O relato da ascensão proeminente de José, como narrada no livro do Gênesis, é a mais famosa das histórias dos imigrantes de Canaã chegando ao poder no Egito, mas existem outras fontes que oferecem essencialmente o mesmo quadro - do ponto de vista egípcio. A mais importante delas foi escrita pelo historiador egípcio Mâneto, no século III a.C., ele registrou uma história de imigração extraordinária pelo seu sucesso, embora seu ponto de vista patriótico a tenha transformado em tragédia nacional. Baseando seus relatos nos 'livros sagrados' anônimos e em 'contos e lendas populares', Mâneto descreveu uma massiva e brutal invasão do Egito por estrangeiros do leste, a quem chamou hicsos, enigmática forma grega de uma palavra egípcia que ele traduziu como 'reis pastores', mas que verdadeiramente significa 'governantes de terras estrangeiras'. Mânteo relatou que os hicsos se estabeleceram no delta, em uma cidade chamada Avaris, e fundaram uma dinastia que dominou o Egito, com grande crueldade, por mais de quinhentos anos. Nos primeiros anos da pesquisa moderna, os estudiosos identificaram os hicsos com os reis da XV dinastia do Egito, que governaram mais ou menos entre 1670 a 1570 a.C. Esses estudiosos aceitaram literalmente o relato de Mâneto e buscaram sinais para a existência de uma poderosa nação estrangeira ou um grupo étnico que teria vindo de longe para invadir e conquistar o Egito. Estudos subsequentes mostraram que as inscrições e selos que levavam nomes de governantes hicsos eram semitas ocidentais, em outras palavras, de Canaã. Escavações arqueológicas recentes no leste do delta do Nilo confirmaram aquela conclusão e indicaram que a 'invasão' dos hicsos foi um processo gradual de imigração de Canaã para o Egito, ao invés de uma fulminante campanha militar. A escavação mais importante foi feita por Manfred Bietak, da Universidade de Viena, em Tell ed- Daba, sítio no delta leste identificado como Avaris, a capital dos hicsos (figura 4, p. 88). Essas escavações' mostraram gradual influência de Canaã nos estilos da cerâmica, arquitetura e túmulos, por volta de 1800 a.C. Na época da XV dinastia, cerca de 150 anos depois, a cultura do sítio, que, por acaso, se transformou em grande cidade, era esmagadoramente de Canaã. As descobertas de Tell ed- Daba são evidência de longo e progressivo desenvolvimento da presença do povo de Canaã no delta e de uma dominação local pacífica. É uma situação estranhamente semelhante, pelo menos nos seus contornos amplos, às histórias das visitas dos patriarcas ao Egito, e de sua instalação eventual naquela região. O fato de Mâneto, escrevendo quase 1.500 anos mais tarde, narrar uma invasão brutal, ao invés de uma imigração gradual e pacífica, deve provavelmente ser compreendido pela formação de sua própria época, quando as lembranças das invasões do Egito pelos assírios, babilônios e persas nos séculos VII e VI a.c. ainda estavam, de forma dolorosa, frescas na consciência egípcia. Mas existe paralelo ainda mais poderoso entre a saga dos hicsos e a história bíblica dos israelitas no Egito, a despeito das drásticas diferenças de tom. Mâneto descreve como, enfim, acabou a invasão dos hicsos por um virtuoso rei egípcio que atacou e derrotou os invasores, "matando muitos deles e expulsando os remanescentes para as fronteiras da Síria". De fato, Mâneto supôs que, depois que os hicsos foram expulsos do Egito, fundaram a cidade de Jerusalém, onde construíram um templo. Ainda mais fidedigna é uma fonte egípcia do século XVI a.C., que reconta as proezas do faraó Ahmose, da XVIII dinastia, que saqueou Avaris e perseguiu os remanescentes dos hicsos até a cidade mais ao sul de Canaã - Saroen, perto de Gaza -, que ele tomou de assalto depois de longo cerco. E de fato, por volta da metade do século XVI a.C., Tell ed-Daba foi abandonada, marcando o final da influência de Canaã. Assim, fontes arqueológicas e históricas independentes relatam a imigração de semitas de Canaã para, o Egito, e os egípcios expulsando-os com o uso da força. Esse resumo básico da imigração e do retorno violento para Canaã é paralelo ao relato bíblico do Êxodo. Duas questões-chaves permanecem. Primeira questão: quem eram esses imigrantes semitas? E, segunda questão: como a data de sua permanência no Egito se enquadra na cronologia bíblica?