tomaram suas decisões. Tomaram decisões diferentes, e, pelo menos
num instante posterior, ambos sabiam que o outro tinha tomado uma
decisão razoável. Isso mostra que pessoas razoáveis podem
discordar, mesmo quando toda a evidência é compartilhada. Isso
pode parecer dar apoio a (R8) e refutar o absolutismo.

Ao pensar sobre exemplos como esse, é importante separar questões


sobre crença de questões sobre ação. Podemos conceder que seja
razoável pegar o caminho da esquerda e que seja razoável pegar o
caminho da direita. Alguém tem de tomar um caminho – estamos
supondo que não há outra opção – e não há bases para se concluir
que um caminho é melhor que o outro. Assim, tomar qualquer um
dos dois é aceitável. Mas isso não mostra que o desacordo razoável
do tipo caracterizado anteriormente seja possível. E nenhuma
objeção ao absolutismo sobre a crença razoável é produzida por esse
exemplo. É razoável pegar o caminho da esquerda. É igualmente
razoável pegar o caminho da direita. Mas não é razoável acreditar
que o caminho da esquerda seja a melhor rota. Nem é razoável
acreditar que o caminho da direita seja o melhor para se pegar. A
atitude justificada frente a essas proposições é a suspensão do juízo.
Uma pessoa razoável pensaria, nessa situação, “Não faço ideia sobre
qual é o melhor. Mas seguirei este”. A escolha será arbitrária.

A suspensão de juízo é também uma opção no caso da crença. Em


alguns casos de ação, a opção de nada fazer – que é em algumas
formas o análogo da suspensão de juízo – não está disponível ou é
claramente uma opção inferior. Entretanto, nos tipos de casos
considerados aqui, a suspensão de juízo em relação às proposições
controversas é no mínimo um candidato a uma atitude razoável. E
pode muito bem ser que em grande parte dos casos nos quais as
pessoas pensam que pessoas razoáveis podem discordar, o que é de
fato verdadeiro é que pessoas razoáveis suspenderão o juízo sobre
do tópico. E isso pode ser o caso mesmo quando alguma ação
correlata tenha de ser executada. O Dr. J, na última versão do
exemplo, caso fosse razoável, suspenderia o juízo sobre qual droga é
a melhor. E ele suspenderia o juízo ainda que tivesse dado alguma
medicação a um paciente precisando de cura.

Isso sugere um ponto importante que talvez se dê em casos reais nos


quais as pessoas querem dizer que pessoas razoáveis podem
discordar. Se você pensa que ambas as conclusões são igualmente
bem apoiadas pela evidência, então a suspensão de juízo é a atitude
racional a ser tomada. Isso talvez seja desapontador, já que ter a
crença parece ser a melhor opção. As crenças em questão podem até
fazer uma diferença real à sua vida. Contudo, a conclusão da
presente linha de raciocínio é que em tais casos, a suspensão de
juízo é a atitude epistemicamente racional. Ao mesmo tempo, pode
ser melhor agir em tais casos, como mostra o exemplo da bifurcação
da estrada.

Seguir consistentemente princípios evidencialistas pode exigir,


portanto, uma postura mais modesta do que alguns gostariam. A
suspensão de juízo pode ser a atitude razoável frente a muitas
questões difíceis.

IV. Conclusão
Este capítulo examinou a Perspectiva Relativista e suas implicações.
Mostrou-se difícil formular com exatidão a posição relativista.
Algumas versões da doutrina, tais como (R1)–(R4), dizem meramente
que há diferenças nas coisas conhecidas por diferentes pessoas ou
grupos. Tais versões de relativismo são inteiramente inócuas. Outras
versões, tal como (R5), dizem que há diferenças nos princípios de
raciocínio que as pessoas podem razoavelmente usar.
Adequadamente interpretado, isso é verdadeiro e dificilmente
controverso.

Outras versões de relativismo, como (R6), dizem que não há


verdades reais sobre o que é razoável; há meramente padrões locais
variantes. É difícil entender exatamente o que isso significa, exceto
talvez que o único padrão apropriado a ser seguido é aquele que os
costumes locais ditam. Isso equivale a uma tese absolutista
completamente implausível. Nada há, portanto, em tais doutrinas
relativistas que seja plausível e ao mesmo tempo controverso.

Outra ideia associada à Perspectiva Relativista é sugerida pela


expressão comum “Pessoas razoáveis podem discordar”. Essa
expressão pode ser interpretada de várias formas, mas a de maior
interesse se aplica a situações nas quais duas pessoas compartilham
toda a informação relevante e chegam a conclusões diferentes sobre
o mesmo tópico. Cada uma delas diz ser razoável em tirar suas
próprias conclusões; mas, talvez na vontade de ser respeitoso e
tolerante, acabam por reconhecer a racionalidade uma da outra. (R8)
formula o princípio relativista ao longo dessas linhas.

Se (R8) é verdadeira, então duas pessoas numa conversa podem


compartilhar todas as evidências e, plenamente cientes da posição
um do outro, razoavelmente chegar a conclusões diferentes. Isso
levaria a uma violação dos padrões evidencialistas. Embora isso não
conflite diretamente com a Perspectiva Padrão, conflita com o
absolutismo implícito na discussão. A conclusão traçada aqui é que
(R8) não é verdadeira; que não há casos do tipo descritos por ela.
Naquelas situações em que achamos mais plausível haver desacordo
razoável, a suspensão de juízo é a atitude razoável a ser tomada
frente à proposição em disputa.

A Perspectiva Relativista apresenta um conjunto de questões


interessante e intrigantes. A existência da diversidade cognitiva
pode servir para reduzir a confiança que algumas pessoas têm em
certas crenças. Mas nada há nas considerações avançadas neste
capítulo que lance dúvida sobre a Perspectiva Padrão.

Richard Feldman
Capítulo 9 de Epistemology (Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 2003), pp.
177–190.
Revisão de Aluízio Couto.

Notas
1. A Perspectiva Padrão na epistemologia é a conjunção de duas teses: (I)
Temos conhecimento sobre uma variedade de coisas: (a) sobre o
ambiente circundante, (b) nossos pensamentos e sentimentos, (c) fatos
comuns sobre o mundo, (d) fatos científicos, (e) outras mentes, (f) o
passado, (g) a matemática, (h) verdades conceituais, (i) moralidade, (j)
futuro e (k) religião; e (II) as fontes primárias do nosso conhecimento
são: (a) a percepção, (b) a memória, (c) o testemunho, (d) a
introspecção, (e) o raciocínio e (f) o insight racional. Parte da
epistemologia tradicional trata de questões relacionadas ao
desenvolvimento da perspectiva padrão, e.g., a natureza do
conhecimento e da justificação, sua estrutura, etc. N. do T. ↩
2. Ao levantar essas questões retornamos à (Q6) do Capítulo 1: “Quais
são as implicações epistemológicas da diversidade cognitiva? Há
padrões universais de racionalidade, aplicáveis a todas as pessoas (ou
a todos os sujeitos pensantes) em qualquer tempo? Sob quais
circunstâncias pessoas racionais podem discordar umas das outras?”.

3. Harvey Siegel, “Relativism”, em Jonathan Dancy and Ernst Sosa (eds.),
A Companion to Epistemology (Oxford: Blackwell, 1992), pp. 428-430.
A citação está nas páginas 428-429. ↩
4. Stephen Stich, “Epistemic Relativism”, Routledge Encyclopedia of
Philosophy Online, (2000). Editor geral: Edward Graig.
http://www.rep.routledge.com. ↩
5. Feldman defende no capítulo 4 que a teoria evidencialista do
conhecimento e da justificação mais promissora é o fundacionismo
modesto, cujas características principais são (i) a exigência de não
mais do que conexões não-dedutivas entre crenças básicas e crenças
não-básicas, (ii) a falibilidade sobre crenças básicas e (iii) a não
exigência de que as crenças básicas sejam crenças sobre estados
internos do sujeito. N. do T. ↩
6. Veja o princípio (ET) no Capítulo 8. ↩
7. Estou grato a Harvey Siegel pelos comentários proveitosos a este
capítulo, e especialmente a esta seção. Para uma excelente discussão
sobre o tópico, veja o seu “Relativsm”, em I. Niniluoto, M. Sintonen e J.
Wolenski (eds.), Handbook of Epsitemology (Dordrecht: Kluwer, 2001).

8. B. Barnes e D. Bloor, “Relativism, Rationality and the Sociology of
Knowledge”, em M. Hollis e S. Lukes (eds.), Rationality and Relativism
(Cambridge, MA: MIT Press, 1982), pp. 27-28. ↩
9. É claro que pode haver uma combinação de fatores que causam a
doença. ↩
10. Alguns relativistas poderiam negar isso. Vimos na Seção II deste
capítulo, junto de (R6), que algumas pessoas defendem que nada é
realmente racional e que há apenas padrões locais sobre a questão.
Um relativista que estendesse esse ponto de vista a outros tópicos
poderia dizer que em todos os aparentes desacordos não há verdade de
fato e, portanto, nenhum desacordo real. ↩
11. Para uma discussão sobre essas questões, veja Philip L. Quinn e Kevin
Meeker (eds.), The Philosophical Challenge of Religious Diversity
(Oxford: Oxford University Press, 2000). ↩
12. Isso não é supor que a crença seja justificada o bastante para satisfazer
uma condição de justificação para o conhecimento. Ela tem algum
status epistêmico mais fraco, porém positivo. ↩
13. Vale notar que a evidência de falhas no estudo concorrente não é
evidência de que a droga X seja eficaz. É, ao invés, evidência que serve
para minar um anulador dessa proposição. O anulador é a informação
original sobre os outros estudos. ↩

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